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A Obra de Talha Religiosa de Mestre Inácio no Rio de Janeiro Setecentista: Modernidade e tradições barrocas Nancy Regina Mathias Rabelo Doutoranda Universidade Federal do Rio de Janeiro/CEFET-RJ Introdução Neste artigo, comentaremos a obra de talha religiosa de Inácio Ferreira Pinto, mestre entalhador carioca que atuou no Rio de Janeiro na segunda metade do sé- culo XVIII, responsável por algumas das melhores decorações dentro do espírito rococó. Este mestre adotou em seus trabalhos alguns elementos arraigados ao re- pertório barroco, como a coluna torsa, mas cuja aplicação naquele contexto não correspondia mais à estética de influência italiana, e sim à nova moda francesa, conjugada ao arbítrio da clientela local. Suas obras caracterizam-se por elementos plásticos, dentro de um vocabulário abstrato inspirado na ourivesaria, que confe- rem ao interior coerência e integração com o espaço arquitetônico. O passado barroco e advento do rococó. As manifestações artísticas do barroco no Brasil podem ser interpretadas como obras lusitanas na extensão territorial da colônia. Articulada segundo orientações tridentinas, a produção ou vinha diretamente da metrópole, ou realizava-se aqui, usando material local, mas através da atuação direta dos mestres portugueses. A natural distensão dos interesses e do pensamento português exportava a concepção de arte, correspondendo de imediato ao que era produzido na metrópole. Salvo a atividade didática jesuítica junto ao gentio, inculcando a religião e cultura que produziu obras de caráter formal diverso do erudito, nas demais ordens o que se fazia resultava do gosto português na íntegra. No alvorecer do século XVIII, o bar- roco joanino aportou como encomenda de ordens terceiras e irmandades abasta- das, formadas predominantemente por ricos comerciantes brancos, “homens bons”, que importaram a referência de luxo, bom gosto e erudição então vigente em Lis- boa, articulado pelo mecenato régio de D. João V.

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A Obra de Talha Religiosa de Mestre Inácio no Rio de Janeiro Setecentista:

Modernidade e tradições barrocas

Nancy Regina Mathias RabeloDoutoranda Universidade Federal do Rio de Janeiro/CEFET-RJ

Introdução

Neste artigo, comentaremos a obra de talha religiosa de Inácio Ferreira Pinto, mestre entalhador carioca que atuou no Rio de Janeiro na segunda metade do sé-culo XVIII, responsável por algumas das melhores decorações dentro do espírito rococó. Este mestre adotou em seus trabalhos alguns elementos arraigados ao re-pertório barroco, como a coluna torsa, mas cuja aplicação naquele contexto não correspondia mais à estética de influência italiana, e sim à nova moda francesa, conjugada ao arbítrio da clientela local. Suas obras caracterizam-se por elementos plásticos, dentro de um vocabulário abstrato inspirado na ourivesaria, que confe-rem ao interior coerência e integração com o espaço arquitetônico.

O passado barroco e advento do rococó.

As manifestações artísticas do barroco no Brasil podem ser interpretadas como obras lusitanas na extensão territorial da colônia. Articulada segundo orientações tridentinas, a produção ou vinha diretamente da metrópole, ou realizava-se aqui, usando material local, mas através da atuação direta dos mestres portugueses. A natural distensão dos interesses e do pensamento português exportava a concepção de arte, correspondendo de imediato ao que era produzido na metrópole. Salvo a atividade didática jesuítica junto ao gentio, inculcando a religião e cultura que produziu obras de caráter formal diverso do erudito, nas demais ordens o que se fazia resultava do gosto português na íntegra. No alvorecer do século XVIII, o bar-roco joanino aportou como encomenda de ordens terceiras e irmandades abasta-das, formadas predominantemente por ricos comerciantes brancos, “homens bons”, que importaram a referência de luxo, bom gosto e erudição então vigente em Lis-boa, articulado pelo mecenato régio de D. João V.

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O Rio de Janeiro recebeu um exemplar primoroso, executado por grandes ar-tistas lisboetas: a obra da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, cujo modelado, segundo Bazin�, não foi superado mesmo na metrópole.

Constata-se que na segunda metade do século XVIII, com o advento do roco-có, o ingrediente nativo aumenta seu percentual. As obras nascem das mãos dos artistas forjados na prática das oficinas locais e aqui estimulando a própria sensibi-lidade. Não havia ainda uma concepção nacionalista, ou seja, de “ser brasileiro”, aspecto que se disseminaria a partir do século XIX, mas forjava-se uma especifici-dade local, em que o universo dentro do qual ocorre a obra passa a atuar de forma mais autônoma. Artistas eminentes como Antonio Francisco Lisboa - o Aleijadi-nho, Mestre Inácio e Mestre Valentim2, jamais se ausentaram da terra. Ainda que sobre a evocação estética de além-mar, presente pela circulação de gravuras e modelos determinantes dos riscos das obras, as condições seguem aumentando um teor particularizado dentro do estilo rococó, que propiciava esta liberdade, porque despojado de preceitos teóricos sistematizados e independente de deter-minações políticas ou ideológicas�. Pela justa vivência local dos artistas, impreg-nações estéticas do estilo anterior não desaparecem completamente, revelando-se presentes em alguns elementos mesmo durante a vigência de um gosto estético diverso. Da mesma forma, também a clientela, agora predominantemente laica, submete a encomenda às suas preferências e caprichos, intervindo independen-temente sobre a obra. Criava-se assim, uma congruência local de gosto, pontuan-do no estilo rococó recorrente no Brasil aspectos específicos em Minas, Pernam-buco e Rio de Janeiro. Tais especificidades regionais não foram exclusivas dos trópicos; em todos os locais de ocorrência – na Europa central e também na me-trópole, o rococó permitiu variedade de composição, pela mesma adaptação às

� BAZIN, Germain. A Arquitetura religiosa barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, �956, p.���2 As informações sobre a formação artística deste mestre são controversas; alguns historiadores aceitam a versão colhida em depoimento oral de Simeão José de Nazaré ao botânico Freire Alemão e relatada por Araújo Porto Alegre (Biblioteca Nacional, Seção de manuscritos, cód. I, 28, 9, 62, Coleção Freire Alemão) na qual afirma que Valentim tivera sua formação em Por-tugal; em contrapartida, o historiador Nireu Oliveira Cavalcanti contesta esta afirmação com base em documento que atesta a morte de seu pai no ano em que Valentim nasceu, o que in-viabilizaria a hipótese do artista ter ido estudar em Portugal levado pelo pai (Cavalcanti, ��2). Sua formação artística teria ocorrido nas oficinas mineiras, até �766. Quando veio para o Rio, em torno dos 22 anos, trabalhou como oficial ao lado de Luís da Fonseca Rosa, na igreja da Ordem Terceira do Carmo. Somos simpáticos à hipótese do professor Nireu; pois para nós o fato de trabalhar na condição de oficial ao lado de um mestre já caracteriza uma formação em andamento; ademais, é constatável a influência de Luis da Fonseca Rosa – mestre lisboeta - nas obras de Mestre Valentim: anjos na boca de tribuna, movimentos de enrolamento das mísulas, e, particularmente, a influência evidente da obra do Carmo sobre a da Igreja da Irmandade de Conceição e Boa Morte. Tal fato, de natureza artística, configura para nós o aprendizado e assimilação de modelos com Luís da Fonseca Rosa. � Sobre o assunto do estilo rococó e seu advento no Brasil, consultar a obra referência de Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, “O Rococó religioso no Brasil e seus antecedentes europeus”. São Paulo: Cosac & Naify, 200�.

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tradições de cada região, e pela já citada autonomia do estilo em relação a trata-dos, amoldando-se ao gosto peculiar de uma sociedade em particular como mo-delo de luxo, elegância e bom gosto. Sua origem cortesã francesa, tornando-se referência à época, assim o justificava e permitia.

O rococó não se mostrará estanque, hermético a uma linguagem formal exclu-siva e personalizada. No Rio de Janeiro, o panorama se mescla a Lisboa, pelos contatos diretos oficiais e administrativos com a metrópole de influência italiana, e ao Porto, de onde provinha significativa parcela da população. Tanto em Mestre Inácio, como nos demais grandes mestres do período, uma conjugação ornamental liberal e animada comporá um quadro que em suma, reflete a sociedade que o inspira: religiosa, festiva, abastada e auto confiante, que coexiste com o passado e abre-se para o futuro.

Dados biográficos

Inácio Ferreira Pinto era carioca, nascido em �759, filho natural de Thereza Correa e José Ferreira Pinto. Foi arquiteto, mestre entalhador, marceneiro e pedrei-ro. Muito provavelmente era mulato, pois sua certidão de batismo não fazia parte do livro de brancos e livres quando precisou obter licença para casar-se com Ana Joaquina do Amor Divino4, filha do mestre pedreiro João Coelho Marinho, que foi fiador da obra executada por Mestre Inácio na Igreja do Mosteiro de São Bento. No processo de casamento, declarou ter passado cinco anos em Vila do Príncipe, no Serro do Frio, único lugar para o qual se ausentou fora do Rio. Pelas nossas contas, sua fase de aprendizado como oficial, antes de chegar à condição de mestre, foi passada no Serro5. Teve cinco filhos legítimos e outro natural, que lhe herdou o nome e seguiu os passos na profissão6. Sua formação certamente incluiu a experi-ência em oficinas, como era de praxe na época7. Mestre Inácio tinha conhecimen-tos de geometria, desenho técnico e engenharia8, que o habilitaram a desenvolver

4 Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Casamento de Livres, Freguesia de São José. Livro nº 2 (�78�-�80�) – Ignácio Ferreira Pinto.5 Em nossas pesquisas, estivemos na antiga Vila do Príncipe, e nada encontramos sobre Mestre Inácio, ou obras a ele atribuídas. Mas é fato que igrejas e monumentos passaram por reformas que lhes descaracterizaram a forma primitiva. 6 Arquivo Nacional. Inventário Post-Mortem – Ignácio Ferreira Pinto – Inventariante: joana Pinheiro Pinto - n. �480 - caixa 4�4�, �857. 7 As testemunhas que compareceram para comprovar que Inácio Ferreira Pinto havia sido batizado foram: uma prima – Antonia Maria Barbosa, Luiz Pereira Macedo – pardo, liberto, marceneiro – e Anacleto Ferreira da Costa, pardo escuro, liberto, mestre alfaiate. Seus pa-drinhos foram Antonio Francisco – oficial de marceneiro e Nossa Senhora do Terço (grifo nosso). Portanto, Mestre Inácio foi criado em meio a pessoas pardas, ligadas aos ofícios, particularmente à marcenaria. 8 Não descartaríamos a possibilidade de Mestre Inácio ter freqüentado o curso de Artilharia e Infantaria, oferecido pelo Estado a militares e alguns civis que quisessem aprender princí-

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obras civis de grande porte anos mais tarde. Como artista, vamos encontrá-lo na segunda metade do século XVIII executando obras significativas de talha. Em �806, entrou para a irmandade de São José, mas não mais efetivou grandes encomendas de talha religiosa na cidade. Ao longo do século XIX; sua atuação passou a ser mais in-cisiva no âmbito da construção civil, provavelmente motivado pelo sogro, construtor e grande proprietário de imóveis na cidade9. Neste âmbito, executou as obras da fa-zenda do Pau Grande, em Paty do Alferes, exemplar construção rural, cujo dono viera das minerações de Serro Frio com grande fortuna. Na condição de Mestre de Obras Públicas, realizou obras de ampliação e modernização do Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro. Ao falecer em 7 de março de �828, contava 69 anos de idade, e pertencia à Ordem Terceira de São Francisco de Paula, tendo sido amortalhado com o hábito e enterrado no cemitério da igreja. Deixou alguns bens, e escravos que configuravam uma pequena equipe da construção civil.

Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo

Chegando ao Rio de Janeiro, em �590, os carmelitas inicialmente habitaram o Morro do Carmo. Decidiram depois se estabelecer na várzea, à beira-mar, cedendo o antigo espaço aos franciscanos. Alojaram-se na pequena Ermida de Nossa Senho-ra do Ó, que antes fora ocupada pelos beneditinos, e que tinha à sua frente o Ter-reiro da Polé, onde se localizava o pelourinho.

No século XVIII, com o desenvolvimento da produção aurífera, o Rio teve grande impulso comercial, tornando-se porto escoador do produto. A localização da igreja tornava-se cada vez mais privilegiada, à medida que ao seu redor iam-se construindo edifícios de importância administrativa, como a residência dos vice-reis, e que a intensa atividade portuária fermentava-se à sua frente.

Em �760, a pequena ermida de Nossa Senhora do Ó – que a esta altura tinha configuração acanhada para sua importância e localização, desabou em dia de festa, matando dezenas de pessoas. Iniciou-se a construção de nova igreja conventual, tendo agora como orago Nossa Senhora do Carmo, padroeira da ordem. A falta de verbas – problema crônico relativo às igrejas conventuais ou que não fossem irman-dades e ordens terceiras abastadas - arrastariam por muitos anos a obra do prédio, que em �808 ainda estava com a parte superior de sua fachada incompleta.

Segundo Moreira de Azevedo�0, as obras de decoração interna iniciaram-se em �785, mesmo ano em que a �6 de fevereiro, por ordem da rainha D. Maria I, o bispo

pios da “Arquitetura Militar e Civil”, uma vez que entre os livros relacionados no inventário de seus bens após a morte, constava entre outros, “Instruções de Infantaria”, além de seus efetivos conhecimentos na área aplicados nas obras civis em que atuou. 9 CAVALCANTI, Nireu Oliveira. O Rio de Janeiro setecentista. A vida e a construção da cida-de da invasão francesa até a chegada da corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.�0 AZEVEDO, Moreira de. O Rio de Janeiro – sua história, monumentos, homens notáveis,

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D. José Joaquim Justiniano foi nomeado visitador geral e reformador da igreja. A inter-venção do bispo prolongou-se até � de maio de �800. Como a obra de decoração do interior do templo distendeu-se até �795��, infere-se que a encomenda e acompanha-mento da obra executada por mestre Inácio deram-se ao longo da gestão do bispo.

Chegando ao Rio de Janeiro, em �808, o príncipe regente encontrou a Igreja do Carmo localizada em sítio nobre e conveniente, ajustada à tradição portuguesa de igreja conventual próxima ao palácio, ricamente decorada com talha nova e de boa qualidade; deliberou a mudança dos carmelitas para a Igreja de Nossa Senho-ra da Lapa do Desterro, e, liberando o convento e a Igreja do Carmo, a elevou à condição de Capela Real e Catedral da Sé, passando a abrigar o Cabido. O estilo rococó adotado na decoração da talha, de gosto nobre e espírito palaciano, ade-quava-se inteiramente à capela que serviria à família real e à seqüência de soleni-dades que se operaram naquele espaço�2.

usos e curiosidades. Rio de Janeiro: Garnier, �877, �º v., p.57. �� Conforme data inscrita em tarja comemorativa no nártex. �2 Na condição de Capela Real, depois Imperial, e como sede da Sé-Catedral, a Igreja do Carmo viveu dias de glória, tornando-se palco de importantes solenidades religiosas e ofi-ciais. Em seu interior foram sagrados e coroados D. Pedro I (�822) e D. Pedro II (�84�). Ce-lebraram-se as cerimônias de casamento de D. Pedro I com D. Leopoldina (�8�7) e depois com D. Amélia de Leuchtenberg (�8�0). No Carmo também se casaram D. Pedro II com D.

Igreja N. Sra. do Monte do Carmo. Foto: Claudia Laborne

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Inácio Ferreira Pinto contava vinte e seis anos quando assumiu a empreitada do Carmo, já na condição de mestre. A obra tem expressão totalizante, ou seja, não se concentra na concepção intrínseca de cada elemento, e sim na aplicação destes ele-mentos no espaço. A adoção dos ornatos foi utilizada de forma rítmica e disciplina-da, conferindo ao ambiente um caráter sóbrio e elegante, numa concepção arquite-tônica. Recentes trabalhos de prospecção estão revelando superfícies pintadas de marmorizados sobre os lambris que revestem as paredes. Tal fato, conjugado a outras ocorrências do mesmo gênero��, confere ao perfil carioca e fluminense uma nova interpretação. Para além dos ornatos dourados aplicados apenas sobre fundos claros, a cor também foi adotada em interiores religiosos do período rococó.

É recorrente no repertório decorativo do Carmo a adoção de rocalhas, guirlan-das, frisos de cercadura, ovais, tarjas e sanefas, sempre em composições simétricas. Mestre Inácio privilegiou elementos grandes, significativos, que dessem destaque à composição, sem volumetria acentuada sobre a superfície, e espaçados entre si. A simplicidade despojada manifesta-se em segmentos desprovidos de talha, como no nártex, configurando painéis simples inseridos em molduras. A geometrização des-tes elementos é quebrada pelos cantos chanfrados em curvas. Hoje, a decoração primitiva de Mestre Inácio encontra-se mesclada a intervenções posteriores, do século XIX, perceptíveis, no entanto, por serem minuciosas e preciosistas.

A decoração do arco cruzeiro, momento marcante no espaço interno da igre-ja, recebeu composição típica do rococó carioca, com uma grande tarja central onde se insere o emblema da ordem arrematado pela coroa. O conjunto é revelado por repuxado de cortinas, ligadas a sanefas com lambrequins que fazem o arrema-te superior, junto ao teto. Ladeando a composição, duas grandes aletas laterais in-serem pelicanos. O esquema ornamental refere-se ao rococó, mas evidentes arca-ísmos do barroco são preservados. A impressão decorativa do arco cruzeiro de São Francisco da Penitência poderia ter influído para este décor do rococó carioca, que ocorreria em várias igrejas da cidade e em algumas do recôncavo.

O retábulo do altar-mor descreve leve movimentação côncava flexionada em direção ao centro. No embasamento, ajustam-se dois socos laterais, intercalados por painéis reentrantes. Sobre os socos, assentam-se grandes mísulas, projetadas em rotação interna, à moda berniniana, com enrolamento contido nas laterais�4. Estas mísulas são características de sua produção, já que as adotou em todas as suas obras. O frontal e banqueta são retos, ligeiramente avançados em relação às super-fícies laterais, amplificando assim o escalonamento do trono, que parece emergir a

Tereza Cristina (�84�), a Princesa Isabel com o Conde D’Eu, e a Princesa Leopoldina com o Duque de Saxe. Outras solenidades ligadas ao Império e à família imperial foram ali realiza-das, como batizados, missas em ação de graças, aniversários e festas de santos. �� O mesmo vem ocorrendo na Igreja de Nossa Senhora da Saúde, na Gamboa, do Bom Jesus da Coluna, na atual Cidade Universitária, Nossa Senhora da Conceição, em Angra dos Reis, e Igreja de Santa Rita, em Parati. �4 Ao contrário de Mestre Valentim, que adotou mísulas projetadas em enrolamentos exter-nos, sempre com as laterais de pontas esgarçadas, com anjos nos enrolamentos inferiores.

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partir destes elementos, externos ao nicho. O trono é escalonado em sete degraus, nos quais se alternam composições decorativas diversas. As laterais do retábulo são emolduradas por grandes colunas torsas com o terço inferior estriado, também ao gosto berniniano, com guirlandas florais enroscadas nas espiras. No coroamento, ladeando o arco pleno da abertura do nicho, dois arranques de frontão sustentam anjos adoradores.

No arranjo ornamental da obra, as pinturas pontuam o pavimento superior da nave, e do altar-mor sobre pilastras com imagens dos apóstolos – oito na nave e quatro na capela mor, pintados por José Leandro de Carvalho, além de painel na abóbada do forro da capela mor, originalmente executado por José de Oliveira Rosa, e depois substituído por obra de Antônio Parreira.

Os altares laterais, hoje em capelas profundas e sem os arcanjos no coroamento após a reforma do século XIX, apresentam a mesma adoção das torsas e repertório rococó.

A monumentalidade, o teor laudativo e a manutenção de elementos arcaizan-tes - arranques de frontão, cortinados e sanefas, colunas torsas, alguns poucos ele-mentos simbólicos -, remetem ao passado barroco. No entanto, a economia visual, elegância do conjunto, novo repertório e pouca volumetria dos ornatos, inserem-se no espírito rococó. Se nos detivermos em ambientes como o nártex, a sobriedade despojada das superfícies é classicizante. A influência deste conjunto nos parece lisboeta, com seus mármores fingidos e pensamento arquitetônico. Quando execu-tada, a obra do Carmo conjugou o passado e o presente com a sóbria elegância que apontava o futuro, tornando-se assim, como toda obra de arte, atemporal.

Igreja da Irmandade de Nossa Senhora Mãe dos Homens

Originada da reunião de fiéis frente a um oratório dedicado a Nossa Senhora Mãe dos Homens, a irmandade de pequenos comerciantes e moradores da região�5 se insti-tuiu em �750. Oito anos depois, comprava um estreito terreno e mandava erigir sua igreja sob projeto atribuído a José Fernandes Pinto Alpoim. A obra de talha desta igreja foi encomendada a Mestre Inácio Ferreira Pinto em �789, que a executou no breve período de um ano. Como a irmandade não era abastada, teve que fazer empréstimo para cumprir o pagamento. Em contrato, Mestre Inácio firmou não só o retábulo, mas todo ornato de madeira�6. Hoje, constata-se nesta obra sobrecarga de pintura, e o dou-ramento está longe da delicada técnica primitiva. Tal fato nos impede de avaliarmos melhor a configuração original dos revestimentos parietais.

As dimensões da capela-mor não são amplas; no entanto, a talha de Mestre Inácio conferiu ao reduzido espaço imponência e elegância, que de certa forma,

�5 Livro de Assentamento de Irmãos. Irmandade de Nossa Senhora Mãe dos Homens, �758. Acervo da Irmandade.�6 IPHAN. Igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens. Caixa 52�, pasta 200�.

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amplificam a área. As superfícies apresentam-se claras, com os ornatos dourados sobrepostos. Características típicas do estilo do artista aqui também se manifestam: grandes arranjos decorativos, colunas torsas com o terço inferior estriado ladeando o nicho, arranques de frontão sobre a cornija no coroamento, mísulas intraprojetadas, volumetria comedida, ornatos inspirados na ourivesaria, ausência quase completa de elementos antropomórficos - apenas anjos adoradores no coroamento. O vocabulá-rio formal do rococó se faz presente nas guirlandas, plumas, concheados, molduras filetadas, ornatos pontuados sobre lambris. As composições são simétricas, discipli-nadas, rítmicas, empreendendo dinâmica pela adoção de linhas curvas. Outra cons-tante de seus trabalhos foi a inserção de pinturas em ovais ou quadros, rompendo a constância geométrica regular da madeira. A mesa sarcófago mantém-se, nesta igre-ja, na configuração original, tendo escapado aos arroubos reformistas nas igrejas coloniais durante o século XIX. O trono, inserido em nicho profundo, comporta degraus ascendentes, tendo no ápice a imagem da padroeira em camarim. Assim como nas demais igrejas em que trabalhou, Mestre Inácio aplicou o arranjo orna-mental que guarnecia os arcos cruzeiros no período: sobre o centro do arco pleno, duas angras curvilíneas ladeiam uma grande tarja central onde se insere a insígnia da irmandade, encimada pela coroa portuguesa.

Igreja N. Sra. Mãe dos Homens. Foto: Zélia Fonseca

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A pequena igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens não é uma obra que se destaque pelo luxo ou delicadeza, pelo tom intimista ou monumental. Diríamos que se trata de caso de eficiência máxima: solução funcional e elegante, pelo apro-veitamento total do espaço, não apenas no aspecto dimensional, mas também pela qualidade da obra. Se no projeto arquitetônico a pequena ermida foi contemplada com sofisticada planta da nave em octógono irregular, coube a Mestre Inácio pres-tigiar a capela mor com uma decoração que vence as limitações da luz e do espa-ço. O rococó foi durante um período acusado de ser um estilo superficial e frívolo - e, portanto, inadequado para espaços religiosos; no entanto, consoante as ocor-rências do estilo na Europa central e Portugal�7, Mestre Inácio harmonizou o garbo e refinamento do temário francês sem aderir ao hedonismo gratuito; conferiu sole-ne magnificência, sem a opressão asfixiante do barroco; e finalmente, aplicou de-coração comedida, sem a frieza neoclássica.

Igreja de Nossa Senhora de Monserrate do Mosteiro de São Bento

A igreja do Mosteiro de São Bento tem seu projeto arquitetônico atribuído a Francisco de Frias da Mesquita, engenheiro mor que trabalhou no Brasil até �6�8. A fachada é simples, de configuração geométrica, submetida à estética maneirista. Internamente, a planta apresenta nave retangular, dividida em três partes por arcos duplos de cantaria. Os trabalhos de talha foram feitos na segunda metade do sécu-lo XVII, por Frei Domingos da Conceição Silva, que era também imaginário, dentro do estilo nacional português. Ali também trabalharam escultores e entalhadores como Simão da Cunha, José da Conceição e o pintor Frei Ricardo do Pilar�8.

Na Igreja de Nossa Senhora de Monserrate Mestre Inácio realizou a obra prima do rococó do Rio de Janeiro. Dentro da tradição de bom gosto e exigência dos beneditinos em relação à fatura das obras de sua igreja, é de se deduzir a reputação de mérito que se conferia na época ao trabalho de Mestre Inácio, uma vez que a ele foi delegado o espaço culminante da igreja, o seu altar-mor. O risco primitivo, raro documento, foi encontrado no arquivo do Mosteiro. Nele percebem-se modi-ficações da traça original para o efeito final da obra, o que, segundo Bazin�9, pro-vavelmente ocorreu para barroquizar a decoração, uma vez que o risco apresenta um traçado mais estático.

Entre �787 e �789, estando a capela-mor necessitando de reparos, foi enco-mendada a Inácio Ferreira Pinto a decoração do nobre espaço, um novo zimbó-rio para aumentar a entrada de luz no interior, a ampliação do arco cruzeiro, e

�7 Oliveira, Myriam Andrade Ribeiro de. Op. cit, p. 5�. �8 Sobre a obra da igreja e do mosteiro, consultar Dom Clemente da Silva-Nigra, Construto-res e artistas do Mosteiro de São Bento do Rio de janeiro. Salvador: Beneditina, �950.�9 BAZIN, op. cit, p.��2.

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obras na sacristia como os novos arcazes, molduras para as pinturas e sanefas para portas e janelas. O volume da obra, no entanto, extrapolou o prazo trienal de gestão do Abade Frei José de Jesus Maria Campos, que lhe delegara a encomenda. Ficou pendente o término do altar, algumas molduras e biscoitos, e as quatro colu-nas do retábulo, para as quais foram deixados os toros aparelhados.

Na gestão do abade Frei Lourenço da Expectação Valadares, em �792, foi renova-do contrato com Mestre Inácio, que se comprometia a terminar a obra em seis meses, ocorrendo um atraso de dois meses sem maiores danos, finalizando em �79�.

O exemplar beneditino encontra-se intacto, tal como originalmente o conce-beu o mestre entalhador, sem ter sofrido qualquer tipo de alteração posterior. Pro-vavelmente para melhor integra-lo à ambiência barroca da igreja, Mestre Inácio conferiu à superfície dos ornatos volumetria um pouco mais ressaltada, de forma a combinar com a nave barroca. Tal fato agradou ao frei abade encomendante, que assim a descreveu em seu relatório de gestão20:

“Não é uma talha miúda, abatida e confusa, mas uma talha levantada e arrogan-te e soberba, e com tão bela distribuição, que a vista distingue todas as partes, ainda a respeito daqueles que a contemplam da porta da igreja”.

O arranjo do arco cruzeiro, no qual Mestre Inácio insere duas grandes colunas de fuste reto, decoradas de meias-canas, lhe pareceu “uma vista nova e bem agra-dável”2�, o que confere ao trabalho produzido o sabor de novidade para a época.

O contentamento do abade manifesta-se também em relação à configuração con-vexa conferida por Mestre Inácio ao retábulo do altar-mor, o que lhe deu uma movi-mentação diferente dos demais do Rio de Janeiro22: solução inusitada que a nosso ver, pretendeu também dar ao nicho maior profundidade, sem mexer na estrutura da pare-de de fundo da capela. Se esta movimentação de elementos estruturais e decorativos aproxima a obra de ressonâncias barrocas, por outro lado, são típicos do rococó a adoção das cartelas em composições de ourivesaria, a presença de espagnolletes, pre-ocupação com maior iluminação, e o décor ornamental do arco cruzeiro.

A preocupação em adequar a novo repertório estilístico ao excelente trabalho de Frei Domingos da Conceição preservado na nave, é revelado no tom parietal carmim, sóbrio para o gosto rococó, mas que concorda com o dourado do ambiente barroco que antecede a capela-mor. Revela-se ainda na manutenção das imagens dos arcanjos, São Bento, Santa Escolástica e Nossa Senhora de Monserrate, na preservação das pin-turas de Frei Ricardo do Pilar, e na grande coluna torsa que faz o emolduramento do arco cruzeiro, como que permeando a passagem de um estilo ao outro.

20 ROCHA, Mateus Ramalho. O Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro – 1590-1990. Rio de Janeiro: Studio HMF, �99�, pp 202-206. 2� Idem, Op. cit, p.204. 22 Ibidem, p.204.

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Nancy Regina Mathias Rabelo - 257

Conclusão

São constatáveis no conjunto decorativo de várias igrejas rococós cariocas preservações evidentes de elementos do barroco que o precedeu, particularmente, a adoção da coluna torsa. Tal fato evidencia-se nos trabalhos de Mestre Inácio, nos de Mestre Valentim, como também em igrejas das quais não se conhece a autoria, como Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, na Capela do Santíssimo de São Bento, Capela do Noviciado da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, e na Igreja de São Pedro dos Clérigos, que foi demolida no século XX. Além destas, alastrou-se em localidades do recôncavo do Rio de Janeiro, como as Igrejas da Ordem Terceira do Carmo, e Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte, de Cam-pos dos Goitacazes. Em Magé, a Igreja de Nossa Senhora da Piedade, assim como na de São Gonçalo de Suruí. Em Paraty, na Igreja de Santa Rita, e no município de São Gonçalo, na Matriz de São Gonçalo. Se levarmos em conta as inúmeras perdas por demolição ou ruína das igrejas do estado, assim como as descaracterizações, certamente os casos aqui citados aumentariam significativamente. Na reflexão das causas deste fenômeno, aproximamo-nos de alguns aspectos que podem ter contri-buído: em primeiro lugar, citaríamos a obra da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, cuja decoração interior – obra de Francisco Xavier de Brito e Manuel de Brito - finalizada na primeira metade do século XVIII, teria reper-cutido na sensibilidade dos artistas, que certamente a tiveram como referência es-tética, já que deveria fazer parte do “circuito artístico” da época. Ali foi inaugurada a primeira decoração monumental do arco cruzeiro no Rio de Janeiro. Julgamos que esta composição ornamental possa ter emigrado para os interiores rococós de forma simplificada, encontrando ressonância tardia, como no caso da Matriz de Nossa Senhora do Amparo de Maricá, e longínqua, como na Igreja do Convento de Nossa Senhora da Vitória, no Espírito Santo. Para aqueles artistas que jamais ha-viam saído do Brasil, como foi o caso de Inácio, os modelos de gravuras poderiam ser importantes, mas não prevaleceriam totalmente sobre a vivência estética incu-tida na prática do olhar e da vida religiosa que professavam. O arco cruzeiro, de conotação simbólica associada ao triunfo clássico, implementa-se no rococó cario-ca em várias igrejas em composição decorativa, como forma de valorizar visual-mente e ratificar o espaço magnífico da capela mor.

Outro aspecto a ser citado é a liberdade com que a clientela arbitrava sobre as obras2�, aprovando riscos ou solicitando mudanças, contribuindo assim para a pre-valência do gosto local. A maior parte dos portugueses residentes no Rio de Janeiro e ricos comerciantes da cidade era oriunda do norte de Portugal24, predominante-

2� Em �78�, os irmãos da Ordem Terceira do Carmo solicitavam a Mestre Valentim que subs-tituísse as colunas de fuste reto de seu altar-mor por colunas torsas. CARVALHO, Ana Maria Fausto Monteiro de. Mestre Valentim. Rio de Janeiro: Cosac & Naify, �999, p. 57.24 O Professor Nireu Oliveira Cavalcanti da Universidade Federal Fluminense realizou uma pesquisa no Arquivo Nacional do Tombo, em Lisboa, no Fundo “Junta do Comércio”, na qual analisou a documentação referente ao “Registro de Passageiros”, no período de �769 a �779, num total de �9�4 passaportes. Tratava-de imigrantes reinóis que vieram à colônia e poste-

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mente do Porto, onde o rococó preservou alguns elementos arcaizantes, como a colu-na torsa encimada por fragmentos de frontão curvos, e plantas côncavas, conforme observou Robert Smith25. Nas empreitadas assumidas por Mestre Inácio26, ainda que tenham sido ordens primeiras e uma irmandade de recursos módicos, percebemos face à documentação analisada, a participação engajada dos encomendantes.

As influências lisboetas certamente se fizeram sentir nas tendências classici-zantes, que concomitantemente aos indícios arraigados ao barroco, manifestaram-se nas obras do Rio de Janeiro, particularmente nas de Inácio Ferreira Pinto.

Quanto à estrutura arquitetônica, fatores técnicos e materiais teriam corrobora-do para determinações locais da talha. As superfícies cambiantes do rococó europeu não tiveram no Brasil, na arquitetura interna, soluções semelhantes. No entanto, a madeira substituiu a ondulação estrutural adoçando quinas, criando movimentações suaves e conferindo dinâmica ao revestimento. Neste sentido, as tradições barrocas ajudavam a cambiar espaços e superfícies criando ressaltos, movimentos helicoidais, ou solucionando impasses estruturais, como o nicho do altar-mor de São Bento, aprofundado à custa de projeção convexa do retábulo.

riormente regressaram a Portugal, via o porto da cidade do Rio de Janeiro. A pesquisa constata a maioria de pessoas do sexo masculino, sobretudo entre os �0 e 69 anos, solteiros. Estes ho-mens eram predominantemente ligados ao comércio, seguidos pelos profissionais ligados aos ofícios mecânicos, atividades liberais, área mineradora e atividades rurais. A grande maioria era da região do Minho: 68,�0%; ��,52% da Extremadura, ��,25% da Beira, 5,�4% de Trás os Montes, �,�6% do Alentejo e 0,2�% do Algarve. Do grupo minhoto, a maior parte era do Porto, seguidos de Braga, Guimarães, Barcelos e, em menor quantidade, Ponte do Lima, Viana e Penafiel. As capitanias mais buscadas para estabelecimento eram, respectivamente, Minas e Rio de Janeiro.25 SMITH, Robert. A Talha em Portugal. Lisboa: Livros Horizonte, �962. P. ��9 26 No caso da Nossa Senhora Mãe dos Homens: “Ao primro dia do mez de setembro deste prez. Anno de 1789 estando o juiz e mais Irmãos de Mesa desta Irmande. De N. Srª May dos Homens desta Cidade de Sam Sebastião do Rio de Janro. No Consistório della pª A expedi-ção dos particulares da mesma Irmande. Em meza porpondo-se a precizão q. ava deseman-dar fazer um Retablo da Capella Mor p Ornato da mmª Srª acertou e ajustou mmº Retablo e todo ornato de madeira, e talha com o Me. Ignácio Ferra. Pinto a Fazello, e prontificalo pr Hum conto de Reis conforme o Risco que pª isso se lhe deu, em q. todos os Irmãos da Meza Qui presentes se achavão comxrão e asignarão este termo para todo o tempo constar”.... IPHAN. Igreja Nossa Senhora Mãe dos Homens – Caixa 52� – pasta 200�, p.9.