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CENTRO UNIVERSITÁRIO LA SALLE JAISON PAULO BOSA A PESSOA E A EDUCAÇÃO NO PENSAMENTO DE EMMANUEL MOUNIER CANOAS, 2008

A PESSOA E A EDUCAÇÃO NO PENSAMENTO DE … · ... em torno do mundo moderno, a ... O segundo capítulo tratará da antropologia personalista, ... diante dos problemas como diante

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CENTRO UNIVERSITÁRIO LA SALLE

JAISON PAULO BOSA

A PESSOA E A EDUCAÇÃO NO PENSAMENTO

DE EMMANUEL MOUNIER

CANOAS, 2008

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JAISON PAULO BOSA

A PESSOA E A EDUCAÇÃO NO PENSAMENTO

DE EMMANUEL MOUNIER

Trabalho de conclusão apresentado à banca examinadora do curso de Filosofia do UNILASALLE - Centro Universitário La Salle, como exigência parcial para a obtenção do grau de Licenciado em Filosofia, sob. Orientação do Prof. Dr. Luiz Gilberto Krombauer.

CANOAS, 2008

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TERMO DE APROVAÇÃO

JAISON PAULO BOSA

A PESSOA E A EDUCAÇÃO NO PENSAMENTO DE EMMANUEL MOUNIER

Trabalho de conclusão aprovado como requisito parcial para obtenção do grau de licenciado em Filosofia do Centro Universitário La Salle – UNILASALLE, pela seguinte banca

examinadora:

Prof. Dr. Luís Evandro Hinrichsen

UNILASALLE

Prof. Dr. Luiz Gilberto Krombauer UNILASALLE

Prof. Me. Rudinei Müller UNILASALLE

Canoas, 26 de novembro de 2008.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos que, como eu, acreditam no pensamento filosófico; que

buscam acreditar para continuar sonhando e explorando possibilidades de um mundo melhor

através da educação. Em especial a minha querida esposa Magali Petry de Sousa.

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AGRADECIMENTOS

À minha família – meus pais Jandir e Nelsa Bosa por terem me aceitado e aberto a porta

do mundo para que eu pudesse vir e existir. A minha esposa Magali Petry de Sousa pelo amor,

carinho e paciência. As minhas irmãs pela força, carinho e admiração. A minha sogra Sibila

da Cunha de Sousa pelo entendimento, carinho e oportunidade;

Ao Professor Dr. Luis Gilberto Krombauer, pela sua dedicação e disponibilidade para

orientar este trabalho. E, aos demais professores do Unilasalle, em especial os do Curso de

Filosofia que, durante esse tempo, me auxiliaram na tarefa de ampliar conhecimentos e

vivências;

E, a todos que, de alguma forma, fizeram e fazem parte da minha constante

aprendizagem de eterno engajamento na vida e no mundo pela educação.

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RESUMO

O propósito deste trabalho é refletir acerca da Pessoa e da Educação, na perspectiva filosófica de Emmanuel Mounier. Que surge como reação contra a degradação da pessoa humana, numa forma de reflexão filosófica articulada com a vida e com os desafios dos acontecimentos. Mounier vislumbra uma proposta educativa que aponta para a valorização e o despertar da pessoa e de sua liberdade no contexto que a envolve. No despertar do Universo Pessoal, do seu desabrochamento, a Educação cumpre um papel fundamental: superar o individualismo na direção de um socialismo personalista e de uma sociedade comunitária. Palavras-chave: Personalismo. Universo Pessoal. Engajamento. Educação. Despertar.

ABSTRACT

The purpose of this study is to reflect on the person and Education, at the philosophical perspective of Emmanuel Mounier. That arises as reaction against the degradation of the human person, in a form of philosophical reflection combined with the life and the challenges of events. Mounier envisions an educational proposal that points to recovery appreciation and the awakening of the person and his freedom in the context that involves. At the awakening from the Personal Universe, from its full-blown, the Education fulfills a fundamental role: overcome the individualism in the direction of a socialism personality and a society community. Keywords: Personalization. Personal Universe. Engagement. Education. Awakening.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................7

2 EMMANUEL MOUNIER: UMA EXISTÊNCIA ENGAJADA.......................................9

2.1 Vida e formação intelectual...............................................................................................9

2.2 Um intelectual engajado...................................................................................................12

3 O UNIVERSO PESSOAL E SUAS ESTRUTURAS........................................................14

3.1 Aproximação conceitual...................................................................................................14

3.2 A Pessoa como Comunicação ..........................................................................................17

3.3 A Pessoa como Conversão Íntima....................................................................................20

3.4 A Pessoa como Afrontamento..........................................................................................20

3.4.1 A singularidade................................................................................................................21

3.4.2 A pessoa como protesto...................................................................................................21

3.4.3 A afirmação do eu............................................................................................................22

3.5 A Pessoa como Liberdade em Condições........................................................................23

3.6 A Pessoa como Eminente Dignidade...............................................................................25

3.7 A Pessoa como Compromisso...........................................................................................25

3.7.1 As dimensões da ação......................................................................................................27

3.7.2 O imprescindível engajamento.........................................................................................28

4 DIMENSÕES PEDAGÓGICAS DO PERSONALISMO DE MOUNIER .................. 30

4.1 O personalismo, pedagogia do homem novo .................................................................30

4.2 O Pensamento Pedagógico de Mounier .........................................................................32

4.2.1 Educação: o despertar da pessoa total .............................................................................32

4.2.2 A educação: aprendizagem da liberdade..........................................................................33

4.2.3 Educação e Ensino...........................................................................................................35

4.2.4 Mounier educador............................................................................................................36

4.3 Educação Personalista: um diálogo aberto para o mundo............................................38

5 CONCLUSÃO......................................................................................................................41

REFERÊNCIAS......................................................................................................................43

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1 INTRODUÇÃO

Em pleno século XXI, no limiar do novo milênio, vivemos num mundo de pessoas por

demais envolvidas em diferentes dimensões existenciais. Evidenciamos inúmeras

circunstâncias de desordem e degradação da pessoa. Contudo, em torno do mundo moderno, a

pessoa é apenas um engodo, principalmente para o sistema econômico vigente, pois ele a

torna um mero objeto manipulável.

Como reflexão em profundidade sobre os problemas fundamentais do homem e sua

circunstância, a filosofia pode e deve ter importância básica nos esclarecimentos dos rumos

do desenvolvimento. E aqui se situa a importância de uma reflexão sobre a filosofia de

Emmanuel Mounier. Afinal, ninguém como ele teve a visão global da importância da pessoa

como construção de um processo educativo.

Mounier nos apresenta uma filosofia nova, filosofia da pessoa em relação ao outro, ou

seja, do espírito na forma pessoal que lhe é necessária. Contudo, a pessoa não está encerrada

em si mesma, mas ligada, através da consciência, a um mundo de pessoas que são os outros e

a comunidade. Sua filosofia não admite sistemas prontos e acabados, dando sentido ao

conceito de liberdade humana, outrora esquecida até mesmo pela filosofia.

Diante dessa realidade, conforme o pensamento personalista de Emmanuel Mounier, a

pessoa em si possui características próprias, únicas, mas também comunitárias. Ela é um ser

que é capaz de criar vínculos afetivos, de dialogar e de viver em comunhão. Além disso,

capaz de protestar, de dizer não, de julgar, de ser livre. Enfim, apta para não se deixar

manipular. Desse modo, Mounier vislumbra uma proposta educativa, apontada para a

valorização e o despertar da Pessoa e de sua liberdade no contexto que a envolve.

A filosofia personalista de Mounier tem um diferencial no sentido de que apela para o

engajamento. Para ela, o filósofo tem que ser simultaneamente profeta e pedagogo,

respondendo pela denúncia, pelo anúncio e pelo encaminhamento de propostas de ação

histórica.

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Mounier estava muito mais preocupado em testemunhar como profeta, em provocar

um comportamento e uma ação nos seus contemporâneos. Pois filosofar não é criar um

sistema objetivado de conhecimentos, mas assumir uma atitude reflexiva diante da existência.

É tomar uma posição intelectual diante do ser da existencialidade total, numa tentativa de

interrogá-la, aprendê-la, compreendê-la, interpretá-la e até mesmo de orientá-la.

Sem contar a parte da introdução e da conclusão, o presente trabalho está dividido em

três capítulos. No primeiro capítulo, viso a situar de maneira genérica a vida e a produção de

Mounier, pois seu personalismo deve muito à sua própria existência; ao seu engajamento.

Ver-se-á o quanto a história pessoal marcou o seu pensamento, o qual, por sua vez, se

expressa, não apenas por reflexões, mas também, ou acima de tudo, por determinadas atitudes

de vida.

O segundo capítulo tratará da antropologia personalista, na qual abordará as questões

sobre o Universo Pessoal e suas estruturas. Para tanto, serão desenvolvidos os temas, da

comunicação, da conversão íntima, do afrontamento, da liberdade, da eminente dignidade e

por fim, a idéia do compromisso explorando as dimensões da ação e do engajamento no

pensamento de Emmanuel Mounier, que assume na filosofia personalista um lugar central,

pois é pela ação que a pessoa desabrochará; é pela atividade que o ser será fecundo.

No terceiro capítulo desenvolverá a dimensão do compromisso, do engajamento pela

educação, onde tem por fim despertar para o universo pessoal. A dimensão pedagógica tem

uma importância muito grande no personalismo como movimento e como projeto global. Um

primeiro dado, diz respeito à intencionalidade ou o projeto pedagógico que comanda o

personalismo como um todo. Em segundo lugar, apresentar-se-ao, alguns aspectos

fundamentais do pensamento pedagógico de Mounier. Veremos que Mounier se preocupou

dos problemas da educação e escreveu sobre os mesmos na ótica da pessoa e de uma

sociedade comunitária.

Dessa forma, o objetivo deste trabalho é evidenciar a partir da obra O Personalismo o

Universo Pessoal com suas estruturas, o desabrochar da Pessoa desenvolvido pelo filósofo

francês Emmanuel Mounier no âmbito do seu despertar através da educação.

Este trabalho não tem a pretensão de esgotar o assunto. É parte de uma pesquisa que

deve continuar, pois a própria filosofia de Emmanuel Mounier é uma filosofia histórica,

articulada com a vida, com os desafios e com os acontecimentos.

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2 EMMANUEL MOUNIER: UMA EXISTÊNCIA ENGAJADA

O contexto, no qual viveu Emmanuel Mounier (1905-1950) é de indispensável

compreensão para se entender o porquê de muitas de suas idéias e ações. É neste contexto que

se afirma a sua sensibilidade humana, sua consciência e a sua vontade firme de lutar pela

restauração da dignidade da pessoa.

2.1 Vida e formação intelectual

Emmanuel Mounier nasceu em Grenoble, na França, a 1º de abril de 1905, de uma

família modesta de campesinos. Considerou-se precocemente maduro, levado desde cedo à

meditação, tanto mais que sua família era profundamente religiosa. Desta, recebeu uma

profunda educação cristã.

Desde muito cedo acompanhava sua mãe nas confissões na Igreja e com a família

praticava a oração assídua e piedosos costumes. Havia entre ele e seus familiares uma

profunda ligação e, segundo ele, a sua maior herança foi:

O gosto definitivo pela saúde, a recusa instintiva em arte, em filosofia como em política, de toda forma frágil, mórbida ou decadente, uma robustez profunda assim como uma generosidade de temperamento que transporá ao espiritual no exercício aplicado da virtude da força. (MOUNIER apud SEVERINO, 1974, p. 1).

Ainda adolescente, devido a dois acidentes, perdeu uma vista e um ouvido. Desta

experiência pessoal terá muito do sentido da fragilidade da vida.

Ao concluir o estudo básico, por influência da família, inscreve-se na Faculdade de

Ciências. Contudo, sentia-se atraído pelas Letras, e tal situação acabou por desgostá-lo,

levando-o ao desespero, a ponto de pensar no suicídio. Foi, no entanto, num retiro espiritual

que Mounier novamente se encontrou e nele descobriu a sua verdadeira vocação: estudar

filosofia em vista do apostolado religioso. Disposto a assumir esta vocação encontra todo o

apoio da sua família.

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Ainda em sua cidade natal, estudou filosofia durante três anos (1924 - 1927), sob

orientação de Jacques Chevalier, professor da Universidade e grande pensador católico, com

quem seguirá muito unido. Neste período estudou intensivamente Bérgson, cujo pensamento

deixará grande influência. Lê também Descartes, em vista de uma dissertação para a obtenção

do Diploma de Estudos Superiores em Filosofia, cujo tema seria: O conflito do

antropocentrismo e do teocentrismo na filosofia de Descartes.

Durante estes anos de estudos filosóficos, Mounier engaja-se num apostolado leigo

entre os estudantes, bem como, participa ativamente em diferentes grupos de formação

religiosa. Também, conheceu ainda o Pe. Guerry, mais tarde arcebispo de Cambrai e com ele

visitou os bairros pobres da cidade, tomando contato direto com a miséria.

Já licenciado, em 1927, com vinte e dois anos de idade, dirige-se a Paris, onde iria tentar

o concurso oficial para o magistério. O contraste entre a grande cidade e a cálida intimidade

de Grenoble será para ele um grande problema. Além do mais, segundo Severino (1974, p. 3),

“a Sorbone era dominada não apenas por um idealismo abstrato como também por uma

atmosfera artificial e desligada de todo contexto humano.” Desta forma, decepciona-se face à

frieza e à artificialidade aí reinante. Assim escreveu a Jacques Chevalier:

Decididamente, sou incapaz da atitude objetiva daqueles jovens que se colocam diante dos problemas como diante de uma peça de anatomia, e diante da própria carreira como diante de um mecanismo a montar-se metodicamente até o ponto fixo. Teria que saber se não constitui um abuso de linguagem chamar objetividade a esta mutilação e a esta miopia. [...] O que falta sobre todas essas almas seguras dos professores é o sacrifício, a pobreza, a noção concreta da miséria humana [...]. (MOUNIER apud DÍAZ, 2003, p. 17).

Formado, começa sua atividade docente como agregado de cátedra. Porém, mais que a

filosofia acadêmica, seu interesse se dirige à militância de escritores atuais. Estudou Péguy

cujo pensamento católico comprometido o entusiasmou. Entrou em contato também com

Maritain, Marcel, Guitton, Delacroix com os quais manteve boa amizade.

Em 1932, abandona o ensino e juntamente com alguns amigos funda a revista Esprit1.

Mas, logo vieram as críticas de outros setores, dada a tendência avançada e

revolucionária de seu conteúdo. Durante a guerra espanhola, Mounier adotou uma atitude

declarada a favor dos republicanos, de dura crítica aos nacionalistas e de forte luta pela fé

cristã. O arcebispo de Paris exigiu um informe sobre suas idéias e, em 1936 se temeu uma

1 A revista Sprit passou a representar as aspirações e os pontos de vista de um catolicismo de vanguarda em torno de uma filosofia personalista. Esta revista tinha por objetivo criticar o espírito burguês e arriscar um pensamento cristão, engajado, sem medo de sujar as mãos em assuntos sociais, políticos e econômicos. Mounier, além de fundador, passa a ser diretor e animador até a sua morte. A partir deste momento, sua atividade organizativa e intelectual se volta sobre a revista.

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condenação de Roma, mas que não chegou. Em sua defesa, Mounier alegou que a maioria dos

seus colaboradores eram católicos e apenas tentavam infundir o espírito do Evangelho.

Ainda em 1936, Mounier casou-se com Paulette Leclercq que foi também colaboradora

de seus trabalhos intelectuais e que ordenou seus escritos, preparando a edição póstuma de

suas obras.

Em 1939, a revista reapareceu, no entanto, em 1941, novamente é proibida e Mounier é

encarcerado sob a acusação de rebeldia e conspiração com a resistência. Em fins de 1942 é

absolvido e posto em liberdade, porém é obrigado a viver na clandestinidade. Depois da

guerra, em 1944, a revista Esprit retorna e se transforma numa das vozes mais representativas

do cristianismo de vanguarda e o movimento personalista, criado em torno dela, se difunde

pela Europa.

Mounier nos deixou uma enormidade de escritos. Sua obra é muito vasta, mas sem

grande centralização sistemática. Aqui citarei as principais: Em 1935 escreve a Revolução

Personalista e Comunitária. Através dela proclama um despertar, uma tomada de consciência

da crise atual que era mais profunda que a crise econômica: havia uma desordem estabelecida

contra a qual se impunha lutar e se fazer uma verdadeira revolução em nome da pessoa e da

comunidade.

Em 1936, publicou o Manifesto ao Serviço do Personalismo que comportava

igualmente uma crítica da situação do mundo moderno como inimigo da pessoa e da

comunidade, uma aproximação dos temas metafísicos do Personalismo, assim como, um

esboço das novas estruturas e formas institucionais pelas quais, em nome dos valores da

pessoa e da comunidade, esta filosofia se debatia.

Centrando-se de modo mais explícito na metafísica da pessoa, Mounier viu-se forçado a

confrontar-se mais intimamente com o Existencialismo, pois, sua antropologia assemelhava-

se muito às perspectivas existencialistas. A Introdução aos Existencialismos, de 1947 contêm

este diálogo e este intercâmbio confrontados com o pensamento existencialista.

Durante e após a guerra, o pensamento de Mounier se desloca em direção a uma maior

focalização da metafísica da pessoa. Certamente devido ao amadurecimento de sua própria

reflexão, assim como pelo ensinamento dos acontecimentos, é levado a precisar mais as bases

filosóficas implícitas em seu projeto de civilização.

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Em 1949, escreve O Personalismo2, onde procura resumir suas teorias e precisar mais

suas concepções antropológicas.

Mounier morre de enfarto em plena atividade, em 1950.

2.2 Um intelectual engajado

Mounier aparece como pensador vivo que, fora da filosofia universitária e acadêmica,

marcou uma geração pelo tipo de compromisso, de empenho e de diálogo que, em estreita

ligação com uma fé cristã aberta, não deixou de fomentar.

Sua ação está ligada à tomada de consciência das crises que a sociedade européia

passou entre 1930 e 1950: a crise econômica dos anos 30, a subida dos totalitarismos, o

desafio marxista, a guerra mundial. Frente a isso, participou ativamente dos dramas políticos,

nas controvérsias sociais e culturais, nas inquietudes religiosas. Sem desmerecer a sua

apurada formação humanística e a experiência negativa na Sorbone foram, sobretudo, o

contato com a miséria humana e a experiência pessoal do sofrimento que lhe propiciaram uma

tomada de consciência da problemática do mundo moderno.

Segundo Mounier (2004, p. 101), “uma teoria da ação não é, pois, apêndice ao

personalismo, é seu capítulo central”. Seu pensamento está sempre a caminho, sempre

engajado, orientado para a ação. E, deste modo resumia seu intento: “Que a existência seja

ação e a existência mais perfeita, ação mais perfeita, eis uma das intuições chaves do

pensamento contemporâneo”. (MOUNIER, 2004, p. 101). Neste sentido, não pretende

construir um sistema filosófico, mas intervir sobre a história e dentro dela, desenvolver um

projeto de civilização.

Mounier foi também um engajado e autêntico cristão, permanecendo fiel a sua fé até a

sua morte. Com relação à Igreja Católica, seu posicionamento frente à complexa problemática

do mundo contemporâneo é marcado por uma profunda omissão. Vem assumindo, sob a

batuta dos últimos papados, uma atitude de fuga frente aos desafios históricos coletivos,

recusando a posicionar-se de forma mais aberta e crítica contra a alastrante opressão causada

pelo capitalismo hegemônico.

Acolher é estar aberto aos acontecimentos. E, para Mounier, “o acontecimento não é

um abstrato que se contenta em observar e explicar exteriormente; é uma parte de uma

2 Com Emmanuel Mounier e a contribuição de pensadores reunidos em torno da revista “Sprit”, o personalismo caracteriza-se pela fusão do momento personalista (independência, liberdade, responsabilidade, crescimento da pessoa) com o comunitário (solidariedade).

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totalidade na qual está engajado porque uma parte da comunidade humana a ela concerne”.

(DOMENACH apud SEVERINO, 1974, p. 11). E, da mesma forma que se abria aos

acontecimentos, abria-se as pessoas. Disponível a todo contato, a todo diálogo, com todos os

homens.

A incessante busca pela verdade não era unicamente para a sua contemplação. Foi um

intelectual engajado. Assim, a sua ação e o seu engajamento tomavam forma de testemunho.

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3 O UNIVERSO PESSOAL E SUAS ESTRUTURAS

3.1 Aproximação conceitual

O pensamento personalista3 de Mounier vem a ser, em primeiro lugar, uma reação

contra a desordem estabelecida e contra o desconhecimento da pessoa pela própria filosofia.

Segundo ele, a filosofia acabou desconhecendo a vida humana concreta. Mesmo que houvesse

um estudo antropológico, este era feito de uma maneira tão fria, objetiva e descontextualizada

que era incapaz de revelar verdadeiramente a pessoa humana. A partir disso, Mounier assume

uma única verdade e preocupação: a pessoa4, tendo como ponto de partida a sua experiência

existencial.

Os filósofos da Antigüidade tinham uma noção de pessoa embrionária, ou seja,

preocupavam-se apenas com o pensamento impessoal, a natureza, a alma individual na

participação na cidade, a hipótese sobre a imortalidade da alma, as idéias. Mounier, Sócrates,

Platão e Aristóteles não elencavam o singular, pois o indivíduo permanecia apenas na sombra

da consciência, embora tivessem um agudo sentido da dignidade do ser humano, manifestado

pela hospitalidade e pelo culto aos mortos.

Segundo Mounier, aqueles filósofos tinham uma noção de pessoa embrionária, mas,

por sua vez, contribuíram muito para a aguçada noção de pessoa desenvolvida,

posteriormente, pelos cristãos. Com o cristianismo a visão de pessoa até então é rompida e

desabrochada em uma nova e decisiva noção. Mounier, portanto, desenvolveu um conceito

3 O emprego do termo “Personalismo” ou “Personalista”, referem-se sempre, salvo indicações contrárias, ao Movimento e a Filosofia de Emmanuel Mounier. 4 A etimologia do termo pessoa provém de prósopon no grego. Significava o que um ator punha diante do seu rosto, na frente de sua boca. A palavra persona é de origem latina e vem do verbo per-sonare, isto é, fazer soar ou ressoar através de. Como na Antigüidade não havia microfone, os atores principais, no teatro, usavam um instrumento sonoro que colocavam no rosto, como se fosse uma caixa de ressonância. Os que usavam máscara eram os personagens mais importantes e, por isso, também dignos de atenção, de elogios e até de críticas. Daí, portanto, surgiu a expressão “pessoa”.

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nuclear de Pessoa, porém não adefiniu devido à impossibilidade de fazê-lo, pois “só se

definem os objetos exteriores ao homem, que se podem encontrar ao alcance da nossa vista”.

Ao refletir sobre a existência da pessoa, a primeira tentação é recolher alguns elementos

para construir uma definição. Segundo Mounier, esta é uma tarefa muito difícil e até mesmo,

impossível. No máximo pode-se ver e analisar algumas das manifestações hereditárias, as

formas do corpo, o jeito de falar e de agir. No entanto, isso tudo não passa de “facetas

fornecidas por cada um dos diferentes aspectos da nossa existência. Mil fotografias

sobrepostas não nos dão um homem que anda, que pensa e que quer”. (MOUNIER, 2004, p.

15).

A pessoa só nos é revelada no contexto de uma “experiência progressiva de uma vida, a

vida pessoal”. (MOUNIER, 1967, p. 84). Por isso, toda definição, embora útil e até

necessária, será sempre provisória e apenas uma parte desta experiência mais global que é a

pessoa.

Entretanto, Mounier faz ressalvas em relação à conceitualização de Pessoa e afirma:

Uma pessoa é um ser espiritual constituído como tal por um modo de subsistência e de independência no seu ser; ela alimenta essa subsistência por uma adesão a uma hierarquia de valores livremente adaptados, assimilados e vividos por uma tomada de posição responsável e uma constante conversão; deste modo unifica ela toda a sua atividade na liberdade e desenvolve, por acréscimo, mediante atos criadores, a singularidade da sua vocação (MOUNIER, 1967, p. 84).

Dada tal aproximação conceitual, acrescenta que não se pode tomar esta designação por

uma verdadeira definição. Trata-se de uma tentativa de reflexão a partir do que ela nos

apresenta, visto que, o personalismo não tem a preocupação de definir a pessoa. Nas palavras

de Mounier, “só se definem os objetos exteriores ao homem, que se podem encontrar ao

alcance da nossa vida”. (MOUNIER, 2004, p. 14).

E acrescenta:

“A pessoa não é um objeto. Antes, é exatamente aquilo que em cada homem não é passível de ser tratado como objeto. A pessoa tem em si um sentimento único, na qual não posso participar de fora. A pessoa não é o mais maravilhoso objeto do mundo, objeto que conhecêssemos de fora, como todos os outros. É a única realidade que conhecemos e que, simultaneamente, construímos de dentro. Sempre presente, nunca se nos oferece”. (MOUNIER, 2004, p. 15).

Até certo ponto, a pessoa significará sempre um mistério inelucidável, visto que o seu

ser e o seu existir não se deixam transparecer e simplificar apenas por força da comodidade

lógica da razão.

Pelo fato da pessoa não ser algo assimilável à nossa compreensão, não significa, de

modo algum, que haja um fantasma de objeto ou qualquer substância escondida por detrás de

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nossa capacidade assimilativa. A pessoa é uma atividade vivida de auto-criação, de

comunicação e de adesão, que em ato, como movimento de personalização alcançamos e

conhecemos. No entanto, mais do que dar uma definição clara do homem dentro de um

sistema, Mounier tem a tarefa de vencer a alienação humana que se dá através da conquista de

sua existência.

A filosofia personalista “parte da afirmação da radical vinculação do homem no corpo,

pelo qual se enraíza na realidade pré-humana, tirando desta situação originária seu estatuto

ontológico de ser encarnado”. (SEVERINO, 1974, p. 134).

Segundo Mounier (2004, p. 29), a pessoa está mergulhada na natureza, tornando-se

assim, um ser natural. Deste modo, seu corpo faz parte da natureza e o segue por toda parte. A

pessoa é integralmente corpo e integralmente espírito e, com isso, impõe-se acabar com o

dualismo entre corpo e alma, tanto na maneira de viver, como no pensamento. Também, a

pessoa não é um joguete na natureza. A pessoa, inserida na natureza, a transcende. A pessoa

não está no mundo como quem apenas ocupa um espaço: ela é ser-no-mundo. Como ser-no-

mundo, ela participa de todas as dimensões que o mundo lhe oferece. A pessoa não se

contenta em sofrer a ação da natureza. Volta-se para ela para transformá-la e

progressivamente lhe impor a soberania de um universo pessoal. Nas palavras de Mounier,

“numa primeira fase a consciência pessoal afirma-se assumindo o meio natural. A aceitação

do real é a primeira tentativa de toda a vida criadora. Aquele que a recusa delira e a sua ação

perde-se”. (MOUNIER, 2004, p. 37).

Na pessoa há duas tendências de sentido oposto. A primeira é a tendência à

despersonalização. Segundo esta tendência há na pessoa uma má vontade que leva à

dispersão, à indiferença, ao nivelamento, à repetição, como se esses fossem seus fins. Tal

tendência atinge e aniquila a vida social e a vida do espírito através do afrouxamento do

hábito, da rotina e da formação da consciência. A segunda é um movimento de

personalização que tem como impulso o próprio homem. A sua força, que se encontra na

afirmação pessoal, destrói os obstáculos e rasga novos caminhos. A condição humana não se

deixa reduzir a nenhuma destas duas tendências de forma isolada. Quer dizer, a pessoa está

substancialmente encarnada e ao mesmo tempo transcende. E, é a partir desta concepção da

pessoa como unidade bipolar dialética que se pode abordar e compreender o sentido integral

do pensamento personalista.

Neste contexto, Mounier apresenta sua tese da radical distinção entre pessoa e

indivíduo.

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“A pessoa é domínio e escolha, é generosidade. Ela é, pois, na sua orientação íntima, polarizada precisamente ao contrário do indivíduo” (...). O indivíduo, por outro lado “é a face irracional da pessoa”. O indivíduo é considerado como a difusão da pessoa; é a dissolução da pessoa em matéria (...) A dispersão e a avareza são as duas marcas do indivíduo (...). Já a pessoa, se opõe ao indivíduo, que é dispersão numa multiplicidade desordenada. Todas as desordens egoístas nasceriam do indivíduo: avareza, instinto de propriedade, complacência nos próprios interesses, agressividade. Em outras palavras, “a individualidade é dispersão, a pessoa é integração”. (MOUNIER, 1967, p. 88-91).

Em cada pessoa há uma tensão entre três dimensões espirituais: a) A vocação, que é

entendida como o princípio de unificação progressiva de todos os meus atos e, mediante eles,

de minhas situações, é o princípio espiritual da vida; b) a pessoa também é encarnação,

porque, sendo espírito encarnado, jamais pode desprender-se das condições e servidões da

matéria. Não se trata de evadir a vida sensível e particular; c) por fim é comunhão, pois minha

pessoa não se encontra senão dando-se à comunidade em que se integram as pessoas

singulares. Comunhão é o princípio da vida comunitária.

Decorre daí que os três exercícios essenciais para alcançar a formação da pessoa são: a

meditação, para a busca da minha vocação; o engajamento, a adesão a uma obra, que é

reconhecimento da própria encarnação; a renúncia a si mesmo, que é iniciação ao dom de si e

à vida em outros. Se faltar a alguma pessoa um desses exercícios fundamentais, para Mounier,

ela está condenada ao insucesso.

Para isso, Mounier esboçou as estruturas a que chamou de Universo Pessoal. As

estruturas são as seguintes: a existência incorporada; a comunicação; a conversão íntima; o

afrontamento, a liberdade com condição; a eminente dignidade e o compromisso. Nesse

sentido, passamos a analisá-las:

3.2 A Pessoa como Comunicação

A experiência fundamental da pessoa reside na comunicação. A pessoa só cresce na

medida em que se purifica do individualismo, tornando-se disponível, transparente a si

própria e aos outros. O ser humano, já na primeira infância é um movimento para outrem; “a

criança saindo da vida vegetativa, descobre-se nos outros, aprende nas atitudes que a visão

dos outros lhe ensina. Só mais tarde, à roda do terceiro ano, virá a primeira vaga de

egocentrismo reflexo”. (MOUNIER, 2004, p. 45).

A pessoa é inseparável da comunidade; sem ela, a pessoa torna-se incompreensível.

Deste modo, “para constituir-se, a pessoa tem necessidade de descentrar-se para fora de si

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num movimento contínuo de recolhimento e ruptura. Mas, ao sair de si mesma encontra a

outra pessoa”. (SEVERINO, 1974, p. 81).

Nas palavras de Mounier (2004, p. 46), a pessoa é:

Uma presença voltada para o mundo e para as outras pessoas, sem limites, misturadas com elas numa perspectivas de universalidade. As outras pessoas não a limitam, fazem-na ser e crescer. Não existe senão para os outros, não se conhece senão pelos outros, não se encontra senão nos outros.

Severino (1974, p. 83), acrescenta dizendo: “o olhar do outro não é apenas um olhar

que fixa e enrijece como pretende Sartre: ele é também o mais seguro revelador de mim

mesmo”.

Nesse sentido, a pessoa é por natureza comunicável, visto que no mesmo movimento

que a faz ser, expõe-se. Caso a comunicação venha a enfraquecer, a pessoa perde-se, podendo

chegar ao estado de loucura. E Mounier (2004, p. 46) vai além, ao afirmar que “só existo na

medida em que existo para os outros, ou numa frase limite: ser é amar”. O ato de amor é a

mais firme certeza do homem; seu cógito existencial – amo, logo o ser é, e a vida vale a pena

ser vivida.

Para Mounier o ato comunicativo funda-se numa ascese que tem seus pressupostos nas

seguintes atitudes:

a) Saída de nós próprios. A pessoa é capaz de libertar-se de si própria para tornar-se

disponível aos outros. Para o personalismo, sobretudo para o personalismo cristão,

só liberta os outros quem se libertou a si próprio, ou seja, quando foge da ruptura do

egocentrismo e do individualismo;

b) Compreensão. Abraçar a singularidade do outro a partir da minha singularidade,

numa tentativa de colocar-se no lugar do outro, sem deixar de ser o que se é a si

próprio. Atitudes como deixar de me colocar sempre no meu próprio ponto de vista,

para me situar no ponto de vista dos outros; não conhecer o outro apenas como

conhecimento geral ou como aprofundamento da minha compreensão psicológica

são atitudes personalistas. Segundo Mounier (2004, p. 47), é preciso “ser todo para

todos sem deixar de ser e de ser eu”.

c) Tomar sobre si os desgostos, o destino, as alegrias, as tarefas dos outros. Participar

das dimensões existenciais da pessoa do outro, convivendo com ela.

d) Doação. A força viva do ímpeto pessoal está na “generosidade e no ato gratuito, ou

seja, numa palavra, na dádiva sem medida e sem esperança de recompensa”.

(MOUNIER, 2004, p. 48). Para Mounier, generosidade e a gratuidade desarmam as

recusas, dissolvem a opacidade e anulam a solidão da pessoa.

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e) Fidelidade. Segundo Mounier (2004, p. 48), “a fidelidade pessoal é uma fidelidade

criadora”. Ou seja, é na continuidade que as dedicações pessoais, o amor, as

amizades podem ser perfeitas.

Referindo-se a Mounier, Zilles (1984, p. 23) escreve que:

Na perspectiva personalista, a pessoa é uma existência capaz de se libertar de si própria, de entrar em comunhão com outras para criar uma comunidade de pessoas. Somos capazes de sair para fora de nós mesmos, de nos descentrarmos, tornando-nos disponíveis aos outros; somos capazes de compreender o outro, isto é, de nos colocarmos no ponto de vista dele, em sua singularidade.

A pessoa, na sua convivência com o outro, entretanto, não é só comunicação. Está

também envolvida pelo desejo de possuir e submeter. Seria ingenuidade pensar que o mundo

do outro é simplesmente um jardim de flores. O outro provoca constantemente à luta, à

concorrência. O instinto de auto-defesa reage com recusa, motivo por que muitos se refugiam

na solidão. Outros, no entanto, usam da comunicação para fazer das pessoas objetos

manipuláveis.

Segundo Mounier (2004, p. 49), a comunicação não é algo que acontece sem barreiras,

tem que enfrentar obstáculos: sempre existe em nós algo que resiste a todo esforço de

comunicação e reciprocidade e mesmo,

No mais íntimo dos diálogos, a coincidência perfeita não nos é dada; nada me pode dar a certeza de que não haja qualquer coisa de mal-entendido, nada a não ser em raros e milagrosos momentos em que a certeza da comunhão é mais forte do que todas as análises, e que servem de viático para a vida inteira. (MOUNIER, 2004, p. 49).

Em nós sempre há uma resistência contra todo o esforço de reciprocidade, que se

identifica, como uma má-vontade fundamental, que influenciará a toda tentativa de

reciprocidade, família, pátria, Igreja, alimentando, dessa forma, um novo egocentrismo. E,

neste sentido, “a pessoa está a maior parte das vezes mais exposta do que rodeada, mais

abandonada do que comunicada”. (MOUNIER, 2004, p. 50).

À tradicional objeção de que o mal vem das instituições que perpetuam a luta de classes

e a opressão do homem pelo homem, Mounier (2004, p. 50) pergunta: “Mas quem poderá

afirmar que estas são as causas e não efeitos?”.

Deste modo, Mounier concede que a estrutura social empobrece a relação pessoal, pois

só pode assegurar a continuidade na repetição. Mas, desprezar as estruturas seria querer iludir

a condição humana.

No mundo do impessoal, o primeiro ato de uma vida pessoal é tomar consciência dessa

vida anônima e sonolenta e revoltar-se contra essa degradação.

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Ser personalista é ser comunitário, sair de si, compreender, tomar sobre si o destino, a dor, a alegria, a tarefa do outro, dar e ser fiel. Não basta, no entanto, estudar sabiamente estruturas econômicas e políticas para criar comunidade. Só há comunidade de pessoas em comunhão. Tornamo-nos pessoa através de uma contínua conversão. (ZILLES, 1984, p. 25).

3.3 A Pessoa como Conversão Íntima

Além da pessoa ser para o outro, como vimos na estrutura da comunicação, ela é para

si, primeiramente, pela sua subjetividade e interioridade.

Conforme comenta Montani:

Mounier prefere chamá-la conversão íntima antes que subjetividade, vida interior ou interioridade, para sublinhar que o fator principal não é o voltar-se sobre si mesmo, mas a concentração e a conversão de todas as forças: a pessoa não retrocede se não para dar um salto. (MONTANI, 1977, p. 68).

Portanto, o voltar-se para o outro não anula a sua subjetividade, porque para sair de si

e ir ao encontro do outro é necessário um voltar-se para si mesmo num encontrar-se

intimamente, num recolhimento interior que quebre toda ruptura e isso só vem a acrescentar

em seu ser.

O comentador de Mounier, Lorenzon (1996, p. 49), diz: “O “eu” precisa dum espaço

físico para se afirmar. Este espaço se compõe dum conjunto de objetos e de pessoas, com o

qual ele estabelece certa intimidade”.

Segundo Mounier (2004 p. 66) “a pessoa é uma interioridade que tem necessidade de

uma exterioridade”. É preciso que não desprezemos tanto a vida exterior: sem ela, a vida

interior torna-se incoerente, tal como, sem vida interior, aquela mais não seria que delírio.

3.4 A Pessoa como Afrontamento

Mounier apresenta o poder de afrontamento como uma “posição que é,

simultaneamente, acolhimento e combate. O afrontamento evoca, pois, ao mesmo tempo um

poder de força e de generosidade, de afirmação de si e de abertura, de acolhimento e de

ruptura, de luta franca e de compreensão simpática”. (LORENZON, 1996, p. 53).

O personalismo não tem a pretensão de produzir homens mansos. Tem a pretensão de

fazer o homem exprimir-se, lutar, combater, separar-se, singularizar-se, visto que a pessoa é

capaz de relações intencionais e de um poder de decisão, na qual pode afrontar os outros, os

acontecimentos e a natureza.

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Existir pessoalmente exige, algumas vezes, uma oposição, uma ruptura. Caso contrário,

a vida pessoal, sob o peso das adesões, atolar-se-á na adequação, no conformismo e na

alienação. É preciso protestar, recusar, dizer não.

Referindo-se a Mounier, Lorenzon (1996, p. 51) afirma que “diálogo e afrontamento,

numa linha personalista, chegam a ser sinônimos, pois falar é dizer alguma coisa a um

interlocutor, aceitar que o outro nos refute e contradiga, num face a face”.

3.4.1 A singularidade

Para Mounier (2004, p. 67), ser pessoal, singularizar-se é uma sinonímia corrente da

linguagem personalista. Referindo-se a sua época, Mounier escreve que a diferença é

entendida como o valor dominante da pessoa. A pessoa está ameaçada quando os costumes e

o vestuário tornam-se padrões em toda parte. No entanto, “a pessoa nunca se repete, mesmo

quando as faces e gestos dos homens, caindo sem cessar na generalidade, se copiam

desesperadamente à superfície”. (MOUNIER, 2004, p. 67).

A originalidade surge sempre como um produto secundário, ou seja,

O herói em plena batalha, o amante quando se entrega, o criador obcecado pela sua obra, o santo transportado no amor a Deus, não procuram, nesses momentos em que atingem algo da mais alta vida pessoal, diferenciar-se ou singularizar-se, e o seu olhar não está virado para a forma das suas ações, mas está com eles; inteiro, lançado para fora deles próprios, demasiado entregue ao que são para pensar como são. (MOUNIER, 2004, p. 68).

Do mesmo modo, não se pode pensar que a mais alta vida pessoal seja a da exceção,

que atinge cumes inacessíveis com as grandes proezas, pois diferente de Nietzsche, “o

personalismo não é uma ética dos grandes homens, uma aristocracia de um gênero novo, que

selecione aos mais prestigiosos sucessos psicológicos ou espirituais para com eles fazer

chefes ativos e solitários da humanidade”. (MOUNIER, 2004, p. 68). Para Mounier (2004, p.

68), “é na vida cotidiana que se atinge o extraordinário, visto que toda pessoa é chamada para

coisas extraordinárias”.

3.4.2 A pessoa como poder de protesto

“Existir é dizer sim, é aceitar, é aderir. Mas se for aceitando sempre, se não recusar e

nunca me recusar, deixo-me submergir; existir pessoalmente é também e muitas vezes saber

dizer não, protestar, desligar-se”. (MOUNIER, 2004, p. 68). Neste sentido, existir

pessoalmente significa, algumas vezes, uma oposição, uma capacidade de protesto e ruptura.

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Caso contrário, a vida pessoal tornar-se-á adaptação, no conformismo ou na alienação. Para

Mounier a capacidade de protesto tem valor necessário para a pessoa que se define como

possibilidade de oposição, de dúvida e de resistência, bem como de adesão e aceitação.

A pessoa existe projetando-se para fora de si. Contudo, encontra sempre um real hostil.

Mas, nem por isso procura um refúgio de uma intimidade protetora, bem como, não vive a

procurar o excepcional. Mounier compreende que a pessoa se realiza perseguindo valores

situados no infinito. E, do mesmo modo, só será possível “salvar, parece, tanto a minha

capacidade para prosseguir, como a própria juventude do meu ser, se a cada momento for

pondo tudo em dúvida, crenças, relações. A ruptura, a reviravolta, são categorias essenciais da

pessoa. (MOUNIER, 2004, p. 69).

Segundo Mounier as filosofias de protesto vêm se multiplicando porque “o indivíduo se

sente cada vez menos senhor do seu meio, [...] as máquinas, as massas, os poderes, a

administração, o universo e suas forças apresentam-se-lhe cada vez mais uma generalização

da proteção”. (MOUNIER, 2004, p. 69).

3.4.3 A afirmação do eu

“Ser é amar. Mas é também afirmar-se”. (MOUNIER, 2004, p. 71). Ser é afirmar-se

frente aos outros e a si mesmo.

Toda decisão é criadora e é através dela que as pessoas avançam, afirmam-se e formam-

se. A atitude de afirmação se faz necessária na oposição frente a toda força de

despersonalização, refletida nos dogmatismos e conformismos de toda espécie.

Do mesmo modo, a pessoa se concebe através de suas escolhas. “As recusas, que

resultam da escolha, nascem mais de uma plenitude exigente do que de uma indulgência. Aí

se encontra sua vocação fundamental: na escolha, e a escolha responsável”. (LORENZON,

1996, p. 58). Para Mounier (2004, p. 72), “agir é escolher, por conseguinte cortar, saber

acabar a tempo e, ao mesmo tempo em que adotar recusar e repelir”.

A decisão não é um ato de força interior, cego e arbitrário. É a pessoa inteira ao seu próprio futuro vinculada, concentrada num ato duro e rico, que resume a sua própria experiência e lhe insere uma outra, nova. As recusas que vamos opondo são reais renúncias, que custam e que por vezes são cruéis, mas não são mutilações. (MOUNIER, 2004, p. 72).

No entanto, é preciso ter o cuidado de não confundir verbalismo ou logomaquia com o

esforço de afirmação. Às vezes o silêncio pode ser uma afirmação mais densa do que um

aglomerado de palavras.

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São raros os homens que ao pressentirem a ameaça da servidão fogem, ou resistem, ou

lutam contra ela. “A maioria dos homens prefere a escravidão na segurança ao risco na

independência, a vida material e vegetativa à aventura humana”. (MOUNIER, 2004, p. 73).

3.5 A Pessoa como Liberdade em Condições

Segundo Mounier, se não existisse liberdade, seríamos nada além de meros joguetes em

pleno universo. A liberdade, segundo ele, não é uma coisa, onde possamos tocá-la como se

toca num objeto, prová-la como se prova um teorema. Vão são tais esforços, pois querer sentir

sob suas mãos a própria liberdade é cair numa atitude enganadora. Não é no plano da

observação objetiva que se compreenderá a liberdade. Esta só se dará numa experiência

existencial de todo o ser humano, pois ela é “afirmação de pessoa, vive-se, não se vê”.

(MOUNIER, 2004, p. 75).

A ausência de uma liberdade objetiva causa ao homem uma terrível angústia. Diante

disso, às vezes o homem se contenta com uma liberdade negativa e, dessa forma, nunca chega

a descobrir mais que duas formas mal definidas de liberdade. A primeira é uma liberdade de

indiferença: espécie de estado de equilíbrio, no qual o homem gozaria de uma indeterminação

total no pensar e no agir. Trata-se de uma ilusão, visto que se iludem as opções reais e até

mesmo arrasta-o para a indiferença. A segunda é uma liberdade baseada numa eventual falha

do determinismo: é um contra-senso, pois além de basear-se numa fraqueza de nosso

conhecimento, é apenas uma sombra que nada tem de humano.

A ciência nada pode dizer a favor e nem contra a liberdade visto que:

A liberdade do homem não é o resto de uma adesão universal. Uma liberdade que mais não fosse do que irregularidade do universo, quem poderia provar que não se reduziria a simples deficiência dos nossos conhecimentos, ou então de formação sistemática da natureza ou do homem? Que valor tem para mim este defeito? O indeterminismo dos físicos modernos mais não faz do que desarmar as pretensões positivistas. A liberdade não se ganha contra os determinismos naturais, conquista-se por cima deles, mas com eles. (MOUNIER, 2004, p. 76).

Neste sentido, a liberdade prolonga-se na natureza; contudo esta transcendência insere-

se, enraíza-se no próprio ser da natureza. Determinismos e liberdade não são da mesma

ordem, mas se interpenetram. “A liberdade da pessoa é a liberdade de descobrir por si mesma

a sua vocação e de optar livremente pelos meios de realizá-la”. (MOUNIER, 1967, p. 102).

Segundo Mounier (2004, p. 77) “é a pessoa que se faz livre, depois de ter escolhido ser

livre”. Desta forma, a liberdade da pessoa é adesão. Mas esta adesão só é propriamente

pessoal desde que seja um compromisso consentido e renovado com uma vida espiritual

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libertadora, não a simples aderência obtida à força ou por entusiasmo a um conformismo

público. Do mesmo modo, a pessoa jamais encontrará a liberdade dada e construída. Nada lhe

garantirá que ela é livre se não entrar na experiência da liberdade. É iniciativa da pessoa

reconhecer os declives cúmplices da sua liberdade, escolhê-las e neles se comprometer. A

liberdade é, portanto, resultado de um ato concreto, que requer uma decisão e uma ação

realizada na existência pessoal.

Para Mounier, a liberdade absoluta é um mito. A pessoa é estreitamente condicionada e

limitada pela sua situação concreta. Ao mesmo tempo em que a existência é manifestação

espontânea é também espessura, densidade. “Não sou somente o que faço, o mundo não é

somente o que quero. Sou a mim próprio e o mundo antecede-me”. (MOUNIER, 2004, p. 77).

Deste modo, o primeiro passo do homem é, portanto, tomar consciência de sua situação

e aceitá-la. Quem não vê a sua escravidão, torna-se escravo dela. É necessário começar pela

consciência da necessidade.

A liberdade não está ligada ao ser humano como uma condenação, é lhe proposta como

um dom. Posso aceitá-la ou recusá-la. Deste modo, Mounier afirma ser possível uma

liberdade interior total. Isto porque a liberdade é fonte viva de ser, e como tal atinge todo e

qualquer ato humano, transfigurando-o. É neste sentido, e unicamente neste sentido, que o

homem é sempre e inteiramente livre. Liberdade que então não depende das liberdades

concretas.

Segundo Mounier, temos que nos preocupar com as liberdades, antes de falar na

liberdade, visto que a liberdade tem condicionamentos comuns: biológicos, econômicos,

sociais, políticos e morais. E, ser livre é aceitar tais condicionamentos. A pessoa é

condicionada e limitada pela situação concreta, embora interiormente sempre possa ser livre.

Na compreensão de Mounier (2004, p. 81),

A nossa liberdade é liberdade de pessoas situadas, e é também liberdade de pessoas valorizadas. Não sou livre apenas porque exerço a minha espontaneidade, torno-me livre se der a essa espontaneidade o sentido de uma libertação, ou seja, de uma personalização do mundo e de mim próprio.

Neste sentido, não posso dispor arbitrariamente da minha liberdade. A minha liberdade

não é somente manifestação espontânea, mas antes, invocada. Todavia, faltando este apelo, o

ímpeto cairia e adaptar-se-ia. Ao adaptar-se demais provocaria a instalação e a imobilidade.

Segundo Mounier (2004, p. 82),

Precisamos nos adaptar; mas quando nos adaptamos em demasia, instalamo-nos, e já não somos capazes de andar. É preciso reconhecer o sentido da história para nela sabermos nos inserir; mas quando aderimos demasiadamente à história que é, deixamos de ser capazes de fazer história que deve ser. É preciso procurar a forma da natureza humana; mas quando queremos seguir à risca as formas conhecidas,

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deixamos de poder inventar possibilidades inexploradas. Por isso, e embora modesta, a liberdade do homem deve ser intrépida.

Assim, de luta em luta, de queda em queda, de vitória em vitória a liberdade deve ser

sempre reconquistada. Quem não admite a liberdade pode cair em certo pessimismo. Quem a

exalta por demais cairá num anarquismo.

A liberdade não está condicionada tão somente ao poder de opção. Concentrar a

atenção dada à liberdade unicamente sobre o poder de opção é fazer que a liberdade perca seu

ímpeto. Como tal, a liberdade tem uma beleza própria. Mas, só se torna realmente bela se for

salutar, isto é, se trouxer em seu bojo a libertação, a criação libertadora e personalizante. “O

movimento de liberdade é também repouso, permeabilidade, disponibilidade. Não é somente

ruptura e conquista, é também e finalmente, adesão”. (MOUNIER, 2004, p. 83).

3.6 A Pessoa como Eminente Dignidade

A realidade pessoal implica uma transcendência íntima, ou seja, uma transcendência

que habita entre nós, e que não foge a qualquer forma de denominação, é o próprio Deus.

Nessa estrutura, o objetivo principal de nosso filósofo é destacar que a pessoa não se

prende e nem se fecha em si mesma, pois ela excede a si própria, num movimento em direção

ao Ser, isto é, à pessoa suprema que é o próprio Deus. Mounier é um filósofo de inspiração

cristã. “O personalismo cristão vai até o fim: todos os valores se agrupam para ele, debaixo do

apelo singular duma Pessoa suprema”. (MOUNIER, 2004, p. 87).

O cristianismo valoriza cada pessoa e exalta a sua dignidade. Enfim, o movimento que

forma a Pessoa perpassa pela transcendência.

3.7 A Pessoa como Compromisso

Para o nosso personalista, o compromisso é sinônimo de ação e engajamento. Exemplo

disso foi o seu próprio viver. O homem pela sua liberdade e consciência tem o dever de se

inserir na sociedade para personalizar-se e, conseqüentemente, personalizar o mundo, isto é,

transformá-lo. O agir e a ação do homem são imprescindíveis a sua condição essencial para a

própria existência humana, pois diante da necessidade de transformação, ele não pode ficar

indiferente.

Para Mounier (2004, p. 101), “uma teoria da ação não é, pois, apêndice ao

personalismo, é seu capítulo central”. Portanto, o agir assume na filosofia personalista um

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lugar central, pois é pela ação que a pessoa se desabrochará; é pela atividade que o ser será

fecundo. De acordo com Severino (1974, p. 106), “na perspectiva do Personalismo de

Mounier, a exigência da ação está perfeitamente em harmonia e coerência com a sua

concepção dinâmico-estrutural do ser humano”.

Para Mounier, toda a ação supõe liberdade. Neste sentido, a liberdade só é afirmada em

relação ao agir. Agir, para a pessoa, não será apenas exercitar-se, mas igualmente sair de si

mesma para dar-se consistência e ao mundo.

Alguns se darão valores para basear sua ação; outros não vendo nenhuma razão de

critério para agir, recusam aparentemente uma ação coerente, mas não podem recusar o agir.

No outro extremo, há os que se embriagam pela ação, sendo levados a um verdadeiro delírio,

a uma exaltação; são os que não vêem as fronteiras entre o humano e o inumano. As coisas

que se passam no mundo não são previamente fixadas por um como. Se assim fosse, não

teríamos muito que refletir e o que fazer. E, conseqüentemente, cairíamos num conformismo.

De qualquer forma, para existir e existir plenamente é preciso agir, é na espessura da ação que

se trama a existência.

Segundo Mounier (2004, p. 102), cabe recordar ainda que a pessoa não está isolada.

Logo, o esforço para a justiça e para a verdade é um esforço conjunto. Tal esforço “não

implica que um milhão de consciências sejam necessariamente mais conscientes do que uma

consciência severa”. (MOUNIER, 2004, p. 102). Isso porque a quantidade ou o número, com

facilidade, pode desenvolver a atitude de sonolência, confusão, paixão. Mounier nos diz que

“somente com a personalização o número assume o seu sentido humano, assegura a

cooperação das liberdades e das qualidades, controla os delírios e as mistificações a que a

separação arrasta o indivíduo”. (MOUNIER, 2004, p. 102).

Segundo Mounier (2004, p. 102) “só é válida a ação em que cada consciência

particular, mesmo que retirada, amadurece através da consciência total e do drama integral da

sua época”. Apenas quando não há mais maneira alguma de se atribuir um sentido ou quando

o universo já não tem mais valores para me propor, então resta a seguinte conclusão: “faz não

interessa o quê, desde que tua ação seja intensa e vigilante em relação à espessura dos que

nada fazem, dos que soçobram”. (MOUNIER, 2004, p. 102-103).

Quando isso acontece, através da inteira arbitrariedade, uns escolherão uma auto-

atribuição de valores; outros recusarão a ação; outros ainda, sob a agitação de uma ação

libertada de regras e apaixonados por uma vida intensa, serão levados a um delírio da ação.

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3.7.1 As dimensões da ação

Qual é a finalidade central da ação? Quais são os motivos que levam a pessoa a agir?

De acordo com a perspectiva personalista, “a ação, na estrutura e condição da pessoa, visa ao

desabrochar plenificante da própria pessoa”. (SEVERINO, 1974, p. 106). E, tal finalidade

fundamental orienta-se em certas dimensões especiais de desenvolvimento.

Para Mounier, qualquer ação deve responder a quatro exigências: “que modifique a

realidade exterior, que nos forme, que nos aproxime dos homens e que enriqueça o nosso

universo de valores”. (MOUNIER, 2004, p. 103). Tal distinção encontra-se na dimensão do

fazer, do agir, da contemplação e da dimensão coletiva da ação.

No âmbito do fazer, a ação visa à transformação, dominação e organização da realidade

exterior. Pode-se chamá-la de ação econômica onde tem por fim um critério próprio de

eficácia. É o campo das ciências aplicadas, da indústria e da técnica e sua medida é a eficácia.

Sob o ângulo do agir, a ação não tem como principal fim a construção de uma obra

exterior, mas a formação do próprio agente. A opção ética não deixa o indivíduo recair nas

amarras da ordem econômica, pois tem seu fim e sua dimensão na autenticidade. “A técnica e

a ética são os dois pólos da inseparável cooperação da presença e da operação em um ser que

não age senão em proporção com o que é e, que não é senão na medida em que se faz”.

(MOUNIER, 2004, p. 105-106). Portanto, uma não pode existir sem a outra; se

complementam e se constituem como exigências necessárias da própria realidade e das

situações em que se encarna e onde é chamado a desabrochar-se o ser humano.

A ação contemplativa, na sua interpretação clássica, “não depende somente da

inteligência, mas do homem inteiro, não é evasão da atividade comum para uma atividade

escolhida e separada, mas aspiração a um reino de valores que abranja e desenvolva toda a

atividade humana”. (MOUNIER, 2004, p. 106). Nesta busca desinteressada de valores, o

homem visa a descobrir e a verificar conhecimentos e ideais que lhe concernem assim como a

todo universo, aperfeiçoando-os cada vez mais e distribuindo-os o mais vastamente possível

entre os homens. No entanto, pode ter também em vista modificações de caráter prático, como

por exemplo, nas ações de tipo profético, visto que tal ação assegura a ligação entre o

contemplativo e o prático. Segundo Mounier (2004, p. 107), “o ato profético pode ser

acompanhado por uma consciente intenção de realizar mudança numa dada realidade, embora

por meios que provêm mais da fé do que da eficácia técnica”.

E, por último, recuperando as dimensões precedentes, toda a ação tem uma dimensão

coletiva. Mounier conclui que “não é com os clamores de desesperados solitários que hoje

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poderemos despertar uma ação que o desespero esgotou”. (MOUNIER, 2004, p. 108). A ação

deve aproximar os homens, pois responde às profundas coordenadas da existência pessoal.

3.7.2 O imprescindível engajamento

A pessoa é chamada ao engajamento. É uma afirmação central do personalismo:

“recusar o engajamento é recusar a condição humana”. (MOUNIER, 2004, p. 109). O

engajamento se impõe em situações históricas ambíguas e complexas. Frente a tais situações,

impõe-se arriscando, talvez até voltando ao fracasso, mas maior fracasso, segundo Mounier,

seria recusá-lo.

De acordo com Severino (1974, p. 109),

Esta inelutabilidade do engajamento não se origina de uma orientação positivamente finalizada. Está inscrita na própria condição da pessoa: esta já se encontra engajada, embarcada, preocupada. Por isso nem só não se conhecem situações ideais como também não se escolhe as situações de partida em que a ação é solicitada. Donde toda abstenção é ilusória. Não se engajar em determinada orientação é deixar-se engajar em outra.

Mas, de qualquer modo, o engajamento não pode abdicar da pessoa e dos valores que

ela serve. Todo engajamento exige da pessoa vigilância crítica para afastar-se do fanatismo e

das ilusões. A consciência das imperfeições de suas causas, unida à coragem de confronto ao

real, são o quinhão do engajamento historial da pessoa.

Segundo Mounier (2004, p. 108), “nenhuma ação poderá ser sã e viável se desprezar

totalmente uma preocupação de eficácia ou o contributo de uma vida espiritual”. O

engajamento não deve deixar de assumir bases que ligam o pólo político ao profético e vice-

versa. Para Mounier (2004, p. 108), “o homem realizado é aquele que vive no seu íntimo esta

dupla polaridade, percorre agitando-se o caminho que vai de um a outro, combatendo a um

tempo para assegurar a autonomia e regular a força de cada um, e para encontrar as

comunicações que conduzem de um a outro”.

Na aspiração à pureza, o homem, na maior parte das vezes, deixa-se levar pela

repetição, pelo heroísmo pessoal ou por um narcisismo superior separado do drama coletivo.

Nas escolhas, geralmente não se opta por aquilo que mais se solicita a nossa ação. Deixa-se de

optar pelo medo de correr risco. E, no entanto, se esquece que “o risco que assumimos na

parcial obscuridade de nossas opções coloca-nos em um estado de despojamento, de

insegurança e de aventura, que é clima propício para as grandes ações”. (MOUNIER, 2004, p.

110).

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E, conclui:

A educação que hoje em dia é distribuída prepara o pior possível para uma tal cultura da ação. A Universidade distribui uma ciência formalista que conduz ao dogmatismo ideológico ou, por reação, à ironia estéril. Os educadores espirituais conduzem na maior parte dos casos a formação moral para o escrúpulo ou para o caso de consciência, em vez de a encaminharem para o culto da decisão. É todo um clima a modificar, se não quisermos ver mais os nossos intelectuais a dar o exemplo da cegueira e, os mais conscienciosos, da covardia. (MOUNIER, 2004, p. 111).

A partir dessa crítica, apresenta-se alguns pontos das dimensões pedagógicas do

Personalismo de Mounier, elencando aspectos relevantes da idéia de educação e seus

pressupostos básicos para uma cultura da “ação”, esta, através da educação.

Na obra O Personalismo, além das estruturas que colaboram para o desabrochar da

Pessoa, o filósofo francês, na obra intitulada Manifesto ao serviço do personalismo, dedica

um capítulo sobre a educação da pessoa, baseando-se em princípios de uma educação

personalista, em que destaca a importância da educação no âmbito do despertar.

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4 DIMENSÕES PEDAGÓGICAS DO PERSONALISMO DE MOUNIER

Não se pode conceber o personalismo como uma filosofia estabelecida a priori, da

qual se reduziria um projeto de sociedade e uma pedagogia personalista. Da mesma forma,

não pode ser entendido como um projeto de sociedade previamente construído. O que houve

de fato foram acontecimentos históricos, trazendo consigo a negação dos valores humanos

fundamentais; situações concretas de alienação, de opressão e de destruição da pessoa que

reclamavam um movimento com dimensões globais, no qual a ação e a reflexão eram exigidas

como dois pólos dialéticos, na unidade de um mesmo processo.

A dimensão pedagógica tem uma importância muito grande no personalismo como

movimento e como projeto global. Um primeiro dado, diz respeito à intencionalidade ou o

projeto pedagógico que comanda o personalismo como um todo. Em segundo lugar,

apresentar-se-ao, alguns aspectos fundamentais do pensamento pedagógico de Mounier.

4.1 O personalismo, pedagogia do homem novo

Na sua “Introdução aos Existencialismos” (1963, p. 79), Mounier lembra que a

“primeira tentativa da filosofia não é uma tentativa de conhecimento, mas antes um apelo

violento: “Homem, acorda!”. Este apelo de Sócrates, do existencialismo, da própria filosofia.

Ele estabelece como apelo também do personalismo: “Homem, acorda!” O velho apelo

socrático, é o grito de alarme de um mundo que se entorpece em suas estruturas, em seus

confortos, em suas misérias, em seu trabalho, em seu lazer, em suas guerras, em sua paz, em

seu orgulho e seu cansaço.

Este apelo ao “despertar” não é todavia uma tarefa exclusiva do personalismo como

filosofia, mas antes tarefa mesma do personalismo como projeto global. Este despertar

personalista não tem um sentido puramente intelectual, nem apenas individual. É um apelo ao

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despertar, à conversão da pessoa na sua totalidade e à união no engajamento, na ação por uma

revolução personalista e comunitária.

Na visão de Mounier,

A escola não deve preocupar-se com a instrução ou uma preparação exclusiva, pois a meta de toda educação é o “despertar” da pessoa (...), o desabrochar duma existência verdadeiramente humana, que é imanência e transcendência, e seu ser não pertence a ninguém, senão a ela mesma. (LORENZON, 1996, p. 61).

No “Manifesto ao Serviço do Personalismo” Mounier, apresenta os momentos

pedagógicos deste ‘despertar’ ou desta ‘conversão’ – ele fala de uma situação pessoal de

inquietação, de uma tomada progressiva de consciência, haverá depois a ‘recusa’ e finalmente

a ‘conversão continua da pessoa toda, solidária, atos, palavras, gestos e princípios na unidade

de um engajamento único.

O que o personalismo visava não era um engajamento puramente individual, mas sim

uma corrente de engajamento, uma ação de penetração progressiva, de reorientação interior,

que preparará amadurecimentos e reagrupamentos futuros.

O movimento personalista foi sobretudo um agrupamento de pessoas, difundido, a

partir da revista Esprit por toda parte. Muitas coisas mudaram evidentemente com o tempo.

Certas idéias e certas linhas de ação por ele propostas parecem ainda hoje uma fecundidade

extraordinária. A idéia do “despertar”; a “tomada de consciência” progressiva que parte da

“inquietação”, passa pela recusa e chega ao engajamento na ação revolucionária.

O “despertar” e a “tomada de consciência”, propostos por Mounier, devem realizar-se

nas diferentes dimensões do mundo pessoal. Trata-se de um “despertar” para a realidade

interior do ser pessoal; é uma conversão à autenticidade do ser, contra todas as formas de

alienação. Isto exige, porém, uma condição prévia, um despertar da pessoa para o outro, para

a comunicação, no diálogo e na comunhão. Esta exigência, pois da pessoa que despertou para

o sentido total do homem, o engajamento na ação para transformar o mundo. Sem esta

conversão integral não haverá verdadeiro engajamento. Dizia Mounier, “não se engaja numa

ação quem não assume em si a totalidade do homem”.

São muitos os que interpretam o personalismo além de Lacroix e Ricoeur declara que

o personalismo quer ser uma pedagogia do homem total. Domenach explica o sentido desta

pedagogia. O personalismo é antes de mais nada uma pedagogia: uma filosofia de serviço e

não de dominação. Seu sucesso não se mede pelo critério do poder ou do número, mas sim da

modificação dos espíritos e das relações humanas, da caminhada de sua inquietação da

consciência de uma responsabilidade.

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Segundo Lacroix (1972, p. 156) “os grandes pensadores são educadores, isto é,

mestres do pensar e mestres da vida.” Mounier é, segundo ele, um desses homens, vê acima

de tudo o instituidor do homem do século XX.

4.2 O pensamento pedagógico de Mounier

O personalismo no seu conjunto é uma pedagogia do homem novo. Além dessa

perspectiva mais ampla e global, destacada anteriormente, as obras de Mounier apresentam

também uma concepção e um pensamento pedagógico no sentido específico da palavra.

Mounier se preocupou dos problemas da educação e escreveu sobre os mesmos na ótica da

pessoa e de uma sociedade comunitária.

4.2.1 Educação: o despertar da pessoa total

A concepção pedagógica de Mounier é coerente com sua filosofia da pessoa. Isto

significa que ele tenha elaborado uma teoria da educação de forma dedutiva, a partir de uma

filosofia previamente estabelecida. Sabemos que a filosofia é um processo hermenêutico, de

compreensão progressiva desse universo, que reconhece o mistério da pessoa, qual transcende

todo o esforço de explicação.

A educação é concebida como um processo imanente à pessoa. E o fim da educação

segundo Mounier, consiste em despertar pessoas, sendo que a pessoa não pertence a ninguém,

senão a si mesma.

Esta concepção socrática de educação é muito cara a Mounier. No Manifesto ele

escreve:

O papel da educação, não é primeiro fazer cidadãos, pois a escola não tem por função principal o fazer cidadãos conscientes, bons patriotas, ou pequenos fascistas, pequenos comunistas, pequenos mundanos. A sua missão é despertar pessoas capazes de viver e de assumirem posições como pessoas. (MOUNIER, 1967, p. 133).

Diante dessa proposta, constata-se que muitos dos nossos currículos escolares não

primam e nem possuem uma consciência nesse sentido, por isso a contribuição mounieriana

vem de encontro a nossa realidade de ensino, apontando para a necessidade do despertar da

Pessoa. Mas, para isso acontecer, diz Mounier:

A escola, desde o primeiro grau, tem por função ensinar a viver, e não acumular conhecimentos exatos ou processos eficientes. E é próprio de um mundo de pessoas que a vida não se ensine mediante uma instrução impessoal distribuída em verdades codificáveis. (MOUNIER, 1967, p. 135).

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Homem, desperta! Este é o apelo socrático como já destacado. É um apelo a

redescoberta pessoal da realidade da pessoa. “Despertar junto a um número suficientemente

grande de homens o sentido total do homem” é o apelo do personalismo como movimento

histórico. É um apelo ao engajamento histórico para a construção do homem novo. O

despertar supõe que existe um “sono” contra o qual a pessoa reage.

Mounier fala de uma “tomada de consciência”. Esta tomada não significa deixar

correr, é um combate, o mais duro combate do ser espiritual, a luta constante contra o sono e a

embriaguez da vida que é o sono do espírito.

Mounier na “Introdução aos Existencialismos” diz que:

Há muitas formas de sono: as diversas formas de vida inautêntica ou da existência perdida; a dispersão, o impessoal, a alienação nas coisas exteriores que torna a pessoa “coisa entre as coisas”; a tagarelice quotidiana e a comum; a maneira de ser de uma existência desenraizada, a demissão. (MOUNIER, 1963, p. 114).

A tomada de consciência é, pois um processo, que deve realizar-se em todos os

sentidos do ser da pessoa. Não é um ato isolado, mas um processo, um processo de

engajamento, e a plenitude de consciência é a plenitude do engajamento.

A educação, como despertar da consciência também deve acontecer na perspectiva de

todas as dimensões da pessoa. Uma educação completa deve formar ao mesmo tempo e num

mesmo movimento, homens de fé e homens lúcidos, homens de fidelidade e homens

independentes, leais e retos.

É evidente que seria muito mais fácil para o professor dar suas aulas do que suscitar

ou, melhor, despertar no outro um apelo, uma tomada de consciência, uma demarche ou uma

seqüência de demarches em busca da verdade e do crescimento pessoal. Este seria um

procedimento mais indicado e mais eficaz para a formação do espírito crítico. “Nessa linha,

seria preciso deixar de lado e combater um certo simplismo na discussão pedagógica,

preparando antes de julgar”. (LORENZON, 1997, p. 64).

4.2.2 A educação: aprendizagem da liberdade

“A liberdade é a maneira pela qual a pessoa é tudo aquilo que ela é.” A educação deve

promovê-la como condição de realização do educando, e é concedida por Mounier como

“uma aprendizagem da liberdade”. Esta aprendizagem é progressiva e permanente, deve

realizar já na família. A educação se preocupará também daquele momento crítico quando o

adolescente deve livrar-se das amarras que o prendiam demais ao refúgio familiar, a fim de

aprender uma liberdade que será sua virtude de adulto.

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Segundo Mounier,

A atividade da pessoa é liberdade e conversão à unidade de um fim e de uma fé. Se por conseqüência uma educação fundada na pessoa não pode ser totalitária, a saber, materialmente extrínseca e constringente, o certo é que não pode deixar de ser total. Ela interessa o homem todo inteiro, toda a sua concepção e toda a sua atividade perante a vida. (MOUNIER, 1967, p. 132).

A aprendizagem da liberdade, como a liberdade em si mesma, não é solitária, mas

solidária. Ela se situa, para a educação, no contexto da relação e da comunicação pedagógica.

Mounier é contrário a toda forma de possessividade. A educação autoritária está muitas vezes

na origem de certos problemas de recusa e de fuga do real e sobretudo de rejeição, mas uma

educação frouxa e confortável desenvolve os mesmos efeitos que uma educação rígida.

No “Traité Du Caractere” 5, (1947: p. 506), Mounier declara:

A pedagogia cristã, nas suas casas de educação, não conseguiu estabelecer um estilo de vida digno da síntese entre liberdade e 6autoridade que a teologia e a política já há muito tempo elaboraram. (...) A verdadeira obediência não é aquela submissão que amarra à primeira autoridade.

Ele encoraja os educadores a “não confundirem autoridade com monopólio da

iniciativa e da intervenção perpetua nos atos da criança” (Ib.: p. 427).

Assim observa-se que a educação autêntica não deve prolongar a dependência, mas

promover a libertação progressiva da pessoa. A educação autoritária não entende assim as

coisas, os valores que ela venera, julga mais seguro impô-los para comunicá-los.

A concepção da liberdade, da autoridade e da relação pedagógica é uma

conquista quase generalizada da pedagogia moderna, sobretudo a partir da escola nova.

Primeiramente o personalismo não tem nenhuma pretensão de exclusividade em qualquer

domínio que seja. Mas tem algumas observações a fazer: Segundo Andreola6 (1985, p. 132)

“a liberdade, segundo o Personalismo, não é a liberdade do individualismo, mas a liberdade

da pessoa, a liberdade em solidariedade com a liberdade dos outros, que somente se realiza na

comunicação e no afrontamento”.

E acrescenta Mounier (1967, p. 139) “A criança deve ser educada como uma pessoa,

pelas vias da prova pessoal e de aprendizagem do livre compromisso. Mas se a educação é a

aprendizagem da liberdade, é precisamente porque ela não a encontra já formada desde o

início”.

5Cf. Emmanuel Mounier. Traité du Caractère. In: Oeuvres, vol. II. Paris, Seuil, 1947. A tradução é do Prof.: Balduíno Antônio Andreola. (ver nota posterior). 6 Cito aqui a tese do Prof.: Balduíno Antônio Andreola, do Unilasalle. Cf. ANDREOLA, Balduino A. Emmanuel Mounier et Paulo Freire: Une pédagogie de La personne et de La communauté. (Thèse doctorale). Louvain-la-Neuve, Université Catholique, 1985. A tradução no decorrer das citações é do autor.

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Assim, o problema da relação pedagógica não se resume na relação educador-

educando. Trata-se de uma relação mais ampla, é uma relação na comunidade. Se o processo

de personalização, que é essencial na educação, não se realiza na experiência da comunicação

com o outro, a aprendizagem da liberdade, condição essencial do ser pessoal, também não se

realiza sem a experiência da comunicação e da comunhão.

Quanto à liberdade proclamada pelo personalismo para a relação pedagógica não se

situa apenas na linha da motivação, mas sim na própria linha do ser da pessoa, é uma

exigência ontológica. A pessoa não pode ser reduzida nunca à condição de objeto, de coisa. O

educando, em qualquer idade, é sempre uma pessoa. A educação é um processo de

personalização, que deve realizar-se numa comunidade cujas relações são de liberdade, de

intercâmbio, de diálogo, de doação e de amor.

4.2.3 Educação e Ensino

A função da escola consiste em ensinar a viver e em promover o engajamento vivo de

uma pessoa, e em acumular conhecimentos exatos ou algumas habilidades.

A pergunta inicial que se apresenta é, qual é o fim da educação?

Mounier inicia um diálogo mostrando que esta, a educação, não consiste em fazer, mas

sim em despertar pessoas. E acrescenta (2004, p. 133) “uma pessoa suscita-se por apelos:

assim a educação não pode ter como fim moldar a criança a um comodismo do meio familiar,

social ou estadual, nem caberá adapta-la à função ou papel que lhe caberá desempenhar

quando adulto”.

Juntamente com o formalismo autoritário Mounier critica também o aspecto da

acumulação do saber, de um saber dissociado da realidade de uma concepção global da

formação do homem, estabelecendo uma dicotomia entre a escola e a vida, o pensamento e a

ação, entre o ensino e o trabalho manual.

Assim, a síntese entre o trabalho intelectual e o trabalho manual, entre o pensamento e

a ação, entre a teoria e a prática, entre a escola e a vida, constitui exceção, não a regra geral,

em nossos sistemas de ensino. Seus sistemas de ensino foram modelados, com muita

freqüência conforme este humanismo “decorativo”, organizando um ensino contrário ao

humanismo do homem total, estabelecendo como objetivo a formação do homem produtor.

E, acrescenta Mounier:

O problema da educação não se reduz ao problema das escolas: a escola é um instrumento educador entre outro, abusa-se e errar-se quando quer fazer dela o principal instrumento, não está encarregada de uma “instrução abstrata” que seria

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definível fora de toda educação, mas sim da educação escolar, setor da educação total. Esta ligada às necessidades da nação (formação do cidadão e do produtor). (MOUNIER, 2004, p. 133).

Péguy reduzia o ideal para o ensino numa imagem: homens livres se dirigindo a

espíritos livres. Em o personalismo Mounier (2004, p. 135) “deplora que a cultura de sua

época não prepara mais para a cultura da ação e observa que a universidade distribuía um

saber formalista que incitava ao dogmatismo ideológico”.

É notável nos escritos de Mounier que as expressões “acumulação”, “armazenamento

de saber”, possuem uma significação central na crítica de Mounier ao formalismo do saber e

do ensino.

Nesta digressão do saber e do ensino para a consciência e a educação moral, há dois

aspectos importante a destacar. O primeiro, é que existe uma coerência profunda entre nossa

concepção de inteligência e de consciência, do ato intelectual e do ato moral, do saber e da

virtude. O segundo é que precisamos situar o problema do saber e do ensino numa visão de

conjunto da pessoa, dos valores e da educação. Reconciliar a inteligência e o amor era o

desejo supremo de Mounier. Também o ensino deve ser situado na perspectiva do amor, como

um ato de intercâmbio, de diálogo do professor e dos alunos sobre o mundo no processo do

conhecimento.

4.2.4 Mounier educador

Mais que de escritor, de filósofo, de fundador de um movimento e de uma revista, a

vocação de Mounier foi uma vocação de educador. Seu propósito central foi sempre a

formação de pessoas, a construção do homem novo.

As dimensões teóricas elencadas, os elementos de reflexão, o domínio da educação,

são o resultado de suas preocupações concretas pela formação do homem total, e de seus

engajamentos como formador de pessoas. Segundo Lacroix apud Andreola (1985, p. 143),

Mounier “é acima de tudo o instituidor do homem do século XX, quer dizer, aquele que

institui a humanidade no homem, aquele que coloca o homem de pé”.

Nos textos de Mounier, as palavras “instituidor”, “educador” e “pedagogo” são

utilizados num sentido amplo, total. Mounier era acima de educador por sua presença, por seu

testemunho de vida, e por seus engajamentos. Toda a sua obra é um apelo à consciência de

cada homem, um grito de alerta a cada pessoa, para um despertar à sua vocação pessoal e

comunitária.

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Dessa vocação pedagógica global, Mounier desenvolve tarefas pedagógicas mais

específicas, suas ocupações foram muito variadas e intensas, sobretudo no movimento da

revista “Esprit” com já destacado. Na direção da revista e no movimento, ele soube descobrir

e despertar vocações, preocupando-se em reunir pessoas, num primeiro momento como

vínculo de amizades. Os grupos Esprit foram uma das iniciativas mais extraordinárias de que

se tenha conhecimento, como pedagogia para a formação de pessoas, e como estratégia e

continuidade e de eficácia de um movimento.

Como enfatiza Andreola (1985, p. 145) “Mounier escreveu uma grande quantidade de

cartas, caracterizadas pelo tom muito pessoal, o calor da amizade, o respeito com as pessoas, a

profundidade da reflexão, a franqueza e a sua capacidade de acolhimento”.

Em seu trabalho de despertar pessoas, de promoção de vocações, de animações de

grupos, de diretor de um movimento e de uma revista, Mounier realizou uma excepcional

ação intelectual, que ele concebia com uma forma privilegiada de ação educativa.

Segundo Mounier apud Andreola (1985, p.148):

Mounier como professor de filosofia, defende uma filosofia como reflexão sobre o conjunto dos problemas da existência; uma filosofia que aborde a totalidade do real, incluindo os problemas dos valores. O ensino da filosofia deve ser, segundo ele, uma “busca do que significam coisas para seres existentes e engajados num destino. (...) vai-se à filosofia com a alma e com a própria vida na sua totalidade.”

O engajamento consiste em influir de maneira ativa sobre a realidade que nos é

apresentada, e não em refugiar-nos no absoluto, deixando que a história corra sem nós.

Como professor, não fugiria à regra da relação dialógica, participativa e responsável.

Durante seu professorado, o que mais lhe marcou foi a "Ecole de Cadres d’Uriage"7, pela qual

se constituiu um centro de resistência à ocupação alemã. A escola tinha por missão formar

novos dirigentes firmados por princípios de responsabilidade ética para dirigirem a França

através de uma nova pedagogia diferentemente da visão tradicionalista existente, pois

acreditavam que a crise tinha propósitos, exatamente por má condução de seus dirigentes.

Através de um novo pensar, a Escola estimulava a participação do aluno, a autonomia, a

responsabilidade e a liberdade. Havia conferências, seminários e aulas. Estas funcionavam

como discussões e introduções às temáticas chamadas de "espírito de Uriage".

7 Cf. Andreola (1985, p. 149). Ao se falar de Mounier como educador não se poderia silenciar sobre sua participação nas atividades da “Ecole de Cadres d’ Uriage”. Tal instituição constituiu exemplo eloqüente de uma pessoa e de um grupo que não esperaram as condições ideais para buscar as melhores soluções para os problemas. A escola foi criada em 1940, após a ocupação da França pela Alemanha. Assim os objetivos de Uriage tratavam essencialmente da busca de um tipo de homem novo (...) Uriage propunha-se formar dirigentes, ou melhor de elaborar uma pedagogia de formação de dirigentes, ou seja de homens encarregados de responsabilidades na sociedade.

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Ele observa que a Escola de Uriage foi uma França exemplar, sendo a primeira escola

de formação de quadros, que buscou substituir uma educação tradicional excessivamente

livresca, desenvolvendo no futuro dirigentes de homens, o homem inteiro. E conclui: É

preciso o esforço de Uriege e a grande esperança que sobre ele repousa sejam conhecidos no

exterior.

Segundo Andreola, o pensamento de Mounier, o Personalismo e a revista Esprit foram

às referências mais freqüentes nesta escola, o que provocou contrariedades aos governantes,

que não tardaram a emitir ordens para afastamento de Mounier, em 1941, e decretaram a

dissolução da escola no final de 1942. Como a qualquer grande educador, esta experiência o

havia encantado, pois era libertária, engajada, crítica, comprometida com os problemas da

época. Essa escola foi para Mounier o símbolo da prática pedagógica em sala de aula e, por

esse motivo, ao desenvolver os princípios da educação personalista, perguntava: “Por que se

educa a criança? Qual é o fim dessa educação?”

4.3 Educação Personalista: um diálogo aberto para o mundo

“Um ser-no-mundo e com-o-mundo, aí se encontra o homem”. Mundo este entendido

numa ótica fenomenológica, não se tratando de matéria, nem tampouco como consciência,

mas como uma unidade existencial dialética, uma presença do homem ao-mundo e no-mundo.

Portanto, o homem não pode viver no e com o mundo numa relação de indiferença, de

inautenticidade, de dormência. É necessário despertar, despertar que se inicia na infância e

que não tem por finalidade moldar a criança ao conformismo do meio social ou das doutrinas

do Estado.

Conforme o que já destacamos, sabe-se que o homem está imerso num contínuo

movimento de personalização. E esse movimento, por sua vez, deve ter início desde a infância

no intento do despertar da Pessoa. Assim, os Personalistas atribuem uma enorme importância

às instituições educacionais.

Para Mounier (1967, p. 194) o “problema crucial do personalismo é da legitimação do

poder que o homem exerce sobre o homem, poder que parece contraditório com a relação

interpessoal”. Nesse sentido, Ruedell (1985, p. 81) comenta: “Se o Estado logo nos evoca

esta lembrança de poder – que, de alguma forma, não lhe deixa de ser atribuído – é, sem

dúvida, porque está sendo exercido indiscriminadamente, em detrimento da liberdade das

pessoas”.

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Com esse enfoque, a missão da escola é despertar seres para o "Universo da Pessoa",

ou seja, fazê-lo desabrochar numa existência verdadeiramente humana de imanência e

transcendência e que este não pertence a ninguém a não ser a si mesmo. Quanto à preparação

técnica e funcional, sabemos que ela é necessária para um mínimo de liberdade material, sem

a qual a vida pessoal se asfixia, mas deve ser entendida também como complemento, parte da

liberdade.

A educação funcional e técnica não pode ser o centro da obra educativa. Uma

educação voltada à Pessoa é completamente diferenciada em relação à educação livresca que

confunde Cultura com acumulação de saber. Para a educação personalista esta tem que se

firmar através da expressão da vida, da aprendizagem da liberdade. O saber dissociado da

realidade transforma-se num saber abstrato, num formalismo que abafa a criatividade.

Mounier declarou que a nossa civilização nega a dimensão humana tanto na base

informal quanto formal, portanto gera desumanização, individualismo, competição e

autoritarismo. Homem, desperta! Dizia Mounier. Tal despertar é o cerne da educação, uma

constante atuação pedagógica que deve suscitar no educando não apenas os conhecimentos,

implica compromissos e estes também têm de permanecer atuante no educador, sendo este

vigilante dos mecanismos geradores e anuladores da liberdade humana, daí sua constância e

engajamento, o não comodismo, conformismo, determinismo que os sistemas propõem.

Conforme Mounier,

O personalismo, fundamento imediato da liberdade do ensino, define também uma primeira posição global sobre o homem e sobre as relações entre os homens, nenhuma escola pode justificar ou cobrir a exploração do homem pelo homem, a prevalência do conformismo social ou da razão de estado. (MOUNIER, 1967, p. 136).

Por isso, são grandes os desafios do educador em utilizar sua ferramenta pedagógica,

despertando almas, o que significa não adormecer, estar desperto, pois se dormir nas

liberdades, acorda escravo e conseqüentemente gera escravos.

O objetivo principal é exatamente libertar a Pessoa de todas as amarras de uma

sociedade despersonalizante, tendo em vista a valorização da Pessoa. Aí, portanto, o professor

tem um papel importantíssimo, porque ele é aquele que pelo seu testemunho deve ser um

estimulador, um ser ativo, um investigador e um sujeito de personalização para o discente.

O docente deve valorizar todos os seus alunos de classe e motivá-los a uma

curiosidade criativa e espontânea. Além disso, aos poucos inserir, de modo personalizado,

pequenas responsabilidades, pois ele deve se sentir sujeito de algo. Assim, ele se dará conta

que é possível contribuir em seu meio. Ademais, Lorenzon, (1996, p. 65), afirma que “a

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criança, é antes de mais nada, levada pelos impulsos. É por isso que ela deve ser educada a

fim de saber dirigir sua vida por ela mesma”

Todo aluno deve ser valorizado e levado em consideração a sua integralidade, isto é,

que ele é um ser de corpo e alma, que tem sentimentos e é um ser de relações e, acima de

tudo, de diálogo e de vivência comunitária. Dessa forma, o ambiente escolar deve

proporcionar espaços comunitários que colaborem, principalmente para o desenvolvimento

integral da Pessoa.

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5 CONCLUSÃO

Com esse trabalho buscamos analisar a temática no tocante à Pessoa e sua Educação a

partir do filósofo Personalista Emmanuel Mounier, bem como compreender com mais

profundidade a corrente filosófica personalista e, por conseguinte, introduzir os elementos que

implicaram o seu surgimento. Ainda, patentear sua contribuição à sociedade no âmbito da

Pessoa, principalmente, nos nossos dias, quando o mundo hodierno, de certa forma, não

colabora para a formação da Pessoa em sua integralidade.

Vimos, no primeiro capítulo, o quanto a vida e o pensamento de Mounier andaram

juntos. O contato com a miséria humana e a experiência pessoal do sofrimento apurou nele

ainda mais a já profunda sensibilidade humana, que trazia de sua sólida formação cristã;

fizeram-no assumir a pessoa como preocupação central de sua vida, e por isso também de

toda a sua reflexão filosófica. O empenho pela restauração da dignidade humana é o próprio

sentido da vida. Assume-o como verdadeira vocação.

Vivemos num período da história em que a educação está tão acessiva, mas que, em

muitos casos, está perpassada por ideologia, fazendo da pessoa um mero objeto, colocando

em xeque o despertar e o construir pessoal, bem como sua afirmação. Mounier foi um filósofo

engajado na finalidade de contribuir para a formação humana, tendo em vista toda a

problemática de seu tempo em relação ao caos vivenciado pela sociedade. Uma das suas

principais contribuição é a proposta das estruturas do Universo Pessoal. Nessas estruturas,

como podemos perceber, encontramos elementos pertinentes que colaboram para a

Personalização da Pessoa como um todo, isto é, integral. Ademais, instiga a comunicação, o

cultivo da interioridade, da valorização do outro que, por sua vez, precisa do outro para

crescer como Pessoa afirmada, consciente, crítica e, acima de tudo, comprometida com todo o

seu ser na sociedade, no estímulo da coletividade.

Outro atributo a Mounier em relação à educação está no sentido de despertar a Pessoa e

não de formar cidadãos habilidosos, que permanece preso a um sistema que alicia o seu modo

de pensar, de agir e de viver. A liberdade é um conceito chave no desabrochar e na afirmação

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Pessoal. Aliás, se a pessoa não quer entrar nesse movimento de personalização, ela não entra,

porque deve ser algo de livre e espontânea vontade e que parta de sua iniciativa. Contudo, o

docente tem um papel fundamental que é exatamente ser uma espécie de ponte para o aluno

no despertar da Pessoa. Junto ao professor, entra a comunidade escolar que deve proporcionar

um ambiente condizente para a comunicação e o desabrochar de todos, de modo geral.

A pessoa não pode ser considerada isoladamente. Se quisermos fazer algo por ela,

devemos situá-la no seu contexto social e englobando todas as suas dimensões, ou seja, o

pessoal e o social são inseparáveis. É por isso que, no movimento personalista se anuncia e

assume uma revolução que seja ao mesmo tempo personalista e comunitária; que restaure a

pessoa, possibilitando-lhe novamente ser sujeito de sua própria história e simultaneamente

reestruture a sociedade, adequando-a as reais necessidades humanas.

A valorização da Pessoa Humana se faz necessária e urgente. Pessoa Humana se faz na

comunidade e o homem torna-se um ser de comunicação consigo, com o outro e com o

mundo que o rodeia. Eis o princípio de alteridade comunitária apresentado pela revolução

personalista. Mounier é o educador que propõe aos nossos tempos uma reflexão ética e global

acerca do ser humano, despersonalizado e desumanizado por muitos movimentos que fazem

acontecer uma forte tendência que navega por uma Ideologia do Individualismo.

Assim, com o personalismo não se pretendia uma filosofia acabada. Era antes uma

orientação a ser seguida pela filosofia viva e por isso deverá ser uma obra coletiva, a ser

realizada na promoção do homem. O personalismo é uma teoria a ser incessantemente

retomada e contextualizada.

É notável no pensamento de Mounier que a educação funcional e a técnica não podem

ser o centro da obra educativa. Uma educação voltada à Pessoa é completamente diferenciada

em relação à educação livresca que confunde Cultura com acumulação de saber. Para a

educação personalista esta tem que se firmar através da expressão da vida, da aprendizagem

da liberdade.

Por isso, são grandes os desafios do educador em utilizar sua ferramenta pedagógica,

despertando almas, o que significa não adormecer, estar desperto, pois se dormir nas

liberdades, acorda escravo e conseqüentemente gera escravos.

Mounier viveu pouco, mas intensa e profundamente. Abriu mão de uma enunciada e

promissora carreira universitária para se tornar um pensador da ação e do engajamento.

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REFERÊNCIAS

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