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Regina Célia Lopes Araujo
A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO NO MEIO RURAL
_ /Í
Dissertaçao de Mestrado
FUNDAÇAO GETOLlO VARGAS
Escola Interamericana de Administração Pública
Centro de Pôs-Graduação em Desenvolvimento Agrícola
Rio de Janeiro
1980 w , l
J j
t
"Aos trabalhadores da terra, como aos demais trabalhadores,não
pode ser negado, a nenhum pretexto, o direito de participação
e comunhão, com senso de responsabilidade, na vida das empre
sas e nas organizações destinadas a definir e salvaguardar os
seus interesses e mesmo na árdua e perigosa caminhada rumo ... a
indispensável transformação das estruturas da vida econômica,
sempre em favor do homem."
João Paulo lI, Hoailia da Missa 08-
lebrada em Recife, Pernambuco, Brasil,
em 7 de julho de 1980
Regina Célia Lopes Araujo
A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO NO MEIO RURAL
Dissertação apresentada ao Centro de Pós-Graduação em Desenvolvimento Agrícola da Escola Interameric~ na de Administração Pública, Fundação Getúlio Vargas, para obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Agrícola.
Rio de Janeiro
1980
I •••• para mí el desarrollo no merece llamarse desarrollo si no está dirigido a conseguir la plena realización de las aspiraciones naturales y justas de la persona humana. El desarrollo, que es sinónimo de paz para el futuro de la hamanic!a4
entera, no puede entenderse en sus más amplias proyecciones, si las acciones de quienes están destinados a orientarlo restri~n la libertad deI hombre y tienden a convertlrlo en instrumento de
una maquinaria de controle"
José Emilio G. Araujo, in "Desarrollo Rural Humanista en América"
Ao meu pai, para quem o trabalhador da terra é objeto de todos os seus esforços, e à minha mãe, para mim,um exemplo de mulher.
i
AGRADECIMENTO
Não se trata de uma questão de praxe, mas de um profundo
sentimento de gratidão. são muitas as pessoas que contribuí
ram para a conclusão deste~trabalho, que não se limita ao que
aqui é apresentado, tendo-se iniciado com o próprio ingresso Da
Curso de Mestrado em Desenvolvimento Agrícola.
Nada poderia ter si40 realizado sem o apoio e o iBcentivo
do Professor Hilton José de Salles Fonseca, então Chefe do De
partamento de Desenho e Construções da UFRRJ, que junte com to
da a sua equipe à qual ainda hoje pertencemos não mediu esfor
ços para que se empreendesse esta caminhada.
O Professor Nelson Giordano Delgado soube, desde o início,
entender ua trabalho que fu,ia aos temas centrais habitualmen
te desenvolvidos no CPDA, aceitando a tarefa de orientar e.ta
dissertação. A ele um agradecimento pela confiança depositada.
Ao ar,ui teto Peter José Schwei:~er, cuj a amizaàe e identi
ficação profissional fOTam de grando .alia, consignamos um sin
cero agradecimento, sobretudo porque as discussões com ele tr~
vadas sobre temas de interes~e comum permitiram melhor desen
.volver este estudo.
As experiências e dificuldades compartilhadas, assim como
o debate amigo com os colegas e a coordenação do Projeto Expe
rimental de Ensino e Pesquisa representaram, sem dúvida, um au
xílio importante. Os professores Roberto Moreira e Ivan Ribei
ro, que honraram com sua presença a banca de defesa do projeto
desta dissertação, contribuíram em muito com suas críticas e su
gestões. A todos a nossa gratidão.
Ao pessoal técnico da CODBVASF e do Convênio IICA.:.CODEVASF,
principalmente aquelas pessoas que se encontravam na cidade de
Barreiras, na Bahia, quando da pesquisa ali realizada, devem1e
muitas das informações que serviram de base ã elaboração das
análises.
Norma Chaloult, numa atitude amiga e desprendida, colocou
material da sua própria pesquisa ã nossa disposição, o que nos
foi da maior utilidade. A ela um agradecimento especial. Mmdo
França, Deisi Pinto, João Bosco e Horácio Carvalho, além da sua
amizade, contribuíram com elementos substantivos para este tra
balho. Maria Theresa Pinto e·JÚlio Rodigheri foram companheiros
com os quais se consolidou uma grande afeição.
Cabe, ainda, externar uma gratidão muito especial a Lúcia
Regina e Antonio Alberto, irmãos e amigos, que sempre souberam
nos compreender, incentivar e ajudar.
Finalmente, uma lembrança daquela que não presenciou o fi
nal desta etapa, mas que muito contribuiu com a sua bondade e
paciência quando do seu início. A vovó Lucilia toda a nossa sau
dade •.
ii
APRESENTAÇÃO
O trabalho que ora apresentamos, como requisito final para
a obtenção do título de Mestre junto ao Centro de Pós-Graduação
em Desenvolvimento Agrícola, tem como tema central a organiza
ção do espaço vinculada às transformações da agricultura brasi
leira.
Por um lado, ele é fruto da nossa condição de profissional
da Arquitetura, que se envolve com a plástica, a beleza e a for
ma, mas sobretudo se preocupa com a percepção daquilo que se en
contra sob a forma. g, pois, o problema espacial em toda a sua
dimensão -- física, econômica, social, cultural e política
que confere a marca fundamental à análise.
Por outro lado, move-nos a necessidade de captar e inter
pretar uma pequena parte da nossa realidade a rural. A or
ganização do espaço no meio agrícola não é, evidentemente, fato
novo. Entretanto, a partir de determinado momento da História,
os aspectos espaciais vêm recebendo uma atenção especial que os
coloca entre os componentes do c~amado planejamento. Desse con
texto surgem o planejamento físico para o meio rural e a análise
espacial no planejamento regional.
A organização do espaço agrário, dentro da perspectiva do
planejamento, tem apresentado resultados contraditórios. As dis
cussoes tendem para a crítica setorial, focalizando fenômenos i
solados e apontando diagnósticos e soluções principalmente sob
a égide da técnica, do projeto e da obra. Isto resulta, com fre-
qUência, numa separação arbitrária da racionalidade técnica re
lativa ã organização espacial do meio rural, do seu subseqUente
comportamento econômico, social e político.
o que propomos aqui é que se repense a organização do es
paço, privilegiada nb seu recorte rural, fundamentada na com
preensão da realidade espacial, mediante o entendimento das s~
dimensões e das suas transformações.
A realidade concreta que estará sempre subjacente a toda a
análise é o caso brasileiro. Dele nos afastamos tão-somente p~
ra buscar subsídios para o entendimento do que aqui aconteceu
ou está acontecendo.
De modo algum pretendemos, neste trabalho, reunir elemen
tos para superar as colocações existentes. As limitações que
encontramos foram muitas. Estamos trabalhando nom duas ~ are as
pouco exploradas nas suas relações -- Arquitetura e Agricultura.
A bibliografia específica é bastante escassa. Temos, pois, con~
ciência de que as questões aqui levantadas representam sobretu
do uma forma de abordagem da problemática espacial, onde a rea
lidade, as necessidades e as possibilidades serão sempre exami
nadas tendo como referência central as transformações espaciais
a serviço do homem do campo.
iii
SOORIO .. pago
• AGRADECIMENTO
• APRESENTAÇÃO
u INTRODUÇÃO ••••••••••••••••••••••••••. _.............. 1
I. PRESSUPOSTOS B~SICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
L Arqui tetura
2. Espaço
3. Organização do Espaço
11. OS FATORES DE ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO • • • • • • • • • • • 18
1. Fator Político
2. Fator Econômico
3. Fator Social
4. Fator Cultural
5. Fator Físico
II I. AS TRANSFORMAC)1ES SOCIAIS E A ORGANIZA~ 00 ESPAço RURAL 32
L O espaço rural sob as relações escravistas
2. O espaço rural sob as relações de transição
3. O espaço rural sob as relações capi ta1is tas
IV. A ORGANIZAÇÃO ESPACIAL NA COLONIZAÇÃO DE TERRAS 71
1. Bases conceituais
2. Aspectos espaciais na colonização de terras no Brasil 2.1. Colonização na Transamazônica 2.2. Projeto são Desidério
3. Revisão dos aspectos espaciais
· CONSIDERAÇOES FINAIS ••••••••••••••••••••••••••••••• 126
· BIBLIOGRAFIA CITADA ••••••.••••••••••••••••••••••••• 130
· BIBLIOGRAFIA CONSULTADA •••••••••••••••••••••••••••• 135
- 2 -
A evolução da sociedade se dá no tempo e no espaço. Ficam
as formas, aspectos e configurações inertes do passado. Inerte~
nao porque sejam desprovidas de essência. As formas têm conteú
do, elas são criadas. Ficam espaços organizados, reflexos da
sociedade.
Mas as formas sao também precondição para momentos futuros.
O processo de criação dos espaços reveste, portanto, uma dimen
são econômica, social, cultural e principalmente política. A 0r ganização espacial não é uma simples distribuição de elementos
fixos sobre determinada base. Ela só pode ser entendida quando
considerada dentro do movimento geral da sociedade como um todo.
A importância crescente da urbanização, que por sua dimen
sao e novas características -- o fato contemporâneo da metropo
lização significa não só o crescimento das cidades mas a espe
cializa~ãc do processo produtivo decorrente da industrialização,
que provocou a concentração nas grandes cidades das atividades
econômicas mais relevantes --, bem como pelos problemas consta~
tes de ordem social e econômica cada vez mais graves, tem gera
do uma série de estudos no campo das relações espaciais. Na maio
ria das vezes, tais análises são específicas e tratam dos as
pectos de forma isolada. O planejamento regional e urbano pou
co têm contribuído para a solução efetiva dos problemas aprese~
tados. As teorias espaciais têm-se constituído, freqUentemente,
em portadoras de modelos estranhos a uma dada realidade.
- 3 -
Numa rápida revisão do passado, vemos que o final dos anos
50 e a década de 60 podem ser caracterizados como a época da des
crição e análise da atividade regional com enfoques econOOdcos e
espaciais, na busca de modelos regionais e inter-regionais. Seus
antecedentes serão encontrados nos exemplos clássicos de Ltlsch,
Christaller e Von ThUnen. Já a década de 70 foi marcada pela
crise do planejamento regional e urbano, no que se refere à des
coberta de soluções e sobretudo à pouca aplicação dos planos pr~
postos.
são recentes os esforços no sentido de encontrar uma con
cepção de espaço e de pesquisar a sua organização de forma a ul
trapassar as fronteiras da técnica, da teoria, do ecológico, en
fim de uma série de particularismos próprios das diferentes
disciplinas que têm, no espaço, seu objeto de estudo, para a
branger toda a problemática social.
As características espaciais relativas às áreas rurais têm
sido amiúde descritas na literatura pertinente, mas poucas sao
as análises que decorrem de uma preocupação a nível da realida
de espacial em todas as suas dimensões e que levam em considera
çao o interrelacionamento dos diferentes fatores de organiza
çao do espaço.
Uma pOlítica espacial para o meio rural nao consiste na
construção de habitações e centros de serviços. Não se resume
em urbanizar o campo. Não pode ser entendida unicamente como a
distribuição física da terra.
- 4 -
No estabelecimento de um plano de desenvolvimento rural,~
necessidades sociais devem ser, naturalmente, comparadas com os
recursos disponíveis par~> satisfazê-las. ou sej a, com os fato
res de potencialidade natural, econômica, técnica e humana do
país ou área geográfica considerados. Esses fatores básicos do
desenvolvimento relacionam-se entre si em termos de espaçoee tem
po, no âmbito de um plano físico tridimensional, para determina
da região.
Todavia, dentro dessa perspectiva, não se pode esquecer que
a organização do espaço é, por sua vez, um reflexo do processoe
conômico, social e político.
Deste modo, a organização do espaço -- aqui podemos pensar
tanto no rural como no urbano -- não pode ser discutida na forma
tradicional, isolando seus aspectos e buscando somente harmoni
zar e adaptar o meio ambiente natural às necessidades e ativida
des da região. g fund~ental que se entenda o significado desse
processo, a forma pela qual ele atende às verdadeiras necessida
des do homem -- como sujeito de um processo de desenvolvimento-
e se conheçam suas determinantes. Assim a problemática é muito
mais complexa e envolve, no seu conjunto, uma série de fatorese
conômicos, sociais, culturais e, principalmente, políticos e i
deológicos. Quando o planejador físico se limita ou é limitado
a participar apenas do último momento do processo, ou seja, da
elaboração do projeto físico, e não tem presente o conjunto de fa
tores, as soluções são'convencionais e nem sempre aco-des com a
realidade.
- 5 -
Tendo em vista entender a organização do espaço agrário ~
tro do contexto acima delineado, orientamos nosso trabalho da se
guinte morma:
Alguns pressupostos básicos devem ser colocados para que se
defina o quadro referencial adotado. Isto é feito no capítulo I,
onde analisamos os conceitos de arquitetura, espaço e organiz!
ção do espaço, primordiais para o entendimento da questão espa
cial.
o Capítulo 11 discute os fatores de organização do espaço,
de modo a permitir que se complete o arcaQouço conceitual, base
da interpretação.
Em seguida, no Capítulo 111, procuramos detectar as princi
pais transformações sociais e seus reflexos no espaço agrário,
localizando o aparecimento dos projetos governamentais em que
os aspectos espaciais recebem tratamento mais específico.
Finalmente, no último Capítulo, levantamos as principais
formas de organização do espaço no meio rural, buscando apreen
der sua adequação ã população envolvida.
- 7 -
1. ARQUITETURA
o entendimento da arquitetura costuma se fazer acompanhar
de um equívoco no tocante ã identificação dos termos arquitetu
ra, edificação e construção.
Muitas vezes chama-se de arquitetura ã própria edificação,
quando na realidade se trata apenas de uma manifestação, mais ~ -ou menos patente a nossa percepçao, envolvendo textura, cor e
massa, dentro de um ordenamento preestabelecido. Assim, o edi
fício está para a arquitetura como o quadro para a pintura e a
estátua para a escultura.
A arquitetura, quando confundida com a construção ou refe-
rida como a arte de construir, encerra um conceito a que se po-
de chamar de primitivo, na medida em que no passado os arquite
tos eram um misto de artistas e mestres-de-obra.
Não é nossa intenção discutir aqui o sentido etimológico
da palavra arquitetura, e tampouco temos a preocupação de enco~
trar-lhe uma definição. Importa-nos, isso sim, entendê-la den
tro de uma evolução natural que, a nosso ver, lhe confere neces
sariamente novo sentido e significado •
.. Preocupado nao so com uma nova concepçao de arquitetura,
mas também com o seu ensino, Victor d'Ors (1968, p.14-l8) apon
;~ para uma arquitetura como "resultado da ordem ideal do espa-
". c'
- 8 -
g a partir desse novo significado que encaminhamos nossa
reflexão. A arquitetura, tal como a entendemos, é a criação de
espaços, nao dentro de uma "ordem ideal", no sentido subjetivo
que daí possa ser depreendido, mas na própria razao de ser da
arquitetura, que é a organização do espaço humano. Por consegui~
te, a essência da arquitetura é o espaço, mas nao o espa~o es-
tático, mensurável, e sim o espaço social e humano, um espa-
ço-tempo, conforme mais adiante veremos.
Dentro dessa perspectiva, compreendemos a arquitetura co-
mo um processo de produção espacial da sociedade.
Vale, entretanto, ressaltar que de maneira alguma estamos
excluindo a importincia da forma plástica, da criação da bele
za. 1/ Evidentemente não estamos negando a arquitetura como
arte, como atividade que subentende ti criação de formas pressen
tidas, envolvendo sensibilidade e imaginação. O arquiteto Os
car Niemeyer (197F) afirma que a forma, na medida em que cria
beleza, desempenha um papel fundamental na arquitetura. Não
pretendemos colocar esses aspectos em discussão. Preocupa-nos,
sim, a abstração da arquj tetura e da compreensão do esp,tço que
dar possa advir, o que sem d6vida levar~ i supervalorização da
forma arquitet~nica. rei ta essa ressalva, fica claro que nao
estamos sugerindo a arquitetura "simples" ou "despojada" que
alguns preconizam.
1. lhna discussão interessante a respeito da criação da beleza pode ser encontrada na tese do arquHeto Ange lo ~furge l. "O belo mito do he ld', 1962 "edição de, autür,~.
- 9-
o conceito de arquitetura que assumimos está, se assim po-...
demos nos expressar, acima de todos os demais; e mais amplo.En-
tendida corno um processo de produção espacial, a arquitetura só
tem sentido quando analisada na sua essência, o espaço, e na or
ganização desse espaço nas suas dimensões política, econômica,
social, cultural e física.
Dentro dessa concepçao, a arquitetura nao é trabalhada só
na "prancheta", ela exige uma compreensão da realidade subjace~
te às aparências. A atuação do arquiteto e as variáveis que ma
nipulará dependerão, pois, fundamentalmente, da maior ou menor
escala do espaço em que trabalha.
Assim sendo, torna-se imprescindível urna reflexão sobre o
espaço.
- 10 -
2. ESPAÇO
A noçao de espaço abrange uma grande variedade de objetos
e significados e por vezes se confunde com os conceitos de lu
gar e território.:/
são espaços os elementos simples e comuns, tais como uma
mesa, uma cadeira; sao espaço uma casa, uma cidade, e assim por
diante, até à noçao de espaço sideral.
o espaço pode ser visto sob diferentes aparências, toman
do-se elemento por elemento. Para Maria Adé1ia de Souza (1979),
o espaço li ••• se evidencia sob múltiplos aspectos: uma re
gião produtora de café ou de algodão; uma paisagem urbana ou
rural; um centro de negócios e de periferias urbanas. Tudo is
so sao espaços e paisagens, formas mais ou menos duráveis. O
seu traço comum é a combinação Je obras da natureza e obras do
homem. 11
o espaço que nos interessa focalizar aqui e compreen-
2. Por lugar entende-se uma~orção de espaço identificada por um nome. Por terri tori o , a base geografica do Estado sobre a qual este exerce a sua soberania. O território tem, num determinado momento, limites fixos, e quando visto sob o ân~lo da sucessão histórica de situações de ocupação efetiva por um povo é espaço (SANTOS, 1978a, p.189).
- 11 -
der. 1/ objeto do nosso trabalho e essência da arquitetura, .. e
o que contém ou é contido por esses múltiplos espaços. g o es
paço dinâmico incomensurável: ~espaço social e humano.
Um problema que imediatamente surge quando nos propomos r~
fletir sobre o espaço, com vistas a detectar elementos que nos
conduzam ao seu conhecimento, é o das suas divisões. Como a no
ção de espaço é utilizada por diferentes disciplinas, tais como
Arquitetura, Geografia, Economia, Sociologia e outras ,surgem daÍ
diferenciações quanto a espaço arquitetônico, espaço geogrifioo#
espaço econômico, etc. Essas divisões, por sua vez, levam a çon
siderações que muitas vezes têm presente apenas parte da reali
dade espacial. Neste caso, elas perdem o seu significado, na
perspectiva por nós adotada segundo a qual a base é o espaço so
cial e humano.
A distinção que, a nosso 'ver, contribui para o entendimen
to do espaço e com a qual vamos trabalhar é aquela feita por
Milton Santos (1978a, 1978b) em termos de "paisagem" e "escala".
o espaço-paisagem é o resultado das diferentes formas de
organização do espaço que darão como resultado múltiplas aparê~
cias concretas. Deste modo, o espaço-paisagem " ••• é o testemu
nho de um momento d d d d - " e um mo o e pro uçao ••• em " • • • suas ma-
nifestações concretas, o testemunho de um momento do mundo."
(SANTOS, 1978a, p.138.) Nesse sentido, considerando a percepção
3. Não pretendemos una definição de espaço, tarefa aparentemente bem difícil. Iq>orta-nos, sim, levantar a1gunas questões que nos penni tam uma análise mais concreta do espaço.
- 12 -
imediata, o espaço difere segundo as paisagens presentes. Dentro
dessa conceituação pode-se entender a distinção entre espaço ur
bano e espaço rural.
Do ponto de vista a que Milton Santos chama de genético,
• • • o único que é capaz de conter urna explicação, o espaço di-" ferencia-se não somente pelo fato de as atividades nele dominan
tes serem de natureza diferente. mas também em função da estru
tura dessas atividades e dos respectivos níveis de decisão. Es
te problema depende da escala de observação dos fenômenos e.poE
tanto, da escala de sua explicação." (l978b, p.6S.)
Nesse contexto, já não cabe uma oposição entre espaço ru
ral e espaço urbano. O funcionamento do espaço é uno, os con
ceitos de campo (rural) e cidade (urbano) são complementares e
interdependentes. Não é possível, portanto. isolar unidades es
paciais para estudo, urna vez que estas não oferecem, em si mes
mas, elementos suficientes para sua interpretação.
Por conseguinte, " ••• cada atividade tem um reflexo espa-
cial e urna escala espacial diferente. dependendo tanto do
vel de desenvolvimento econômico quanto do próprio nível da a
tividade. g essa escala que deve corresponder à escala de es
tudo. Entretanto, se alguns dos fluxos relativos ã atividade
em questão podem ser colocados em níveis inferiores, o mesmo nao
ocorre com os fluxos de decisão. Ora. é a estes que se vincu-
Iam direta ou indiretamente as forças de organização e de reor
ganização do espaço." (Id. 1978b. p.6S.) O grifo é nosso.
- 13 -
Estabelecida essa distinção básica, podemos aprofundar o
conceito de espaço.
Ainda se gundo Mi 1 ton San tos, o espaço "... deve se r cons i
derado como um conjunto de relações realizadas através de fun
çoes e formas que se apresentam como testemunho de uma hist6ria
escrita por processos do passado e do presente. Isto é, o espa
ço se de fine como um .::onjunto de formas represen tat i vas de re la
ções sociais do passado e do presente e por uma estrutura repr~
sentada por relações sociais que estão acontecendo diante dos
nossos olhos e que se manifestam através de processos e funções.
O espaço é, então, um verdadeiro campo de forças cuja aceler~ão
é desigual. Daí porque a evolução espacial não se faz de forma
idêntica em todos os lugares." (1978a, p.122.)
Essa noção de espaço como um campo de forças é também de
senvolvida por françois Perroux e implica relações que se dão
fora dos indivíduos, independentemente de sua decisão individual.
O espaço nao é. pois, como muitos autores clássicos e moder
nos afi rmam, um "... re flexo da sociedade, uma te 1 a de fundo on
de os fatos sociais se inscrevem i vontade. na medida em que acon
tecem." (Id. ibid. p.126.)
O espaço será entenJido, então. como um fato social. na me-
dida em que " ... ele existe fora do indivíduo e se impõe tanto
ao indivíduo como i sociedade considerada como'um todo. Assim. o
espaço é um fato social. uma realidade objetiva. Como um resul
tado hist6rico ele se impõe aos indivfduos. Estes podem ter de-
- 14 -
le diferentes percepçoes. e isto é próprio das relações sujeito
e objeto. Mas urna coisa é a percepção individual do espaço. ou
tra é a sua objetividade. O espaço não é nem a sorna nem a sín-
tese das percepções individuais. -Sendo um produto. isto e. um
resultado da produção. o espaço é um objeto social como qualquer
outro. Se, como para qualquer outro objeto social. ele pode ser
apreendido sob múltiplas pseudoconcreções. isto de nenhuma for-
ma o esvazia de sua realidade objetiva. • •• A base do conhecimen
to e da interpretação da realidade espacial não pode. pois. ser
encontrada nas sensações ou na percepçao. • •• Só através de sua
própria produção é que o conhecimento do espaço é atingido." (Id ••
ibid, p.128.) -O grifo e nosso.
Chegamos. assim. ao ponto básico. O espaço. evidenciado sob
a forma de espaço-paisagem não contém em si mesmo uma explica
çao. O conhecimento do espaço só se dá quando seu processo de
produção é analisado. ou seja, através do processo de organização
espacial.
- 15 -
3. ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO
A organização do espaço, vista sob a õtica convencional,sig
nifica harmonizar e adaptar urna paisagem natural às exigências
das atividades e necessidades humanas.
Tendo presentes os conceitos de arquitetura e espaço, na
forma aqui expressa, a organização do espaço torna-se um proces
so mais complexo do que o contido na sua definição convencional.
Entendendo o espaço já nao mais corno simples palco das açoes
humanas, senão como um fato social, a organização do espa~o neces
sariamente reflete os processos econômico, social, cultural e po
lítico que interagem sobre uma base física.
Para Maria Adélia de Souza (1979), a organização do espaço
" .•• é a projeção da sociedade nesse mesmo espaço ... ", de manel
ra que li ••• as dificuldades ou carências da sociedade se tradu
zem no próprio espaço de forma absolutamente concreta."
A organização do espaço é, pois, reflexo de um processo,en
quanto ela mesma reflete seu processo de formação. Por sua vez,
o espaço organizado é tanto resultado corno condi~ão desses pro
cessos.
Por essa razao, organizar o espaço não pode ser entendido
como a simples destinação de uso específico a um espaço ou a ~-
- 16 -
finição de uma forma adequada a determinado elemento. Isto por
que, embora esses sejam nitidamente o uso e a forma mais adequ~
dos a um objetivo previamente estabelecido, e ainda, como ressal
ta F.W. Ferreira (1966, p.6), esses usos e formas " ••• sempre fa
rão parte de um contexto mais amplo, e terão sentido na medida
em que se integrarem ao restante do espaço e às funções que ne~
se restante de espaço se desenvolvem", permanece a questão cen
tral de toda a interpretação aqui adotada, da definição dos ob
jetivos a atender. Esse problema reporta-se ao anteriormente
expresso, no tocante à importância da escala de observação dos
fenômenos e, portanto, da escala de sua explicação, destacando
se, aqui, o chamado "fluxo de decisão", ao qual· as forças de or
ganização e reorganização do espaço direta ou indiretamente se
vinculam.
o espaço organizado, como aqui será entendido, é o "resul
tado objetivo da interação de múl tiplas variáveis através da his
tória ••• " (SANTOS, 1978a, p.148), variáveis essas que, de acor
do com circunstâncias específicas, terão maior ou menor influ
ência na estrutura espacial, sem, entretanto, descaracterizar a
totalidade do processo.
Com base nesta última colocação, pode-se diferençar a or
ganização do espaço enquanto resultado de uma ação "espontânea"
ou resultado de uma ação anteriormente definida, ou seja, "di
rigido". Ambos sao projeções da sociedade sobre o espaço, em
que de fato variam a intensidade ou o nível do processo econô
mico, social, cultural e político que os determina.
- 17 -
A organização de tipo "espontâneo" está ligada, em alguns
casos. ã ocupação de uma área por um grupo de indivíduos ã pro
cura de uma base física para se estabelecerem. Nestes casos, a
implantação da infra-estrutura e dos serviços, quando ocorre,se
faz como caudatário da ocupação. . -Em outros casos, a organ1 zeçao
é determinada pelas forças de mercado do capitalismo ou por 1-
niciativas individuais de capitalistas. Aqui é importante res
saltar que a tendência do capital é procurar a~ oportunidades
que oferecem as melhores condi~ões de rentabilidade.
A organização do espaço "dirigida" é determinada por uma
açao direta ou indireta do Estado, visando ã ocupaçao de um ter
ritório ou ã reorganização de uma comunidade com fins específi
cos. Ela pode ser proposta pelo Estado de forma indireta, atr~
vés de incentivos fiscais, ofertas regionais de infra-estrutura
e serviços, etc., ou pode ser proposta e executada diretamente
pelo Estado,por intermédio das suas instituições.
A organização do espaço só pode, pois, ser entendida quan
do sua análise envolve a totalidade dos fatores que a determi-
nam. O conceito de totalidade torna-se fundamental. O espaço
organizado já não pode mais ser considerado como dependente u
nicamente do processo econômico. "Se esse pudesse ter sido o
caso em situações do passado, nos dias de hoje é mais que evi
dente o fato de que outras influências interferem nas modifica
ções da estrutura espacial. O dado político, por exemplo, pos-
sui um papel motor •.• " (SANTOS, 1978b, p.147).
- 19 -
o espaço só pode ser entendido através de sua própria pro
dução. O espaço-paisagem, a forma cristalizada, não oferece e
lementos suficientes para a compreensão da realidade espacial.
O que interessa não é a forma, senao a sua formação.
O espaço organizado, seja do tipo espontâneo ou dirigido,
é o resultado de um conjunto de fatores que mantêm entre si uma
rede de relações e que, por sua vez, são dotados de dinâmica e
movimento próprios.
A análise da realidade espacial vai implicar, então, o en
tendimento desses fatores, nas suas especificidades, sem no en
tanto perder de vista a noção de totalidade.
são fatores de organização do espaço o político, o econômi
co, o social, o cultural e o físico.
Num esforço para desagregar esses fatores, tendo presente
que tal simplificação é feita tão-somente para facilitar a com
preensão, pode-se examinar a relação de cada um deles com o es
paço e sua organização. O fator político, fundamental para o
nosso estudo, receberá, aqui, tratamento mais minucioso.
1. FATOR POLfTICO
Analisar a relação entre o Estado e o espaço, constatando
os reflexos das funções do Estado no espaço e na sua organiza-
- 20 -
çao, significa interpretar o fator político.
Dentre as funções do Estado. aquela que mais nitidamente se
reflete no espaço é a criação das condições materiais para a pro
dução, ou seja, a oferta de infra-estrutura e equipamentos. A
través do investimento em obras físicas o Estado se converte em
instrumento de homogeneização do espaço, procurando suprimir as
desigualdades que entravam a penetração do capital e que, por sua
própria natureza, não são vantajosas para as chamadas unidades
de capital. Deste modo, o Estado confere a um espaço antes não
produti vo condições para sucesso dos inves timen tos de capi t·a1.
A oferta de infra-estrutura representa também um fator de orga
nização espacial na medida em que estabelece elementos perma
nentes ao processo de organização ou reorganização de um espa
ço dado.
Todavia, na sociedade capitalista, os programas concretos
de investimento em infra-estrutura e equipamento nao atendem só
às condições materiais da reprodução do capital; eles tendem a
politizar-se, passando, então, a depender também de refor~os a
nível do sistema de legitimação do Estado. Essa função de le-
gitimação não está relacionada somente com a oferta de infra-
estrutura e equip~mento; ela é exercida num nível mais amplo p~
la própri a e cada ve z mai or comp lexi dade da vi da s oci alo O E s
tado é chamado a estabelecer ou restabelecer o chamado equilí
brio social, em resposta às exigências do capital ou do traba
lho (dos cidadãos em geral). Assim, " ..• a escolha pelo poder
da forma de satisfação das necessidades coletivas constitui um
- 21 -
elemento de reorganização espacial; quer dizer que cada opçao
realizada pelo Estado em matéria de investimento, mesmo impro
dutivo, atribui a um determinado lugar uma vantagem que modifi-
ca ime di a tamen te os dados da organi zação do espaço. tI
1978a, p.184.)
(SANTOS,
Outro ponto a ser focalizado, sobretudo quando a referência
diz respeito a países em que a penetração da dominação capita
lista é maior, o que nao significa que a reprodução do capital
esteja alheia à base nacional, é o papel do Estado como interme
diário entre as forças externas e internas e as conseqUênci~s no
espaço. Com relação às chamadas forças externas, é através do
Estado que se definem os espaços chamados a reproduzir localme~
te essas forças,o que em determinado momento pode atribuir maior
grau de importância a um espaço e provocar mudanças nas suas r~
lações com os espaços vizinhos. Por sua vez, o Estado também é
levado a se adaptar às exigêricias que nascem das suas próprias
relações internas.
Se com relação às forças externas a açao do Estado está mar
cada principalmente pela conti~gência da economia mundial, no
que se refere às forças internas existe um outro componente im
portante, que são as próprias "rugosidades" do espaço, ou seja,
" ••. o espaço construido, o tempo histórico que se transforma em
paisagem, incorporado ao espaço. As rugosidades nos oferecem,
mesmo sem tradução imediata, restos de urna divisão de trabalho
internacional, manifestada localmente por combinações particula
res do capital, das técnicas e do trabalho utilizados." (Id,
- 22 -
ibid, p.138.) As açoes do Estado sobre o espaço -sao, nesse sen
tido, interdependentes e por vezes contraditórias.
No contexto aqui colocado, os diversos subespaços podem ser
afetados por influ~ncias de ordem local, regional. nacional e
at~ mesmo internacional, tendo sempre no Estado o res~onsãvel di
reto pela ação ou o intermediário fundamental.
Resta, finalmente, um último ponto importante a ressaltar.
Embora seja o Estado, como aquI se definiu, o fator priJilordial
de tudo quanto concerne ao espaço, sempre há desenvolvimentos
que escapam momentaneamente ao seu poder. Há sempre um grupo de
variiveis e uma parte do territ6rio susceptíveis is influ~ncias
de diferente natureza, segundo a escala respectiva.
o caminho para a anilise desta última questão remeteu-nos
~ M.Santos, que em longa e esclarecedora citação, aqui reprodu
zida, indica que " ••• seria útil reconhecer ao nível de cada es
cala qual o fator dominante. À escala do país, ~ sem dúvida o
Estado, por sua natureza, sua concepção, sua organização, seu
funcion..imento, etc .••• Mas em uma escala menor? Teríamos de
levar em conta os subespaços nos quais é dada uma resposta -as
necessidades elementares dos homens, das firmas e das administra
çoes presentes localmente? •.• Seria preciso examinar o resul-
tado da ação realizada pelo Estado em um subespaço, como conse
qU~ncia da exist~ncia de forças internas que neste subespaço i~
poem uma certa orientação ~ atividade do poder. Dentre estas
forças ci taremos a população tomada como uni todo, a importância
da população, concentrada, o grau de urbanização, o nível de in
- 23 -
dustria1ização~ o nível de consumo, o nível cultural, etc ••••
A análise não seria completa se nao contássemos com a possibi
lidade de separar o que depende da vontade do Estado, quer di
zer, o que constitui uma ação consciente da equipe no poder e
o que não depende desta vontade, quer dizer, tudo o que pode
ser realizado fora dela. Para tanto é preciso analisar esta
açao em detalhe para saber se as realizações aparentemente es
tranhas a uma ação do poder são indiferentes ou não às contin
gências de ordem econômica e política." (SANTOS, 1978a, p.18S.)
- 24 -
2. FATOR ECONÔMICO
O fator econômico será analisado via estrutura de produçãe.
O processo de produção material em uma sociedade, seja ela
primitiva, medieval, moderna ou contemporânea, é paralelamente
uma produção de espaço. O mais simples ato de produzir implica
uma utilização do espaço, e na medida em que o processo de pro~
dução se torna mais complexo, o uso do espaço s. transforma. O
espaço vai simultaneamente incorporando elementos, forma. e u
sos que são resultado desses processos e condição para novos p~
cessos.
Desde os tempos mais remotos que a atividade de produzir,
indispensável ã sobrevivência do homem, impõe uma oraanização
espaço-temporal.
Quando uma sociedade aciona o conjunto de suas forças pro
dutivas -- relações entre a força de trabalho, os instrumentos
de trabalho e os objetos de trabalho -- para gerar os produtos
que vão satisfazer suas necessidades, desenvolve-se entre os
homens um conjunto de relações que resultam do próprio processo
de produção.
As relações de produção que determinam em uma sociedade oo~
creta o modo como se apropriam e se controlam os elementos que
integram as forças produtivas e, por conseguinte, como se con-
2S -
trola e se distribui o produto gerado pelo processo produtivo,
vão imprimir um caráter singular a determinada realidade so
cial, no que tange à composição das classes sociais, ã distri
buição do excedente econômico e aos benefícios auferidos no pro
cesso produtivo, e determinar, portanto, variações na organiz~
ção social, política e, conseqUentemente, espacial.
No caso, por exemplo, de uma sociedade cujos instrumentos
de trabalho agrícola são de propriedade individual e a terra
também é de propriedade individual, comparada com outra cujos
instrumentos de trabalho são de propriedade comunal e a terra
de propriedade individual, observar-se-ã que ambas as socieda
des diferirão quanto ã organização espacial, uma vez que a pr~
dução será organizada se maneira diferente. Deverão existir
concretamente, no segundo caso, condições físicas para a uti
lização e rotatividade dos instrumentos.
Outras variáveis também devem ser consideradas. A produ
ção agrícola, por exemplo, pode estar voltada para o mercado
interno de alimentos, para a cultura de exportação ou a produ
ção de matéria-prima para transformação industrial. Em cada ca
so a organização da produção terá sua especificidade, e a for
ma e uso do espaço conseqUentemente variarão. A forma de comer
cialização também é importante na determinação da estrutura ~
pacial.
S importante ressaltar ainda um ponto para o qual M. Santos
chama a atenção, e aqui mais uma vez fazemos uso de uma extensa
citação.
- 26 -
"Os grupos sociais isolados, da mesma forma que a socieda
de mundial de nossos dias, criam, por intermédio da produção,
uma segunda natureza... Mas, para o grupo social isolado, seu
espaço social era 'seu' espaço geográfico, criado pela 'sua' p~
dução, 'seus' instrumentos de trabalho. Então, a análise dos
processos mediante os quais a sociedade, através do processopr~
dutivo, criava um espaço, era uma tarefa simples. Nesse grupo
social isolado, que em nossos dias é unicamente uma reconstr~o
do passado, a análise era fácil porque a escala das variãveisque
intervinham era a mesma que a do espaço ocupado pelo grupo •••
Com o desenvolvimento e a extensão geográfica da divisão do tra
balho que hoje cobre a Terra inteila, dois fenômenos se impuse
ram progressivamente e paralelamente: 1. os instrumentos que
outrora eram transportáveis, tornam-se cada vez mais ~olumosos,
cada vez mais fixos ao solo, cada vez mais duráveis. Eles nas
cem para manter-se de pé durante séculos e, mesmo, milênios;
2. como a divisão do trabalho se ampliou a escala mundial, mas
sem eliminar os outros níveis de cooperaçao, as transformações
encontram sua força motora em níveis diferentes. Agora, a es
cala das variáveis a analisar em conjunto não é mais exclusiva
mente a escala do lugar, ou a escala do espaço que concerne di
retamente ao grupo social, mas a escala do mundo, a escala do
país e a escala das regiões onde o lugar se insere." (SANTOS,
1978a, p.174.)
A organização do espaço, assim analisada na sua determina
çao econômica, leva a crer que sua lógica se encontra na propria
forma, volume e ritmo da acumulação de capital.
- 27 -
3. FATOR SOCIAL
O terceiro fator a ser considerado é o social.
A espécie humana é fundamentalmente social. O homem,tan
to física como psicologicamente, não se desenvolve senao na re
lação com outros seres da mesma espécie. O homem é um ser so
cial, isto é, um ser de relações sociais.
O espaço se define também como um conjunto de formas repr~
sentativas de relações sociais do passado e do presente. E são
por sua vez as relações sociais que dão consistência a uma for
ma de organização espacial.
Existe, entretanto, um determinado tipo de relações sociais
que nao podem ser confundidas com as relações interpessoais, c~
mo, por exemplo, as relações entre pais e filhos, entre amigos
ou entre vizinhos. são aquelas que emanam da natureza dos pro
cessos de produção, as relações de classes sociais.
"São as relações de classes de dada fração de território
que orientam a dialética do espaço do lugar", afirma Ruy Morei
ra (1980, p.123), quando analisa as classes sociais rurais na
sociedade brasileira e o espaço agrário. E acrescenta: "... O
espaço geográfico se organiza segundo a estrutura de classes do
lugar. Espaço de existência dos homens, o espaço geográfico traz
estampado em sua morfologia e organização o seu caráter de clas
se." (Id. ibidem, p.123 .)
- 28 -
Detectar as classes sociais existentes, sua dinâmica ~ pro-
pria e suas contradições co. relação às outras classes sociajs
é fundamental para a compreensão da estrutura espacial.
Se, conforme já referimos. as classes sociais têm sua o
rigem nas relações de produção. só no estudo da totalidade so
cial se encontrarão as determinantes espaciais.
- 29 -
4. FATOR CULTURAL
Não há grupo humano sem cultura.
A cultura, entendida como "0 complexo dos padrões de com
portamento das crenças, das instituições e doutros valores es
pirituais e materiais transmitidos coletivamente e caracterÍsti
cos de uma sociedade" (Novo Di cionário da Língua Portuguesa ,A.B.
de Holanda Ferreira), também é fator de organização espacial.
g freqUente a pouca importância atribuída ao fator cultu
ral quando se analisa o espaço. Todavia, o comportamento huma
no regulado pela cultura, que genericamente recebe o nome de
costumes, impõe determinadas condições que são básicas à adapt!
ção de um grupo social a uma organização espacial.
A organização do espaço do tipo espontâneo deixa transpar~
cer mais claramente o fator cultural. "No planejamento espacial
que dá origem às organizações de tipo "dirigido", acredita-se
com frequencia que uma ação educativa pode substituir a influ
ência cultural, quando na realidade poderá dar-se urna transmis
sao cultural, mas nunca um rompimento total com o passado.
g fundamental o entendimento do homem como um ser que, ao
se relacionar com o meio, cria fatores de difícil avaliação ma
terial e que se incorporam de forma inalienável à sua vida fí
sica e mental.
- 30 -
s. FATOR FrSICO
Todo espaço traz em si características dadas pela ~ .
proprla
natureza. Algumas ireas, antes mesmo de sofrerem um processo de
organização espacial, ji são possuidoras de infra-estrutura e
equipamentos (rodovias, ferrovias, energia el~trica, etc.).
Muitos elementos sao, por si mesmos, determinantes na orga-
nização do espaço.
O fator físico, por sua própria natureza, é um elemento in
flexível. r impraticivel e nao menos onerosa qualquer organiza
çao que nao tenha por base os elementos físicos existentes.
A forma concreta resultante da organização do espaço nao
pode ser, do ponto de vista material, dissociada do meio natu
ral onde se encontra, uma vez que seri forçosamente estranha a
ele e não atenderi, portanto, aos requisitos mais elementares
(ventilação, insola~ão, topografia, etc.).
Dentro ainda da consideração do fator físico, sao fundamen
tais ã compreensao do espaço as relações e articulações da or
ganização espacial com a região corno um todo ( cidades vizinhas,
centros mais desenvolvidos, etc.). As unidades espaciais nao
podem ser isoladas.
***
- 31 -
A organização do espaço está relacionada, portanto, com vá
rios fatores. Todavia, levá-los em conta fragmentária ou isola
damente, não os vendo como uma totalidade e nao buscando suas
inter-relações, representa um enfoque analítico que nao atenta
para a realidade.
Se nosso objetivo é contribuir para o conhecimento do es
paço, analisando suas formas de organização, somente no movimen
to geral da sociedade poderá ele ser considerado.
- 33 -
1. O ESPAÇO RURAL SOB AS RELAÇOES ESCRAVISTAS
Passada a fase da conquista, quando as relações da Metróp~
le com a colônia se davam basicamente sob a forma do escambo,tem
início a colonização propriamente di ta.. As necessidades eco
nômicas da Metrópole, juntamente com as pressões políticas exer
cidas sobre Portugal pelas demais nações da Europa que manti
nham visível interesse nas recém-descobertas terras americanas.
levam a novas formas de exploração da terra conquistada, trans
formando-a assim em colônia de exploração.
Foi com Martin Afonso de Souza que se lançaram as bases da
política de colonização, a partir dos poderes de que foi ele in
vestido para outorgar sesmarias a quem aqui viesse viver e po
voar. Determinação posterior do reino de Portugal estabeleceu.
porém. a divisão do espaço colonial (na época basicamente a re
gião costeira) em 12 setores lineares. com extensão variável en
tre 30 e 100 léguas (aproximadamente 180/600 km), que receberam
o nome de capitanias. Esta foi a forma encontrada para ocupar
e colonizar a nova terra sem comprometer o erário real.
Segundo Max Fleiuss, "quando D. João 111 dividiu sistemati
camente o nosso território em latifúndios denominados capitanias.
já existiam aqui capitães-mores nomeados para as capitanias do
Brasil. O que fez. então. foi demarcar o solo. atribuir-lhes e
declarar-lhes os respectivos direitos e deveres e os direitos.
- 34 -
foros, tributos e cousas_que tinham os colonos de pagar ao rei
e aos donatários, passando-se a cada um deles a sua carta de
doação, ou donataria, com a suma dos poderes conferidos pela Co
roa portuguesa autorizando-os a expedir forais, que eram uma es
pécie de contrato em virtude do qual os sesmeiros ou colonos se
constituíam perpétuos tributários da Coroa ou dos seus donatá
rios ou capitães-mores. A terra dividida em senhorios, dentro
do senhorio do Estado, eis o esboço geral do sistema administra
tivo na primeira fase de nossa História." (Citado in GUIMARÃES,
1977, p.46.)
As capitanias nao mostraram sucesso como sistema coloniza
dor até que surgiu o açúcar ~omo produto capaz de modificar o
rumo do processo.
A cana-de-açúcar tinha, então, grande valor comercial; era
adequada ao cul ti vo em grandes extensões de terra e adaptável ao
clima quente e úmido da costa. Os massapês representavam ter
ras ideais para cultivá-la. Quanto à técnica, contavam já os
portugueses com a experiência adquirida nas ilhas do Atlântico.
O fato de que a industrializa~ão se devia processar junto à plan
tação, em virtude do perecimento da matéria-prima, nao causou
maior preocupação ã Metrópole, vis to que a fábrica es tava subor
dinada à agricultura, ou seja, à terra, que por sua vez se en
contrava nas mãos dos nobres.
Portanto, "caberia ao açúcar uma função excepcionalmente i,!!!
portante. O seu modo de produção permitiria a Portugal materia
lizar, numa admirável síntese, a solução dos seus problemas fun-
- 35 -
damentais. ~
Viria o açucar possibilitar a ocupaçao Ja terra em
moldes intei ralllente ao gos to feudal da época. A certeza de gran
des lucros bastaria para atrair a classe dos mercadores, cujos
representantes seriam intermediários e banqueiros dos nobres na
empresa do açúcar." (GUIMARÃES, op.cit. p.44-45.)
o sistema agrário implanta-se, pois, na Colônia, centrando-
se na lavoura açucareira e no seu aproveitamento industrial. A
plantação e o engenho propagam-se pelas capitanias mais próspe-
raso
Acompanhando a instalação das grandes proprie~aJes monocul
t o r as s u r g c o t r ;} h a 1 h o e s c r; l VO • : ) e ~: u n d o C a i o r r a (! o "... n ií o s c
IllcntC' l'crtupd nã0 conté1va com pOpUl:1Ç:lO bastante para abaste-
cer sua colônia de mão-de-obra suficiente, como também, o
português, como qualquer outro colono europeu, não emigra para
os trópicos, em princípio, para se engajar como simples traba-
lhador assalariado do campo. Além disto, se o índio, por
natureza nômade, se dera mais ou menos bem com o trabalho espo
rádico e livre da extração do pau-brasil, já não acontecia o
mesmo com a disciplina, o método e os rigores de uma atividade
organizada e sedentária como a agricultura. Aos poucos foi-se
tornando necessário forçá-lo ao trabalho, manter vigilância es-
treita sobre ele e impedir sua fuga e abandono da tarefa em que
estava ocupado. Daí para a escravidão pura e simples foi ape-
nas um passo." (PRADO JR., 1977, p.34-35.)
Entretanto, mesmo sob o regime de escravidão, que funcio
nou em meio a inúmeras lutas e revoltas, o índio não se mostrou
- 36 -
um trabalhador eficiente. Foi, então, o negro africano quem veio
resolver o problema da mão-de-obra nas lavouras.
Articulado à grande propriedade cuja exploração se destina
va à exportação, completava o quadro da economia colonial um se
tor produtivo responsável pelo fornecimento dos meios de su~is
tência ã população da grande lavoura, ou seja, a agricultura de
subsistência. Urna parte desta pequena e pouco rendosa agricul
tura era desenvolvida pelos escravos em espaços da própria la
voura, sob a forma de policultura de subsistência, e por peque-
nos colonos, em regime de parceria, enquanto outra parte era re
presentada por policultura de subsistência independente, sob o
sistema de posse pelos colonos mais modestos, que não contavam
com prestígio ou poder que os habilitasse a receber sesmarias.
o incipiente sistema urbano atuava, então, corno "locus" do
capital mercantil, dedicado ã administração e ao comércio.
Já é possível observar-se aqui que o sistema mercantil,pos
terior à economia natural, tornava mais nítida a divisão social
do trabalho, que a nível internacional já era bem marcante e que
internamente começava a esboçar-se.
No que se refere ã organização espacial do complexo açuca-
reiro, que persiste até hoje, houve algumas transformações, .. e
claro, como resultado da própria organização econômica e social
da época. O engenho era o centro do sistema locacional, geral-
mente ã beira de um rio, próximo do litoraL Da casa do pro-
prietârio (casa-grande), em geral situada sobre uma colina, di-
- 37 -
visava-se a propriedade e o engenho. Eram construções imponen
tes, próprias de uma sociedade aristrocrática, e que por razoes
de defesa se cercavam de toda segurança. Junto i casa-grande
erguia-se uma capela, centro social da unidade produtora.
A senzala, moradia dos escravos, era formada por uma única
construção, com vários quartos, compondo um tipo de habitat con
centrado que facilitava o controle por parte do senhor de enge
nho. Quase sempre se localizava entre a casa-grande e o enge
nho.
As instalações para fabrico de açúcar e aguardente consta
vam de dois galpões. Este complexo incluÍa,ainda, estábulo,cur
ral, chiqueiro, galinheiro, marcenaria e uma espécie de barrocão
onde eram vendidos alimentos e outros artigos de uso doméstico
e pessoal. Finalmente, em torno deste centro se erguiam as pl~
tações de cana-de-açúcar.
Quanto aos trabalhadores livres que se dedicavam is cultu
ras de subsist~ncia dentro da propriedade, ficavam afastados do
núcleo central, geralmente dispersos pelo canavial em pequenas
e pobres moradias.
As terras de policultura de subsist~ncia independente qua
se sempre se localizavam na periferia desse conjunto, de prefe
r~ncia nas vias de acesso aos pequenos centros urbanos.
Com o desenvolvimento da produção açucareira, os currais,
que eram uma depend~ncia do engenho e tinham por finalidade su
prir as necessidades de gado para os serviços de transporte ou
- 38 -
para a movimentaçio dos trapiches, tornaram-se insuficientes e
ji nio bastavam para atender is necessidades. Dã-se, então, a
separaçio entre o curral e o engenho. A pecuária começa a de-
senvolver-se, levando a colonizaçio para o interior e formando
assim um espaço circundante ã franja costeira. A sesmarIa ge
ra, pois, um novo tipo de domínio territorial, as fazendas.
" As fazendas se estendiam atraves de intermináveis vas
tid~es de terra. Ao senhor seria impossível controlar direta-
mente a produção, abrindo caminho ao trabalho livre, utilizando
o índio numa atividade como o pastoreio, mais adequada -a sua
condição. E naSCIa com a fazenda uma classe de arrendatários,
de um nível de vida mais elevado que o dos rendeiros e lavrado-
res obrigados, existentes nas culturas cana\'ieiras." (GUIMARÃES,
op • c i t., p. 6 2 - 6 3 . )
Esses arrenda'tários eram geralmente vaqueIros que err. troca
de dirigirem os estabelecimentos recebiam uma "quarta", is'to é,
um dentre cada quatro bezerros nascidos, cujo pagamento era fei
to cinco anos depois (as quartas se acumulavam), o que lhes per-
- . mitia estabelecer-se por conta proprla.
Essa forma de divisão social do trabalho prevalecente nas
fazendas, que separava o proprietário da produção, permitiu a
disseminação da propriedade, fato que não ocorreL no caso da ca-
na. Por outro lado, não propiCIOU a formação de n~cleos habita-
Clon31S, ta] come "\imos ocorrer ('TI relaçãü ao complexo açucarei-
TO. Todavia, os interesses econômicos da félzenda, orientados p~
Ta as cidades, dinamizaram os mercados urbanos e deste modo con-
- 39 -
tribuíram substancialmente para a formação das cidades na orla
marítima.
Vale ressaltar que essa primeira marcha da colonização dei
xou marcas desiguais no Norte e no Sul, resultantes principal
mente da desigualdade social dos colonizadores. Os mais abas
tados foram para a Região Norte e os mais modestos ficaram no
Sul.
Ao iniciar-se o século XVIII surgem os primeiros núcleos
de mineração nos planaltos mineiro e central. A economia minei
ra, ainda que igualmente baseada no trabalho escravo, diferen
cia-se. em virtude da sua organização geral, da economia açuca
reira. "A economia mineira abriu um ciclo migratório europeu
totalmente novo para a colônia. Dadas suas características, a
economia mineira brasileira oferecia possibilidades a pessoas
de recursos limitados, pois não se exploravam grandes minas
como ocorria com a prata no Peru e no México -- e sim o me
tal de aluvião que se encontrava depositado no fundo dos rios."
(FURTADO, 1977.p.74.)
Esse fluxo migratório e a natureza predominantemente urba
na da economia mineira criam um mercado para alimentos que leva
a agricultura de subsistência a se desenvolver. Por outro la
do. por localizar-se em regiões afastadas do litoral, necessit~
va a economia mineira de um sistema de transporte. criando-se.
assim, um excelente mercado para os animais de carga.
"Se se considera em conjunto a procura de gado para corte
- 40 -
e de muares para o transporte, a economia mineira cOllstitui,no
século XVIII, um mercado de proporções superiores ao que havia
proporcionado a economia açucareira em sua etapa de máxima pro~
peridade. Destarte, os benefícios que dela se irradiam para to
da a região criatória do Sul são substancialmente maiores do que
os que recebeu o sertão nordestino. A região rio-grandense, o~
de a criação de mulas se desenvolveu em grande escala, foi des
sa forma integrada no conjunto da economia brasileira." (Id.ibid,
p. 77.) Outras regiões do Sul também foram evoluindo, algumas
especializadas na criação, outras na engorda, e outras ainda na
distribuição.
O final do século XVIII, sob o ponto de vista espacial,con
solida a cidade, bem como estende a ocupaçao territorial no sen
tido do interior do país.
- 41 -
2. O ESPAÇO RURAL SOB AS RELAÇOES DE TRANSIÇÃO
O início do século XIX representou um período de estagnação
e decadência para a economia brasileira.
tradicionais de exportação aviltavam-se.
Os preços dos produtos J>
O açucar, principal pro
duto da pauta de exportação, defrontava com a concorrência das
colônias antilhanas, da Luisiânia e de Cuba. Outros produtos,
como o algodão, o fumo, os couros, o arroz e o cacau, tampouco
apresentavam rentabilidade.
~ na metade do século XIX que o café, produzido no Brasil
desde o início do século XVIII para consumo interno, assume im
portância comercial graças ã alta dos seus preços decorrente da
desorgani zação da então colônia francesa, lIai ti, na época gran
de produtora de café. Surge, pois, das entranhas da sesmaria o
último latifúndio típico, a fazenda de café (GUIMARÃES, op.cit.).
Os primeiros espaços ocupados por essas fazendas correspo~
deram ao território fluminense, do qual partiu a expansão do
chamado primeiro ciclo da cultura cafeeira. Este desenvolveu-se
sobre a base do trabalho escravo. A África continuava a ser a
principal fornecedora de mão-de-obra no início do século XIX.
Contribuíram também para suprir as necessidades dos fazendeiros
de café as migrações internas de escravos, comprados no Nordes
te, onde as plantações de açúcar decaíam, e principalmente em
- 42 -
Minas Gerais, onde as atividades mineiras de século XVIII entra
vam era declínio.
Relevantes nesse início do século XIX sao as transformações
que se processaram tanto interna como externamente. Internamen-..
te, apos 1808, com a chegada ao Brasil da corte portuguesa, que
fugia do exército de Napoleão. Em conseqUência, ti . . . são assi-
nados importantes decretos que garantem a abertura dos portos br!
sileiros às 'nações amigas' (concretamente, o fim do monopólio
colonial portugu~s) e a transforma~io do Brasil em parte do Rei
no Unido de Portugal e Algarves e sede deste Reino (concretamen
te, o fim do estatuto colonial). O Brasil adquire, então, uma
autonomia de fato •••• A independ~ncia política de direito .. e
proclamada em 1822, após o retorno a Lisboa do Governo real e,em
particular, diante da ameaça recolonizadora da revolução liberal
portuguesa de 1820." (SILVA, EJ76, p.39.)
Essas mudanças internas coincidem com um quadro mundial tam
bém em desenvolvimento e transformação que se expressam sob a
forma de declínio do c3pital mercantil e florescimento do capi
talismo industrial. Tal evolução ~ acompanhada do aprofundamen
to da dhíisão internacional do tralHllhc entre produtores de ma-
nufaturas versus produtoH's de matérj as-primas, que internamente
beneficia a acumulação c concentração de riqueza, ao mesmo tem
po em que torna o latifúndio cafeeiro mais vulnerável às pres!Des
do capitalismo, exigindo uma adaptação às novas condições.
~ necessário qU(;' se faça aqui lima intcrrupção na analise des
se processo para rnostrí.ir, ('li: t010105 UH organização de C'spaço ru-
- 43 -
ral, como se apresentava esse primeiro ciclo da expansao cafe
eira.
Segundo Passos Guimarães, " ••• no primeiro ciclo de sua ex
pansao a agricultura do café havia gerado um tipo peculiar de
grande domínio territorial que representava um retorno às for
mas feudais, coloniais e escravocratas estratificadas no enge
nho de açúcar. Com o café, a fazenda, que tinha evoluído com a
criação de gado para um modelo mais avançado de exploração, em
muitos casos não escravocrata e mais aproximado dos padrões ca
pitalistas, regrediria, assim, às origens do senhorio açucarei-
ro." (Op.cit. ,p.82.)
Internamente, nessas extensas fazendas a organização espa
cial refletia tanto o período de opulência, nas construções lu
xuosas para habitação do grande proprietário,como uma distribui
ção semelhante ã dos engenhos de açúcar. "No interior do vale,
sobre um terraço próximo ao rio, ou num alvéolo perto da queda
d'água, situa-se a sede da fazenda. Por suas várias funções
residência do fazendeiro, alojamento de escravos, armazenado
ra e até mesmo religiosa -- compõe-se de um conjunto de cons
truções, lembrando uma cidade em miniatura, com diferentes ins
talações e dependências, que a tornam um conjunto complexo,vul-
toso e em grande parte auto-suficiente, pricipalmente quanto .. a
subsistência alimentar. Mas os produtos industriais tinham de
ser comprados fora, por isso, algumas fazendas possuíam vendas •••
Ao redor dos paredões que delimitam o perímetro, nas melhores
fazendas, havia: marcenaria, ferraria, sapataria, olaria e ou-
- 44 -
tras ins ta1ações que pertenciam à propriedade." (COSTA, 1978,
p. 17 e 21.)
A produção cafeeira, nas bases acima expressas, cresce e
desenvolve-se. Antes da metade do século XIX o café já era o
produto de maior peso nas exportações. Entretanto, conforme ms
semos antes, as transformações se fizeram acompanhar de ref1ems
internos e externos. Após a Independência, a utilização do tr~
balho escravo começa a apresentar poucas possibilidades de ex
pansao. De um lado, a Grã-Bretanha exigia do Governo Brasilei
ro a interdição do tráfico escravo a partir de 1830 -- ainda que
o acordo então firmado não viesse a ser cumprido -- e se iniciam
as campanhas internas e as propostas no sentido de abolir o tra
ba1ho escravo. Do outro lado, a disponibilidade de força de tra
balho dentro do país era mui to 1imi tada. Havia, conforme j á De!!,
cionado, uma produção de subsistência agregada ao complexo açu
careiro e também as fazendas de gado. Embora o trabalhador de
ambas não estivesse sob o sistema escravista, tinha sua subsis
tência garantida pelo latifúndio. Por sua vez, a inexistência
de um sistema de comunicação entre as diversas regiões contri
buia para que esses trabalhadores, que não dispunham de terras
mas tão-somente da sua força de trabalho, não se constituíssem
em mercado para o latifúndio cafeeiro. Em termos de pequenos
proprietário~ havia já um reduzido número de imigrantes eur~us,
que também se mantinham isolados numa produção de auto-subsistên
cia.
Paralelamente a essa es casse z de mão-de-obra, tornava-se ca
- 4S -
da vez mais insustentável para o proprietário latifundiário cus
tear a subsistência dos escravos. Segundo Francisco de Olivei
ra. "... a expansão das cul turas de exportação. sobretudo e in
discutivelmente do café, leva consigo uma expansão mais que pr2
porcional do capital constante, constituído seja pelo próprio
estoque de capital empatado nos escravos, seja pelos meios de
subsis tência dos mesmos escravos. Principalmente a expansão dos
últimos significava um incremento das importações que punha ~
tantemente em risco a estabilidade da forma de valor do produ
to: a moeda estrangeira e principalmente a taxa de câmbio." (0-
LIVElRA. 1977. p.13.)
Foi nesse quadro que se desenvolveu o chamado segundo ci
clo de expansão da agricultura do café. i/ A essa altura sua
produção já se havia propagado, entrando em Minas Gerais e São
Paulo e criando neste último estado sua nova era de opulência.
O ciclo nao escravista do latifúndio cafeeiro nao modifi-
ca a estrutura agrária em suas linhas fundamentais.
lio fundiário continua a ser o padrão de acumulação.
.. O monopo-
Entretan
to. "as formas capitalistas. em acelerado florescimento no mun
do inteiro. rondam o monopólio feudal da terra sem conseguirem.
porém. alterar-lhe as características essenciais. Penetram •
por fim. pela via mais acessível. e só indiretamente, em seus
processos internos de produção, através da melhoria na técnica
e nos aparelhos de beneficiamento dos produtos. A primeira
4. As e~ressões "primeiro" e "segtmdo" ciclo do café não têm por base uma seqUência cronológica.
- 46 -
contrapartida do declínio da produtividade do regime do trabalho
escravo seria a substitui~ão, por outros mais eficientes, dos ag
tigos métodos de prepara~ão do produto para o mercado." (GUlMA-
RÃEs, op. cito p. 89').
As mudanç:as nas rela~ões de produção, centradas principal -
mente nas mudan~as das relações de trabalho e no que ,Francisco
de Oliveira (op.cit.) chama de lia quebra da autarcia da grande
lavoura", fazem com que o processo de acumulação retome seu im-
pulso com nova forma, ritmo e volume.
Do ponto de vista das rela~ões de trabalho, a solução en-
contrada fundamentou-se na experiência de meação e do colonato
sistematizada nos contratos de parceria. Esta última, que ji e-
ra adotada na produção da cana-de-a~úcar com o agregado e o mo
rador, toma no latifúndio do café outra forma, com o aspecto ju-
rIdico de um contrato bilateral, aparentemente com igualdade de
condições para o senhor da terra e o seu cultivador.! sob o
sistema de parceria que as experiências de imigra~ão
recomeçam.1/ Todavia, esse sistema não foi capaz de
dear uma imig~a~ão maci~a para as lavouras de café. As
çoes reais encontradas pelos imigrantes, que em muito
européia
desenca-
condi-
diferi-
am daquelas que lhes eram apresentadas antes da sua chegada aqui,
levou-os à situa~ão de quase escravos, fazendo com que a imi-
gra~ão para o Brasil fosse sustada em muitos países europeus.
5. A colonização estrangeira no Brasil come~ou por volta de 1750, com a vinda de a~orianos para o litoral de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.
- 47 -
A suspensão dos fluxos migratórios nao só prejudicou a po
lítica de "braços livres" para o latifúndio cafeeiro, como as
colônias de pequenas proprietários que começavam a desenvolver
se no Sul do país.
Por .. necessários alguns anos " ••• para que os fazendeiros
de café, obrigados pelas exigências da acumulação de capital,
se decidissem a abandonar seus métodos pré-capitalistas e ofe
recer aos trabalhadores condições de trabalho baseadas em con
tratos salariais, facilitando assim a imigração." (SILVA, op.
cit., p.44.)
A partir de 1875 .. grande numero de italianos procedentes
principalmente do sul da Itália -- do Mezzogiorno --, ingressou
no Brasil".
As relações de trabalho livre, que progressivamente se es
tabeleceram, introduziram novas formas de retribuição, como a
remuneração por tarefa e, mais tarde, os contratos de formação
de cafezais. Cabia, agora, ao colono contribuir com a reprodu
çao da sua força de trabalho familiar, contando, em contraparti
da, com um pedaço de terra onde fazer uma pequena cultura de sub
sistência. "Não raro, no lugar de uma porção de espaço separa
da do cafezal, o colono preferirá a cultura intercalada (plantio
da policultura de subsistência intercaladamente às fileiras de
café, nas ~ruasw do café), forma de organização espacial que pr~
porciona economia de tempo e de trabalho, permitindo-lhe obter
maior produção de café e de gêneros de subsistência, ganhando
mais por um lado e garantindo produtos alimentícios para além
- 48 -
dos níveis de subsistência por outro lado, provendo-se regular
-mente de excedente para a venda." (MOREIRA, 1980, p.132.)
Com o sistema de formação, ou de empreitada, deu-se também
o ingresso do trabalhador livre nativo no quadro do latifúndio
cafeeiro, uma vez que a terra entregue ao colono já havia sido
desmatada pelo "caboclo".
As novas relações de trabalho estabelecidas permitiram,jun
tamente com outros fatores, como a alta do café, por exemplo,
que bom número de colonos se tornasse mais tarde pequenos pro
prietários de terras.
Do ponto de vista da organização espacial, a fazenda de ca
fé no regime de colonato vai refletir as transformações ocorr~
com a introdução do trabalho livre. A casa e as benfei torias con
servaram no planalto paulista mais ou menos as mesmas caracte
rísticas das fazendas de café do Vale do Paraíba. Formavam um
conjunto de grande dimensão, marcado pela imponência da casa
do fazendeiro. A diferença, aqui, estava no fato de que a sen
zala dera lugar aos núcleos de colonos sob a forma de habitat
nucleado.
A necessidade de braços para a lavoura cafeeira, que resul
tou na colonização sob a forma acima descrita, e a colonização
dirigida para o sul do país não podem ser vistas, na opinião de
Passos Guimarães, como o ponto de partida da formação da peque
na propriedade no Bras i 1. "A ocupaçao extra-Ie gal ( ••• ) foi o
instrumento que abriu caminho ã pequena propriedade em nosso pa-
- 49 -
ís; foi ela o precedente histórico que tornou possível a exis
tência em bases estáveis -- primeiro ã distância dos redutos la
tifundiários e, depois, ao seu lado -- das unidades agrícolas
menores, cultivadas pelos camponeses com a ajuda de suas famí
lias." (GUIMARÃES, op.cit. p.ISl.)
Os intrusos e posseiros foram os precursores da pequena ~
priedade camponesa. (Id., ibid.)
Embora as formas extra-legais de propriedade da terra da
tassem dos primeiros séculos da colonização, só depois do ciclo
da mineração, que levou ã redivisão do trabalho e a um primei
ro esboço de mercado interno, encontram elas seu maior espaço
junto ao sistema latifundiário. "Na primeira metade do século
XIX, o número de posses já igualava ou superava o nÚMero de pro
priedades obtidas por meios diferentes da simples ocupação."
(GUIMARÃES, op.cit. p.119.) g bem verdade que a primeira ex
pansão da cultura cafeeira impôs certa contenção ou regressao
ao processQ evolutivo do regime de posse.
Voltando ao quadro geral, a hegemonia do latifúndio cafeei
ro paulista vem marcar definitivamente a transferência do cen
tro jurídico-político e econômico para o Sudeste do país.
"Com a elevação da produtividade do trabalho rural e a re
definição dos termos da acumulação, no espaço canavieiro nor
destino as relações de classes deterioram-se rapidamente. A
maior parte dos senhores de engenho-indústria, após malograda
experiência de 'engenhos centrais', promovida pelo Estado e ca-
- 50 -
pitais estrangeiros, converte-se em meros fornecedores de cana.
Alguns poucos acompanham o processo de modernização,que subs-
tituiu o engenho pela usina, de superior capacidade de moagem 00
cana. • • • Voraz absorvedor de cana, a usina é igualmente de
terras. S grande o número de grandes propriedades canavieiras,
de senhores decadentes de engenho e de partidos que
mãos dos usineiros." (MOREIRA, op.cit., p.130.)
.. passam as
Já no Sudeste, "ao subir os planal tos de são Paulo, as pl~
tações abandonam o trabalho escravo pelo trabalho assalariado.
Com o trabalho assalariado, a produção cafeeira conhece a me
canização (pelo menos uma mecanização parcial, ao nível das o
perações de beneficiamento do café). Alá. disso, a possibilida
de desse deslocamento é determinada pela construção de uma rede
de estradas de ferro bastante importante. Finalmente, o finan
ciamento e a comercialização de uma produção que atinge milhões
de sacas implica o desenvolvimento de um sistema comercial rela
tivamente avançado, formado por casas de exportação e uma rede
bancária. . . . g fundamentalmente por essas razões que o café
se tornou o centro motor do desenvolvimento capitalista no Bra
s i 1. " (S I L VA , op • c i t. ,p. 5 O • )
Em termos espaciais, a acumulação cafeeira, preparando as
bases para a mudança do padrão de acumulação para o setor ur
bano-industrial, transfere para as cidades o centro hegemônico
da economia.
- 51 -
3. O ESPAÇO RURAL SOB AS RELAÇOES CAPITALISTAS
o final do século XIX marca o florescimento das relações
capitalistas nas principais atividades econômicas do Brasil,de
terminadas não só pelas própri2s necessidades de desenvolvimen
to do país, como por seu ingresso na economia mundial capitali~
ta.
As transformações ocorridas nesse período, na opinião de
Sérgio Silva, li ••• não podem ser reduzidas ã passagem ao tra
balho assalari ado, sob o risco de não entendermos a própria pa~
sagem ao trabalho assalariado. o trabalho assalariario é o .. ln-
dice de transformações que incluem as estradas de ferro,os ban-
cos, o grande comércio de exportação e importação e, inclusive,
uma certa mecanização ao nível das operações de beneficiamento
da produção." (Op.cit., p.80.) Paralelamente, o mercado interno
tem uma limitada mas significütiva expansao.
Ao iniciar-se o século XX, a grande lavoura permanecia co-
mo o setor dominante da economia nacional, embora o sistema la
tifundiário já começasse a ser alvo de sucessivas crises, que
pouco a pouco vão fazendo com que no plano econômico, político
e ideológico sua influência perca terreno, chegando mesmo a com
prometer sua participação no aparelho do Estado.
Segundo Passos Guimarães (op.cit.), o período que vai das
- S2 -
primeiras manifestações da crise do sistema latifundiário até
à sua decomposição como setor dominante da nossa economia, pode
ser dividido em três etapas.
A primeira delas -- "a de gestação da crise" -- compreende
o último quartel do século passado. r o período em que se des
faz a unidade do "monolítico bloco das oligarquias dominantes"
antes prevalecente, deixando agora de um lado os proprietários
já brasileiros, e do outro, os ainda procedentes do Reino. r tam
bém o primeiro momento da expansão cafeeira, que no quadro - na
cional começa a opor-se ao latifúndio canavieiro e, internamen
te, impõe a liderança dos fazendeiros paulistas aos barões flu
minenses.
Conforme dissemos antes, o período da legitimação da posse
e da colonização estrangeira é o que se constitui no primeiro
passo no sentido do acesso ã pequena propriedade. Fechando o
marco dessa primeira etapa, temos a passagem do trabalho escra
vo para as primeiras formas de trabalho livre.
A segunda e tapa - - "a de e elos ão da crise" -- se insere nas
três primeiras décadas deste século, tendo início com a primei
ra superprodução cafeeira.
A produção de café, com as transforma~oes que já se vinmm
processando desde o final do século XIX, converte-se no centro
da acumulação de capital. r a partir dessa acumulação de capi
tal que nasce a indústria no Brasil.
Para Sérgio Silva, "a questão essencial para o entendimen-
- 53 -
to da indústria nascente reside na posição dominante do .. comer-
cio na economia brasileira da época. em particular, ela reside
nas formas específicas da dominação do comércio, que resultam
da hegemonia do capital cafeeiro e da subordinação da economia
brasileira à economia mundial. • • • Burgueses imigrantes en-
riquecidos no comércio constituem ( ••• ) o núcleo da burguesia
industrial nascente." (Op.cit., p.97.)
o país encontrava-se totalmente integrado no sistema capi
talista mundial quando da grande depressão de 1929.
A tercei ra e tapa -- "a de ace leração da crise" -- do s is te
ma latifundiário tem início com a crise mundial de 1929 e pros
segue até os nossos dias.
~ na década de 30, porém, que se dá definitivamente a pas
sagem da economia de base agrária para a de b~se industrial. O
motor dinâmico da economia encontra-se agora na industrializ~ão.
Esse processo de mudança econômica levou também a transfor
mações sociais e a novas formas de organização política,ao mes-
mo tempo em que foi acompanhado 10 crescimento acelerado dos
centros urbanos e do aprofundamento da divisão social do traba-
lho.
"Nesta etapa o sistema latifundiário já não pode manter-se
por seus próprios meios naturais: exige cada vez maiores recur
sos, subvenções e favores dos cofres públicos para assegurar sua
sobrevivência. Suas possibilidades de competir no mercado mundial
com produtos de outros países reduzem-se ao limite *' • mlnlmo.
- 54 -
Sua participação no conjunto da economia nacional decresce em
termos relativos .•• " (GUIMARÃES, op.cit., p.160.)
~ importante observar que a industrialização nao resultou
de uma transformação profunda da antiga estrutura agrária. À
oligarquia rural foi permitido reter a propriedade do solo e as
formas de exploração da mão-de-obra. O latifúndio manteve-se co
mo a principal forma de organização produtiva do setor rural.
Entretanto, as transformações capitalistas que ocorrem interna
mente no país e o aprofundamento das relações capitalistas mun
diais impõem ao setor modificações fundamentais que repercutem
na organização do espaço.
Para o sistema latifundiário essas transformações podem ser
marcadas por cinco características que, uma vez mais, retirmoos
da obra de Passos Guimarães, em vista da forma didática e cla-
ra em que se encontram expressas.
- A primeira delas é "a extrema concentração latifundiária
baseada na associação do monopólio da terra ao monopólio da in
dústria de transformação ou do beneficiamento da matéria-prima
agrícola".
A qualidade do produto a ser comercializado começa a tor-
nar-se fator importante, já que a concorrência internacional -e
cada vez maior. Por outro lado, a produção para fins de expor
tação exige cada vez mais uma estrutura de custos competitiva.
-No complexo açucareiro, o açucar do tipo usina começa a
substituir o do banguê. Na lavoura cafeeira aparece o "café de
- 55 -
máquina" Tanto no primeiro como no segundo caso a produção pa~
.se a se organizar não só do ponto de vista agrícola, como in
dustrial e comercial. A melhor organização tende a propagar-se
e a abarcar as terras circunvizinhas, criando-se assim os supe!
latifúndios.
Esse processo apresenta, porém, características bem dif~
rentes no Sul e no Nordeste do país. No Nordeste, onde o setor
canavieiro conservara suas velhas raízes, os efeitos da usina,
com a concentração devastadora de terra, leva ao empobrecimen
to da região, passando a hegemonia para o usineiro paulista.
No Sul, o saldo se equilibra pelos efeitos positivos, uma
vez que hi precondições favoriveis. No café, como ji vimos, a
acumulação de capital é que vai abrir caminho à industrialização.
- A segunda caracterís tica é "a extrema fragmentaç::ão mi
nifundiiria das piores terras, por meio da qual os latifundii
rios fixam, nas suas adjacências, as reservas de mão-de-obra p~
ra atender às suas necessidades eventuais".
Hi mui to que ao redor da grand(· propriedade, principalmen
te a açucareira, se encontravam pequenos produtores, na condição
de agregados, rendeiros, etc. O declínio do sistema latifundi
iria e as novas formas de trabalho dão vez à fr~gmentaç::ão da
propriedade.
Os minifúndios, estabelecimentos agrícolas de tamanho bem
pequeno, são incapazes de atender às necessidades de uma famí-
lia e, por esse motivo, representam braços à disposiç::ão das
- 56 -
grandes propriedades vizinhas.
A fragmentação minifundiária ocorreu com maior intensidade
no Nordeste, uma vez que a grande imigração do século XIX já
criara no Sul um mercado de mão-de-obra e a colonização possibl
litara a pequena propriedade.
- A terceira característica é "o abandono das lavouras la
tifundiárias e sua substituição, em larga escala, pela pecuária
extensiva".
A pecuária, que já se havia difundido graças às suas carac
terísticas de pequena utiliza~ão de mão-de-obra e uso de gran
des espaços, avulta como alternativa do sistema latifundiário
que a ela recorre, na sua forma extensiva, exatamente para man
ter o monopólio da terra às custas de pouco uso de técnicas e
de pessoal assalariado.
Mais recentemente, a instalação no país de grandes e modeE
nos frigoríficos, na sua maioria com capitais estrangeiros, as
sociada ao alto custo da carne e aos incentivos fornecidos pelo
Governo, vieram aumentar a utilização da pecuária.
- Outra característica, a 'luarta. é "a introdução. ainda
em ritmo lento e em proporções limitadas, mas em escala crescen
te, de técnicas mais adiantadas de preparo e cultivo do solo.in
clusive por meios químicos e mecânicos."
O processo de mecanização da agricultura concentra-se mais
na Região Sul do país. uma vez que o custo da aquisição e ma-
- 57 -
nutenção das máquinas agrícolas é bastante elevado. exigindo Po!
tanto uma alta rentabilidade da cultura.
- A última característica é "a substituição, embora len-
ta, das formas pré-capitalistas de renda por formas semicapit~
listas ou capitalistas; e a generalização, acelerada nos últi
mos anos, do s alariado quase-capi talista ou capi talis ta".
o exame das relações de trabalho é bastante complexo, na
medida em que a forma pura dificilmente é encontrada. Mesmo as
sim, uma série de estudiosos do assunto tem mostrado a evol~ão
de formas pré ou semicapitalistas, onde existe um vínculo extra
econômico de subordinação e a renda aparece sob a forma de ren
da-trabalho ou renda-produto, e renda-monetária ~I (respectiv~
mente), para formas capitalistas de renda, onde o cultivador -e
independen te.
Quanto às diferenças de assalariamento, a tendência também
se orienta no sentido de substituir as formas chamadas de qua
se-capitalistas 21 pelas já capitalistas.
Essas transformações que ocorreram no latifúndio modificam
também sua organização espacial interna. A casa-grande é subs
tituída por modernas mansões que o fazendeiro, em conseqUência
6. Nas fonnas pre-capi talistas, a renda-trabalho obrisa à prestação de servi ço gratuito (exemplo: cambão) , e a renda-produto, a paga em produtos e não em dinheiro (exemplo: meação). Na fonna semicapi talista de renda-monetária ou renda-dinheiro, o trabalhador já paga o aluguel da terra com dinheiro, mas não tem liberdade para tomar decisões acerca do :elantio, da colheita, da venda, etc. (Exemplo: foreiro, rendeiro, arrendatario não ca pitalista). -
7. No salariado quase-capitalista, embora receba tDn salário em dinheiro, o trabalhador tem obrigações que cerceiam sua liberdade (exemplo: a "condição") •
- 58 -
do regime absenteísta, utiliza tão-somente para fins de semana.
Moram na fazenda os administrador~s rurais, capatazes, tratoris
tas e fiscais. A grande massa de trabalhadores reside
ra dos limites da propriedade.
fo
A partir dessas transformações, o trabalhador rural já nao
se insere no universo prático da grande unidade produtora. An
tes, a casa era parte da propriedade e todos os seus atos vin
culavam-se em primeira instância com o dono da terra, o que a
miúde levava ã ausência de relações do trabalhador com o conju~
to da sociedade.
Analisando esse processo, a que chama de conversa0 do "la
vrador em prole tário", I anni t 19 76) ass im se express a: "Enquan
to lavrador, o trabalhador rural se encontra prática e ideolog!
camente vinculado ã fazenda, ao fazendeiro, aos meios de produ-
ção, aos outros trabalhadores e suas famílias, .. a capela e
... a
casa-grande. Ele se compreende como membro de um nós torteme!.!.
te carregado de va lores e re lações de tipo comuni t ário ••• ", mas
"enquanto proletário. o trabalhador se encontra prática e ideo
logicamente divorciado dQs meios de produção, da fazenda, da
casa-grande, da capela, 90 fazendeiro ou seus prepostos. Ele
se encontra fora da fazenda física e ideologicamente. O seu
grupo, o seu nós, são principalmente os outros trabalhadores.
E o fazendeiro, com seus prepostos (feitor, capataz, administr!
dor ou outros) são os outros ••• " ,op.cit., ·p.158-159).
Nesse sentido, as transformações espaciais que retiraram
o trabalhador dos limi tes, das propriedades, em conseqUência das
- 59 -
novas relações econômicas, sociais e políticas, modificaram as
condições de organização e de compreensão dos trabalhadores ru
rais. Essas modificações, por sua vez, criaram novas determman
tes espaciais, não só para o espaço rural, mas também para a
periferia urbana para a qual, com freqUência, esses trabalhado
res se transferem.
Fruto das transformações a que acima nos referimos, encon
tramos a tripartição da estrutura agrária no século XX, em uni
dades típicas. A propriedade latifundiária, que já analisamos;
a propriedade camponesa, que se consolidou no século XIX e per
manece até os nossos dias; e a propriedade capitalista, carac
terística deste século.
° espaço rural estava assim basicamente estruturado quan
do, na década de 70, tem início a coloniza~âo em larga escala.
No Brasil, a colonização dirigida data de meados do século XVIII,
ma~ para os efeitos deste estudo serão analisadas as experiên
cias recentes em que o elemento espacial assume posição relevan
te.
Acreditamos ser indispensivel ao entendimento das novas
formas de organização do espaço no campo, trazidas pelos proje
tos de colonização, fazer um corte que nos remeta ã análise do
período pós 1950, quando se aprofundam as relações capitalisms
no seio da economj~ nacional, e observar SllnR repercussões no
setor agrícola.
"Nos anos 50, assiste-se a um desesperado esforço de acumu
- 60 -
lação na economia nacional. Esforço de acumulação que, conforme
a literatura econômica já anotou, não encontrava maior respaldo
na economia brasileira, do ponto de vista da existência de uma
acumulação prévia, isto .... e, de uma acumulação que se cristali-
zasse na máquina, e que expressasse o cnnsumo do trabalho vivo
pelo trabalho morto. Embora isto possa parecer paradoxal fren
te ao fato de que a economia brasileira tem realmente uma enor
me vitalidade de expansão, um enorme potencial de acumulação, é
contraditório, mas não paradoxal, desde que se entenda que a ba
se da acumulação é a exploração do trabalho. Neste sentido, a
economia brasileira tem enorme vitaliàade de acumulação, mas no
outro sentido, tinha uma base capitalista propriamente dita ra
zoavelmente pobre em termos de máquina e equipamentos. Nos anos
50 se tenta esse salto, que ficou conhecido como 'crescer 50 a
nos em 5', slogan da campanha Kubitschek, e consubstanciado no
seu Plano de Metas." (OLIVEIRA, 1977, p.116.)
Nesse momento surgem no cenário duas novas forças: o Esta
do, com um novo papel, e o capital estrangeiro, com uma nova es .. , trateg1a.
No que se refere ao Estado, este penetra na esfera produti
va por uma série de razões, dentre as quais o fato de que "cer
tas tarefas, assim chamadas de 'segurança nacional', não podiam
ser cumpridas ou simplesmente sustentadas pela própria força da
burguesia nacional, em confronto com o capi tal estrangeiro".
(Id·. ibid, p.117») " ••• Com isso, ele emerge, mantendo, é cla
ro, seu papel de mediador entre as diversas forças sociais em
- 61 -
açao, mas emerge com uma nova qualidade própria, isto -e,a qua-
lidade de produtor de mercadorias e serviços". (Id. ,ibid, p.118.)
Com o novo padrão de acumulação de capital, baseado na ex
pansão do setor produtor de bens de consumo duráveis, surge a
necessidade de modificar o tipo de relação centro-periferia,uma
vez que a capacidade de produção interna do setor produtor de
bens de '~apital não correspondia às dimensões exigidas. Em con
seqUência, o recurso empregado foi a entrada do capital estran-
geiro, sob a forma de investimento direto. Esse capital, no p~
rrodo anterior, era encontrado principalmente nos setores de in
fra-estrutura e servIços.
Por outro lado, o capital estrangeiro tem " a vi rtuali-
dade de transformar, de poder potenciar o trabalho vivo, isto
é, a exploração do trabalho mediante a utilização de um trabalho
-morto acumulado, vale dizer, de uma tecnologia em processos,ma-
quinas e equipamentos que vão potenciar o trabalho, a explor~ão
do trabalho e, portanto, a própria acumulação. Essa é sua nova
qualidade." (Id., ibid., p.117.)
Para os fins deste trabalho, é importante verificar como
esse processo se reflete ao nrvel da estrutura social. "Do
lado da estrutura social, esses avanços na divisão social do
trabalho significavam também trélnsf()rmaç:ões mui to profundas ,
transformações essas cujo caráter principal pode ser anotado
simplesmente na divisão social do trabalho entre cidade e cam
po: O Pais estava se urbanizando, significando isso que se es-
tavélrngestando, aos nfveis das classes sociais dominadas, novas
- 62 -
diferenciações sociais; criava-se um proletariado propriamente
dito e criavam-se também, concomitantemente, novas classes tra
balhadoras urbanas não operárias, dedicadas às atividades de pr~
dução de serviços." N o campo, "tem-se um processo menos marca
do, menos visível e que, em certa forma e ainda por muito tem
po, iria manter, como manteve, uma larga indiferenciação social,
em que coexistiam quase-camponeses e pequenos produtores de mer
cadorias, coabitando no coração do latifúndio". (Id.ibid,p.118.)
No despontar dos anos 60 a configuração da base produtiva
apresenta, de um lado, a burguesia nacional, com menor peso e
importância, e do outro, o Estado como produtor, crescendo em
importância; finalmente, completando o "tripé", o capital es
trangeiro, j á no comando de importantes setores da estrutura pr~
dutiva. Sob esse tripé se encontram todas as classes sociais
que, com a já citada divisão social do trabalho, vão se diferen
ciando e apresentando interesses cada vez mais conflitantes com
os do comando das forças ~rodutivas.
Em 1964 dá-se uma ruptura ao nível do processo político.
"A política econômica pós 64 vai ser, de um lado, a busca in
cessante de consolidar, aperfeiçoar, e sedimentar, de forma
mais acabada, os contornos de um controle monopolÍstico da eco
nomia brasileira, ao nível das forças produtivas e, do outro
lado, dando novos saltos no processo de acumulação, estabelecen
do uma nova relação do tripé com as classes sociais dominadas.
Essa nova relação é, como sempre, em qualquer sistema capitali~
ta, uma relação de força, mas ruja forma é agora diferente . ..•
- 63 -
Será uma relação de força mais explícita, mais desmascarada, e
sua diferença reside em que o pacto político anterior tornava i
natingíveis certas metas do processo de acumulação, pelo próprio
nó que se formava entre interesses de certas frações do tripé e
interesses de certas frações das classes dominadas." (I d. ,ibid,
p.120-l2l.)
o desenrolar do processo levou ã soldagem dos interffises das
empresas estatais com os do capital estrangeiro, deixando o ca
pital privado nacional em posição mais subalterna. Os anos do
chamado "milagre", de 1968 a 1973, foram, na interpretação de
Francisco de Oliveira (op.cit.), o resultado de uma política que
privilegiava os interesses do Estado e do capital estrangeiro ,
reproduzindo em escala ampliada o papel de cada um deles. A au
sência das relações mediadoras entre as classes dominadas e as
forças de poder permanecem. O Estado como produtor se orienta nc
sentido de aumentar e sustentar a acumulação. g importante,tan
to para o Estado como para o capital estrangeiro e o capital na
cional, que se mantenham os salários baixos, a fim de permitir
maior acumulação. As formas de expressão do proletariado con
tinuam, pois, sacrificadas.
Após esse período de expansão da economia, encontramos um
período de crise. Trata-se, porém, de uma crise de conjuntura,
não de uma crise significando o limite do sistema capitalistano
Brasil.
As redefinições sao feitas em todos os níveis, uma vez que
a crise também é de âmbito internacional. A nível politico, a
- 64 -
problemática nao se resume apenas nas relações entre o tripé pr~
priedade, capi tal e classes dominantes, mas envol ve também a prsi
pria harmonia dentro da coalizão dominante.
A competição entre os capitais estrangeiros, o esgotamento
das possibilidades de ganho de produtividade do trabalho no se
tor produtor de bens capitalistas e a emergente preocupaçao com
a escassez de matérias-primas levam a novas estratégias, basea
das na associação entre os capitais -- principalmente o estran-
geiro e o estatal -- no sentido de explorar os recursos natu-
rais.
Feitas essas considerações, permanece a questão de como si
tuar o setor agrícola nesse quadro geral.
As transformações na agricultura passam a assumir caracte
rísticas específicas em diferentes momentos e situações, na me-
dida em que se aprofundam as novas formas de acumulação e rea
lização do capital na economia.
As recentes análises da agricultura brasileira, que buscam
apreender suas determinações e relações com os demais setores pr~
dutivos, têm mostrado que o desenvolvimento do capitalismo nesse
setor se dá de forma lenta e desigual.
o período 1950-60 traz no seu bojo, como já assina1amos,pro
b1emas de economia n"aciona1 de caráter polêmi co. A agricul ttn"a,
evidentemente, nao se apresenta isolada no processo de produção.
Por sua vez, a sociedade se insere, enquanto modo de produção c~
pita1ista, na divisão internacional do trabalho. Em conseqUência,
- 65-
as crises e as transformações que se processam na economia che
gam ã agricultura. O panorama econômico nacional refletia um
programa de desenvolvimento acelerado, com maciça penetração de
capital estrangeiro e, principalmente, a ampliação da Lndústria
de bens duráveis.
Torna-se, pois, fundamental saber qual deve ser o desempe
nho da agricultura no novo estágio de desenvolvimento industrial.
José cláudio Barriguelli (1978) coloca seis pontos aos quais
a política agrícola deveria atender em função do desenvolvimen
to industrial:
1. "Rebaixamento do custo das matérias-primas que favoreça
o estágio industrial acelerado, basicamente os produtos
agrícolas".
2. "Rebaixamento do custo de produção dos alimentos
fator preponderante à depreciação dos salários".
como
3. "Ampliação do mercado de consumo dos produtos industri,!
lizados na agricultura, mormente os de bens duráveis".
4. "Tndustrializaç:ão e mecanização na agricultura".
5. "Ampliação das c~ndiç:ões para a concentração de capi tais
no setor agrícola".
6. "Busca de um equilíbrio na demanda da mão-de-obra no es
tabelecimento de uma política salarial regional".
Vejamos, numa breve passagem, como se insere no contexto dos
- 66 -
planos do Governo a problemática agrícola, para finalmente lo
calizar as experiências de colonização.
Para muitos economistas, técnicos e políticos, o Governo
Juscelino Kubitschek, com seu Programa de Metas, deixou de la
do o setor agrícola, que permaneceu relativamente "atrasado"
ante a expansao e diferenciação dos setores secundário e ter
ciário.
o período João Goulart, por motivos de comprometimento po
lítico e tipo de liderança exercida, preocupou-se em levar adi
ante, incentivando e mesmo comandando, o debate da reforma a
grária, no sentido da revisão e modernização das rela~ões de
produção e do regime de propriedade da terra.
Com o Plano Trienal a estrutura agrária vincula-se ao de
senvolvimento do País. Segundo Octavio Ianni, "o Plano Trienal,
que deveria ser executado nos anos 1963-65, foi o primeiro ins
trumento de política econômica global e globalizante, dentre t~
dos os formulados até então pelos diversos governos no Brasil".
(1977, p.205) g importante. portanto, ver as discussões que pre
cederam o referido Plano.
Para Celso Furtado, cujas idéias orientaram o Plano Trienal,
a agricultura brasileira não tinha as bases capitalistas neces
sárias à expansão do desenvolvimento. constituindo-se num entra
ve à industrialização do período. A agricultura era incapaz de
atender à demanda de alimentos feita pelas zonas urbanas e das
matérias-primas necessárias ao sistema. Fazia-se necessária uma
- 67 -
reforma agrária que corrigisse a estrutura agrária vigente •
••• .. na epoca do Governo Goulart nao se haviam Entretanto, "
reunido todas as condições políticas para que o Estado pudesse
encaminhar a resolução dos problemas econômicos mais graves e ur
gentes... a luta pela reforma agrária, por fim, mobilizava con
tra o Governo todas as forças pOlíticas tradicionais, então do
minantes no Congresso Nacional." (IANNI, op.cit., p.214.)
Após a revolução de 1964, o Governo Castelo Branco também
sustentou a opinião de que o .- .. " processo reformista da questão a-
grária era priorit~rio. O PAEG, no capítulo referente ã agricu!
tura, reconhece ser este um setor em atraso, provocando crises
de abastecimento e incompatível com o crescimento da economia c~
mo um todo. Em novembro de 1964 o Governo Castelo Branco pro-
mulga o "Estatuto da Terra", embora nos anos posteriores a 1964
pouco tenha sido feito no sentido de efetivamente mudar as con
dições da agricultura brasileira.
As mudanças ocorridas na agricultura incidem na sua base ma
terial, como por exemplo: a expansão da fronteira agrícola e a
incorporação de novas áreas ac- processo produtivo; o aprovei ta
mento de algumas áreas via mudanças da técnica produtiva; a di
versificação ou especialização da produção, com a introd~ção de
novas atividades (de cultivo ou criação), e a concentração ou
,fracionamento da terra. Essas modificações, por sua vez, geram
movimentos populacionais, novas formas de organização da produ
ção e da comercialização (capitalistas e não-capitalistas), di
ferentes relações de trabalho, etc., que orientam o processo de
- 68 -
desenvolvimento na agricultura.
A agricultura também tem atuado como fonte de financiamen
to para a expansao de outros setores da economia, através da
produção orientada prioritariamente para a exportação. Entretan
to, para a consecução desse objetivo a produção tem que concor
rer nos mercados internacionais, o que exige estruturas de cus
tos competitivas. Isto leva à adoção de estratégias tecnológi
cas semelhantes às dos competidores mais desenvolvidos, que são,
simultaneamente, origem dessas estratégias e fonte de abasteci
mento dos insumos por elas requeridos.
"Devido ã sua interpret3:ção da problemática brasileira e às
forças políticas e econômicas dominantes nesses governos, eles
não podiam avançar no sentido de reformas institucionais que a
fetassem as relações e estruturas de dominação e apropriação vi
gentes." (IANNI, 1977, p.254.)
Quando em 1970 o Governo Médici focaliza a questão agrária,
a preocupação central voltava-se principalmente para o problema
de crédito, preços e assistência técnica. No contexto desse p!
ríodo governamental, a posição oficial orienta-se para 11 o
modelo de desenvolvimento através da expansão. geográfica da f~
teira econômica, em vez das reformas estruturais e tecnológicas
nas áreas já integradas ao sistema." (IANNI, op.cit •• p.254.)
Dentro desse quadro é criado em junho de 1970 o Programa de
Integração Nacional (PIN) , que propunha três linhas de ação:
1. Construção da estrada Transamazônica e de uma estrada na
- 69 -
direção norte-sul, de Cuiabá a Santarém.
2. Assentamento de 70 mil famílias em projetos de coloniz~
çao nas proximidades da estrada Transamazônica até fins de 1974.
3. Execução da primeira fase do Plano Nacional de Irrig~ão,
envolvendo a implantação de aproximadamente 40 mil hectares de
terra irrigada no Nordeste.
·Com o PIN, a colonização oficial assume novas dimensões.
Os motivos que levaram a colonização a se tornar necessária,
sob o ponto de vista do desenvolvimento, estão ligados não só a
urna questão de "destino nacional", mas apoiados pela própria rea
lidade e tendência da agricultura brasileira (VELHO, 1976).
O ponto que desde logo se destaca, segundo Otávio Velho (op.
ci t.), é o da população agrícola excedente, formada à medida em
que a grande propriedade expulsava para além das suas fronteiras
o chamado morador ou colono,e agravada pelas discussões em torno
da Reforma Agrária que se vêm travando desde 1950 e pela aprova
ção do Estatuto do Trabalhador Rural em 1963.
Outro ponto que apóia as discussões a respeito da coloniza
çao é o do fechamento da fronteira agrária no Sul, levantado por
alguns autores e fator de muitos debates.
Um terceiro ponto é representado pelos minifúndios. De modo
geral, a fragmentação da terra pela heran~a e, mais especialmen
te, a valorização da terra em certas regiões, têm levado a meca
nismos de "escape". Estes, nos casos de herança, resumem-se no a-
- 70 -
bandono da propriedade familiar em benefício de um dos herdei
ros, enquanto, sob o aspecto geral, consistem no movimento em
direção à fronteira próxima. No caso acima citado de fechamen
to da fronteira e tendo em vista o estágio de industrialização
do país, que a partir de 1960 já nao permite mais aos grandes
centros urbanos absorver a população rural, tal como haviam fei
to em décadas anteriores, ficam reduzidos quaisquer mecanismos
an tes utilizacDs.
Dentro do novo dinamismo que se imprimiu à colonização o
ficial, que foi acompanhado de uma série de iniciativas de ca
ráter particular e espontâneo, lia Transamazônica foi o princi
pal eixo escolhido para a colonização ofica1 e como tal veio a
s imboli zar uma nova era." (VELHO, op. ci t., p. 210.)
Sem dúvida, a Transamazõnica também representa o marco pa
ra o estudo das novas formas de espaço organizado no setor ru
ral.
- 72 -
1. BASES CONCEITUAIS
S escassa a bibliografia disponível, principalmente'no Bra . ,
S1. , a respeito de espaço agrário. S menos comum ainda
qce discute as bases conceituais da organização espacial.
aquela
Algl:mas experiências estrangeiras, sobretudo a de Israel,
da Espanha e da Itália, têm exercido influência e fornecido sub
sídios para a organização do espaço na América Latina.
Os esforços no sentido de discutir de forma crítica os con
ceitos forâneos formulados em tempos recentes na literatura
disponível e a experiência de alguns países, como Venezuela,Mé-
xico, Chile e Peru, que passa"!"am nos últimos anos por um pro-
cesso de reforma agrária, propiciaram alguns estudos sobre a ma
téria.
Quando se cons ide r 2'. a organi zaç,ão espacial em sentido am
plo, envolvendo os fatores polític'o, econômico, socia'!, cultu!'
ral e físico, as'prim*3iras relações que se estabelecem ligam a
família camponesa aos meios de produção e consumo, assim como
determinam a relação de maior ou menor dependência entre os mem
bros da coletividade.
são três 05 padrões básicos de assentamento no'que se re
fere ã estrutura sócio-econômica:
- 73 -
1. parcelas individuais com serviços cooperativos;
2. cooperativas de produção com unidades familiares de con
sumo;
3. unidades coletivas de produção e consumo.
A escolha do padrão de assentamento,via de regra,é feita
em termos da que melhor se adapta ã realidade do meio agrário.
Na perspectiva que adotamos, esta se torna uma questão crucial,
onde o fator político se coloca ao nível decisório.
, -Alguns pa1ses vem adotando formas mistas de organização,
no que se refere ao padrão de assentamento. Em Israel, por e
xemplo, país que ã época dos primeiros ensaios em planejamen
to para o meio rural já possuía uma longa experiência na colo
nização de novas áreas e no qual os esforços coletivos já con~
tituíam um hábito nacional (WEITZ e ROKACH, 1970), coexistem
diferentes padrões de assentamento. Na América Latina, a gra~
de maioria das experiências utiliza a agrupaçao de parcelas in-
dividuais com serviços cooperativos, em alguns casos deixan-
do em aberto possibilidades de sistemas mais complexos de co-
operativismo.
No que se refere aos padrões espaciais e sociais, a orga
nização se diferencia segundo seus aspectos morfológicos, de
acordo com a disposição das propriedades e unidades familiares
no espaço geográfico.
Dois padrões sao aqui caracterizados, o aglomerado (ou con
- 74 -
centrado) e o disperso (ou solto).
Dentro dessa característica mais geral foram desenvolvidas
classificações mais específicas, algumas baseadas em métodos q~
titativos de medida de densidade, que pouco se aplicam à coloni
zação rural.
A forma pela qual se relacionam os componentes espaciais da
uma organização determina um dos dois padrões espaciais, o a
glomerado ou o disperso.
Os componentes espaciais sao basicamente três:
1. o lote residencial;
2. a parcela agrícola;
3. o centro de serviços.
No padrão disperso a residência situa~se no interior das
parcelas agrícolas, que por sua vez se encontram isoladas umas
das outras. No aglomerado, os lotes residenciais se agrupam
em entidades físicas definidas (vilas ou aldeias agrícolas~ ciI
cundadas pelas parcelas agrícolas. No primeiro caso a ênfase
corresponde ao relacionamento entre a moradia e a área cultiva
da, e no segundo, ao relacionamento do camponês com o
de serviços.
centro
Examinaremos isoladamente cada um dos componentes espaciais
e ainda como estes se relacionam nas aldeias agrícolas, visto
serem eles elementos flmdamentais da organização espacial nas
formas como esta tem sido concebjda.
- 75 -
1. O lote residencial
g considerado como a célula básica para a formação da al
deia agrícola.
Existem dois critérios que norteiam o "desenho" !/ do lote
residencial.
o primeiro considera o lote residencial como um complemen
to da atividade da parcela agrícola, tendo em vista o aproveit,!
mento máximo da mão-de-obra familiar, e o segundo, considera-o
como uma unidade adicional de exploração.
As dimensões e a distribuição variam de acordo com o crité
rio adotado. Os programas considerados como mínimos permitem a
criação de animais domésticos em pequeno número e o cultivo de
determinados produtos agrícolas que complementam a dieta familiar.
O limite máximo do lote residencial é dado, no caso do padrão
espacial aglomerado, pelos custos das instalações de infra-estrutu-
ra.
A habitação propriamente dita apresenta particularidades li
gadas essencialmente às condições de vida do meio rural. A re
lação cozinha-local de refeições é considerada fundamental, já
que em torno dela se desenvolve a maioria das atividades da fa
mília,quando toda ela é mão-de-obra agrícola.
As figuras 1, 2, 3 e 4 apresentam alguns exemplos de lotes
residenciais em diferentes países.
8. O sentido aqui atribuído ao termo "desenho" aproxima-se do espanhol "diseno" ou do italiano "disegno". Não expressa apenas lUTl conjtm.to de linhas e formas, mas a própria concepção espacial.
+
- 76 -
BANANEIRAS
LARANJAIS
CO =.J 10 ao lO
20.00
16.00
8.00
45.00
21.00
Figura 1. Lote residencial, "Plano EI Limón". México.
(Retirada de PEDREGAL, 1968)
- 71 -
epó!;ito d implemento agrícolas
14.00
t
11. 8
30.00
12.9
Figura 2. Lote residencial. "Plano Badajoz". Espanha.
(Retirada de PEDREGAL. 1968)
- 78 -
Hortaliças
r - - - - - - T ; - - - -I I I I I I I I I I I I I
I Pocilga I.L..-----I- Galinheiro
4.00
Depósito ~-----.., I I I I I L _____ -'
34.00
60.00
+
Figura 3. Lote residencial, "Sistema Boconó", Venezuela. (Retirada de PEDREGAL, 1968)
1.5
,.---, I I I I
I I
'C I I ur-I iralO L _____ ....
D Garagem
- 79 -
5.00
D Paiol
:- - - - -- -... ~ --..:...8 ,,-o 00:;....::...--t7': I I I L. ______ ~
40.00
Galieiro
10.00
2.00
Figura 4. Lote residencial, "Moshav", Israel.
(Retirada de PEDREGAL, 1968)
80.00
- 80 -
2. A parcela agrícola
As parcelas agrícolas dependem, em primeira instância, da
organização da produção.
A primeira determinante está no sentido coletivo ou indi
vidual da atividade agrícola. Segue-se, evidentemente, a defi
nição das culturas, da topografia local, das características do
solo, bem como do grau de tecnologia a ser utilizado.
3. O centro de serviços
O centro de serviços é, segundo as várias concepçoes que
dele se fazem, o elemento de integração do setor rural ao pro
cesso de desenvolvimento econômico e social. Tem por finalida-
de o atendimento de serviços básicos, a nível de aldeia
cola, e de serviços mais complexos, na qualidade de centro in-
ter-aldeias.
As atividades básicas do centro de serviços sao agrupadas
em:
a) comunitária (administrativa, cultural e religiosa);
b) comercial;
c) educacional;
d) recreativa;
e) agroindustrial.
O número de famílias a que o centro deve atender e as ca
racterísticas da chamada estrutura rural -- sobre a qual ainda
- 81 -
falaremos -- determinam a maior ou menor complexidade dos ser
viços.
A Figura 5 mostra um exemplo de centro de serviços na Ve
nezuela.
A aldeia agrícola
Como resultado direto do padrão espacial do tipo aglomera
do, a aldeia agrícola é considerada o núcleo básico para a for
mação de comunidades unidas socialmente e de forma adequada pa-
ra manter um nível mínimo necessário de serviços, assim como
para promover assistência técnica e social a determinado número
de famílias que têm suas parcelas agrícolas nas zonas adj acentes.
A área à qual a aldeia atenderá depende dos seguintes fato
res: a distância que a família deve percorrer da residência ao
local de trabalho; os meios de transporte utilizados em cada ca
so e, finalmente, sua própria capacidade. Em cada plano espe
cífico a capacidade da aldeia agrícola será diferente, já que
as distâncias a serem percorridas ,estão condicionadas, por sua
vez, à topografia, às vias de comunica~ão e ao transporte, nao
podendo, por conseguinte, ser consideradas como elemento
tante. Vários estudos apresentam cálculos de distância
de acordo com o meio de transporte.
cons-.. . maxl.ma
o núcleo central das aldeias é formado pelos lotes reside~
ciais e pelo centro de serviços. No que se refere ao "desenho",
este dependerá de alguns a,spectos básicos, tais como adaptação
- 82 -
--- ----- --------------
Figura 5. Centro oe Serviços, \'enezue13.
(Retiraoo Je PEDRLCAL, J968)
o INFANTI
• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • &
• '" ., ., c,
• • • • • • • • • • • • • ., .. • .. •
- 83 -
à topografia, estudo da drenagem e orienta~ão em relação ao mo
vimento do sol e ~os ventos dominantes.
A disposição das parcelas agrícolas varia em decorrência~
fatores naturais, assim como do padrão de assentamento adotado.
Alguns exemplos de aldeias agrícolas sao apresentados nas
figuras 6,7,8,9, 10,11 e 12.
Finalmente, faremos algumas considerações sobre o conceito
de estrutura rural.
Nas propostas de planejamento para o setor rural está sem
pre presente a preocupação de encontrar uma estrutura que per
mita a integração regional e até mesmo naclonal.
A base desse conceito encontra-se numa hierarquização apo!
ada na aldeia agrícola como unidade básica. Um número variáVel
de aldeias se agrupam em torno de um centro de serviços mais com-
plexo que, por sua vez, se relaciona com um centro regional.
Fica assim definido um mínimo de três planos:
a) as aldeias e suas parcelas com os serviços mínimos in
dispensáveis;
b) os centros de serviço mais especializados; e
c) os centros regionais com seus serviços de maior hierar-
quia.
Teoricamente, esta estrutura estabelece para a aldeia uma
- 85 -
Figura 7. Vila tradicional, Israel. *
(Retirada de PEDREGAL, 1968)
* ~ a vila não planejada, de origem bastante antiga, geralmente localizada no topo de colinas, por motivo de clima, saneamento e segurança. As habi tações são ooncentradas, ~ontínuas e sem terreno agregado para cultivos. As parcelas agricultáveis estão a distâncias consideráveis, com solos mais ou menos homogêneos. Devido ao sistema de herança, estas terras foram subdivididas. O desenvolvimento nesta área tende a construir casas na parcela.
- 86 -
Fi gura 8. "Moshav", I s rae 1. * (Retirada de PEDREGAL,1968)
* Planej ados para 70 ou 80 faJ1Úlias, a propriedade da terra é do Estado. Cada colmo recebe uma ~arcela, cujo tamanho deptmde daquilo Sue ele e sua faJlll.lia podem trabalhar. A di visão da terra nao é penni tida, nem a compra de terra adicional. A canercialização da produção e aquisição de ins\DJlOS agrícolas é feita camnitariamente. O padrão ''Moshav'', se adequado do pmto de vista do planejanento, apresen ta inconvenientes quanto ã qualidade do solo, que nem senpre é igual em tooas as parcelas t ã inflexibilida-de do sistema para agregar terras novas e ã fragmentação dos cultivos t embora exista concentração em tennos de cada parcela.
- 87 -
Figura 9. "Moshav multicelular", Israel. * (Retirada de PEDREGAL, 1968)
* As variações intrccuzidas no padrão "Moshav', (Figura 8) pretenderam evitar aIgtDllas das desvantagens nele observadas e criaram o tipo "muI ticelular". Neste ,existe una pequena parcela agregada diretamente ã habitação e o restante compõe blocos de cu1 tivos semelhantes. Entretanto, 1 (ustância clntre estes blocos e as habitações depende da freqUênCla das atividades. Aqui é possivel una agrupação de "Moshavim" (plural de "Moshav"), facilitando a vida co rnmitária e a oferta de serviços.
, 't , t . " t
,~ , t , ,
',' , " " . ': '. " ,
- 88 -
Figura 10. "Kibutz", Israel. * (Retirada de PEDREGAL, 1968)
*. Flmdamenta-se no sentido coletivo de sociedade, que abrange todos os aspectos de vida, ou seja, o social, o ecmânico, o cultural e o educacimal. A terra é de propriedade nacio nal e canunalmente usufruída. As famílias, em tomo de lotr, habitam no centro da área, onde estão o setor residencial (para adultos, crianças em idade escolar e crianças em idade pré-eSCOlar), o refeitório, o clube, e outras instalações canuni tárias.
- 89 -
Figura 11. "Moshav Shi tufi", Israel.·
(Retirada de PEDREGAL,1968)
• Sob o pmto de vista agrícola o "M:>shav Shitufi" assemelhase ao "Kibutz". enbora os parceleiros vivam em casas individuais, can suas famílias ,e sej am livres para dispor de seu orçamento mensal.
- 90 -
• ~ J _._ ~ .....
. ' - .
Figura 12. Aldeia agrícola em projeto de Irrigação,Venezue1a. (Retirada de PEDREGAL, 1968)
- 91 -
concentração mínima de 100 famílias; o centro de serviços inter
mediário, no seu papel de fator de integração social de várias
aldeias, com vantagens econômicas quanto ã prestação dos servi
ços; e a cidade regional, já dotada de pequenas indústrias em
condições de absorver as mudanças ocupacionais que se produzem no
se tor ,lgrícola.
o esquema geral da estrutura rural encontra-se na Figura
13.
- 92 -
-r------.. --- ----,--• I
..---I~-.... -
''big ci ty"
"mediun-size tc.om"
"regional townshipu
"vi 11age-group centre"
"agricu1 tural sett1ements"
Figura 13. Esquema da hierarquia dos centros rurais e· tidades. (Retirado ,-te WEITZ. 1962)
- 93 -
2. ASPECTOS ESPACIAIS NA COLONIZAÇÃO DE TERRAS NO BRASIL
A década de 70 representa o marco para o estudo da coloni-
zaçao no Brasil, no tocante ã consideração dos aspectos
ciais como componentes planejados.
espa-
Com o propósito de caracterizar as bases conceituais e a
prática adotada nas experiências brasileiras de colonização ofi
cial, dois exemplos serão aqui descritos, para que sobre ele se
discuta a organização espacial.
Tomamos os dois casos no universo do Programa de Integração
Nacional (PIN) , onde a colonização é definida como a açao go-
vernamental voltada para a agricultura. O primeiro deles cor
responde ã experiência de assentamento de famílias camponesasem
projetos de colonização ao longo da estrada Transamazônica,con
siderada como o eixo principal das novas propostas de organiza
ção espacial sob a forma "dirigida". O segundo caso foi retira
do do Plano Nacional de Irrigação, mais precisamente da região
que engloba a bacia do Rio são Francisco, atualmente sob a res
ponsabilidade da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São
Francisco-CODEVASF. O "Projeto são Desidério" é colocado como
plano piloto para o desenvolvimento da Bacia do Rio Grande, u-
ma das áreas priori tárias da CDrEVASF.
- 94 -
2.1. Colonização na Transaaazônica
O aodelo espacial adotado na reaião da Transamazônica en
contra-se exposto em várias publicações do Instituto Nacional de
Colonização e Reforaa Agrária-INCRA. do Ministério da Agricultu
ra. óraão responsável pela colonização da região.
"A ordenação. racionalização e equillbrio na organização es
,acial ao longo do trecho inicial da Transamazônica, de Estrei
to a Itaituba, comporta o estabeleciaento de um "Esquema Dire
tor de Organização do Território-ESOOT, o qual, em seu esboço
preliminar, se expressa num sisteaa integrado urbano-rural •••
O referido sistema ficará polarizado em torno das cidades exis
tentes e das nucleações urbanas a serem criadas, que constituem
pontos de impacto, dinamizadores de todos os processos de de
senvolvimento." (MA-INCRA, 197~, p.67.)
Foi estabelecida uma hierarquia para os núcles urbanos,con
sideradas as cidades existentes e suas condições de localização,
equipamentos e serviços.
Para as áreas a serem ocupadas pela colonização dirigida
foram criados os "Módulos de Colonização-MOC".
"A organização do território, em sua linha mestra de plan~
jamento, prevê inicialmente a adoção de duas alternativas:
- Alternativa 1, 'Sistema de Agrovilas'. Caracterizado pe
lo fato de os colonos residire. ea núcleos urbanos e se desloca
rem para trabalhar nos lotes rurais.
- 95 -
- Alternativa 2, 'Sistema de Núcleos Urbanos de Apoio'.
Caracterizado pelo fato de os colonos residirem e trabalharem
nos próprios lotes rurais." (Op. cit., p.67.)
De acordo com o expresso no item anterior, Bases Concei
tuais, a alternativa 1 refere-se ao chamado padrão de assenta-
mento aglomerado, e a alternativa 2,ao de tipo disperso.
Para as duas aI ternati vas foi proposto um "Modelo Teórico
de Organização Espacial de um Módulo de Colonizaçã~' •
.. Antes, porem, de analisarmos cada uma das alternativas em
suas especificidades, são importantes algumas referências ã pr~
posta de "Urbanismo Rural" do arqui teto José Geraldo Camargo
(1973), cuja participação' foi fundamental no chamado "Malelo Teó
ri co" •
O estudo de Camargo teve início em 1956,com a análise das
causas do fracasso dos antigos Núcleos Coloniais Oficiais ~/ e
a constatação de que o "melhor colono havia partido para a cida
de". Assinala o autor, " ••• Estudando como dar no campo os be
nefícios das cidades, chegamos ã conclusão de que deveriam ser
adaptadas ao meio rural as técJúcas urbanísticas utilizadas na
cidade, pois os problemas são os mesmos, diversificados apenas
quanto ã densidade demográfica e às atividades econômicas prin
cipais". (Op. ci t., p. 2.) Essa conclusão leva ao que chamou de
9. Essa antiga colonização aqui referida data de 1938, quando pela primeira vez foi feito um trabalho sistemático em colonização, implantando-se núcleos coloniais e colônias agríCOlas.
- 96 -
"Urbanismo Rural" ou "Planejamento Urbano-Rural", que define co
. . . da adaptação da fécnica e da filosofia do mo o resultado "
Urbanismc Moderno (aplicado BO planejamento das cidades) ao
Planejamc~to do Meio Rural, visando à colonização de novas áre~
('lU ã recolonização de áreas problema." (Op.cit., p.3.)
Deste modo, Camargo situa na " ••• ausência de núcleos ur-
banos adaptados aos problemas rurais ••• " o " .. aI ••• pI'1IlC1p mo-
ti vo do êxodo do homem do camro qualificado e útiL •• " e pro
poe, " ••• para que o homem do campo não fuj a para a cidade ,de
vemos trazer a cidade para o campo, criando núcleos urbano-ru-
rais." (Op.cit., p.S.)
Outro critério utilizado no planejamento do "Urbanismo Ru
ral" é o da distribuição dos habitantes nas unidades habitacio-
, . . g pTeci.so compor a comunidade com famílias oriundas nais. " de diversas regiões do País e, se possível, de origens raciais
e étnicas diferentes. . . . Não é aconselhável trazer um grupo
social por inteiro, já constituído noutro local ••• Um grupo a!
. sim transferido irá trazer seus costumes, vícios e tabus, sendo
muito difícil mudar seu comportamento." (Op.cit., p.6.) Cada
unidade habitacional t erã, portanto, uma população heterogênea ..
A participação da população beneficiada no planejamento,ou
tro critério importante, é assim descrita: "Os planejadores de
vem auscultar os camponeses sobre seus problemas e suas aspira
ções, mas a participação campesina na planificação deve ser re
lativa para não se tornar instrumento de políticas demagógicas."
(Op. ci t., p. 8.)
- 97 ~
Esses sao alguns pontos básicos subjacentes ao "Urbanismo
Rural".
Vejamos agora, separadamente, as características de cadau-
ma das alternativas do MOC.
Alternativa 1 - "Sistema de Agrovilas".
Tendo por base o padrão espacial aglomerado, onde o colono
reside na aldeia agrícola -- chamada na Transamazonica de núcleo
urbano e se desloca para a parcela -- o lote rural --, a hie-
rarquização dos núcleos urbanos atende aos critérios de distân
cia casa-trabalho e casa-escola.
Foram idealizados ttês tipos de núcleos urbanos: a Agrovi
la, a Agrópolis e a Rurópolis, " ••• formando uma hierarquia ur
banística segundo a infra-estrutura social, cultural e econômi
ca e tendo cada qual sua função específica." (CAMARGO, 1973, p.
10. )
No esquema geral, o colono recebe o lote rural "de produ~
çao econômica" e reside nos lotes urbanos das Agrovilas •
A Agrovila " ••• ... e a menor unidade urbana, essencialmente ~
sidencial, para rurícolas e tem por objetivo integrar socialme~
te o meio rural, oferecendo condições sociais às famílias dos
que trabalham no campo, a fim de que possam vi ver em comunida.
des e formar uma sociedade em moldes civilizados." (MA-INCRA,1972 ,
p.67.) g formada por moradias (um lote para & casa e uma pequ~
na horta), escola primária, centro administrativo-social, posto
- 98 -
de saúde, pequeno templo ecumênico, comércio e recreaçao.
A Agrópolis " ••• é um pequeno centro urbano agroindustrial
e administrativo, destinado a dar apoio à integração social no
meio rural. Exerce influência sócio-econômica e administrativa
numa área em que podem estar situadas até 22 Agrovilas." (Op.cit.,
p.67.) Aqui já aparecem uma escola de nível secundário, comér
cio diversificado, cooperativa, armazéns, patrulhas mecanizadas,
oficinas, ambulatório médico-odontológico, serviços de seguran
ça pública, centro telefônico, correio e cemitério.
A Rurópolis " ••• é o centro principal de uma comunidade ru
ral constituída por Agrôpolis e Agrovilas. g a Rurópolis que
completa a integração dos seguintes binômios: rural+urbano, a
gricultura+indústria, produção+consumo, produ~ão+comércio, po
vo+administração pública, trazendo, desta forma, o apoio neces
sário ao desenvolvimento sócio-econômico de sua área de influ-
ência." (Op.cit., p.67.) As Rurópolis têm um raio teórico de
ação de 70 a 140 quilômetros. As atividades públicas e priva
das já sao bem diversificadas.
A Figura 14 mostra o esquema de uma Agrovila. As Agrópolis
e Rurópolis seguem a mesma orientação, só que em maior escala.
A Figura lS apresenta a estrutura rural utilizada na Transamazô
nica.
Alternativa 2 - "Sistema de Núcleos Urbanos de Apoio".
Tem por base o padrão espacial disperso, onde o colono re
side na própria parcela agrícola - lote rural.
- 99 -
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RI~A
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O ~ICO
rrmmJ I I I I I I I I I
ÁREA PARA MURA EXPANSÃO
Figura 14. Agrovi1a de são Jorge, Santarérn, Cuiabá. (Retiraàa Je CAMARGO, 1973)
• • • • • • • • • ., • • .. ., • • • • • • • • • • • • • • ...
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- 100 -
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• ta
..
.,
..
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RP - rurópolis AP - agrópolis· AV - agrovilas
AV
c==J área de produção hortigranjeira
~ área de exploração agropecuária e reserva florestal
Figura 15. Estrutura Rural, Transamazônica. (Retirada de CAMARGO, 1973)
- 101 -
Nessa alternativa os núcleos urbanos servem de apoio~ pa~
celas rurais.
Exis tem dois núcleos dis tin tos dentro do Esquema Diretor: Os
núcleos principais e os núcleos secundários. Eventualmente po
de aparecer uma nova cidade na organização espacial.
o núcleo principal "é o único núcleo de caráter verdadeira
mente urbo-agro-industrial e administrativo previsto no MOC.
Todas as parcelas rurais a ele estão afetas administrativamente,
e sob seu raio de influência." (Op. ci t., p. 77.) O núcleo prin-
cipal abrigará a sede da administração local do INCRA e terá ... a-
reas residenciais, comerciais, administrativas e esportivas, as-
sim como os equipamentos necessários ao seu funcionamento.
O núcleo secundário sao " mininúcleos urbanos, que con-
terão apenas as construções necessárias ao funcionamento de ati
vidades auxiliares." (Op.cit., p.77.) Em cada núcleo secun-
dário haverá técnicos agrícolas, armazéns de produção, armazém
de consumo, escola, posto médicoe assistência social.
A Figura 16 apresenta um croqui de um núcleo principal.
c:=J ~rea verde
f~8:;1 Industria1/ Administrativo
~ Comercial
c=:J Residencial
- 102 -
~ ~
EJ···· ....... ..... . '
o······· : :. :,= : .:: ' ..
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CJ2J:::.:.:::: . :'.~ ::", .. '.
I 1 i
Figura 16. Planta geral de "núcleo principal", A1tamira. (Retirada de INCRA. 1972)
- 103 -
2.2. PROJETO SÃO DESIDSRIO
2.2.1. O Projeto no contexto dos planos do Governo.
A irrigação, como técnica de combate às secas no Nordeste,
semi-árido, tem figurado nos vários planos governamentais, como
a forma de fortalecer a economia nordestina.
A política de irrigação pode ser historicamente reslJllida em
quatro momentos assim definidos: " ••• seus primórdios, locali
zados na 'fase de engenharia'; o diagnóstico do GTDN e a sub
seqUente ação planejadora da SUDENE; a criação do Grupo Executi
vo de Irrigação para o Desenvolvimento Agrícola-GEIDA; e,final
mente, a instituição do PIN e a incorporação da política às di
retrizes e metas dos dois PNDs." (SAMPAIO, 1979, p.73-74.)
Em 1971, quando o GEIDA publicou o Programa Plurianual de
Irrigação, as áreas aptas para o desenvolvimento de projetos de
irrigação foram divididas em quatro regiões. A chamada região
"B", compreendendo, então, a totalidade da bacia do Rio são Fran
cisco (com 607.300 km2) ficou sob a responsabilidade da Compa
nhia de Desenvolvimento do Vale do são Francisco-CODEVASF, que
substituiu as extintas Comissão do Vale do são Francisco-CVSF e
Superintendência do Vale do são Francisco-SUVALE.
A CODEVASF, empresa pública vinculada ao Ministério do In
terior, H ••• coloca a irrigação, ao lado de outras 'estratégias
setoriais' (infra-estrutura econômica, indústria, recursos hu
manos e agropecuária) ,na política .que delineou para a sua área
de atuação ••• H (SAMPAIO, 1979, P .100.)
- 104 -
As "estrat~gias setoriais" associou o órgão aquelas a que • chamou de "estratégias espaciais", e " ••• para maior eficiência
de seus programas de desenvolvimento selecionou 10 áreas priori
tárias onde concentrará recursos e esforços. Essas áreas foram
selecionadas pela sua maior potencialidade de resposta rápida aos
investimentos, e maior possibilidade de atuar como pólos de de
senvolvimento micro-regionais." (CODEVASF.)
As áreas prioritárias são as seguintes:
1. Várzeas inundáveis
2. Bacia leiteira
3. Juazeiro-Petrolina
4. Irecê
5. Rio Grande
6. Rio Corrente
7. Jequitaí
8. Paracatu
9. Jaíba
10. Três Marias
A área prioritária do Rio Grande totaliza 8.000km2, abran
gendo seis municípios do interior da Bahia (Riachão das Neves,
Barreiras, são DeSidério, Angical, Catolândia e Cotegipe), no
vale do Rio Grande (afluente da margem esquerda do Rio são Fran
cisco), Região do Médio São Francisco. A área possuía 83 mil
habitantes, segundo o censo de 1970 da FIBGE.
A CODEVASF prevê a irrigação de 87.000 hectares, tendo já .. três projetos definidos para a area, totalizando 52.363 hectares:
- 105 -
a) Projeto Missões-Jupaguá (36.000 ha) ;
b) Projeto Barreiras (14.363 ha);
c) Projeto são Desidério (2.000ha).
o Projeto são ~esidério é considerado como plano piloto pa
ra o desenvolvimento da Bacia do Rio Grande. Segundo documentos
da CODEVASF, dele colher-se-ão subsídios paTa o aproveitamento
racional e técnico da mesma bacia.
2.2.2. Ãrea e localização.
A área total do Perímetro Irrigado de são Desidério (PISL)
é de 4.471,3 ha, dos quais 2.272,8 ha representam superfície bru
ta irrigável e 2.198,5 ha, sesqueiro, ou não irrigável.
o PISD está localizado no Nordeste do Brasil, na MicTorre
gião homogênea 131 (Chapadões do Alto Rio Grande), a oeste do
Estado da Bahia, no Médio são Francisco, entre as cidades de
são Desidério e Barreiras.
Os limites geográficos do Perrmetro são:
ao norte - Riacho Boa Sorte;
ao sul - Ribeirão de são Desidério;
ao leste - poligonal limite da área;
ao oeste - margem direita co Ri0 Grande.
2.2.3. Características da área anteriores n implantação do
projeto. 101
10. Can base nas pesquisas realizadas pela SWALE-Ministério do Interior. Ver bibliografia.
- 106 -
Em 1970, a área de influência do Projeto possuía a densida
de populacional de 2,08 hab./km2, com uma densidade demoaráfica
rural de 1,53 hab./km2.
A economia regional estava -- como ainda está f\mdada na
agropecuária. A indústria é atividade incipiente na região •
Na área do projeto predominavam ai ..
propriedades com areas
de até 100 ha, como se pode ver no Quadro I.
QUADRO I NOMERO DE PROPRIEDADES POR CLASSES, SEGUNDO AREA
Classes
Municípios (ha)
Até 11 a 100 ha 101 a SOO ha Acima de Total 10 ha 500 ha
Barreiras 172 415 108 26 721
São Desidério . 178 251 39 6 474
Total 350 666 147 32 1195
Fonte: Cadastro do IBRA - 1967.
As propriedades de menos de 100 ha, que em Barreiras repre
sentam 81,4\ das propriedades agrícolas existentes, e em São De
sidério 90,5\, ocupavam 18,7\ ja área total das propriedades em
Barreiras e pouco mais de 50\ em são Desidério.
Na área restrita do projeto havia cerca de 170 proprieda-
des.
As propriedades de maior extensão sao, em geral, formadas
por cerr~o e eram utilizadas para a criação extensiva.
- 107 -
o estudo da SUVALE (1972), baseado no censo de 1960 e em
pesquisa local, informa que mais de 80\ do pessoal ocupado era
constituído pelo proprietário e membros não remunerados da sua
família. As formas de parceria tinham pouca expressão no con
junto das relações de trabalho. As grandes propriedades possuíam
empregados fixos, nem sempre remunerados sob a forma de
rio expresso monetariamente.
salá-
A região caracterizava-se pelo cultivo de lavouras tempo
rárias, destacando-se as culturas de feijão, milho e algodão,
além do arroz, plantado em várzeas, áreas de baixadas e peque
nas áreas irrigadas. A pecuária bovina era, entretanto, o maior
suporte econômico da região.
Os métodos de cultivo empregados eram,em geral,. rudimenta
res, utilizando-se basicamente a força de trabal~o humano, com
o auxílio da enxada e eventualmente de plantadeiras. O uso de
insumos técnicos não tinha expressão na área.
O principal agente de comercialização regional era o cami
nhoneiro, que recebia a produção nas fazendas e a colocava nas
feiras para distribuição final ao consumidor.
2.2.4. Características gerais do P.I.S.D.
Os objetivos
Segundo o Boletim Técnico Informativo da Unidade Distritã
de Barreiras - 2! Diretoria Regional - CODEVASF, o P.I.S.D. tem
por objetivos:
- 108 -
• • • • • • • a) Servir como projeto piloto para o desenvolvimento da a-
• gricul tura irrigada do Vale do Rio Grande, como modelo de estra
• tégia de desenvolvimento regional. • • • b) Contribuir para a produção de alimentos mediante o au-
.mento da produtividade, visando ao consumo local e regional.
• • c) Elevar os níveis de vida da população da área, com o au-
• men to de rendas. • • d) Contribuir para o Programa de Integração Comunitária da • .Região.
• • e) Criar condições de oferta de matéria-prima, para a ins-
• tal ação • de agroindústrias na área.
• • f) Criar, juntamente com o aproveitamento hidroagrícola,
4tmais de 2.000 ha, 2.500 empregos diretos e 2.000 indiretos.
• • • - O Projeto
.. Orienta-se para os pequenos agricultores agrupados em um
~odelo cooperativo. Tem por característica principal o fato de • .ser a terra de propriedade da svoperativa, e os colonos traba-
.lharem em parcelas individuais, com direito ao usofruto da pro
·dução. • • • O processo produtivo, desde a sua programaçao, obtenção de
~inanciamento, abastecimento de insumos, comercialização, etc.,
~ da responsabilidade da cooperativa. Mais especificamente, da • ~ooperativa Agrícola Mista dos Projetos de Irrigação do Médio
• • • • •
- 109 -
são Francisco, Resp. Ltda.-COMESF, criada em 14 de agosto de
1976 em assembléia geral dos 50 primeiros parceleiros implanta
dos.
Da área total do PISD, aquela de irrigação possível foi par
celada em módulos de 5 a 7 ha (de .acordo com a tomada d'água).
Cada família de pequenos produtores, selecionados segundo nor
mas internas da CODEVASF, recebe sua parcela para exploração
de acordo com um plano agrícola de policultura.
A operação do projeto teve início em dezembro de 1975, com
a implantação dos primeiros 17 parceleir~s. Todavia,a maior ê~
fase no assentamento dos beneficiários ocorreu a partir de 1977.
A capacidade dotal do projeto é de 328 famílias~
As ações técnico-adminis trati vas do PISD, P.. operaçao e ma
nutenção das obras de infra-estrutura, assim como o controle do
uso racional dos recursos de água e solo, são de ·.··esponsabilida
d. da CODEVASF, através da Unidade Local de Farreiras, subordi~
nada ã Zi Diretoria Regional, que tem po~ s~de a cidade de Sal
vador, Bahia.
Du área total bruta irrigável, 1.950,8 ha sao irrigados p.,r
gravidade e os 322 ha restantes por aspersão. A água necessmna
à irrigação é obtida por captação no Rmo são Desidério,cuja des
carga mínima, em 90\ de ocorrência, ê de 2.300 m3js.
2.2.5. Características espaciais do PISD.
o padrão básico de assentamento, conforme acima se viu, .. e
- 110 -
representado por parcelas individuais assistidas por serviços
cooperativos.
o padrão espacial adotado é do tipo aglomerado. Cada colo
no recebe sua parcela para exploração agrícola e um lote residen
cial localizado no núcleo habitacional (povoado).
são quatro os núcleos habitacionais, dotados de água,ener
gia e instalações sanitárias, construídos segundo a Figura 17.
Os componentes de cada povoado apresentam-se assim:
a) Povoado de Angico
- 55 residências
2 casas de comércio
b) Povoado dó Tatu
- 90 residências
4 casas de comércio
1 ambulatório
1 grupo escolar
c) Povoado de Baraúna
- 136 residências
8 casas de comércio
1 ambulatório
1 grupo escolar
d) Povoado Boa Sorte
- 45 residências
2 casas de comércio.
- 111 -
" I \
"," /
~ .. / , I ,
" "
" f f I ,
POVOAOO IX) TATU
POVOA!D lli ANGICD
\ .... .... , \ ,
\
sÃO IESIIl1RIO
BARREIRAS
POVOADO BOA SORTE
------ POLI<nw. LIUITE AREA
ESTRADA BARREIRAS-SÃO IESI I1!RI O
FIGURA 17. Localização do Perímetro Irrigado são Desidério.
- 112 -
Não há um esquema de hierarquia definido para o projeto.
Todavia, pode-se observar que os povoados de menor porte sao
vizinhos a São Desidirio e Barreiras. A Figura 18 apresenta o
desenho do Povoado Angico, que contim alguns con~onentes espa
ciais não construídos na região.
Os lotes residenciais permitem o desenvolvimento de uma pe
quena horta para complemento da dieta familiar. Suas dimen
soes mínimas, segundo norma da CODEVASF. são de 20 x 50 metros.
A habitaçio propriamente dita atende aos padrões urbanos e
é lOilstrlJídéJ em alvenaria, segundo o projeto tipo que aparece na
Figura j~:.
- 114 -
-+ ____ 3o_6_o __ ~t~~~~T-2-.-50--+t-
QUARTO COZINHA
QUARTO SALA
........ ' .-~t------:;2~. -,-40~H 5 • 2 O
~ 8.00 f -
~
o LI'I •
ti') r
Figura 19. Casa tipo, Projeto São Desidério (escala 1:100)
- 115 -
3. REVISÃO DOS ASPECTOS ESPACIAIS
A abordagem da questão espacial visa a conhecer os fatores
de organização do espaço, cujos principais aspectos levantamos
no Capítulo lI, e assim detectar o conjunto das determinaçres re
lacionadas com o espaço, sua dinâmica e seus movimentos.
Cumpre ressaltar aqui que nossa análise nao pretende discu
tir nem a colonização dirigida como ocupaçao da fronteira agrí
cola, nem a crescente intervenção do Estado no processo de ex
pansão dessa fronteira no caso da Amazônia, e tampouco avaliar
a política de irrigação para o Nordeste. Não são estes os nos-
b o ° 11/ 1" °d sos o ]et1vos.--- L eV1 ente que, em certos momentos e sob
determinadas condiç~es, ~ impossível isolar aquelas que são ca
racterísticas espaciais do conjunto do processo, sob pena de
cairmos numa interpretação ingênua e incorreta.
Tanto na colonização dIrigida ao longo da Rodovia Transama
zônica, como no Projeto São Desid~rio, o Estado -- no primeiro
caso atrav~s do INCRA, e no segundo, da CODEVASF -- desemp3ilia
um papel essencial na intervenção no espaço e, conseqUentemente,
na sua organização.
Os objetivos do Programa de Integração Nacional, PIN, em
cuja linha de ação se inserem as duas experiências aqui relata-
11. Para um estudo neste sentido, consultar, entre outros, Ianni, 1979; Pacheco, 1979; Sampaio, 1979, e Tavares, 1979. Conferir na Bibliografia.
- 116 -
das, orientavam-se, quando do seu lançamento, para a incorpora
ção de vastas áreas e populações marginalizadas no processo de
desenvolvimento, ao mesmo tempo em que integravam as estratégias
de desenvolvimento do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Centro
Sul, descentralizando e reduzindo os desequilíbrios regionais.
O Estado cria, então, as condições materiais para o assen
tamento de pequenos produtores, para a produção com novas caraE
terísticas na região, através da desapropriação, dos investime~
tos em obras físicas e de programas e projetos que visam a es
tabelecer as diretrizes econômicas e sociais.
Mas o Estado, como já foi dito acima, tem orientado suas
políticas, sobretudo no período pós 1964, de acordo com uma es
tratégia de desenvolvimento dependente, tendo por base o tripé
empresarial estatal, nacional e internacional. A intervenção e!
tatal cumpre uma função de acumulação e de legitimação. Se por
um lado a organização do espaço deve criar as condições para a
reprodução do capital, por outro, é sem dúvida uma forma de le
gitimação.
Interessa-nos, portanto, examinar como se relacionam essas
duas funções, contraditórias por certo, principalmente dentro de
um Estado autoritário, e suas repercussões na organização do
espaço.
A proposta de uma organização ou reorganização espacial di
rigida para os pequenos produtores tem claramente o sentido de
defesa dos interesses dos agricultores sem terra. De fato, o
- 117 -
principal motivo de atração de colonos para a Transamazônica,~
velado em pesquisa de campo realizada na área do Projeto Alta
mira I (CHALOULT, 1972). tem a ver com a posse e o uso da ter-
ra.
Todavia, é difícil compreender certas medidas adotadas tan
to no Projeto Altamira I como no são Desidério em relação ... a
política de desapropriação. As medidas que estão sendo tornadas
para compensar os prejuízos impostos aos primitivos habitantes
das áreas incluídas nos projetos já foram analisadas em alguns
trabalhos. O caso específico de são Desidério foi objeto de
um estudo realizado por estagiários da Universidade Federal de
Minas Gerais vinculados ao Projeto Rondon. 12/
A área restrita do Perímetro Irrigado São Desidério nao e
ra, no quadro econômico da região, nem uma área de grandes pro
priedades nao aproveitadas, nem uma área de minifúndios impro
dutivos.
O Estatuto da Terra (Lei n9 4.504, de 30.11.64, art.25) ,
assim como as "Normas para Se1eção e Assentamento de Parcelei
ros" , da CODEVASF, dão prioridade, na seleção de pretendentes
aos lotes, àqueles que já se encontram no local, quer como pe
quenos proprietários, quer como posseiros, assalariados, par
ceiros ou arrendatários, " ••• não só por um princípio de jus-
tiça e de direito adquirido e assegurado por lei a essas pes-
12. Parte do relatório então elaborado, bem COJllO uma carta de Dau José Brandão, bispo de Propriá, datada de 6 de jtmho de 1976, encontramse reproduzidas no Caderno do CEftS, n9 44 - Salvador, julho-agosto de 1976, sob o título "A situação criada pela implantação do projeto de irrigação são Iesidério".
- 118 -
soas, como pelas vantagens que representam " • • • t re z am as NOl1D8S
... da CODEVASF.( O grifo e nosso ).
Entretanto, nem mesmo essas vantagens tem sioo consideradas.
A julgar pelo relatório dos estagiários da UFMG, o processo de
desapropriação tem sido penoso, criando sérios problemas sociais.
"Dados incontestáveis revelam o método ilegal aplicado pela Co
missão de Avaliação, que realizou os trabalhos ã revelia dos p~
prietários, pagando preço irrisório e provocando tensão social
entre centenas de famílias obrigadas ao êxodo inevitável •••• A
seleção feita com base em níveis de aifabetização, saúde e ida
de excluiu grande parte dos principais interessados: os desapr~
priados." (Op.cit., p.41.) A grande maioria destes não teve
condições sequer para adquirir, com a indenização, outro lote,
rural ou urbano. Muitos se encontram, hoje, numa área seca e
acidentada que sobrou da desapropriação, tendo voltado a utili
zar métodos rudimentares de irrigação que, por sinal, eram por
eles usados na área do projeto antes da sua implantação.
O modo particular pelo qual vêm sendo feitas as desaprcpri!
çoes pelos diferentes órgãos governamentais tem levado a situa
çoes semelhantes.
O relatório dos estagiários da UFMG alerta ainda, na sua
conclusão, para o seguinte: "A forma pela qual a CODEVASF se re
lacionou com a classe camponesa mostra que a participação da p~
pulação foi considerada apenas como um meio de se obter apoio
para o Projeto, sem considerar sua opinião e suas necessidades,
objetivos e desejos. Considerou-se a população como sendo 'ig-
- 119 -
norante', 'incapaz' ••• A produção agropecuária nos anos ante
riores ã desapropriação mostra o contrário. O que se fez -- o
d o b -, d ' 1 d b '" (r... o 1Z em o campones: estru1ram a avoura a po reza. ~.C1t.,
p.S2.)
Se o Estado se legitima através de pOlíticas tipo coloni-
zaçao e irrigação, na realidade também cumpre sua função de
acumulação na defesa dos interesses do capital, seja criando ~
condições materiais para sua reprodução, seja beneficiando as
grandes empresas, no caso da Amazônia, ou aumentando a produção
de gêneros alimentícios, no caso da irrigação.
o modelo de ocupação espacial, no caso da Transamazônica,
propiciou a formação de núcleos de pequenos produtores que pa
recem realmente destinados a se auto-reproduzirem como for~a. de
trabalho para a empresa agropecuária. Em São Desidério, o mo
delo volta-se para a produção de alimentos para o mercado in-
terno.
Pacheco (1979, p.lOS) afirma: "Nos Projetos de Colonização
dirigida, destinados ã formaç~o de propriedades familiares, ob
servamos a tendência a correr num curto espaço de 2 ou 3 gera
ções um processo natural de minifundização, permitindo a forma
ção de um exérci to agrícola de reserva." E ainda: "Dado que a
demanda por força de trabalho agrícola é descontínua ao longo
do ano, a recriação da produção familiar nas áreas de coloniza
çao dirigida atua fornecendo mão-de-obra ã grande propriedade
nos períodos de intensificação das atividades agrícolas. A paL
- 120 -
cela permite ao colono subsistir nos momentos de desemprego sa
zonal. E nos momentos de pico de demanda de mão-de-obra, como
colheita ou formação de pasto, a força de trabalho que se au
to-reproduz nas parcelas é requisitada pela empresa agropecuá
ria instalada na região. Assim, o pequeno produtor, na figura
do colono, além de produzir alimentos na parcela cedida pelo
INCRA, se reproduz como mão-de-obra assalariada a ser requisi-
tada sazonalmente quando as empresas previstas pelo mesmo .. or-
gão se instalarem na região." (Id.ibid., p.105-106.)
o modelo espacial adotado, inflexível e sofisticado (prin
cipalmente no caso da Transamazônica), não se concretizou re
almente em toda a sua extensão. Em ambas as experiências aqui
analisadas, o planejamento físico projetado não se completou na
região. Na Transamazônica, a estrutura nuclear de ocupação nao
se efetivou. As agrópolis e rurópolis não chegaram sequer a
serem construídas. "A infra-estrutura, necessária ao desenvolvi
mento dos projetos, nem sequer chegou a ser efetivamente implan
tada. Os sistemas de saúde, habi tação e educação, quando implan
tados, ficaram muito aquém do planejado." (PACHECO, op.cit., p.
85.)
A falta de apoio estrutural ao pequeno produtor, somada a
uma série de outros fatores, prejudicou seriamente a consolida
çao da pequena produção. Os resultados, evidentemente insatis
fatórios dentro dos objetivos explícitos, têm sido motivo para
que se negue a validade da colonização feita em tais bases.
A colonização dirigida na Transamazônica também tem levado,
- 121 -
através de diferentes mecanismos presentes na dinâmica interna
dos projetos -- entre os quais o que acabamos de referir,a fal
ta de apoio à pequena produção --, a uma diferenciação de clas
ses que permite que um grupo de colonos se encontre num proces
so de acumulação de terras e de capital; outro apenas reproduza
sua força de trabalho; e um terceiro sofra um processo de cres
cente proletarização, abandonando os lotes e chegando ao puro
assalariamento.
Essa questão só pode ser entendida na sua totalidade atra
vés do próprio papel da pequena produção na fronteira agrícola
e dos próprios condicionantes histórico-estruturais de determi
nada realidade social. Não é nosso propósito entrar aqui no
mérito do problema, mas nesse sentido a colonização cumpre a
função de reservatório de terras num primeiro momento, passando
à de reservatório de subsistência e de mão-de-obra, uma vez ocu
pada a região pela produção capitalista.
Na verdade, a colonização tem sido produto de uma política
governamental que não pretende realmente realizar mudanças es
truturais em outras regiões do País. "A política de coloniza
ção dirigida surge assim como alternativa para justificar e le
gitimar a intervenção do Estado na manutenção da estrutura de
apropriação e dominação vigente. g como alternativa conservado
ra, como forma de evitar transformações na estrutura agrária,co
mo 'válvula de escape' para evitar pressoes demográficas e so
ciais em áreas carentes de Reforma Agrária, que a colonização
dirigida tem sido promovida ••• " (PACHECO, op.cit., p.lOl.)
- 122 -
Do ponto de vista da concepçao espacial,o planejamento rí
gido e inflexível tem levado a diferentes problemas. O urbanis
mo rural, como já foi chamado o sofisticado esquema para ocupa
ção da Região Amazônica, mostrou-se inadequado às circunstâncias
e às próprias condições de vida do colono.
Analisando as condições de acei tação, por parte dos colonos,
do planejamento urbano-rural, Chaloult (1972) constatou que:
li ••• do grupo de agricultores que residem ~ lotes, todos afir
mam que gostam do lugar de residência; do grupo de agricultores
que residem no sistema de agrovilas, aproximadamente 54\ afirma
ram que não gostam do lugar de residência." (Op.cit., p.58.)
Pesquisa mais recente, de 1979 precisamente, realizada por
Chaloult ~/ na mesma região analisada em 1972, mostrou que as
agrovilas se encontram bastante abandonadas.
Os principais motivos de rejeição ao lote residencial estão
centrados na impossibilidade de o colono ficar perto do traba
lho e de não poder ter criações nas agrovilas. (CHALOULT, op.cit.)
"Essas colocações indicam que certos condicionantes infra
estruturais estão entravando o processo de aceitação do plane
jamento urbano-rural. g provável que um desses condicionantes
seja a distância que os agricultores percorrem para chegar aos
lotes transversais, uma vez que a maioria das estradas vicinais
não estão construídas. O acesso aos lotes é feito através de
13. Tivemos acesso ao material copilado para a pesquisa e que ainda se encontra em fase de sistematização.
- l2J -
'picadas' na floresta. A maioria dos agricultores passam a se
mana no lote, inclusive nessas viagens semanais carregam seus
implementos agrícolas, sementes, produtos alimentícios, em con
dições bem precárias." (Id.ibid., pv58-S9.)
Se na Transamazônica é possível atribuir~se ã distância o
fa~or de rejeição ao lote residencial, no caso de são Desidério
a situação é diferente, uma vez que as próprias parcelas sao
bem menores. Mas neste também é comum o colono passar a semana
no lote de produção, utilizando amiúde como moradia o "galpão"
construído pela CODEVASF para depósito de implementos agrícwas
e sementes.
No nosso entender, a questão é bem mais complexa e envolve
o fator cultural aliado ã falta dos principais atrativos ofere
cidos pelo núcleo urbano, sobretudo escola e assistência médjcao
As propostas de organização espacial tendem também a impoA
de forma acabada a participação social, aleatória e autoritária ü
desconhecendo o comportamento, os hábitos culturais e as 7erda
deiras necessidades da população. Sendo a colonização um pro
cesso dirigido, ao invés de cOútrariar tendências espontâneas
ou quebrar as tradições culturais dos agricultores, deveria uti
lizar-se desses fatores como mei~ de sustentar a organização e~
pacial.
Outro aspecto da questão se refere às relações entre espa
ços consolidados e os espaços cri~dos, organizados. O funciona-
mento do espaço é único, razão pela qual suas relações são for-
- 124 _
tes determinantes. O colono do Projeto.Altamira I geralmente
se desloca até a cidade de Altamira para atender às suas neces
sidades de consumo, alegando sensIveis diferenças entre os pre
ços encontrados na cidade e nos núcleos urbanos. Este desloca
mento, perfeitamente compreensível, é colocado por alguns como
a razão que dificulta o desenvolvimento do comércio local,o que
demonstra não ser possível considerar-se as unidades espaciais
isoladas do todo. Observa-se, no Projeto são Desidério que ,dos
quatro povoados existentes no perímetro irrigado,o que apresen
ta melhores resultados de ocupação é o situado mais próximo da
cidade de Barreiras. Existem, portanto,vínculos e relações im
possíveis de serem cortadas e que devem ser consideradas no pr2
cesso de organização espacial.
No que se refere mais especificamente ao lote residencial
urbano, o sistema prevê que funcione como complemento da produ
ção de subsistência, com a utilização da mão-de-obra da mulher
e dos filhos menores, por meio de hortas e criação de pequenos
animais domésticos. Tanto na Transamazônica como em são Desidé
rio esta proposta pouco se concretizou. Por esse motivo, neste
último·projeto teve início, em fins de 1979, uma campanha de in
centivo às hortas nos lotes residenciais. Todavia, é comum apr~
sença de uma pequena cultura de subsistência dentro da própria
parcela agrícola.
Com relação à habitação propriamente dita, a casa-p~ão
do INCRA tem-se mostrado pouco satisfatória para as condições
climáticas da região. A divisão interna, constante basicamen
te de sala,dois quartos ,banheiro e cozinha, não levou em conta
- 125 -
o tamanho médio da família e seu crescimen~o natural. (COSTA ,
1978.)
No Perímetro Irrigado são Desidério a casa-tipo também a
presenta aspectos negativos no que se refere aos fatore~ climá
ticos. são consideradas quentes, além de não levarem em conta
a insolação e a ventilação. A divisão interna, fundamentada em
padrões ,urbanos, tem feito com que quase todos os colonos, me
diante uma adaptação rústica (utilizando o plástico da irriga
ção e a ma~eira local), retirem do corpo da casa a cozinha. ~
em torno dessa adaptação que gira a vida familiar.
As possibilidades de ampliação futura das moradias têm si
do consideradas nos projetos arquitetônicos. Na prática,porém, •
tais alterações represent~m uma nova obra, complexa e dispendi-
osa.
org_anizaç:_ão espacial, nas suas formas concretas, tem-se
mostradf> rígida e imp·ositiva. Urbanizar o campo como solução pa-
ra reter o homem no meio rural é, no mínimo, uma argumentaç~o
insustentável, uma vez que desloca da questão principal o enfo-
que da problemática agrária. Que opções têm sido propostas .. a
população envolvida nos procesos de organização do espaço?
- 127 -
NUKa foi nosso objetivo apresentar soluções espaciais pa
ra o meio rural. Conscientemente corremos um risco, o de tor
nar a análise abrangente. Este foi necessário, para que de tal
análise emanassem algumas questões fundamentais, no sentido de
um enfoque espacial que ultrapassasse os particularismos pró
prios das análises mais freqUentes do planejamento físico, de
.odo a colocar-nos numa concepção espacial capas de abranaer to
da a problemática social. Procuramos alguns pontos que induzis
sem a repensar a ação no campo espacial.
Convém colocar aqui alaumas preocupações que resultaram do
esforço para entender a or,anização do espaço no meio rural.
Desde o início fomos motivados pela necessidade de recolo=
car o prÕprio papel da arquitetura como processo de criação de
espaços. Ainda que se queira entender a arquitetura como arte,
ela foi gerada e, portanto, sua concretização se insere numa
realidade social que a faz aparecer precisamente com determina
da forma e não com outra.
Da procura de um novo eatendimento para a arquitetura, sur
ge claramente sua essência, o espaço.
o espaço é uma acumulação de tempos, resultado de articula
ções e relações de fatores que o organizam. Deste modo, só com
preendendo a formação desses espaços é que podemos orientar uma
- 128 -
interpretação no sentido da questão espacial.
A organização espacial, que não é um fato novo, tem-se ~
tituído numa forma de dominação do espaço e, em conseqUência, a
política espacial vem recebendo um tratamento diferenciado, com ,
vistas a atin9ir determinados objetivos.
As políticas espaciais objetivam, a nível das intenções go
vernamentais declaradas, o desenvolvimento nacional global, a
redução das tensões sócio-políticas e a diminuição das chamadas
desigualdades regionais.
Na realidade, porém, elas têm sido muito mais uma forma de
evitar transformações nas estruturas dominantes.
A formação de núcleos habitacionais no meio rural pode afi
gurar-se corno apropriada para a transferência de técnicas agrí
colas e para racionalizar a produção, mas tem sido pouco efeti
va no que respeita ã promoção do homem do meio rural. O plane
jamento físico tem-se constituído muito mais em mecanismo de am
trole da população. A ação espacial, com sua tendência ã verti
calização, impondo normas de c~ma para baixo, dominadora e au
toritária, não pode gerar mudanças nas ati tudes e tendências dos
agricul tores, uma vez que propende para reforçar uma posição pas-
siva e submissa.
A organização espacial para o meio 'rural tem assumido, as
sim, uma posição paternalista, que a aproxima de um conceito a
q~e poderíamos chamar de humanitarista e conciliatório. Não se
tem permitido a participação da população, que assume tão-somente
- 129 -
tun caráter demagógico. A concepção humanista no sentido ,de colocar
o homem, como indivíduo e comunidade, no centro do processo de
desenvolvimento tem sido descaracterizada.
Como esperar que, sem uma participação efetiva dos colonos
na execuçao dos projetos, estes possam levá-los à sua emancipa
ção?
A nosso ver, é importante que nao se estabeleçam planos rí
gidos para a organização espacial. Se novas comunidades se es
tão formando, nao existem tradições comuns, não existe história.
Daí ser vital que se dêem oportunidades para que as tendências
naturais se manifestem.
Finalmente, o espaço só pode ser organizado se forem leva
dos em conta os fatores F01ítiros, econômicos, sociais ,culturais
e físicos. A forma e o uso do espaço estão integrados emtunto
do. Cada forma de organi zação da produção deverá exigi r tuna for
ma espacial específica. Cada realidade social se refletirá no
espaço com uma forma própria.
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