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A partir da Luz Caderno de Viagem

A partir da Luz - Travel blog Nomad Revelations. Exploring … · 2013. 5. 23. · A PARTIR DA LUZ – JOÃO LEITÃO 20 Cheguei a Hawler e estabeleci o primeiro contacto com a cidade

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A partir da LuzCaderno de Viagem

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João Leitão

A partir da LuzCaderno de viagem pela República do Iraque

Região do Curdistão – Agosto 2009

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CADERNO DE VIAGEM PELA REPÚBLICA DO IRAQUE, REGIÃO DO CURDISTÃO

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João Leitão

Copyright © 2009

www.joaoleitao.com/viagens

2ª edição Abril 2013 Versão eBook

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida,

armazenada ou transmitida em qualquer formato auditivo, gráfico, mecânico

ou electrónico, sem autorização prévia do autor João Leitão, salvo no caso

de breves excertos utilizados em artigos e críticas - sempre citando a fonte.

A reprodução não autorizada de qualquer parte deste trabalho é ilegal e punível por lei.

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A partir da LuzCaderno de viagem pela República do Iraque

Região do Curdistão – Agosto 2009

“Olha que dia cheio de Luz. E os Anjos são seres criados por Deus a partir da Luz!”

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Introdução

Vista de Sulav a partir de Amedia, Iraque

Muita gente pergunta-me porque visitei o Iraque e porque razão escolhi este país como destino de férias de Verão.

A maioria das pessoas tem em mente um Iraque em guerra, aquele que vêem na televisão. Realmente, por todo o país, vivem-se momentos de tensão e guerra, mas nalgumas zonas mais que noutras.

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Há, porém, um Iraque diferente, numa zona a norte do país, que mantém uma independência de-facto desde a primeira guerra do Golfo, em 1991, e que em 2003 foi inserida na nova constituição iraquiana como estado federal, gozando assim de estatuto de região autónoma com o seu próprio presidente e o seu próprio parlamento.

A Região do Curdistão é uma zona “verde”, protegida por portagens policiais e barreiras militares. Esta zona é, presentemente, a mais próspera e mais rica do país, contando com um grande crescimento a nível de infra-estruturas e condições humanas.

Esta região fica no norte e o seu único acesso é pela Turquia, através da fronteira em Ibrahim Khalil, entrando na cidade de Zakho.

Eu, na verdade, ia só para ficar dois ou três dias mas acabei por ficar os dez dias que o visto que me deram na fronteira me permitia.

Senti uma declarada curiosidade em ir ao Iraque e, durante um par de anos, cruzei conversas com vários amigos sobre este destino: República do Iraque, Região do Curdistão. Tinha chegado a altura.

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Mapa do Iraque – Região do Curdistão

República do IraqueA Região do Curdistão faz fronteira com o Irão a leste, com a Turquia a norte, e com o resto do Iraque a sul. As suas principais cidades são Erbil e Sulaymaniyah.

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E a viagem começa...

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1º dia - Segunda-feira, 10 Agosto 2009Saída de Istambul (de autocarro)

Mesquita Azul em Istambul

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Hagia Sophia em Istambul

“Istambul, palco do começo da minha aventura. Metrópole com mais população que Portugal, a antiga cidade santa de Constantinopla que serve de sonho ao imaginário de povos e crenças durante tantos séculos seguidos, onde os minaretes da tão querida Hagia Sophia e da Mesquita Azul apontam para os céus marcando assim o horizonte desta zona central da cidade.”

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Eram dez da manhã e preparava-me para entrar no autocarro numa zona perto de Aksarai, depois da empresa ter mudado o local de embarque. Só tive conhecimento da mudança do horário porque o meu amigo Mesut telefonou. Sem a sua imprescindível ajuda eu teria ido à estação Esenler e perdido a viagem. Também tínhamos reservado o bilhete por telefone no dia anterior, senão também não tinha arranjado lugar.

Fui muito saudado ao entrar no autocarro. O motorista dissera que, com ele, eu seria o primeiro estrangeiro a fazer esta viagem. Já no autocarro e saindo de Istambul, a passagem pela Ponte Sultão Fatih Mehmet é simplesmente maravilhosa. Toda esta passagem de cerca de um quilómetro por cima do estreito do Bósforo que liga o Mar Negro ao Mar de Mármara é divinal, uma paisagem incrível, e é tão marcante esta separação entre o continente europeu e o continente asiático.... Sim, a Ásia chegou tão rápido, por um simples passar de uma ponte.

O caminho até antes de Ankara faz-se com muita vegetação e, à medida que nos aproximamos da capital, o verde começa a desaparecer, a cor da terra começa a mudar e entra-se numa zona mais árida e desértica.

Toda a viagem tem uma tonalidade ocre, marcada pela cor da terra de toda a zona da Anatólia a sudeste da capital turca. Pode notar-se a

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rápida evolução das infra- estruturas turcas e o seu poderoso crescente económico, há construções por todo o lado, cidades em expansão, auto--estradas que não acabam, estações de serviço e prédios modernos.

Auto-estrada depois de Ankara direcção sul

Fiquei com os melhores lugares do autocarro. Melhores porque os dois bancos da frente junto às mulheres e às crianças eram só para mim, podendo assim ver o caminho já que tinha o vidro da frente do autocarro com a vista toda e também porque podia ir metendo conversa com os dois motoristas. A simpatia dos responsáveis do autocarro revelou-se incrível e fui

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muito bem tratado durante toda a viagem. Todos os iraquianos dentro do autocarro tentavam comunicar comigo, partilhar sorrisos, pequenas palavras, olhares, água e bolinhos.

A viagem levou-se bem, embora demorasse muitas horas e tivesse muitas paragens. Foi uma nova oportunidade de atravessar a Turquia de uma ponta à outra, esse país tão bonito que eu já tinha conhecido noutras ocasiões, em anos anteriores.

O autocarro estava cheio de iraquianos turcomanos da perigosa zona de Kirkuk, cidade povoada por curdos, árabes e turcomanos.

Este seria o destino final do autocarro. Mas eu sairia em Erbil (Hawler, em curdo), capital da Região do Curdistão e a cerca de 90 quilómetros a norte de Kirkuk, 100 quilómetros a sudeste de Mosul e a cerca de 350 quilómetros a norte de Bagdade.

A noite desceu no autocarro. Todos dormimos e as pessoas iam saindo nalgumas paragens pela noite dentro.

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2º Dia – Terça-feira, 11 Agosto 2009Nusaybin, Cizre, Fronteira Iraque, Erbil (de autocarro)

Interior do Mausoléu de Noé em Cizre

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Senhora nas ruas de Nusaybin

O nascer do dia deu-se a alguns quilómetros perto da fronteira Síria de Qamishle, junto a Nusaybin, local onde parámos por trinta minutos antes de avançarmos para o Iraque.

Mais à frente, em Cizre, a 70 quilómetros da fronteira com o Iraque, o autocarro avariou com um problema de amortecedores. Parou mesmo ao lado da placa que anunciava o Mausoléu do Profeta Noé, herói bíblico que recebeu ordens de Deus para construir uma arca para salvar a Criação do Dilúvio.

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O meu dia estava assim iluminado e eu sentia uma energia muito forte no ar. Estava a sentir-me abençoado por este pequeno “grande” pormenor e alteração de viagem. Uma simples avaria num local extremamente importante. Porque tinha o autocarro que avariar ali mesmo? Porque tinha eu de visitar este local?

Noé e a sua história têm um forte significado simbólico para mim por duas razões: pela sua longevidade (acredita-se que viveu 950 anos); e porque ele foi, segundo várias religiões e crenças, o responsável pela repovoação da Terra, o que faz de todos nós seus parentes, da linhagem das pessoas escolhidas para permanecerem na Terra depois do Dilúvio.

O complexo religioso do Profeta Noé está sob cuidado muçulmano, mas permite a visita de pessoas de todas as religiões, pois o Islão admite também Noé como Pai de toda uma nova geração de Homens.

Pode visitar-se o local onde está o seu corpo, tirar fotos e passear um pouco pelo recinto. Há, ainda em Cizre, uma série de outros monumentos que aproveitei para visitar, tais como a Escola Corânica Vermelha, do século XVI; a Escola Corânica Abdalyia mandada construir pelo Emir Abdal, no século XV; e ainda o túmulo do poeta sufi Ahmed-i Jazari, também conhecido pelo pseudónimo Nishani.

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Rapaz a ler o Alcorão na Escola Corânica Vermelha em Cizre

Passadas 2 horas, o autocarro voltou e seguimos viagem. A passagem pela fronteira turca deu-se normalmente, com o controlo de passaporte, verificação de Bilhetes de Identidade, etc. Quando passámos a ponte para o lado iraquiano a confusão era enorme.

Depressa fui chamado pela polícia para ser interrogado acerca do meu país, e... da minha equipa de futebol preferida. Quando mencionei Portugal, Ronaldo veio logo à conversa.

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Cristiano Ronaldo fez abrir o coração dos polícias de fronteira e todos quiseram tirar fotografias comigo com os seus telemóveis. Sempre com a AK-47 nas mãos e sorrisos estampados na cara.

Após um pequeno questionário e uma breve inspecção num gabinete médico para verificação de temperatura de modo a evitar que pessoas com gripe entrem no país, foi-me entregue um papel que deveria levar à zona de carimbo de passaportes.

Depois de uma hora na fronteira, o autocarro entrou por Zakho e seguimos viagem até Hawler.

Para entrar na cidade de Hawler, todas as mulheres, crianças e homens com roupas tradicionais tiveram de sair e ser inspeccionados para ver se tinham explosivos. Controlo militar muito pesado, uma vez que Hawler é o coração político desta região e não pode haver nenhum descuido.

Quase toda a gente teve de sair do autocarro, menos... eu – o turista... Foi estranho, já que todos, ao saírem do autocarro, olhavam para mim com olhos de vergonha, pena, revolta e tristeza.

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Pesado, ainda para mais porque a maioria das pessoas no autocarro eram turcomanos iraquianos que se dirigiam para Kirkuk, cidade altamente perigosa e problemática e com forte população turcomana iraquiana. Estas pessoas revistadas viam esta situação como uma afronta directa também ao seu grupo étnico.

Fronteira do Iraque na ponte de separação entre a Turquia

Fui deixado na via rápida, a alguns quilómetros de distância do centro da cidade, local onde facilmente apanhei um táxi até perto da cidadela (Qalat), fortaleza com mais de oito mil anos, construída 30 metros acima da altura normal do resto da cidade.

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Cheguei a Hawler e estabeleci o primeiro contacto com a cidade em si, durante uma enorme tempestade de areia. Toda a cidade estava com um ar extremamente pesado e com uma cor castanha muito carregada. Impressionante.

Depois de entrar em seis ou sete hotéis e andar mais de duas horas pelo centro da cidade e por dentro do mercado, a minha mochila rebentou por todos os lados e tive de procurar alguém que me pudesse consertá-la.

Logo aqui se tornou evidente a simpatia da população local. Não me cobraram nada e... “Welcome to Kurdistan”. Finalmente, lá encontrei o Shahraban Tourist Hotel, onde o gerente me acudiu com um grande sorriso e simpatia. Ouvi as palavras que procurava há bastante tempo “Sim, temos quarto”, já que todos os outros hotéis estavam esgotados.

As primeiras fotos da cidade foram feitas do terraço do hotel, com vista para a cidadela, já que ele fica mesmo na Rua Qalat, que rodeia esta impressionante e histórica construção. Ou seja, fiquei no centro do centro. Que bom.

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Centro de Erbil ao anoitecer

Antes de me lançar a descobrir um pouco mais Erbil, decidi ir comer alguma coisa. A minha refeição foi guisado de feijão, arroz branco e pão, acompanhados com salada variada.

Para acabar a tarde subi à cidadela. A entrada é feita após um controlo militar, já que a “Qalat” é um ponto estratégico da cidade e até porque muitos militares moram lá dentro. Fui entrando pelos edifícios abandonados. Depois de explorar um pouco, descobri um local maravilhoso: uma casa com um janelão enorme

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que dava para a cidade. Podia ver tudo, sentir tudo e estar no topo. Muito poderoso. Fiquei ali sentado pelo menos duas horas.

Ao sair da cidadela, já ao anoitecer, fui descoberto por dois militares que faziam a ronda naquela zona protegida. Não lhes agradou nem um bocado encontrarem-me ali àquela hora. Nada que um sorriso e o nome do ídolo Cristiano Ronaldo a surgir na conversa não acalmasse.

Dei uma volta pelo centro da cidade e vi as lojas a fecharem, comi pão recheado com falafel, salada, batatas fritas e um sumo de melão natural.

O falafel, bolo frito feito com grão-de-bico, é uma comida habitual em vários países da região e uma boa alternativa vegetariana.

Hotel, duche frio e dormir. A viagem tinha sido longa até aqui. Merecia sono. Perfeito.

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3º Dia – Quarta-feira, 12 Agosto 2009Erbil, Castelo Khanzad, Salahaddin (de táxi)

Minarete Mudhafaria no Parque Minar em Erbil

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Parque Shanidar em Erbil

Durante toda a manhã dediquei-me a descobrir um pouco mais a cidade fora do centro. Há muitos parques e quis ver como a cidade se organizava. Andei, então, imensos quilómetros por todo o lado até à zona do Parlamento, o Parque da Galeria de Arte, o Parque do Minarete...

Para entrar nos parques foi preciso ser revistado pelos militares, de modo a verificarem se tinha explosivos ou armas.

De manhãzinha tinha conhecido um senhor que meteu conversa comigo na rua e encontrei-o mais tarde. Ele tinha um táxi e, como

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perguntou se eu precisava de alguma coisa, sugeri irmos ver o Castelo Khanzad e a Fortaleza de Salahadin a alguns quilómetros a nordeste de Erbil.

O senhor mostrou-se simpático, mas depois de termos ido almoçar, reparei que ele ficou muito alterado e nervoso quando entraram militares. Desconfiei dele e, por isso, já não quis ir. Pedi-lhe para encostar o carro e me deixar ali na rua.

Estava agora numa das saídas da cidade. Mandei parar um táxi e lá fui eu em direcção a Khanzad. O taxista pensava que eu queria ir para o hotel de luxo com o mesmo nome do castelo, mas eu queria ir mais à frente para ver esta pequena fortaleza em cima de um monte a alguns quilómetros antes da cidade de Salahaddin.

O preço discutido seria de 10,000 dinares, que mais tarde aumentou para 30,000 quando eu acrescentei a cidade de Salahaddin ao percurso. Eu estava também interessado em ver uma fortaleza que ficava a 40 KM mais a norte, mas acabei por não ir.

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Táxi que me levou ao Castelo Khanzad

Khanzad revelou-se uma surpresa pois estava à espera de algo maior. Afinal de contas, é uma pequena construção no cimo de um monte. Mas daí controla todo o vale, estando então num local muito estratégico. O edifício foi restaurado há pouco tempo e tem um aspecto muito recente. A região circundante é muito bonita. O calor fazia-se sentir.

Encontrei um senhor que era professor de inglês e este ajudou- -me a persuadir o taxista a baixar o preço para 15,000 dinares por toda a viagem. Além disso, ainda me deixou na zona certa para conseguir

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apanhar transporte de volta a Hawler. Esperei quinze minutos e partilhei um táxi com mais três homens, a 3,000 dinares por pessoa.

Voltei a Hawler e saí do táxi antes do local de desembarque normal já que vi uma mesquita enorme que não podia deixar de visitar.

A Mesquita de Jalal Khayat é um edifício enorme na Rua Shaqlawa, a cerca de 1,5 KM da cidadela. Um senhor meteu conversa comigo e acabou por me dar boleia no seu BMW quase até ao hotel. Deu-me o seu cartão e disse-me para lhe telefonar se eu precisasse de alguma coisa.

Nesta altura da viagem a minha ideia era seguir imediatamente para a Síria e, por isso, queria arranjar transporte directo desde Hawler até Damasco.

Depois de uma grande conversa com o dono do hotel, e uma explicação da sua religião Yazidi, ele deu-me um cartão de uma agência de jipes de luxo que fazia transporte regular de passageiros entre os dois países. Apanhei um táxi e lá fui ver a agência.

Parece que a melhor maneira para este percurso é neste tipo de carro, já que são rápidos e muito confortáveis.

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Depois de muitas perguntas, de ter pago e ser informado que me iriam buscar ao hotel por volta das 4 da manhã do dia seguinte, um dos senhores perguntou-me: “Tu, não tens problemas com o teu passaporte?” – Sabia lá eu!...

Telefonaram à polícia de fronteira e foram advertidos de que eu não podia entrar na zona de controlo árabe iraquiana e que qualquer saída do país teria de ser pela fronteira norte com a Turquia em Ibrahim Khalil.

Até inícios de 2009, podia entrar-se no resto do Iraque com o visto/carimbo adquirido na fronteira de Ibrahim Khalil no norte do país, na Região do Curdistão, mas as autoridades centrais iraquianas retiraram esse privilégio impossibilitando, assim, a passagem para outras regiões do Iraque com esse mesmo “visto curdo”. A pena por incumprimento é julgamento e prisão.

Entenda-se que o Iraque está, neste momento, dividido em 2 zonas de visto de permanência: uma na área curda iraquiana, onde se consegue o visto de dez dias na fronteira de Ibrahim Khalil (por onde entrei); e outra na zona árabe iraquiana, onde há um tipo de visto entregue apenas a jornalistas e homens de negócios pelas autoridades das embaixadas.

Dinheiro de volta. A Síria teria de ficar para outra altura. E ficou.

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Grande Mesquita de Jalal Khayat em Erbil

Caminhei cerca de 2 KM até ao centro da cidade, entrando pelo mercado Qaysari. A curiosidade das pessoas na rua é muito grande e muitas, principalmente jovens universitários que falavam algum inglês, vieram meter conversa comigo.

Fui beber uns sumos e dar uma volta pelo bazar, onde comprei dois tapetes típicos da zona... eu sei, normalmente não compro muitas coisas mas adoro e colecciono tapetes, gosto que apanhei a viver em Marrocos.

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O Bazar Qaysari é um mercado enorme, onde se pode comprar todo o tipo de coisas, desde roupas modernas até às vestes mais tradicionais, especiarias, sapatos, joias, tapetes, brinquedos, telemóveis, etc...

A mistura eufórica de cores e luzes mescla-se com o barulho intenso de centenas de pessoas pelas ruas labirínticas deste local.

Meti os tapetes no hotel e lá fui eu de volta para explorar mais um pouco o interior da cidadela. Desta vez queria ter mais contacto com as tropas mas, bem... possivelmente não fiz as coisas da melhor maneira, já que depois de ter entrado à socapa pela cidadela dentro, resolvi andar a passear já fora da hora permitida e quando já estava fechada para visitas.

Vieram ter comigo alguns tropas que queriam que eu saísse mas eu resisti, mandei-os vir ter comigo, disse que queria ir até à bandeira central e que só ia embora quando lá chegasse. Fui escoltado por 2 oficiais.

Depois vieram muitos mais militares meter conversa e, após grande festa por parte de alguns e más caras por parte de outros, lá me foi oferecida uma bandeira da tropa curda directamente tirada do casaco de um oficial enquanto diziam “You Brother!”

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Mercado Al Qaysari no centro de Erbil

Uma volta pelo centro da cidade, desta vez por uma zona diferente do dia anterior. Fui, novamente, ver as lojas a fechar, comer pão recheado com falafel, salada e batatas fritas.

Atravessei o mercado coberto durante a noite. Bebi um sumo de fruta na rua. Hotel. Dormir.

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4º Dia – Quinta-feira, 13 Agosto 2009Erbil, Dohuk (de táxi)

Mercado de Dohuk

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Táxi desde Erbil até Dohuk

Bem cedo comecei logo a manhã com pequeno-almoço típico curdo. Kaymakh (uma espécie de queijo fresco doce) acompanhado com pão, um naco de favo de mel e chá.

Apanhei um táxi, indiquei “Dohuk Garage” e o taxista levou-me a uma companhia de táxis que faz o percurso que eu queria. Percebi que ele recebeu uma comissão, pois existem muitas agências que fazem este serviço. Eu, como já sabia que o preço da viagem era 15,000 dinares, não estava minimamente preocupado. O preço era fixo para mim.

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A hora que fiquei à espera que chegassem duas pessoas para dividir o BMW comigo até Dohuk, foi um dos tempos mais estranhos de convívio com a população curda que tive no país.

Os empregados do escritório, os condutores de táxis, os empregados do hotel e os empregados da loja ao lado vibraram todos com a minha presença e tiraram fotos, fizeram vídeos, deram-me músicas curdas em MP3 e filmes de mulheres árabes da Síria a dançarem nuas via Bluetooth. Chamavam nomes uns aos outros (o nome mais usado era “donkey”) – “He DONKEY!”, riam, pegavam-se à porrada, riam,... Bem... uma festa.

A viagem até Dohuk foi muito confortável, num carro com mudanças automáticas, com três passageiros, ar condicionado e paragem para chá. Eu, nos mapas que tinha disponíveis, via sempre o caminho a passar por Mosul mas, parece que há uma outra alternativa já que entrar, mesmo que seja nos arredores de Mosul, é extremamente perigoso e todos os curdos evitam este percurso.

Mosul pertence à Região de Ninawa, região integrante do Curdistão, mas tecnicamente a cidade não faz parte da mesma pois auto declara- -se autónoma. O problema aqui é que o governo do Curdistão quer, por todos os meios, anexá-la.

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Vista das montanhas à volta de Dohuk do topo de um prédio

É por esta e outras razões que Mosul resiste em permanecer com o seu estatuto de “cidade federal/autónoma” e que, nas últimas eleições, uma forte coligação de árabes muçulmanos, árabes cristãos, curdos e turcomanos se aliou para resistir às forças de anexação de Massoud Barzani, presidente da Região Autónoma do Curdistão.

Não queria dar mais de 15,000 dinares por noite por um hotel, e estava tão determinado que andei pelo menos 2 horas pelo centro da cidade à procura de local para dormir.

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Finalmente consegui persuadir o senhor do Shemal Palace Hotel a alugar-me um quarto triplo com WC, com a condição de que poderia alugar as restantes duas camas a outras pessoas que quisessem dividir o quarto comigo. Ou seja, paguei 10,000 dinares por noite. Só numa das noites tive alguém no quarto.

Comecei logo a explorar a cidade e a beber sumos de fruta naturais. As pessoas receberam-me sempre muito bem e as meninas sempre com olhares “discretamente” directos.

Fui comer falafel e conheci um senhor que me pagou o almoço, convidou para um chá num bar de narguilé e apresentou aos seus amigos. Mais ou menos depois de 1 hora, saí de novo para a cidade. Dohuk tem imenso movimento, comércio e lugares interessantes para visitar.

Fiz questão de conhecer o grande bazar no centro da cidade e de an-dar alguns quilómetros até à Igreja da Santa Ith Llaha. Parece que esta começou a ser construída, provavelmente, no século V mas o edifício actual é relativamente novo e moderno.

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Interior da Igreja de Santa Ith Llaha em Dohuk

A igreja por dentro é muito bonita, com uma certa simplicidade e pouca ostentação. Voltei ao hotel, comi uma fruta e dormi.

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5º Dia – Sexta-feira, 14 Agosto 2009Dohuk, Akre (à boleia)

Mesquita no centro da parte antiga de Akre

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Cartaz de propaganda política numa loja em Dohuk

Era sexta-feira, feriado semanal muçulmano em que tudo fecha das 10 às 15 horas, mas aproveitei a manhã para explorar algumas zonas da cidade que ainda não conhecia, fui ao parque de diversões Dream City e dei uma volta ao supermercado, onde comprei uma bússola.

Estava tudo fechado na cidade. No Islão, as sextas-feiras devem ser aproveitadas em reminiscência de Deus, dia de oração e união dos praticantes da religião para partilharem uma refeição em comunidade.

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Voltei ao hotel, onde estive na conversa com o dono, que me informou que eu deveria ir até Lalish para ver o templo da sua religião, Yazidi.

A religião Yazidi, que remonta a cerca de 2000 a.C., tem cerca de oitocentos mil seguidores em todo o mundo e foi outrora uma religião habitual por entre os curdos, até a islamização obrigatória reduzir o seu número de praticantes.

De acordo com as crenças yazidis, Deus criou o mundo, deixando-o à guarda de sete Seres Santos, os anjos dos Sete Mistérios.

O anjo superior chama-se Melek Ta’us, o Anjo Pavão. Há um conflito directo entre os yazidis e os muçulmanos, judeus e cristãos, já que um outro nome para Melek Ta’us é “Shaytan”, que em árabe quer dizer diabo.

Na verdade, ele é o mesmo Ser mas, nas suas duas versões, representa uma visão completamente diferente da história da Criação do Mundo.

Satanás, para os muçulmanos, é um jinn criado por Deus juntamente com os anjos e os humanos. Ao contrário dos anjos, os jinns e os humanos tinham a aptidão do livre-arbítrio.

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No Islão, Iblis é então um jinn renegado que recusou obedecer a Deus perante a ordem de se submeter a Adão e foi enviado para o inferno, enquanto que Melek Ta’us, o primeiro anjo yazidi dos sete criados por Deus, quando recusou submeter-se a Adão, foi congratulado por ter consciência da sua superioridade e enviado para a Terra como seu representante supremo.

Houve, durante a história, várias tentativas de extermínio destes seguidores um pouco por todo o Médio Oriente e hoje, apesar da legislação estar do seu lado considerando-os livres de exercerem a sua fé, há uma desconfiança geral da maior parte dos muçulmanos, já que os yazidis adoram aquele que o Islão mais despreza.

Com toda esta história por trás, eu tinha mesmo que tentar ir até Lalish para o local de culto desta tão polémica religião. Era ali que todos os yazidis têm de ir em peregrinação, pelo menos uma vez na vida. Ainda para mais porque fui informado que a sexta-feira e o Sábado eram os dias de enchente no recinto. Teria hipótese de ver muita gente e, mais ao menos, perceber como se pratica o culto a Melek Ta’us.

Havia táxis até ao templo mas custavam cerca de 30,000 dinares, só ida. Por isso, resolvi apanhar um só até à saída da cidade e lá meter-me à boleia.

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O primeiro carro que parou levou-me até ao controlo policial da cidade. A polícia questionou-me acerca do que estava ali a fazer e passou-se da cabeça quando eu disse que ia à boleia ou a pé, ou... Inshallah, até Lalish. Fez questão de me arranjar um carro que me levasse.

O primeiro senhor que parou não podia levar-me por razões de segurança, pois era político e não podia ter estrangeiros no seu veículo. Após vários carros pararem, descobri que Lalish era fora do caminho de tudo o resto e que teria antes de ir até Sheikhan e daí apanhar um outro transporte até ao templo Yazidi.

Edifício abandonado no centro de Akre

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Um outro carro parou e um senhor que falava bem inglês disse que me levava até à intersecção de Sheikhan. Wow!

Metendo conversa, este senhor de nome Bayar disse-me que ia até Akre, a cerca de 130 quilómetros, ficava lá durante 3 horas e voltava a Dohuk. Estas palavras foram bilhete directo para ir conhecer Akre, cidade fabulosa com vistas impressionantes, cascatas e nascentes de água.

Nascente Kanizark em Akre

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Bayar trabalhava para uma empresa de comércio de fertilizantes e ia até Akre, em negócios, encontrar-se com um agricultor local. Deu-me boleia ida e volta, levou-me a visitar umas cascatas, pagou-me o almoço e foi super simpático.

Não fui a Lalish, mas andei 3 horas a explorar Akre com dois jovens que meteram conversa comigo e que me guiaram pelos melhores locais, me levaram a conhecer os seus amigos, a visitar nascentes e cascatas e me pagaram chá e gelado.

O Ismail e o Ivan explicaram-me, mais ou menos, que a cidade tinha muitos judeus e que havia um militar famoso israelita que tinha nascido ali (mais tarde informei-me e é o antigo Ministro da Defesa Yitzhak Mordechai).

Levaram-me a conhecer a nascente de Kanizark, zona de recreio onde dezenas de jovens se banham e escapam ao calor do Verão.

De volta a Dohuk, fui para a Internet, dei mais umas voltas pela cidade e, ao anoitecer, fui à Gely, zona muito movimentada do vale da cidade, com imensa água, repuxos e cafés onde toda a gente se junta para ver e ser visto.

Voltei ao hotel, comi uma fruta que comprei no mercado e dormi.

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6º Dia – Sábado, 15 Agosto 2009Dohuk, Amedia (à boleia)

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Carro que me levou até meio do caminho de Amedia

Depois de dois dias em Dohuk, chegou a altura de conhecer mais um pouco a região. O meu próximo destino seria al-Amadiyah (Amedia em curdo), cidade a cerca de 80 quilómetros a nordeste de Dohuk e onde eu tentaria chegar à boleia.

Depois de ter apanhado um táxi até à saída - direcção Amedia, pus- -me a caminhar até à porta da cidade. Em menos de 10 minutos de espera parou um senhor com um grande jipe americano. Entrei e lá fui eu.

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Este árabe cristão de Bagdade transporta pessoas no percurso Dohuk – Bagdad, mas neste dia ia visitar alguns familiares nas montanhas a 40 KM antes de Amedia.

Comprou-me pão, sumo, bolachas, e ainda me enviou via Bluetooth algumas imagens da Virgem Maria e do Menino Jesus.

Este seria o meu primeiro contacto com árabes iraquianos depois de vários dias por entre curdos muçulmanos e yazidis. Lá fui eu neste enorme SUV Chevrolet com o vidro da frente cheio de buracos de balas.

Depois de uma viagem muito confortável e com música árabe, fui deixado na beira da estrada a cerca de 30 KM antes de Amedia para tentar apanhar boleia outra vez.

5 minutos bastaram para me pôr dentro de outro carro com um senhor louco cujo sonho seria, de certeza, fazer corridas. A uma velocidade louca, curvas cortadas à maluca e razias a outros carros lá cheguei são e salvo ao centro da cidade de Amedia.

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Estrada até Amedia

O primeiro contacto que tive com a cidade, ainda a 5 KM de distância e dentro do carro, foi de espanto, já que a cidade se localiza num planalto no topo de uma rocha, no meio de um vale rodeado por montanhas rochosas e vegetação.

Local muito bonito, fiquei maravilhado. A cidade forma um cenário impressionante num ambiente altamente fotogénico, rodeado por montanhas e a 1400 metros acima do nível do Mar.

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Amedia é, historicamente, uma zona muito importante já que é por esta região que se escondem parte das milícias PKK que lutam com o governo turco e reclamam a independência do Curdistão, e, também é aqui o começo da região de Barzan, berço dos líderes actuais do Curdistão Iraquiano, a família Barzani.

Repare-se que a fronteira da Turquia fica a menos de 20 quilómetros a norte daqui, basicamente logo do outro lado da montanha.

Como Amedia não tem hotéis, deixei o dia fluir, e a minha preocupação principal seria a de explorar a cidade e, antes de mais, tentar pôr a mochila nalgum lugar para poder andar mais livre.

Pedi para deixar a mochila numa loja ao lado de uma mesquita com um minarete com mais de 500 anos e com buracos de tiros de balas ainda da guerra civil. Quando o dono me perguntou se eu tinha explosivos toda a gente se riu.

Pergunta daqui, pergunta dali, conversa puxa conversa, conheci um senhor que falava bem inglês e que lá resolveu fazer de guia pela cidade.

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Rua da mesquita antiga de Amedia

O Fawzi foi mostrar-me uma porta antiga no interior da cidade, no fim da Rua Principal, depois do supermercado e mesmo quase à frente da rua que desce para o bazar.

Fizemos uma amizade quase instantânea e ele levou-me então à casa do seu melhor amigo, o Sarkawt, onde acabei por ficar 4 dias e fiz amizade com a família toda.

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Sentado num terraço com vista incrível para a Montanha Beshesh, tinha agora o Fawzi e o Sarkawt a fazerem-me perguntas e a tentarem perceber a minha maneira de pensar.

Imensas questões de vários interesses surgiram à conversa, principalmente questões religiosas, que eu puxo sempre para uma vertente mais filosófica.

A conversa aqueceu quando eu invoquei a palavra “Inshallah” como uma palavra normalmente mal interpretada, pois se Deus nos deu a oportunidade de criarmos, decidirmos e concretizarmos, o “Inshallah” não representa o futuro ou a vontade de Deus, mas sim o momento em que nós nascemos, sendo essa a manifestação mais evidente que Deus nos deu para concretizarmos coisas por nós mesmos.

Este assunto é para mim muito importante, já que em Marrocos notei que muita gente se encosta à expressão “Inshallah” para deixar as coisas andarem, e não se importam muito se elas se concretizam ou não, desresponsabilizando-se de compromissos e tarefas.

Para mim concretizações e responsabilidades são “Insha-nós”, uma palavra que o Sarkawt só aceitou quando disse: “mas quando eu nasci

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é passado” - por isso para concretizações nossas tem que ser: “Se Deus quiser”. Eu respondi que Deus é intemporal, por isso passado, presente ou futuro não existem. Ou seja, “se Deus quiser” já tu nasceste e tens tu a capacidade de fazer, criar e concretizar.

Sulav em frente a Amedia

Viraram-se um para o outro e disseram: “ahh filosofia...”

Fui muito bem recebido em casa do Sarkawt e passámos horas a trocar ideias e experiências de vida. Dormi num colchão na sala depois de comer muito bem.

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7º Dia – Domingo, 16 Agosto 2009Amedia, Festa de Noivado em Dohuk (de carro)

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Iogurte, pão e pasta de sésamo em casa do Sarkawt em Amedia

Este dia prometia. Comecei por aprender a fazer iogurte, seguindo a tradicional receita curda, com a mãe do Sarkawt. Primeiro fervemos leite, deixámos arrefecer e misturámos iogurte já feito. Mexemos bem e deixámos repousar durante algumas horas à temperatura ambiente. A receita é muito parecida com aquela a que estou habituado só que, com esta, o iogurte fica meio azedo. Quanto mais tempo ficar a repousar sem se pôr no frigorífico, mais ácido fica.

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Mas o melhor daquele dia ainda estava para vir, já que tinha de fazer a barba e pôr uma roupa melhorzita para ir à festa de noivado do primo do Sarkawt, na cidade de Dohuk.

O Sarkawt sussurrou-me ao ouvido que iria ver a sua possível futura mulher na cerimónia. A sua mãe já tinha aquela rapariga em mente há muito tempo e era aquele o dia do primeiro encontro, onde a podia observar bem para ver se gostava dela. O Sarkawt estava nervoso.

Fomos a Dohuk no carro de Halkawt, o irmão de Sarkawt, e fomos fazer a barba numa barbearia no centro da cidade. Eu estava mesmo a precisar de me barbear mas decidi fazê-lo com máquina para não ficar mesmo rasa. Fomos a casa da tia do Sarkawt, onde ficámos 2 horas para ela lhe coser as calças. Durante este tempo pude apreciar a biblioteca do seu marido que fora professor num instituto em Dohuk.

A casa era mesmo metida dentro do bazar central da cidade, com uma vista excelente sobre o interior do mercado. Conheci a família, irmãos, irmãs, primos e avós.

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Festa de noivado em Dohuk

Só depois seguimos para a festa do noivado. Quando cheguei fui apresentado a todos os amigos e familiares possíveis, dezenas deles, todos sorridentes e ávidos por comunicarem com um estrangeiro.

Toda a gente se revelou de uma simpatia extrema e todos quiseram trocar e-mails. Tenho ainda um par deles com quem vou trocando algumas palavras no MSN.

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A festa ainda não tinha começado e eu, na verdade, estava super curioso para entrar no recinto e espreitar as moças e ver como estariam vestidas. Curiosidade masculina...

Quando a música começou, os meus novos amigos levaram-me para dentro da sala de festa, onde me transformei no centro de atenções dos olhares de todos: das crianças, das raparigas, dos mais velhos e dos próprios noivos.

Disseram-me que poderia tirar fotos e fazer vídeos à vontade. Muita simpatia. A meio da festa chegaram a fazer-me uma dedicatória, quando o cantor agradeceu a minha presença ao microfone.

Todos andavam a dançar de mãos dadas, formando uma roda à volta do salão e mexendo as mãos no ar, enquanto os homens executavam uns passos de dança muito particulares.

Muita música, muita dança, muita cor, muito bolo, muito sumo e muitos abraços. Quando voltámos para Amedia os meus ouvidos ainda palpitavam com aquela música curda.

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8º Dia – Segunda-feira, 17 Agosto 2009Amedia, Sulav (de carro)

Vista de Amedia do topo da torre da mesquita

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Ruínas no centro de Amedia

Eu não tinha ideia do que havia para ver em Amedia, estava um pouco às escuras.

Depois de um pouco de conversa com o meu amigo Sarkawt, fiquei a saber que há imensas coisas interessantes para visitar, desde montanhas, grutas e vales; mosteiros e igrejas (como a Igreja de Mar Odisu); escolas corânicas centenárias em ruínas; nascentes de água sagrada; aldeias de população cristã como a aldeia de Kani; Sulav, nascente que abastece Amedia de água e onde toda a gente vai passear ao fim da tarde.

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Saí, então, para investigar um pouco a cidade. A vista da zona Este é espantosa. Para lá chegar basta ir até à rotunda na entrada, descer a rua e entrar pelos dois cafés esplanada existentes. Podemo-nos sentar, beber um chá e desfrutar de uma vista incrível.

Depois de várias horas na loja do Andrei, outro irmão de Sarkawt, fomos almoçar a casa do Halkawt para comer especialidades vegetarianas feitas pela sua mulher Joan e a sua irmã Shilan, estudante de medicina dentária e que estava agora de férias em Amedia mas que voltaria para Sulaymaniyah dentro de dias.

Engraçado que em Sulaymaniyah os habitantes também são curdos mas têm dois dialectos diferentes. Para se perceberem uns aos outros acabam por falar árabe. Para mim este é um fenómeno muito interessante já que Halkawt e a sua mulher são curdos mas necessitam de recorrer à língua árabe para comunicarem.

O almoço foi muito animado uma vez que , o Sarkawt e o Fawzi se juntaram a nós.

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Pôr-do-sol do cimo da mesquita de Amedia

A mesa estava cheiíssima de comida. O almoço começou com uma sopa de lentilhas e depois vieram saladas, macarrão, feijão verde, arroz, um pouco de tudo. Tudo pratos vegetarianos, algo que suscitou alguma euforia e brincadeira na mesa até que Joan trouxe um prato com carne que libertou o entusiasmo final. Foi uma grande festa.

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No fim da tarde, quase que obriguei o Sarkawt a fazer tudo o que fosse possível para podermos subir ao topo do minarete. Ele não sabia quem tinha a chave e, por isso, tínhamos uma missão em Amedia: “a busca da chave desaparecida”. Fomos à mesquita e, depois de perguntarmos a imensa gente, ninguém sabia do senhor que tinha a chave.

Voltámos meio tristes para casa, já que o pôr-do-sol se aproximava e as cores estavam deslumbrantes. Quando estávamos a chegar a casa aproximou-se um carro de onde gritaram: “Temos a chave, temos a chave”. Corremos para subir ao topo do minarete de cinquenta metros de altura por umas escadas minúsculas cheias de teias-de-aranha e pombos.

A vista do topo é linda e de tirar o fôlego, é tão surpreendente que nenhum de nós falou nos primeiros 5 minutos. Missão cumprida.

Ao entardecer, fomos no carro de Halkawt dar uma volta por Sulav, zona que é uma nascente de água com imensos cafés ao longo do vale, até chegar a uma ponte no cimo da montanha.

Pode beber-se chá, comer e fumar narguilé nos restaurantes que têm mesas e cadeiras dentro do rio, podendo estar a relaxar com os pés dentro de água.

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Narguilé é um cachimbo de água muito conhecido no Médio Oriente, utilizado para fumar tabaco com vários sabores. O ar aspira-se por um tubo, reduzindo assim a pressão no interior do apoio do objecto, e isso faz com que ar aquecido pelo carvão passe pelo tabaco, seguido pela água, onde é arrefecido e filtrado antes de chegar à boca.

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9º Dia – Terça-feira, 18 Agosto 2009Amedia

Antiga Porta Badinan em Amedia

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Nova porta de entrada em Amedia

A porta antiga chamada Porta Badinan, no lado poente de Amedia era, a única maneira de entrar na cidade, até meados dos anos 40, quando construíram a estrada no lado oriental com uma nova porta.

A história da cidade é bem antiga e vai até 3000 anos a.C.. A sua localização é muito importante e estratégica por estar num planalto em cima de uma montanha, controlando assim todo o vale.

Nur ed-Din, governador turco que conquistou a região aos cruzados no século XII, viria a construir um castelo em cima de uma fortaleza

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antiga chamada Ashib. Mas as ruínas mais antigas da cidade datam da época Assíria.

Hoje em dia, Amedia tem cerca de 5000 habitantes e mais de 1000 casas num planalto com cerca de 1 KM de comprimento e 500 metros de largura.

Reparei que a cidade em si perdeu, quase por completo, as suas características tradicionais a nível arquitectónico, sendo a maioria das casas todas modernas mas escapando algumas feitas ainda em tijolo ou em pedra, que se encontram misturadas lá para dentro da cidade junto ao mercado. Há ainda uma outra característica que, na verdade, é comum a todas as outras cidades que eu visitei: a amálgama de fios de electricidade pelas ruas. Uma vez que não há electricidade geral, existe um gerador público que funciona durante algumas horas por dia e, quem quer electricidade, tem de fazer os seus próprios cabos, criando assim uma confusão descomunal de cabos por tudo o que é lado.

Das 19 horas à 1 da manhã a electricidade vem da Turquia tendo, nesta altura, mais potência que o gerador da cidade de Amedia.

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Casas tradicionais no centro de Amedia

Durante estas horas específicas de electricidade, todas as casas têm de pôr as bombas de água a trabalhar para encher os seus depósitos situados no terraço para poderem ter água no dia seguinte. Ou seja, como há electricidade, há energia para fazer funcionar as bombas da cidade que trazem água de Sulav para fornecer Amedia com água potável. Neste dia aproveitei para visitar o cemitério da família real com o meu amigo Fawzi, que me ia explicando coisas e fazendo perguntas sobre a minha cultura, já que ele é uma pessoa muito interessada.

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Cemitério real em Amedia

Wisam é muito amigo da família e estava a ajudar um dos irmãos de Sarkawt a arranjar o portão.

Para jantar juntou-se à nossa mesa Wisam, cristão cheio de tatuagens religiosas da Nossa Senhora e Jesus, com a sua AK-47, espingarda russa também conhecida como Kalashnikov.

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Como é caçador, fez questão de me mostrar vídeos das suas caminhadas pelas montanhas e de como caça javalis.

Wisam e eu conversámos imenso e a mesa tornou-se num centro de discussão política, pois a população cristã na região curda está muito preocupada por causa das matanças de pessoas deste grupo religioso que têm vindo a acontecer em Mossul. Esta situação também preocupa a população muçulmana que respeita os cristãos e que os considera como irmãos. É um ultraje e afronta à coerência religiosa destes povos durante séculos.

Ninguém quer o desaparecimento dos cristãos da região mas, tal como Wisam, todos estão receosos e sem nenhuma perspectiva de futuro. Todos querem sair do Iraque. Wisam irá para o Canadá, para junto dos seus pais e do seu irmão.

A província iraquiana de Ninawa onde se situa Mossul está dividida, um pouco dentro do Curdistão e o resto fora.

Possivelmente, a perseguição é feita por religiosos muçulmanos radicais insurgentes, pertencentes à al-Qaeda, de regiões como Bagdad e arredores, perseguidos pelas tropas americanas e talvez refugiados em zonas rurais à volta de Mossul.

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Uma série de mortes no anterior Ano Novo e o mediático rapto e assassinato do Arcebispo Paulo Farj Rahho, em 2007, foram mesmo alvo de avaliação e investigação pelo governo central do Iraque.

Vista das montanhas em Amedia

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10º Dia – Quarta-feira, 19 Agosto 2009Amedia, Dohuk, Sulav (de carro)

Interior da Igreja de Santa Maria em Amedia

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Igreja de Santa Maria em Amedia

Por volta das 10 da manhã partimos para Dohuk. Fui no carro do Halkawt, juntamente com o seu irmão Breen e mais um amigo professor da Universidade em Dohuk.

Todos tinham assuntos a tratar na cidade e, por isso, assim que lá chegássemos cada um ia à sua vida para mais tarde nos juntarmos para almoçar.

O Breen ficou comigo e fomos primeiro comprar o meu bilhete de autocarro desde Dohuk até Istambul, bilhete este que fiz questão de

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comprar com, pelo menos, 2 dias de antecedência para garantir lugar na viagem de sexta-feira. Há um autocarro só uma vez por semana e eu não o queria perder.

Passei a manhã nas compras com o Breen, que andou a comprar equipamentos electrónicos para vender na sua loja de hardware em Amedia.

Levei-o a almoçar onde tinha comido falafel da última vez que tinha estado em Dohuk. Ele disse que o local lhe metia nojo, que servia comida de rua e que não queria ficar doente. Bem… eu ainda comi uma sandes com falafel mas depois fomos ter com o Halkwat e o seu amigo a um outro restaurante “decente” para mais uma almoçarada.

Depois de mais umas compras pela cidade e um passeio pelo bazar, lá fomos nós de volta para Amedia. No fim do dia saí para dar uma volta e tentar fotografar as igrejas da cidade. Fui até à Igreja de Santa Maria. Quando cheguei perto, perguntei a um homem onde estava a chave. Ele chamou uma senhora já de idade, muito simpática, que me acompanhou lá dentro.

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Esta igreja é muito simples, embora se nota que é cuidada e bem estimada pela população local. Há outra na cidade, mas esta captou a minha atenção pelo seu aspecto inacabado da parte de fora. A simplicidade do exterior também se sente no interior e o ambiente calmo convida à oração.

Livro escrito em assírio em Amedia

Amedia tem uma grande percentagem de população cristã assíria, que tem a sua própria língua assíria e todo um leque de tradições, valores e cultos diferente dos outros curdos muçulmanos da região.

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Os muçulmanos têm consciência de quem lá estava primeiro, havendo um respeito e um entendimento muito saudável entre as famílias das duas religiões. É normal a interacção entre eles, jantares e conversas na rua e, pelo que percebi, algumas saídas secretas de velhos amigos para beber vinho tinto. Mas em sigilo, já que os muçulmanos não podem beber álcool.

Quando saí, ao lado da Igreja de Santa Maria estava já uma família cristã para me conhecer e questionar acerca da minha presença ali na cidade.

Pethio, um senhor nos seus 60 anos, é professor de inglês na aldeia vizinha de Kani e tem dois filhos nos Estados Unidos e um outro na Austrália. Apresentou-me a família que estava presente, ofereceu-me chá em sua casa e foi buscar um livro escrito em Assírio, a partir do qual me explicou um pouco da sua religião e respectiva história da presença dos cristãos assírios no Iraque.

Depois de uma conversa alegre com Pethio e mais alguns homens que se juntaram a nós, ele perguntou-me: “Tens carta de condução?”.

O Pethio tem carro mas já não o pode conduzir porque os seus olhos não o permitem. Por isso, ofereceu-se para me levar a conhecer o legado

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cristão da região: mosteiros, fontes e grutas sagradas, aldeias cristãs e qualquer outro lugar para onde eu quisesse viajar.

Tinha-o a ele e ao seu carro por minha conta a partir das 9 da manhã do dia seguinte.

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11º Dia – Quinta-feira, 20 Agosto 2009Igreja Mar Odisu, Kani, Deralok, Barzan (a conduzir)

Paisagem na estrada para Barzan

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Complexo religioso de Mar Odisu perto de Kani

Este foi um dia espectacular mas começou de maneira um pouco assustadora. A mãe de Sarkawt corria pela casa aos gritos. Nós saímos do quarto e vimos uma toalha de banho no chão, para onde ela apontava enquanto gritava algo em curdo que eu não entendia. O Arkawt pegou na toalha e lá conseguimos ver, bem enroladinho, um valente escorpião amarelo!

Depois de o ter levado para fora, para a matança final, voltou muito assustado para dentro de casa enquanto dizia: “Ai se isto picasse as crianças!”.

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Depois do pequeno-almoço, ainda muito cedo, fui dar uma volta à cidade antes de ir ter com o senhor Pethio às 9 da manhã. Devo ter andado perto de uma hora antes do encontro.

Fui tirar fotografias à grande porta antiga da cidade, passei pela rua do mercado e depois lá fui ter com o Pethio, que me ofereceu chá enquanto discutia com a sua mulher, que estava furiosa por ele sair.

Acabámos mesmo por ir à aventura. Apenas dois quilómetros depois já o Pethio me dizia que eu conduzia muito bem. Mas a verdade é que foi um pouco difícil adaptar-me quer àquele Opel velho, quer às estradas iraquianas com condutores selvagens.

A primeira paragem foi para visitar um complexo religioso cristão no sopé da montanha, onde a enorme igreja de Mar Odisu se integra na paisagem como que se sempre lá tivesse estado. Visitámos as capelas de Santa Maria e do Santo Kardakh.

Nas traseiras da igreja há imensas grutas e nascentes de água sagrada onde milhares de peregrinos se juntam todos os domingos para se deitarem e conviverem naquele ambiente fresco, ideal para uma tarde de Verão.

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Carro que conduzi até Barzan e no regresso até Amedia

O Pethio dizia que lhe caía mesmo bem uma cerveja fresca, melhor que toda aquela água sagrada.

A seguir, mostrou-me a antiga aldeia bombardeada e a sua nova casa em cima do monte, em que faltava instalar os sistemas de água e electricidade. Talvez no próximo ano a acabasse...

Eu tinha de regressar a Amedia antes do meio-dia para ir com o Wisam e o Arkawt ver umas grutas secretas para culto cristão que tinham,

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também, servido como local de refúgio durante os ataques aéreos a aldeias e igrejas da região, nos anos 60.

Depois tinha planos para ir até Barzan, a cerca de 100 KM de distância, para ver o cemitério onde está enterrado o Molah Mustafa Barzani, pai da revolução curda que lutou pela independência da região durante décadas. O seu filho, Massoud Barzani, é o actual presidente do Curdistão iraquiano. Para mim, a visita deste local estava cheia de interesse histórico. Simplesmente tinha de ir.

O Pethio depressa se ofereceu para me acompanhar. Uma vez que tinha carro iríamos juntos, aproveitando que já estávamos na estrada. O que ele queria mesmo era sair de Amedia e viajar um pouco.

Contou-me que, quando era jovem, tinha viajado pela Jordânia, Egipto e Síria e tinha adquirido o gosto pela viagem. Mas com a idade restringia-se a Amedia, à aldeia onde dava aulas e à sua horta enorme nos subúrbios de Kani. Cheguei a conhecê-la no final do dia. Tinha uma vista impressionante para Amedia, no topo da montanha.

Telefonámos para o Sarkawt a desmarcar o que estava combinado e lá fomos nós em direcção a Barzan, cidade longe de tudo e de todos.

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A região de Barzan tem uma série de barreiras militares que, por um lado, protegem a zona natal dos políticos curdos; por outro, servem para controlo da zona por causa dos guerrilheiros do PKP que lutam pela independência curda do lado turco.

Mesmo em Amedia há um quartel militar turco, com tanques e carros militares.

Começámos por visitar a aldeia cristã de Kani, onde Pethio ensina inglês e onde tem familiares. Estavam todos à nossa espera para me conhecerem.

Quando chegámos, o irmão de Pethio estava a cozer bulgur com os seus vizinhos. O bulgur é parte fulcral da comida das pessoas da região, principalmente dos cristãos, que o preparam e cozem para que fique pré- -cozido e preparado de modo a ser armazenado para o Inverno.

Seguimos viagem em direcção a Barzan. O calor apertava e o Pethio transpirava, desejoso de cerveja fresca.

Para azar dele, não havia em Kani. Teríamos de esperar até Deralok, onde parámos para conhecer o pai da mulher do filho de Pethio, que tem uma mercearia na estrada principal.

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Preparação do bulgur na aldeia e Kani

Aí, ele e o seu filho Iwab riam e discutiam alegremente com uma mulher já de idade e com vestes tradicionais dos cristãos assírios iraquianos, algo que eu ainda não tinha visto. Uns quilómetros mais adiante parámos outra vez para o Pethio comprar uma cerveja fresquinha. Finalmente o velhote sorriu a 100%.

Naquele momento é que foi: viagem, companhia e cerveja. Estava nas suas sete quintas.

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Numa das barreiras policiais demos boleia a uma senhora idosa muçulmana que foi o caminho todo a falar com o Pethio. O neto desta senhora só queria parar para comprar gelados, já que um calor infernal se fazia sentir naquela zona montanhosa.

Demorámos cerca de 2 horas desde Kani até Barzan. A estrada não está em muito mau estado mas precisa de revisão e os condutores são um pouco agressivos.

Depois do Pethio perguntar por algumas direcções e pararmos para comer um gelado e bebermos uns sumos, lá fomos em direcção ao Memorial da família Barzan, no qual estava em construção um grande complexo com vários edifícios que servirão de museu da revolução curda.

O guarda saudou-nos, mas sempre com a sua AK-47 na mão. Fui tirar fotografias para dentro do cemitério cheio de bandeiras curdas e do partido PDK – Partido Democrata Curdo.

Estávamos cheios de fome. O Pethio entrou num edifício que pensávamos ser um restaurante mas que, na verdade, era um centro de acolhimento para visitantes e peregrinos da revolução onde os apoiantes são regalados com comida e dormida grátis.

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Homens curdos no Memorial Barzani em Barzan

Fomos muito bem recebidos. Tal como eu, Pethio não come carne e, por isso, comemos arroz com molho de tomate que, por sorte, não tinha tido o molho da carne assada que estavam a servir naquele dia. Aquela refeição acompanhada de pão, tomatada com cebola e batata, melão e água fresquinha soube mesmo bem. Um espectáculo.

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Cemitério PDK em Barzan

No regresso do passeio parámos novamente em Deralok para irmos a casa do tal senhor que conheci na mercearia. Foram-me oferecidos melão, chá, água e bolos. Estranhamente, a casa estava cheia de raparigas lindas, todas sorridentes. Acho que foi uma tentativa de me casarem… De certeza algo preparado entre o Pethio e o seu genro para ver se me caía de amores por alguma delas.

Eu a casar-me no Iraque com uma linda cristã assíria do norte do Curdistão? Não aconteceu.

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Na volta a Amedia fui um pouco para a loja do Andrei onde estavam também o Sarkawt e o Fawzi. Mais tarde, fomos de carro dar uma volta por Sulav e subirmos o vale para encontrarmos mais uns amigos que lá iam ter connosco.

O dia tinha corrido bem e tinha sido muito preenchido. O dia seguinte também seria longo.

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12º Dia – Sexta-feira, 21 Agosto 2009Amedia, Dohuk, Zakho, Fronteira, Cizre (de táxi)

Fronteira da Turquia

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Vendedores de melancias na saída de Dohuk

Este era o meu último dia no Iraque. Ia viajar para Istambul de autocarro desde Dohuk. Mas para o apanhar precisava de ir de Amedia até Dohuk no carro do meu amigo Halkawt, que também aproveitaria a viagem para deixar a irmã da sua mulher no táxi para Sulaymaniyah.

Dado que tinha havido um problema com o autocarro que ia até Istambul, tivemos todos que ir de táxi privado até à fronteira, num percurso de cerca de 50 KM. Depois teríamos de tratar das várias formalidades e esperar um outro táxi turco que nos levaria à cidade de Cizre, a cerca de 50 quilómetros da fronteira Ibrahim Khalil, no Iraque.

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Todo este processo foi um pouco confuso e devo admitir que foi precisa muita paciência e os olhos bem abertos para seguir bem todos os acontecimentos, já que tinha de cumprir as formalidades do passaporte sem perder de vista os taxistas turcos que estavam encarregues de nos transportar até ao outro lado.

Ainda no escritório da agência dos autocarros em Dohuk, conheci uma mulher iraquiana de passaporte canadiano que vivia no Canadá há mais de 20 anos e que tinha ido ao Iraque, a Kirkuk, visitar a sua família depois de 2 décadas de ausência. Tinha levado a sua filha, a Daria, que se queixava de ter ficado em casa 2 meses sem poder sair por causa da guerra. A situação era difícil.

Na fronteira, o processo de verificação de documentos foi relativamente fácil. Basta um pouco de perseverança e paciência que tudo se resolve. Para passar são precisas fotocópias do passaporte e muitas das pessoas só sabem disto depois de mais de 20 ou 30 minutos na fila de espera para serem carimbadas, o que cria um ambiente de revolta entre todos.

Eu já tinha uma série de fotocópias dentro da mochila prontas para situações destas e, por isso, não tive problemas. O mais enervante foi que toda a gente vinha pôr o passaporte em cima do meu, ficando eu sempre

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para trás. Queriam passar-me à frente e depois ficavam muito ofendidos quando eu invertia a posição dos passaportes na frente do guiché de controlo policial. Não pretendia ficar ali muito tempo e, na verdade, despachei-me mais rápido que a maioria dos iraquianos presentes.

Autocarro até Istambul

Estava pronto para ir embora. Só faltava o táxi, mas o condutor andava nas compras. Quando voltou, quis que eu e a mulher que ia dividir o táxi comigo disséssemos na fronteira que os cigarros eram nossos, já que só se pode passar com um volume de cigarros por pessoa.

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Eu concordei mas expliquei que, se houvesse problemas, deitava os volumes para o lixo para poder passar a fronteira. A mulher traduziu para turco e lá fomos nós.

Desde Cizre, finalmente apanhei o autocarro para Istambul, tudo incluído no preço do bilhete que paguei em Dohuk. Nem um tostão a mais. Istambul ficava longe. Muito longe.

Mais um fim de dia longo. Esta viagem levaria cerca de 22 horas. E ainda estava no princípio...

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13º Dia – Sábado, 22 Agosto 2009Chegada a Istambul (de autocarro)

Postais numa loja em Istambul

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Comboio desde Istambul até Bucareste na Roménia

A viagem até Istambul fez-se durante o primeiro dia do Ramadão. Os nervos estavam à flor da pele já que o condutor se enervava com toda a gente que não fazia o que ele bem queria e mandava. Um dos trabalhadores do autocarro atirou-lhe com a gravata e moedas acima e despediu-se.

Cheguei a Istambul, depois do almoço e queria então arranjar transporte para sair do país. Depois de ter ido a algumas agências de venda de bilhetes de avião e de ter experimentado a Otogar Europa para ver horários de autocarros para a Roménia ou Moldávia, acabei por não

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arranjar nada que me interessasse e apanhei um táxi até à Estação de Comboios. Aí guardei a minha bagagem num cacifo e comprei o bilhete de comboio Istambul-Bucareste num compartimento para 3 pessoas que, na verdade, só tinha 2 camas.

Na primeira vez que fui para Istambul, no início de toda esta aventura, tinha ido nas carruagens com cadeiras normais mas, desta vez, como estava cansado da viagem de autocarro desde o Iraque, resolvi pagar mais algum dinheiro para ter um compartimento melhor – com cama.

Até à hora da partida andei pela cidade, jantei, comprei uma sandes e uma garrafa de água para a viagem. A seguir, apanhei a bagagem na estação, que tinha que recolher até às 20:30, e entrei no comboio, que partiu às 22 horas.

Dividi o compartimento com um americano que se estava a mudar para Berlim depois de ter estudado um ano em Ankara.

Este dia foi muito interessante, pois a religiosidade do momento fazia-se sentir.

O jejum do Ramadão é interpretado como uma forma de purificação, de desenvolvimento do auto-controlo e de aperfeiçoamento pessoal.

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Pinturas numa galeria de arte em Istambul

Estava tudo repleto de simbologia. Foi interessante findar a viagem num dia tão especial para tanta gente.

Lembrei-me do primeiro dia na cidade de Cizre, num local também muito importante, onde um senhor no Mausoléu de Noé veio até mim e disse:

“Olha que dia cheio de Luz. E os Anjos são seres criados por Deus a partir da Luz!”

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Agradecimentos

Na viagem ao Iraque agradeço a:

Guardas de fronteira do Iraque

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Sarkawt e Halkawt

Fawzi

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Pethio

Ismael e Ivan

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Acerca do Autor

João Leitão nasceu em Alvalade - Lisboa em 1980. Artista plástico de formação, sempre aliou a sua maneira de viver através da descoberta pessoal pelo caminho da viagem, seja ela espiritual ou geográfica.

Viajante compulsivo, faz da sua vida uma aprendizagem, assimilando culturas, religiões, história, aventuras e amizades pelo mundo fora.

Até aos 30 anos de idade já tinha vivido em cidades como Évora - Portugal, Nova Iorque - EUA, Almaty - Cazaquistão, Kankaanpää - Finlândia, Marraquexe, Erfoud, Ouarzazate - Marrocos, Lviv - Ucrânia e Istambul - Turquia.

Pessoa prática, não procura escrever romances, mas sim relatos de viagem com experiências pessoais, explicando o contexto sociocultural dos lugares por onde passa. Tenta assim incentivar à auto-concretização, fazer aprender culturas e descrever, aos leitores, países interessantes e longe do nosso dia-a-dia normal.

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