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arcotango21.blogspot.com quarta-feira, 10 de agosto de 2011 A pérola na ostra, o grão de areia, e você...feliz? Girl with a Pearl Earring - Dutch Mona Lisa (1665) / Johannes Vermeer Rubem Alves escreveu um magnífico livro de provocações, observações e pensamentos cujo titulo encerra uma verdade incompleta. “Ostra feliz não faz pérola” é um claro exemplo de que podemos concordar pela metade, e tudo bem. Isso é ótimo. O pensamento do professor Alves é lúcido e a analogia preciosa. Concordo que o ser humano (também) precisa de estímulos externos (dolorosos) para provocar manifestações de beleza. Essa é uma verificação que podemos constatar na nossa vida diária. Já ouviu alguma vez a expressão: “por amor ou pela dor”? pois é. Muitas vezes diante do sofrimento (ou somente por causa dele) somos obrigados à mudança e a ação transformadora e criativa. Sem ação não há transformação. Sem estimulo pode não existir ação. Mas, digo eu, será que a ostra gosta da pérola com a qual convive? Para ela aquele pedaço de material esférico e duro não tem nenhum valor a não ser o da própria tranquilidade diante do agente agressor. Seria como valorar em demasia as nossas calosidades, cicatrizações ou mesmo as queloides que a nossa pele produz como proteção ou reação. Na verdade, são as ostras quem menos lucram com tudo isso, mas o ponto que quero abordar é diferente: precisamos mesmo da aflição, da dor, do sofrimento para produzir beleza? É com a intransigência de um dogma ou com a violência de um código reto e inflexível de conduta que os nossos filhos poderão se transformar em pessoas de bem? Precisamos acaso (e até quando) sermos provocados pelo sofrimento e pelo desgosto para manifestar despretensioso

A Perola Na Ostra

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A perola na ostra

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Page 1: A Perola Na Ostra

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quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A pérola na ostra, o grão de areia, e você...feliz?

Girl with a Pearl Earring - Dutch Mona Lisa (1665) / Johannes Vermeer

Rubem Alves escreveu um magnífico livro de provocações, observações e

pensamentos cujo titulo encerra uma verdade incompleta.

“Ostra feliz não faz pérola” é um claro exemplo de que podemos concordar pela

metade, e tudo bem. Isso é ótimo. O pensamento do professor Alves é lúcido e a

analogia preciosa. Concordo que o ser humano (também) precisa de estímulos

externos (dolorosos) para provocar manifestações de beleza. Essa é uma

verificação que podemos constatar na nossa vida diária. Já ouviu alguma vez a

expressão: “por amor ou pela dor”? – pois é.

Muitas vezes diante do sofrimento (ou somente por causa dele) somos

obrigados à mudança e a ação transformadora e criativa. Sem ação não há

transformação. Sem estimulo pode não existir ação. Mas, digo eu, será que a

ostra gosta da pérola com a qual convive? Para ela aquele pedaço de material

esférico e duro não tem nenhum valor a não ser o da própria tranquilidade diante

do agente agressor. Seria como valorar em demasia as nossas calosidades,

cicatrizações ou mesmo as queloides que a nossa pele produz como proteção

ou reação.

Na verdade, são as ostras quem menos lucram com tudo isso, mas o ponto

que quero abordar é diferente: precisamos mesmo da aflição, da dor, do

sofrimento para produzir beleza? É com a intransigência de um dogma ou com a

violência de um código reto e inflexível de conduta que os nossos filhos poderão

se transformar em pessoas de bem? Precisamos acaso (e até quando) sermos

provocados pelo sofrimento e pelo desgosto para manifestar despretensioso

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amor? É possível trocar o grão de areia, agressivo e estranho, por elementos

melhores capazes de “provocar felicidade”?

Pode que uma ostra feliz não faça pérolas, mas uma pessoa feliz deveria.

A outra metade da verdade do professor Alves está na possibilidade (em

tese) de que "as ostras apreciem as suas pérolas", que "sejam capazes de

entender o que elas representam" e que ninguém mais do que elas "desfrutem

do mérito desse trabalho". Em termos humanos significaria apelar pelo

respeito à diversidade, pela justiça do caminho individual, e pelo reconhecimento

que de nada serve o sofrimento sem aprendizado, mas que o aprendizado pode

ser provocado não necessariamente pelo sofrimento. Que assim seja.