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A “ORTODOXIA” DE ROSA LUXEMBURG.
Soares, Sheila Aparecida Rodrigues.1
RESUMO: O pensamento político de Rosa Luxemburg é comumente classificado de marxista ortodoxo. Outra interpretação porém, pretende mostrar que os escritos de Luxemburg é marcado por uma constante tensão mal resolvida entre um marxismo ortodoxo,carregado de um traço determinista, e uma outra noção de política, aberta às mudanças, às condições objetivas e subjetivas do momento histórico determinado.O trabalho se propõe à verificar tal tensão em seu pensamento, estabelecida pela questão de como conciliar uma teoria do colapso com a defesa da ação espontânea das massas.Esta problemática não deve ser analisada de maneira simplista se levarmos em conta que o pensamento de Rosa Luxemburg fora sempre apoiado no materialismo histórico, na unidade entre teoria e prática.
Palavras chaves: ortodoxia, ação revolucionária, consciência, dialética.
Todo autor é também produto de seu tempo, do contexto histórico, do ambiente
cultural em que está inserido. O entendimento do contexto em que se inseria Rosa
Luxemburg(1870-1919)2enquanto militante revolucionária litigante e de teórica do
marxismo é essencial para uma justa inserção histórica da autora, que vá além das
avaliações de caráter puramente instrumental ou até mesmo no sentido de desqualificação
ou exaltação. Rosa Luxemburg foi considerada por muitos intelectuais de peso como
pensadora e militante à frente de sua época. Isteván Meszáros(2002) afirma que “suas
idéias radicais permaneceram desesperadamente fora de sincronia com sua época,[...] e
mesmo com a nossa.[...] Tragédia de alguém cujo tempo ainda chegou.”(p.362)
1 Mestranda em Ciências Sociais pelo programa de Pós-Graduação da Unesp, campus de Marília.2 Segundo as informações da obra de Ettinger (1986), Rosa Luxemburg nasceu na Polônia em 1870, imigrando em 1898 para a Alemanha, onde se integra à social-democracia mais forte daquele período. As contribuições teóricas de Luxemburg abrangem os campos da economia política e ciência política, além de sua vigorosa militância em prol da revolução proletária.Rosa Luxemburg é assinada em 1919, devido às suas idéias e atitudes revolucionárias.
Contrário à esse julgamento feito por Meszáros, expandiu-se principalmente a
partir da década de 20 do século XX, a idéia -de difícil superação- de que as colaborações
teóricas de Rosa Luxemburg estariam ultrapassadas. Segundo Brie (2004) seu
pensamento fora comumente taxado de “marxista ortodoxo”, no sentido dogmático do
termo, devido à sua defesa da teoria do colapso do capitalismo. Seguindo a linha de
raciocínio de Michael Lowy(1989) e Isabel Loureiro (2004), ao analisar a obra de Rosa
Luxemburg, parte-se do princípio de que há na teoria da revolucionária polonesa, uma
“tensão mal resolvida entre a defesa ortodoxa da teoria marxista e uma outra aberta e
inacabada” , de uma política sempre em transformação.
Embora admita-se esse lado “dogmático” de sua teoria, em parte explicado pelas
circunstâncias e limites da época, não se pode negar que Rosa Luxemburg esteve sempre,
fosse em sua teoria ou em suas atitudes, buscando novas soluções para os problemas que
apareciam no curso do desenvolvimento capitalista às organizações de esquerda em geral,
que visavam o objetivo socialista. Suas reflexões sobre as organizações socialistas,
conduzem a uma interpretação emancipadora da luta de classes no fim do século XIX e
início do XX, e ainda hoje, das lutas sociais em voga.
De acordo com Loureiro(2004) a questão da ação revolucionária é o principal fio
condutor nas obras de Luxemburg. Em torno de tal concepção se concentram importantes
questões como das massas, partido, consciência de classe. Esta importância dada por
Luxemburg à ação revolucionária das massas, é sua principal arma contra as críticas e
contra sua própria tendência ao determinismo e ao fatalismo. A teoria de Luxemburg é
marcada pelo pólo determinista e pelo pólo da autonomia, é o que Isabel Loureiro (2004)
chama de “dilemas da ação revolucionária”.
Luxemburg é considerada uma marxista clássica, porém, defende Brie (2004) que
o título não se refere à teoria marxiana em si, mas sim quanto à criação de idéias
inovadoras, que visavam a teoria e a práxis de uma Realpolitik3revolucionária. Apesar de
seu vigor revolucionário e sua competência intelectual terem sido barrados, quando
ainda era jovem, em 1919 devido à sua morte, seu legado contêm premissas que nos
permite identificar, ainda hoje, a criação de germes socialistas na sociedade capitalista.
A inserção de Luxemburg, no complexo contexto da Segunda Internacional é
extremamente difícil, em partes devido à esses pólos contrastantes em seu pensamento.
Além disso surgem diferentes denominações que passam a ser dadas às diversas correntes
que se denominam marxistas, devedoras do método e análise marxiano, desenvolvido por
Marx e Engels.
[...] as diferenciações mostram leituras diversas de posicionamento diante da operacionalidade das análises marxistas em relação à ação política concreta dos seus diferentes leitores.[...] antes de surgirem distinções quanto a questões histórico-teóricas ou epistemológicas, tais diferenças decorreram muito mais das formas de propor o uso operacional, na ação política, dos resultados das análises marxistas.Bastaria retomar a célebre questão do revisionismo (Revisionismus-Debatte) para entender perfeitamente este ponto.(Bertelli,2000p.24.)
Há uma certa dificuldade em se perceber de imediato as significativas diferenças
quanto aos aspectos histórico-teóricos. Os embates se davam principalmente no campo
político, porém tal diferenciação existe justamente devido à própria análise histórico-
teórica. Esta tinha como objetivo fundamentar alternativas e estratégias políticas práticas,
deveria apontar a ação a ser operacionalizada.Tais fundamentos teóricos eram essenciais
na intervenção da realidade histórico-concreta em que se encontravam os muitos autores
marxistas. As identidades entre uma concepção e outra eram definidas pela direção que
cada uma delas propunha para ser posta em prática.Todas as correntes que se diziam
3 Termo utilizado por Michael Brie no prefácio da segunda edição do livro “Os dilemas da ação revolucionária”,2004, p.14 de Isabel Loureiro.
devedoras de Marx, buscavam alcançar uma espécie de “marxismo puro”,
“original”,discriminando outros pensamentos como “desvios”, “vulgarização”, “falso
marxismo”. De qualquer forma, cada uma dessas interpretações trouxe alguma
contribuição, histórica-teórica, epistemológica, para a linha teórica geral marxista.
Rosa Luxemburg era polonesa, mudando-se para Alemanha em fins da década de
1890, rapidamente se torna militante do maior partido operário da época o S.P.D. (Partido
Social-Democrata Alemão) e causa polêmica no que ficou conhecido como Berntein-
Debatte, que já estava em curso naquela época. Luxemburg foi uma importante
intelectual, além de militante ativa da revolução proletária, que contribuiu com teorias no
campo da economia política e da política, em que dentre outras coisas refletem sua
posição acerca de como devem ser entendidas e postas em prática as organizações de
massa.
Na época da chamada “crise do marxismo” -que permeou fins do século XIX e
início do XX – em que se colocava a questão do reformismo, da revisão das premissas
marxianas (o Bernstein-Debatte), Rosa Luxemburg juntamente com Lênin formava o
núcleo principal do que Del Roio (2005) denomina de refundação comunista. Este foi o
período mais produtivo e tenso do pensamento produzido na II Internacional. Gerou as
bases teóricas principais para o posterior esfacelamento da organização e divisão do
movimento socialista internacional em: social-democracia (socialistas-democráticos) e
comunismo (socialistas revolucionários), que marcou decisivamente a esquerda em toda a
Europa, e pode-se dizer até em todo o mundo, desde então.
Esta primeira fase da “refundação comunista” consistia em resgatar a dialética
materialista de Marx, em fazer a crítica à fase imperialista do sistema capitalista, em
definir o papel do campesinato no processo revolucionário e por fim discutir a questão da
cisão com o reformismo. O espaço em que ocorreu a refundação comunista do início do
XX, é justamente este complexo e vasto ambiente, isso partindo do ponto de vista do
movimento operário e da história do marxismo. A chamada refundação teórica do
comunismo se estende por diversas linhas que por fim se tornam indissociáveis.
Rosa Luxemburg, até o prelúdio da derrota do sistema de conselhos no curso da
Revolução Alemã, era contrária à cisão do movimento. Defendia que: “A completa
unidade do movimento operário sindical e socialista,[era] indispensável às futuras lutas
de massas na Alemanha[...]” (Luxemburg, 1979,p.74). A autora considerava que as
diferenças entre as vertentes deveriam ser resolvidas no interior do movimento, do
Partido Social-Democrata Alemão, neste caso. Porém, ao perceber a impossibilidade
deste caminho, devido à vinculação das instituições sindical e partidária dos
trabalhadores ao Estado liberal-burguês, passou a enfatizar a centralidade e a importãncia
da organização autônoma e antagônica da classe operária.
A Guerra foi um ponto decisivo para deixar claro as diversas posições
contrastantes na intelectualidade socialista, marxista. Rosa Luxemburg, que já vinha
percebendo os sinais de integração do SPD à ordem vigente, rompe, pelo menos por
enquanto teoricamente, com a direita e o centro do movimento social-democrata, que em
maioria votou a favor dos créditos de Guerra. Este episódio fez Rosa, que era contrária ao
apoio à Guerra, se distanciar definitivamente do teórico oficial do partido Karl Kautsky.
A questão concreta de 1914, a vergonhosa posição tomada pelo Partido Social Democrata
Alemão (S.P.D.), é que se propiciou a ruptura definitiva e o fim de ricos debates internos.
O termo “Marxismo da Segunda Internacional”, segundo Anderucci (1985) surge
nos anos da Primeira Guerra Mundial, período em que as Internacionais são dividas tal
como conhecemos hoje. Era um momento de luta política e ideológica marcada por uma
crise no movimento operário internacional, que sofre tanto continuidades como
rupturas.O termo se refere a um “marxismo ortodoxo”, típico dos dirigentes social-
democratas, distorcido, vulgarizado. Muitos autores foram acusados de traidores do
marxismo, de não-marxistas; e se passa a colocar aspas em torno da palavra marxismo,
significando um pseudo-marxismo, quando referente à II Internacional. A II Internacional
ganhou a fama de ter produzido marxistas vulgares, e marxistas ortodoxos. Outra
expressão surgida nesta época e bastante utilizada para designar o “Marxismo da Segunda
Internacional”, é o termo “kautskismo”, devido ao fato de Kautsky representar o teórico
oficial da “ortodoxia” marxista na Segunda Internacional.
Na época da II Internacional estava em voga o chamado Bernstein-Debatte, e
uma de suas principasi linhas de discussão se referia à questão do colapso do capitalismo,
intrinsicamente ligado ai debate acerca da ortodoxia.Eram três os principais eixos de
raciocínio, que, segundo Bertelli (2000) se constituiam no Bernstein-Debatte em relação
à problemática da teoria do colapso. Primeiro os que aceitavam que as premissas
estabelecidas no esquema de reprodução de Marx sugeriam uma teoria do colapso, porém
não acreditavam que este fosse o caminho trilhado pelo capitalismo, já que as
transformações, especialmente as introduzidas pelos capitalistas, criavam novas formas
de adaptação do sistema, que iriam superar ou adiar indefinidamente um colapso total.
Nessa intrepretação admite-se uma revisão da teoria marxiana, que precisaria ser
completada e atualizada.
Outra posição abrangia a crença de que a teoria marxiana previa e configurava
uma teoria do colapso. Alguns reparos deveriam ser feitos, principalmente no que diz
respeito à questão de que o capitalismo analisado por Marx era puro, abstrato, não
existindo na realidade. Deste ponto de vista analítico, o capitalismo só teria como fim sua
própria ruína, se fosse um capitalismo mundial em estado puro. Como concretamente o
funcionamento do capitalismo tinha outros alicerces, poderia demorar mais do que o
esperado a chegada do colapso. Este, embora necessidade histórica, não estaria ainda na
ordem do dia, principalmente devido aos setores não capitalistas que seriam submetidos à
força pelo capital, e se abririam novos mercados para a apropriação da mais valia. Porém
a chegada do colapso é vista como iminente,já que é descartada a possibilidade de uma
expansão ilimitada e eterna do capitalismo.
Por último havia a idéia de que, ao contrário das opiniões acima, não haveria em
Marx uma teoria do colapso. Estrutural e historicamente o capitalismo não trazia em si os
germes de um colapso. A passagem do sistema capitalista para o socialista só se realizaria
a partir da vontade política da classe operária, que por razões éticas e políticas poderia
encontrar apoio para que a sociedade capitalista fosse superada.
A questão de tais diferenças interpretativas da obra de Marx remetem à dois
pontos da análise marxiana. O ponto metodológico consiste em verificar se Marx se
debruçou em uma realidade existente ou em uma “abstração”, do capitalismo em estado
puro, para a análise da realidade. Surge aqui a questão do método dialético defendido por
Marx , que se baseia relação entre concreto e abstrato, fenômeno e essência. A outra
problemática diz respeito à epistemologia, ou seja, o sentido teórico-prático da
possibilidade de uma intervenção no fenômeno real, histórico, do ponto de vista do
conhecimento.Bertelli afirma que o mais importante não a certeza de uma teoria do
colapso em Marx, mas de lembrar que para ele tratava-se de continuar uma análise
histórica do desenvolvimento da organização social da humanidade, que desse conta dos
problemas enfrentados pela classe operária no curso de sua missão revolucionária.
Marx deu continuidade às análises iniciadas pelos economistas burgueses
clássicos, como Say, Mill, Smith, Ricardo, mostrando como essa tradição explicara o
surgimento e o desenvolvimento do capitalismo. Em sua análise desta linha teórica Marx
demonstrou que a forma de produção capitalista surge historicamente dentro de um
desenvolvimento econômico determinado da humanidade. Este tinha outras formas de
produção hegemônicas, que atendiam às exigências da época, pelo fato de que cumpria,
diferentemente da forma imediatamente anterior de produção, condições e necessidades
que iam sendo colocadas pelo curso dos acontecimentos.
Alguns pensadores, que continuaram na linha de pensamento da economia
clássica, enxergavam a forma capitalista de produção como a forma ideal e definitiva de
produção.É o que se verifica na teoria de Bernstein, que cede à essa idéia. Porém a visão
marxiana, era de que a forma capitalista de produção, assim como as anteriores, era
temporária e poderia ser superada. Marx abalou a estrutura teórica da economia burguesa
com sua crítica da economia política, que parte da historicidade dessa forma de
sociedade, que teve um início, um desenvolvimento, podendo chegar à seu fim. Tendo
em vista este conhecimento torna-se mais claro onde e como a ação consciente dos
homens poderá intervir para superar tal sistema de produção.
A análise da trajetória da social-democracia alemã e da II Internacional à ela
interligada, remete à questão das reais funções de suas instituições, do partido e dos
sindicatos num processo revolucionário que tem por objetivo a emancipação da classe
trabalhadora. A capacidade em desenvolver uma ação revolucionária que respondesse às
novas necessidades que iam sendo postas pela transformação no seio do sistema
capitalista, ao mesmo tempo que não se distanciasse de uma metodologia, que baseada
em Marx, mantivesse sempre a unidade dialética entre teoria e prática, determinaria o
sucesso dessa empreitada.
A configuração histórica do fim do século XIX e início do XX mostrava os
elementos de uma nova fase do capitalismo, o imperialismo, em que o sistema
aparentemente conseguia senão superar, amenizar suas contradições. Porém juntamente
com isso se observa um grande avanço na força e organização do movimento operário
socialista, que em decorrência dessas mudanças se vê diante da questão da necessidade
ou não de uma revisão ou de que tipo de revisão, da teoria que representava seu guia
teórico e prático: o marxismo.
Um equívoco teórico na leitura e interpretação das análises de Marx sobre o
desenvolvimento da sociedade capitalista, levou, segundo Bertelli (2000) a erros
fundamentais na avaliação das reais possibilidades que o modo de produção capitalista
tinha de se reinventar, a fim de concluir sua meta final intrínsica e objetiva de sua razão
de ser, que é a produção de mercadorias. A idéia de que somente a ação política do
proletariado organizado na social-democracia, seria suficiente para a derrubada do modo
capitalista de produção e da sociedade burguesa prevaleceu na social-democracia da
época, que acaba por subestimar a força de resistência e de criação de novos meios de
existência da sociedade capitalista de produção. Era grande a crença, e Rosa Luxemburg
definitivamente não escapa à isso, de que as “leis de bronze” da história, trariam o
colapso inevitável do capitalismo.
A formação da ortodoxia social-democrata alemã.
“[...] dizemos apenas que a luta de classes é uma lei da evolução social. Não somos responsáveis por ela. Não é uma invenção nossa.Limitamo-nos a explicá-la, como Newton explicava a lei da gravidade”Jack-London.
A linha de pensamento expressa por London foi recorrente na cultura socialista da
época da II Internacional. Altrelado à essa idéia evolucionista do processo histórico está a
crença de que o processo da luta de classes seria incontrolável, fruto da necessidade
histórica. Estas concepções, presentes nos escritos marxistas deste período empobreceram
a rica relação dialética entre necessidade e liberdade. O dualismo, diferentemente do
princípio dialético se afasta dos elementos essenciais do “socialismo científico”.
Segundo Korsch4, essa ideologia quebrava a unidade original do marxismo
transformando-a em ideologia da social-democracia alemã, decompondo a totalidade
concreta marxiana em uma série de elementos sem uma complexa e dialética conexão
entre si. A teoria do valor, o materialismo histórico e a teoria da luta de classes se
reduzem a partes de um corpo irreconhecível e não raramente subordinados aos fins
práticos. O revisionismo e a crença na teoria do colapso inevitável do capitalismo são
características importantes dessas distorções. Woltmann5, afirma que não encontra-se
indícios da teoria do colapso do capitalismo nas obras de Marx. Esta concepção, segundo
o autor aparecia apenas em Engels e nos “chamados marxistas”.
Nas últimas duas décadas do século XIX a teoria marxista diante das exigências
práticas do movimento operário, absorvem elementos fatalistas, mecanicistas e
deterministas. Essa forte influência é percebida na “filosofia da práxis” dos partidos
socialistas, dos publicistas da imprensa do partido, dos propagandistas. Nesta mesma
época as obras de Haeckel, Darwin e Spencer foram produzidas em sínteses. A
simplificação cientificista do marxismo pode ser olhada pelo ângulo do contato com esses
autores. A atmosfera dessas obras era muitas vezes aproximada à Marx. As publicações
de Engels, o Anti-Duhring e Do socialismo utópico ao socialismo científico, obtiveram
uma função de sistematização dessas associações, que não eram esperadas por ele.
Engels, no Anti-During, acaba incentivando essa ligação, ao dizer que: “Marx descobriu
as leis do desenvolvimento da história humana, tal como Darwin descobriu as leis de
desenvolvimento da natureza orgânica”(1970). Esse trecho de Engels reflete o espírito
dessa geração.
4 Apesar deste autor também não escapar à tendência determinista.5 Ao intervir no Congresso Social-Democrata Alemão, em Hannover, ano de 1889.
Se desenvolve dentro desse contexto uma ortodoxia marxista no interior do mais
forte partido da II Internacional. No o fim da década de 70 do século XIX o marxismo se
organiza enquanto uma visão política do mundo. A publicação do livro de Engels, o Anti-
During, que configurava a primeira exposição geral e sistemática das teorias marxianas
contribui muito para a formação desta ortodoxia, e ainda: “contribuiu para tornar
acessível a amplos estratos do partido o grandioso mundo do pensamento marxista, até
agora pouco compreendido, e condicionou seus desenvolvimentos
subsequentes”(STEIBERG, 1985)). A partir desta obra é que se forma uma “escola
socialista”, o movimento operário passa a ter um acesso mais fácil à concepção
materialista da história. A ortodoxia marxista se formou em meio a um ambiente
específico, acontecimentos e influências determinadas que interferem na análise do
fenômeno:
A formação de uma ortodoxia marxista e seu vínculo com o movimento operário alemão e internacional tiveram lugar e condições históricas particulares, que devem ser analisadas, se se quer compreender a natureza específica dessa ortodoxia marxista, substancialmente associada ao nome de Kautsky. Condições que são formadas pelo longo período de crise que atravessou a economia capitalista; pela repressão estatal à classe operária ligada à essa crise e que culminou nas leis anti-socialistas; pela influência do livro de Engels o Anti-Dhhring sobre toda uma geração de jovens intelectuais socialistas que por sua vez sofriam o efeito determinante da ciência da época e sobretudo do darwinismo.( STEINBERG, p.1985,p.208)
A ortodoxia que se forma nos quadros do S.P.D. passa a ser o pensamento
dominante de todo o movimento operário, influenciando internacionalmente suas
diretrizes. Segundo Korsch:
Pode-se dizer que o ‘recebimento do marxismo’, aparente e ideológico, mediante a ortodoxia marxista e especialmente o kautskismo, por parte do movimento operário alemão e
internacional dos anos 70, 80 e 90 do século XIX, significou nas condições objetivas e subjetivas de então, efetivamente um enorme progresso para o desenvolvimento da consciência de classe do movimento operário moderno.(KORSCH, s.d.)
Apesar deste grande avanço, no sentido da consciência de classe operária
proporcionado pela difusão das teorias marxistas principalmente após o Anti-Duhring,
para Steinberg(1985) a obra de Engels foi crucial também para o aparecimento de
distorções características do marxismo da Segunda Internacional. Ao fazer referência à
obras das ciências naturais, em especial à teoria da evolução, a fim de confirmar a
validade do materialismo histórico, Engles abre uma brecha para interpretações
positivistas do marxismo. Essas leituras evolucionistas das elaborações marxianas
acrescidas da forte influência do darwininsmo nos jovens intelectuais da época,
resultaram na crença de que o determinismo econômico, que rompe uma síntese dialética
entre relações econômicas e prática política revolucionária, era fundamental na teoria
econômica de Marx. Segundo Gramsci, a fase subalterna em que se encontrava o
movimento operário somado ao encontro cotidiano com o darwinismo deram à filosofia
da práxis um “aroma ideológico imediato”, uma “forma de religião”.
No programa de Erfurt em geral, bem como em diversos escritos de Kautsky, o
que em Marx é presente de maneira tendencial, como princípio dinâmico do capitalismo,
passa a ser entendido como uma “lei histórica” válida universalmente. O princípio
dialético do movimento histórico é distorcido, e a revolução socialista vista como natural,
uma questão de evolução para a qual o proletariado deveria se preparar através da
organização. Essa concepção, que influencia também a revolucionária Rosa Luxemburg
foi decisiva em seus primeiros escritos, e consituiu uma tendência ao longo de suas obras.
Ao pensar a ação que deveria ser seguida, a social-democracia alemã incorporou
muitas vezes esse pensamento determinista e evolucionista afirmando que:
Nossa tarefa não é a de organizar a revolução, mas de nos organizarmos para a revolução; não a de fazer a revolução, mas de nos utilizarmos dela.(LUXEMBURG,1999)
Pode-se perceber então uma complexa desarmonia entre a crítica da economia
política e a ação do movimento social-democrata, que se reflete na análise de questões
fundamentais como a teoria do colapso do capitalismo e a teoria das crises do
capitalismo, ambas intrínsecas à teoria marxiana. A linha de pensamento seguida por
Korsch, entre outros, defendia que estaria no materialismo histórico todas as indicações
sobre as condições necessárias, para que a social-democracia traçasse seu programa
político. Segundo Luxemburg o marxismo servia como prevenção para ilusões e
surpresas.
A teoria marxista pôs nas mãos da classe operária do mundo inteiro uma bússola que lhe permita encontrar o seu caminho no turbilhão dos acontecimentos de cada dia e orientar sua tática de combate em cada hora, na direção do intuito final, imutável. (LUXEMBURG, 1979)
Korsch explica a questão de não ter havido grandes avanços na teoria marxista,
dizendo que:
[...] não porque nós, na luta prática ‘superamos’ Marx, mas ao contrário, porque Marx, na sua criação científica, nos superou de antemão com o partido de luta prático, não porque Marx não baste mais para as nossas necessidades, mas porque as nossas necessidades ainda não são suficientes para o aproveitamento das idéias marxistas.(KORSCH,s.d.)
Tanto a citação de Korsch como a alegação de Luxemburg abrem brechas para
que seja notado o elemento determinista de seus pensamentos. Lênin em sua batalha
teórica contra Kautsky e Plekanôv, afirmava que a direção da social-democracia alemã
fora responsável por ter “envilecido e desnaturado o marxismo”. Defendia ainda que a
diferença entre o legado organizativo da II Internacional em geral e da social-democracia
alemã em particular era a traição por parte dos chefes oportunistas alemães. Kautsky, se
destacava na análise de Lênin por deformar o marxismo, primeiro atenuando e depois
repudiando o caráter revolucionário da teoria marxista. Lênin estabelece três correntes
principais que conviviam no interior da Segunda Internacional: os oportunistas, tanto os
seguidores de Bernstein quanto os independentes dele que seguiam uma política marcada
pelo pragmatismo reformista; a esquerda, com os bolcheviques à frente; e os “ortodoxos”,
que foram pouco a pouco em direção à paralisia, e que tinha Kautsky como figura central.
Incluo também aqui uma nova esquerda, intitulada de New Linke, que se desenvolve
entre 1910 e 1914, tendo Rosa Luxemburg e Panekoek, como principais representantes. É
porém apenas com a polêmica da guerra que essas diferenciações se concretizaram
Para Korsch era evidente a “infidelidade” política da II Internacional à
Realpolitik revolucionária elaborada por Marx e Engels. Esse marxismo difuso muitas
vezes tomava a forma de religião perdendo elementos revolucionários e práticos políticos
por um radicalismo negativo. Gramsci é outro importante teórico marxista que se
pergunta com que mecanismos a filosofia da práxis havia adquirido um caráter
determinista e fatalista. E coloca que:
Quando não se tem a iniciativa na luta e a própria luta acaba por se identificar com uma série de derrotas, o determinismo mecanicista torna-se uma força formidável de resistência moral, de coesão, de paciente e obstinada perseverânça. ‘Fui momentaneamente derrotado, mas a força das coisas trabalham a meu favor, a longo prazo,etc’. A vontade real se traveste num ato de fé, numa certa racionalidade da história.(Gramsci,2004)
O surgimento do movimento social-democrata -que se deu em espaço geográfico
pequeno- e depois seu impressionante crescimento, principalmente na Alemanha, além da
organização da classe operária em sindicatos , eram alguns dos reflexos do ponto de vista
da ação política, desta nova configuração socio-política. Era otimista a crença de que a
classe operária organizada, agora constituindo senão a maioria, uma enorme parte da
sociedade, poderia desempenhar importantes ataques contra o inimigo burguês. Uma
nova situação política se colocava, e apesar do fortalecimento do imperialismo, para o
pensamento oficial e majoritário da II Internacional, eram as “leis objetivas da história”
atuando cada vez mais em prol do surgimento inevitável de uma situação revolucionária,
capaz de “dar”ao proletariado a possibilidade da conquista do poder.
Esse otimismo fora incentivado ainda mais pelas grandes conquistas do partido
social-democrata alemão na época. Havia uma certeza quase inabalável quanto à tal
caminho, pelo menos em relação ao nível político, da superestrutura. Porém era
imprescindível que tal direção se desenrolasse também no campo econômico, da
produção; visto que o capitalismo havia mudado sua forma desde a época da criação do
“socialismo científico”.
O debate se inicia oficialmente com a publicação das premissas de Bernstein, que
ataca exatamente essa ortodoxia presente na maioria dos pensadores social-democratas da
época, que acabavam por vezes caindo num determinismo econômico. As tensões e
divergências, originadas com o Bernstein-Debatte criam polêmicas ainda na
contemporaneidade. Até décadas ou mesmo séculos depois, as grandes linhas de
discussão do Bernstein-Debatte não foram superadas. Na Alemanha, o período do
Bernstein-Debatte fez crescer a subestimação à resistência do regime burguês. No início
dos anos 80 do século XIX, Bebel(1881) escreve à Engels que:
Se- como não há razão para duvidar- as coisas continuarem a se desenvolver nessa direção, considero possível que, em certo momento, as classes dominantes terminem po ser lançadas num estado hipnótico e deixem as coisas seguir seu curso, sem quase opor resistência(...) A condição é que o desenvolvimento possa chegar à plena maturação, sem ser disturbado por incidentes imprevistos e que a explosão não ocorra prematuramente.(IN: WALDENBERG, 1985,p.212)
A “adaptação” da teoria elaborada por Marx e Engels perpassava por essas
contradições em associar o positivismo com o marxismo. Kautsky, no processo de
conhecimento da doutrina marxiana em fins da década de 1870, afirmava ter encontrado
no monismo de Haeckel uma “concepção unitária do mundo”. Kautsky acabava por
inserir a sociedade numa visão de mundo monista, e acreditava que tal concepção ajudava
a solucionar contradições sociais entre dominados e dominadores, entre capitalistas e
trabalhadores e entre trabalhadores braçais e trabalhadores intelectuais. Finalizadas tais
dualidades o “progresso da humanidade” rumaria facilmente para o “objetivo final”, do
“puro comunismo”.
Nem todas es especulações acerca da teoria do colapso do capitalismo produzidas
nesta época tiveram como base os textos de Marx. O pai do socialismo negara sim que o
capitalismo poderia se expandir ilimitadamente, afirmando que a revolução socialista era
necessária. Porém Marx não discorre sobre um colapso econômico determinado.A
revolução ocupava papel fundamental nas concepções de Marx e Engels. Era vista
enquanto problema histórico do desenvolvimento da humanidade, que asseguraria que o
proletariado cumprisse sua missão de superar o capitalismo.
Os jovens intelectuais deste tempo procuravam nas formulações de Marx e
Engels, nas ciência sociais uma concepção geral e unitária do mundo capaz de fornecer
uma “filosofia da história” no sentido exato do termo. Os principais difusores do
chamado “marxismo puro”, que refletiu para toda Europa na década seguinte, nos anos de
1880 foram intelectuais de peso da social-democracia alemã, como Kautsky, Bebel,
Bernstein, etc. Esta teoria superava outras naquele momento por dar conta dos fenômenos
que estavam em voga como a crise econômica, o acirramento da luta de classes e a
função do Estado como instrumento de opressão da classe burguesa. A classe operária
acreditava no fim de sua condição de miséria, e apoiou a ortodoxia marxista.
Nos artigos publicados na New Zeit nos anos 80, percebe-se uma maior influência
das ciências naturais e do darwinismo do que da própria teoria marxiana. O grande
dilema do socialismo internacional centrava-se na questão de que alguns postulados
básicos da ortodoxia marxista firmados no programa de Erfurt, haviam sido determinados
pela experiência da crise capitalista. Quando o capitalismo retoma seu ritmo, aumentando
sua prosperidade, baseado na concentração monopolista, dá provas de que é capaz de
resistir e se integrar. O próspero desenvolvimento capitalista após a crise da década de 90
derruba as esperânças de um colapso num curto espaço de tempo. Essa nova configuração
choca o movimento operário, causando uma grave crise no campo teórico social-
democrata, marcada como “crise do marxismo6”.
Porém conforme iam surgindo novos fenômenos, destacando-se o imperialismo e
suas implicações, ficava claro a incapacidade da corrente ortodoxa em desenvolver um
instrumental de luta política adequado às condições. Este “calcanhar de aquiles” da
ortoxia social-democrata foi o principal ponto atacado pelas críticas das outras correntes
que disputavam influência no partido, os revisionistas pela direita, e a crítica radical pela
6 Todavia, concordando com a visão de Steinberg, acredita-se que a crise se deu mais na linha ortodoxa do marxismo do que nos escritos marxistas em geral.
esquerda. A ortodoxia se enquadra num centrismo estático, e não consegue rebater as
críticas lançadas à seu quietismo e determinismo. Os revisionistas e a a esquerda, cada
um a seu modo, tentam a formulação e aplicação de novas estratégias7 de acordo com as
mudanças ocorridas desde a época de Marx.
Rosa Luxemburg no início de sua atuação na social-democracia alemã, se
posiciona na mesma vertente de Kautsky, ortodoxa, principalmente no sentido da defesa
da teoria do colapso do capitalismo contra o revisionismo de Bernstein. A idéia de
Luxemburg, correspondente à essa corrente era de que o que distingue o marxismo do
reformismo gradualista “é o conceito dum colapso, duma catástrofe social...dum
cataclismo”(1979)
A acumulação terá que deter-se.Já não poderão operar-se a realização e a capitalização da mais-valia...e a isso segue-se inevitavelmente o colapso do capitalismo como necessidade histórica objetiva.(LUXEMBURG,1979)
No texto A acumulação do capital, Luxemburg busca fornecer um fundamento
teórico rigoroso ao argumento do colapso do capitalismo.Rosa não faz muitas referências
sobre as formas concretas de luta do proletariado nesta obra, mas mesmo assim coloca
que os limites da acumulação do capital são limites teóricos que não chegarão a ser
concretizados na realidade, já que a ação consciente das massas, acelerará o processo
revolucionário. Apesar desta afirmação Luxemburg não invalida sua posição de que os
limites puramente econômicos da sociedade capitalista irão impreterivelmente conduzi-la
a uma situação em que independente das massas , entrará em colapso.
Em consequência das suas contradições internas, o capitalismo move-se em direção a uma situação em que entra em desequilíbrio, em que pura e simplesmente se torna inviável...a
7 Como ressalta Waldenberg, o uso do termo “estratégia política” não era comum neste contexto, mesmo ao se referir à uma política à longo prazo, a palavra “tática” era usualmente empregada.
crescente anarquia da economia capitalista conduz inevitavelmente à sua ruína. (LUXEMBURG, 1999, p.70)
Porém, desde a época de Reforma ou Revolução?, é visível a distancia entre seu
pensamento e a estratégia política proposta pelo teórico oficial do S.P.D., traço que se
intensifica posteriormente. A perspectiva fatalista crê que as leis do desenvolvimento
capitalista teriam apenas um desfecho possível, o colapso econômico do capitalismo e a
revolução socialista. A idéia era de que as mesmas leis de bronze da economia que
originariam o colapso do capitalismo, dariam origem também às ações de massa, no
sentido de que apenas a força, a própria dinâmica da história bastariam para solucionar
problemas teóricos e políticos. Tal perspectiva fatalista e economicista não corresponde,
pelo menos não integralmente à concepção de Rosa Luxemburg. Loureiro(2004) afirma
que é importante tal disitinção para o debate do caráter determinista e fatalista na teoria
de Luxemburg. Apesar de fazer parte desta vertente que defende o colapso na medida em
que intrepreta o marxismo como unidade e prática e por dar à consciência de classe papel
central em sua teoria política, afasta-se do determinismo economicista que a rodeia.
Luxemburg, ataca em diversos momentos esse caráter estático da direção social-
democrata. Rosa, principalmente após 1910, critica o modo como Kautsky enxerga o
processo histórico, devido à sua teoria não levar em conta “síntese marxiana do
determinismo econômico e do ativismo político”. Kautsky afirma ainda que a ação
humana no processo revolucionário se torna desnecessária já que a revolução social é
resultado natural das contradições do capitalismo, que será dissolvido por suas próprias
contradições internas. Em Reforma ou Revolução?, Luxemburg afirma que:
[...] o atual procedimento da Social-Democracia não consiste em ficar à espera que os antagonismos do capitalismo se desenvolvam para passar, então, e só então, à tarefa de suprimir.
Pelo contrário, a essência do procedimento revolucionário consiste em guiarmo-nos pela direção que toma esse movimento e uma vez determinada tal orientação em inferir dela consequências necessárias para a luta política.(LUXEMBURG, 1971, p.71)
Apesar de Luxemburg considerar o colapso do capitalismo como uma fatalidade
já prevista por Marx, afirma também que a criação do socialismo precisa de uma luta
política consciente por parte da classe operária. Nesta passagem Rosa Luxemburg aponta
tanto para a infidelidade da teoria revisionista quanto critica a posição da ortodoxia do
S.P.D., trecho em que inclusive distancia sua teoria do quietismo de Kautsky.
Certamente o verdadeiro marxismo está tão longe da superestimação unilateral do Parlamento quanto da concepção mecânica da revolução e da superestimação da assim chamada inssurreição armada.(LUXEMBURG, 1975)
O socialismo carecia de uma base objetiva, as contradições do capitalismo, mas
também da tomada de consciência da classe operária quanto à necessidade da revolução.
Este eixo lógico perdura nos escritos de Rosa. Mesmo em suas obras mais deterministas
Luxemburg afirma que a passagem para o socialismo só se realizaria com o
“conhecimento subjetivo, por parte da classe operária, da inelutabilidade da supressão da
economia capitalista por meio de uma revolução social”.(LUXEMBURG) A revolução
não seria um acontecimento automático, em sua concepção.
Possuir a arma da ciência aparecia ao movimento operário como pré-requisito
natural de sua própria luta pela emancipação. A educação proletária, a tomada de
consciência revolucionária é imprescindível para uma ação bem sucedida do movimento.
Segundo Hermann Gorter:
A social-democracia não dirige apenas uma luta econômica e política. Não. Ela conduz também uma luta de idéias, defende uma concepção de mundo contra as classes proprietárias. O operário que deseja contribuir para a derrota da burguesia e levar sua própria classe ao poder deve superar dentro de sua cabeça(idéias) que foram inculcadas desde a juventude pela igreja e pelo Estado. Não basta que ele se inscreva no partido e no sindicato.(In: ANDREUCCI, 1985,p.45)
A posição de Luxemburg de que a conquista do poder pelo movimento social-
democrata não garantiria que a revolução saísse vitoriosa, foi polêmica no seio do S.P.D.,
colaborando para a marginalização de suas idéias na organização. Rosa enxergava que: “a
revolução é acima de tudo, uma mudança radical profunda nas relações sociais de
classe”. (LUXEMBURG,1991,p.42) A revolução teria a função e a capacidade de
transformar a consciência e assim a atitude das pessoas. O conhecimento da massa quanto
às suas tarefas e caminhos é uma condição histórica para a ação revolucionária.Para
Luxemburg deve ser superada a oposição entre uma minoria de ‘chefes’, que determinam
todo o processo de luta e a maioria, a massa, ‘ignorante’ que obedece. O papel dos
dirigentes social-democratas consiste em esclarecer a massa sobre suas tarefas históricas.
Ao contrário de Kautsky Luxemburg considera que para Marx, o homem de ação
e o homem teórico estão intrinsicamente ligados. Segundo Loureiro(2004) a autora busca,
mesmo no texto de O Capital o aspecto prático, revolucionário de sua doutrina. Para
Rosa, em qualquer que seja a conjuntura é a unidade entre teoria e prática que constitui o
materialismo histórico. O marxismo não existe sem esses elementos, a análise crítica , o
método histórico como teoria; e a “vontade ativa da classe operária”, como elemento da
prática revolucionária. Essa vontade, essa atitude revolucionária, foi na conclusão de
Luxemburg exatamente o que faltou à política oficial do S.P.D.
A teoria de Luxemburg baseava-se, assim como a de Kautsky na crença de uma
tendência histórica inevitável que impunha o crescimento das contradições entre o caráter
social das forças produtivas e as relações capitalistas de propriedade e poder. A visão da
autora era de que:
O socialismo não é de modo algum uma tendência inerente à luta quotidiana da classe trabalhadora; ele é inerente apenas às contradições crescentes da economia capitalista e da compreensão subjetiva da classe trabalhadora acerca da inelutabilidade da supressão da economia por meio de uma transformação social.( LUXEMBURG, 1999)
Apesar da análise de Luxemburg considerar a teoria do colapso do capitalismo e
a inevitabilidade da revolução como premissas verdadeiras, a autora também considera
que a ação do proletariado é imprescindível para desencadear tal processo. A
recionalidade histórica é apenas uma possibilidade teórica sem a ação revolucionária, a
atividade consciente da classe operária é que torna o socialismo uma possibilidade
prática.
O homem não faz a história segundo sua própria vontade, mas, no entanto, faz a história. Nas suas ações, o proletariado está dependente do grau de maturidade que a evolução social atingiu. Mas, mais uma vez, a evolução social não é um fato independente do proletariado; é, igualmente, tanto sua força motriz e sua causa, como o seu produto e seu efeito. E embora não possamos saltar por cima de um período do nosso desenvolvimento histórico tal como um homem não pode voar por cima de sua sombra, está ao nosso alcance acelerar ou retardar esse desenvolvimento...A vitória final do proletariado socialista...nunca se consumará se a chama ardente da vontade consciente das massas não brotar das condições materiais que tiverem sido construídas pelo desenvolvimento precedente. O socialismo não virá como um maná dos céus. Só pode ser ganho por meio de uma longa cadeia de lutas poderosas em que o proletariado, sob a direção da Social-Democracia, aprenda a tomar conta do leme da sociedade para deixar de ser uma
impotente vítima da história e se tornar seu guia consciente. (LUXEMBURG, 1975,p.21-22)
Dessa forma uma significativa diferença entre Rosa Luxemburg e a ortodoxia
social-democrata alemã aparece na importância que a marxista polonesa dá à questão da
consciência e da ação revolucionária das massas. Tais elementos foram constantemente
desprezados no pensamento do marxismo da II Internacional.
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