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Eixo temático: Geografia física e ensino
A PERCEPÇÃO AMBIENTAL POR MEIO DE MAPAS MENTAIS – METODOLOGIA APLICADA A ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL
EM SÃO GONÇALO REFERENTE AO TEMA: BACIAS HIDROGRÁFICAS Eliane Netto Medeiros da Silva¹ & Carla Maciel Salgado ² 1 – Graduanda em Geografia – FFP/UERJ, Bolsista IC FAPERJ, [email protected] 2 – Profa. Adjunta do Departamento de Geografia – FFP/UERJ, [email protected] Rua Dr. Francisco Portela, 1470, Patronato, São Gonçalo – RJ, CEP 24435-005 O avanço desenfreado das atividades humanas representa uma ameaça constante ao ambiente e à própria sociedade e podem estar relacionados ao nível de compreensão e percepção que os indivíduos têm da problemática ambiental. Sendo assim, a necessidade de se trabalhar a percepção ambiental de modo coerente apresenta-se como alternativa viável para amenizar os impactos socioambientais. Do ponto de vista da conservação das bacias hidrográficas, o município de São Gonçalo (leste da Região Metropolitana do Rio de Janeiro) apresenta uma ocupação indevida de encostas e planícies de rios, o que implica na degradação dessas bacias e, por conseqüência, favorece a distorção de valores e conceitos de cunho ambiental. Diante deste quadro, o presente trabalho se propôs a investigar a percepção ambiental em relação aos rios e bacias hidrográficas urbanizadas de alunos do Ensino Fundamental de escolas públicas nos bairros de Porto Novo e Neves, apontadas como áreas que apresentam intensa degradação e descaracterização de seus rios. Para tanto, foi aplicado a 40 estudantes a metodologia de mapas mentais, considerada como ferramenta importante para externar significados do mundo vivido e/ou concebido. As representações de rios e bacias hidrográficas foram submetidas a categorias de análise propostas por Tamoio (2002 apud Santos 2007), onde foi possível perceber a ausência de relações afetivas de grande parte dos estudantes para com o ambiente vivido, o que contribui para o pouco compromisso com a preservação ambiental. Estes dados foram relacionados ao conteúdo didático aplicado a esses alunos durante o período escolar. Estão em andamento outras categorias de análises que serão incorporados a metodologia proposta. Os resultados obtidos até o momento revelam a necessidade de se fazer uma abordagem mais integradora e sistêmica dos assuntos discutidos em sala de aula, revelando a urgência de se rever os métodos e práticas empregados durante o processo de ensino. Palavras-chave: Percepção Ambiental. Mapas Mentais. Bacia hidrográfica. 1 – INTRODUÇÃO Faz algum tempo que a relação da cidade com o rio assumiu novos significados para
as populações urbanas. Esta afirmação é facilmente comprovada quando nos perguntamos
qual o contato que temos com os rios de nossa cidade. Muitos de nós desconhecemos a
existência e a importância da bacia hidrográfica onde se estabeleceu o bairro em que
moramos. Este comportamento é reflexo de um sentimento de indiferença que aos poucos
foi incorporado na percepção dos indivíduos a partir da intensificação do processo de
urbanização.
As sucessivas obras de retificação e canalização, lançamento de grandes
quantidades de resíduos sólidos e líquidos, aterros de vários afluentes, assoreamentos,
entre outras alterações nos cursos dos rios, trazem consigo a expressão de uma nova
funcionalidade do rio na vida do homem urbano (Ferrata, 1996).
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Enquanto o ambiente hidrográfico comportou a demanda populacional com alterações
mínimas em sua estrutura, dinâmica e funcionamento, o rio e a cidade gozavam de relativo
equilíbrio. Um período que para Bley (1996) foi marcado por uma relação afetiva em
decorrência de um maior contato que as pessoas cultivavam com os rios; uma relação onde
o rio possuia um valor altamente significativo na paisagem vivida (pesca abundante,
navegação, banho, lazer etc.).
O aspecto afetivo de interação cidade-rio passa a ser comprometido a partir do
momento em que o rio deixa de suportar as alterações urbanas. Os níveis de poluição que
os rios atingiram foram o fator preponderante para a ruptura dessas relações (Castello,
1996). A grande carga de esgotos domésticos e industriais deixou os rios com um aspecto
bastante desagradável. Somado a isto, a necessidade de se ganhar mais espaço para
construções tornou-se ponto de partida para que os rios fossem, aos poucos, “escondidos”
na cidade por meio de manilhamento, aterro de afluentes, canalizações, enfim, um conjunto
de ações que facilitaram ainda mais o distanciamento da percepção do rio.
Se a percepção é um processo mental de interação do indivíduo com o meio
ambiente (Del Rio, 1996), a criação de barreiras físicas e visuais (construções de galerias,
tubulações etc.) passa a inibir esta interação. O rompimento do elo afetivo entre a cidade e
o rio torna-se nítido com perda de sua funcionalidade mais apreciada pelos indivíduos: o
contato direto. Sentimentos de afeição, simpatia e admiração estética dos rios foram
diminuindo substancialmente, isto porque a percepção dos indivíduos em relação aos rios
está bastante ligada à beleza cênica que muitos deles possuíram um dia.
Entretanto, a bacia hidrográfica urbanizada passou a ser simbolicamente negativa não
só por seu desagradável aspecto de poluição, mas pelos transtornos que muitos rios
causam a população com os freqüentes episódios de enchentes.
No município de São Gonçalo (leste da região metropolitana do Rio de Janeiro), os
transtornos provocados pelas enchentes são cada vez mais comuns não se restringindo ao
verão (segundo estudos realizados por Souza et al, 2005). Mesmo em períodos de outono e
inverno, quando os totais pluviométricos mensais normalmente são baixos, já foi possível
identificar pontos de alagamentos em vários bairros.
Este quadro reflete a pouca importância dada à deterioração dos canais fluviais,
responsabilidade que compete em primeira instância ao poder público que pouco se
importou em implementar um projeto urbanístico que acompanhasse o elevado crescimento
populacional do município.
Diante do caos urbanístico em que vivem os moradores de São Gonçalo, resta agora
como alternativa viável, um trabalho de gestão que envolva a participação da população
3
local para amenizar a problemática ambiental, tendo em vista que as medidas tomadas sem
a participação popular não produzem resultados tão satisfatórios quanto ações ambientais
planejadas com o envolvimento social (Lima, 1993; Addison, 2003). De pouco adiantaria o
poder público aumentar, por exemplo, o efetivo de fiscalização para impedir as construções
irregulares, se a população está habituada a ignorar a existência e a importância de um rio,
tratando-o como depositor de resíduos.
Todavia, se a percepção dos indivíduos for trabalhada de modo a fazê-los enxergar a
importância de suas ações e atitudes no meio onde estão inseridos, o impacto causado por
estes poderá ser bem menor. Em outras palavras, se o indivíduo passar a perceber que a
ocupação irregular e o lançamento de resíduos sólidos nos rios agravam os problemas de
enchentes, a ação impactante sobre o meio será melhor pensada antes de ser colocada em
prática.
No entanto, mudar a concepção das pessoas sobre determinado comportamento não
é uma tarefa fácil. Neste caso, a escola como um instrumento de transformação social pode
contribuir para esta mudança de valores e atitudes ambientais. Para tanto, os estudos de
percepção ambiental apresentam-se como uma ferramenta eficaz para melhor compreender
as interrelações entre o homem e o ambiente, suas expectativas, seus valores, satisfações e
insatisfações, necessidades e comportamento (Fiori, 2007). Neste sentido, foi empregado o
esquema perceptivo desenvolvido por Del Rio (1996), que explica como se dá a percepção e
como sua investigação favorece a compreensão das relações homem-meio (Figura 1), o que
permite identificar os fatores que contribuem para uma percepção incompatível com a
sustentabilidade socioambiental1.
1 Abordagem utilizada por Grazia & Queiroz (2001, apud Mendonça, 2004) para explicar que a evolução da cidade deve buscar formas de evitar o crescente esgotamento dos recursos naturais e exclusão de parcelas sociais.
Figura 1: Esquema teórico do processo perceptivo. Fonte: DEL RIO & OLIVEIRA, 1996.
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Diante da necessidade de melhor compreender as relações homem-meio, o principal
interesse desta investigação consiste em verificar a percepção ambiental de alunos do
Ensino Fundamental em relação às bacias hidrográficas/rios e ao processo de degradação
dos mesmos. Inserido num mesmo contexto, foi analisado o conteúdo dos livros didáticos
utilizados pelo grupo pesquisado para verificar até que ponto o conteúdo sobre bacias
hidrográficas e rios tem colaborado para que os alunos reconheçam as transformações no
espaço urbano em que estão inseridos, ou melhor, qual a aproximação do conteúdo dos
livros didáticos com a realidade experienciada por eles. No cruzamento dessas informações,
buscou-se refletir sobre métodos e práticas de ensino com relação às bacias hidrográficas
urbanizadas.
2 – METODOLOGIA
Para avaliar a percepção ambiental de alunos do Ensino Fundamental sobre o tema
bacias hidrográficas e rios utilizou-se a metodologia de mapas mentais, que exercem a
função de tornar visíveis pensamentos, atitudes, sentimentos, tanto sobre a realidade
percebida quanto sobre o mundo da imaginação (Oliveira, 2006). A partir de tais
representações sobre rios e bacias hidrográficas é possível associar a percepção do
indivíduo ao comportamento e à ação humana.
A pesquisa foi realizada com duas escolas do município de São Gonçalo (RJ),
localizadas em bacias hidrográficas distintas: Bacia do Rio Marimbondo e Bacia do Rio
Bomba (Figuras 2 e 3). Estas bacias abrangem quatro bairros de São Gonçalo intensamente
urbanizados (Gradim, Patronato, Porto Novo, Neves) e um em processo de urbanização
(Venda da Cruz). A escola próxima ao rio Marimbondo (C.E. Capitão Oswaldo Ornellas)
classifica-se como uma escola de bairro, onde a maior parte dos estudantes são moradores
da bacia mencionada, possibilitando investigar qual a ligação que os mesmos têm com o rio
próximo. A segunda escola (C.M. Ernani Faria) fica nas proximidades da foz do Rio Bomba,
caracterizando-se como uma escola de grande porte que atende alunos de diversos bairros
do município. Nesta última, os resultados obtidos não se restringem a uma escala local, mas
demonstram a realidade do município numa perspectiva mais ampla.
A escolha do 7º ano do Ensino Fundamental (antiga 6ª série) para a aplicação dos
mapas mentais se deve ao fato do conteúdo “Rios e bacias hidrográficas brasileiras”
pertencer ao currículo regular do 6º ano, ou seja, os alunos em tese, já receberam aulas
sobre o tema.
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O trabalho de leitura/interpretação dos mapas mentais apoiou-se nas categorias de
análise estabelecidas por Tamoio (2002, apud Santos, 2007). Dos 40 mapas mentais (20 de
cada escola), 5 foram selecionados para representar as categorias de análise no presente
trabalho.
Em seguida, analisou-se o conteúdo dos livros didáticos do 6º ano que foram
utilizados pelos alunos entrevistados. A análise dos livros em questão obedeceu a critérios
pré-estabelecidos como: observação dos recursos visuais e sua aplicabilidade ao cotidiano
do aluno; fidelidade na abordagem dos conceitos geográficos a respeito de rios e bacias
hidrográficas; mensuração e articulação da realidade presente na região de São Gonçalo
com as temáticas propostas pelo livro.
Traçando um paralelo da análise dos livros didáticos com a interpretação dos mapas
mentais buscou-se compreender falhas no aprendizado e concepções alternativas dos
estudantes sobre rios e bacias hidrográficas.
Identificadas as lacunas no processo ensino-aprendizagem com relação aos rios e
bacias hidrográficas urbanizadas que têm como principal problema as enchentes, esta
pesquisa visa contribuir para que novos métodos didáticos sejam incorporados às alterações
São Gonçalo, RJ
Figuras 2 e 3: Bacias dos Rios Marimbondo e Bomba, respectivamente.
Fonte das Imagens: Google Earth, 2007.
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do espaço geográfico de modo a fornecer subsídios à comunidade escolar para que possam
perceber as mudanças sofridas pelas bacias hidrográficas bem como aprender a lidar com
tais transformações.
3 – RESULTADOS E DISCUSSÕES
3.1 – Análise dos mapas mentais
Os estudantes se mostraram bastante receptivos a aplicação metodológica dos
mapas mentais, demonstrando grande habilidade em suas representações. Este
instrumento de investigação foi altamente relevante para revelar a percepção do aluno em
relação às bacias hidrográficas, seja do espaço vivido e/ou do espaço concebido por eles.
Conceituar uma bacia hidrográfica não é uma tarefa simples, todavia, a elaboração
dos mapas mentais facilitou essa conceituação, além disso, permitiu que os alunos
atribuíssem significados que dificilmente seriam verbalizados naturalmente.
Como a percepção lida com a subjetividade do olhar e do sentir dos indivíduos e dos
grupos com todos os seus valores, atitudes e preferências (Seemann, 2003), adotou-se
estratégias específicas para tornar "visíveis" esses pensamentos, opiniões e sentimentos
sobre as realidades percebidas e os mundos imaginados, apropriando-se das categorias de
análise estabelecidas por Tamoio (2002, apud Santos, 2007) com as devidas adaptações.
A primeira categoria abarcou 27,5% das representações dos participantes da
pesquisa. Como exemplo de categoria romântica, observa-se na figura 4 um rio
encachoeirado e límpido inserido em uma paisagem romantizada (sol personificado). Um
cenário avesso a realidade dos entrevistados.
Figura 4: Exemplo de mapa mental de categoria romântica.
A percepção Naturalista também foi significativamente representada por 22,5% dos
alunos. O desenho da figura 5 remete a uma idéia de bacias hidrográficas com
7
características originais, sem a presença humana. Neste desenho a aluna citou um rio bem
distante de sua realidade, talvez pelo fato do livro didático apresentar figuras de rios de
grande porte e bem conhecidos (Nilo, Amazonas, São Francisco).
Figura 5: Exemplo de mapa mental de categoria naturalista.
A metade dos entrevistados está inserida nas categorias romântica e naturalista.
Estes mapas mentais são representações bem distanciadas de rios e/ou bacias
hidrográficas presentes nas áreas urbanas, um sinal de que o conhecimento escolar tem
sido pouco articulado à realidade dos alunos.
Cerca de 15% dos estudantes representaram uma idéia utilitarista do ambiente
(Figura 6). Nota-se que a bacia hidrográfica é apenas fornecedora de seu recurso natural
(água) para a sobrevivência dos seres humanos. Nesse contexto tem-se a falsa impressão
de que o homem é o grande regente e as forças da natureza não existem ou foram
subjugadas às demandas humanas.
Figura 6: Exemplo de mapa mental de categoria utilitarista.
Esta visão utilitarista faz alusão à idéia do homem como um fator e não um elemento
do ambiente. Deste modo, a ausência do sentido de pertencimento
(homem+natureza=ambiente) contribui para a falta de consciência ambiental nos indivíduos.
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Na perspectiva socioambiental o natural e o social são concebidos como elementos
de um mesmo processo. Observa-se na figura 7 a atuação do homem sobre o espaço por
meio de suas construções e seus resíduos lançados no curso de rios. Essa categoria foi
apresentada por 17,5% dos alunos.
Figura 7: Exemplo de mapa mental de categoria socioambiental.
Nessa perspectiva, o indivíduo já se reconhece como elemento constitutivo do
ambiente. Este sentido de pertencimento pode levar a mudança de atitudes, amenizando
assim, a problemática ambiental, a exemplo das enchentes no município. Todavia, esta
visão de mundo ainda é pouco difundida na percepção dos alunos.
Um percentual significativo dos mapas mentais (17,5%) indica representações
bastante equivocadas de uma bacia hidrográfica (Figura 8). Muitos alunos desenharam
praias sem fazer nenhuma referência à foz dos rios. Para estes, a Baía da Guanabara é uma
grande bacia hidrográfica – uma percepção ambiental impregnada de conceitos e visões
equivocadas da realidade. Provavelmente, tal percepção está relacionada com a grande
proximidade da residência destes alunos à Baía da Guanabara ou ao fato de ter parentes
que exercem a pesca como meio de vida. Neste caso, há colônias de pescadores cujos
barcos são guardados na foz de rios que deságuam na baía.
Figura 8: Exemplo de mapa mental de categoria outros.
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As representações contidas nesta categoria revelaram um desconhecimento quase
total sobre a dinâmica, funcionamento e a relação da bacia hidrográfica com o homem. O
que também reflete a pouca importância dada ao assunto na prática em sala de aula.
O desconhecimento sobre rios e bacias hidrográficas urbanizadas fica ainda mais
evidente quando exposto em gráfico (figura 9). A comparação dos percentuais obtidos em
cada categoria de análise indica uma significativa discrepância da percepção romântica e
naturalista para as demais percepções do ambiente hidrográfico. Neste caso, cabe-nos
concordar com SILVA (2006) quando afirma que a percepção do indivíduo nem sempre
apreende o que o ambiente realmente é, mas o que seus sentidos aprendem a partir de seu
filtro cultural. Por conta disso, verifica-se que a imagem mental registrada na memória da
maior parte dos estudantes ainda está presa a paradigmas dominantes, que insistem em
permear todas as esferas sociais incluindo o meio escolar através do discurso do professor,
do livro didático, entre outros. Estes paradigmas compreendiam a natureza como algo extra-
humano (muito bem representados nas figuras 4 e 5). Mesmo com o esboço de uma nova
concepção de natureza relacionada à compreensão sistêmica e interdependente de mundo,
as concepções românticas e naturalistas coexistem até hoje, contribuindo para a formação
de valores e atitudes ambientais descompromissados com a sustentabilidade
socioambiental. Neste sentido, não é espantoso que o indivíduo não reconheça os rios
descaracterizados de seu bairro como rios e por isso não se sinta responsável por impactar
este ambiente. Esta é uma das causas “chave” a ser pensada como propulsora da
degradação ambiental.
Figura 9: Freqüência de mapas mentais nas categorias de análise adaptadas de Tamoio
(2002, apud Santos, 2007).
CATEGORIAS DE ANÁLISE
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3.2 – Análise do livro didático
Elaborado, editado, impresso e distribuído a partir das grandes capitais do Brasil, e
comprometido principalmente com o saber científico vigente, o livro didático passa muitas
vezes a não refletir corretamente a realidade de cada aluno que o utiliza. Seus exemplos e
analogias, suas imagens e até mesmo sua linguagem, muitas vezes afastam-se do
aprendiz, ou seja, está desconectado da realidade do aluno. Por sua característica
generalista, o livro didático aborda temas globais e inespecíficos, até mesmo por ser
produzido a partir das grandes capitais, tornando-se um obstáculo para a transcrição de
uma realidade local, mais específica.
Apesar de os livros didáticos terem sofrido mudanças significativas nos últimos anos,
foi constatado por meio da análise dos livros utilizados pelas escolas públicas mencionadas
que os mesmos não continham aspectos específicos e/ou que mensurasse e articulasse a
realidade presente na sua região com as temáticas propostas pelo livro (Figuras 10 e 11).
Além disso, as abordagens sobre rios e bacias hidrográficas se mostram ainda bem
impregnadas de uma visão naturalista (Figura 10). Esta concepção apresenta uma natureza
“intocável”, onde se exclui a intervenção do homem sobre ela. Nessa perspectiva positivista,
o natural e o social não representam dimensões complementares e interdependentes de um
mesmo fenômeno ou ambiente, mais sim processos totalmente desconexos.
Em outro momento, os elementos naturais são reduzidos a recursos, ignorando sua
dinâmica própria que independe de sua apropriação social (Figura 11). Traçando um
paralelo desta análise com alguns mapas mentais representados por alunos que associaram
o conceito de bacia hidrográfica à geração de energia elétrica, observa-se que esta idéia,
muito difundida nos livros didáticos, remete a uma noção de recurso apenas. A questão aqui
não é desmerecer a relevância desta informação, mas atentar para que não se induza ao
erro de compreender as bacias hidrográficas somente como um recurso que deve ser
apropriado pelo homem. Este ambiente precisa ser lembrado como um sistema dinâmico
que não funciona apenas como um mero agente passivo, mas também age sobre os
indivíduos. Um grande exemplo disso são os grandes prejuízos econômicos gerados à
população em episódios de enchentes.
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4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os mapas mentais, em quase sua totalidade demonstram que os grandes esforços
realizados nos últimos anos por diversas instituições em busca de alternativas e soluções
para os problemas ambientais, ainda não foram suficientemente capazes para mudar a
percepção e conseqüentemente o comportamento humano em relação às bacias
hidrográficas urbanizadas. Os rios urbanos, que fazem parte da realidade bem próxima da
maior parte dos moradores de São Gonçalo, têm sido pouco percebidos como rios, o que
acaba resultando na ausência de responsabilidade ambiental para com esse ambiente.
Por ser parte indispensável na formação do indivíduo, a escola precisa contribuir para
o esclarecimento e conscientização de modo a desfazer noções distorcidas da realidade.
Para tanto, torna-se necessário, adequar o conteúdo do livro didático à realidade expressa
pelos rios urbanos (canais degradados e descaracterizados), a fim de viabilizar uma
percepção ambiental mais coerente, que forneça subsídios aos indivíduos para que os
mesmos sejam alertados sobre as causas e conseqüências das enchentes.
Todavia, sabe-se que as lacunas no ensino não são problemas restritos aos livros
didáticos, pois, por mais completo, dinâmico ou significativo que sejam não terão resultados
positivos se os professores (os verdadeiros mediadores entre as fontes da informação e os
indivíduos a serem formados) não se empenharem para oferecer uma aula que articule o
conteúdo formal escolar à realidade de seus alunos. É indispensável que o professor se
conscientize de seu importante papel na formação do educando, e procure formas
Figura 11: Usina hidrelétrica de Tucuruí (AM).
Fonte: Vessentini &Vlanch. Geografia Crítica. 6º ano. São Paulo: Ática. 2002.
Fonte: Projeto Araribá: Geografia/obra coletiva. 6º ano.
São Paulo: Moderna. 2006.
Figura 10: Planície do Rio Amazonas – (MS).
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apropriadas de transmissão de conteúdos que permitam uma reflexão sobre a realidade
vivenciada por eles.
Por fim, é urgente promover a formação do indivíduo que leve-o à sua autodescoberta
como parte integrante, vital, responsável e dinâmica do todo. Formação esta que criará em
todos uma nova maneira de pensar o mundo, a vida, o trabalho e as relações homem-
natureza. Desta forma, torna-se essencial o desenvolvimento de pesquisas como esta, que,
no olhar atento sobre as lacunas do ensino, concedem aos professores algumas
ferramentas que permitem aos mesmos uma melhor apropriação do saber científico.
Agradecimentos
Agradeço à FAPERJ pela bolsa de Iniciação Científica e apoio financeiro concedido
ao projeto “Análise espaço-temporal de episódios de enchentes na região do município de
São Gonçalo (RJ): bases para a construção de banco de dados geográficos”.
5 – REFERÊNCIAS ADDISON, E. H. A percepção ambiental da população do município de Florianópolis em relação à cidade. Dissertação de Mestrado em Engenharia de Produção – Universidade Federal de Santa Catariana. Florianópolis, 151p. 2003. BLEY, L. Morretes: um estudo de paisagem valorizada. In.: DEL RIO, Vicente; OLIVEIRA, Lívia (orgs.). Percepção Ambiental: A Experiência Brasileira. São Paulo, São Carlos: Editora da UFSCar, p: 03-20. 1996. CASTELLO, L. Percepção em análises ambientais: O projeto MAB/UNESCO em Porto Alegre. In.: DEL RIO, Vicente; OLIVEIRA, Lívia (orgs.). Percepção Ambiental: A Experiência Brasileira. São Paulo, São Carlos: Editora da UFSCar, p. 61-80. 1996. DEL RIO, V. Cidade da mente, cidade real – Percepção ambiental e revitalização da área portuária do RJ. In.: DEL RIO, Vicente; OLIVEIRA, Lívia (orgs.). Percepção Ambiental: A Experiência Brasileira. São Paulo, São Carlos: Editora da UFSCar, p: 03-20. 1996. FERRATA, L. A. As cidades ilegíveis – Percepção ambiental e cidadania. In.: DEL RIO, Vicente; OLIVEIRA, Lívia (orgs.). Percepção Ambiental: A Experiência Brasileira. São Paulo, São Carlos: Editora da UFSCar, p: 03-20. 1996. FIORI, A. A percepção ambiental como instrumento de de programas de educação ambiental da Estação Ecológica de Jataí (Luiz Antônio, SP). Tese de Doutorado – Universidade Federal de São Carlos. São Carlos: UFSCar, 113p. 2007. LIMA, R. T. Percepção Ambiental e participação pública na gestão dos recursos hídricos: perfil dos moradores da cidade de São Carlos, SP (Bacia Hidrográfica do Rio do Monjolinho).
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Dissertação de Mestrado – Escola de Engenharia de São Carlos - Universidade de São Paulo, 1993. OLIVEIRA, N. A. S. A educação ambiental e a percepção fenomenológica através de mapas mentais. Rev. eletrônica Mestrado em Educação Ambiental, v.16, janeiro de 2006. Disponível em: http://www.remea.furg.br/edicoes/vol16/art03v16.pdf . Acesso em: 07/05/07. SANTOS, R. V. B. S. Natureza: conceito em construção. Monografia de conclusão de Graduação – UERJ/ FFP. 41p. 2007. SEEMANN, J. Mapas e Percepção Ambiental: do mental ao material e vice-versa. v. 3, Rio Claro. p. 200 -223. 2003. SILVA, C. M. S. A percepção de moradores de comunidades carentes – A ZEIS Brasilit. Pós-Graduação – CEFET-PE. 121p. 2006. SOUZA, G. C. A.; SILVA, T. C.; FREITAS, H. C.; SALGADO, C. M.; Avaliação do Papel da Precipitação na Formação de Enchentes no Município de São Gonçalo. Anais do XI Simpósio Brasileiro de Geografia física Aplicada - 05 a 09 de setembro de 2005 – USP. p.906-913.