A paisagem carioca na Primeira República

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM URBANISMO PROURB

A PAISAGEM CARIOCA NA PRIMEIRA REPBLICA O LUGAR DA NATUREZA E A IMAGEM DA CIDADE

Raphael Marconi

Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Urbanismo PROURB da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Orientadora: Prof. Dr. Rachel Coutinho Marques da Silva

Rio de Janeiro, R.J. Agosto de 2003.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM URBANISMO PROURB

A PAISAGEM CARIOCA NA PRIMEIRA REPBLICA O LUGAR DA NATUREZA E A IMAGEM DA CIDADE

Raphael MarconiDissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Urbanismo PROURB, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do grau de Mestre em Urbanismo.

Aprovado por:

______________________________________________ Professora Dr. Rachel Coutinho Marques da Silva (Orientadora - PROURB-FAU/UFRJ)

_______________________________________________ Professora Dr. Lcia Maria S Antunes Costa (PROURB-FAU/UFRJ)

______________________________________________ Professor Dr. Jos Pessa (EAU/UFF)

Rio de Janeiro, R.J. Agosto de 2003

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Marconi, Raphael. A paisagem carioca na primeira repblica o lugar da natureza e a imagem da cidade / Raphael Marconi. Rio de Janeiro: UFRJ/FAU/PROURB, 2003. vii, 121 f.: il.; 30 cm. Dissertao (Mestrado): Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Programa de Ps-Graduao em Urbanismo, 2003. Orientadora:Rachel Coutinho Marques da Silva. 1. Paisagem - Rio de Janeiro (RJ) - 1889-1930. 2. Imagem da Cidade - Rio de Janeiro (RJ) - 1889-1930. 3. Natureza - Rio de Janeiro (RJ) 1889-1930. 4. Paisagem Cultural Rio de Janeiro (RJ) 1889-1930. I. Silva, Rachel Coutinho Marques da. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. III. Ttulo.

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R ESUMOA PAISAGEM CARIOCA NA PRIMEIRA REPBLICA O LUGAR DA NATUREZA E A IMAGEM DA CIDADE

A presente dissertao de mestrado trata do processo de construo cultural da paisagem na cidade do Rio de Janeiro, concentrando-se no perodo da Primeira Repblica (1889-1930). Identifica neste processo o lugar e o papel dos elementos da natureza, e, em que medida a conduo deste processo se relacionou com a imagem da cidade do Rio de Janeiro. Destaca tambm o entrelaamento existente na Cidade do Rio de Janeiro entre sua paisagem, natureza e a imagem da cidade. Em seus trs captulos a dissertao investiga em trajetria cronolgica: 1) Como a cidade se relacionou com os elementos da natureza assim como as diversas vises de natureza que surgiram de tempos em tempos. 2) As diversas imagens emanadas da cidade do Rio de Janeiro e suas conexes com a paisagem da cidade. 3) O prprio processo de construo cultural da paisagem carioca situando a natureza neste processo.

A BSTRACTTHE LANDSCAPE IN RIO DE JANEIRO DURING THE FIRST REPUBLIC (1889-1930) THE ROLE OF NATURE AND THE IMAGE OF THE CITY

This masters degree thesis examines the cultural formation of the landscape of the city of Rio de Janeiro during the First Republic (1889-1930). It identifies in this process the influence and role of physical geographical elements (Nature) and their relationship with the image of the city. It also deals with the continuing link between landscape, nature and the image of the city of Rio de Janeiro. This thesis is organized chronologically in three chapters: Chapter 1 examines how the city related to the physical elements of Nature and the different understanding of Nature that appeared from time to time. Chapter 2 analyses the image of the city through history, how this image was deliberately transformed and how it is intertwined with the physical landscape of the city. Finally, chapter 3 emphasizes the cultural process of landscape formation in the city and the continued role of Nature in its progression.

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S UMRIOLista de Ilustraes Introduo Captulo I - Cidade e Natureza I.1-Tenso e Distenso na relao entre a Cidade e os Elementos Naturais I.1.1-Cidade e Natureza I.1.2-Tenso entre Cidade e Elementos Naturais - A Cidade em Crise I.1.3-A Busca de Distenso entre Cidade e Elementos Naturais I.2-Natureza e Discurso Civilizatrio I.2.1-Vises de Natureza, scs. XIX e incio XX I.2.2-Da Cidade da Medicina Social Cidade dos Engenheiros 6 8 18 19 19 26 31 34 34 39

Captulo II - Imagem e Paisagem II.1- A Trajetria das Imagens II.2- A Imagem da Cidade em Crise II.3- A Construo da Imagem e a Paisagem (Modernidade/Passos/Exposies/ Semana de 22/Os anos 20) Captulo III Paisagem e Natureza III.1-As Intervenes Urbanas e a Paisagem III.1.1-Sculo XIX III.1.2-Incio do Sculo XX (at 1930) III.1.3-Os Urbanistas - Vises de Paisagem e Natureza (Agache e Le Corbusier) III.2- Os cones Paisagsticos (Po-de-Acar, Corcovado e Copacabana) Concluso Referncias Bibliogrficas

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Lista de Ilustraes: (em ordem alfabtica) Av. Beira-mar (Centro e Glria). s/d (estima-se primeira dcada do sculo XX), sem crditos. Fonte secundria: Srgio Garcia. Rio de Janeiro Passado e Presente. Rio de Janeiro. Conexo Cultural. 2000. pp.173. p.22. Av. Beira-mar em Botafogo. Foto: Marc Ferrez. Fonte: Gilberto Ferrez. O Rio Antigo do Fotgrafo Marc Ferrez. So Paulo. Joo Fortes. Ex-Libris.1984. Fonte secundria: Maurcio Maurcio de Abreu. Evoluo Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. IplanRio. 1997. p.64. Avenida Central. 1910. Foto: Marc Ferrez. 1910. Coleo Gilberto Ferrez. Fonte secundria:Jos IncioParente/Patrcia Monte-Mr (org.). Rio de Janeiro: Retratos da Cidade. Rio de Janeiro. Interior Produes. 1994. 174p. p.71.

Avenida Central e Teatro Municipal. 1910. Foto: Marc Ferrez. 1910. Coleo Gilberto Ferrez. Fontesecundria:Jos Incio Parente/Patrcia Monte-Mr (org.). Rio de Janeiro: Retratos da Cidade. Rio de Janeiro. Interior Produes. 1994. 174p. p.70.

Avenida Central, Vista para o Sul . s/d. Foto: Marc Ferrez. Fonte secundria: Anna Maria Fausto Monteiro de Carvalho. A Construo da Imagem da Baa de Guanabara. In: A Paisagem Carioca. Rio de Janeiro. 2000. Prefeitura do Rio. pp.32-55. p.47. Av. do Mangue, 1907, foto: Augusto Malta. Fonte secundria: Anna Maria Fausto Monteiro de Carvalho. A Construo da Imagem da Baa de Guanabara. In: A Paisagem Carioca. Rio de Janeiro. 2000. Prefeitura do Rio. pp.32-55. p.48. Campo de Santana. Foto de Augusto Malta. Cerca de 1910 / Arquivo geral da cidade do Rio de Janeiro. Fonte secundria: Mario Ceniquel. Paisagem e Configurao Espacial no Rio de Janeiro: os Espaos Livres Urbanos no Sculo XIX. In: Revista Paisagem e Ambiente (Ensaios) Nmero 8. So Paulo. Editora FAUUSP. 1995. pp. 233-275. p. 265. Carta Topographica da Cidade de So Sebastio do Rio de Janeiro, 1750 autor: Andr VazFigueira Fonte secundria: Jorge Czajkowski. (org.) Do Cosmgrafo ao Satlite Mapas da Cidade do Rio de Janeiro. Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro. julho 2000. p.52

Cartaz Publicitrio de Companhia de Navegao Area Air France. 1940. Autor: Vasarely 100x 65 cm. Fonte: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Postais Comemorativos da exposio: A Paisagem Carioca. Rio de Janeiro. 2000.

Cdula de 100.000 ris. Waterlow & Sons Limited. Londres, Inglaterra, 1936. 7,5 x 14,5cm. CentroCultural Banco do Brasil. Fonte secundria: Carlos Martins. A Paisagem Aplicada. In: A Paisagem Carioca. Rio de Janeiro. 2000. Prefeitura do Rio. pp.76-81. p.78.

Charge sobre o Rio de Janeiro Fonte: Dom Quixote, n 69, 08/08/1896 - Biblioteca Nacional. Fonte secundria: Maurcio de Abreu. Evoluo Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. IplanRio. 1997. p.61. A Cidade do Rio de Janeiro e os Melhoramentos da Reforma Passos. Autor: annimo. Fontesecundria: FERREIRA DA ROSA, Francisco. Rio de Janeiro. Edio Oficial da Prefeitura, 1905. Impresso a cores sobre papel, 45 X 69 cm. Apud: CZAJKOWSKI, Jorge. (org.) Do Cosmgrafo ao Satlite Mapas da Cidade do Rio de Janeiro. Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro. julho 2000. p.68.

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Construo da Avenida Atlntica. Sem data. Foto: Augusto Malta. 17 x 23cm. Museu da Imagem e doSom. Fonte: Parente, Jos Incio / Monte-Mr, Patrcia (org.). Rio de Janeiro: Retratos da Cidade. Rio de Janeiro. Interior Produes. 1994. 174p. p.79.

A Entrada do Brasil, praa proposta por Agache. 1930. fonte: Editora Foyer Brsilien. Cidade doRio de Janeiro, remodelao, extenso e embelezamento. (Plano Agache), 1930. Fonte secundria: Maria Cristina da Silva Leme. Urbanismo no Brasil 1895 1965. So Paulo. Studio Nobel. FAU/USP. FUPAM. 1999. 600p. p.363.

Po-de-acar visto do Corcovado. Fotografia. Foto de 1908. Autor: Augusto Malta. Fonte:PARENTE, Jos Incio/ Monte-Mr, Patrcia (org.). Rio de Janeiro: Retratos da Cidade. Rio de Janeiro. Interior Produes. 1994. 174p. pp.46-47.

Po-de-Acar visto do Corcovado. Carto Postal. Foto de 1999. Autor: Rodolpho Machado. Perspectiva area do plano de edifcios em lminas curvilneas, Le Corbusier, 1929.Fonte: Donato Mello Jnior. Rio de Janeiro, planos, plantas e aparncias. Rio de Janeiro: Galeria de Artes do Centro Empresarial Rio, 1988. fonte secundria: Maria Cristina da Silva Leme. Urbanismo no Brasil 1895 1965. So Paulo. Studio Nobel. FAU/USP. FUPAM. 1999. 600p. p.419.

Pesca da Baleia na Baa de Guanabara - Pintura atribuda a Leandro Joaquim - Rio de Janeiro - 1795.leo sobre tela, 111 X 139 cm Museu Histrico Nacional Fonte secundria: Margarida de Souza Neves. A Cidade e a Paisagem. In: A Paisagem Carioca. Rio de Janeiro. 2000. Prefeitura do Rio. pp.20-31. p.22.

Revista Militar no Largo do Pao - Pintura atribuda a Leandro Joaquim - Rio de Janeiro - 1795. leosobre tela, 111 X 139 cm Museu Histrico Nacional Fonte secundria: Margarida de Souza Neves. A Cidade e a Paisagem. In: A Paisagem Carioca. Rio de Janeiro. 2000. Prefeitura do Rio. pp.20-31. p.23.

Selos Comemorativos 1 Centenrio da Independncia: A mais bela cidade do mundo, c.1922; coleo Elysio de Oliveira Belchior. Fonte secundria: Margarida de Souza Neves. A Cidade e a Paisagem. In: A Paisagem Carioca. Rio de Janeiro. 2000. Prefeitura do Rio. pp.20-31. pp.30. Vista do Po-de-Acar tomada da estrada do Silvestre - 1827. Pintura atribuda a CharlesLandseer. leo sobre tela, 60,7 X 92 cm Coleo Brasiliana Fundao Rank Packard / Fundao Estudar. Fonte secundria: Margarida de Souza Neves. A Cidade e a Paisagem. In: A Paisagem Carioca. Rio de Janeiro. 2000. Prefeitura do Rio. pp.20-31. p.26.

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Introduo

Esta dissertao tem por objetivo investigar o processo de construo cultural da paisagem carioca e seu entrelaamento com elementos naturais e com a imagem da cidade. Dentro deste processo de construo cultural da paisagem carioca ser investigado em que medida e com qual papel figuraram os elementos naturais. Tambm ser investigada a produo cultural da imagem da cidade e como esta se relaciona e se serve da paisagem impregnada de elementos naturais.

Se pensarmos na cidade do Rio de Janeiro na atualidade nota-se que ela tem como uma de suas principais marcas a sua paisagem. Ao se imaginar a cidade diversas idias que adjetivam a cidade podem vir nossa mente. Certamente no nos faltaro em meio a estas idias resgatadas do imaginrio sobre a cidade inmeras referncias sobre a sua paisagem. Paisagem esta repleta de elementos naturais como as grandes rochas, guas e florestas onde o que feito pelo homem partilha deste mesmo quadro, sugerindo uma singular combinao do natural com o construdo. As imagens emanadas da cidade do Rio de Janeiro se representam muitas vezes por sua paisagem, esta ltima por sua vez muito conta dos elementos naturais. H um verdadeiro entrelaamento entre paisagem, elementos naturais e imagem da cidade.

Para que se entenda este entrelaamento pode-se partir do princpio que ele tenha sido construdo ao longo dos tempos, j que no deva existir relao necessariamente direta entre paisagem, imagem da cidade e natureza (ou elementos naturais). H outros lugares no mundo onde a paisagem pouco diga de elementos da natureza e tampouco a paisagem seja emblemtica em represent-los, como acontece no caso do Rio de Janeiro. Na busca da construo deste entrelaamento h que se fazer uma trajetria na histria, identificar os possveis e/ou provveis pontos de contato entre paisagem, natureza e imagem da cidade antes mesmo de se ensaiar uma anlise mais detalhada de quaisquer destes pontos.

Pode-se comear explorando como a cidade se comporta frente aos elementos naturais: guas, rochas, florestas e mesmo o territrio que lhe serve de suporte. Pois bem, a cidade do Rio de Janeiro nunca pde ser indiferente natureza que a circunda e tom-la como algo menor, ao contrrio: sempre se relacionou com esta natureza de forma intensa. Este dado influiu

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fortemente na cidade, em sua forma, em seu crescimento, na prpria escolha de seu local de fundao, em sua vida cotidiana. A natureza sempre exerceu um papel ambguo na histria da cidade do Rio de Janeiro. de se notar que nos primeiros sculos de sua fundao, nos dois stios de fundao escolhidos, as necessidades de defesa e de acesso a recursos naturais bsicos como a gua potvel era a tnica deste papel. As condies naturais do stio, ao mesmo tempo favoreciam a defesa e dificultavam o acesso gua potvel. Se a beleza do stio era admirada por estrangeiros e reverenciada pelos nativos, seus pntanos no se mostraram propcios ao crescimento urbano e tornaram-se focos de doenas quando de um maior adensamento populacional ao final do sculo XIX. As necessidades de expanso da cidade ao longo de sua histria fizeram com que a cidade lutasse contra seus mangues, pntanos e lagoas, atravs da execuo de sucessivos aterros. O stio imprprio, com funo defensiva, improvisadamente, foi se transformando em cidade porturia e comercial, que, para crescer, soterrou lagunas, brejos, manguezais, esturios, enseadas e ilhas.1 A cidade sempre teve que se afirmar perante a natureza circundante, insistindo em seu crescimento no terreno adverso, superando cada uma das dificuldades impostas pelo meio. Este estado permanente de tenso2 (tomando-se aqui emprestado um termo da fsica) entre cidade e natureza atingiu um dos seus pontos crticos nas ltimas dcadas do sculo XIX, agudizado pelo crescimento populacional significativo durante o momento histrico de ento. A crise sanitria se instala e muitos dos elementos naturais so elencados como participantes dessa crise. Miasmas poderiam exalar das zonas pantanosas, havia uma preocupao com a contaminao dos mananciais e com o destino dos esgotos e at com os prprios morros da cidade que dificultariam a circulao do ar e a disperso dos miasmas, isto para no citar outros exemplos.

Elmo da Silva Amador. Baa de Guanabara: Um Balano Histrico. In: Natureza e Sociedade no Rio de Janeiro. (Rio de Janeiro. Ed. Biblioteca Carioca. 1992.), p. 202. 2 Lcio Costa j usara o mesmo termo tenso para classificar no Rio de Janeiro a relao entre o que natural e o que construdo, seguem-se suas prprias palavras proferidas em 1989: Esta caracterstica urbana do Rio atual o definitivo confronto, essa permanente tenso que, vista do alto do Po-de-Acar ou do Corcovado tem, por vezes uma dramtica beleza: a superposio de dois perfis,- o construdo e o natural. Ver: Lcio Costa. Lcio Costa: registro de uma vivncia. So Paulo: UNB, Empresa das Artes, Fundao Banco do Brasil, 1995. 608 p. p.373.

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O Rio de Janeiro do perodo colonial era o Rio de Janeiro das vielas apertadas e sem calamento, das ruas cheias de escravos3; caractersticas que persistiram quando da passagem para o Imprio, embora o incremento populacional que a cidade sofresse em meados do sculo XIX tivesse incentivado algumas melhorias urbanas esta situao alterou-se pouco, a questo da higiene se agravou com o aumento da populao e da densidade populacional; o Rio passou a ser tambm a cidade das epidemias, evitada por viajantes temerosos em pagar com a prpria vida a aventura de visitar a cidade. Celebrada pelo apodo caixo morturio, a cidade do Rio de Janeiro atravessava, nas ltimas dcadas do sculo XIX, uma das suas mais graves e prolongadas crises ambientais e, diga-se, a bem da verdade, sobretudo no que se refere questo da insalubridade, (...).4 Esta situao da cidade do Rio de Janeiro, ento capital da Repblica, no ia ao encontro de alguns dos interesses nacionais de ento. A recm-implantada Repblica tinha em mente aplicar no pas um projeto modernizante, visava promover a imigrao europia e dar ao Brasil a imagem de um pas civilizado. Uma capital aterrada pelas doenas tropicais e imersa em grave crise sanitria afugentava imigrantes e contribua negativamente para a imagem do pas. O Rio de Janeiro de ento sofria tambm com a obsolescncia das estruturas urbanas, as ruas eram estreitas e a ligao entre as diversas partes da cidade era dificultada por isso, a prpria circulao das mercadorias numa cidade porturia e mercantil era deficiente; esta estrutura estava ainda ligada a um passado Colonial e Imperial que a Primeira Repblica queria fazer esquecer. Cria-se ento o quadro propcio para a interveno dos poderes pblicos na cidade do Rio de Janeiro. O iderio reformista da Primeira Repblica, apoiado nas idias positivistas que circulavam pelo mundo poca, comeou a moldar no Rio de Janeiro uma nova forma urbana, baseada

Jaime Larry Benchimol. Aspectos da Paisagem Material e Social da Cidade. In: Pereira Passos: Um Hausmann Tropical: a Renovao Urbana da Cidade do Rio de Janeiro no incio do Sculo XX. (Rio de Janeiro. 1990. Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes.), p.27. 4 Jorge Luiz Barbosa. Olhos de ver, Ouvidos de Ouvir: Os Ambientes Malsos da Capital da Repblica. In: Natureza e Sociedade no Rio de Janeiro. (Rio de Janeiro. Ed. Biblioteca Carioca. 1992.), p. 318.

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na Paris de Haussmann, era preciso mudar a imagem do Rio de Janeiro e, conseqentemente, sendo a capital do pas: a imagem do Brasil. O pas vive ento sua primeira modernidade.5 A conseqncia a ser pontuada quanto relao entre cidade e elementos naturais deste momento histrico especfico foi a prpria distenso desta relao. A conjugao de interesse poltico, de capital e de recursos tcnicos resolveu, nas reas da cidade escolhidas a expressarem um quadro de modernidade apresentvel ao mundo civilizado, a tenso que existia entre a cidade e seus elementos naturais. guas e esgotos foram canalizados, movimentaes de terra aterraram os pntanos, retificaram o litoral e arrasaram morros. A natureza antes ameaadora pde finalmente ser domada pela cidade e pelo homem. Este quadro abriu caminho para o aparecimento das avenidas litorneas retificadoras do litoral com a conjugao dos elementos naturais (domados, domesticados) na paisagem urbana. O prprio tratamento dado aos ento marcos simblicos e referncias de navegao, respectivamente: Corcovado e Po-de-Acar, que, sob nova perspectiva passaram a ser incorporados como referenciais construdos e apropriados pelo homem, que os conquista pelo meio da tcnica e da cincia e os incorpora paisagem da cidade como elemento conquistado, ordenado.

O quadro existente na cidade do Rio de Janeiro de distenso entre a cidade e seus elementos naturais, liberando os elementos naturais para serem contemplados enquanto paisagem e fruio visual conjugado com a necessidade e com a produo de cenrios modernizantes via produo de paisagens urbanas que provocassem produo de boa imagem da cidade contribuiu para que os elementos naturais pudessem ser incorporados a estes cenrios com forte apelo paisagstico. Neste momento se pactuam cidade e natureza que se relacionam via lgica cnica da paisagem, situao que parece perdurar at os dias atuais. A paisagem da cidade, impregnada dos elementos naturais, situa-se como um dos elementos principais do repertrio imagtico a que lanam mo os promotores da boa imagem da cidade6.

Roberto Segre. Notas de Aula. In: Disciplina Histria e Teoria do Urbanismo (Prourb FAU-UFRJ. 2000.). Entende-se modernidade aqui no como movimento moderno que iria deixar suas marcas no pas principalmente a partir da semana de 22, mas sim como um primeiro movimento expressivo e dirigido para aproximar o pas do dito poca mundo europeu civilizado. 6 Estas constataes do partida a vrias discusses sobre a cidade, inclusive discusses atuais. Poderamos, por exemplo, explorar a questo da aparente contradio que existe entre uma cidade que incorpora todo um patrimnio natural via lgica cnica da paisagem e, nem por isso, (e talvez por isso), no tenha um projeto consistente de manuteno deste patrimnio, visto que a poluio das guas e mesmo o desmatamento continuam em curso. Quando digo manuteno deste patrimnio tomo como referncia a lgica contempornea

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Partindo-se das idias desenvolvidas nos pargrafos anteriores e da premissa de que a paisagem tal como entendida atualmente na cidade do Rio de Janeiro muito tem de seus elementos naturais e a paisagem impregnada destes elementos naturais muito representa a imagem da cidade que ser desenvolvida esta dissertao.

Para se definir melhor os conceitos usados neste trabalho vale destacar o uso do termo paisagem como sendo algo culturalmente construdo, que depende da viso de cada poca sobre a paisagem que ao v-la e dar-lhe interpretao a constri mentalmente. O processo de construo da paisagem a que me refiro aqui no passa necessariamente pela construo fsica e s vezes at mesmo dispensa qualquer interveno no meio fsico, mas do exerccio de pr os olhos sobre a paisagem e constru-la atribuindo-lhe valores.

A despeito disto destaco ao longo da dissertao muitos momentos nos quais houve intervenes fsicas na paisagem. Muitas destas intervenes aconteceram para que se buscasse a materializao de uma paisagem j previamente imaginada. Uma interveno fsica j precedida de uma construo mental de paisagem, paisagem impregnada de valores culturais, notadamente da cultura dominante. Esta construo cultural da paisagem, mais que a prpria produo fsica de paisagem por intervenes no meio fsico a que me interessa tratar aqui.

O termo paisagem ao qual me refiro engloba tanto os elementos naturais existentes quanto os feitos por obra humana. Assim, evito na dissertao fazer uma diviso entre paisagem natural e paisagem construda, ou entre paisagem urbana e paisagem natural, quando esta diviso for feita isto ser destacado no texto.

O material usado para se trabalhar com a paisagem majoritariamente material secundrio, quase sempre textos de outros autores que j trabalharam a paisagem carioca preocupando-se

de manuteno do patrimnio natural, dentro das idias ambientalistas que se difundiram principalmente a partir dos anos 70 do sculo XX. Talvez, dentro da lgica ambientalista atual, fosse impensvel que extensas reas, inclusive reas de mangue, fossem aterradas em nome da retificao do litoral ou mesmo da construo de vias de beira-mar integradas paisagisticamente natureza, como ocorreu, por exemplo, no incio do sculo XX no Rio de Janeiro.

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em contextualiz-la aos valores culturais de poca, entre eles Neves7 e Chiavari8. As iconografias usadas na dissertao so mais ilustrativas e exemplificam passagens do texto, pouca anlise de paisagem feita a partir de iconografias, busco analisar a paisagem principalmente a partir dos textos citados na dissertao.

A conduo da dissertao se dar com o entendimento da paisagem como sendo algo historicamente e culturalmente construdo, para tento este trabalho se apoiar em descries histricas feitas por diversos pesquisadores, e se conduzir principalmente pelas anlises de paisagem e natureza empreendidas por urbanistas, historiadores e gegrafos com uma abordagem culturalistas destes temas. Paralelamente a esta abordagem culturalista algumas consideraes sobre a paisagem desenvolvidas principalmente no captulo III sero feitas sob um suporte terico distinto. Aplicar-se-o para isto conceitos da fenomenologia presentes no trabalho de Norberg-Schulz9 como o de genius loci10 para analisar a fora do stio geogrfico da cidade do Rio de Janeiro como algo supra-cultural e atemporal que atravessa pocas e momentos histricos diversos. Mas a abordagem primordial da paisagem ao longo de todo este trabalho seguir primordialmente a linha dos culturalistas.

Pelo mesmo enfoque da cultura tanto a natureza quanto imagem da cidade buscam ser entendidas de poca para poca. No mbito da natureza ser investigada a relao da cidade com o meio ambiente e com os principais elementos deste meio fsico, tentando-se entender o papel dos elementos naturais para a sociedade de cada uma das pocas em termos de uso e valor, principalmente aqueles elementos naturais que passaram a ser mais importantes na composio da paisagem carioca como as guas, as rochas e as florestas.

O termo imagem da cidade usado neste trabalho se refere a tudo aquilo que se projeta em nossa mente quando nos referimos a um lugar, as idias que emanam de um conceito que foi coletivamente construdo sobre uma cidade. Uma imagem do lugar que no figura ou iconografia, ressalto porm que no persegui os conceitos de imagem derivados da semitica ou da fenomenologia.Margarida de Souza Neves. A Cidade e a Paisagem. In: A Paisagem Carioca. Rio de Janeiro. 2000. Prefeitura do Rio. pp.20-31. 8 Maria Pace Chiavari. Rio de Janeiro: de Paraso a Narciso. In: Machado, Denise B. Pinheiro/ Vasconcellos, Eduardo Mendes (org.) Cidade e Imaginao. Rio de Janeiro. UFRJ/FAU/PROURB. 1996. pp.81-86. 9 Christian Norberg-Schulz. Genius Loci Towards a Phenomenology of Architecture. New York. Rizzoli International Plubications. 1980.7

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O recorte temporal principal escolhido para a dissertao foi o da Primeira Repblica, no qual a paisagem vista sob um novo enfoque na cidade do Rio de Janeiro e a partir do qual os elementos naturais so mais sistematicamente apropriados na construo da paisagem. Esta paisagem passa a ser um dos principais elementos na promoo de uma nova imagem da cidade. Perodos anteriores Primeira Repblica sero trabalhados para que promova uma comparao entre perodos ou mesmo para que se contextualize o recorte temporal principal da dissertao no todo, atravs de uma seqncia histrica que o conecte a perodos anteriores. Conexes com perodos aps a Primeira Repblica sero raras, o trabalho se deter em 1930.

A dissertao se estrutura em trs captulos:

O primeiro captulo da dissertao se intitula Cidade e Natureza. Desenvolve-se discorrendo como cidade e natureza interagiram ao longo da histria. Para isto lancei mo de uma anlise geogrfica da cidade e de seu stio. Diversos trabalhos de gegrafos11 foram usados para este fim. Apresenta-se a constante luta que a cidade trava com seu stio natural desde os primeiros tempos de sua fundao. Utilizo o termo tenso (termo da fsica aqui usado em cincias sociais) para explicar a relao da cidade com o seu meio fsico. Aponto para uma aparente reduo desta tenso no incio do sculo XX, poca em que a paisagem percebida de uma nova maneira surgindo um novo modo de se produzir paisagem na cidade. O primeiro captulo analisa tambm as diversas concepes de natureza que existiam em diversas pocas e como estas concepes influenciaram a relao da cidade com os seus elementos naturais.

O segundo captulo intitulado Imagem e Paisagem faz um resgate histrico das imagens da cidade do Rio de Janeiro ao longo de sua histria, tambm relaciona imagem da cidade e

Ibidem p.05. Maurcio de Abreu. A Cidade, a Montanha e a Floresta. in: Abreu, Maurcio de A. (org.) Natureza e Sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Ed. Biblioteca Carioca. 1992. pp. 54-103. Elmo da Silva Amador. Baa de Guanabara: Um Balano Histrico. In: Abreu, Maurcio de A. (org.) Natureza e Sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Ed. Biblioteca Carioca. 1992. pp. 201-258. Lysia M. C. Bernardes. Evoluo da Paisagem Urbana do Rio de Janeiro at o Incio do sculo XX. In: Abreu, Maurcio de A. (org.) Natureza e Sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Ed. Biblioteca Carioca. 1992. pp. 37-53.11

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paisagem. Destacam-se aqui os trabalhos de Pereira12, Chiavari13 e Neves14. A importncia da cidade e a importncia de sua imagem crescem ao longo da histria, ambas igualmente importantes para o Brasil, visto ser a cidade do Rio de Janeiro sua capital no recorte temporal da Primeira Repblica. Neste captulo mostro como os graves problemas urbanos da cidade na virada do sculo XIX para o sculo XX interferiram na imagem da capital do pas. Alm da crise sanitria a cidade viveu uma crise de imagem. Para se reverter a imagem da cidade mais do que ser saneada a cidade precisou ser embelezada, as intervenes urbanas na paisagem colaboraram para a promoo de uma nova imagem da cidade.

No terceiro captulo intitulado Paisagem e Natureza argumentarei que a paisagem carioca no perodo da Primeira Repblica muito foi moldada em funo de se ter uma boa imagem da cidade. Neste captulo ser abordada novamente a natureza, situando-a nesta nova maneira de se produzir paisagem. A paisagem ser aqui tratada como algo construdo culturalmente dentro de um processo ao longo da Histria. Processo cultural resultado do enfrentamento de idias que pesam de forma diferente quando se direcionam de determinado grupo com mais ou menos poder e representao social. Tratarei da paisagem produzida pela cultura hegemnica nas regies da cidade com maior peso de representao coletiva da imagem da cidade.

Neste terceiro captulo analisarei alguns dos principais projetos de interveno urbana produzidos no perodo da Primeira Repblica. Ser estudado tambm o surgimento de notveis cones paisagsticos cariocas, exemplo disto o Corcovado com a esttua do Cristo Redentor. Estes cones paisagsticos sero tratados neste captulo como sendo tipos de construo de paisagem que incorporam elementos da natureza e ao mesmo tempo representam a imagem da cidade, so verdadeiras snteses imagtico-natural-paisagsticas.

A ttulo de reviso de literatura posso comentar o material bibliogrfico sobre paisagem, natureza e imagem da cidade que se relacionavam cidade do Rio de Janeiro e que foi levantado ao longo da trajetria de pesquisa que levou elaborao deste trabalho:12

Margareth da Silva Pereira. Corpos Escritos Paisagem, Memria e Monumento: vises da Identidade Carioca. In: Ferreira, Glria/ Venncio filho, Paulo (org.) Revista Arte & Ensaio, 2000, n7. Editora UFRJ. pp.99-113. 13 Maria Pace Chiavari. Rio de Janeiro: de Paraso a Narciso.In: Machado, Denise B. Pinheiro/ Vasconcellos, Eduardo Mendes(org.) Cidade e Imaginao. Rio de Janeiro. UFRJ/FAU/PROURB.1996. pp.81-86.

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Posso comear pelos gegrafos, cito principalmente trabalhos daqueles que relacionam cidade e elementos naturais ao longo da histria da cidade, como Abreu15 e Bernardes16. Ainda na geografia temos Damasceno17 que relaciona a cidade do Rio de Janeiro com a sua natureza atentando para os aspectos da salubridade; na histria Heynemann18 que nos mostra uma maneira local peculiar de relao entre a cidade e floresta no sculo XIX, que serviria de base a uma tentativa de forjar-se uma nova civilizao tropical. Do material bibliogrfico sobre imagens da cidade destaco o trabalho de Pereira19 que contextualiza as imagens emanadas da cidade do Rio de Janeiro como advindas de uma matriz maior: a matriz das imagens emanadas do novo mundo. Sigo pelo trabalho de Chiavari20 que situa a natureza na paisagem carioca. Neves21 nos d uma interessante contribuio ao analisar iconografias e ver o quanto a cena natural vai se tornando mais definida e presente nestas iconografias a medida em que se torna mais importante para a cidade.

Diversos autores comentam as intervenes urbanas da poca Passos, alguns situam a natureza nestas intervenes como Benetti22. Algumas das intervenes urbanas propostas por Agache e Corbusier so analisadas por Costa23 e Pereira24, em ambas as anlises so destacados aspectos da paisagem e natureza.

Margarida de Souza Neves. A Cidade e a Paisagem. In: A Paisagem Carioca. Rio de Janeiro. 2000. Prefeitura do Rio. pp.20-31. 15 Maurcio de Abreu. A Cidade, a Montanha e a Floresta. in: Abreu, Maurcio de A. (org.) Natureza e Sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Ed. Biblioteca Carioca. 1992. pp. 54-103. 16 Lysia M. C. BernardesEvoluo da Paisagem Urbana do Rio de Janeiro at o Incio do sculo XX. In: Abreu, Maurcio de A. (org.) Natureza e Sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Ed. Biblioteca Carioca. 1992. pp. 37-53. 17 ngela Nunes Damasceno. Os Miasmas, os Mdicos e a Relao Homem-natureza na Cidade do Rio de Janeiro no Sc. XIX. Dissertao de Mestrado. Programa de Ps-graduao em Geografia UFRJ.1993. 18 Claudia Heynemann. Floresta da Tijuca: Natureza e Civilizao no Rio de Janeiro Sculo XIX. Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Cultura.. Biblioteca Carioca. 1996. 196p. 19 Margareth da Silva Pereira. Corpos Escritos Paisagem, Memria e Monumento: vises da Identidade Carioca. In: Ferreira, Glria/ Venncio filho, Paulo (org.) Revista Arte & Ensaio, 2000, n7. Editora UFRJ. pp.99-113. 20 Maria Pace Chiavari. Rio de Janeiro: de Paraso a Narciso.In: Machado, Denise B. Pinheiro/ Vasconcellos, Eduardo Mendes (org.) Cidade e Imaginao. Rio de Janeiro. UFRJ/FAU/PROURB. 1996. pp.81-86. 21 Margarida de Souza Neves. A Cidade e a Paisagem. In: A Paisagem Carioca. Rio de Janeiro. 2000. Prefeitura do Rio. pp.20-31. 22 Pablo Benetti. Projetos de Avenidas no Rio de Janeiro (1830-1995). Tese de Doutorado-FAU-USP,1997. Cap. II Um Palco para a Sociedade Elegante: A Abertura da Avenida Central. pp.78-130. 23 Lucia M Costa. Paisagem e Cultura: Agache e a Entrada do Brasil. In: Revista Paisagem e Ambiente (Ensaios) Nmero 13. So Paulo. Editora FAU-USP.1997. pp. 147-157.

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A prpria constituio de cones paisagstico aparece nos trabalho de Chiavari25 e Grinberg 26 e sua disseminao em objetos do dia a dia como estampas em cdulas de dinheiro, selos, postais e cartazes publicitrios tratada no trabalho de Martins27.

Margareth da Silva Pereira. Pensando a Metrpole Moderna: Os Planos de Agache e Le Corbusier para o Rio de Janeiro. In: Ribeiro, Luiz Cesar de Queiroz/ Pechman, Robert (org.). Rio de Janeiro. Ed. Civilizao Brasileira. 1996. pp. 363-376. 25 Maria Pace Chiavari. Os cones da Paisagem do Rio de Janeiro: um Reencontro com a Prpria Identidade. In: A Paisagem Carioca. Rio de Janeiro. 2000. Prefeitura do Rio. pp. 56-75. 26 Lcia Grinberg. Repblica Catlica Cristo Redentor. In: Knauss, Paulo et alli (org.) Cidade vaidosa: Imagens Urbanas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Sette Letras. 1999. pp.57-72. 27 Carlos Martins. A Paisagem Aplicada. In: A Paisagem Carioca. Rio de Janeiro. 2000. Prefeitura do Rio. pp.76-81.

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Captulo I - Cidade e Natureza

Este captulo tem o objetivo de analisar a relao existente entre a cidade do Rio de Janeiro e a natureza circundante, tendo como foco o perodo denominado como Primeira Repblica ou Repblica Velha (1889-1930).

Primeiramente ser tratado como a cidade se relacionava com os elementos naturais, notadamente: guas, montanhas, matas e o prprio territrio. Sero destacados os momentos nos quais a relao entre cidade e natureza mais apresentavam conflito, estado este que me referirei aqui como estado de tenso, para tomar emprestado um termo da fsica. Sero destacados tambm outros momentos quando este conflito parece ter tido uma aparente trgua, trato estes momentos chamando-os de momentos de distenso. Estes momentos sero mostrados ao longo da Histria e em paralelo ao processo de evoluo urbana da cidade.

As idias e concepes de natureza existentes poca deste estudo so de fundamental importncia para que se contextualize a relao da cidade do Rio de Janeiro com o seu entorno natural, por isso estas idias sero tambm exploradas neste captulo (item I.2. Natureza e Discurso Civilizatrio).

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I.1.-Tenso e Distenso entre a Cidade e os Elementos naturais

I.1.1-Cidade e Natureza

J na escolha do stio de sua primeira e segunda fundao, a cidade do Rio de Janeiro j tem como sendo um fator determinante nesta escolha os elementos naturais, traduzido na escolha dos prprios stios de assentamento. Este stio deveria ser dotado de determinadas qualidades naturais, qualidades estas que s podem ser entendidas dentro da lgica da fundao de cidades por europeus na Amrica quela poca e, mais ainda, dentro da lgica lusitana de fundar cidades:

..., a primeira deciso fundadora, antes da opo do tipo de traado (que viria a seguir), era a de adequar ao desgnio, ou seja, aos objetivos da misso, a escolha do stio;(...)28.

As guas de fcil penetrao da Baa de Guanabara e uma pequena poro de terra cercada por paredes rochosos atenderam necessidade primeira da fundao da cidade, eminentemente defensiva e que estava includa numa lgica de formao de rede de cidades que criasse condies de desenvolver o carter mercantil que era buscado nas novas terras americanas.

Isso explica porque muitas cidades como o Rio de Janeiro, fundado inicialmente junto ao morro Cara de Co, tiveram a escolha do stio de fundao baseada na necessidade de posse do territrio e de defesa (aos franceses, poca j ocupando o interior da baa) tendo este stio posio estratgica na entrada da baa; protegido naturalmente por costes rochosos, e, ainda, a facilidade de atracamento de barcos, por estar dentro da baa e se tratar de um porto natural.

No devemos esquecer que esta lgica de fundao de cada uma das cidades no novo continente estava inserida numa estratgia mais ampla, que era a de constituio de uma rede de cidades, no s porturias mas tambm vinculadas ao territrio (hinterland):

Nuno Portas. Os Tempos das Formas das Cidades Lusas do Brasil. in: Revista Oceanos, n.41. Janeiro/maro 2000. pp. 162-172. p.164.

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... A lenta conquista de terras inteiramente desconhecidas, onde a posse e a descoberta so praticamente simultneas, geram a necessidade do

estabelecimento de uma rede de povoamento e controle dos ns geogrficos achados. So os pousos mais seguros na terra inspita, porquanto desconhecida, capazes de garantir o j descoberto e permitir futuras incurses.29

Dentro desta estratgia era procurado um territrio adequado fundao de cidade que pudessem compor uma rede de cidades, acidentes naturais que pudessem propiciar portos naturais acabaram por ser importantes na escolha destes locais de fundao de cidades. A natureza refletida nos nomes da maioria dos primeiros assentamentos, So Sebastio do Rio de Janeiro e So Salvador da Bahia de Todos os Santos so exemplos disso, a cidade...adquire o nome do stio condicionador da escolha do assentamento, sinalizando seu papel de marco de reconhecimento do territrio30.

Foram estabelecidos assentamentos junto a...confluncia de baas e linhas de gua de fcil penetrao, prevendo assentamentos de pequena dimenso e de baixa e alta...31.

Exemplo disto so os dois stios de fundao da cidade do Rio de janeiro, o primeiro e o segundo, quando a cidade foi transferida para o morro do Castelo. No segundo stio a lgica de defesa se manteve, porm um pouco arrefecida com a expulso dos franceses e, tendo com a plancie, mesmo que pantanosa, na base do morro, a possibilidade de expanso da cidade.

O carter portugus de fundao de novas cidades, pelo menos at o sculo XVI, conduzia a uma lgica de se produzir uma cidade por partes: os obstculos naturais seriam, nos primeiros tempos de colonizao, os elementos balizadores que poderiam at mesmo dificultar o crescimento das cidades. No momento da fundao da cidade do Rio de Janeiro no se imaginava que aquele pequeno entreposto comercial viesse a se tornar sede do Governo-geral e muito menos a futura capital do Imprio e da Repblica. O Rio de Janeiro, quando de sua fundao, no foi pensado para ser uma cidade que fosse ser expandida sucessivamente, seu prprio crescimento passou a se constituir numa luta constante contra osJos Pessa. Em Tudo Semelhante, em Nada Parecido, Modelos e Modos de Urbanizao na Amrica Portuguesa. . In: Revista Oceanos, n.41. Janeiro/maro 2000. pp. 70-81. p.71. 30 Ibidem p.71. 31 Nuno Portas. Os Tempos das Formas das Cidades Lusas do Brasil. in:29

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obstculos naturais, em sucessivas intervenes onde a natureza teve que ser domada a cada ato de expanso.

O morro do Castelo comportava apenas uma pequena povoao. Quando a cidade comeou a crescer a sua expanso se deu alm do Morro, abaixo em direo plancie. No sculo XVII, o centro econmico j havia descido junto com a cidade. A povoao do Morro se liga plancie por trs ladeiras, ainda juntas ao morro e tortuosas. J nesta primeira expanso da cidade pode-se notar uma interferncia dos elementos naturais no prprio traado das ruas, como ser visto a seguir.

A ocupao da plancie encontra um territrio natural imprprio urbanizao com a presena de brejos e pntanos. O primeiro traado na plancie segue o modelo tradicional das cidades daquela poca: a rua Direita (ou direta) que estrutura o traado regulador acompanhando a linha do cais e com ruas na perpendicular desta via estruturante. No caso do Rio de Janeiro esta rua ligava o morro do Castelo ao de So Bento, diretamente, pelo trajeto mais curto; ela no era nem to reta assim, era ligeiramente sinuosa, ia acompanhando as partes mais altas junto ao mar, seguindo a linha do litoral e se adequando ao terreno, descrevendo um pequeno arco para fugir das partes do terreno mais baixas junto ao mar. Esta rua orientou a lgica de ocupao de toda a plancie, a partir dela foram traadas perpendiculares a ela, mais estreitas por razo de hierarquizao e tambm paralelas a ela; alis, nem to paralelas assim, j que o prprio arco que a rua produzia impedia paralelismos, mas, digamos assim: numa tentativa de alguma regularidade maior de traado, a partir de um traado inicial adaptado ao terreno.

Revista Oceanos, n.41. Janeiro/maro 2000. pp. 162-172. p.164.

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Carta Topographica da Cidade de So Sebastio do Rio de Janeiro, 1750 autor: Andr Vaz Figueira Fonte secundria: Jorge Czajkowski. (org.) Do Cosmgrafo ao Satlite Mapas da Cidade do Rio de Janeiro. Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro. julho 2000. p.52.

Neste mapa da Cidade do Rio de Janeiro, j do sculo XVIII, v-se ainda o traado sinuoso da Rua direita (letra A no mapa) que acompanhava o trecho mais alto junto antiga curva da praia. Nessa data (1750) pequeno aterro j separava a rua Direita do mar.

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A gerao do traado das ruas ao estilo portugus tenta adaptar o traado ao territrio, sendo os elementos naturais do territrio conformadores da prpria cidade. A cidade comea a aterrar os brejos que formam a plancie para formar as ruas que saam das partes mais altas, principalmente as que iam perpendiculares rua Direita para longe da praia (ver mapa anterior). As lagoas comearam a ser drenadas ainda no sculo XVII, a lagoa de Santo Antnio (atual Largo da Carioca), foi drenada por uma canalizao que veio a dar origem rua do Cano (atual Sete de Setembro).

Sobre as ruas traadas na plancie pode-se ainda comentar:

Tambm, a estreiteza das ruas sempre salientada, (...). Vrias tm sido as razes aventadas para isso, seja o interesse pela sombra proporcionada pelas construes que ladeavam as vias, seja a ausncia de veculos, (...) seja a economia de esforos, estas ruas tendo sido abertas custa de penosos trabalhos de aterros, sendo escasso o material e difcil seu transporte, compreende-se que isto fosse feito ao longo de uma faixa, qual se apegavam logo as construes, cujos quintais, por muito tempo, permaneceram alagadios32.

Poderamos acrescentar tambm a existncia de lotes estreitos, os quais maximizavam a ocupao das ruas. A profundidade dos lotes era grande, e as despesas com aterramento posteriores ficariam s custas dos particulares e no dos arruadores. Essa tipologia de parcelamento influenciou a tipologia das construes, dada a estreiteza dos lotes.

Ao longo do sculo XVIII a expanso da cidade continua sobre lagoas e brejos circundantes plancie. A cidade passa a crescer a partir de trs frentes: a oeste, a norte sobre os terrenos de marinha, entre o morro e o mar e a sul, na faixa entra a serra da Carioca e o mar. O macio da Carioca passa a ser um elemento natural que vai orientar o crescimento da cidade, dividindo-a nas suas pores norte e sul. Novamente v-se a cidade espraiando-se limitada e orientada pelo seu peculiar relevo.

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Lysia M. C. Bernardes. Evoluo da Paisagem Urbana do Rio de Janeiro at o Incio do sculo XX. In: Abreu, Maurcio de A. (org.) Natureza e Sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Ed. Biblioteca Carioca. 1992. pp. 37-53. p.40.

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do sculo XVIII a construo do Passeio Pblico, terreno conseguido graas ao aterro parcial de duas lagoas. J no incio deste mesmo sculo a cidade ultrapassa a rua da Vala (atual rua Uruguaiana), vala esta que drenava os terrenos pantanosos existentes entre os morros de Santo Antnio e da Conceio. Nesta fase, com o aumento populacional mais acelerado, a conquista deste novo territrio se deu de forma intensa, diversos melhoramentos urbanos foram feitos com a abertura de ruas e construo de praas. A cidade, no incio do sculo XIX j conseguia ocupar toda a plancie e apresentava mesmo extenses como o Largo do Machado, tambm formado s custas do aterro de uma lagoa.

Outro elemento natural que foi muito caro cidade nos seus quatro primeiros sculos de existncia foi a gua potvel. Logo aps a cidade ter se estabelecido no novo local de assentamento notou-se que os poos perfurados no novo stio ofereciam somente gua salobra, a soluo encontrada para a escassez de gua potvel foi dar aos ndios e escravos negros a tarefa de buscar gua no rio Carioca.

Essa longa caminhada em busca da gua no era apenas incmoda. Do ponto de vista estratgico, ela tambm comprometia a defesa da cidade. Afinal, bastava que o inimigo ocupasse a antiga praia do Sapateiro (Flamengo) para que o Rio de Janeiro fosse conquistado.33

Diante deste fato antiga a idia de se captar a gua do Rio Carioca prximo sua nascente (local de mais fcil defesa) e canaliz-la at a cidade. Em 1720 a gua canalizada chegava at o morro do Desterro (no bairro de Santa Teresa, quela poca fora da cidade) e somente em 1723 no Campo de Santo Antnio (atual Largo da Carioca) jorrou gua dentro da cidade, em um chafariz. Em 1744 foi autorizada construo do novo aqueduto da Carioca, que se mantm at os dias atuais.

A carncia de gua potvel continua a existir ao longo da histria, paralelamente ao espraiamento da cidade pela plancie. Diversas crises de abastecimento de gua se abateram sobre o Rio de Janeiro, principalmente com a presso demogrfica influenciada por fatores

33

Maurcio de Abreu. A Cidade, a Montanha e a Floresta. in: Abreu, Maurcio de A. (org.) Natureza e Sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Ed. Biblioteca Carioca. 1992. pp. 54-103.p.56.

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como o de ter se tornado a capital da Colnia em 1763 e com a chegada da famlia real em 1808.

Entra-se ento no sculo XIX com esse problema ainda por ser resolvido. Com o crescimento demogrfico, novas fontes de captao de gua foram buscadas como o rio Maracan, por exemplo. Em 1817 D. Joo VI decretou a proibio do desmatamento e a desapropriao de uma faixa ao redor do percurso do aqueduto e do percurso do rio Carioca; no entanto secas espordicas agravavam o problema.

Outro agravante foi o fato do macio da Carioca (ou da Tijuca) ter sido tomado por plantaes de caf, o que dizimou muito da mata nativa, contribuindo para a reduo do volume de gua dos rios que nasciam no macio. O Macio tambm era tradicional fornecedor de lenha para a cidade. Em 1861 resolveu-se efetivamente replantar rea de floresta do macio da Tijuca e encarar o problema com mais firmeza, desapropriaes foram feitas e j em 1870 a floresta replantada comeava a mostrar os sinais de sua recuperao, mas os efeitos sobre a recuperao dos mananciais s poderiam se fazer sentir a longo prazo. Somente em 1880, com

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I.1.2- Tenso entre Cidade e Elementos Naturais - A Cidade em Crise

Ao mesmo tempo em que o problema da gua se resolvia, outro fator passou a preocupar os habitantes da cidade principalmente a partir na segunda metade do sculo XIX: a salubridade. Nesta poca a presso demogrfica intensificou-se:

A independncia poltica e o incio do reinado do caf geram, por sua vez, uma nova fase de expanso econmica, resultando da a atrao no decorrer do sculo e em progresso crescente de grande nmero de trabalhadores livres, nacionais e estrangeiros34.

A cidade passa a se expandir mais rapidamente, vendo-se surgir novos bairros, a partir do aparecimento de novos meios de transportes: primeiramente bondes e posteriormente as ferrovias. A cidade, ao final do sculo XIX vive uma verdadeira febre imobiliria. A partir do incio do sculo XX configura-se o crescimento para a direo sul a partir do centro para as classes mais privilegiadas, o litoral norte para os usos sujos e o surgimento dos subrbios ao longo da linha do trem35.

O crescimento populacional acabou por agravar as pssimas condies de saneamento da cidade. Os servios de esgoto eram at ento inexistentes e a coleta dos resduos slidos era tarefa dos escravos denominados tigres: sua funo consistia em jogar os dejetos no mar carregando-os em barris. Os servios de esgotos foram ento concedidos pelo Estado a City Improvements Company, empresa de capital ingls. Esta empresa, nas palavras de Andr Rebouas: ...convertera a baa de Guanabara numa imensa cloaca36.Esta mesma empresa ainda atendia populao discriminando as habitaes coletivas das habitaes dos mais ricos, o que contribua para o agravamento da questo da sade pblica.

Maurcio de Abreu. Evoluo Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. IplanRio. 1997. p.140. 35 Rachel C. M. da Silva Carvalho. The Urban Renewal Plan for Rio de Janeiro under Pereira Passos: 19021906, Dissertao de Mestrado, Cornell University, Ithaca, 1984. 36 Jorge Luiz Barbosa. Olhos de ver, Ouvidos de Ouvir: Os Ambientes Malsos da Capital da Repblica. In: Abreu, Maurcio de A. (org.) Natureza e Sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Ed. Biblioteca Carioca. 1992. pp. 317-329. p.320.

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Neste quadro de insalubridade devido ao sistema sanitrio deficiente, crescimento populacional acelerado e construes com condies precrias de higiene, surgem epidemias, dentre elas a de febre amarela:

Celebrada pelo apodo caixo morturio, a cidade do Rio de Janeiro atravessava, nas ltimas dcadas do sculo XIX, uma das suas mais graves e prolongadas crises ambientais e, diga-se, a bem da verdade, sobretudo no que se refere questo da insalubridade,(...) O clima excessivamente quente, a umidade dos solos, a existncia de pntanos e o ar impuro (contaminado por infeces miasmticas), faziam parte do imenso rol das explicaes das condies insalubres da cidade37.

Algumas teses mdicas tentavam explicar a disseminao de doenas e mesmo com concluses equivocadas (como a hiptese dos miasmas), acabaram por servir de justificativa a polticas pblicas de remoo de habitaes coletivas e mesmo servir de justificativa para o desmonte do morro do Castelo, para que os ventos do mar livrassem a cidade dos miasmas e das doenas.

Nos primeiros anos do sculo XX acentua-se o processo de segregao espacial entre ricos (zona sul) e pobres (subrbios e habitaes coletivas do centro). Por algumas razes, dentre elas por buscar bairros mais salubres, os ricos passaram a se estabelecer em bairros como botafogo, que passa por um processo de desmembramento de suas chcaras, na verdade, esta auto-segregao dos ricos j tinha comeado anteriormente, com as faltas dgua que persistiam at 1880 muitos ricos j haviam se mudado para chcaras na zona sul, onde podiam ter poos e ter acesso gua sem mais problemas.

Em nome da salubridade, escamoteando um desejo de limpar o centro e a zona sul da presena dos mais pobres, diversas intervenes foram feitas nas habitaes coletivas, muitas foram fechadas e outras demolidas, algumas arrasadas com a abertura da Avenida Central, smbolo da reforma comandada por Pereira Passos, verdadeiro fomento para o surgimento das favelas.37

Jorge Luiz. Olhos de ver, Ouvidos de Ouvir: Os Ambientes Malsos da Capital da Repblica. In: Abreu, Maurcio de A. (org.) Natureza e Sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Ed. Biblioteca Carioca. 1992. pp. 317-329. p.318.

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Um episdio que foi marcante na cidade do Rio de Janeiro no ano de 1904 foi uma revolta popular que recebeu o nome de Revolta da Vacina. A populao foi s ruas contra a determinao do servio de higiene do governo de vacin-la fora. Na verdade a revolta explode por motivos mais amplos e complexos que este, a prpria destruio dos pardieiros e cortios levaram ao desabrigo milhares de famlias formando uma massa de descontentes com a poltica de higiene governamental, alm de algum descontentamento popular e mesmo de alguns setores da elite quanto poltica econmica praticada pelo governo poca38.

O Macio da Tijuca foi muito procurado poca que a insalubridade atormentava os moradores da cidade, hotis foram construdos l e eram muito apreciados por viajantes estrangeiros, porm destaco outro aspecto do Macio: este havia servido cidade como fornecedor de gua, madeira, pedras para as construes e terreno para plantaes de caf, e palco agora do surgimento das favelas, no incio do sculo XX (a primeira, no morro de Santo Antnio surgiu ainda no sculo XIX, seguida pela do morro da Providncia).

O processo de favelizao que iria se iniciar em poucas dcadas, tivera como base um forte crescimento populacional aliado a uma falta de moradias baratas juntas aos locais de trabalho (isso tudo associado aos baixos salrios dos trabalhadores, o que os impossibilitava de pagar aluguis). A favela comea a se incorporar paisagem da cidade e a do Macio da Carioca (ou da Tijuca). J ao fim da reforma de Pereira Passos a cidade apresenta notoriamente uma grande contradio em sua paisagem:

Terminada a reforma, entretanto, os jornais do-se conta que a nova fisionomia do Rio no se resumia s amplas avenidas que surgiam ou aos novos edifcios, (...). No muito longe destes smbolos do progresso, uma quantidade aprecivel de barracos, verdadeiras negaes da modernizao urbana, tambm haviam se incorporado paisagem da cidade39.

De maneira sinttica podemos dizer que com o incremento populacional que ocorreu durante o sculo XIX na cidade do Rio de Janeiro, em princpio ainda nos tempos do Imprio e por38 39

Edgard Carone. A Primeira Repblica. Rio de Janeiro-So Paulo. Editora Difel. 1976. p. 42. Maurcio de Abreu. Reconstruindo uma Histria Esquecida: Origem e Expanso Inicial das Favelas do Rio de Janeiro.In: Espao e Debates n37, ano XIV. 1994. p. 38.

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fim nos primeiros anos da Repblica, uma a crise ambiental ali se instalou e se agudizou na virada dos sculos XIX e XX.

Os desequilbrios entre cidade e natureza que poderiam existir desde os tempos coloniais de fundao da cidade passando pelos tempos do Imprio, chegam aos primeiros anos da Repblica em seu ponto mximo, transfigurados em crise na sade pblica ao final do sculo XIX. Pode-se sintetizar todo este percurso temporal sobre a questo ambiental na cidade do Rio de Janeiro ao longo de sua histria da seguinte forma:

... compreende-se que a questo ambiental no Rio colonial tenha consistido em processos de ajustamento do crescimento urbano s possveis ampliaes do espao condizentes com o conhecimento tcnico da poca, (...). de se supor que inexistissem presses demogrficas sobre o espao urbano, que pudessem provocar desequilbrios nas relaes cidade-natureza. J na cidade de perfil mercantil-industrial que se delineia no final do sculo XIX, a presso da populao sobre os recursos se manifesta, entre outras formas, corporificada na deficincia numrica de moradia para a classe pobre na proximidade do local de trabalho. Tendo por base esta realidade, a questo ambiental se transfigura em saneamento e combate febre amarela, implicando remodelao urbana e eliminao de focos propagadores da doena, dentre os quais se incluam os casares plurifamiliares da classe pobre cortios ou cabeas de porco -, reconhecidamente precrios em suas condies de higiene. (...). A campanha sanitarista, ento deflagrada, veio encobrir e mascarar a dimenso social da questo ambiental efetiva naquele momento, servindo igualmente de base a uma poltica urbana voltada para o embelezamento e valorizao da cidade, dela retirando seus aspectos feios e desagradveis, sem atentar para a soluo ou equacionamento dos problemas embutidos naqueles aspectos. Vale lembrar, (...), os efeitos dessa poltica na criao e expanso das favelas40.

40

Maria do Carmo Corra Galvo. Focos sobre a Questo Ambiental no Rio de Janeiro. In: Abreu, Maurcio de A. (org.) Natureza e Sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Ed. Biblioteca Carioca. 1992. pp.13-26. p.21-22.

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Maurcio de Abreu41 argumenta que as relaes da cidade com o Macio da Tijuca e suas florestas que at ento existiam devido a algum fator natural (fornecimento de gua, pedra, lenha, clima ameno contra as epidemias) se transfiguraram no sculo XX em questo habitacional, o Macio passou a fornecer moradia, pela possibilidade de nele surgirem as favelas, para os moradores mais pobres. Alm da questo habitacional no poderia deixar de dizer sobre o entendimento do Macio da Tijuca e de alguns de seus montes especficos (como o Corcovado, por exemplo) como importante elemento paisagstico da cidade, mas isso ser desenvolvido no Captulo III deste trabalho que relaciona os elementos naturais construo da paisagem.

41

Maurcio de Abreu. A Cidade, a Montanha e a Floresta. in: Abreu, Maurcio de A. (org.) Natureza e Sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Ed. Biblioteca Carioca. 1992. p.89.

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I.1.3-A Busca de Distenso entre Cidade e Elementos Naturais

Nas primeiras trs dcadas do sculo XX uma conjuno de fatores poderia nos indicar um aparente processo de distenso entre a cidade e seus elementos na cidade do Rio de Janeiro. Vamos investigar esta afirmao nos prximos pargrafos:

A cidade que teve que lidar em toda a sua histria com o seu stio natural como fator condicionante de sua expanso sobre o territrio: terreno alagadio e difcil, contornando morros e aterrando mangues, lagoas e mar, continua a ter que lidar com este dado. Porm, no incio do sculo XX, temos um novo momento histrico quando a tcnica encontra-se mais desenvolvida e a superao dos obstculos naturais pode ser resolvida com maior eficincia e os novos desafios de expanso passam a serem vencidos um a um. Temos desmonte de morros, os aterros sucessivos de linhas de costa e de lagoas, a abertura de tneis, etc... Para que as obras fossem realizadas soma-se ao domnio da tcnica a presena de capital estatal, este obtido muitas vezes em emprstimos externos, h tambm vontade poltica para se realizar estas obras.

A prpria abertura do Tnel Alaor Prata (Tnel Velho) ligando Botafogo a Copacabana j na ltima dcada do sculo XIX (1892) exemplifica isto. O tnel construdo inicialmente para bondes perfurando o morro e adentrando em meio ao que ento era um areal sinaliza bem a mudana dos tempos. O desmonte de grande parte do Morro do Castelo j na dcada de 20 do sculo passado empregou nova tcnica de desmonte de morros a jatos de gua, ao passo que a terra obtida como resultado deste desmonte j iria ser direcionada a novas reas a serem aterradas como a que hoje forma o bairro da Urca e a rea da Esplanada do Castelo, direcionada primeiramente para uso da Exposio do Centenrio da Independncia de 1922.

O prprio controle de algumas das doenas de ento sugeriu uma trgua neste estado de tenso existente. O controle da febre amarela conseguido graas aplicao da poltica de sade proposta por Oswaldo Cruz fez com que em 1907 o nmero de mortes na cidade pela doena fosse igual a zero, neste mesmo ano o Rio j recebe um navio com turistas estrangeiros para visitar a cidade, at ento evitada por ter uma imagem de cidade repleta de doenas, foi um indcio que a imagem de cidade das doenas comeara a se dissolver. A eliminao do mosquito transmissor reduziu tambm os casos de malria, embora ela s fosse

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erradicada da regio na dcada de 30 com o saneamento de algumas reas da baixada fluminense42.

Embora a cidade pudesse ter sofrido com o surto de gripe espanhola em 1918, o que provocou a morte de 13 mil pessoas somente no Rio de Janeiro, este surto no pde mais ser associado diretamente com algum desequilbrio seja natural ou urbano, j que tinha atingido igualmente pases europeus em reas que no eram epidmicas de outras doenas.

Seria de se imaginar que a carncia de gua potvel que foi resolvida em 1880, ainda no Imprio, com a canalizao de guas da Serra do Tingu tivesse aliviado significantemente o quadro sanitrio da cidade. Imaginaramos tambm que a implantao, por volta desta mesma poca, de um sistema de esgotos executado pela companhia privada City Improvements tivesse contribudo significantemente com a melhora do quadro sanitrio local, mas isso na verdade no aconteceu43. Na verdade a implantao destas melhorias sanitrias no chegou a todas as residncias, o servio de saneamento acabava por atender majoritariamente aos mais ricos e era ainda assim precrio, as tubulaes apresentavam problemas de m vedao e muitas vezes contribuam para contaminar o lenol fretico. A prpria distribuio da rede de esgotos, por exemplo, era desigual na cidade: bairros mais ricos acabavam sendo mais bem servidos e muitas vezes a infra-estrutura de esgotos vinha juntamente com a infra-estrutura de transportes abrindo novas frentes de expanso na cidade. Esta expanso atendia mais ao interesse do capital imobilirio que grande parte da populao, chegando mesmo a atender pior determinadas reas mais populosas em detrimento a outras que tivessem menor nmero de habitantes mas que fossem mais interessantes ao capital.

Mazelas da sociedade parte o fato que muito da idia de crise sanitria, que poderamos entender como uma crise na relao cidade-natureza, foi se perdendo a partir do controle das epidemias. A aparente reduo da tenso existente entre cidade e natureza resultado no apenas do domnio pela tcnica e pela cincia de alguns dos conhecimentos necessrios resoluo de desequilbrios criados pelo surgimento de uma cidade em crescimento rpido e, podemos dizer sem controle (planejamento) em stio to peculiar. Seguindo-se pela mesma42

Carlos Lessa. O Rio de Todos os Brasis Uma Reflexo em Busca de Auto-estima. Rio de Janeiro. Editora Record. 2000. p.196-197.

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argumentao: a idia de reduo da tenso entre cidade e natureza s foi possvel porque isso acabou acontecendo nas reas de maior visibilidade da cidade, nas reas ocupadas pela camada de maior renda, principalmente grande parte da rea central da cidade e a sua expanso para a zona sul. Por isso poderamos chamar de aparente (ou pelo menos de limitado) este processo de distenso na relao cidade-natureza, pois muito mais que ter sido de fato na totalidade da cidade ele se fez sentir como total, visto que ocorreu em reas da cidade de maior representao coletiva e de maior visibilidade como as reas centrais e zona sul.

Para entender-se melhor este processo de reduo de tenso entre cidade e natureza nas trs primeiras dcadas do sculo XX precisa-se entender localmente (e s vezes mundialmente) as idias sobre natureza que circulavam a poca. Temos presente nesta poca a idia que a natureza deveria ser domesticada e submetida pela tcnica e pela cincia ao dispor do homem, assim poderia ser equacionado o problema de como se relacionar cidade e natureza e ainda: resolver as tenses que desta relao surgissem. No Brasil e em sua capital poca a vontade de se tornar civilizado e europeu acabara por associar o domnio da natureza (ou dos elementos naturais) idia de se criar um pas civilizado e europeizado.

As tentativas de superao de tenses existentes entre a cidade do Rio de Janeiro e natureza no incio do sculo XX puderam se configurar muito mais do que em meras tentativas de resoluo de uma crise sanitria especfica. Mais que superar uma tenso especfica, a cidade em muitos momentos tentou estabelecer relaes com seus elementos naturais que fossem marcadas por um novo entendimento destes elementos. Uma relao de tal forma que a cidade pudesse compor com estes elementos naturais um pacto de construo de uma civilizao tropical vivel, que por sua originalidade poderamos chamar de indita. Argumentaes e esta idia sero desenvolvidas agora, logo a seguir:

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Jaime Larry Benchimol. A Reestruturao dos Sistemas de gua e Esgotos do Rio de Janeiro. in: Pereira Passos: Um Hausmann Tropical: a Renovao Urbana da Cidade do Rio de Janeiro no Incio do Sculo XX. Rio de Janeiro. 1990. Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes. Pp. 65-75.

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I.2-Natureza e Discurso Civilizatrio

I.2.1-Vises de Natureza, scs. XIX e incio XX

Das concepes de natureza que surgiram ao longo da histria vamos nos concentrar em algumas que tiveram maior fora durante a Primeira Repblica (1889-1930) e no perodo Imperial imediatamente anterior a este ltimo.

Poderamos dizer que as concepes de natureza no Imprio brasileiro (1822-1889) tenham sido influenciadas inicialmente pelo naturalismo e pelo iderio romntico, dos quais iriam lentamente comear a se afastar a partir de 1870, dando lugar s idias cientificistas que iriam se manifestar junto a algumas idias de carter determinista da dcada de 70 do sculo XIX. Por fim teramos o positivismo que j durante a Repblica parece ter tido o seu auge no Rio de Janeiro da primeira dcada do sculo XX, com a aplicao das idias higienistas para que se conseguisse equacionar o problema da tenso entre cidade e elementos naturais e interferir na remodelao da ento capital federal.

A relao entre natureza e cidade do Rio de Janeiro nos primeiros tempos do Imprio pode ser compreendida dentro das idias naturalistas e do iderio romntico, por exemplo, quando lemos os relatos de viajantes estrangeiros que visitaram a cidade no sculo XIX. Estas visitas ocorreram principalmente no perodo do sculo entre a abertura dos portos ainda no perodo Colonial (1808) e da agudizao da crise sanitria (por volta de 1870) quando elas passaram a diminuir em nmero. Neste perodo temos nestes relatos a exaltao da natureza tropical, prodigiosa em fornecer seus frutos (guas, florestas, etc...) a uma cidade que crescia em seu meio.

O Romantismo valorizava o buclico:

Houve modismo, por exemplo, na difcil excurso ao alto do Corcovado, Pedro II foi um dos primeiros, para conhecer a mata atlntica e descortinar o panorama. Em 1884 foi construda uma estrada de ferro sem qualquer funo

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econmica para a cidade... mesma curiosidade valorizar as visitas s praias ocenicas durante o imprio44.

Podemos pensar assim a relao da cidade com a floresta indo alm de uma relao de consumidor/fornecedor de gua, lenha, madeira, como j vimos na primeira parte deste trabalho baseada em trabalhos de gegrafos que enfatizavam principalmente este tipo de relao. Apoio-me para esta argumentao no trabalho de Cludia Heynemann45, que afirma que quando houve o reflorestamento da Floresta da Tijuca muito mais que uma recuperao de uma fonte de recursos naturais, isto se deu como um:

...processo de reitificao da natureza, o seu domnio, traduzido na idia de utilidade, no esforo de um conhecimento da silvicultura e tambm a inscrio da floresta e das paisagens naturais em uma histria nacional, reunindo o conhecimento ilustrado com o romntico46...

Chegou-se mesmo a se ensaiar aqui nos nossos trpicos, ainda no Imprio, o projeto de se construir uma civilizao tropical at ento original no mundo e que incorporasse os elementos naturais em sua construo dentro das cidades, diferentemente do que se fazia na Europa de ento, com o domnio da natureza e intenso processo de urbanizao.

Quando do reflorestamento da Floresta da Tijuca, diversas idias foram desenvolvidas como a do espalhamento pela cidade de trechos da floresta. A floresta desceria os morros e penetraria na cidade, amenizando o clima e mesmo alterando o aspecto pouco arborizado do Rio de Janeiro que mais o fazia parecer uma cidade lusitana ou moura. Certamente a fuso cidade-floresta proposta incorporava j as idias cientificistas, o domnio da silvicultura pela cincia possibilitava um novo aproveitamento das reas florestais e j apontava ser um passo frente cronologicamente do ideal romntico de natureza e do naturalismo.

Coincidncia ou no, justamente quando comea a se agudizar uma crise sanitria na capital do pas, as idias naturalistas de se criar uma civilizao tropical so mais contra44

Carlos Lessa. O Rio de Todos os Brasis Uma Reflexo em Busca de Auto-estima. Rio de Janeiro. Editora Record. 2000. pp. 148. 45 Claudia Heynemann. Floresta da Tijuca: Natureza e Civilizao no Rio de Janeiro Sculo XIX. Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Cultura.. Biblioteca Carioca. 1996. 196p.

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argumentadas. Em oposio a isto temos as idias deterministas que se espalharam pelo Brasil l pelos idos de 1870, somadas j ao aparecimento no mbito nacional das idias positivistas. Para alguns dos pensadores desta gerao a natureza em vez de ser prodigiosa nos poderia condenar ao atraso e ao fracasso civilizatrio, segundo Lessa47 esta gerao:

...sentia-se esmagada pela maldio eurocntrica. Filosofias da histria centradas na determinao geogrfica e/ou racial estiveram em voga no final do sculo XIX, revestidas de um sabor cientifizante exerceram fortssima influncia sobre intelectuais brasileiros contemporneos. Desde o diagnstico de inviabilidade de desenvolvimento e bloqueios ao processo civilizatrio, as propostas de enbranquecimento sairiam deste referencial terico...48

Penso que as concepes sobre civilizao brasileira e natureza s quais me referi neste item do trabalho no cabem com preciso nos perodos especficos aos quais me referi anteriormente, no h fronteiras rgidas temporais ou mesmo geogrficas para a circulao de idias, de qualquer forma tomei esta diviso como base para o desenvolvimento de uma argumentao que tentou estabelecer uma trajetria da viso de natureza empreendida dentro da cidade do Rio de Janeiro. Esta diviso pode ser til para entendermos a relao da cidade com seus elementos naturais e para entendermos o prprio projeto de construo de uma civilizao brasileira e de sua capital.

Estas idias que circulavam no sculo XIX, mesmo que fossem substitudas por algumas outras, no se desfizeram de vez ou totalmente com o passar dos anos, podendo ter mesmo reedies futuras e serem apresentadas ainda como se estivessem ainda cheias de frescor. Como exemplo disso temos a citao de Maurcio de Abreu49 ao uso do determinismo geogrfico por Agache l na segunda metade dos anos 20, quando este ltimo compara a industrializao do Rio de Janeiro de So Paulo:

46 47

Ibid p.33. Carlos Lessa. O Rio de Todos os Brasis Uma Reflexo em Busca de Auto-estima. Rio de Janeiro. Editora Record. 2000. 48 Ibidem. pp. 184 49 Maurcio de Abreu. Evoluo Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. IplanRio. 1997.

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O Rio de Janeiro no d, como So Paulo, a impresso de uma cidade industrial, no s por motivo de ordem climatria pouco favorvel ao trabalho contnuo, como por motivos ethnolgicos, ndole e hbitos de seu povo.50

O determinismo geogrfico j tinha mostrado ento sinais de enfraquecimento no iderio da cidade do Rio de Janeiro, as construes do perodo Passos e o arrefecimento das epidemias pareciam ter tornado possvel a construo de um pas civilizado e ao mesmo tempo tropical. Podemos ainda explorar outras facetas da afirmao acima como o prprio preconceito quanto constituio tnica carioca majoritariamente portuguesa (a imagem de Portugal de ento era ligada a de um pas europeu ainda ligado monarquia e ao atraso dentro de uma Europa mais avanada) e a seus descendentes e tambm aos prprios escravos libertos e seus descendentes, assim como os mestios que constituam grande parte da populao da cidade. Essa comparao racial era contraposta composio racial de So Paulo, dominada pela imigrao majoritariamente europia e plural.

Outro exemplo de anacronismo, e tambm no Plano Agache desta vez na parte do plano que trata especificamente do meio ambiente intitulada: Consideraes Geraes e Exame do Meio Ambiente, se refere s referncias feitas s emanaes que pudessem vir do solo e as doenas que estas poderiam provocar. Pois bem: a teoria dos miasmas j estava ento superada pela cincia de ento, apesar do Plano no usar o termo miasma interessante notar que ainda aponta como causa de insalubridade algumas emanaes semelhantes:

...calor e humidade favorecem as fermentaes e a decomposio rpida das matrias orgnicas, fonte de emanaes ptridas que infectam a atmosphera. Mais do que nas cidade de clima temperado, deve ser afastada esta causa de insalubridade pela adoo de disposies apropriadas.51

Agache cita ainda no seu plano que a boa circulao do ar pudesse ser elemento determinante para a boa salubridade mesmo em reas de favela. Podemos imaginar que a esta poca houvesse ainda alguma crena que os ventos salitrados do mar pudessem provocar reais

50

Alfred Hubert Donat Agache. Cidade do Rio de Janeiro, Extenso, Remodelao, Embellezamento. Paris. Foyer Bresilien. 1930. pp.90. 51 Alfred Hubert Donat Agache. Cidade do Rio de Janeiro, Extenso, Remodelao, Embellezamento. Paris. Foyer Bresilien. 1930. pp.230.

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benefcios sade, argumento inclusive muito usado quando da venda dos primeiros terrenos em Copacabana na virada do sculo XIX para o sculo XX. Citando um dos trechos do Plano que fala sobre as favelas:

verdadeiro milagre se as epidemias no visitam com freqncia logares to sujos! Sem dvida elles so preservados desses males pela boa ventilao resultante da sua situao elevada...52

Anacronismos a parte, voltando-se ao sculo XIX, pode-se imaginar se naquela poca a matriz terica do determinismo fosse levada ao p da letra haveria pouco espao para o desenvolvimento de uma civilizao prspera num clima tropical: o calor, a exuberncia tropical e mesmo a composio racial poderiam formar um quadro que nos condenaria para sempre ao atraso e ao fracasso civilizatrio. O prprio caos sanitrio da capital do pas de ento e o prprio atraso do pas em relao Europa poderiam at ser usados como reforos de afirmao a esta teoria.

52

Ibid. pp. 240.

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I.2.2-Da Cidade da Medicina Social Cidade dos Engenheiros

Uma das sadas intentadas em fins do sculo XIX para se resolver este impasse entre natureza exuberante e fracasso civilizatrio na cidade do Rio de Janeiro, de certa forma suplantando as idias deterministas que nos condenariam ao atraso inexorvel, foi uso das idias higienistas, que apontavam para uma possibilidade de se resolver os problemas sanitrios de ento.

Podemos notar tambm que estas idias j no sculo XIX, coordenadas e divulgadas inicialmente pelo saber mdico, mas principalmente em incios do sculo XX, j tendo sido assimiladas pelos tcnicos interventores no espao da cidade, quela poca em sua maioria engenheiros, foram usadas para que se interferisse no espao da cidade nas diversas remodelaes urbanas que a cidade viesse a sofrer.

O discurso higinico teve origem na metade do sculo XIX na Europa e propunha um novo modelo de ocupao do espao urbano com ruas e avenidas amplas que permitiriam a melhor circulao de ar e o combate aos miasmas. Por detrs destas afirmaes encontraremos vrios mecanismos de dominao expressos nos cdigos, nos recenseamentos e no discurso sobre os vcios da pobreza.53

O Poder higinico foi um dos instrumentos mais poderosos na difuso de um padro de ocupao do espao no Brasil.54

As concepes mdicas que apoiavam as idias higienistas no sculo XIX influenciaram toda a prtica mdica at que se conhecesse a bacteriologia e tudo mudasse.

At este momento a causa das doenas era atribuda basicamente a fatores externos (...) os mdicos atribuam s condies do meio as mais diferentes doenas, principalmente as endmicas e infecciosas. A malignidade do ar

53

Dermeval L. Polizelli. O Poder Higinico e suas Influncias na Ocupao do Espao no Brasil. In: Revista Paisagem e Ambiente (Ensaios) Nmero 9. So Paulo. Editora FAU-USP.1997. pp. 177-199. p.183. 54 Ibidem p.183. p.183.

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provinha de emanaes ptridas que, a partir do sculo XVIII sero chamadas de miasmas. 55

A prpria relao da cidade com o mar quanto a balneabilidade at a primeira dcada do sculo XX se d muito atravs do vis medicinal: banhos de mar eram considerados benficos sade, embora o sol devesse ser evitado e estes banhos ocorressem muitos deles prximo alvorada. Muitos destes banhos eram realizados em casas de banho que protegiam, por exemplo, as moas de olhares curiosos. Somente aps as reformas empreendidas por Passos que tivemos a difuso mais macia dos banhos de mar em reas abertas na ento praia do Flamengo, anterior ao Aterro que hoje temos no local.

Alm do desenvolvimento cientfico que permitiu o conhecimento de tcnicas para se lidar com o territrio e do desenvolvimento da medicina, temos que entender que estas tcnicas e conhecimentos cientficos foram adotados e incorporados na cidade pelas administraes e at mesmo transbordou em alguns momentos para as diversas camadas da populao. Tornaramse motivos de discusso em jornais e passaram a ser assuntos do dia-a-dia.

Interessante se notar, nas palavras de Damasceno:.. a.gradativa perda de influncia dos mdicos e a asceno dos engenheiros. Estes, com um discurso voltado para a tcnica e a eficincia, assumiram a liderana do processo de ordenao da cidade, personificados na figura do engenheiro Pereira Passos56.

No tnhamos ainda o urbanismo enquanto campo de conhecimento coeso e distinto dos demais no Brasil onde o pensamento urbanstico viria a ser mais desenvolvido por volta de fins dos anos 20 do sculo XX, notadamente a partir do plano Agache57.

Antes de Agache e a partir de Passos as idias higienistas sadas do campo da medicina acabaram por ser incorporadas ao discurso remodelador da cidade pelos engenheiros, eram uns dos pretextos para se abrir a Av. Central e arrasar o morro do Castelo em nome da aerao e para que se retirassem os cortios do centro da cidade em nome da higiene. Muitas55

ngela Nunes Damasceno. Os Miasmas, os Mdicos e a Relao Homem-natureza na Cidade do Rio de Janeiro no Sc. XIX. Dissertao de Mestrado. Programa de Ps-graduao em Geografia UFRJ.1993. pp.16. 56 Ibidem pp.98.

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destas realizaes, como j vimos anteriormente, serviriam para a retirada dos pobres do centro da cidade e para a criao de cenrios modernizantes na ento capital federal.

... o discurso higienista foi encampado por outros interesses, mais preocupados com a modernizao da cidade, colocando em segundo plano o carter higienista das medidas.58

No s a natureza deveria ser civilizada, mas a prpria cidade deveria se espelhar em uma imagem de cidade civilizada, altura da capital de um pas que queria entrar para a categoria das naes desenvolvidas.

Temos no incio do sculo XX, entre as primeiras intervenes de Passos at a elaborao do Plano Agache, uma conjuno de fatores que faz com que a crise sanitria vivida pela cidade do Rio de Janeiro possa ser em parte resolvida pela interferncia dos poderes pblicos no meio fsico da cidade. A cidade lida ento com seus elementos naturais mais do que buscando resolver problemas sanitrios: conjugando-se a isto um desejo governamental de criao de uma imagem de cidade civilizada.

A natureza se coloca como elemento a ser domesticado. As interferncias governamentais sobre o meio fsico domando-se a natureza e colocando-a a servio de se criar um cenrio modernizante podem ser exemplificadas pelas palavras do presidente Rodrigues Alves, que em discurso de abertura da Exposio do Centenrio de Abertura dos Portos de 1908 diz:

O Rio de Janeiro, pelas suas bellezas naturaes, que no encontram no resto do mundo, segundo o insuspeito testemunho estrangeiro, outras que com ela rivalisem, seria uma cidade sem seduco, mo grado todos os atractivos em que se aprimorou a naturesa, se o homem no lhe offerecesse a colaborao do seu trabalho, da sua sciencia e do seu gosto.

57

Denise Cabral Stuckenbruck. O Rio de Janeiro em Questo: o Plano Agache e o Iderio Reformista dos Anos 20. Rio de Janeiro: Observatrio de Polticas Urbanas: IPPUR: FASE, 1996. pp.25 e pp.64. 58 ngela Nunes Damasceno. Os Miasmas, os Mdicos e a Relao Homem-natureza na Cidade do Rio de Janeiro no Sc. XIX. Dissertao de Mestrado. Programa de Ps-graduao em Geografia UFRJ.1993. pp.98.

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A naturesa, desamparada dos benefcios da civilizao, uma expresso de valor precrio para o homem moderno, que desadora as cidades sem hygiene nem conforto.59

No discurso acima podemos perceber que muito mais do que ser domesticada, a natureza s teria seu real valor levado a um ponto mximo se fosse cooptada pela tcnica, fosse transformada e colocada a servio da civilizao, ultrapassando-se em muito qualquer relao que pudesse se limitar a resolver um mero desequilbrio ambiental. A tcnica e a cincia emprestavam valor natureza, os elementos naturais no deveriam ser glorificados por si s nem mesmo na prpria observao passiva da paisagem, quando transformados pela cincia e pela tcnica, os elementos naturais nesta mesma paisagem poderiam, a sim, em toda a sua grandiosidade, ajudar a expressar a imagem que se buscava para a capital do pas.

nesta imagem de capital federal, perseguida pelo Estado brasileiro e setores da sociedade de ento, que se concentrar a parte seguinte deste trabalho, captulo II. Onde o processo de construo cultural da imagem da cidade nos primeiros anos do sculo XX passa pelo processo de construo cultural da paisagem da cidade com a incorporao dos elementos da natureza: guas, montanhas e florestas com um vis de transformao pela tcnica.

59

O Rio de Janeiro e as Grandes Phases do seu Desenvolvimento. Antecessores de Carlos Sampaio. Ligeiras Notas Histricas. In: A Exposio de 1922. (rgo da Comisso Organizadora). Rio de Janeiro, Litho Typografia Fluminense, julho de 1922, n.1. In: Margarida de Souza Neves. A Cidade e a Paisagem. In: A Paisagem Carioca. Rio de Janeiro. 2000. Prefeitura do Rio. pp.20-31. p.30.

42

Captulo II -Imagem e Paisagem

Neste captulo ser apresentada a trajetria da imagem da cidade do Rio de Janeiro ao longo de sua histria e suas ligaes com o processo cultural de construo da paisagem carioca. Devido ao stio natural singular no qual a cidade est situada destaca-se quase sempre a presena marcante de elementos naturais neste processo de construo da paisagem da cidade. Sero apresentadas ao longo da histria, e principalmente no recorte temporal da Primeira Repblica (1889-1930), as conexes entre: imagem da cidade e construo da paisagem, destacando-se sempre que possvel neste processo a interferncia da natureza.

As diversas imagens da cidade do Rio de Janeiro ao longo de sua histria sero entendidas aqui como sendo a sntese de um conjunto de impresses manifestadas por alguns grupos (moradores, visitantes, governo local/nacional, etc...) em documentos, produo de iconografia, relatos e outros meios. Assim estas imagens sero entendidas dentro de um processo histrico-scio-cultural; mesmas consideraes poderiam ser feitas sobre o entendimento da paisagem.

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II.1-A Trajetria das Imagens

Podem-se imaginar as diversas imagens que o Rio de Janeiro imprimiu aos mais diversos olhares ao longo de sua histria. Podemos comear pelos primeiros perodos de colonizao portuguesa. A chegada a um territrio estrangeiro e estranho s origens do colonizador, a presena de um stio natural privilegiado paisagisticamente fez com que os primeiros colonizadores pontuassem seus relatos com representaes que se aproximavam muito de um cenrio bblico, parecia a descrio do Paraso terrestre reencontrado60.

s imagens emanadas do stio geogrfico e de seus elementos naturais somam-se as derivadas da observao dos povos que viviam na Amrica: livres e nus, destitudos do pecado, pareciam projetar e reforar a idia de den, imagem j provocada pela simples observao da natureza. Estas imagens, suscitadas pela descoberta do territrio americano, parecem realmente ter feito o caminho de volta pelo mar e l na Europa ter servido de subsdio a muitos dos pensadores dos sculos XVI e XVII:

...entre os sculos 16 e 17 o cenrio construdo de Roma e o cenrio natural da Amrica (particularmente da Amrica brasileira e da Baa de Guanabara) tornam-se os dois mais importantes focos de ateno e de inspiraes das reflexes de moralistas, filsofos, escritores e artistas.61

Se o retorno destas imagens suscitava idias na Europa temos que entender o que poderiam significar ao colonizador portugus que entrava pela baa da Guanabara e aqui se estabelecia. O outro lado da moeda poderia ser a face hostil desta mesma natureza que colocava ao colonizador os desafios da sobrevivncia, precisando rapidamente conhecer o que se deveria comer, onde estaria a gua boa de beber, enfim: dominar cdigos de sobrevivncia frente ao novo meio natural que se apresentava.

... mesmo em cenas harmoniosas e quase ednicas como parecem ser o Brasil ou a Baa de Guanabara e seus habitantes de imediato se evidenciam aMaria Pace Chiavari. Rio de Janeiro: de Paraso a Narciso. In: Machado, Denise B. Pinheiro/ Vasconcellos, Eduardo Mendes (org.) Cidade e Imaginao. Rio de Janeiro. UFRJ/FAU/PROURB. 1996. pp.81-86. p.81.60

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existncia de cdigos de sobrevivncia, um constructo diante de um universo animal e vegetal que preciso dominar... Qual raiz alimenta ou mata? Qual rvore resiste ou apodrece? Onde est a fonte que sacia a sede? Que caminho o justo? Qual direo tomar? Em que abrigo se esconder nas intempries? Estar em permanente estado de avaliao foi essa a nica certeza que, sem descanso, a Amrica buscou transmitir cultura europia dos sculos 16 e 1762.

Vamos nos fixar do lado de c do Atlntico, imaginar a luta pela sobrevivncia que aqui se travou. Tarefa rdua era permanecer na nova terra, dominar o meio fsico e obter dele recursos para a sobrevivncia e para a construo de uma vida, principalmente se pensarmos no colonizador europeu cuja experincia colonizadora estava baseada ainda em cdigos culturais europeus. Se a transposio de modelos culturais feita pelo agente colonizador pde em muito se opor a modelos culturais sejam de matriz indgena ou negra, em princpio culturas ditas no-dominantes em relao trazida da metrpole, temos que pensar como foi o processo de justaposio do modelo cultural europeu frente ao meio fsico-natural desconhecido.

A experincia colonizadora portuguesa em territrio brasileiro teve em muitos aspectos facetas assimiladoras de caractersticas locais: a absoro de hbitos culinrios indgenas e a prpria mestiagem, por exemplo. Embora tenhamos que pensar que a principal diretriz do pensamento colonizador fosse o ideal de conquista, a supresso de fatores opositores ao movimento de domnio da nova terra podia ser de fato o primeiro movimento intentado pelo colonizador, em seguida, quando da no possibilidade de seu sucesso, poderia ser tentado um movimento conciliador com as adversidades.

Pode-se pensar ainda que dentro da cidade do Rio de Janeiro, principalmente a partir de 1763 quando passa ser a nova sede do Vice-reinado, como se deu este impulso colonizador. E mais ainda: que as imagens emanadas da cidade-capital da poro de territrio colonizado passariam a ser expresso do impulso colonizador em terras brasileiras. O Rio de Janeiro passara ento a ser capital de Vice-reinado, passando ento a ser ponto focal da representao

61

Margareth da Silva Pereira. Corpos Escritos Paisagem, Memria e Monumento: vises da Identidade Carioca. In: Ferreira, Glria/ Venncio filho, Paulo (org.) Revista Arte & Ensaio, 2000, n7. Editora UFRJ. pp.99-113. p.102. 62 Ibidem p.105.

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da colonizao portuguesa em terras americanas, principalmente no que se referia ao estabelecimento de ncleos urbanos no novo territrio. Desta cidade deveriam emanar-se imagens que a este grau de representao correspondessem.

Ao passo que nos sertes brasileiros as provveis maiores dificuldades de sobrevivncia fizeram com que o colonizador tivesse que dialogar mais intensamente com o meio fsico, novas geraes de ento brasileiros que passaram a abrir as novas frentes de colonizao j assimilando adaptaes ao meio, e quantas foram as cidades j fundadas por brasileiros natos. O isolamento dos sertes poderia ser um fator importante para que o modo de vida fosse em certo grau mais livre dos padres metropolitanos, sendo menos balizado por regras e convenes que viessem de alm-mar. Se pensarmos em termos de representaes de imagens as emanadas dos sertes poderiam tambm ser mais livres de representaes que tivessem que refletir um modo de vida prximo ou similar ao europeu.

J as representaes de imagens emanadas do Rio de Janeiro de ento tenderiam a ter um contedo mais comprometido com o projeto colonizador. Embora todo um movimento de assimilao de caractersticas locais pudesse acontecer aqui tambm, teramos menos margem para a supresso de hbitos europeus: a vida urbana por si s poderia torn-los mais fceis e poderiam ser tambm mais desejveis e exigidos dada a proximidade com o poder governamental e mesmo com o poder