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Mundo & Vida vol. 3 (2) 2002 A Percepção da Radioatividade por Estudantes de Nível Superior Alphonse Kelecom & Rita de Cássia dos Santos Gouvea Pós-Graduação em Ciência Ambiental – PGCA e Laboratório de Radiobiologia e Radiometria Departamento de Biologia Geral, C.P. 100.436, 24001-970 Niterói RJ, Brasil; E-mail: [email protected] Resumo – A percepção da radioatividade por estudantes universitários é muito superficial. Suas informações provêm da imprensa, raramente de estudos, fazendo com que ela seja desconhecida, temida e rejeitada. Em geral eles não sabem definí-la, sequer parcialmente, nem conhecem a maioria das suas aplicações. Aceitam a existência de radioatividade natural no solo e a execução de testes nucleares ambientalmente limpos e seguros para todas as formas de vida. Palavras-chave: radioatividade,radioatividade natural, definição,rejeição, aplicações, alunos universitários. Radioactivity Perception among High Level Students. Abstract – Radioactivity perception by high level students is very superficial. Their informations originate from the midia, seldom from studies; therefore radioactivity is mostly unkown, feared and rejected. Students are in general unable to define radioactivity, even in part, and most of the common uses are unknown to them. The existence of natural radioactivity in soil is acepted as are safe and environmental clean nuclear tests. Key words: radioactivity natural radioactivity, definition, rejection, uses,high level student. La Perception de la Radioactivité chez les Etudiants de Niveau Supérieur. Résumé – La perception de la radioactivité chez les étudiants universitaires est très superficielle. Leurs connaissances viennent des midias, rarement de l’école. C’est pourquoi la radioactivité est mal connue, crainte et rejetée par ces étudiants qui en général na savent pas la définir, ni même en partie. Ils ne connaissent pas non plus ses applications courantes. Ils acceptent l’existence de radioactivité naturelle dans le sol ainsi que l’exécution de tests nucléaires sans risques pour la vie et propres pour l’environnement. Mots-clé: radioactivité, radioactivité naturelle, définition, rejet, applications, étudiants universitaires. Não se deve temer a Radioatividade e sim respeita-la. (segundo K.Z. Morgan) 1. INTRODUÇÃO Desde a sua descoberta por Henri Becquerel em 1896, a Radioatividade tem suscitado as mais diversas reações junto à comunidade científica em particular e junto ao grande público em geral. Desde incredulidade, admiração e adoção à desconfiança, rejeição e ódio, toda uma gama de sentimentos foi aparecendo. Com efeito, nos seus primórdios, a Radio- atividade passou rapidamente de mera curiosidade de laboratório à poderosa ferramenta que permitiu a Ernest Rutherford de propor, entre outras coisas, um modelo coerente para a estrutura do átomo e, com isto, desvendar os segredos da natureza íntima da matéria. Por outro lado, foi também baseado em expe- riências de desvio de partículas alfa pelos núcleos dos átomos que Henry Mooseley deu uma forma definitiva à Tabela Periódica dos Elementos, mostrando que a seqüência dos mesmos obedecia, não à massa atômica como proposto anteriormente por Mendeleiev, mas sim ao número de prótons contidos nos núcleos (o número atômico), o que permitiu mais tarde atribuir as propriedades químicas dos elementos à estrutura da nuvem eletrônica. Paralelamente, os trabalhos do casal Curie impulsionaram a descoberta de novos elementos químicos naturalmente radioativos, bem como permitiram desvendar a natureza complexa da radiação nuclear, composta de partículas alfa (α) ou beta (β) e de raios gama (γ). Observou-se também que quando o decaimento radioativo resultava em emissão de partículas, novos elementos químicos eram formados, por transmutação. Era o velho sonho dos alquimistas quase realizado. Na verdade nunca o será; mas ficava claro que reações químicas e reações nucleares eram fundamentalmente diferentes. Embora estas descobertas tivessem rendido muitos Prêmios Nobel de Física e de Química, é bem provável que a Radioatividade nunca teria saído dos laboratórios de pesquisa ou da literatura científica se não fossem as inúmeras aplicações que viriam a surgir com os anos. Entre estas, as aplicações na Medicina, principalmente na luta contra o câncer e, mais tarde, a produção de energia elétrica foram as primeiras grandes conquistas. Mas houve também a insensatez humana: a Bomba Atômica, com seu enorme poder de destruição. Daí em diante, a radioatividade passaria a ser questio- nada e, numa segunda fase, intensamente combatida, por movimentos pacifistas, movimentos ecológicos e, inclusive, por cientistas nucleares. 78

A Percepção da Radioatividade por Estudantes de Nível Superior

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Mundo & Vida vol. 3 (2) 2002

A Percepção da Radioatividade por Estudantes de Nível Superior

Alphonse Kelecom & Rita de Cássia dos Santos Gouvea Pós-Graduação em Ciência Ambiental – PGCA e Laboratório de Radiobiologia e Radiometria

Departamento de Biologia Geral, C.P. 100.436, 24001-970 Niterói RJ, Brasil; E-mail: [email protected] Resumo – A percepção da radioatividade por estudantes universitários é muito superficial. Suas informações provêm da imprensa, raramente de estudos, fazendo com que ela seja desconhecida, temida e rejeitada. Em geral eles não sabem definí-la, sequer parcialmente, nem conhecem a maioria das suas aplicações. Aceitam a existência de radioatividade natural no solo e a execução de testes nucleares ambientalmente limpos e seguros para todas as formas de vida. Palavras-chave: radioatividade,radioatividade natural, definição,rejeição, aplicações, alunos universitários.

Radioactivity Perception among High Level Students. Abstract – Radioactivity perception by high level students is very superficial. Their informations originate from the midia, seldom from studies; therefore radioactivity is mostly unkown, feared and rejected. Students are in general unable to define radioactivity, even in part, and most of the common uses are unknown to them. The existence of natural radioactivity in soil is acepted as are safe and environmental clean nuclear tests. Key words: radioactivity natural radioactivity, definition, rejection, uses,high level student.

La Perception de la Radioactivité chez les Etudiants de Niveau Supérieur. Résumé – La perception de la radioactivité chez les étudiants universitaires est très superficielle. Leurs connaissances viennent des midias, rarement de l’école. C’est pourquoi la radioactivité est mal connue, crainte et rejetée par ces étudiants qui en général na savent pas la définir, ni même en partie. Ils ne connaissent pas non plus ses applications courantes. Ils acceptent l’existence de radioactivité naturelle dans le sol ainsi que l’exécution de tests nucléaires sans risques pour la vie et propres pour l’environnement. Mots-clé: radioactivité, radioactivité naturelle, définition, rejet, applications, étudiants universitaires.

Não se deve temer a Radioatividade e sim respeita-la. (segundo K.Z. Morgan)

1. INTRODUÇÃO

Desde a sua descoberta por Henri Becquerel em 1896, a Radioatividade tem suscitado as mais diversas reações junto à comunidade científica em particular e junto ao grande público em geral. Desde incredulidade, admiração e adoção à desconfiança, rejeição e ódio, toda uma gama de sentimentos foi aparecendo.

Com efeito, nos seus primórdios, a Radio-atividade passou rapidamente de mera curiosidade de laboratório à poderosa ferramenta que permitiu a Ernest Rutherford de propor, entre outras coisas, um modelo coerente para a estrutura do átomo e, com isto, desvendar os segredos da natureza íntima da matéria.

Por outro lado, foi também baseado em expe-riências de desvio de partículas alfa pelos núcleos dos átomos que Henry Mooseley deu uma forma definitiva à Tabela Periódica dos Elementos, mostrando que a seqüência dos mesmos obedecia, não à massa atômica como proposto anteriormente por Mendeleiev, mas sim ao número de prótons contidos nos núcleos (o número atômico), o que permitiu mais tarde atribuir as propriedades químicas dos elementos à estrutura da nuvem eletrônica.

Paralelamente, os trabalhos do casal Curie impulsionaram a descoberta de novos elementos

químicos naturalmente radioativos, bem como permitiram desvendar a natureza complexa da radiação nuclear, composta de partículas alfa (α) ou beta (β) e de raios gama (γ). Observou-se também que quando o decaimento radioativo resultava em emissão de partículas, novos elementos químicos eram formados, por transmutação. Era o velho sonho dos alquimistas quase realizado. Na verdade nunca o será; mas ficava claro que reações químicas e reações nucleares eram fundamentalmente diferentes.

Embora estas descobertas tivessem rendido muitos Prêmios Nobel de Física e de Química, é bem provável que a Radioatividade nunca teria saído dos laboratórios de pesquisa ou da literatura científica se não fossem as inúmeras aplicações que viriam a surgir com os anos. Entre estas, as aplicações na Medicina, principalmente na luta contra o câncer e, mais tarde, a produção de energia elétrica foram as primeiras grandes conquistas.

Mas houve também a insensatez humana: a Bomba Atômica, com seu enorme poder de destruição. Daí em diante, a radioatividade passaria a ser questio-nada e, numa segunda fase, intensamente combatida, por movimentos pacifistas, movimentos ecológicos e, inclusive, por cientistas nucleares.

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Laboratório de Radiobiologia e Radiometria Prof. Pedro Lopes dos Santos

Nome do Aluno : ___________________________ Data : ________________________ Curso : _______________________ Formação (Pós-Grad.) : ________________________

1. Quando você ouve falar em radioatividade, seu primeiro pensamento é positivo ou negativo? Qual é e explique porque?

2. Você saberia definir radioatividade? sim não Tente numa frase.

3. Existe, no seu entender, radioatividade natural?

caso afirmativo : onde? na Terra sim não não sei solo ar águas continentais mar no sistema solar sim não não sei planetas espaço interestelar

no cosmos sim não não sei nossa galáxia outras galáxias

4. A radioatividade é utilizada em inúmeras aplicações. Apontem na lista abaixo onde você acha que ela é usada.

armamento produção de energia forno microondas conservação de alimentos beneficiamento de pedras

(semi)-preciosas telecomunicações

(rádio, TV, telefone fixo) telefone celular navegação espacial

navegação marítima navegação submarina diagnóstico de doenças tratamento de doenças Raios-X ou Abreugrafia tomografia computadorizada relojoaria proteção como pára-raios

envelhecimento de objetos de arte beneficiamento de vinho

análise laboratorial imunologia bioquímica física biologia química fisiologia indústrias metalúrgicas outros (quais?)

........................................

Figura 1. Questionário aplicado.

De maneira geral, estas atitudes resultaram e ainda resultam de reações espontâneas de rejeição motivadas mais pelo medo e pelo desconhecimento, do que por uma postura refletida baseada numa análise de riscos. Nisto, a imprensa tem uma profunda responsa-bilidade, pois o caráter sensacionalista invariavelmente embutido nas notícias sobre o “nuclear” pouco contribui para o esclarecimento do público leigo, fazendo com que a palavra radioatividade se torne sinônima de “coisa ruim”.

Existe de fato um forte preconceito a respeito de tudo o que tange a esta temática, sendo ponto pacífico a certeza de que o “nuclear” vende muito mal a sua imagem e que seriam necessárias intensas campanhas de esclarecimento para, se não reverter, pelo menos amenizar este quadro.1

Surge então a pergunta : “Qual é a percepção

que um público mais esclarecido tem da radio-

atividade?” Sem ter a pretensão de esgotar o assunto, este artigo traz algumas respostas a esta pergunta.

1 Encontro Nacional sobre Aplicações Nucleares (ENAN). Debate

sobre o tema “A Imagem do Nuclear”, VI Rio de Janeiro RJ, 2000.

2. METODOLOGIA

Foi escolhido como público mais esclarecido, alunos da Universidade Federal Fluminense (UFF), inscritos numa das diversas disciplinas de Radiobiologia ministradas pelos autores. Eles pertencem a 9 cursos de graduação: Ciências Biológicas, Enfermagem, Farmácia, Física, Medicina, Medicina Veterinária, Odontologia, Nutrição e Psicologia, e 2 cursos de pós-graduação: Biologia Marinha (PGBM) e Ciência Ambiental (PGCA).

O questionário fechado (formulário) reproduzido acima (Figura 1) foi distribuído no início da primeira aula de cada turma para um total de 350 alunos. Foi explicado que se tratava de uma pesquisa, que o teste não valia nota na avaliação final da Disciplina de Radiobiologia e que o teste era facultativo.

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Tabela 1. Primeiro sentimento relativo à radioatividade e percentual de rejeição.

Cursos alunos nº (%) negativo negativo

MAS dividido positivo total da rejeição (%)

Graduações da área da Saúde Enfermagem 49 (14,5) 55,1 14,3 18,4 12,2 69,4 Medicina 92 (27,2) 58,7 7,6 19,6 14,1 66,3 Odontologia 16 (4,7) 37,5 0 56,3 6,3 37,5 Veterinária 30 (8,9) 40,0 6,7 30,0 23,3 46,7 Psicologia 1 (0,3) 100 0 0 0 100 Nutrição 1 (0,3) 100 0 0 0 100

Graduações da área das Exatas Biologia 41 (12,1) 56,1 7,3 26,8 9,8 63,4

Farmácia (ciclo básico) 27 (8,0) 51,9 11,1 22,2 14,8 63,0 Física 20 (5,9) 35,0 10,0 15,0 40,0 45,0

Pós-Graduações Biologia Marinha PGBM 12 (3,6) 50,0 8,3 8,3 33,3 58,3

Ciência Ambiental PGCA 49 (14,5) 57,1 10,2 22,4 10,2 67,3 Total Área Saúde (Graduações) 189 (56,0) 53,4 8,5 23,8 14,3 61,9 Total Área Exatas (Graduações) 88 (26,0) 50,0 9,1 22,7 18,2 59,1 Total Graduações 277 (82,0) 52,3 8,7 23,5 15,5 61,0 Total Pós-Graduações 61 (18,0) 55,7 9,8 19,7 14,8 65,6

TOTAL GERAL 338 (100) 53,0 8,9 22,8 15,4 61,8

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Medicina27,2%

Enfermagem14,5%

PGCA14,5%

Biologia12,1%

Odontologia4,7%

Farmácia8,0%

Nutrição0,3%

Física5,9%

Psicologia0,3%

Veterinária8,9%

PGBM3,6%

Figura 2. Participação Percentual dos Cursos.

Foi dado um tempo de cerca de 30 minutos para o preenchimento do formulário. Eventuais dúvidas quanto ao preenchimento foram esclarecidas na hora.

Dos formulários recolhidos, 12 foram descarta-dos por terem sido apenas parcialmente preenchidos, faltando repostas para as perguntas 3 e/ou 4 (6 casos), por terem sido preenchidos dois formulários por um mesmo aluno (1 caso) ou por ter sido marcado nenhum campo (2 casos) ou, pelo contrário, todos os campos (3 casos) acrescidos de comentários explicando porque o aluno não queria ser usado para este tipo de teste. Sobraram 338 questionários válidos, sendo 277 de alunos das graduações e 61 de alunos das pós-graduações (PG).

A pesquisa foi iniciada no segundo semestre de 1999 e foi encerrada em outubro de 2002.

3. RESULTADOS 3.1. Dos alunos

Trezentos e trinta e oito (338) alunos da UFF participaram desta pesquisa. Eles se encontram distri-buídos nas graduações em Ciências Biológicas (41), Enfermagem (49), Farmácia (27), Física (20), Medicina (92), Medicina Veterinária (30), Odontologia (16), Nutrição (1) e Psicologia (1), e nas PG em Biologia Marinha (PGBM, 12) e Ciência Ambiental (PGCA, 49). No total, são 277 alunos de graduação (82%) e 61 de PG (18%). A participação percentual por curso aparece na Tabela 1 e na Figura 2.

Os alunos de graduação estavam cursando o

ciclo básico, do 2º ao 5º período, sendo a maioria deles dos 3º e 4º períodos. Já os alunos de pós-graduação se encontravam no primeiro ano dos seus cursos.

Para fins de análise dos resultados, pode-se separar os alunos de graduação em dois outros grupos, ligados à sua área de formação : o grupo da saúde reunindo 189 alunos da enfermagem, medicina, medi-cina veterinária, odontologia, nutrição e psicologia, representando 68% do total da graduação, e o grupo das exatas e da terra reunindo 88 alunos das gradua-ções em ciências biológicas, física e farmácia, representando 32% do total da graduação (Tabela 1). Observa-se que a graduação em Farmácia foi incluída neste grupo pois os alunos do ciclo básico de farmácia cursam essencialmente disciplinas da área das ciências exatas e da terra.

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3.2. Dos formulários Sabe-se que os resultados das pesquisas feitas utilizando questionários podem ser fortemente influen-ciados pela estrutura, clareza e até seqüência das perguntas. Tentamos minimizar tais complicações explicando claramente o que se pretendia com a pesquisa e como entender as perguntas formuladas. Assim mesmo surgiram alguns problemas inesperados. Um destes foi relativo ao campo Nome do Aluno. Os alunos, sobretudo os das PG, se sentiam incomodados em declarar seus nomes, preferindo nitidamente o anonimato. De fato, para os fins desta pesquisa, o campo nome não era indispensável; seu preenchimento visava apenas permitir aos autores de avaliar o progresso dos alunos ao cursar a disciplina de Radiobiologia. Foi então facultado aos entrevistados o direito de preencher ou não este campo. Observou-se que os alunos que preencheram seus nomes eram principalmente aqueles que declaravam conhecer a definição da radioatividade (se sentiam seguros) e os alunos que anularam seu questionário não preenchendo nenhum campo, ou todos eles, ou ainda fazendo comentários não solicitados (veja acima, Metodologia). Aqueles que não indicaram seus nomes eram alunos das PG, das graduações onde o nível médio é considerado mais fraco, ou das Ciências Biológicas, único curso onde a Radiobiologia é obrigatória. O campo Data consta do questionário, pois permite detectar respostas que poderiam sofrer a influência de acontecimentos fortuitos noticiados na imprensa, como foi o caso do afundamento do sub-marino nuclear russo Kursk em 2000 e que levou ao aumento de acertos no item específico da pergunta 4. Os campos Curso e Formação (este só para as PG), são necessários para que se possa associar as respostas obtidas aos centros de interesse, sensibilidade e/ou viés profissional (no caso dos PG) dos entrevistados, já que este teste foi feito durante a primeira aula, ou seja ainda na ausência de conhecimento específico sobre radioatividade. A ordem das perguntas foi estabelecida cuidado-samente. Primeiro, pediu-se aos entrevistados de expressar livremente seu sentimento a respeito do tema radioatividade. Depois, perguntou-se se eles sabiam conceituar o tema da pergunta anterior. A seguir, uma vez que a radioatividade está muito associada a ações antrópicas julgadas erradas ou desastrosas, pergunta-se se a radioatividade poderia ser natural e onde ela estaria distribuída, ou poderia ser encontrada. Por fim, solicitou-se apontar em quais campos da atividade humana encontram-se aplicações nucleares. Neste

ponto do formulário, tivemos que introduzir algumas modificações, após a 1ª aplicação, pois observamos erros de interpretação: trocamos “beneficiamento de gemas” por “beneficiamento de pedras (semi)-preciosas” pois os alunos ou não entendiam a palavra gema, ou pensavam se tratar de gema de ovo. Substituímos também o item “irradiação de alimentos” por “conservação de alimentos” e “forno micro-ondas”, pois irradiação de alimentos era entendida como preparação de alimentos em fornos micro-ondas. De mesmo, acrescentamos o item “telefonia celular” separando-o de “telecomunicações”, em razão da enorme controvérsia a respeito das antenas repetidoras, o que levava os alunos a se esquecer da telefonia fixa, das ondas rádio e da TV. Os 139 primeiros formulários entregue possuíam duas perguntas adicionais que foram retiradas pois eram de difícil racionalização. São elas: a. Alguns países voltaram a fazer testes nucleares. O

que você acha a respeito disto? b. O que você sabe da posição dos movimentos

ecológicos a respeito do assunto “radioatividade”? As respostas serão comentadas no final da Discussão.

As respostas à primeira pergunta que trata do primeiro pensamento que vem em mente quando se fala em radioatividade foram classificadas como: pensamento negativo, pensamento negativo MAS quando o aluno sabia que existem aspectos positivos ligados à radioatividade, pensamento dividido (nem positivo, nem negativo) e finalmente pensamento positivo. Os resultados numéricos por curso, no total das graduações ou das PG e no total geral aparecem na Tabela 1.

No caso da segunda pergunta relativa à definição da radioatividade, a ausência de marcação de um dos quadrados Sim ou Não foi contabilizada como uma resposta “não sei se sou capaz de definir o tema”. As definições foram classificadas como certa quando a definição proposta continha a maioria dos elementos característicos do fenômeno de radioatividade, ½ certa quando a definição era por demais incompleta ou quando ela não permitia uma clara distinção em relação a outras propriedades físicas da matéria, errada quando a resposta era falsa, inconsistente ou esotérica. Nota-se que cerca de ¼ dos alunos não tenta propor definição alguma (classificado como sem resposta). Os resultados desta pergunta aparecem na Tabela 2.

A apuração das terceira e quarta perguntas sobre radioatividade natural e aplicações prescinde de maiores explicações. Os resultados se encontram nas Tabelas 3 e 4 respectivamente.

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Tabela 2. Definição da Radioatividade: número de respostas e percentuais.

alunos Sabe definir? Definição Cursos

nº sim não não sei certa ½ certa errada sem Graduações área da Saúde

Enfermagem 49 13 33 3 0 7 22 20 Medicina 92 20 66 6 8 23 34 27 Odontologia 16 7 9 0 3 1 8 4 Veterinária 30 5 21 4 1 7 12 10 Psicologia 1 1 0 0 1 0 0 0 Nutrição 1 0 1 0 0 0 0 1

Graduações área das Exatas Biologia 41 8 30 3 1 10 15 15

Farmácia (ciclo básico) 27 8 16 3 4 9 10 4 Física 20 8 11 1 1 9 4 6

Pós-Graduações Biologia Marinha PGBM 12 4 8 0 2 2 2 6 Ciência Ambiental PGCA 49 17 23 9 4 15 22 8

Total Área da Saúde (Graduações)

189 (100%)

46 (24,3%)

130 (68,8%)

13 (6,9%)

13 (6,9%)

38 (20,1%)

76 (40,2%)

62 (32,8%)

Total Área das Exatas (Graduações)

88 (100%)

24 (27,3%)

57 (64,7%)

7 (8,0%)

6 (6,8%)

28 (31,8%)

29 (33,0%)

25 (28,4%)

Total Graduações 277 (100%)

70 (25,3%)

187 (67,5%)

20 (7,2%)

19 (6,9%)

66 (23,8%)

105 (37,9%)

87 (31,4%)

Total Pós-Graduações 61 (100%)

21 (34,4%)

31 50,8%)

9 14,8%)

6 (9,8%)

17 (27,9%)

24 (39,3%)

14 (23,0%)

TOTAL GERAL 338 (100%)

91 (26,9%)

218 (64,5%)

29 (8,6%)

25 (7,4%)

83 (24,6%)

129 (38,1%)

101 (29,9%)

4. DISCUSSÃO 4.1. Do primeiro sentimento a respeito da radio-

atividade A análise da Tabela 1 mostra que a rejeição à

radioatividade é quase unânime: 53% dos entrevistados expressaram sentimentos negativos de desconfiança e de medo, relacionados com os problemas das armas atômicas, do terrorismo internacional, do lixo nuclear, das poluições atmosférica, marinha e terrestre resultantes de acidentes como o de Tchernobyl. Esta rejeição é ligeiramente maior nas PG (55,7%) em relação às graduações (52,3%) e é maior na área da Saúde (53,4%) do que na área da Ciências Exatas e da Terra (50,0%). Acrescenta-se ainda os cerca de 9% dos entrevistados cuja reação é negativa embora saibam que existem lados positivos nas aplicações nucleares. Ficamos então com ~62% de rejeição. Quase ¼ dos entrevistados (23%) está dividido, mas apenas 15% dizem ter pensamento positivo a respeito do Nuclear. Estas respostas se concentram nas áreas das Exatas (Física 40% e Biologia Marinha 33%). As maiores taxas de rejeição (negativo e negativo MAS, Tabela 1) se encontram na Enfermagem (69,4%), Medicina (66,3%) e, não surpreendentemente, na Ciência Ambiental (67,3%).

As menores taxas de rejeição se observam na Física (45%), como esperado, e inesperadamente na Odontologia (38%) e na Medicina Veterinária (47%). Nestas graduações, no entanto, a aceitação (pensa-mento positivo) varia muito: Física 40%, Medicina Veterinária 23% e Odontologia somente 6%. É que, neste curso, os alunos estão muito divididos (56,3%). Veremos mais adiante que isto resulta de uma confusão bastante geral na qual os RX são considerados uma aplicação nuclear, o que é um erro crasso.2 4.2. Da Definição da Radioatividade

A avaliação dos formulários indica que a noção de radioatividade é muito pouco clara para o público universitário entrevistado (Tabela 2). Mais de ¼ dos alunos (26,9%) declara saber definir “radioatividade”, mas apenas 7,4% apresentam uma definição aceitável, embora incompleta, na imensa maioria dos casos. Outro quarto (24,6%) forneceu elementos corretos de 2 Os RX são produzidos pela desaceleração de ume feixe de

elétrons nas proximidades do núcleo de átomos (Bremstrahlung) ou pelo preenchimento com elétrons das camadas L ou M de uma lacuna eletrônica existente na camada K da nuvem eletrônica (RX característicos), não sendo portanto um fenômeno nuclear.

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definição (Tabela 2, coluna ½ certa), mas 38,1% erram e 29,9% nem tentam propor definição alguma.

Comparando com a Graduação, um percentual maior de alunos da PG declara saber definir “radio-atividade” (34,4 % versus 25,3) e consegue: 9,8% de acertos versus 6,9%. O percentual de definições erradas é o mesmo para Graduação (37,7%) e PG (39,3%). Observa-se ainda que na PG um percentual menor de alunos desiste de propor uma definição: apenas 23,0% contra 31,4% da graduação.

Comparando as áreas de formação “Saúde” e “Exatas”, como definidas no item 3.1, observa-se que um percentual ligeiramente maior de alunos das Exatas declara saber definir “radioatividade”: 27,3% nas graduações das Exatas versus 24,3% da Saúde, mas um percentual idêntico acerta: 6,9% da Saúde contra 6,8% das Exatas. Em contrapartida, um número menor de alunos das Exatas erra na definição (Exatas 33,0% e Saúde 40,2%) e um número maior propõe definições semi-corretas (Exatas 31,8% e Saúde 20,1%).

Entre as propostas de definição de radioativida-de, selecionamos alguns exemplos que merecem des-taque. A seguir, aparecem em itálico os textos exatos e entre parêntese a graduação ou PG do aluno autor da definição. Para muitos, a radioatividade é uma forma de energia (Vet); mais precisamente, uma energia liberada (Bio, Far, Odo, Vet) através da emissão de radiação (Fis, Med, Odo), partículas (Bio, Enf, Far, Fís, Vet), raios (Bio, Enf, Med, Vet) ou ondas (Bio, PGBM, PGCA). Isto é correto mas incompleto.

Os erros aparecem quando o aluno tenta ser mais preciso! Partículas α e β são freqüentemente chamadas de ondas, inversemente raios γ são rotulados de partículas; UV (Vet) e RX (Med) são citados como integrantes da radiação nuclear. Diversos alunos lembram que a radioatividade tem algo a ver com cargas iônicas3 (Odo), ou estaria relacionada com o movimento de íons (Bio, Enf), ou seja: seria a atividade exercida por íons (Med). Vagas noções herdadas das aulas de química do 2º Grau fazem associar íons e elétrons, o que explica talvez as definições erradas que seguem: a radioatividade seria uma alteração no átomo devido à perda ou ao ganho de elétrons (Odo), ela estaria relacionada com a mudança da posição dos elétrons em suas camadas (Enf), ou com a atividade dos elétrons dos átomos (Med), ou ainda com a agitação de elétrons produzindo uma reação em cadeia (Vet), ou mais simplesmente com uma modificação da estrutura elétrica dos átomos (Bio). Tais erros seriam facilmente evitados se os alunos

lembrassem que radioatividade, energia atômica (ou energia nuclear) são noções intimamente associadas, e logo que a radioatividade é um fenômeno que ocorre nos núcleos dos átomos.

3 As partículas α e β possuem cargas elétricas e a principal inter-

ação da radiação nuclear com a matéria resulta na ionização da mesma.

Outro aspecto interessante está traduzido na afirmação de um graduando em medicina : “É muito difícil para um leigo ver a radioatividade como algo natural”. Por isto, a imensa maioria pensa que a radioatividade é um fenômeno induzido e não espontâneo. Assim, a radioatividade é a emissão de radiação por um núcleo quando bombardeado (Odo), ou é a energia liberada pela manipulação de átomos (Bio) ou de certos elementos químicos (Odo), ou ainda a liberação de partículas quando um átomo é bombardeado (Far) ou quando certa substância é estimulada (Enf).

Neste ponto da discussão, seria oportuno definir Radioatividade.

« A radioatividade é a propriedade que certos nuclídeos (isótopos) apresentam de liberar alea-tória e espontaneamente o excesso de energia nuclear que possuem, em busca da sua estabili-dade, sob a forma de radiação corpuscular (par-tículas α e/ou β) ou de radiação eletromagnética (γ), gerando, no caso de radiação corpuscular, novos nuclídeos por transmutação. »

Este apecto da transmutação é fundamental, mas foi citado por pouquíssimos alunos, inclusive raramente por aqueles cuja definição foi considerada correta. O que muitos lembram é o caráter penetrante da radiação emitida (Bio, Med, Odo, Vet, PGBM, PGCA), mas poucos falam do seu caráter ionizante (só dois alunos da Medicina e da Medicina Veterinária) ou dos benefí-cios que ela pode trazer (Far, Med, Vet).

A definição é dada muitas vezes em função dos efeitos ou das aplicações da radiação. Por exemplo, a radioatividade é: a emissão de partículas que afetam os organismos de modo positivo ou negativo (Far), ou a utilização de radioisótopos em pesquisa, experiências e exames (Bio), a ação dos raios sobre tecidos vivos (Vet), ou ainda o uso da radiação para tratamentos (Enf, PGCA).

O preconceito ao qual fizemos alusão na Introdução aparece em diversas definições. Citaremos algumas. Radioatividade é “aquilo” que se usa para destruir ou salvar vidas (Vet), são raios que atravessam células podendo ou não ocasionar danos (Vet), é a liberação de partículas ionizantes prejudi-ciais à saúde (Vet), é a emissão de partículas prejudiciais que podem destruir células (Fís), é uma radiação produzida que pode ser maléfica ou não

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Tabela 3. Distribuição da Radioatividade Natural: número de respostas e percentuais por grupo.

Totais percentuais item Bio 41

Enf 49

Far 27

Fís 20

Med 92

Nut 1

Odo 16

Psi 1

Vet 30

BM 12

CA 49 Saú Exa Grad PG Geral

na Terra? sim 39 43 27 18 82 0 14 1 27 11 45 88 96 91 92 91 não 0 0 0 2 3 0 0 0 3 0 1 3 2 3 2 3

não sei 2 6 0 0 7 1 2 0 0 1 3 9 2 6 6 6 caso afirmativo

no solo 26 39 21 17 73 0 13 1 21 7 38 78 73 76 74 76 no ar 23 16 6 6 44 0 7 1 12 7 26 42 40 42 54 44

nas águas 24 12 7 6 30 0 4 0 14 7 23 32 42 35 49 38 no mar 21 11 2 6 32 0 3 0 11 8 24 30 33 31 52 35

sem resposta 3 8 1 1 6 1 3 0 3 2 9 11 6 9 18 11 no sistema Solar?

sim 35 42 22 18 85 0 15 1 27 11 43 91 85 89 89 89 não 0 1 1 0 1 0 0 0 2 0 1 2 1 2 2 2

não sei 6 6 4 2 6 1 1 0 1 1 5 7 14 9 9 9 caso afirmativo

nos planetas 32 35 16 13 76 0 12 0 19 8 28 75 69 73 59 71 no espaço 23 24 11 9 51 0 7 1 17 5 25 53 49 52 49 51

sem resposta 7 10 6 2 7 1 2 0 4 3 14 13 17 14 28 17 no Cosmos?

sim 31 28 22 19 71 0 15 1 29 10 39 76 82 78 80 78 não 1 8 0 0 4 0 0 0 1 0 1 6 1 5 2 4

não sei 9 13 5 1 17 1 1 0 0 2 9 18 17 17 18 17 caso afirmativo na nossa galáxia 31 27 20 18 69 0 14 1 25 5 32 72 78 74 61 72

nas outras galáxias 27 18 11 11 58 0 12 1 22 3 25 59 56 58 46 56 sem resposta 9 21 3 2 17 1 1 0 4 3 16 23 16 21 31 23

Bio: Ciências Biológicas, Enf: Enfermagem, Far: Farmácia, Fís: Física, Méd: Medicina, Nut: Nutrição, Odo: Odontologia, Psi: Psicologia, Vet: Medicina Veterinária; BM: Mestrado em Biologia Marinha (PGBM) e CA: Mestrado em Ciência Ambiental (PGCA); Saú: área da Saúde (graduação); Exa: área das Exatas (graduação); Geral: Total Geral

(Fís), é a energia que tem poder de penetrar nos corpos prejudicando-os (PGCA), é a emissão de raios maléficos à nossa saúde (Enf), é a radiação nuclear que pode gerar problemas de saúde (Med), são ondas com grande poder de destruição (Med); por fim, a radioatividade é as vezes natural, mas principalmente induzida e maléfica (Med). As novas tecnologias não escapam do preconceito: a radioatividade está presente nos eletro-eletrônicos, de uso doméstico, criados pelo homem 4 (Med)!

O meio ambiente é usado para sustentar o preconceito: a radioatividade é um tipo de poluição que causa danos ao meio ambiente (PGCA), são substâncias químicas que se comportam de maneira singular no ambiente e nos organismos vivos (Enf), é a ação de vários tipos de raios sobre o ambiente (Med), é a atividade de diversas partículas altamente reativas ... com alvo específico na natureza (Bio). Por fim, é o que existe no meio natural e que pode ser produzido para outros fins (Bio).

4 Quando solicitado de esclarecer este ponto, o aluno apontou os

telefones celulares e os fornos a microondas.

Algumas definições são muito surpreendentes: a radioatividade é a atividade radiográfica do átomo (Odo), o movimento de ondas no espaço (Vet), tem a ver com comprimento de onda (Bio), é uma vibração de alta freqüência produzida por substâncias minerais (PGCA), algo que pode alterar o desenvolvimento natural (Enf), uma radiação emitida por seres vivos (Med), ou ainda um tipo de emissão de energia liberada pela vibração molecular (Bio).

Muito disto resulta de informações obtidas da imprensa ou de lembranças de noções estudadas no 2º Grau, mas que não foram bem assimiladas. Neste parti-cular, pode se questionar a eficiência do ensino de 2º Grau cujo objetivo principal parece ser a produção de alunos capazes de passar no Vestibular, mais do que de alunos com uma formação básica para o resto da vida. Respostas de alunos da medicina, que, na UFF, fazem parte dos estudantes melhor preparados, ilustram bem a afirmação feita acima: a radioatividade resulta da atividade dos radioisótopos, só não sei o que é radioisótopo (!) e esta outra que diz: a radioatividade é algo como uma energia com propriedades especí-ficas que conheço, mas que não sei explicar (!).

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4.3. Da Radioatividade Natural Muito mais clareza têm os alunos da presença da

radioatividade no ambiente, no sistema solar ou no cosmos (Tabela 3). De maneira geral, a grande maioria dos alunos, mas não a totalidade (91%), declara existir radioatividade natural na Terra. Na sua opinião, ela estaria localizada principalmente no solo (76%), sendo os demais compartimentos menos lembrados: ar (44%), águas continentais (38%) e mares (35%), embora eles sejam também naturalmente radioativos. A preferência para o solo parece indicar que este é considerado mais material do que o ar ou a água, e logo parece ser um melhor suporte para “substâncias radioativas”. Estas tendências são as mesmas entre alunos de graduação e de PG, embora estes últimos apontem a presença de radioatividade não somente no solo (74%) mas tam-bém e com freqüência maior nos demais compatimen-tos: ar 54% (contra 42% nas graduações), águas 49% e mares 52% versus 35 e 31% respectivamente, nas graduações. Isto se explica provavelmente pelo fato das PG envolvidas (Biol. Marinha e Ciência Ambien-tal) terem o meio ambiente como centro de interesse.

Comparando as graduações em função da área de formação, observa-se maior convicção da existência de radioatividade natural na Terra entre os alunos das Exatas (96%) do que os da Saúde (88%), apesar dos alunos da Saúde enfatizarem mais sua presença no solo (78%) em relação aos alunos das Exatas (73%). Os demais compartimentos aparecem aproximadamente com a mesma freqüência.

A idéia de existir radioatividade natural no sistema solar alcança essencialmente os mesmos pata-mares do que para a Terra (~90%), com a exceção dos alunos das graduações da área das Exatas (apenas 85%). Surpesas aparecem ao se perguntar onde estaria esta radioatividade. Os alunos da Saúde são mais categó-ricos que os alunos das Exatas ao afirmar sua presença nos planetas (76% contra 69%). Estranhamente, apenas 59% dos estudantes de PG pensam da mesma maneira. A razão disto não está clara, mas poderia estar ligada à idéia de que radioatividade=poluição=homem e uma vez que ele ainda não pisou nos demais planetas do sistema solar, estes estariam isentos de contaminação radioativa, o que seria então uma negação implícita da existência de radioatividade natural. Outro ponto deixou todos os grupos muito divididos: a existência de radioatividade natural no espaço intersideral. Apenas a metade dos alunos (~50%) acha que sim, embora exista de fato. Nas décadas de 60 e 70 do século passado, no auge da conquista espacial, ninguém duvidaria da radioatividade interestelar, pois falava-se muito de raios cósmicos e dos cinturões de Van Allen sendo atravessados pelos cosmonautas.

Quanto à existência de radioatividade natural no cosmos, aproximadamente ¾ dos entrevistados (78%) são da opinião que existe, na nossa galáxia (72%) e talvez nas outras (56%). Um quarto (23%) não se pronuncia a respeito. Entre os estudantes de graduação, a convicção é ligeiramente maior para os das Exatas (existe sim 82% e na nossa galáxia 78%) do que para os da Saúde (76% e 72% respectivamente). Surpreendentemente, os pós-graduandos hesitam em se pronunciar de maneira precisa. Para eles existe radioatividade natural no cosmos (80%), mas apenas 61% pensam que exista na nossa galáxia e 31% se abstêm de opinar.

Difícil é tentar entender porque os alunos que acham existir radioatividade natural na Terra hesitam em afirmar o mesmo no caso do sistema solar (embora a própria Terra faça parte do sistema solar e embora o Sol seja considerado uma gigantesca bomba atômica), ou no caso do cosmos cuja idade é determinada pela presença de urânio nas galáxias mais distantes. Há nesta atitude uma falta de coerência, característica dos alunos menos treinados a fazer correlações do que a responder perguntas de múltipla escolha onde as respostas mais óbvias são consideradas “pegadinhas”. De qualquer maneira esta atitude caracteriza um conhecimento pouco seguro do assunto tratado, fazendo com que nosso público mais esclarecido não se diferencie muito do público leigo ao qual fizemos alusão no final da Introdução.

Finalmente, embora a pergunta 3 do formulário esteja se referindo à radioatividade natural e embora isto tenha sido enfatizado quando da entrega dos ques-tionários e no próprio formulário ao imprimir a palavra “natural” em negrito, não há como saber se as respostas dos alunos se referem efetivamente à radio-atividade natural e não à ações antrópicas que resultaram nas explosões de bombas atômicas, na construção de centrais nucleares ou na contaminação ambiental devido a acidentes nucleares ou à estocagem de rejeitos nucleares (o assim chamado “lixo atômico”). Se isto tem sido o caso, as respostas e suas análises desviariam muito do objetivo da pergunta que era de avaliar a percepção da existência da radioatividade não ligada a atividades humanas. 4.4. Das Aplicações da Radioatividade

Desde o fim da IIª Guerra Mundial, a radio-atividade tem sido associada às bombas atômicas e à produção de energia elétrica em usinas nucleares. Por outro lado, a alta incidência de câncer põe uma grande fatia da população em contato com técnicas de radio-terapia. Esperar-se-ia, então, que estas três aplicações fossem as mais freqüentemente citadas pelo nosso

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Tabela 4. Das aplicações da radioatividade, valores numéricos de respostas afirmativas por orientação e percentuais por grupo. Os itens e valores em itálicos não são aplicações nucleares.

Totais percentuais item Bio 41

Enf 49

Far 27

Fís 20

Med 92

Nut 1

Odo 16

Psi 1

Vet 30

BM 12

CA 49 Saú Exa Grad PG Geral

Energia 39 43 22 19 91 1 16 1 29 10 48 95,8 90,9 94,2 95,1 94,4 RX 36 47 25 18 88 1 15 1 30 12 44 96,3 89,8 94,2 91,8 93,8

Tratamento doenças 37 42 25 18 88 1 16 1 29 12 45 93,6 90,9 92,8 93,4 92,9 Diagnóstico doenças 35 42 26 17 87 1 15 1 29 11 42 92,6 88,6 91,3 86,9 90,5

Armamento 34 41 21 18 84 1 14 1 29 12 46 89,9 83,0 87,7 95,1 89,1 Física 38 39 24 19 86 1 13 1 26 11 39 87,8 92,0 89,2 82,0 87,9

Química 37 37 24 19 82 1 10 1 23 12 40 81,5 90,9 84,5 85,2 84,6 Tomografia 34 37 18 14 74 1 14 0 26 6 39 80,4 75,0 78,7 73,8 77,8

Análise laboratorial 33 37 21 13 72 1 12 1 22 7 32 76,7 76,1 76,5 63,9 74,3 Bioquímica 34 32 23 12 71 1 1 1 25 9 33 74,1 78,4 75,5 68,9 74,3

Biologia 38 27 19 14 64 1 11 1 21 11 33 66,1 80,7 70,8 72,1 71,0 Imunologia 34 25 17 5 68 1 10 0 24 8 30 67,7 63,6 66,4 62,3 65,7

Telecomunicações 32 38 16 10 59 0 9 0 21 5 27 67,2 65,9 66,8 52,5 64,2 Navegação espacial 23 33 10 11 62 0 13 1 20 6 23 68,3 50,0 62,5 47,5 59,8 Forno micro-ondas 34 30 19 7 47 1 10 0 15 5 20 54,5 68,2 58,8 41,0 55,6

Navegação submarina 19 17 7 10 49 0 7 1 19 5 23 49,2 40,9 46,6 45,9 46,4 Telefonia Celular 35 22 16 7 35 1 12 0 3 4 17 38,6 65,9 47,3 34,4 45,0

Conservação alimentos 36 13 9 8 23 1 4 0 21 4 25 32,8 60,2 41,5 47,5 42,6 Fisiologia 35 13 10 5 33 1 6 0 11 7 16 33,9 56,8 41,2 37,7 40,5 Metalurgia 17 25 13 5 33 1 5 0 14 5 15 41,3 39,8 40,8 32,8 39,3

Navegação marítima 17 14 5 5 43 0 7 0 11 4 20 39,7 30,7 22,4 39,3 37,3 Envelh. objetos de arte 11 15 3 2 22 0 0 0 7 2 10 23,2 18,2 21,7 19,7 21,3

Pára-raios 9 11 6 3 14 0 2 0 8 2 10 18,5 20,5 19,1 19,7 19,2 Benef. pedras preciosas 10 5 3 3 11 0 2 0 6 3 9 12,7 18,2 14,4 19,7 15,4

Relojoaria 2 6 2 5 14 0 3 0 6 1 9 15,3 10,2 13,7 16,4 14,2 Outros 2 1 2 2 6 0 0 0 1 1 4 4,2 6,8 5,1 8,2 5,6

Benef. de vinho 2 3 0 1 2 0 0 0 1 1 5 3,2 3,4 3,2 9,8 4,4 Bio: Ciências Biológicas, Enf: Enfermagem, Far: Farmácia, Fís: Física, Méd: Medicina, Nut: Nutrição, Odo: Odontologia, Psi: Psicologia, Vet: Medicina Veterinária; BM: Mestrado em Biologia Marinha (PGBM) e CA: Mestrado em Ciência Ambiental (PGCA); Saú: área da Saúde (graduação); Exa: área das Exatas (graduação); Geral: Total Geral; Benef.: beneficiamento; Envelh.: envelhecimento.

público-alvo. Isto é verdade apenas entre os alunos da Pós-Graduação em Ciência Ambiental (PGCA). Analisando os dados contidos na Tabela 4, observa-se que a área energética é a mais citada, por 94,4% do conjunto dos entrevistados. As armas nucleares, porém, ficam apenas em quinto lugar, com 89,1%, após o diagnóstico de doenças – 4º lugar com 90,5%, o tratamento de doenças – 3º lugar com 92,9% e, surpreendentemente, os RX – 2º lugar com 93,8%, quase empatado com a produção de energia! Este erro fundamental (veja nota 2) é geral, sendo ligeiramente mais freqüente nas graduações (94,2%, 1º lugar) do que nas PG (91,8%, 4º lugar) e também entre os alunos da área da Saúde (96,3%, 1º lugar) do que entre os alunos das Exatas (89,8%, 5º lugar). Preocupante mesmo são os 90% dos alunos da Física que reconhecem os RX como uma aplicação nuclear. A confusão se explica talvez pelo fato dos RX serem radiações ionizantes à imagem das radiações nucleares. Já a tomografia computadorizada, que é meramente uma sofisticação da aplicação de RX, aparece só no 8º lugar, com cerca de 78%. Outra incoerência!

Entre as ciências básicas, a Física aparece em 1º lugar do total geral com 87,9%, seguida da Química (84,6%), Bioquímica (74,3%), Biologia (71,0%), Imu-nologia (65,7%) e, menos lembrada, a Fisiologia com apenas 40,5%. Esta situação se altera nas PG onde a Química (85,2%) passa na frente da Física (82,0%). Já na área das Exatas, a Física e a Química (esta empa-tada com Energia e Tratamento de Doenças) conquis-tam os 1º e 2º lugares, respectivamente com 92 e 90,9%.

Tecnologias contemporâneas parecem associa-das à radioatividade no imaginário dos estudantes universitários. Assim, as telecomunicações (64,2%), os fornos de microondas (55,6%) e a telefonia celular (45,0%) são erroneamente aceitas como aplicações nucleares, talvez por que todas sejam tidas como emis-soras de radiação. Há nisto, claramente, uma confusão quanto ao significado da palavra “radiação”, confusão esta que se encontra também na imprensa. Lembrare-mos aqui que nem toda radiação é de origem nuclear, mas que toda onda eletromagnética é uma radiação, seja ela onda de rádio, telefonia, televisão, infra-vermelho, luz visível, ou ultravioleta.

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Tabela 5. Dos Testes Nucleares e da posição dos Movimentos Ecológicos: número de respostas e percentuais por grupo.

Totais percentuais item Enf 24

Far 6

Fís 9

Med 51

Odo 3

Psi 1

Vet 26

BM 3

CA 16 Saú Exa Grad PG Geral

Testes Nucleares erro 13 4 3 26 1 1 14 2 9 52,4 46,7 51,6 57,9 52,5 opinião dividida 9 1 5 20 2 0 10 1 5 39,0 40,0 39,2 31,6 38,1 sem opinião 2 1 1 5 0 0 2 0 2 8,6 13,3 9,2 10,5 9,4

Movimentos Ecológicos

são contra 20 5 4 31 3 1 19 2 12 70,5 60,0 69,2 73,7 69,8 não sei 3 1 2 19 0 0 6 0 3 26,7 20,0 25,8 15,8 24,5 outra posição 1 0 3 1 0 0 1 1 1 2,8 20,0 5,0 10,5 5,7

A diferença das radiações nucleares é que estas são capazes de ionizar a matéria por onde elas passam, originando efeitos físicos, químicos e biológicos. Esta associação espontânea das tecnologias avançadas com a radioatividade (um símbolo do moderno) ainda se observa nas respostas relativas às navegações espacial, submarina e marítima. Em todos os grupos de estudan-tes das graduações, PG, das áreas da Saúde ou das Exatas, a navegação espacial é mais citada (~60%) do que a navegação submarina (46,4%) que é mais lembrada que a marítima (37,3%), muito embora satélites, submarinos, porta-aviões e navios quebra-gêlo usem motores nucleares para sua propulsão.

Algumas aplicações nucleares são praticamente ignoradas entre os estudantes universitários entre-vistados. É o caso do beneficiamento de pedras (semi)-preciosas, a fabricação de pára-raios e a produção de mostradores de relógios. Por outro lado, as sugestões erradas beneficiamento de vinhos e envelhecimento de objetos de arte não atraíram muitos alunos.

Raros são os alunos indicando outras aplicações, e nestes casos são citadas as técnicas de datação arqueológicas com carbono-14 (Fís,Med), o uso de traçadores na pesquisa básica ou na medicina (Bio), a esterilização de seringas e equipamentos cirúrgicos (Far), ou o uso de isótopos como ferramenta geo-química (PGBM). Ninguém cita a ativação neutrônica.

O caso da conservação de alimentos merece comentários. Menos de 43% dos estudantes apontam esta técnica como uma aplicação nuclear, embora ela o seja. Os acertos são maiores nas PG (47,5%) do que nas graduações (41,5%), sendo que os alunos das Exatas estão muito melhor informados a respeito (60,2%) do que os alunos da Saúde (32,8%). Isto pode em parte ser o reflexo de uma matéria apresentada num canal de televisão, na época em que algumas turmas fizeram o teste, e que enfatizou a irradiação de alimentos dando, inclusive, uma série de informações erradas ou distorcidas. Esta matéria, pelo seu conteúdo, deve ter atraído principalmente um público interessado

em ciências básicas, o que pode justificar esta grande discrepância entre alunos da Saúde e das Exatas. Entre os alunos da Saúde, os graduandos em Medicina Vete-rinária se destacam, com 70% de acertos, provável-mente em razão da existência de uma disciplina de “Tecnologia de Alimentos” que aborda a conservação de alimentos pela irradiação com 60Co.

Como se comportaram nesta pergunta a turma de alunos da PG em Ciência Ambiental, sendo ela a única turma multidisciplinar a participar da pesquisa? Os mestrandos do PGCA foram os únicos a citar Energia, Armamento e Tratamento de doenças como as três principais aplicações nucleares. No resto, não se diferenciaram sensivelmente do conjunto. É possível que no final do mestrado esta situação seja diferente. 4.5. Dos Testes Nucleares

Um número menor de estudantes participou desta parte da pesquisa: foram 139 alunos distribuídos entre graduação (120 alunos, 86,3%) e PG (19, 13,7%). O grupo das Exatas é composto de 15 alunos, sendo 6 da Farmácia e 9 da Física; o grupo da Saúde é muito maior, 105 alunos, pertencentes às graduações em Enfermagem (24), Medicina (51), Odontologia (3), Psicologia (1) e Medicina Veterinária (26). A PGBM participou com apenas 3 alunos e a PGCA com 16.

A Tabela 5 (parte superior) apresenta a quantifi-cação das respostas dadas à pergunta : “Alguns países voltaram a fazer testes nucleares. O que você acha a respeito disto?”

Mais da metade (52,5%) se posiciona contra os testes nucleares e 38,1% têm uma opinião dividida; 9,4% não se define. Nas PG, a rejeição é maior ainda: 57,9%. Comparando as áreas da Saúde e das Exatas, embora estes dois grupos sejam muito desproporcio-nais, observa-se, como esperado, uma menor rejeição por parte dos alunos das Exatas (46,7%) contra 52,4% do grupo da Saúde. Esta postura é liderada pela Física.

Entre as opiniões contrárias, lê-se que os testes nucleares são desnecessários (Med,Psi), perigosos

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(Enf,Fís,Med,Vet,PGBM,PGCA), maléficos (Enf,Med, Vet,PGCA), que eles causam danos ao meio ambiente (todos), provocam desigualdade entre as nações (Med, Vet,PGCA), que constituem uma ruptura de acordos internacionais para suspensão de testes (Enf) ou de não-proliferação de armas nucleares (Med) e, por fim, que visam o poder econômico (Vet,PGCA), político e militar (Enf,Med,Vet,PGCA). São crimes ecológicos (Fís) horríveis (Vet). Resumindo, as opiniões contrárias expressam o medo, uma preocupação ambiental, bem como posturas sócio-políticas.

Os argumentos a favor citam os benefícios advindos do domínio tecnológico (Enf, Fís, Med, Odo,Vet,PGCA) e de aplicações únicas (Enf,Med), oferecendo uma alternativa energética para o futuro (Vet), conquistas na medicina e na saúde em geral (Enf,Med,Vet), sendo isto tudo importante para o desenvolvimento de um país (Fís,Med).

Testes nucleares só são aceitos se forem sub-terrâneos (PGCA), absolutamente seguros (todos), se não apresentarem perigo para o meio ambiente e a vida em geral (todos), se informarem corretamente o público leigo (Med) e se não forem feitos com o intuito de desenvolver armas nucleares (todos).

Claramente, o “nuclear” suscita atitudes muito divergentes que parecem estar ligadas ao próprio paradoxo da radioatividade que tanto mata quanto cura. 4.6. Dos Movimentos Ecológicos

O mesmo elenco de 139 alunos respondeu ainda à pergunta: “O que você sabe da posição dos movimentos ecológicos a respeito do assunto radio-atividade?” A apuração das respostas aparece na Tabela 5 (parte inferior).

Quase 70% declararam que os movimentos ecológicos têm posição contrária ao uso da energia nuclear quer seja bélico ou pacífico. Um quarto (24,5%) não sabe do assunto e menos de 6% apresentam opiniões diferentes, principalmente os alunos da Física. Nas PG, um maior percentual de alunos conhece a posição contrária dos movimentos ecológicos à radioatividade (73,7%) e um número menor (15,8%) não opina.

Os movimentos ecológicos são qualificados de informados ou pacifistas (PGCA) pelos que os apóiam e de mal informados (PGBM), radicais (Enf,Med,Vet) extremistas (Med) e até de histéricos (Enf) pelos que não apoiam suas idéias e/ou métodos. Diz-se deles que militam pelo uso racional e contra o uso impróprio da energia nuclear (Enf,Med,Vet), o que já resultou em legislação mais adequada (Med). Os movimentos ecológicos estão preocupados com o lixo (Far, Vet,

PGBM,PGCA), vazamentos (Enf,Fís,Med), explosões (PGCA) e querem conscientizar a população (Enf, PGBM). Por outro lado, os opositores sustentam que tais movimentos fazem acreditar que só há riscos (Fís, Med), mas conclui-se que se o uso do “nuclear” for inevitável (PGBM), será necessário responsabilizar as indústrias e os governos (Med) pelo gerenciamento de tudo o que envolve o uso da radioatividade e pelos eventuais acidentes que possam advir deste uso.

De maneira geral, os movimentos ecológicos têm a simpatia do público universitário entrevistado. 5. CONCLUSÕES

Este estudo mostra que o público de estudantes de nível superior, escolhido como público mais escla-recido, não se distingue muito do público leigo quando o assunto é radioatividade. Aliás, muitos alunos, se consideram absolutamente leigos na matéria.

Em geral, a fonte de informações invariável-mente citada, o ponto de referência do saber, é a imprensa: jornais, televisão, revistas. Nunca uma aula, um livro ou uma revista de divulgação científica! Considerando que os jornalistas, incluindo os de colunas científicas, não costumam ter uma boa forma-ção em ciências, o valor científico e a credibilidade das informações veiculadas na imprensa é no mínimo questionável, principalmente pela falta de comprova-ção das matérias publicadas. Raramente os alunos se referem aos seus conhecimentos adquiridos nos bancos da escola ou da faculdade, deixando transparecer uma profunda dicotomia entre os estudos e o que se aproveita deste saber no dia-a-dia. Uma aluna da Medicina se conscientizou disto ao declarar: “Alías, me confundi agora! Não sei se toda radioatividade está relacionada ao núcleo do átomo! Estou com vergonha, me lembro de ter estudado isto bem...(sic)” ... mas esqueceu.

Não há, nestas condições, de se estranhar que o sentimento que domina quanto à radioatividade seja o preconceito. De fato, como afirma a mesma aluna: “Somos levados, de um ponto de vista sócio-cultural, a encarar a radioatividade como causadora de malefícios.” Daí os 62% de rejeição à radioatividade apurados nesta pesquisa. Contudo, só 7% dos alunos de graduação e 10% de PG sabem definir o tema, embora 27% declarem saber a definição. Tem-se uma idéia tão errada da radioatividade que 94% dos alunos consideram os RX como aplicação nuclear! Idem para tomografia, telecomunicações, telefonia celular e até forno micro-ondas, mas o armamento nuclear é citado por apenas 89% dos estudantes, embora seja um dos maiores temores confessos. Em geral, os alunos da

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Mundo & Vida vol. 3 (2) 2001

área das Exatas fornecem respostas mais corretas e/ou menos emotivas que os alunos da área da Saúde.

A existência da radioatividade natural na Terra, no Sistema Solar e no Cosmos é aceita, mas é associada principalmente ao meio sólido, o solo ou os planetas. Ar, águas, mares, espaço intersideral são bem menos citados.

Testes nucleares são aceitos, na condição que sejam subterrâneos e absolutamente seguros para o meio ambiente e para as diversas formas de vida. Este parece ser um ponto crucial e que resulta provável-mente do trabalho desenvolvido pelos movimentos ecológicos.

Não há dúvida de que as explosões das bombas atômicas no final da II Guerra Mundial, o acidente nuclear de Tchernobil na Ukrânia (ex União Soviética), em 1986, e o acidente radiológico de Goiânia, no ano seguinte, contribuíram sobremaneira para a desconfiança, o preconceito e a rejeição de tudo o que tange à radioatividade. Diante da escassez mundial de energia e face ao esgotamento progressivo dos lençóis de petróleo, é provável que dentro de umas duas décadas, não haverá outra alternativa a não ser o uso mais intenso da energia nuclear. Há de se de vencer os medos e os preconceitos.

Ao nosso ver, a aceitação do “nuclear” está condicionada a três ações essenciais:

a. fazer intensas campanhas de esclarecimento do público em geral visando a absoluta transparên-cia da qual todos sentem falta;

b. dar garantias absolutas quanto ao manejo dos rejeitos nucleares, à proteção ambiental e à preservação de todas as formas de vida; e

c. introduzir o ensino obrigatório de noções básicas de radioatividade, abordando propriedades físico-químicas, efeitos biológicos da radiação, radioproteção e aplicações nucleares.

Não se teme o que se conhece bem. Como dizia K.Z. Morgan: “Não se deve temer a radiação e sim respeita-la”. 6. AGRADECIMENTOS

A todos os alunos das graduações em Ciências Biológicas, Enfermagem, Farmácia, Física, Medicina, Medicina Veterinária, Odontologia, Nutrição e Psicologia e alunos das pós-graduações em Biologia Marinha e Ciência Ambiental da Universidade Federal Fluminense que contribuíram para esta pesquisa.

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