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A OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO BASEADA EM REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO
COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL N.º 388/2013
MARIANA FRANÇA GOUVEIA∗ e JOÃO PEDRO PINTO-FERREIRA∗∗
SUMÁRIO: 1. O Acórdão em comentário. 2. Fundamentos de oposição à execução
assente em requerimento de injunção com fórmula executória – evolução legislativa. 3.
Direitos estrangeiros. 4. Fundamento para a restrição dos meios de defesa na oposição à
execução. 5. Notificação do requerido no procedimento de injunção. 6. Apreciação
judicial do requerimento de injunção. 7. Conclusão
PALAVRAS-CHAVE: Requerimento de injunção com fórmula executória - Direito de
defesa - Celeridade processual - Notificação do procedimento de injunção - Intervenção
judicial na apreciação do requerimento de injunção
KEYWORDS: Enforceable order for payment - Right of defence - Procedural celerity -
Notification of the payment-order-procedure - Judicial review of the application for an
order for payment
RESUMO: O texto debruça-se sobre a limitação dos meios de defesa do executado na
execução de requerimento de injunção com fórmula executória. Partindo do recente
acórdão do Tribunal Constitucional que declarou a inconstitucionalidade desta solução
normativa e das alterações introduzidas pela reforma processual, a análise centra-se em
duas questões essenciais: a notificação no procedimento de injunção e o âmbito da
intervenção judicial na apreciação do requerimento de injunção.
ABSTRACT: The text addresses the limitation of the debtor’ remedies in the execution of
an enforceable order for payment. Taking into account the recent decision of the
Constitutional Court which declared this solution unconstitutional and the changes
introduced by the recent procedural reform, the analysis focuses on two main questions:
∗ Professora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. ∗∗ Doutorando da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.
the notification of the payment-order-procedure and the judicial review of the
application for an order for payment.
1. O ACÓRDÃO EM COMENTÁRIO
O acórdão do Tribunal Constitucional de 9 de julho de 20131 surge na sequência
de um pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do
artigo 814.º do Código de Processo Civil2 na parte em que limitava os fundamentos de
oposição à execução quando o título executivo fosse um requerimento de injunção com
fórmula executória. O Ministério Público invocava, para tanto, jurisprudência
constitucional que tinha concluído pela inconstitucionalidade da interpretação normativa
em questão, ainda que com efeitos restritos ao caso concreto.
O Tribunal Constitucional começa por se debruçar sobre os acórdãos anteriores
em que tinha declarado inconstitucional o artigo 814.º do CPCa e conclui que, no
essencial, estava em causa a violação do princípio da proibição da indefesa, que é uma
das vertentes do direito fundamental de acesso ao Direito (artigo 20.º da Constituição da
República Portuguesa)3. No fundo, qualquer destas decisões tem subjacente a ideia de
que a restrição dos fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de
injunção com fórmula executória não é conforme ao princípio da proporcionalidade
(artigo 18.º, n.º 2, da CRP).
Em seguida, o acórdão em comentário foca a atenção no regime jurídico da
injunção antes da reforma da ação executiva de 2008. Ora, esta breve análise permite
constatar que a generalidade da doutrina encarava o requerimento de injunção com
fórmula executória como um título executivo distinto de uma sentença judicial, pelo que
o executado podia invocar os fundamentos de oposição à execução fundada em sentença
ou quaisquer outros que pudessem ser invocados em processo declarativo, nos termos
do artigo 816.º do CPCa.
Entrando na questão submetida à sua apreciação, o Tribunal considera que a
alteração legislativa operada em 2008, com a equiparação - para efeitos de oposição à
execução - entre as sentenças judiciais e os requerimentos de injunção com fórmula 1 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 388/2013, de 9 de julho (rel. Conselheiro José da Cunha
Barbosa), disponível em www.tribunalconstitucional.pt. 2 Doravante “CPCa”. 3 Doravante “CRP”.
executória implica uma limitação dos fundamentos de oposição quanto a estes, sem que
a estrutura do procedimento de injunção tenha sofrido alterações substanciais. Por esta
razão, a decisão é fundamentada por transcrição do acórdão do Tribunal Constitucional
de 28 de novembro de 2006, que incidiu sobre questão semelhante, então por referência
ao artigo 14.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro4-5.
Num primeiro momento, o Tribunal demonstra que a limitação dos fundamentos
de oposição à execução implica a violação do princípio da proibição da indefesa quando
o título executivo seja um requerimento de injunção com fórmula executória. Assim, é
referido no acórdão que o requerimento de injunção com fórmula executória permite um
menor grau de certeza quanto à existência do direito do exequente por comparação com
uma sentença judicial, já que assenta na “aparência do direito substancial do
exequente”. Por outro lado, o acórdão também coloca especial ênfase na diferente
natureza da atuação do secretário judicial e do juiz: enquanto a sentença implica o
exercício de uma função jurisdicional, o mesmo já não se pode dizer da aposição de
fórmula executória.
Assente que esta solução normativa traduz uma limitação do direito de defesa do
executado, o Tribunal analisa a questão de saber se, em abstrato, essa restrição pode
justificar-se tendo em conta o interesse do credor em obter um título executivo com
celeridade e eficácia. O acórdão refere, no entanto, que o interesse do credor é
salvaguardado quando a lei determina a formação de título executivo em caso de falta
de oposição do requerido (artigo 14.º do regime anexo ao D.L. n.º 269/98) ou através da
regra da dispensa de citação prévia à penhora [artigo 812.º-C, alínea b), do CPCa].
Neste sentido, o Tribunal conclui que a restrição dos fundamentos de oposição à
execução baseada em requerimento de injunção com fórmula executória não pondera
devidamente o direito de defesa do executado e “afecta desproporcionalmente a garantia
de acesso ao direito e aos tribunais”. É com base nestes argumentos que o acórdão em
anotação declara inconstitucional, com força obrigatória geral, o artigo 814.º, n.º 2, do
CPCa, na parte em que limita os fundamentos de oposição à execução assente em
requerimento de injunção com fórmula executória.
4 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 658/2006, de 28 de novembro (rel. Conselheiro Paulo Mota
Pinto), disponível em www.tribunalconstitucional.pt. 5 Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, que aprova a ação declarativa especial para cumprimento de
obrigações pecuniárias emergentes de contratos e injunção (na sua redação atual), doravante “D.L. n.º
269/98”.
A decisão em análise conta com dois votos de vencido, com argumentos
distintos.
De acordo com alguns conselheiros, a declaração de inconstitucionalidade
deveria restringir-se às relações de consumo, salvaguardando assim as obrigações
resultantes de transações comerciais. Esta orientação assume como pressuposto a
diferença entre a posição do consumidor e do profissional, enquanto devedores.
Assim, dado que a celebração de contratos é uma das componentes da sua
atividade, é exigível ao profissional o conhecimento do efeito preclusivo decorrente da
falta de oposição no procedimento de injunção. Já no âmbito de uma relação de
consumo, tendo em conta que o incumprimento contratual é uma realidade pontual, não
é possível exigir o conhecimento do efeito preclusivo6.
Por outro lado, há conselheiros que consideram que a declaração de
inconstitucionalidade não salvaguarda devidamente os interesses do credor. Nesta
perspetiva, o aspeto essencial é o facto de a lei facultar ao requerido, no âmbito do
procedimento de injunção, os meios para provocar a intervenção de um juiz, através da
oposição. Ora, a atribuição de uma “segunda oportunidade de defesa”, agora em sede de
oposição à execução, implica encarar a “proibição da indefesa e o princípio do processo
justo de um modo incompleto porque unilateral”7.
2. FUNDAMENTOS DE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO ASSENTE EM REQUERIMENTO DE
INJUNÇÃO COM FÓRMULA EXECUTÓRIA
2.1. Reforma da Ação Executiva de 2003
A reforma da ação executiva de 2003 não continha qualquer referência direta aos
fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção com
fórmula executória. De facto, a lei estabelecia uma dicotomia entre as sentenças
6 Esta declaração de voto foi subscrita pelo conselheiro Pedro Machete e acompanhada pelos conselheiros
João Cura Mariano, Fernando Vaz Ventura e Maria João Antunes. 7 Esta declaração de voto foi subscrita pela conselheira Maria Lúcia Amaral (por remissão para o voto de
vencido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 529/12, de 7 de novembro de 2012) e acompanhada
pela conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros.
judiciais (artigo 814.º do CPCa), as sentenças arbitrais (artigo 815.º do CPCa) e os
restantes títulos executivos (artigo 816.º do CPCa)8.
Assim, o carácter taxativo dos fundamentos de oposição à execução de sentenças
judiciais contrastava com a amplitude da oposição à execução assente em outros títulos
executivos, que se traduzia sobretudo na possibilidade de alegar quaisquer meios de
defesa admissíveis no âmbito da ação declarativa. De forma exemplificativa, enquanto
na oposição à execução de sentença judicial não era possível alegar a prescrição da
quantia em dívida ou o pagamento, quando anteriores ao encerramento da discussão, já
quanto aos restantes títulos executivos a lei permitia a oposição com base em qualquer
facto impeditivo, modificativo ou extintivo, ainda que anterior à formação do título
executivo.
A doutrina maioritária considerava que o requerimento de injunção com fórmula
executória estava abrangido pelo artigo 816.º do CPCa, já que não podia ser equiparado
a uma sentença judicial. Neste sentido, JOSÉ LEBRE DE FREITAS aludia ao “carácter não
jurisdicional” do procedimento de injunção9, bem como à inexistência de uma ação
declarativa em que o executado tivesse oportunidade de se “defender amplamente da
pretensão do requerente”10. A ausência de uma ação declarativa prévia à execução,
decorrente da aposição da fórmula executória em caso de falta de oposição, era também
um argumento essencial no entender de FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA11 e de J. P.
REMÉDIO MARQUES12.
No mesmo sentido, SALVADOR DA COSTA defendia que a aposição de fórmula
executória não implicava a formação de caso julgado, nem um efeito preclusivo dos
meios de defesa no âmbito da ação executiva, do que resultava a amplitude dos
8 Tendo em conta o tema em análise, a exposição subsequente não considera a oposição à execução
baseada em decisão arbitral. De forma sucinta, a lei permite que o executado alegue qualquer dos
fundamentos previstos a propósito da execução de sentença judicial, bem como os fundamentos de
anulação da decisão arbitral (artigo 730.º do CPC de 2013). 9 JOSÉ LEBRE DE FREITAS, “A Execução Fundada no Título Formado no Processo de Injunção”, in
Themis, n.º 13 (2006), p. 280. 10 JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva - Depois da Reforma, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra
Editora, 2004, p. 182. 11 FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Curso de Processo de Execução, 6.ª edição, Coimbra, Almedina,
2004, pp. 39-46 e 150. 12 J. P. REMÉDIO MARQUES, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Coimbra,
Almedina, 2000, pp. 79 -80 e 153.
fundamentos de oposição à execução13. Mais tarde, o autor inverteu a sua posição e
passou a defender a equiparação entre os fundamentos de oposição à execução baseada
em sentença judicial e em requerimento de injunção com fórmula executória, o que
implicava introduzir - quantos a estes últimos - um efeito preclusivo decorrente da falta
de oposição. No seu entender, a aplicação do princípio da preclusão justificava-se em
face da “estrutura do procedimento de injunção, em que funciona o contraditório” e da
existência de “algum controlo judicial”14.
A orientação maioritária na jurisprudência era igualmente no sentido de
considerar que a falta de oposição ao requerimento de injunção não estava associada a
qualquer efeito preclusivo, mesmo quanto aos meios de defesa que poderiam ter sido
alegados nesse momento.
Assim, o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 5 de julho de 2007,
considerou que o requerimento de injunção com fórmula executória era um título
executivo extrajudicial, pelo que os fundamentos de oposição à execução eram os
enunciados no artigo 816.º do CPCa. No entender do tribunal, a amplitude dos meios de
defesa ao dispor do executado justificava-se em função da “ligeireza de formalismo do
procedimento” e da inexistência de intervenção judicial em caso de falta de oposição15.
No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 5 de maio 2009
defendeu uma aceção ampla dos fundamentos de oposição à execução com base na
natureza extrajudicial do título executivo, apesar de entender que o procedimento de
injunção admite o exercício do contraditório pelo requerido16.
Em sentido contrário, o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 10 de
dezembro de 2009, entendeu que o direito de defesa é salvaguardado através da
possibilidade de oposição ao requerimento de injunção, que determina a intervenção de
um juiz e a tramitação de acordo com as regras da ação declarativa especial. Em
consequência, o tribunal conclui que o requerimento de injunção deve ter valor
13 SALVADOR DA COSTA, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 5.ª edição, Coimbra, Almedina,
2005, pp. 233-234. 14 SALVADOR DA COSTA, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6.ª edição, Coimbra, Almedina,
2008, pp. 256 e 325. 15 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05.07.2006, proc. n.º 0633108 (rel. José Ferraz),
disponível em www.dgsi.pt. 16 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05.05.2009, proc. n.º 930/08.1TBPBL-A.C1 (rel. Artur
Dias), disponível em www.dgsi.pt.
equivalente a uma sentença judicial para efeito dos fundamentos de oposição à
execução, justificando-o com a preclusão dos fundamentos que poderiam ter sido
invocados no âmbito do procedimento de injunção17.
2.2. Reforma da Ação Executiva de 2008
Com a reforma da ação executiva de 2008, o legislador equiparou o
requerimento de injunção com fórmula executória às sentenças judiciais no que respeita
aos fundamentos de oposição à execução. Nos termos do artigo 814.º, n.º 2, do CPCa,
esta equiparação dependia apenas de um requisito: o procedimento de injunção devia
admitir oposição do requerido. Esta ressalva não era compreensível face ao regime em
vigor, já que o artigo 14.º do regime anexo ao D.L. n.º 269/98 permitia ao requerido em
todos os casos opor-se ao requerimento de injunção.
A equiparação entre estes títulos executivos para efeito de oposição à execução
foi criticada pela generalidade da doutrina.
Para JOSÉ LEBRE DE FREITAS, tratava-se de uma solução inconstitucional por
violação do direito de defesa do executado, tendo em conta a “natureza não jurisdicional
do processo de injunção, a menor garantia que o devedor encontra na notificação (…) e
o facto de a formação do título prescindir de qualquer juízo de adequação do montante
em dívida aos factos em que ela se fundaria”18.
ELIZABETH FERNANDEZ entendia que a introdução de um efeito preclusivo
quanto aos meios de defesa que a parte podia ter alegado no procedimento de injunção
contrariava jurisprudência constitucional anterior e implicava equiparar títulos
executivos diferentes19.
17 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.12.2009, proc. n.º 4641/06.4TMSNT-A.L1-7 (rel.
Ana Resende), disponível em www.dgsi.pt. Esta decisão foi proferida ao abrigo da redação que o artigo
814.º do CPC apresentava antes da alteração legislativa de 2008. 18 JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva - Depois da Reforma da Reforma, 5.ª edição, Coimbra,
Coimbra Editora, 2012, p. 182. Assim, o autor propunha uma interpretação do artigo 814.º, n.º 2, do
CPCa que fazia depender a sua aplicação da aceitação pelo executado da “diminuição de garantias” no
procedimento de injunção. 19 ELIZABETH FERNANDEZ, “A (Pretensa) Reforma da Acção Executiva”, in Cadernos de Direito Privado,
n.º 26 (2009), pp. 32-33.
De acordo com MARIANA FRANÇA GOUVEIA, a existência de um “efeito
cominatório pleno num procedimento para-judicial” suscitava dúvidas em face do
princípio do processo equitativo. Assim, a autora defendia a interpretação restritiva do
artigo 814.º, n.º 2, do CPCa com o intuito de permitir ao executado alegar, no âmbito da
oposição à execução assente em requerimento de injunção, quaisquer exceções de
conhecimento oficioso, ainda que não supervenientes20.
Por seu turno, EDUARDO PAIVA E HELENA CABRITA constatavam que a reforma
de 2008 restringiu os fundamentos de oposição à execução de requerimento de injunção
com fórmula executória. Os autores criticaram a ressalva constante do artigo 814.º, n.º
2, do CPCa, que fazia depender o efeito preclusivo da possibilidade de oposição pelo
requerido, com o argumento de que o procedimento de injunção assegurava o exercício
do contraditório21.
Por seu turno, parte da jurisprudência entendia que o artigo 814.º, n.º 2, do CPCa
não violava o princípio da proibição da indefesa. Neste sentido, o acórdão do Tribunal
da Relação do Porto de 11 de outubro 2012 concluiu que o conteúdo e a forma de
notificação do requerimento de injunção asseguravam a sua cognoscibilidade pelo
requerido, que era admitido a alegar, no âmbito do procedimento de injunção, todos os
meios de defesa que seriam admissíveis em processo declarativo. Nestes termos, a
possibilidade de deduzir oposição à execução com base em fundamento não
superveniente implicava, para o tribunal, uma injustificada multiplicação dos meios de
defesa22.
Diga-se, aliás, que a Relação do Porto já tinha afirmado esta orientação em
acórdão de 5 de julho de 2012, então com base no regime de notificação e na existência
de um prazo razoável para oposição. Nesta decisão, o tribunal entendeu que o requerido
20 MARIANA FRANÇA GOUVEIA, “A Novíssima Acção Executiva - Análise das Mais Importantes
Alterações”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 69 (2009), vols. III e IV, pp. 577-579. 21 EDUARDO PAIVA/HELENA CABRITA, O Processo Executivo e o Agente de Execução, 2.ª edição,
Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 116-117. 22 No mesmo sentido, considerando que o procedimento de injunção assegura o exercício do
contraditório, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.06.2011, proc. n.º
2489/09.3TBBRR-A.L1-7 (rel. Graça Amaral), disponível em www.dgsi.pt.
toma conhecimento do efeito preclusivo através da notificação do requerimento de
injunção23.
Pelo contrário, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de julho de
2012 considerou que o artigo 814.º, n.º 2, do CPCa era inconstitucional por violação do
direito de defesa e do princípio da reserva jurisdicional24. Para tanto, o tribunal baseou-
se no facto de a notificação do requerimento de injunção não aludir a qualquer efeito
preclusivo, mas apenas à formação de título executivo. Nas palavras do acórdão, o
requerido não é “advertido de que sobre si impende um qualquer ónus de oposição, se
quiser evitar um acertamento definitivo do caso”25.
O Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 7 de maio de 2013, chegou
à mesma conclusão, embora com argumentos distintos. Por um lado, o tribunal
defendeu que a regra de equiparação entre os fundamentos de oposição à execução tem
como intuito imprimir “celeridade e simplicidade” ao procedimento de injunção e não
limitar os meios de defesa do executado na subsequente ação executiva. No entender do
tribunal, tal restrição dos meios de defesa poderia colocar em causa o direito de defesa,
pois não depende de controlo judicial, ao contrário do que sucede em caso de revelia
operante26.
2.3. Reforma do Processo Civil de 2013
A reforma processual que culminou na aprovação da Lei n.º 41/201327 voltou a
introduzir importantes alterações ao tema em análise, com a consagração de um regime
específico para a oposição à execução de requerimento de injunção com fórmula
23 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05.07.2012, proc. n.º 4861/11.0YYPRT-A.P1 (rel. Filipe
Caroço), disponível em www.dgsi.pt. 24 A violação do princípio da reserva jurisdicional (enunciado no artigo 202.º da CRP) decorria, no
entender do tribunal, da circunstância de a falta de oposição determinar - em regra - a imediata aposição
da fórmula executória por uma entidade administrativa, sendo o único meio de reação do requerido a
reclamação para o juiz (artigo 14.º do regime anexo ao D.L. n.º 269/98). 25 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03.07.2012, proc. n.º 19664/11.3YYLSB-A.C1 (rel.
Carlos Gil), disponível em www.dgsi.pt. 26 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07.05.2013, proc. n.º 6662/12.9TBBRG-A.G1 (rel.
Paulo Duarte Barreto), disponível em www.dgsi.pt. 27 Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, doravante “CPC de 2013”.
executória28. A análise do artigo 857.º do CPC de 2013 permite concluir que esta
alteração teve como intuito mitigar o efeito preclusivo que tinha sido introduzido
aquando da reforma da ação executiva de 2008.
É certo que a lei continua a apontar para a equiparação aos fundamentos de
oposição à execução de sentenças judiciais, ao remeter expressamente para o artigo
respetivo (artigo 857.º, n.º 1, do CPC de 2013). No entanto, passa a estar prevista a
possibilidade de alegar meios de defesa não supervenientes ao prazo para oposição no
procedimento de injunção em duas situações: primeiro, em caso de justo impedimento à
oposição (artigo 857.º, n.º 2, do CPC de 2013) e, segundo, quando existam exceções
dilatórias ou perentórias de conhecimento oficioso (artigo 857.º, n.º 3, do CPC de 2013).
Quanto ao justo impedimento à oposição em sede de injunção, a lei remete, no
essencial, para a regra geral constante do artigo 140.º do CPC de 2013. Assim, a
alegação de meios de defesa não supervenientes em oposição à execução pressupõe,
antes de mais, a verificação de um evento não imputável à parte que impeça a prática
atempada do ato (artigo 140.º, n.º 1, do CPC de 2013). A título exemplificativo, será o
caso de avaria do meio de comunicação que impeça a receção ou a entrega da oposição
ou de doença súbita da parte, desde que em qualquer dos casos não se trate de um
evento previsível29.
É ainda necessário que o justo impedimento seja alegado de forma tempestiva
perante a secretaria de injunção, o que implica - em face da remissão para o regime
geral - que a parte requeira a sua declaração logo que este cesse (artigos 857.º, n.º 2 e
140.º, n.º 2, do CPC de 2013). De acordo com parecer emitido pela Associação Sindical
dos Juízes Portugueses, esta exigência procura conciliar as garantias do executado com
a preocupação de evitar que a alegação do justo impedimento traduza uma manobra
dilatória. Por outro lado, trata-se de um regime equivalente ao previsto no processo
europeu de injunção, em que se permite a reapreciação da injunção de pagamento
quando o requerido tenha sido impedido de contestar o crédito por motivo de força
maior ou devido a circunstâncias excecionais, sem que tal facto lhe seja imputável,
28 PAULO PIMENTA, “A Acção Executiva na Revisão do Processo Civil”, in Revista da Ordem dos
Advogados, n.º 72 (2012), vols. II-III, p. 746, entende que a (re)introdução dos embargos à execução
corresponde ao retomar da “terminologia tradicional do processo civil português”, que teria sido
eliminada sem justificação. 29 Para uma exemplificação mais abrangente, cfr., por todos, JOSÉ LEBRE DE FREITAS/JOÃO REDINHA/RUI
PINTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 274-276.
desde que atue com celeridade (artigo 20.º do Regulamento n.º 1896/2006, de 12 de
dezembro de 2006)30-31.
No regime português agora consagrado, a verificação do justo impedimento
apenas ocorre na oposição à execução, caso haja, e determina que o executado possa
alegar quaisquer meios de defesa que pudesse deduzir no processo declarativo (artigos
731.º ex vi 857.º, n.º 2, do CPC de 2013). No fundo, trata-se de facultar à parte a
possibilidade de exercer o contraditório com a qual não contou no procedimento de
injunção, em virtude do justo impedimento.
Assim, alegado oportunamente a ocorrência e a cessação do justo impedimento
junto da secretaria de injunção, tal declaração não impede a executoriedade do
requerimento de injunção, apenas alarga os motivos de oposição já na fase executiva.
A lei enuncia ainda outra limitação ao efeito preclusivo: as exceções dilatórias e
perentórias de conhecimento oficioso. A circunstância de a primeira versão do projeto
de alteração do CPC restringir a alegação de factos não supervenientes à existência de
justo impedimento foi bastante criticada precisamente por não ter em conta as exceções
de conhecimento oficioso32.
Esta crítica foi tomada em consideração, passando o artigo 857.º, n.º 3 do CPC
de 2013 a permitir ao executado deduzir oposição com fundamento em exceção
perentória [alínea a)] ou dilatória, quando evidente [alínea b)], desde que, em ambos os
casos, a exceção seja de conhecimento oficioso. Por outras palavras, a lei permite que
meios de defesa não supervenientes em relação ao prazo para oposição à injunção sejam
alegados pelo executado em sede de oposição à execução, verificados estes requisitos33.
30 Regulamento n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que
cria um procedimento europeu de injunção de pagamento. 31 Parecer da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, janeiro de 2013, disponível em
http://www.asjp.pt/2013/01/21/asjp-pareceres-sobre-o-cpc/, p. 107. Este parecer foi emitido a propósito
da proposta de lei n.º 521/2012, de 22 de novembro de 2012, que deu origem - com algumas alterações -
ao CPC de 2013. 32 Neste sentido, cfr. os pareceres da Ordem dos Advogados, março de 2012, disponível em
http://www.inverbis.pt/2012/ficheiros/forum/revisaocpc_pareceroa.pdf, p. 42, e da Associação Sindical dos Juízes
Portugueses, fevereiro de 2012, disponível em http://www.inverbis.pt/2012/ficheiros/forum/revisaocpc_parecerasjp.pdf,
pp. 128-130. 33 Esta conclusão sai reforçada da análise do n.º 1 do artigo 857.º do CPC de 2013, já que este - ao
remeter para os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença judicial - permite a alegação
de quaisquer factos supervenientes que determinem a extinção ou a modificação da obrigação exequenda
A análise desta regra suscita uma dúvida interpretativa, já que a sua aplicação,
quanto às exceções dilatórias, depende da circunstância de estas serem evidentes. No
fundo, trata-se de saber se a referência ao caráter evidente da exceção tem em vista as
situações em que esta possa ser declarada sem necessidade de prova adicional ou se,
pelo contrário, permite a alegação de factos novos na oposição à execução.
Neste particular, há que ter em conta o elemento histórico, pois a alusão ao
caráter evidente da exceção dilatória ficou a dever-se a uma proposta da Associação
Sindical dos Juízes Portugueses. Esta proposta apontava para a equiparação entre o
âmbito da apreciação judicial na oposição à execução de requerimento de injunção com
fórmula executória e na ação declarativa especial (em caso de revelia do réu) como
forma de justificar o efeito preclusivo no primeiro caso34.
Ora, o artigo 2.º do anexo ao D.L. n.º 269/98 determina que, para além da
citação pessoal e da falta de contestação, a atribuição de força executiva à petição inicial
da ação declarativa especial pressupõe que não ocorram, de forma evidente, exceções
dilatórias. Neste caso, a apresentação de prova quanto à verificação da exceção é
afastada uma vez que a apreciação judicial incide apenas sobre a petição inicial.
Quando, pelo contrário, seja necessária prova adicional, esta deve ser produzida na
audiência de julgamento (artigos 3.º, n.º 2, e 4.º do regime anexo ao D.L. n.º 269/98).
Apesar das diferenças entre esta situação e a oposição à execução, se o intuito do
legislador foi o de equiparar o âmbito de apreciação judicial em ambos os casos, deve
concluir-se que também em sede de oposição de execução a natureza evidente da
exceção dilatória depende de não ser necessária prova adicional, pelo que a exceção
deverá resultar da análise do requerimento de injunção. Esta conclusão pode, porém,
levantar questões difíceis na prática. Imagine-se uma situação em que em oposição à
execução o executado alega uma exceção para a qual há que fazer prova da contração de
um dos seus requisitos. Esta interpretação do preceito não permite a produção de prova
(ainda que documental) e, logo, obriga o juiz a julgar a exceção de imediato
improcedente.
Para além desta questão, o artigo 857.º, n.º 3, do CPC de 2013 não suscita
especiais dificuldades. As exceções dilatórias e perentórias são, por regra, de
[artigo 729.º, alínea g), do CPC de 2013]. Assim, o n.º 3 do artigo 857.º do CPC de 2013 só pode referir-
se a factos não supervenientes, pois os restantes sempre estarão abrangidos pelo n.º 1 do mesmo artigo. 34 Parecer cit., janeiro de 2013, pp. 65-67.
conhecimento oficioso, o que é um afloramento do princípio jura novit curia (artigo 5.º
do CPC de 2013). Na verdade, desde que as partes aleguem factos que consubstanciem
uma exceção, o conhecimento desta depende da aplicação de regras de direito, tarefa
que a lei reserva ao juiz.
Não obstante, em certos casos a lei faz depender o conhecimento da exceção da
sua invocação pela parte. No que respeita às exceções dilatórias, a própria lei processual
enuncia os diversos casos em que tal se verifica: incompetência absoluta por violação de
pacto de jurisdição ou preterição do tribunal arbitral voluntário e algumas situações de
incompetência relativa (artigo 578.º do CPC de 2013). Por seu turno, as exceções
perentórias apenas dependem de arguição pelas partes quando tal resulte da lei (artigo
579.º do CPC de 2013). É o que sucede, por exemplo, com a exceção de não
cumprimento do contrato (artigo 428.º, n.º 1, do Código Civil35), a prescrição (artigo
303.º do CC) ou a anulabilidade de um negócio jurídico (artigo 287.º do CC)36.
Quer isto dizer que, por regra, as exceções dilatórias e perentórias podem ser
alegadas na oposição à execução de requerimento de injunção com fórmula executória,
pois são de conhecimento oficioso. Desta forma, o efeito preclusivo decorrente da falta
de oposição em sede de injunção é substancialmente limitado, pois apenas abrange a
defesa por impugnação, as exceções que não sejam de conhecimento oficioso e as
exceções dilatórias de conhecimento oficioso que não sejam evidentes.
2.4. O artigo 857.º do CPC de 2013 e o Princípio da Proibição da Indefesa
Tendo em conta a orientação adotada pelo Tribunal Constitucional no
comentário e a evolução legislativa quanto aos fundamentos de oposição à execução de
requerimento de injunção com fórmula executória, coloca-se a questão de saber se o
artigo 857.º do CPC de 2013 responde às questões anteriormente suscitadas em face do
princípio da proibição da indefesa.
Tal como se constatou, a reforma de 2013 atenuou o efeito preclusivo decorrente
da falta de oposição em sede de injunção, ao permitir a alegação de meios de defesa não
supervenientes na oposição à execução, desde que o juiz declare a existência de um 35 Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966 (na sua redação atual), doravante “CC”. 36 Para uma análise mais aprofundada sobre as exceções dilatórias e perentórias, cfr. JOSÉ LEBRE DE
FREITAS/ANTÓNIO MONTALVÃO MACHADO/RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, 2.ª edição,
vol. II, Coimbra, Almedina, 2008, pp. 340-344.
justo impedimento à sua alegação tempestiva ou se verifiquem exceções de
conhecimento oficioso, mas apenas as exceções dilatórias evidentes. Esta alteração
permite ultrapassar em parte um dos pontos mais controversos antes da reforma de 2013
- a preclusão dos meios de defesa de conhecimento oficioso - mas mantém, como regra,
a limitação dos meios de defesa na execução de requerimento de injunção com fórmula
executória e, sobretudo, não intervém no regime da injunção.
Conforme resulta do acórdão em comentário, a declaração de
inconstitucionalidade do artigo 814.º, n.º 2, do CPCa tem subjacente o entendimento de
que a limitação dos fundamentos de oposição à execução só é admissível em caso de
ação declarativa prévia, o que não sucede em caso de aposição de fórmula executória
ainda que - acrescentamos nós - por opção do requerido. Assim, na falta de intervenção
legislativa no regime da injunção, é possível que o Tribunal Constitucional mantenha a
sua orientação anterior por considerar desproporcional a limitação dos meios de defesa
do executado no âmbito da oposição à execução.
De facto, tal como é referido na decisão, a celeridade processual encontra-se
assegurada tanto no procedimento de injunção como na ação executiva. No
procedimento de injunção, a celeridade decorre - entre outros aspetos - da formação de
título executivo na ausência de oposição do requerido, enquanto na ação executiva
resulta da tramitação do processo de acordo com as regras do atual processo sumário
[artigo 550.º, n.º 2, alínea b), do CPC de 2013], o que implica a dispensa de despacho
liminar e de citação prévia do executado (artigos 855.º e 856.º, do CPC de 2013)37.
Assim, a intervenção judicial afigura-se como eventual em ambos os momentos, já que
depende de oposição à injunção ou, em sede de execução, de iniciativa de uma das
partes ou do agente de execução.
Por seu turno, o direito de defesa é tutelado quando a lei permite, por exemplo, a
oposição à injunção ou a oposição à execução. No entanto, o exercício efetivo do
contraditório em sede de injunção pressupõe que o requerido tome conhecimento do
procedimento e dos efeitos preclusivos associados à falta de oposição. Ora, tal não é
assegurado pela notificação por via postal registada e/ou simples para um ou mais locais
que podem não corresponder à morada ou sede do requerido nem pelo conteúdo da
37 Sobre a distinção entre as formas ordinária e sumária do processo de execução e respetiva teleologia,
cfr. NUNO DE LEMOS JORGE, “A Reforma cit.”, pp. 118-119 e 144-145.
notificação38. Já na ação executiva, o âmbito da oposição à execução é limitado à falta
de pressupostos processuais, à existência de exceções de conhecimento oficioso e a
factos extintivos ou modificativos da obrigação exequenda, desde que supervenientes ao
prazo para oposição.
Assim, pode concluir-se que o regime de notificação do requerido em sede de
injunção, o conteúdo dessa notificação e a consagração de um efeito preclusivo na
oposição à execução traduzem uma restrição ao direito de defesa, cujo intuito é o de
assegurar uma maior celeridade na formação do título executivo e na própria execução
subsequente. Por outras palavras, a ponderação de interesses subjacente a esta solução
normativa sugere uma primazia da celeridade processual sobre o direito de defesa.
Tendo em conta que o direito de defesa traduz uma das vertentes do direito de
acesso à justiça (artigo 20.º da CRP), a sua restrição só será legítima caso se limite ao
necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos (artigo 18.º, n.º 2, da CRP). Por outras palavras, importa determinar se a
restrição em análise respeita o princípio da proporcionalidade na sua tripla dimensão de
necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito39.
É certo que a doutrina tem reconhecido ao legislador uma importante margem de
discricionariedade na conformação do processo40. O acórdão do Tribunal Constitucional
de 20 de junho de 1990 ilustra esta ideia com particular clareza, ao afirmar que só
quando a “escolha legislativa a esse propósito se mostrar ostensiva e decididamente
incompatível com as exigências de um cabal contraditório (…) será legítimo censurá-la
de um ponto de vista constitucional”41.
38 Cfr. infra, ponto 5. 39 Sobre a relação entre o princípio da proporcionalidade e o artigo 18.º, n.º 2, da CRP, cfr. J. J. GOMES
CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª edição, vol. I,
Coimbra, Coimbra Editora, 1984, pp. 149 e 152 e JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição
Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 162. Acerca das diferentes vertentes do
princípio da proporcionalidade, cfr. J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da
Constituição, 7.ª edição, Coimbra, Almedina, 2003, pp. 269-270. 40 Neste sentido, cfr. CARLOS LOPES DO REGO, “Os Princípios cit.”, pp. 839-840 e JORGE MIRANDA/RUI
MEDEIROS, Constituição cit., pp. 190 e 192. 41 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 222/90, de 20 de junho de 1990 (rel. Conselheiro Sousa e
Brito), disponível em www.tribunalconstitucional.pt. Neste caso, discutia-se a conformidade com a
Constituição da norma que permitia ao juiz apreciar no despacho saneador uma exceção sem antes
convocar audiência destinada ao exercício do contraditório.
Retomando a questão em análise, o regime de notificação do requerimento de
injunção (incluindo o conteúdo do ato de notificação) é um meio adequado a imprimir
maior celeridade ao procedimento de injunção. O mesmo sucede em relação à ação
executiva com a introdução de um efeito preclusivo dos fundamentos de oposição à
execução, na falta de oposição em sede de injunção.
Contudo, esta solução normativa não traduz o meio menos oneroso para alcançar
a celeridade processual. O ato de citação surge como um pressuposto para o exercício
efetivo do direito de defesa, pois é através dele que o réu toma conhecimento da ação
contra si proposta e dos efeitos cominatórios associados à falta de contestação. As
mesmas considerações são extensíveis, com as devidas adaptações, à notificação do
requerimento de injunção, dado que esta desempenha a função de levar ao
conhecimento do requerido o procedimento de injunção.
A introdução de um efeito preclusivo dos meios de defesa na sequência de uma
notificação que não assegura, de forma suficiente, a respetiva cognoscibilidade pelo
requerido, nem alude a esse efeito preclusivo implica uma restrição significativa do
direito de defesa. Ora, a introdução de alterações pontuais no regime da notificação no
procedimento de injunção pode conduzir a uma menor restrição do direito de defesa,
sem prejudicar necessariamente a celeridade processual. Nestes termos, a atual solução
normativa afigura-se inconstitucional por violação do princípio da proibição da
indefesa, já que a restrição do direito de defesa vai além do necessário para salvaguardar
a celeridade processual.
A análise anterior permite-nos identificar as duas questões centrais neste debate.
Em primeiro lugar, a necessidade de que notificação no procedimento de injunção seja
efetuada de tal forma que garanta o exercício do direito de defesa. Em segundo lugar, a
possibilidade de uma intervenção judicial na apreciação do requerimento de injunção
que impeça a executoriedade de relações jurídicas contrárias às normas jurídicas.
Antes de entrar em cada uma destas questões, importa ter em conta quais os
traços gerais do procedimento de injunção em outros ordenamentos jurídicos bem como
os fundamentos que, em geral, justificam a limitação dos meios de defesa em sede de
oposição à execução.
3. DIREITOS ESTRANGEIROS42
A injunção é um procedimento judicial ou para-judicial em que se pretende a
obtenção de um título executivo sem contraditório. É conhecida da maioria dos países
europeus, variando, porém, as suas características.
Em grandes linhas, e de acordo com o Livro Verde relativo a um Procedimento
Europeu de Injunção de Pagamento e a Medidas para Simplificar e Acelerar as Acções
de Pequeno Montante43, podem distinguir-se na Europa dois modelos de procedimento
de injunção: o modelo probatório e o modelo não probatório.
A característica fundamental do modelo probatório, que vigora - por exemplo -
em França, na Itália e em Espanha, é a exigência de o requerente apresentar uma prova
escrita que fundamente o seu pedido. Sem essa prova documental, o requerimento de
injunção de pagamento não pode ser deferido.
Em Espanha, discute-se, porém, qual a consequência da não junção de prova
com a apresentação do requerimento. Segundo alguma doutrina, implica a
inadmissibilidade do requerimento inicial, mas para outra trata-se apenas da falta de
uma condição para a decisão de mérito, pelo que é possível a sanação do vício44.
À exigência de prova documental associa-se ainda uma outra característica
importante que distingue os modelos europeus de injunção - a intervenção judicial. No
modelo probatório, o requerimento de injunção e a prova que o acompanha são
analisados sumariamente por um juiz que avalia do mérito do pedido45.
É evidente que esta análise judicial associada à prova documental confere ao
procedimento de injunção uma garantia forte de proteção do requerido. Assim se
explica que nestes casos a ordem de pagamento, para além de adquirir força executiva,
implique - no entender de parte da doutrina - exceção de caso julgado46. Aliás, em 42 Parte substancial deste ponto foi retirada do artigo de MARIANA FRANÇA GOUVEIA, “A Causa de Pedir
da Injunção”, in Themis, n.º 13 (2006), pp. 223-225. 43 Bruxelas, 20.12.2002 - COM (2002) 746 final. Seguimos de perto o seu texto. 44 TERESA ARMENTA DEU, “De los Procesos Monitorio y Cambiário”, in Comentarios a la Ley de
Enjuiciamiento Civil, vol. II, Navarra, Aranzadi Editorial, 2001, p. 944. 45 JACQUES HÉRON/THIERRY LE BARS, Droit Judiciaire Privé, 2.ª edição, Paris, Montchrestien, 2002, p.
457; JEAN VINCENT/SERGE GUINCHARD, Procédure Civile, 25.ª edição, Paris, Dalloz, 1999, p. 697 e
TERESA ARMENTA DEU, “De los Procesos cit.”, p. 944. 46 CRISANTO MANDRIOLI, Corso di Diritto Processuale Civile, 12.ª edição, vol. III, Torino, G.
Giappichelli Editore, 1998, pp. 199-200; FREDERIQUE FERRAND, “La Procédure d’Injonction de Payer en
Espanha a ordem de pagamento com força executória é equiparada a uma sentença
judicial para efeitos de tramitação da execução (artigo 816.º, n.º 2, da Ley de
Enjuiciamiento Civil)47.
O modelo não probatório vigora - entre outros países - na Alemanha e em
Portugal e caracteriza-se pela total ausência de apreciação judicial relativamente ao
mérito do pedido48. Sempre que um pedido satisfaça os requisitos formais enunciados
na lei, o tribunal emite uma injunção de pagamento sem proceder a qualquer outra
apreciação do fundamento do pedido.
Enquanto o modelo probatório considera indispensável uma proteção mínima do
requerido através de uma intervenção judicial, o modelo não probatório coloca a tónica
na responsabilidade do próprio requerido, tendo, portanto, de ter especiais preocupações
com a sua notificação. Há aqui uma presunção da existência do direito, presunção
considerada admissível porque a mera impugnação pelo requerido é suficiente para
frustrar a executoriedade do requerimento.
As diferenças essenciais entre cada um destes modelos resultam, precisamente,
da ênfase colocada no grau de intervenção judicial. Se não se procede a uma apreciação
de mérito do requerimento de injunção, não é necessária qualquer prova documental do
crédito, já que esta serve apenas como meio para permitir esse controlo. Além disso, se
esse exame não tem lugar e, por conseguinte, o procedimento assume um carácter
exclusivamente administrativo, não parece ser necessário envolver um juiz.
No entanto, mesmo considerando apenas os ordenamentos jurídicos que adotam
um modelo não probatório, é possível detetar diferenças relevantes. É o que resulta, por
exemplo, de uma breve análise do procedimento de injunção em Portugal e na
Alemanha.
A disparidade de regimes é notória, desde logo quanto ao modo de notificação e
às consequências da falta de oposição do requerido. Quanto à notificação, seguem-se as
regras gerais da citação conforme estabelece o § 693 ZPO.
Droit Français”, in Orders for Payment in the European Union, The Hague, The Netherlands, Kluwer
Law International, 2001, p. 141 e IGNACIO DÍEZ-PICAZO GIMÉNEZ, “De los Procesos Monitorio y
Cambiario”, in Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Civil, Madrid, Civitas, 2001, p. 1370. 47 JUAN LUIS GÓMEZ COLOMER, “Los Procesos Especiales”, in Derecho Jurisdiccional, vol. II, Valencia,
Tirant lo Blanch, 2001, p. 772; no mesmo sentido, IGNACIO DÍEZ-PICAZO GIMÉNEZ, “De los Procesos cit.,
p. 1369, alude a um “título executivo judicial sui generis”. 48 OTHMAR JAUERNIG, Zivilprozeβrecht, 25.ª edição, München, Verlag C. H. Beck, 1998, pp. 328-329.
Enquanto para a lei alemã a atribuição de força executiva à ordem de pagamento
depende de requerimento nesse sentido (artigo 699.º, n.º 1, da ZPO), a lei portuguesa
estabelece que a aposição da fórmula executória não pressupõe qualquer iniciativa do
requerente mas apenas a falta de oposição do requerido (artigo 11.º, n.º 4, do regime
anexo ao D.L. n.º 269/98).
Por esta razão, o requerido acaba por ter mais do que uma hipótese de discutir o
direito. Com efeito, no seguimento da citação, o requerido tem uma primeira
oportunidade para declarar ao tribunal se se pretende opor à ordem de pagamento
(“Widerspruch”) e, em caso afirmativo, informar em que medida é que se pretende opor
(§ 693, par. 1, n.º 3 da ZPO). Por outro lado, e nos termos do § 694 da ZPO, a oposição
pode ser apresentada até à aposição de fórmula executória à ordem de pagamento que só
é aposta pelo tribunal no seguimento de requerimento do requerente. Uma vez aposta a
fórmula executória, o requerido tem um prazo de duas semanas a contar da
correspondente notificação para se opor à aposição de fórmula executória (“Einspruch”
- § 339 da ZPO, ex vi § 700 da ZPO). A apresentação extemporânea da oposição à
ordem de pagamento (mas dentro do prazo de duas semanas para oposição à aposição de
fórmula executória) leva a que a mesma seja tratada oficiosamente como oposição à
aposição de fórmula executória (regulada no § 700 da ZPO, que remete em larga
medida para o regime da oposição à ordem de pagamento). 49
Na eventualidade de o requerido ter deduzido tempestivamente oposição à
ordem de pagamento ou à aposição de fórmula executória - sendo que, no primeiro caso,
uma das partes terá de requerer o início da ação declarativa - o processo será
oficiosamente remetido ao tribunal competente para a apreciação da ação declarativa
correspondente (§ 696 da ZPO, aplicável ex vi § 700 da ZPO, no âmbito da oposição à
aposição de fórmula executória).
Repare-se, portanto, como são muito mais amplas as garantias dadas ao putativo
de devedor de conhecer o procedimento e de se opor à sua concretização se comparadas
com o regime estabelecido no direito português.
Também importante no contexto desta anotação é a forma como a lei encara o
título executivo formado no âmbito do procedimento de injunção. A análise anterior
permite-nos concluir que em Portugal o requerimento de injunção é um título executivo
judicial impróprio e que os respetivos fundamentos de oposição à execução são
49 Dagmar Coester-Waltjen, “Mahnverfahren in Deutschland”, in ... , p. 155 e seguintes.
moldados a partir dos fundamentos previstos para a execução de sentenças judiciais.
Pelo contrário, na Alemanha a ordem de pagamento com força executiva é equiparada a
uma sentença à revelia declarada provisoriamente executória (artigo 700.º, n.º 1, da
ZPO).
A equiparação da ordem de pagamento com força executiva a um título
executivo judicial - a sentença à revelia - implica que o requerido possa deduzir
reclamação, pois esta constitui o meio de reação contra a condenação à revelia50. A
reclamação é um processo autónomo que tem lugar no tribunal que proferiu a decisão
condenatória e a sua finalidade consiste na revogação desta ou, na situação em análise,
da ordem de pagamento com força executiva.
No caso específico da ordem de pagamento, a lei determina que a reclamação
apenas será julgada improcedente de forma liminar quando o efeito cominatório semi-
pleno associado à falta de oposição conduzir à procedência do pedido (artigo 331.º, n.os
1 e 2 ex vi artigo 700.º, n.º 6, da ZPO). Nos restantes casos, o processo retroage ao
momento anterior à revelia (artigo 342.º da ZPO), seguindo-se um novo julgamento que
irá confirmar ou revogar a ordem de pagamento.
Assim, a lei alemã permite ao requerido reagir contra a ordem de pagamento
com força executiva através de reclamação, enquanto a lei portuguesa apenas permite a
oposição à execução. Esta diferença é essencial, tendo em conta que a reclamação é
admissível - entre outras situações - em caso de inconcludência jurídica do requerimento
de injunção, algo que não sucede de acordo com a lei portuguesa em sede de oposição à
execução. Também as garantias de cognoscibilidade são asseguradas pela aplicação das
regras da citação à notificação em procedimento de injunção.
Em suma, o procedimento de injunção é regulado de forma diversa em função
do modelo adotado - probatório ou não probatório - e mesmo entre ordenamentos
jurídicos que partilham um modelo não probatório. É de salientar, porém, que nenhum
dos ordenamentos jurídicos analisados vai tão longe quanto o português na proteção da
posição do credor – o regime de notificação é menos garantístico, não se garante uma
análise judicial, o efeito preclusivo é de grande extensão.
50 Quanto à reclamação no direito alemão, os autores seguem de perto JOÃO PEDRO PINTO-FERREIRA
(relator), MARIANA FRANÇA GOUVEIA E OUTROS (coordenadores), Justiça Económica em Portugal - A
Citação do Réu no Processo Civil, Fundação Francisco Manuel dos Santos e Associação Comercial de
Lisboa - Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, 2012, pp. 60-61.
4. FUNDAMENTOS PARA A RESTRIÇÃO DOS MEIOS DE DEFESA NA OPOSIÇÃO À
EXECUÇÃO
A análise da evolução legislativa permite constatar que a doutrina e a
jurisprudência têm centrado a sua atenção, no essencial, na questão de saber se é
possível equiparar o requerimento de injunção com fórmula executória às sentenças
judiciais. Antes da reforma de 2008, esta discussão adquiria especial relevância na
ausência de uma disposição legal expressa sobre a oposição à execução de requerimento
de injunção com fórmula executória e, na sequência da alteração legislativa então
operada, passou a ter como intuito justificar a equiparação entre estes títulos executivos
no que respeita aos fundamentos de oposição à execução.
Ora, em nosso entender a questão não deve ser colocada nestes exatos termos. O
problema não está tanto em equiparar os títulos, mas em saber se as razões que levam à
admissibilidade da restrição dos fundamentos de oposição à execução de sentença,
também se verificam quando o título é uma injunção. É que, como é evidente, existem
diferenças estruturais no procedimento de formação destes títulos executivos e só uma
análise das razões da restrição pode permitir descortinar se a injunção preenche
requisitos que permitem essa preclusão.
De facto, a sentença é um título executivo judicial, ou seja, formado no âmbito
de um processo que culmina com a prolação de uma decisão pelo juiz. Pelo contrário, o
requerimento de injunção com fórmula executória constitui um título judicial impróprio,
pois resulta de um procedimento para-judicial tramitado junto do Balcão Nacional de
Injunções que termina com a aposição de fórmula executória pelo secretário judicial, na
falta de oposição do requerido51.
Esta diferença estrutural entre os títulos executivos em análise encontra-se, aliás,
ilustrada no acórdão em comentário em termos que merecem a nossa concordância.
É, portanto, necessário perceber por que se restringe os fundamentos de oposição
à execução de sentença. Essa limitação é justificada pela doutrina com base em três
características do seu regime: a existência de um procedimento que admite o
51 Sobre os títulos executivos judiciais impróprios, cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção cit., 5.ª edição,
pp. 64-65.
contraditório prévio, a intervenção judicial na apreciação da pretensão e o respeito pelo
caso julgado formado na ação declarativa52.
A primeira vertente é descrita de forma expressiva pelo Tribunal da Relação de
Lisboa, em acórdão de 6 de dezembro 2011, quando considera que relevante para a
“aferição da conformidade com o princípio da proibição da indefesa não é o critério
formal da qualidade do título executivo (…) mas antes o critério substancial do processo
da sua formação”, ou seja, a possibilidade de contraditório53. De forma ainda mais clara,
o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de maio de 2011 considera que o efeito
preclusivo resulta da existência de uma “sentença transitada em julgado proferida por
um juiz independente e imparcial num processo com todas as garantias de defesa”54.
Assim se explica, por exemplo, que a lei apenas permita a dedução de oposição
por razões relacionadas com o mérito da causa quando se verifique um facto
modificativo ou extintivo da obrigação exequenda que seja posterior ao encerramento
da discussão no processo declarativo [artigo 729.º, alínea g), do CPC de 2013]55. A
superveniência objetiva ou subjetiva do facto implica a ausência de efeito preclusivo
precisamente porque a parte não teve oportunidade de alegar esse mesmo facto na ação
declarativa. Por outras palavras, o efeito preclusivo pressupõe a existência de um
procedimento contraditório em que seja dada à parte a oportunidade de apresentar todos
os meios de defesa de que disponha contra a pretensão do requerente. E o respeito pelo
caso julgado impede, aliás, posteriores alterações da decisão proferida.
É neste contexto que a circunstância de o procedimento de injunção prever um
momento próprio para o exercício do contraditório assume particular importância. De
facto, nos termos do artigo 14.º do regime anexo ao D.L. n.º 269/98, o requerido pode
apresentar oposição à injunção com base em qualquer meio de prova admissível na ação
52 JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção cit., 4.ª edição, p. 182 e FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Curso de
Processo de Execução, 13.ª edição, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 178 e 182. 53 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.12.2011, proc. n.º 447/10.4TBLSB-A.L1-1 (relator:
Rijo Ferreira), disponível em www.dgsi.pt. 54 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.05.2011, proc. n.º 25996/05.2YYLSB-A.L1.SI (rel.
Sérgio Poças), disponível em www.dgsi.pt. 55 A lei enuncia ainda um terceiro pressuposto para a dedução de oposição à execução nesta situação: a
prova documental do facto modificativo ou extintivo, exceto no caso da prescrição [artigo 729.º, alínea g),
do CPC de 2013].
declarativa e, assim, provocar a intervenção judicial e a tramitação subsequente nos
termos da ação declarativa especial.
É este traço do regime da injunção que permite uma aproximação entre o título
executivo resultante da aposição de fórmula executória e as sentenças judiciais, já que
em ambos os casos a lei faculta ao requerido a oportunidade de exercer o contraditório.
Contudo, e mais importante, os efeitos decorrentes da falta de oposição e da falta de
contestação são distintos, o que resulta da diferente natureza - judicial ou parajudicial -
destes títulos.
A última observação é tanto mais importante quanto uma parte da jurisprudência
tende a enfatizar apenas a eventualidade de contraditório, daí retirando argumentos a
favor da restrição dos fundamentos de oposição à execução de requerimento de injunção
com fórmula executória. A título exemplificativo, o acórdão do Tribunal da Relação do
Porto de 2 de fevereiro de 2012 concluiu pela existência de um efeito preclusivo no
procedimento de injunção por ser admissível oposição56 e o Tribunal da Relação de
Guimarães, em acórdão de 26 de maio de 2011, considerou que a ausência desse efeito
preclusivo teria como consequência a inutilidade do procedimento de injunção57.
Na doutrina, tal como se pôde constatar, a posição de SALVADOR DA COSTA vai
no mesmo sentido58. O autor chama, no entanto, a atenção para um ponto crucial: a
formação dos títulos executivos extrajudiciais também é uma realidade estruturalmente
distinta das demais59. Basta pensar nos documentos autênticos ou autenticados [artigo
703.º, n.º 1, alínea b), do CPC de 2013] para constatar que estes não se formam no
âmbito de um procedimento judicial ou para-judicial, pelo que o executado não tem
oportunidade de apresentar os meios de defesa de que disponha antes da formação do
título. Assim se explica, pois, que na oposição à execução de títulos executivos
extrajudiciais possam ser alegados quaisquer meios de defesa admissíveis em processo
declarativo (artigo 731.º do CPC de 2013).
Em nosso entender, as considerações anteriores apontam para a possibilidade de
introduzir um efeito preclusivo no procedimento de injunção, já que este permite ao
56 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02.02.2012, proc. n.º 819/09.7TBVRL-A.P1 (rel. Freitas
Vieira), disponível em www.dgsi.pt. 57 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26.05.2011, proc. n.º2341/09.2TBGMR-B.G1 (rel.
Helena Melo), disponível em www.dgsi.pt. 58 Cfr. supra, ponto 2.1. 59 SALVADOR DA COSTA, A Injunção cit., 6.ª edição, p. 258.
requerido exercer o contraditório de forma tão ampla como na ação declarativa. Não
obstante, esta aproximação à ação declarativa depende da observância de certas regras,
designadamente em sede de garantia de conhecimento da injunção. Caso essas garantias
não ocorram, não é admissível a extensão do efeito preclusivo tal como hoje
consagrado.
5. NOTIFICAÇÃO DO REQUERIDO NO PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
5.1. Regime da Notificação
Ao contrário do que sucede no processo declarativo, em que o réu toma
conhecimento da ação contra si proposta através de citação (artigo 219.º, n.º 1, do CPC
de 2013), o requerimento de injunção é comunicado ao requerido por via de notificação
(artigos 12.º e 12.º- A do regime anexo ao D. L. n.º 269/98). Esta diferença
terminológica decorre da natureza não jurisdicional do procedimento de injunção, no
qual a notificação surge com o duplo intuito de comunicar um requerimento para
pagamento de determinada quantia pecuniária e de formar título executivo em caso de
falta de oposição60. Esta é apenas a primeira de algumas importantes diferenças entre os
regimes aplicáveis num caso e no outro.
Neste contexto, o primeiro ponto digno de realce não é tanto o facto de a
notificação por via postal registada ser a modalidade preferencial (artigo 12.º, n.º 1, do
regime anexo ao D.L. n.º 269/98)61, mas antes a exclusão da notificação por contacto
pessoal com o requerido ou através de editais62. De acordo com SALVADOR DA COSTA, a
opção por uma única modalidade de notificação - notificação por via postal simples ou
60 MARIA RITA MONIZ, “Notas Teórico-Práticas em Torno do Regime Jurídico na Injunção”, in Revista da
Ordem dos Advogados, ano 61 (2001), vol. I, p. 469. 61 A lei admite ainda a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial (artigo 12.º-A, n.º 8,
do regime anexo ao D.L. n.º 269/98) mas a exposição subsequente não terá em conta essa possibilidade. 62 Pelo contrário, as regras gerais de citação de pessoas singulares estabelecem modalidades alternativas
de citação para o caso de frustração da citação por via postal registada. Nesse caso, seguem-se -
respetivamente - a citação por contacto pessoal (artigo 231.º do CPC de 2013), a citação com hora certa
(artigo 232.º do CPC de 2013) e, por fim, a citação edital (artigos 240.º e 243.º do CPC de 2013). Para
uma descrição mais pormenorizada do regime à luz do CPCa, cfr JOÃO PEDRO PINTO-FERREIRA (relator),
MARIANA FRANÇA GOUVEIA E OUTROS (coordenadores), Justiça cit., pp. 33-41.
registada - está relacionada com o objetivo de “simplificação do procedimento de
injunção e da consequente celeridade processual”63.
A circunstância de a lei admitir apenas esta modalidade de notificação repercute-
se necessariamente nas diligências subsequentes à frustração da notificação por via
postal registada. Neste caso, segue-se a pesquisa de informação sobre a residência, local
de trabalho ou sede do requerido (artigo 12.º, n.º 3, do regime anexo ao D.L. n.º 269/98)
e a notificação por via postal simples para todas as moradas identificadas (artigo 12, n.os
4 e 5, do regime anexo ao D.L. n.º 269/98).
Pelo contrário, quando exista convenção de domicílio, a notificação deve
efetuar-se por carta registada simples enviada para o domicílio ou sede convencionado
(artigo 12.º-A, n.º 1, do regime anexo ao D.L. n.º 269/98).
Em sede de injunção existe um regime comum para a notificação de pessoas
singulares e de pessoas coletivas. Ora, a principal alteração introduzida pela reforma de
2013 na matéria da citação segue na direção oposta, ao consagrar um regime específico
para a citação das pessoas coletivas64. Esta opção parece ter subjacente a ideia de que a
especificidade das pessoas coletivas justifica a imposição de alguns deveres, entre os
quais a atualização dos seus dados, que explicam a relevância atribuída ao domicílio
oficial65.
Assim, de acordo com o artigo 246.º do CPC de 2013, a citação de pessoas
coletivas cuja inscrição no registo nacional de pessoas coletivas seja obrigatória efetua-
se através de carta registada com aviso de receção enviada para a sede que conste do
registo (artigo 246.º, n.os 2 e 4, do CPC de 2013). Em caso de recusa de assinatura do
aviso de receção ou de recusa de receção da carta pelo representante legal ou por
funcionário da pessoa coletiva, a citação considera-se realizada (artigo 246.º, n.º 3, do
CPC de 2013). Nos restantes casos, o envio de nova carta registada para a sede da
63 SALVADOR DA COSTA, A Injunção cit., 6.ª edição, p. 244. 64 Mesmo antes da reforma, a citação das pessoas coletivas já apresentava uma especificidade: no caso de
frustração da via postal, a citação era efetuada no representante legal da pessoa coletiva, de acordo com as
regras aplicáveis à citação de pessoa singular (artigo 237.º-A do CPCa). 65 Neste sentido, cfr. MARIANA FRANÇA GOUVEIA, NUNO GAROUPA E PEDRO MAGALHÃES
(coordenadores), Justiça Económica em Portugal - Síntese e Propostas, Fundação Francisco Manuel dos
Santos e Associação Comercial de Lisboa - Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, 2012, p. 46 e
PAULO RAMOS DE FARIA/ANA LUÍSA LOUREIRO, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil,
Coimbra, Almedina, 2013, p. 220.
pessoa coletiva é suficiente para que a citação se considere efetuada (artigo 246.º, n.º 4,
do CPC de 2013)66.
Esta solução permite que a citação das pessoas coletivas decorra de forma mais
célere e eficaz e aproxima-se de proposta formulada no Estudo sobre a Justiça
Económica, que previa a citação das pessoas coletivas na respetiva sede, por via postal
registada, e a eliminação da citação na pessoa do representante legal67. Em simultâneo,
o artigo 246.º do CPC de 2013 responde à preocupação manifestada num dos votos de
vencido no acórdão em anotação, que apontava (ainda que de forma implícita) para a
necessidade de consagrar um regime próprio para as relações entre profissionais. A
consagração de uma regra equivalente para a injunção permitiria conciliar a celeridade
na notificação, evitando os riscos da notificação por via postal simples, com um regime
adequado às especificidades da notificação de pessoas coletivas.
No entanto, o aspeto mais controverso do regime de notificação do requerimento
de injunção é, sem dúvida, a possibilidade de notificação por via postal simples, quer
esta surja como modalidade exclusiva de notificação por força de convenção de
domicílio quer resulte da frustração da notificação por carta registada com aviso de
receção.
No que respeita aos casos de domicílio convencionado, PAULO PIMENTA
considera que a notificação por via postal simples introduz “limitações excessivas” ao
direito de defesa do requerido sem que a celeridade e eficácia processual o justifiquem.
O autor entende, assim, que a notificação no domicílio convencionado deveria efetuar-
se por carta registada com aviso de receção, à semelhança do que está previsto para a
citação (artigos 228.º, n.º 1 e 229.º, n.º 1, do CPC de 2013)68.
O recurso à notificação por via postal simples em caso de frustração da
notificação por via postal registada suscita questões ainda mais complexas. Esta matéria
foi, aliás, objeto de amplo debate na doutrina e na jurisprudência quando o artigo 238.º,
n.º 1, do CPCa (na redação anterior à reforma de 2003) consagrou a mesma solução no
âmbito da citação. Tendo em conta que os regimes apenas divergem no facto de, num
66 Nas restantes situações, a frustração da citação postal registada determina a aplicação das regras gerais
(artigos 246.º, n.os 1 e 5, do CPC de 2013). Para uma descrição mais exaustiva do artigo 246.º, cfr., por
todos, PAULO RAMOS DE FARIA/ANA LUÍSA LOUREIRO, Primeiras cit., pp. 219-222. 67 JOÃO PEDRO PINTO-FERREIRA (relator), MARIANA FRANÇA GOUVEIA E OUTROS (coordenadores),
Justiça cit., pp. 67-68. 68 PAULO PIMENTA, “Notificação cit.”, p. 244.
caso, se tratar de notificação e no outro de citação, a análise dos termos em que a
questão se colocou a propósito da citação pode ser um contributo importante para a
discussão sobre a notificação por via postal simples.
De acordo com alguns autores, a citação por via postal simples não era um meio
suficientemente idóneo para provocar o conhecimento da ação, pelo que podia colocar
em causa o exercício do direito de defesa. Neste sentido, CARLOS LOPES DO REGO
entendia que a lei criava um “domicílio judicial necessário”, solução dificilmente
compatível com a atribuição de um efeito cominatório semi-pleno à revelia, já que este
“pressupõe necessariamente uma certeza prática no conhecimento ou cognoscibilidade
do acto de citação”, algo que não se mostrava suficientemente assegurado69. Da mesma
forma, JOSÉ LEBRE DE FREITAS considerava que a citação por via postal simples só era
admissível em caso de domicílio convencionado, sendo que nas restantes situações
implicava violação do direito de defesa70.
O Tribunal Constitucional pronunciou-se por mais do que uma vez sobre a
citação por via postal simples como modalidade subsidiária. A jurisprudência
constitucional nesta matéria não era uniforme, sendo demonstrativa dos diferentes
argumentos a favor e contra esta solução.
De acordo com uma orientação, o regime de citação por via postal não violava
os princípios da proibição da indefesa ou do processo equitativo71. Em acórdão de 8 de
março de 2006, o Tribunal justificou esta conclusão com a existência de “suficientes
garantias de assegurar, pelo menos, que o acto de comunicação foi colocado na área de
cognoscibilidade do seu destinatário”, como a dilação de 30 dias no prazo para
69 CARLOS LOPES DO REGO, “Os Princípios Constitucionais da Proibição da Indefesa, da
Proporcionalidade dos Ónus e Cominações e o Regime da Citação em Processo Civil”, in Estudos em
Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, pp. 853 e
857-858. 70 JOSÉ LEBRE DE FREITAS, “As Novas Alterações ao Código de Processo Civil”, in Revista da Ordem dos
Advogados, ano 60 (2000), vol. II, pp. 626-627. O autor referia ainda que esta solução poderia potenciar a
arguição de nulidades da citação e, assim, reduzir o pretendido efeito na celeridade processual. 71 Esta linha jurisprudencial é resumida em acórdão do Tribunal Constitucional n.º 376/10, de 11 de
outubro de 2010 (rel. Conselheira Ana Guerra Martins), disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
Nas palavras do acórdão, não serão inconstitucionais “as normas jurídicas que presumam o conhecimento
da instauração de acção contra o réu, desde que tais presunções sejam rodeadas das cautelas necessárias a
garantir a possibilidade de conhecimento efectivo, por um destinatário normalmente diligente, do
conteúdo da citação”.
contestação, e aludiu ainda ao “dever de colaboração com a administração da justiça”72.
Aliás, este entendimento já tinha sido afirmado pelo acórdão de 10 de fevereiro de
2004, então com base no cumprimento dos diversos trâmites legais, na inexistência de
elementos quanto a outro domicílio e com base num juízo de ponderação entre o direito
de defesa e a celeridade processual73.
A posição do Tribunal Constitucional não foi, contudo, indiferente à
circunstância de o réu provar que já não residia ou não tinha a sua sede no local onde foi
citado. Neste caso, o acórdão de 18 de novembro de 2006 defendeu que à luz de uma
ponderação dos diferentes interesses contrapostos era “desproporcionado (…) presumir
que a citação por via postal simples é suficiente para assegurar a cognoscibilidade da
pretensão do demandante”74. O acórdão de 7 de fevereiro de 2006 tinha chegado à
mesma conclusão, ainda que colocando especial ênfase nos efeitos cominatórios
associados à falta de intervenção da parte75.
Tendo em conta todas estas questões, o facto de a reforma da ação executiva de
2003 ter abandonado a citação por via postal simples nos moldes descritos não surgiu
como uma surpresa76.
A análise do regime da notificação no procedimento de injunção suscita sérias
dúvidas sobre a sua compatibilidade com o direito de defesa do requerido. Pelo
contrário, o regime de citação previsto na lei processual assenta numa maior garantia de
cognoscibilidade do ato de citação, algo que é essencial para o exercício efetivo do
direito de defesa.
Dir-se-ia, pois, que se deveria equiparar o regime da notificação na injunção ao
regime da citação em ação declarativa, como acontece, por exemplo, no direito alemão.
No entanto, a análise estatística de ações declarativas findas permite concluir
que a citação é uma das variáveis que mais influencia a duração total média dos 72 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 182/06, de 08 de março de 2006 (rel. Conselheiro Mário
Torres), disponível em www.tribunalconstitucional.pt. 73 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 91/04, de 10 de fevereiro de 2004 (rel. Conselheiro Gil
Galvão), disponível em www.tribunalconstitucional.pt. 74 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 632/06, de 18 de novembro de 2006 (rel. Conselheira Maria
Fernanda Palma), disponível em www.tribunalconstitucional.pt. 75 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 104/06, de 07 de fevereiro de 2006 (rel. Conselheiro Paulo
Mota Pinto), disponível em www.tribunalconstitucional.pt. 76 O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março de 2003, justificou esta opção com a
introdução da citação por contacto pessoal através de solicitador de execução.
processos77. Quer isto dizer que a aplicação das regras gerais em matéria de citação à
notificação no procedimento de injunção implicaria, com alguma probabilidade, um
sacrifício da celeridade processual em nome do direito de defesa.
O Estudo sobre a Justiça Económica aponta para outra solução, com o intuito de
conciliar de forma mais adequada os interesses em presença: a criação de um domicílio
oficial para efeitos de citação78. No caso das pessoas singulares, o domicílio oficial teria
por base as informações constantes do arquivo de identificação civil ou da base de
dados da administração tributária. Apesar de a proposta estar pensada para a citação no
processo declarativo, a sua aplicação à notificação no procedimento de injunção não
levanta especiais dificuldades e seria, aliás, uma forma de aferir da possibilidade de
alargar a regra do domicílio oficial à citação de pessoas singulares.
A consagração do domicílio oficial implica, porém, uma forte campanha de
consciencialização das suas consequências junto da opinião pública.
Caso se consagrasse o domicílio oficial para efeitos de citação, a frustração da
notificação por via postal registada daria lugar à notificação pessoal por agente de
execução sendo que, em caso de frustração desta, a notificação considerar-se-ia
realizada por depósito no domicílio oficial.
Em suma, a introdução de um efeito preclusivo na ação executiva depende de o
procedimento de injunção assegurar que o direito de defesa pode ser exercido de forma
adequada e efetiva. Assim, o efeito preclusivo pressupõe maiores garantias ao nível da
notificação, o que pode ser atingido por duas vias: ou através da consagração da regra
do domicílio oficial, o que permite uma solução célere, mas implica uma intervenção
legislativa importante; ou, em alternativa, por aplicação das regras gerais da citação à
notificação no âmbito da injunção, o que não pressupõe uma alteração legislativa
importante, mas põe em causa a celeridade do procedimento de injunção.
5.2. Conteúdo da Notificação
A consagração de um efeito preclusivo dos meios de defesa na ação executiva
em consequência de falta de oposição implica ainda uma reflexão sobre o próprio
conteúdo da notificação do requerimento de injunção. 77 JOÃO PEDRO PINTO-FERREIRA (relator), MARIANA FRANÇA GOUVEIA E OUTROS (coordenadores),
Justiça cit., pp. 15-17. 78 Seguimos de perto JOÃO PEDRO PINTO-FERREIRA (relator) e MARIANA FRANÇA GOUVEIA E OUTROS
(coordenadores), Estudo cit., pp. 67-69.
Esta matéria encontra-se regulada no artigo 13.º do regime anexo ao D.L n.º
269/98. A lei exige que a notificação do requerimento de injunção inclua - entre outros
elementos - a indicação do prazo para oposição, da sua forma de contagem e da
cominação aplicável em caso de falta de oposição e de pagamento nesse mesmo prazo
[artigo 13.º, n.º 1, alíneas b) e c)]. Numa análise literal, pode concluir-se que o único
efeito cominatório previsto é a aposição de fórmula executória ao requerimento de
injunção e consequente formação de título executivo, sem que exista qualquer alusão a
um eventual efeito preclusivo na ação executiva.
A questão não se coloca da mesma forma a propósito do ato de citação, pois a lei
demonstra a preocupação de concretizar, com maior clareza, os efeitos cominatórios
associados à falta de contestação. Assim, para além do prazo para contestação e da
forma de contagem, o ato de citação deve mencionar que a revelia implica que os factos
alegados pelo autor se considerem provados por admissão (artigos 227.º e 567.º, n.º 1,
do CPC de 2013). Quer isto dizer que, com a citação, o réu toma conhecimento de que a
falta de contestação tem efeitos probatórios com reflexo na ação executiva, por força do
caso julgado.
O conteúdo da notificação do requerimento de injunção tem merecido um
interesse crescente por parte da jurisprudência.
De acordo com algumas decisões, a existência de um efeito preclusivo na ação
executiva sem indicação expressa na notificação em sede de injunção coloca em causa o
direito de defesa do requerido. Para o acórdão do Tribunal Constitucional de 7 de
novembro de 201279, a questão reside no facto de não ser comunicado ao requerido que
na ação executiva o “âmbito da defesa contra a pretensão do exequente (…) estará
limitado pela preclusão dos fundamentos que já pudesse opor-lhe no momento do
requerimento de injunção”. Aliás, o Tribunal referiu ainda que o processo equitativo
pressupõe uma advertência expressa quanto a possíveis efeitos preclusivos, à
semelhança do que sucede no ato de citação80.
Pelo contrário, para outra parte da jurisprudência esta questão não se coloca. No
acórdão de 5 de julho de 201281, o Tribunal da Relação do Porto considerou que a
79 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 529/12, de 07 de novembro de 2012 (rel. Conselheiro Vítor
Gomes), disponível em www.tribunalconstitucional.pt. 80 No mesmo sentido, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03.07.2012, que se encontra
referido supra, na nota 24. 81 Referido supra, na nota 22.
notificação do requerimento de injunção é suficiente para provocar o conhecimento do
efeito preclusivo dos meios de defesa na subsequente ação executiva, com base no
artigo 814.º, n.º 2, do CPCa. Já no acórdão de 11 de outubro de 2012, o mesmo Tribunal
reconheceu que, apesar de a notificação não aludir a qualquer efeito preclusivo no
âmbito da ação executiva, a advertência de que a falta de pagamento e de oposição à
injunção implica a aposição de fórmula executória e constituição de título executivo é
“mais expressiva, adequada e cogente”82.
A introdução de um efeito preclusivo na oposição à execução de requerimento
de injunção com fórmula executória traduz uma aproximação substancial entre este
título executivo e as sentenças judiciais. Ora, essa opção legislativa pode colocar em
causa o direito de defesa do executado caso traduza uma equiparação unilateral, isto é,
quando não seja acompanhada de referência expressa ao efeito preclusivo. Aliás, é no
mínimo inesperado que a reforma processual não tenha tido em conta esta questão,
mesmo após a crítica certeira de NUNO DE LEMOS JORGE a uma primeira versão do
projeto e, sobretudo, tendo em conta que a alteração chegou a estar prevista em versão
posterior do mesmo83.
Acresce que os fundamentos invocados pela jurisprudência em sentido contrário
parecem-nos insuficientes. Por um lado, da notificação não resulta o conhecimento do
efeito preclusivo, precisamente porque este não é referido e é discutível que esse
conhecimento seja exigível, tal como defende o conselheiro Pedro Machete na sua
declaração de voto no acórdão em comentário84. Por outro lado, importa não confundir a
formação de um título executivo, efeito cominatório associado à falta de oposição ou de
pagamento, com a existência de um eventual efeito preclusivo na oposição à execução.
7. APRECIAÇÃO JUDICIAL DO REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO
Se a garantia de cognoscibilidade tem de ser assegurada para que o efeito
preclusivo seja constitucionalmente admissível, outro aspeto importante é a
82 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.10.2012, proc. n.º 1014/11.0TBSTS-A.P1 (rel. José
Amaral), disponível em www.dgsi.pt. 83 NUNO DE LEMOS JORGE, “A Reforma da Acção Executiva de 2012: Um Olhar sobre o Primeiro
Projecto”, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Caderno_I_Novo%20_Processo_Civil.pdf,
pp. 147-148. 84 Cfr. supra, ponto 1.
possibilidade de apreciação judicial do requerimento de injunção para obviar a
resultados manifestamente ilícitos ou injustos.
Na ação declarativa esta intervenção judicial ocorre antes da formação do título
executivo, já que a revelia tem um efeito cominatório semi-pleno. Quer isto dizer que a
prova dos factos alegados pelo autor em resultado da falta de contestação não implica a
imediata condenação do réu, pois os factos podem ser insuficientes para que a ação seja
julgada procedente ou pode verificar-se uma exceção que implique a improcedência do
pedido ou que obste ao conhecimento do mérito da causa85. No fundo, a revelia implica
um abreviamento da tramitação processual mas não dispensa a intervenção judicial no
sentido de verificar a concludência jurídica ou a existência de exceções dilatórias ou
perentórias de conhecimento oficioso.
Pelo contrário, o procedimento de injunção reveste um carácter não
jurisdicional, na medida em que nele intervém o secretário judicial e não há uma
apreciação de mérito do requerimento de injunção. A intervenção judicial depende da
apresentação de oposição pelo requerido e determina a transição da injunção para a ação
declarativa especial (artigo 17.º do regime anexo ao D.L. n.º 269/98).
Assim, em caso de falta de oposição, o procedimento de injunção termina com a
aposição de fórmula executória pelo secretário judicial e consequente formação de título
executivo (artigo 14.º, n.º 1, do regime anexo ao D.L. n.º 269/98). Trata-se de uma regra
que só admite exceção nos casos de erro na forma de procedimento, ou seja, quando o
pedido não se ajuste ao montante ou à finalidade do procedimento de injunção (artigo
14.º, n.º 4, do regime anexo ao D.L. n.º 269/98)86. Esta exceção destina-se aos casos em
que a obrigação não decorra de um contrato, não tenha por objeto uma quantia
pecuniária e/ou tenha um valor superior a 15.000€, salvo quando resulte de transação
comercial87.
Aliás, a apreciação do mérito do requerimento de injunção pelo secretário
judicial implicaria uma violação do princípio da reserva de jurisdição, que atribui o
exercício da função jurisdicional aos tribunais (artigo 202.º, n.º 1, da CRP).
85 JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ANTÓNIO MONTALVÃO MACHADO/RUI PINTO, Código cit., pp. 293-294. 86 A análise das situações de recusa do requerimento de injunção (artigo 11.º, n.º 1, do regime anexo ao
D.L. n.º 269/98) permite chegar à mesma conclusão, já que os diferentes fundamentos de recusa
respeitam a questões formais ou de erro na forma de procedimento. 87 Sobre esta questão, cfr. MARIA RITA MONIZ, “Notas cit.”, p. 473 e SALVADOR DA COSTA, A Injunção
cit., 6.ª edição, pp. 259-260.
Ora, o artigo 857.º, n.º 3, do CPC de 2013 vem precisamente permitir a
apreciação judicial do requerimento de injunção, ainda que apenas em sede de oposição
à execução e limitada à verificação da existência de exceções de conhecimento oficioso
(e evidentes se dilatórias). Não obstante, persistem duas importantes diferenças em
relação à intervenção judicial na ação declarativa: esta última tem lugar antes da
formação do título executivo e não carece de qualquer iniciativa do réu. Ou seja,
enquanto na ação declarativa há sempre intervenção judicial na formação do título
executivo, no requerimento de injunção a intervenção judicial só acontece na fase
executiva e se o executado deduzir oposição. Tal diferença pode, mais uma vez, ser
injustificada na desproteção do putativo devedor. Repare-se que não protege situações
de eventual inconcludência do pedido como se verifica na ação declarativa à revelia.
Este desequilíbrio encontra, porém, no próprio Código um remédio. Tendo em
conta o artigo 809.º do CPCa, MARIANA FRANÇA GOUVEIA defendia que “quando o juiz
analisa o processo por uma das razões aí referidas (…) deve verificar a regularidade de
todo o processo”, de forma a evitar a prática de atos inúteis88. A reforma processual de
2013 não introduziu alterações substanciais nesta matéria, já que o artigo 723.º, n.º 1, do
CPC de 2013 manteve praticamente a anterior redação.
Desta forma, o juiz pode proceder a uma apreciação perfunctória do
requerimento de injunção quando chamado a intervir na execução. Assim, mesmo na
falta de oposição à execução, o juiz poderá declarar extinta a execução quando se
verifiquem três requisitos cumulativos: remessa do processo para o juiz; exceção de
conhecimento oficioso e carácter manifesto dessa exceção, no sentido de não ser
necessária prova adicional para a sua apreciação. Outra solução será, aliás, dificilmente
compatível com o poder geral de controlo do juiz na ação executiva e com o facto de
estarem em causa exceções de conhecimento oficioso.
Tendo em conta estes dois pontos do regime - a possibilidade de o executado
alegar certos fundamentos que não poderia alegar caso o título fosse uma sentença e a
admissibilidade de apreciação judicial oficiosa desses mesmos fundamentos no âmbito
do poder geral de controlo do juiz de execução - parece ser aceitável o regime instituído.
É verdade que é um regime diferente da sentença à revelia, que não assegura a
apreciação judicial mínima da existência do direito, mas também há que relembrar que a
injunção não tem qualquer valor de caso julgado, pelo que sobra sempre a hipótese ao
88 MARIANA FRANÇA GOUVEIA, “A Novíssima cit.”, p. 571.
executado não devedor de, noutra ação, pedir a repetição do indevido e/ou
indemnização ao exequente que, afinal, não era seu credor.
7. CONCLUSÃO
A longa análise que se fez ao regime da injunção na sua fase executiva permite
chegar a algumas conclusões relevantes.
A extensão do efeito preclusivo tal como consagrada no artigo 857.º só é
admissível se, em simultâneo, se garantir efetivamente a cognoscibilidade do
requerimento de injunção. O regime como está hoje positivado não oferece suficientes
garantias de cognoscibilidade, tornando-se necessário alterar o regime em vigor.
Essa alteração pode seguir dois caminhos: a criação de um domicílio oficial para
efeitos de citação e, em consequência, de notificação; equiparação das regras da
notificação da injunção às da citação na ação declarativa.
A criação de um domicílio oficial para efeitos de notificação é, quanto a nós, a
solução que melhor compatibiliza os diferentes interesses em presença. Caso não se
pretenda consagrar esta regra, a aplicação do regime geral em matéria de citação à
notificação no âmbito da injunção apresenta-se como a solução mais equilibrada. Nesta
última hipótese, o sacrifício de alguma celeridade no procedimento de injunção permite
uma maior garantia de cognoscibilidade do mesmo e, em consequência, justifica uma
maior celeridade na ação executiva subsequente, no caso de falta de oposição do
requerido.
Por outro lado, a notificação deve incluir, entre as menções obrigatórias, uma
referência expressa ao efeito preclusivo decorrente da falta de oposição, à semelhança
do que sucede no ato de citação, em que o réu é alertado de que a falta de contestação
implica a admissão dos factos alegados pelo autor. De facto, a advertência quanto ao
efeito preclusivo surge como pressuposto para um exercício informado do direito de
defesa.
A apreciação judicial mínima da relação jurídica subjacente ao requerimento de
injunção encontra-se assegurada na sequência das recentes alterações introduzidas à lei
processual. Embora essa apreciação tenha lugar após a formação do título executivo e
apresente um caráter limitado, tal não afeta de forma desproporcionada o direito de
defesa do executado, já que este teve a possibilidade de apresentar oposição à injunção e
pode deduzir oposição à execução com base na generalidade das exceções de
conhecimento oficioso. Por outro lado, é possível uma intervenção oficiosa do juiz para
apreciação destes fundamentos de extinção da execução, mesmo quando não haja
oposição.
Em suma, a limitação dos fundamentos de oposição à execução pressupõe que o
procedimento de formação do título executivo assegure o exercício efetivo do direito de
defesa, bem como uma apreciação judicial da pretensão deduzida. Tal como o efeito
preclusivo na oposição à execução de sentença judicial assenta na verificação destes
pressupostos, o mesmo deve suceder - com as devidas adaptações - na oposição à
execução de requerimento de injunção com fórmula executória.
É certo que as alterações propostas podem implicar uma menor celeridade do
procedimento de injunção no caso de não se optar pela notificação das pessoas
singulares e coletivas no domicílio oficial. No entanto, mesmo neste caso, a solução
proposta visa atingir um equilíbrio adequado entre os interesses em presença e, desta
forma, evitar uma restrição desproporcionada de qualquer um deles.
Mantendo-se o atual regime, não vemos como poderá o Tribunal Constitucional
entender que o regime restritivo consagrado no artigo 857.º não viola o princípio do
processo equitativo. Bastará ao legislador alterar o regime da notificação em sede de
injunção para evitar que tal resultado se verifique.