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SUZI GARCIA HANTKE A PIONEIRA TRAJETÓRIA DE GAUDÊNCIO TORQUATO NA PESQUISA COMUNICACIONAL BRASILEIRA ECA/USP SÃO PAULO 2006

A PIONEIRA TRAJETÓRIA DE GAUDÊNCIO TORQUATO NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp031650.pdf · Ao Paulo Bontempi, da secretaria de pós-graduação do Departamento de Jornalismo

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SUZI GARCIA HANTKE

A PIONEIRA TRAJETÓRIA DE GAUDÊNCIO TORQUATO NA PESQUISA COMUNICACIONAL BRASILEIRA

ECA/USP SÃO PAULO

2006

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SUZI GARCIA HANTKE

A PIONEIRA TRAJETÓRIA DE GAUDÊNCIO TORQUATO NA PESQUISA COMUNICACIONAL BRASILEIRA

Dissertação apresentada ao Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo com vistas à obtenção do título de Mestre em Ciências da Comunicação. Orientador: Prof. Dr. José Marques de Melo.

ECA/USP São Paulo

2006

2

BANCA EXAMINADORA

1. ___________________________________________

2. ____________________________________________

3. ______________________________________________

3

Este trabalho é dedicado a meus pais, que me permitiram conhecer o gosto de aprender.

4

AGRADECIMENTOS

Durante o desenvolvimento desta pesquisa, muitas pessoas deram suas

contribuições – pontuais ou contínuas – ajudando nos alicerces da presente

dissertação. A cada uma delas, mais que meu agradecimento, deixo o

reconhecimento de que sem suas participações o que hoje é concreto

continuaria apenas como intencional:

Ao prof. dr. José Marques de Melo, que me deu o orgulho de tê-lo como

orientador e esteve prontamente à disposição para tirar as dúvidas que

surgiram no encaminhamento deste trabalho;

Ao jornalista Gaudêncio Torquato, que encontrou brechas em sua rotina

para me atender e cuja solicitude é proporcional à sua notoriedade, e também

aos funcionários de sua empresa, em especial à secretária Gislene, que

gentilmente encaminhou minhas solicitações de entrevista;

Às profas. dras. Margarida Kunsch e Gisely Hime, pelos comentários

realizados durante o exame de qualificação e que me ajudaram a acertar o

rumo da pesquisa;

Ao Paulo Bontempi, da secretaria de pós-graduação do Departamento

de Jornalismo e Editoração da ECA-USP, pela dedicação com que assume o

papel de servidor público;

A Claudinei Spirandelli, por sua paciência e carinho com que

acompanhou as hesitações desta pesquisadora iniciante;

E, em especial, a meus pais, por tudo.

5

O homem é, pura e simplesmente, o ser que procura.

(George Simmel)

6

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo retomar a trajetória de vida do jornalista

Francisco Gaudêncio Torquato do Rego, com ênfase em sua biografia

intelectual. A pesquisa possibilitou destacar as contribuições teóricas desse

autor para o campo do pensamento comunicacional brasileiro, concentradas,

em especial, em sua pioneira tese de doutoramento sobre jornalismo

empresarial e em sua tese de livre-docência. Nesses trabalhos, foram

sistematizados, respectivamente, a conceituação da natureza jornalística das

publicações empresariais e um novo modelo sistêmico de comunicação para as

organizações. A metodologia utilizada incluiu a técnica da história oral e da

pesquisa documental e bibliográfica.

Palavras-chave: Jornalismo empresarial, memória do pensamento

comunicacional, comunicação empresarial, história de vida, história oral

7

ABSTRACT

This work will retake the lifeline of the journalist Francisco Gaudêncio Torquato

do Rego, with emphases in his intellectual biography. A research helped to

show up the theoretical contribution of this author for the brazilian’s

communicational thoughts, concentrated, in special, about the pioneer thesis of

company’s journalism (his pos graduation’s thesis) and the free-teaching thesis.

In these works, were organized, respectively, the journalistic definition of

company’s publication and a new systemic model of communication for this

institutions. Oral history and documental and bibliographic research were used

as methodology of this work.

Keys Words: company’s journalism, communicational thoughts memory,

institutions communication, lifeline, oral history

8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................11

Memória do Pensamento Comunicacional....................................................... 13

Capítulo 1 - AS RAÍZES DA PRODUÇÃO INTELECTUAL

1.1 – Reminiscências da infância...................................................................... 23

1.2 – Ambiente político...................................................................................... 25

1.3 – Formação erudita..................................................................................... 30

1.4 – O despertar da vocação jornalística......................................................... 34

Capítulo 2 – O JORNALISTA

2.1 – O início no jornalismo: com a estrela na testa......................................... 38

2.2 – Ascensão profissional.............................................................................. 41

2.3 – O aprendizado na Universidade Católica de Pernambuco...................... 43

2.4 – A experiência na Folha de S. Paulo......................................................... 45

2.5 – Jornalismo empresarial: a descoberta de um campo em formação.........52

2.6 – Docência: a experiência na sala de aula..................................................63

Capítulo 3 - O ACADÊMICO

3.1 – A pioneira tese sobre jornalismo empresarial...........................................70

3.2 – A inovação terminológica..........................................................................75

3.3 – Cenário da comunicação empresarial dos anos 1970..............................78

3.4 – De volta ao mercado: a construção de um modelo

para publicações internas..................................................................................81

3.5 – O modelo sistêmico proposto na tese de livre-docência..........................84

9

3.6 – Os conceitos de sinergia e da Teoria Geral dos Sistemas.......................87

3.7 – A comunicação no campo político............................................................90

3. 8 – A repercussão do pesquisador Gaudêncio Torquato na academia.........91

Capítulo 4 – O ANALISTA POLÍTICO

4.1 – A sistematização de conceitos no marketing político..............................96

4.2 – Migração planejada ................................................................................101

4.3 – Marketing político eleitoral: um capítulo à parte.....................................105

4.4 – Ampliação de foco: atuação como analista político..............................110

CONCLUSÕES................................................................................................116

BIBLIOGRAFIA................................................................................................121

APÊNDICE.......................................................................................................127

ANEXOS..........................................................................................................200

10

INTRODUÇÃO

Para quem trabalha com comunicação empresarial, os livros do

jornalista Francisco Gaudêncio Torquato do Rego estão entre as referências

bibliográficas principais sobre o assunto. Mesmo com a proliferação de títulos

sobre comunicação organizacional – área que conquistou definitiva importância

para as empresas –, as obras do autor continuam como clássicos para quem

procura aprofundar-se no campo da comunicação institucional.

Assim como para outros tantos jornalistas, a opção pela comunicação

empresarial, em meu caso, construiu-se a partir de um misto de oportunidade

ocasional e pragmatismo. Com o tempo, descobri o vasto alcance dos veículos

empresariais – principalmente os direcionados ao público interno das

organizações. Quando já somava sete anos de experiência, constatei: o que

começou como um acaso havia se transformado em uma escolha sedimentada

pela vivência profissional em diversas empresas, tais como Banco Mercantil de

São Paulo Finasa, General Motors do Brasil, Gráfica Pancrom, Natura, Abbott

Laboratório e Petrobras.

Desde o início de minha atuação nesse segmento, as obras de

Gaudêncio Torquato foram a forma encontrada para suprir os conhecimentos

sobre comunicação empresarial, desprezados pela graduação em jornalismo,

que, na década de 1990, quando a cursei, focava quase exclusivamente o

trabalho na grande imprensa. O livro Jornalismo empresarial, teoria e prática

(TORQUATO, 1984) foi, por um bom tempo, a principal referência de estudo.

Na Introdução, o jornalista situa como surgiu a obra:

Os conceitos e situações expostos neste trabalho resultam de

experiências acadêmicas, na universidade e na atividade

profissional. Em 1972, com a nossa tese de doutoramento, na

Universidade de São Paulo, sobre Comunicação e Jornalismo

Empresarial, procuramos sistematizar o campo, esboçando

uma teoria jornalística aplicada às empresas e um modelo de

trabalho para o planejamento e a execução de projetos

jornalísticos institucionais. A esse agregado conceitual,

11

juntamos observações de caráter eminentemente prático,

extraídos de cursos intensivos e de assessoria empresarial que

ministramos e orientamos por mais de 15 anos. O trabalho que

aqui se apresenta, pois, caracteriza-se por certa dualidade. De

um lado, o conceito, a história, a visão jornalística; de outro,

normas práticas para o ato de fazer (TORQUATO, op. cit.: 13).

Meu crescente interesse pelo assunto culminou em um projeto de

pesquisa de mestrado, apresentado à Escola de Comunicações e Artes da

Universidade da São Paulo, que a princípio tinha a intenção de se limitar às

contribuições de Gaudêncio Torquato à comunicação empresarial. A partir das

observações de meu orientador, prof. dr. José Marques de Melo, o projeto

ampliou os contornos e ganhou a estrutura de uma história de vida, com ênfase

na biografia intelectual do jornalista.

A pesquisa revelou o extenso trabalho por trás das obras que se

tornaram referência. O já citado livro Jornalismo empresarial, teoria e prática,

clássico que os profissionais de comunicação empresarial utilizam desde a

década de 1980, é fruto de sua tese de doutoramento defendida na

Universidade de São Paulo em 1973. A obra é um marco nos estudos da

comunicação no Brasil, já que foi o primeiro trabalho acadêmico sobre

jornalismo empresarial desenvolvido em uma universidade brasileira. Acenando

sua intenção de manter uma ponte entre a academia e o mercado, ele inclui um

capítulo para a tentativa de construção de um modelo direcionado a veículos

internos de comunicação de empresa.

É justamente esse diálogo entre universidade e mercado de trabalho a

principal característica da trajetória do jornalista1, o que explica a opção pela

forma como esta dissertação foi estruturada. O fio condutor da presente

pesquisa é o encaminhamento que o jornalista deu à própria vida. No primeiro

capítulo estão suas reminiscências da infância vivida em seminários do

Nordeste, base de toda sua história posterior. No segundo capítulo, é retomado 1 Gaudêncio Torquato construiu, conforme será exposto ao longo desta dissertação, sua trajetória de modo a manter um contínuo diálogo entre universidade e mercado de trabalho. Para ele, essa opção se deu pelos benefícios recíprocos oferecidos pelos dois lados. O prefácio de José Marques de Melo à obra Jornalismo empresarial: teoria e prática enfatiza essa opção: “Seu mérito principal é o de romper a barreira entre a atuação universitária e a empresarial, reunindo-as, confrontando-as, integrando-as” (ibidem: 10).

12

o início no jornalismo, com destaque aos principais trabalhos jornalísticos e aos

primeiros estudos sobre comunicação empresarial. A pioneira tese de

doutoramento sobre jornalismo empresarial e a de livre-docência, defendida em

1983 também na Universidade de São Paulo, são abordadas no terceiro

capítulo, no qual está destacado o surgimento da vocação de pesquisador

acadêmico. Sua faceta mais recente, a de profissional de marketing político e

analista político, é foco do quarto capítulo. Essa seqüência respeita a

cronologia de sua produção intelectual e repete o encaminhamento dado por

ele à sua trajetória.

Memória do pensamento comunicacional

Esta pesquisa tem por objetivo reconstruir a trajetória intelectual de

Gaudêncio Torquato, retomando suas obras mais significativas – tanto as

acadêmicas como as publicadas na imprensa –, tendo como problemática

evidenciar de que modo suas contribuições teóricas comprovaram-se

relevantes para os estudos de comunicação institucional.

Ao sistematizar a recuperação de seus trabalhos, tanto os jornalísticos

como os acadêmicos, esta dissertação insere-se na Escola Latino-Americana

de Comunicação, delimitação teórica adotada por José Marques de Melo, cuja

principal característica é a mescla de influências teóricas forâneas e brasileiras.

O sincretismo metodológico2 (HOHFELDT; GOBBI, 2004: 87) permite a

utilização de diversos métodos de observação adaptados ao objeto em estudo.

Marques de Melo diagnostica como traços característicos do

pensamento comunicacional latino-americano “o hibridismo teórico e a

superposição metodológica” (MARQUES DE MELO, 2003: 73). Apesar da

multiplicação de pesquisas acadêmicas, a Escola Latino-Americana de

Comunicação ainda não conseguiu se impor como modelo teórico adotado

2 Uma das contribuições teóricas de José Marques de Melo ao campo da pesquisa comunicacional é a legitimação acadêmica da existência da Escola Latino-Americana de Comunicação. Essa tese tem o respaldo da Unesco e do Ciespal – Centro Internacional de Estudos Superiores de Jornalismo para a América Latina (MENDEZ, 1999: 21). A Escola Latino-Americana de Comunicação caracteriza-se pela soma de diversas contribuições metodológicas, numa “miscigenação” teórica.

13

pelas escolas de comunicação da região. É fácil ratificar essa constatação. No

Brasil, as universidades reservam espaço muito maior às teorias americanas e

européias. A Escola de Frankfurt e a Escola de Toronto, por exemplo, são

referenciais teóricos conhecidos dos alunos de comunicação e dos acadêmicos

da área. Já os autores da Escola Latino-Americana de Comunicação – à

exceção de Martín-Barbero – permanecem desconhecidos da maioria dos

formandos em jornalismo.

Os pesquisadores comunicacionais latino-americanos, a partir da

década de 1960, passaram a buscar uma maior independência em relação às

escolas européias e norte-americanas, construindo um perfil pessoal para as

pesquisas, mas mantendo o rigor metodológico (MENDEZ, 1999: 23). A própria

campo do pensamento comunicacional, e pelas dissertações e teses

produzidas por seus orientandos, ligados à Universidade de São Paulo (USP) e

à Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Tais trabalhos compõem um

mosaico de informações que ajuda a vislumbrar o perfil dos pesquisadores de

comunicação e a construir um quadro com o que há de mais relevante no

pensamento comunicacional brasileiro.

A metodologia escolhida para esta dissertação, desenvolvida sob a

forma de uma história de vida, inclui as técnicas da moderna história oral4 e da

pesquisa bibliográfica e documental.

A utilização da história oral teve como referência a obra de Sônia Maria

de Freitas, História oral: possibilidades e procedimentos5 (2002). A historiadora

é especializada em História Oral pela Universidade de Essex, na Grã-Bretanha,

e respeitada na comunidade acadêmica por sua vasta experiência com fontes

orais. Segundo a autora, “a história oral tem como suporte as lembranças,

evidenciando uma memória coletiva” (FREITAS, op.cit.: 52). No caso deste

trabalho sobre a trajetória intelectual de Gaudêncio Torquato, a memória

coletiva pode ser entendida como um recorte histórico feito por dois prismas: o

do jornalismo brasileiro praticado entre as décadas de 1970 e 2000 e o da

pesquisa acadêmica sobre comunicação empresarial. A história de Gaudêncio

Torquato reflete, em certo sentido, os questionamentos e a realidade vividos

por essas duas áreas ao longo das últimas quatro décadas.

A adoção da história oral como técnica justifica-se pela forma como esta

pesquisa foi estruturada, já que inclui também a consulta bibliográfica e 4 “Denominamos de moderna história oral àquela cujo método consiste na realização de depoimentos pessoais orais, por meio da técnica de entrevista que utiliza um gravador, além de estratégias, questões práticas e éticas relacionadas ao uso desse método” (FREITAS, 2002: 27). 5 O livro de Sônia Maria de Freitas serve como uma rápida introdução à técnica da história oral. A intenção da autora não é aprofundar-se sobre o assunto, mas selecionar os principais pontos que norteiam a história oral. Para esta dissertação, a obra foi importante por ajudar a delimitar o alcance dessa técnica, esclarecendo ainda questões como a legitimidade da oralidade no registro de fatos. A história oral enfrentou o preconceito da tradicional historiografia, que considerava apenas como registros legítimos os escritos e alegava falibilidade das fontes orais. “Esses integram uma tradição historiográfica centrada em documentos oficiais ou congêneres” (FREITAS, op. cit.: 35). Foi emprestado ainda de um outro campo de estudo, o da psicologia social, o clássico de Ecléa Bosi, Memória e sociedade: lembranças de velhos (BOSI, 1994) como obra inspiradora. O livro carrega a essência da história oral e expõe como uma entrevista bem conduzida pode recriar a complexidade da vida de uma pessoa. O relato oral possibilita um recorte fiel da visão do personagem sobre sua própria vida e com sua própria voz. “Nosso interesse está no que foi lembrado, no que foi escolhido para perpetuar-se na história de sua vida”, esclarece Ecléa na Introdução da obra. Esse jogo do lembrar e esquecer, da seleção entre o eleito para manter-se como lembrança e o esquecido, expõe a sutileza da história oral.

15

documental – fundamental em um trabalho que pretende refazer a trajetória

intelectual de um personagem. Essa concepção encontra amparo em Meihy,

que detalha o entendimento da história oral como técnica afirmando que, nesse

caso, os testemunhos orais assumem um caráter dialógico em relação a outras

fontes (MEIHY, 2005: 49).

Certas peculiaridades na coleta das informações foram impostas pela

técnica da história oral. A primeira questão enfrentada foi disciplinar a trajetória

de toda uma vida em uma série de entrevistas. Fiz uma divisão básica, que

acabou sendo o alicerce do texto final da dissertação. As entrevistas foram

marcadas com Gaudêncio Torquato, que reservou espaço em sua agenda

atribulada, sem as quais não seria possível realizar este trabalho. O roteiro de

cada uma foi desenvolvido de modo a não ultrapassar mais do que uma hora e

meia de conversa gravada. Todas as entrevistas foram realizadas na empresa

de Gaudêncio Torquato, a GT Marketing, localizada no bairro paulistano de

Moema.

O roteiro das perguntas foi centrado em cinco grandes temas. A primeira

entrevista, realizada no final de janeiro de 2005, foi especificamente sobre a

infância e as raízes familiares, assunto sobre o qual o jornalista discorreu com

gosto, não poupando detalhes e exibindo memória prodigiosa ao recordar

nomes de professores e de padres dos seminários onde cursou os estudos

primário e secundário. A segunda entrevista, sobre o início no jornalismo,

aconteceu no final de fevereiro e foi um pouco atribulada, já que realizada em

um dia especialmente atarefado para ele. A terceira foi marcada no final de

abril e concentrou-se na experiência no jornalismo empresarial. As lembranças

das publicações empresariais renderam, para minha surpresa, a conversa mais

empolgada, percebida como reflexo do orgulho que Gaudêncio Torquato tem

do campo que não só ajudou a sistematizar academicamente, mas também a

profissionalizar no país. No início de julho, uma nova entrevista foi feita com

foco nas teses de doutoramento e livre-docência. Esse encontro coincidiu com

um momento problemático para a política nacional, com as denúncias

colecionadas pelo governo federal. O jornalista foi sintético nas respostas,

talvez pelos inúmeros pedidos de órgãos de imprensa que, naquele momento,

chegavam para que comentasse a crise política. Acabou sendo possível a

16

realização da quinta e sexta entrevistas apenas após a defesa deste trabalho,

que aconteceu em abril de 2006. No mês de maio de 2006, Gaudêncio

Torquato me recebeu mais uma vez em seu escritório para falar sobre a

migração para o marketing político eleitoral. Em julho, finalmente a série de

entrevistas foi concluída com a realização do sexto e último encontro, cujo foco

foi a atuação como analista político.

Como as entrevistas reuniram informações que se mostraram centrais

na reconstrução da história de vida, considerei pertinente incluí-las

integralmente no Apêndice deste trabalho, até para torná-las disponíveis a

outros pesquisadores que, por ventura, se interessem em aprofundar algum

tema específico.

A história oral possibilita, segundo palavras de Sônia Maria de Freitas, “o

registro dos fatos na voz dos próprios protagonistas” (FREITAS, 2002: 15).

Interessante destacar que, no caso de um depoente acostumado à seleção de

informações – matéria-prima do trabalho de um jornalista –, as entrevistas

ganham em clareza, mas também podem perder em espontaneidade. Muitos

dos temas tratados certamente já foram objeto de reflexão de Gaudêncio

Torquato e, portanto, chegaram até esta pesquisa bastante racionalizados.

Exemplo disso é que, em muitos momentos, ele se deteve com rigor às datas

mencionadas, chegando a interromper as conversas para buscar registros e

indicar datas com precisão.

Paralelamente às entrevistas, fiz uma pesquisa bibliográfica e

documental6. O ponto de partida foi a leitura da tese de doutoramento,

Comunicação na empresa e o jornalismo empresarial: visão crítica e tentativa

de elaboração de um modelo para as publicações internas, primeiro trabalho

acadêmico no país sobre o assunto. Na tese, Gaudêncio Torquato refaz o

caminho do jornalismo empresarial no Brasil desde seu início – registrado com

quase um século de atraso em relação às primeiras publicações empresariais

norte-americanas e européias. A partir da análise comparativa dos veículos de 6 A pesquisa foi realizada na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, no Arquivo do Estado de São Paulo, no Banco de Dados do jornal Folha de S. Paulo, na biblioteca da Escola de Comunicações e Artes da USP e no Acervo da Cátedra Unesco/UMESP de Comunicação para o Desenvolvimento Regional. Alguns materiais vieram do arquivo pessoal do jornalista, como o DVD com a entrevista de sua mãe, dona Chiquita, o livro Gaudêncio Torquato, um patriarca do Alto Oeste e exemplares dos Cadernos de Comunicação Proal.

17

empresa produzidos no início da década de 1970, foram diagnosticadas as

características mais comuns das publicações, como número de páginas, opção

entre revista, boletim ou jornal, periodicidade e público-alvo.

Na época, o jornalismo empresarial brasileiro apoiava-se fortemente em

jornais voltados ao público interno. Para o público externo, o jornalista

encontrou, como principais veículos, balanços, relatórios e folders – realidade

bem diferente da atual, em que muitas empresas passaram a priorizar

justamente esse público, investindo em publicações requintadas como

ferramenta de comunicação externa.

No texto, estão registradas dúvidas sobre jornalismo empresarial, que,

àquela altura, ainda não tinham resposta, por se tratar de um campo que

apenas começava a crescer. A retomada da vida e obra de Gaudêncio

Torquato também espelha a evolução do jornalismo empresarial no Brasil.

A tese representou um avanço teórico-metodológico ao adotar para o

estudo da comunicação empresarial os conceitos da teoria jornalística e da

Teoria Geral dos Sistemas7, formulada por Ludwig von Bertalanffy e a partir da

qual o jornalista formata o entendimento da empresa como um sistema aberto,

sujeito a constantes trocas com seu meio – no caso, a sociedade. Em seus

estudos posteriores, é possível identificar a Teoria Geral dos Sistemas como

fundamentadora de suas análises.

A tese de Gaudêncio Torquato foi importante também por esclarecer

uma questão de natureza conceitual que, de certa forma, alimentava a

desconfiança em relação à comunicação empresarial: poderiam revistas e

jornais de empresa ser considerados práticas do jornalismo? Para sustentar

sua posição afirmativa, o autor recorre à teoria formulada pelo alemão Otto

7 Na base da Teoria Geral dos Sistemas está a idéia da realidade formada por um mosaico de entidades sobrepostas e inter-relacionadas. Simplificando o conceito, cada uma dessas entidades é um sistema, que pode ser entendido circunscrito a si mesmo ou em relação com outros sistemas. Se um sistema não recebe influências das entidades ao seu redor e nem as influencia é considerado um sistema fechado. Ao contrário, um sistema dito aberto mantém um contínuo intercâmbio com outros sistemas, realimentando-se e reformulando-se constantemente em função das influências externas. No capítulo 3 desta dissertação, a Teoria Geral dos Sistemas está explicada com maior profundidade, já que foi um dos alicerces da tese de Gaudêncio Torquato.

18

Groth8, que estabeleceu os atributos atualidade, periodicidade, universalidade

e difusão como caracterizadores do jornalismo.

As publicações empresariais não deixam de ser veículos de

massa. Mas são canais jornalísticos? A natureza jornalística é

definida pelas características já apresentadas. As publicações

empresariais, enquanto veículos jornalísticos, devem ter

periodicidade, isto é, devem aparecer em intervalos sucessivos

e regulares. Precisam abastecer-se de fatos da atualidade que

forma o presente da empresa. Para assumir seu atributo de

universalidade, as publicações devem, em princípio, apresentar

informações sobre quaisquer áreas ou programas de interesse

da empresa e da comunidade. Por último, necessitam chegar

ao público ao qual se destinam, devendo, assim, ser difundidas

(TORQUATO, 1984: 40).

Ao optar por fazer do jornalismo empresarial objeto de estudo

acadêmico, Gaudêncio Torquato enfrentou o preconceito com que, nos

ideológicos anos 1970, a comunicação empresarial era vista – questão

abordada no terceiro capítulo desta dissertação.

Após a leitura de sua pioneira tese de doutoramento, parti para seus

livros, seguindo a cronologia do lançamento, conforme organizado na Tabela 1.

Essas obras serviram como fonte para o entendimento sistêmico da produção

do jornalista, mas não foram objeto de um estudo mais detalhado, sendo

citados no corpo do texto conforme a pertinência do desenvolvimento da

dissertação.

TABELA 1

TÍTULO ANO EDITORA

Jornalismo empresarial, teoria e prática 1984 Summus Editorial

8 O teórico alemão Otto Groth direcionou seus estudos para legitimar a “ciência do jornalismo” como uma ciência independente, cujo objeto de estudo é constituído pelos jornais e revistas. Esse objeto é caracterizado por ele por quatro elementos: periodicidade, atualidade, universalidade e difusão (BUENO, 1972: 8).

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Marketing político e governamental: um roteiro para campanhas políticas

e estratégias de comunicação

1985 Summus Editorial

Comunicação empresarial, comunicação institucional: conceitos, estratégias, sistemas, estrutura, planejamento

e técnicas

1986 Summus Editorial

Cultura, poder, comunicação e imagem: fundamentos da nova empresa

1992 Pioneira

A velha era do novo: visão sociopolítica do Brasil

2002 G. Torquato

Tratado de comunicação organizacional e política

2002 Pioneira Thomson Learning

A última parte da pesquisa bibliográfica focou a tese de livre-docência,

defendida em 1983, também na ECA-USP: Comunicação e organização: o uso

de comunicação sinérgica para a obtenção de eficácia em organizações

utilitárias. No prefácio da versão em livro, o autor destaca que a obra

“representa o coroamento de minhas reflexões conceituais e o amadurecimento

de vivências profissionais, em campos diferenciados da comunicação a serviço

das organizações” (TORQUATO, 1986: 9).

A livre-docência rendeu outro trabalho pioneiro no estudo das

comunicações e foi alimentado pela experiência vasta que o jornalista, àquela

altura, já acumulava em comunicação organizacional. A atuação no Grupo

Bonfiglioli permitiu a ele redesenhar o modelo corporativo de comunicação,

resultando em uma estrutura que envolvia as diversas áreas da comunicação,

posicionadas como ferramenta estratégica para o alcance das metas

organizacionais. Esse projeto foi levado à academia sob a forma da livre-

docência de Gaudêncio Torquato.

Para a pesquisa documental, utilizada em grande parte no capítulo 2, fiz

uma seleção valendo-me, em primeiro lugar, da lógica da viabilidade. Apesar

de considerar importante a primeira fase do trabalho do jornalista em meados

dos anos 1960, ainda no Recife, na sucursal do Jornal do Brasil e no Jornal do

Commercio, tive de assumir as limitações de acesso aos registros desse

20

período. Optei por recuperar os suplementos especiais da Folha de S. Paulo,

que espelham uma época áurea do jornalismo interpretativo no Brasil. Também

selecionei trabalhos do início de sua atuação no jornalismo empresarial,

especialmente os publicados nos Cadernos Proal, periódico ligado à

Programação e Assessoria Editorial, empresa especializada em comunicação

empresarial da qual Gaudêncio Torquato foi sócio-fundador juntamente com

Manoel Carlos Chaparro, Luiz Carrion e Regina Célia Tassitano. Para registrar

essa fase que mescla a experiência na grande imprensa e no jornalismo

empresarial, separei ainda alguns artigos produzidos pelo jornalista para

publicações especializadas. Ainda que não represente, quantitativamente, uma

parcela significativa de sua produtiva carreira, essa tentativa de amostragem foi

adotada como forma de refletir o estilo do jornalista.

Ao incorporar as quatro entrevistas no texto final desta pesquisa, foi

possível experimentar a riqueza do diálogo entre as diversas fontes. Tanto os

depoimentos orais como a consulta bibliográfica e documental agregaram-se

complementarmente, trazendo informações inter-relacionadas. Muitos trechos

das entrevistas ajudaram a explicitar detalhes que embasam o entendimento

de como Gaudêncio Torquato desenvolveu suas contribuições ao pensamento

comunicacional. No capítulo 3, por exemplo, apenas a análise das teses de

doutoramento e de livre-docência seria suficiente para resgatar as

contribuições acadêmicas. Seu depoimento a respeito do assunto, no entanto,

possibilitou uma compreensão mais ampla dessas contribuições, já que foi

possível apreender o contexto no qual foram produzidas.

Ao iniciar esta dissertação, tentei encontrar uma maneira de evitar que a

pesquisa se reduzisse a uma simples hagiografia. Com um personagem cuja

obra é pioneira e cuja participação na comunicação brasileira é tão vasta, seria

tentador apenas enumerar seus feitos. Ainda que não tenha tido a pretensão

de produzir uma pesquisa analítica – que, no meu entendimento, fugiria aos

objetivos propostos –, procurei ao máximo ser fiel à trajetória do jornalista,

inclusive no que ela tem de aparentemente contraditório.

Outra informação que se faz necessária é que preferi, ao longo da

dissertação, usar Gaudêncio Torquato quando me refiro ao jornalista. Como

seu pai tinha praticamente o mesmo nome, optei por adotar Gaudêncio

21

Torquato do Rego nas referências paternas. Também, a despeito de suas

múltiplas atuações (jornalista, professor, pesquisador, analista político), escolhi

o termo “jornalista” para me referir a ele, profissão que, afinal, desencadeou

todas as outras.

22

CAPÍTULO 1: AS RAÍZES DA PRODUÇÃO INTELECTUAL

1.1 – Reminiscências da infância

Apenas retroceder ao início de Gaudêncio Torquato como profissional do

jornalismo ou como pesquisador acadêmico não permitiria uma visão completa

de sua trajetória intelectual. É preciso reconstruir suas origens familiares,

entendendo o contexto no qual nasceu e cresceu esse nordestino, que até

hoje, em seus textos, expõe a formação que teve na infância.

O jornalista que se notabilizou como Gaudêncio Torquato nasceu

Francisco Gaudêncio Torquato do Rego em 8 de abril de 1945, na pequena

Luís Gomes, cidade serrana do Rio Grande do Norte. Luís Gomes faz fronteira

com os Estados do Ceará e da Paraíba (FIGURA 1). Possui atualmente cerca

de 10 mil habitantes, mas, quando do nascimento do jornalista, pouco passava

de uma vila. Seu nome de batismo é a junção da variação do nome de sua

mãe, Francisca, e o de seu pai, Gaudêncio Torquato do Rego. Como mostrarei

adiante, a herança familiar vai muito além do nome e pode ser percebida

permeando toda sua atuação profissional.

Seu pai é personagem decisivo em sua trajetória. Na primeira entrevista

concedida para esta dissertação, Gaudêncio Torquato não poupou detalhes

para traduzir o papel que coube à figura paterna em sua formação.

Meu pai teve uma vida muito interessante porque praticamente

saiu do zero e construiu um grande patrimônio. Ele chegou a

Luís Gomes subindo a serra a cavalo, para ser assistente de

um grande comerciante da região. Ele simples, muito modesto,

era Rego, de uma família tradicional do Nordeste, e saiu de

Pau dos Ferros, cidade que dista 40 km de Luís Gomes. Meu

pai acabou comprando a parte desse comerciante e ficou

sendo dono de loja de cereais, depois de tecidos e começou a

construir um verdadeiro patrimônio, com fazendas de gado,

propriedades rurais, comércio, agricultura. Meu pai foi uma

pessoa, na época, realmente muito rica (TORQUATO, 2005a).

23

FIGURA 1

Era o ano de 1915 quando Gaudêncio Torquato do Rego, aos 20 anos,

deixa Pau dos Ferros para aceitar o convite de seu padrinho, Martiniano José

de Queirós, então o homem mais rico da região – latifundiário, pecuarista e

comerciante. Segundo descrito no livro Gaudêncio Torquato, um patriarca do

Alto Oeste, de autoria de um compadre da família do jornalista, quando chega

a Luís Gomes, ele encontra uma modesta vila, com cerca de 90 moradias e

450 habitantes (FIGUEIREDO, 1981: 17). O tino comercial de Gaudêncio

Torquato do Rego logo o destaca. Em 1920, ele firma sociedade com o ex-

sócio de seu padrinho e 17 anos depois, em 1937, desfaz essa sociedade e

mantém sozinho o mesmo ritmo de progresso e dinamismo em suas atividades,

multiplicando capital (FIGUEIREDO, op. cit.: 19).

A riqueza gradativamente acumulada foi compartilhada por uma família

numerosa. Ao todo, seu pai teve 22 filhos9 “legítimos”, como frisa Gaudêncio

9 Do primeiro casamento, com dona Nia, nasceram José Torquato de Figueiredo, Lindalva Torquato Fernandes, Jader Torquato do Rego, Maria Nilce Torquato, Geraldo Torquato do Rego, Ivonildo Torquato de Figueiredo, Maria Zélia Torquato Fontes, Luís Torquato de Figueiredo, Francisco Torquato do Rego, Maria José Torquato do Rego e Raimundo Torquato de Figueiredo. Do segundo casamento, com dona Chiquita, vieram Francisco Gaudêncio Torquato do Rego, Ewerton Torquato do Rego, Ruth Nunes

24

Torquato, fruto de dois casamentos. Após a morte prematura da primeira

esposa, Nia, vítima de doença em 1942, Gaudêncio Torquato do Rego se

casou com a prima de Nia, Francisca, que se tornaria mãe do jornalista

Gaudêncio Torquato e de mais 10 filhos – que se somaram aos 11 já tidos no

primeiro casamento. Gaudêncio Torquato é o filho mais velho de Francisca, ou

dona Chiquita, como é mais conhecida.

O jornalista lembra que o pai era uma figura “emblemática” para a

região. No sertão do Nordeste, vestia paletó e gravata diariamente. A rigidez no

vestir espelhava a rigidez da conduta, exemplificada por costumes como o de

acordar os filhos diariamente às cinco da manhã para a ordenha do gado:

Os meninos ficavam no curral dos bezerros, ele ficava no curral

das vacas. Um frio danado, porque era serra... E ele exigia que

todos os dias fôssemos com ele. Meu pai era uma pessoa

muito rígida com horário. Às cinco da manhã tirava leite, depois

tomava café, ia trabalhar. Às onze, onze e meia, almoçava.

Diariamente tirava a soneca dele na espreguiçadeira durante

uma hora, ia pra a loja e à tarde voltava. Tudo regrado. Às seis

da tarde estava jantando e às sete, oito, estava dormindo.

Comia um prato de coalhada com rapadura por cima, costume

típico do interior. E nós tivemos essa aculturação (TORQUATO,

2005a).

1.2 – Ambiente político

Comerciante de destaque, além de proprietário de terras, Gaudêncio

Torquato do Rego não demorou a assumir atuação política – migração típica da

época, como atestado nos livros Coronelismo, enxada e voto: o município e o

regime representativo no Brasil (LEAL, 1975) e O mandonismo local na vida

política brasileira e outros ensaios (QUEIROZ, 1976). Referindo-se ao pai,

Torquato, Maria do Socorro Torquato Pinto, Enoé Nunes Torquato, Boanerges Nunes Torquato, Luciano Nunes Torquato do Rego, Sara Nunes Torquato, Lázaro Nunes Torquato, Débora Nunes Torquato e Eucária Nunes Torquato.

25

Gaudêncio Torquato não hesita em utilizar o termo “coronel” 10, relembrando a

alcunha “coronel Gaudêncio”, pela qual era conhecido na região. O papel do

chamado coronel ia além da autoridade política. No referido clássico da

sociologia política brasileira, O mandonismo local na vida política brasileira e

outros ensaios, a socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz concebe esse tipo

de liderança política como um “elemento socioeconômico polarizador”

(QUEIROZ, op. cit.: 164). No entendimento da autora, o coronel dividia os

indivíduos em grupos na estrutura social brasileira. Ser ligado a um

determinado mandatário definia, em grande parte, o papel que este agregado

poderia desempenhar:

Para o sitiante compadre do Coronel Fulano, estar o Coronel

Fulano em cima na política era estar o sitiante amparado e em

situação privilegiada, seus interesses se entrelaçavam por esse

lado com os do Coronel Fulano, embora ambos pertencessem

a camadas sociais diferentes (ibidem: 18).

A influência política dos Rego na região era antiga11 e foi expandida a

cada geração. O pai chegou a ser prefeito de Luís Gomes e três irmãos do

jornalista, simultaneamente, tornaram-se deputados. A infância e a

adolescência de Gaudêncio Torquato foram marcadas pela vivência política,

numa época de relações radicais. A família era ligada à União Democrática

Nacional (UDN), partido que nasceu em 1945 da luta contra o Estado Novo de

Getúlio Vargas e aglutinava elementos aparentemente díspares. Na obra A 10 O termo “coronel” como designação de mandatário local é herança dos tempos da Guarda Nacional, conforme destaca Barbosa Lima Sobrinho no prefácio do clássico Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil, de Victor Nunes Leal: “A Guarda Nacional, criada em 1831 para substituição das milícias e ordenanças do período colonial, estabelecera uma hierarquia, em que a patente de Coronel correspondia a um comando municipal ou regional, por sua vez, dependente do prestígio econômico ou social de seu titular, que raramente deixaria de figurar entre os proprietários rurais”. Com o tempo, o termo “coronel”, que no início correspondia à patente militar, passou a nomear quem se dispusesse a pagar o preço estipulado pelo poder público (LEAL, op. cit.: 13). 11 No livro Gaudêncio Torquato, um patriarca do Alto Oeste, escrito sobre o pai do jornalista por um compadre da família, está retomada a origem da ligação política dos Rego: “A influência política dos Rego em Pau dos Ferros remonta aos tempos da Monarquia, pois os três primeiros nomes anteriormente citados (Galdino Procópio do Rego, Teófilo Elpídio de Sousa Rego e Antonio Mariano da Costa Rego) administraram naquela fase a referida comuna, como presidente da Câmara dos Vereadores, cumprindo salientar que um deles, Galdino Procópio do Rego, foi também Deputado Provincial no regime monárquico (Vigésima Legislatura – 1882/1883)” (FIGUEIREDO, 1981: 12).

26

UDN e udenismo: ambigüidades do liberalismo brasileiro (1981), a socióloga

Maria Victoria de Mesquita Benevides destaca cinco componentes que

moldaram o início do partido: as oligarquias destronadas pela Revolução de 30,

os antigos aliados de Getúlio Vargas que se viram marginalizados a partir dos

anos 1930, os participantes do Estado Novo afastados antes de 1945, grupos

liberais com forte identificação regional e representantes da esquerda de modo

geral.

(...) somente a conjuntura especial de fins de 1944 e começos

de 1945, fruto da galopante desagregação das forças

estadonovistas (e sob forte influência das mudanças na

situação internacional, em favor dos Aliados), poderia

proporcionar a união de elementos tão diversos, quando não

antagônicos (BENEVIDES, op. cit: 24).

Nas zonas urbanas, a UDN se firmou como um partido majoritariamente

de representantes da classe média, enquanto que, nas áreas rurais, o espaço

de liderança era ocupado pelos “coronéis conservados”. Essa preponderância

de coronéis nas zonas rurais acentuava a identificação conservadora12 do

partido, que rivalizava na época com o Partido Social Democrático (PSD), de

linhagem igualmente conservadora e que aglutinava a maioria das forças

oligárquicas ligadas à economia rural-exportadora (MARANHÃO. In: FAUSTO,

1981).

Era uma época de debates virulentos e embates radicais. Gaudêncio

Torquato lembra que a casa de sua família foi, em muitas ocasiões, alvo de

bombas. “Vivemos muita política no sangue, na alma, na disputa, e isso me

trouxe uma vocação política, mas no conhecimento da política” (TORQUATO,

2005a). O pai, líder local, repetia o estilo clientelista característico da época. O

jornalista cresceu, portanto, em um ambiente no qual o clientelismo era a

moeda da liderança política. Essa concepção foi incorporada, anos mais tarde,

12 No ensaio O estado e a política “populista” no Brasil, de Ricardo Maranhão, publicado no livro organizado por Boris Fausto, O Brasil republicano (1981), o discurso da UDN é descrito como “conservador, reacionário ou de direita, embora empregue sistematicamente a estrutura do discurso liberal”.

27

em seu livro Marketing político e governamental: um roteiro para campanhas

políticas (1985), focado nas campanhas em pequenas cidades do interior. Na

obra, Gaudêncio Torquato enumera, com crueza, o que considera

indispensável em uma campanha política:

(...) no interior está consagrada a lei da troca, do “toma lá, dá

cá”. Os votos são oferecidos na expectativa de um favor a ser

alcançado, podendo este contrato ser rompido quando uma

das partes não atende ao que foi estabelecido e, muitas vezes,

intermediado pelo cabo eleitoral. O atendimento significa, num

primeiro momento, ações no sentido de implementar o pedido,

mesmo que este não seja imediatamente atendido. Mas o

cumprimento da palavra dada é muito importante,

principalmente se o favorecido é um “grande eleitor”

(TORQUATO, op. cit.: 34).

O amparo que o coronel Gaudêncio oferecia a seus apadrinhados não

eram apenas as vendas “a fiado” – que recorrentes vezes não eram saldadas.

Seu papel de “elemento sociopolarizador”, para usar as palavras de Maria

Isaura Pereira de Queiroz (QUEIROZ, 1976), era exercitado em uma liderança

que ia além da política. Na cidade do polígono nordestino da seca, nos anos

1950, o alfabetizado coronel Gaudêncio servia de multiplicador das

informações publicadas nos jornais. Essa é uma das lembranças que fez o

jornalista se deter com mais atenção ao recordar sua infância: “Aos domingos,

meu pai reunia lá na loja dele o pessoal que vinha dos sítios. Ele passava a ler

o jornal em voz alta para as pessoas ouvirem. Ele era uma espécie de

intérprete da realidade política e social para os cidadãos dali” (TORQUATO,

2005a).

O interesse do pai por acompanhar a cena política nacional, mesmo

estando na Luís Gomes tão distante do centro dos acontecimentos, aplacava-

se com a leitura dos jornais vindos do Recife – invariavelmente atrasados. Era

o menino Gaudêncio Torquato quem ia até o correio da região buscar a pilha

de exemplares do Jornal do Commercio acumulados. A tarefa incluía ainda, em

casa, segurar a lamparina ao lado do pai para que ele lesse mesmo depois das

28

oito da noite, horário em que a energia da cidade era interrompida. A cena foi

escolhida por Gaudêncio Torquato para destacar sua relação com a

publicação, por ocasião dos 80 anos do Jornal do Commercio:

Meu pai, Gaudêncio Torquato (que utilizei como nome de

guerra – pois meu nome completo é Francisco Gaudêncio

Torquato do Rego), era assinante do velho jornal. Lá, em Luís

Gomes, cidadezinha do Rio Grande do Norte, na divisa com

Uiraúna (PB), de Luiza Erundina, e com o Ceará, o jornal

chegava pelo correio, sempre atrasado, em lombo de burro. E

lá ficava eu, criança de cinco, seis anos, segurando a

lamparina, quase dormindo, para meu pai ler uma montanha de

jornais atrasados. O pequeno motor que produzia a energia

estava sempre quebrado. Portanto, o contato com o JC

começou bem antes de escrever em suas páginas

(TORQUATO, 1999).

Em entrevista para esta dissertação, Gaudêncio Torquato disse acreditar

que sua vocação profissional nasceu do interesse do pai pelas informações

jornalísticas. O conhecimento de coronel Gaudêncio sobre política se nutria do

acompanhamento que fazia, mesmo a distância, da cena nacional.

Já o comerciante foi perdendo espaço. Em carta escrita para o livro de

Adolfo Paulino de Figueiredo, o jornalista lembra a decadência paulatina dos

negócios de seu pai:

Uma vez cheguei de férias e via-a (a loja) muito bem preparada

para as vendas de safra. Cheia, bonita. Vibrei. As secas, os

péssimos negócios, a sempiterna miséria do interior fizeram-na

morrer. Via-a, um dia, quase nua, prateleiras vazias, alguns

panos que eu sabia o velho nunca iria vender, pois eram

tecidos finos, de seda, restos de panos fora da moda, e quem

iria comprá-los? Poucos sabonetes na prateleira de miudezas,

claros por todos os cantos da loja. Nem mesmo aqueles panos

grosseiros, que eram chamados de arranca-toco (se não me

engano, uma mescla com esse nome), desfilavam mais pelo

29

canto direito do balcão. Eu sabia que a loja estava morrendo.

Eu senti também que as forças do velho começavam a

fraquejar por essa época. Ele e a loja eram uma simbiose, uma

ligação perfeita. A loja era o seu Quartel General, de onde

comandava as terras, o gado, os agricultores que trabalhavam

em suas terras. E onde, para distrair-se, fazia algumas vendas,

tecidos, cereais, rapaduras. Eu mesmo fiquei apavorado: que

seria dele sem a loja? Vendo-a em decadência, associei-a a

todo um desfecho de miséria que afastava o povo das lojas e

que foi o responsável, no final da década de 50 e nos anos 60,

pela morte das lojas de tecidos dos pequenos comerciantes do

interior do país (FIGUEIREDO, 1981: 50).

O entendimento completo do papel do pai em sua trajetória veio com a

maturidade. Gaudêncio Torquato lamenta que apenas pouco antes da morte

dele é que pôde começar a descobri-lo na totalidade. “Ele era muito fechado,

trancado. É um de meus arrependimentos não ter tido um contato mais estreito

com ele. Quando comecei a descobrir meu pai ele estava morrendo”, contou na

primeira entrevista a esta pesquisa. Em 22 de fevereiro de 1981, Gaudêncio

Torquato do Rego faleceu de infarto aos 86 anos.

1.3 – Formação erudita

Embora pareça que a liderança familiar tenha sido exercida unicamente

pelo pai, pelo espaço que as referências a ele ocupe nas lembranças do

jornalista, a mãe está longe de ter tido um papel apenas coadjuvante na vida

dos Torquato do Rego. Dona Chiquita era dona de casa – “a casa dos

políticos”, como destaca em depoimento gravado para a produção de um DVD

familiar em 20 de abril de 2004. Coube a ela, talvez, a decisão que mais tenha

deixado marcas na vida e na produção profissional e acadêmica de Gaudêncio

Torquato.

Católica fervorosa, dona Chiquita nutria a esperança de ter, entre seus

muitos filhos, um padre. Um dia, encontrou o pequeno Gaudêncio Torquato

30

brincando de missa, o que foi interpretado como um sinal, um milagre. A partir

daí, dona Chiquita escolhe um caminho diferente para a formação do menino: o

seminário. O pai concorda e investe na manutenção do filho no Seminário

Santa Terezinha, em Mossoró (RN), dirigido por padres holandeses e belgas.

Aos onze anos, em 1956, Gaudêncio Torquato deixa Luís Gomes, cidade na

qual não voltaria mais a morar.

Nesse seminário, o jornalista completou toda sua formação básica, do

quarto ano primário até os quatro anos do curso ginasial (correspondentes ao

atual ensino fundamental). O período entre 1956 e 1959 foi passado

praticamente todo dentro do internato. A família acompanhava a distância seu

crescimento, já que o estudante voltava para a casa dos pais, em Luís Gomes,

apenas nas férias. A formação cultural era rigorosa. Aos 11 anos, Gaudêncio

Torquato já começava a entrar em contato com grandes obras clássicas e com

os estudos de latim e grego. Essa formação erudita pode ser entendida como a

base que lhe permitiu uma produção jornalística e acadêmica diferenciada. A

familiaridade com os grandes pensadores é perceptível, mais claramente, em

seus artigos. Sua coluna semanalmente publicada no jornal O Estado de S.

Paulo, por exemplo, com freqüência traz a citação de algum filósofo ou escritor.

Abaixo, está selecionado um trecho, entre os muitos que poderiam exemplificar

como é exposta essa formação clássica:

Ó tempo! Ó costumes. Severino Cavalcanti, o novo presidente

da Câmara dos Deputados, promete a “alvorada de um novo

tempo”. Como o sábio Zaratustra, que anunciava, “entre uma

aurora e outra, uma nova verdade”. (...) A lembrança de Cícero,

na primeira Catilinária, vem a calhar: o tempora, o mores!

(TORQUATO, 2005: cad. 1 p. 2).

O seminário em Mossoró era o destino dos filhos de muitas famílias de

posse da região. Gaudêncio Torquato, ainda na primeira entrevista para esta

pesquisa, lembrou que todos os que freqüentaram o seminário saíram com

sólida formação religiosa e cultural.

31

Foi a melhor coisa que aconteceu, porque eu não queria ser

padre, mas lá tinha a melhor educação da região. (...) Foi uma

formação que eu diria fundamental hoje. Ela se reflete muito

em que eu escrevo. Escrevo um artigo semanal no Estadão,

que sai aos domingos, que tem muita coisa clássica, citações,

e tudo isso vem de lá. Meus escritos são cheios de historinhas,

filosofia, clássicos. Trago os pensadores da humanidade para

cá, para a modernidade. E tenho absoluta certeza de que isso

se deve a essa minha formação ginasial (TORQUATO, 2005a).

Aos 15 anos, para desgosto da mãe, conforme suas palavras,

Gaudêncio Torquato decide não prosseguir a carreira religiosa e se transfere

para um seminário menos rígido em João Pessoa, na Paraíba: o Colégio

Arquidiocesano Imaculada Conceição. Das recordações do ano em que passou

no seminário na capital paraibana, o jornalista guarda nítida a imagem da igreja

Nossa Senhora da Conceição de São Francisco, uma construção barroca. O

reitor, cujo nome é prontamente lembrado – Dom Luís Fernandes –, tinha, em

seus dizeres, “uma cultura mais moderna, mais progressista”.

O tempo em João Pessoa foi uma fase de transformações. Além das

próprias mudanças cronológicas – o menino já era na verdade um adolescente

–, o novo seminário permitiu uma maior integração com o mundo.

No ano seguinte, em 1961, Gaudêncio Torquato muda-se novamente,

dessa vez para o Recife, para cursar o segundo ano do colegial científico fora

de um seminário. O colégio escolhido é o Americano Batista. Recife era um

referencial conhecido para a família Torquato do Rego. Quatro de seus irmãos

haviam passado pela cidade para completar os estudos: José Torquato,

Ivonildo e Luís Torquato formaram-se em medicina no Recife, e Jairo, em

direito. Foi justamente o lugar do irmão Luís que foi ocupado na Casa do

Estudante.

A Casa do Estudante era um reduto da realidade bruta do

jovem. Todos os estudantes de todo o Nordeste ficavam na

Casa do Estudante. Era muito famosa e hospedou as melhores

32

figuras do Nordeste. Você pega essas figuras políticas, todas

passaram pela Casa do Estudante. Gente de diversos Estados.

Era uma casa de universitários. Eu peguei a vaga de meu

irmão. E convivi com muita gente que estudava medicina. Tinha

três, quatro pessoas no quarto (TORQUATO, op. cit.).

Os estudos deram uma formação erudita a Gaudêncio Torquato, mas

não criaram um abismo cultural entre ele e seus pais, como poderia ser, a

princípio, inferido. O pai é definido pelo jornalista como um autodidata.

(...) apesar da simplicidade, meu pai era uma pessoa que sabia

mais do que eu, muito mais, eu não sabia nada! (...) Meu pai

sempre teve perto dele os filhos todos formados, sempre

médicos perto dele, advogados. Viu os filhos crescerem e ele,

com uma autoridade, era uma pessoa que acompanhava tudo

na política. Ele sabia de coisas e passava para a gente os

conhecimentos da política. E nós todos tínhamos

evidentemente aquela formação mais específica, mas ele é

quem sabia (ibidem).

A opção pela educação dos filhos definiu a trajetória de toda a família. A

seqüência de estudos que Gaudêncio Torquato e seus irmãos viveram foi a

base de suas escolhas, de suas possibilidades. No livro de Adolfo Paulino de

Figueiredo, há uma passagem que reconstrói essa opção não pelo prisma dos

filhos, mas do contexto enfrentado por Gaudêncio Torquato do Rego:

Somente quem viveu naquelas paragens do Alto Oeste do

Estado, onde fica Luís Gomes, saberá compreender a

extensão do sacrifício que enfrentava um pai de família, em tão

priscas eras, na educação dos filhos. Não havia sequer um

ginásio na região. O mais próximo, ou pelo menos o mais

adequado, ficava em Mossoró, a 230 quilômetros de distância.

Para lá foi Gaudêncio encaminhando os primeiros filhos.

Depois, para os colégios e universidades de Recife, Maceió e

Natal. As estradas ficavam intransitáveis na época invernosa.

33

Muitas vezes os educandos tiveram de viajar em costas de

animais durante dois, três dias, até a parada de Muquém,

povoado de Mumbaça (atual cidade de Frutuoso Gomes);

outras vezes, até as cidades de Patu e Caraúbas, onde

apanhavam o trem para Mossoró, ou então via Sousa, na

Paraíba (FIGUEIREDO, 1981: 26).

Os estudos exigiram resignação de ambos os lados. A infância e

adolescência de Gaudêncio Torquato foram, como se viu, passadas distantes

dos pais e irmãos. Nos cinco anos em que esteve nos seminários, o contato

com a família era restrito ao período de férias escolares. Isso, no entanto, não

tornou mais frágeis os vínculos familiares. Ao contrário, ao falar de sua

infância, o jornalista dedicou longas lembranças à família: enalteceu em todos

os aspectos o pai, reservou à mãe uma visão menos completa, mas não menos

engrandecedora, fez questão de dizer o nome completo dos irmãos sempre

que algum pedaço de sua história os incluía.

O peso da distância da família, que carregou ainda criança, foi resumido

laconicamente durante a entrevista sobre sua infância: “Deu um certo trauma,

mas também me deu independência” (TORQUATO, 2005a). Talvez aí esteja a

verbalização do espírito do nordestino, que se recusa a esmorecer e que, ainda

hoje, é um dos traços mais característicos que Gaudêncio Torquato traz como

herança de sua primeira formação.

1.4 – O despertar da vocação jornalística

Durante toda a infância e adolescência, o pai do jornalista fazia questão

de que os filhos apenas se dedicassem ao estudo, sem trabalhar – à exceção

dos afazeres domésticos já relembrados, como a ordenha do gado. O dinheiro

era garantido pelo pai, que o enviava pelo Banco do Nordeste. Ao final da

adolescência, porém, o atraso no recebimento do dinheiro por problemas

bancários já não era mais tão facilmente relevado, nem a quantia, que

começava a ser insuficiente.

34

Nessa mesma fase, chega a hora de fazer a opção profissional. O pai o

estimula a seguir, como os irmãos, uma carreira tradicional, a engenharia. Mas

o jovem já havia sedimentado, gradativamente, uma ligação forte com as

humanidades. Ter estudado em seminários e tido uma formação voltada às

letras, às artes e à cultura clássica, segundo suas palavras, praticamente o

jogou dentro das ciências humanas. O segundo fator decisivo é lembrado pelo

próprio jornalista:

O fato de ter, como filho de Gaudêncio Torquato do Rego,

acesso a jornais desde pequeno, levando jornais para meu pai

ler, segurando jornais para ele ler, segurando a lamparina,

esse acesso físico, vamos dizer assim, aos jornais, de certa

forma tornou esse instrumento bastante próximo do meu dia-a-

dia. Meu pai queria que eu fizesse engenharia. (...) Eu quase

me rebelei. Vou fazer o que eu quero. Apesar de meu pai ter

me orientado a fazer engenharia, já que em casa tem três

médicos, advogados etc., eu disse não. Não é o que eu quero.

Vou fazer jornalismo e aí optei pelo vestibular na Universidade

Católica de Pernambuco (TORQUATO, 2005b).

A Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), em meados dos anos

1960, já havia delimitado sua importância na história do ensino de

comunicação. O curso de jornalismo na Unicap foi instituído em 1961, o que lhe

conferiu o mérito de ser o primeiro das regiões Norte e Nordeste. Coube ao

jornalista Luiz Beltrão, primeiro doutor em comunicação no Brasil com a tese

defendida em 1967 na Universidade de Brasília sobre Folkcomunicação,

assumir a implantação e coordenação do referido curso. O convite a Beltrão

partiu do próprio reitor da universidade, padre Aloísio Mosca de Carvalho

(MARQUES DE MELO, 2003: 337). Padre Aloísio tinha uma ligação pessoal

Ao liderar a implantação do curso de jornalismo na Universidade

Católica de Pernambuco, Luiz Beltrão já somava trinta anos de experiência na

imprensa. Nesse tempo, moldou sua opinião favorável à formação superior em

jornalismo para quem quisesse exercer a profissão. Em sua visão, os jornais

apresentavam deficiências porque trabalhavam com mão-de-obra não

qualificada para a função. O curso superior ajudaria a suprir as carências com

as quais os jornalistas chegavam às redações.

Na sala de aula, Beltrão fez questão de unir teoria e prática, trazendo ao

país a experiência norte-americana da produção de um jornal laboratório. Para

ele, o curso deveria atender a três objetivos básicos: formar profissionais para

exercer, de modo amplo, a profissão; viabilizar a pesquisa sobre os processos

comunicacionais; e adotar laboratórios experimentais que tivessem o papel de

centros de renovação dos padrões jornalísticos.

O novo curso encontrou a mesma resistência dos veteranos das

redações verificada em outras escolas de comunicação que, àquela altura, já

estavam implantadas no país. A justificativa mais recorrente era de que o

jornalismo tinha de ser entendido como uma vocação, não podendo ser

ensinado tecnicamente.

Mesmo com essa resistência, Beltrão prosseguiu em seu intuito de

expandir a estruturação acadêmica da profissão. Em 1963, ele oficializou o

Instituto de Ciências da Informação (ICINFORM), entidade científica de sua

criação, em convênio com a Universidade Católica de Pernambuco

(MARQUES DE MELO, op. cit.: 158). O ICINFORM foi o primeiro centro de

estudo de mídia dentro de uma academia no país e reuniu estudiosos na área

de comunicação. Dois anos depois, em 1965, Beltrão deu mais um passo na

direção do aprofundamento do pensamento sobre comunicação e lançou a

primeira revista científica brasileira sobre temas comunicacionais, a

Comunicações & Problemas13.

13 A revista Comunicações & Problemas foi criada para ser um veículo de divulgação do ICINFORM junto ao meio acadêmico. “Sua estrutura e o seu projeto gráfico foram inspirados na revista norte-americana Journalism Quartely” (MARANINI, 1999). Além de trazer artigos sobre comunicação, a Comunicações & Problemas publicava matérias sobre inovações tecnológicas da área e estudos realizados no exterior. A revista teve 12 edições e deixou de circular em 1969.

36

É nesse ambiente de efervescência pedagógica, capitaneado por Beltrão

na Universidade Católica de Pernambuco, que Gaudêncio Torquato inicia sua

formação no jornalismo.

37

CAPÍTULO 2: O JORNALISTA

2.1 – O início no jornalismo: com a estrela na testa

Logo no primeiro ano do curso de jornalismo, em 1964, Gaudêncio

Torquato começa a se incomodar com as oscilações do rendimento garantido

por seu pai:

Meu pai me mandava um dinheirinho para o Recife pelo Banco

do Nordeste. Meu pai não queria que a gente trabalhasse

enquanto estudasse, mas eu passei a perceber com 17 anos

de idade que não dava para ficar esperando dinheiro porque às

vezes ele não chegava, ou porque ele não tinha suficiente para

mandar ou porque o Banco do Nordeste atrasava. E às vezes

ficava muito apertado, muito apertado mesmo. Vou ter que

trabalhar, me virar. E foi muito bom. Com 17 anos eu estava

ganhando meu dinheirinho. Com 17 anos eu estava fazendo

estágio (...) (TORQUATO, 2005a).

A entrada no jornalismo acontece no Diário de Pernambuco, onde o

jovem faz seu primeiro estágio. A experiência, contudo, não chega a empolgar.

Sua atividade restringia-se a traduzir telegramas e “copidescar” textos. Por isso

mesmo, ele credita à sucursal de Recife do Jornal do Brasil seu primeiro

trabalho efetivo. A estréia como jornalista na grande imprensa é relembrada

com detalhes que dão a dimensão da importância dessa passagem em sua

vida:

Um episódio muito interessante. Em 1964, por aí, eu cheguei

no Jornal do Brasil para fazer estágio, eu me lembro, para

conversar com uma pessoa lá, o chefe da sucursal, que se

chamava Paulo Rehder. Ele me viu e eu querendo saber como

seria o estágio. Ele imediatamente me disse: você vai pegar

38

essas laudas e vai para a Sudene perguntar para os

governadores do Nordeste se eles são favoráveis ou contra a

reforma agrária. Eu digo: onde é a Sudene? Eu não sabia de

nada. Era na praça. Cheguei lá em manga de camisa,

encabulado, 18 anos, um montão de lauda na mão. (...) Mas eu

vou ter acesso aos governadores do Nordeste? Era um troço

meio maluco, uma experiência muito arrojada para mim, mas

eu tinha que voltar para o jornal com a resposta, ou seja, eu

tinha que conversar com os governadores. Eu vi naquele

negócio a possibilidade de ter ou não ter sucesso. Eu fui com a

cara e a coragem (TORQUATO, 2005b).

Gaudêncio Torquato lembra ter conseguido, mesmo intimidado com a

situação, apresentar-se aos governadores e colher os depoimentos a que havia

sido designado. A primeira etapa da estréia na profissão estava cumprida.

Faltava a segunda parte:

Cheguei no jornal muito satisfeito e ele (Paulo Rehder) diz: faça

o lide da matéria. E eu digo: o que é lide? Lide é o primeiro

parágrafo com o quem, quê, como, quando, onde e por quê. Eu

fiz uma vez, não gostou, fiz a segunda, não gostou, a terceira

vez... Rasgou umas cinco ou seis vezes a matéria e na sétima

vez ele disse: pode passar o telegrama. (...) Isso foi em um

sábado. No dia seguinte, dez da manhã, estou na cidade.

Ainda morava na Casa do Estudante no Recife. Aí fui procurar

o jornal, quando eu vi a manchete do jornal “Governadores do

Nordeste apóiam a reforma agrária”. Estava assinada “sucursal

do Recife”. Minha primeira matéria em jornal! O Paulo Rehder

me disse: você entrou com o pé direito, a primeira matéria sua

virou manchete do jornal. Eu entrei no jornalismo com a estrela

na testa (TORQUATO, op. cit.).

O início profissional prenunciou, de certa forma, o caminho de rápida

ascensão que o jovem jornalista viveria nos anos seguintes. Após a experiência

39

no Jornal do Brasil, ele foi chamado para trabalhar no Correio da Manhã, onde

cobriu, principalmente, os movimentos rurais em Pernambuco. O jornal

dedicava grande espaço ao tema, com reportagens “quentes”, segundo a

definição de Gaudêncio Torquato. As matérias de Pernambuco eram bem

aceitas porque tratavam da questão do campo, e o Correio da Manhã, lembra o

jornalista, posicionava-se claramente contra a ditadura.

Era a época da formação dos sindicatos rurais, dos conflitos no campo.

E era também a época do início do regime ditatorial brasileiro. Gaudêncio

Torquato recorda que existia uma pressão para não se fazer as matérias

“quentes”. “Eu percebi que havia uma certa vigilância. Chegava-se a sentir

essa vigilância. (...) Eu tinha, de certa forma, um posicionamento bastante de

esquerda no jornalismo. E evidentemente esse posicionamento procurei

controlar para evitar confusão maior com a polícia” (ibidem).

Essa lembrança expressa como a censura, no período da ditadura,

introjetou-se na consciência das pessoas de tal forma que cada um carregava

potencialmente um autocensor, como na estrutura do Panóptico14 idealizada

pelo pensador inglês Jeremy Bentham. De todas as recordações do jornalista

sobre seu trabalho na década de 1960 e início da década de 1970, essa foi a

única menção às dificuldades que ele, como jornalista, enfrentou na época da

ditadura. Vale destacar que essa questão não foi lembrada voluntariamente, e

sim proposta durante a segunda entrevista para esta dissertação.

O período no Correio da Manhã lhe valeu experiência na cobertura dos

conflitos rurais nordestinos. O jovem já tinha, àquela altura, uma meta bem

definida dentro da profissão. Seu sonho era trabalhar com Calazans

Fernandes15, “um jornalista vibrante do Nordeste” (ibidem).

14 “O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição. O princípio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção (...). Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar. (...) Tantas jaulas, tantos pequenos teatros em que cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível. O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. (...) Daí o efeito importante do Panóptico: induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder” (FOUCAULT, 1989: 165). 15 Calazans Fernandes começou no jornalismo em 1948 e suas reportagens investigativas tornaram-no conhecido especialmente no Nordeste. No jornal Diário de Pernambuco, pertencente ao grupo dos

40

2.2 – Ascensão profissional

Com o trabalho realizado no Correio da Manhã, Gaudêncio Torquato

começou a se tornar um nome conhecido no meio jornalístico da região e

acabou recebendo convites para atuar em outros veículos, como Jornal do

Commercio e na sucursal do Recife da Folha de S. Paulo. Naquela época, o

tempo de permanência diária nas redações era menor do que o atual,

permitindo que os jornalistas trabalhassem simultaneamente em diversos

jornais. Assim como seus colegas contemporâneos, ele chegou a trabalhar, em

1965, ao mesmo tempo no Correio da Manhã, no Jornal do Commercio e na

Folha de S. Paulo. Em cada veículo, experimentou diferentes possibilidades da

profissão. Se no Correio da Manhã sua cobertura concentrava-se nos conflitos

rurais, no Jornal do Commercio Gaudêncio Torquato pôde percorrer o Nordeste

para trazer o que a região tinha de mais característico. O jornalismo, no final

dos anos 1960, permitia extensas reportagens, fruto de apurações igualmente

longas.

Como repórter especial do Jornal do Commercio, o jornalista viajou pelo

Nordeste realizando matérias sobre a região, publicadas naquele mesmo jornal

que, quando criança, buscava no correio e via seu pai ler à luz da lamparina.

Ao relembrar esse trecho de sua história, Gaudêncio Torquato destaca, mais

uma vez, a figura do pai.

(...) quando meu pai viu minhas matérias em jornal, logo que

comecei, ele lia, adorava, ele reunia aquele grupo de amigos e

pessoas que iam visitá-lo ou fazer compras na loja. Ele pegava

e lia minhas matérias. Eu fui repórter especial do Jornal do

Commercio. Nessa época, eu viajava pelo Nordeste inteiro

fazendo matérias sobre a região, seca etc. Passei pela minha

região, fiz uma série de reportagens sobre a região.

Evidentemente essas reportagens tiveram uma repercussão

muito grande. Meu pai via aquelas reportagens mostrando as

Diários Associados, foi responsável pela coluna Alta Prioridade, na qual pôde desenvolver um jornalismo analítico sobre a região nordestina.

41

figuras da região, a procissão. Então, de certa forma, foi uma

grande satisfação para ele me ver dentro do jornal que ele lia,

que era a paixão dele (ibidem).

O mesmo Jornal do Commercio que permitiu a Gaudêncio Torquato

esmiuçar a região onde havia nascido lhe deu a oportunidade de seu grande

salto profissional. Àquela altura, o jornalista já contava com um nome

consolidado na imprensa nordestina, a ponto de dispensar ser pautado,

esquematizando suas próprias matérias. Foi dessa maneira que começou uma

série de reportagens sobre esquistossomose, doença que tinha em

Pernambuco um dos maiores índices do mundo, segundo seu relato.

Em uma cidadezinha perto de Recife, São Lourenço da Mata,

praticamente 80% da população estava contaminada com

esquistossomose. Aquelas barrigas imensas. Os hospitais no

Recife tinham alas só para esquistossomose. Eu me interessei

em pesquisar esse fenômeno. (...) Eu percebi que havia uma

briga entre três pólos que cuidavam da doença: tinha os

clínicos, os patologistas e os cirurgiões. O clínico passa o

remédio, o remédio mata o bicho, mas o bicho encarna no

fígado. Aí os patologistas, quando iam verificar, verificavam que

o bicho estava encalhado no fígado e, quando esse encalhe

chegava a necrosar o tecido, a pessoa morria. (...) Entrevistei

patologistas de grandes universidades, clínicos e cirurgiões.

Então coloquei os médicos para brigarem entre si. Tem

reportagem dos patologistas, tem uma dos clínicos, dos

cirurgiões, tem uma reportagem dentro do hospital mostrando

como eles eram tratados, tem reportagem mostrando o ciclo do

esquistossoma. (...) Fui para a cidadezinha de São Lourenço

da Mata para mostrar a cidade toda doente (ibidem).

A série de reportagens sobre esquistossomose, publicada em 1966 no

Jornal do Commercio do Recife, foi merecedora do Prêmio Esso na categoria

Informação Científica. Adiante, será retomado o significado do Prêmio Esso na

42

trajetória de Gaudêncio Torquato. Nessa mesma época, ele desenvolveu um

trabalho de destaque também no jornal Folha de S. Paulo, integrando a equipe

que preparava os suplementos especiais – assunto abordado no item 2.4.

2.3 – O aprendizado na Universidade Católica de Pernambuco

Ao recordar seu início como jornalista, Gaudêncio Torquato detalhou

histórias como a primeira reportagem realizada ou a série vencedora do Prêmio

Esso (destacadas nos intertítulos anteriores), mas foi econômico nas

referências à faculdade de jornalismo. Na segunda entrevista realizada para

esta pesquisa, perguntado sobre sua escolha profissional, fez uma rápida

menção ao fato de ter entrado na Universidade Católica de Pernambuco:

Fiz o vestibular, passei e foi aí que conheci o Zé Marques, o

primeiro contato com ele foi lá, ele foi meu professor. Conheci o

Marques, o Luiz Beltrão por ocasião do meu curso de

jornalismo em Recife. Terminei em 1966, no ano do Prêmio

Esso (ibidem).

Depois dessa menção, durante boa

coube, por exemplo, numa das experiências com Luiz Beltrão,

entrevistar Dom Helder. Me lembro da faculdade, dos velhos

tempos, de alguns professores interessantes como Potiguar,

Amaro Quintas, Luiz Beltrão. José Marques de Melo estava

começando nessa época, era uma espécie de assistente de

Luiz Beltrão (ibidem).

Questionado sobre a vivência simultânea de aluno de jornalismo e

profissional da grande imprensa, Gaudêncio Torquato fez uma sucinta reflexão

do papel da faculdade na formação do jornalista. Para ele, a faculdade tem

importância muito maior no aspecto do embasamento cultural em comparação

ao aprendizado técnico.

Eu sempre achei interessante a faculdade do aspecto mais de

embasamento cultural. Porque a redação mesmo se aprende

na prática do jornal. Eu aprendi dentro do jornal, escrevendo. E

embasamento em história, filosofia, lógica, economia política,

acho que são cadeiras fundamentais. O embasamento técnico,

a faculdade realmente também ensina, dá o bê-á-bá no sentido

de lide, sublide, reportagem, jornalismo interpretativo, opinativo.

Depois fui professor de todas as disciplinas. Terminei a

faculdade. (...) Padre Aloísio Mosca de Carvalho, o nosso

reitor, era professor também. Da faculdade a experiência foi

essa (ibidem).

Esse curto resumo que Gaudêncio Torquato fez de sua experiência na

faculdade pode ser interpretado como reflexo do fato de ter, muito jovem,

destacado-se na carreira. A faculdade, não é difícil entender, ocupa um

segundo plano em sua memória, já que na época “competia”, por assim dizer,

com uma realidade mais dinâmica: a das primeiras reportagens, do convívio

com acontecimentos históricos, da atuação como testemunha ocular das

grandes questões nacionais.

44

Outro fator que deve ser considerado é a formação que o jornalista

obteve no seminário. Segundo seu relato, desde cedo ele entrou em contato

com autores clássicos de filosofia e literatura – uma base que pode ter se

sobreposto ao aprendizado na faculdade. Interessante destacar que, apesar de

enaltecer a linha prática adotada por Luiz Beltrão na Universidade Católica de

Pernambuco, Gaudêncio Torquato entende o embasamento cultural como o

papel a ser cumprido pelo curso de jornalismo.

Os três anos passados na faculdade dividiram, portanto, atenção com a

experiência cada vez mais ascendente na profissão. Tendo recebido o Prêmio

Esso no ano de sua formatura, ele ganhou “uma aura de competência”,

segundo suas palavras (ibidem). Nessa época, a função de repórter especial

no Jornal do Commercio era acumulada com a atuação na Folha de S. Paulo,

iniciada em 1965 nos suplementos especiais veiculados no Nordeste e dirigidos

por Calazans Fernandes – jornalista com o qual havia sonhado trabalhar e por

quem nutria forte admiração. Em 1967, com o sucesso dos suplementos

especiais que circulavam no Nordeste, o diretor da Folha de S. Paulo, Otávio

Frias de Oliveira, decide convidar Calazans Fernandes para fazer trabalho

semelhante em São Paulo – proposta prontamente aceita. Gaudêncio Torquato

é, então, chamado a integrar a equipe e se muda para a capital paulista.

2.4 – A experiência na Folha de S. Paulo

O trabalho nos suplementos especiais da Folha de S. Paulo é realizado

no auge do jornalismo interpretativo no país. Nas bancas era possível

encontrar títulos de alcance popular cujo principal apelo eram as grandes

reportagens. Os anos 1960 concentraram veículos que se tornaram marcos na

história do jornalismo brasileiro, como a revista Realidade, lançada com uma

edição piloto em 1965 pela Editora Abril. O primeiro número já experimentou o

sucesso que a publicação seria. Essa edição, cuja capa trouxe a imagem de

um Pelé sorridente e vestindo chapéu da guarda real britânica, esgotou-se em

três dias (LIMA, 2004: 223).

45

Na Folha de S. Paulo, Gaudêncio Torquato produziu reportagens

históricas, veiculadas sob a forma de suplementos especiais. A série Grande

São Paulo: o desafio do ano 2000 foi uma dessas grandes reportagens e

reuniu nove cadernos especiais publicados a partir de setembro de 1967. Tal

trabalho inaugurou a impressão off-set colorida no país, detalhe que contribuiu

para sua importância histórica. A série de reportagens mereceu uma

divulgação prévia do jornal, publicada na capa do dia 16 de setembro de 1967:

Amanhã São Paulo saberá quanto é grande. Com a edição

normal da Folha de S. Paulo circulará amanhã o primeiro

caderno do Suplemento Especial da Grande São Paulo. Esse

caderno com 32 páginas, impresso em off-set e em cores, será

distribuído gratuitamente aos assinantes, e entregue

normalmente nas bancas com o seu exemplar da Folha de S.

Paulo, sem qualquer acréscimo no preço. Durante a semana,

outros oito cadernos serão distribuídos com as edições diárias

deste jornal, completando as 432 páginas do Suplemento

Especial – a mais importante publicação já dedicada aos

problemas da maior área metropolitana do País (Folha de S.

Paulo, 16 set. 1967. 1 cad. p. 1).

Nos dias subseqüentes, foi possível acompanhar as dificuldades

técnicas que o trabalho enfrentou. A capa do dia 17 de setembro trouxe nova

chamada sobre o assunto:

(...) No caderno que hoje circula, o leitor encontrará algumas

deficiências gráficas, explicáveis pelo fato de ser esta a

primeira vez que, no Brasil, se utiliza, em jornal diário, o

processo de impressão a quatro cores, em rotativa off-set. O

leitor verá, entretanto, essas deficiências progressivamente

corrigidas nos cadernos seguintes (Folha de S. Paulo, 17 set.

1967. 1 cad. p. 1).

46

Na capa do dia 18 de setembro, nova mensagem:

(...) motivos de ordem técnica – dado ser esta a primeira vez

que, no Brasil, se utiliza, em jornal diário, o processo de

impressão em quatro cores, em rotativa off-set, cuja publicação

foi iniciada ontem com êxito invulgar (Folha de S. Paulo, 18 set.

1967. 1 cad. p. 1).

No mesmo dia 18 de setembro, o jornal repercutiu o lançamento da série

de reportagens com uma matéria que ocupou 2/3 da página 4 do primeiro

caderno. Com o título “Suplemento provoca corrida às bancas”, a matéria

resume a receptividade do projeto, informando que “em todas as bancas da

capital já há reservas da Folha para todo o resto da semana, quando sairão os

outros cadernos do suplemento” (Folha de S. Paulo, 18 set. 1967, 1. cad. p. 4).

Outro dado ressaltado é em relação à grande quantidade de crianças que

compraram o jornal para fazer trabalhos escolares. A matéria faz uma

amostragem da repercussão entrevistando jornaleiros de bairros paulistanos

(Sumaré, Vila Mariana e Perdizes) e também do interior do Estado (Piracicaba,

Pirassununga e Jundiaí). Para ilustrar, a página traz fotos de dois leitores com

o primeiro caderno do suplemento especial.

Os problemas gráficos surgidos são explicados ao leitor em mais uma

chamada de capa, publicada no dia 20 de setembro:

Vencendo os problemas de ordem técnica surgidos durante a

impressão dos primeiros cadernos do suplemento da Grande

São Paulo, estamos hoje em condições de reafirmar a

programação dos demais cadernos ontem anunciada. As

dificuldades ocorridas na fase inicial dos trabalhos de

impressão são perfeitamente naturais, posto ser esta a primeira

vez que se utiliza, no Brasil, em jornal diário de grande

circulação, o processo de impressão em quaro cores, em

rotativa off-set, e que foi adotado pela Folha de S. Paulo com a

47

finalidade exclusiva de melhor servir aos seus inúmeros leitores

e anunciantes (Folha de S. Paulo, 20 set. 1967. 1 cad. p 1).

Para a presente dissertação, foram utilizados como fonte o primeiro e o

último cadernos da série Grande São Paulo: o desafio do ano 2000. Essa

seleção pretendeu apreender o tipo de linguagem das reportagens, as pautas e

a diagramação adotada. A leitura das 432 páginas que compõem o trabalho foi

entendida como não obrigatória, face à concisa análise que pretendi incorporar

à pesquisa.

O primeiro caderno, composto de 32 páginas, traz na capa um mapa

estilizado da Grande São Paulo. Logo na página 2 é possível encontrar um

anúncio do Banco do Estado de São Paulo desenvolvido especialmente para a

publicação com os dizeres “Daqui do alto você pode ver longe. Já estamos

vendo São Paulo no ano 2000”. Nas páginas 3 e 4, o coordenador geral dos

suplementos especiais do jornal, Calazans Fernandes, assina uma matéria na

qual explica os propósitos do trabalho:

As 432 páginas dos 9 cadernos deste suplemento enfecham o

maior inventário de informação básica já realizado na imprensa

brasileira sobre um problema específico: a da principal área

metropolitana do país e da parte Sul do continente, a cidade de

São Paulo, com mais de 37 municípios periféricos, a que a

moderna denominação dos complexos urbanos chama de

Grande São Paulo, a exemplo da classificação de Grande

Londres, Grande Paris, Grande Tóquio e de outras grandes

concentrações humanas do mundo Os artigos, estudos e

pesquisas especiais, de autoria de técnicos e de escritório de

projetos, as reportagens produzidas por uma equipe

selecionada de jornalistas apresentam, como resultado de mais

de 3 meses de elaboração editorial: a – um diagnóstico do

Grande São Paulo; b – a grandeza da região, sob os aspectos

qualitativos e quantitativos; c – o debate sobre as soluções

projetadas para o futuro; d – uma antevisão do ano 2000 (...)

(Folha de S. Paulo, 20 set. 1967. 1 cad. p. 3).

48

No expediente, o nome de Gaudêncio Torquato é o primeiro entre os 12

repórteres citados. A página 5 foi reservada para anunciar os temas

desenvolvidos em cada um dos cadernos que integram a série de reportagens

especiais. As páginas 6 e 7 são tomadas por uma extensa bibliografia,

indicando os títulos utilizados para embasar o trabalho. Estão citados 124

títulos, entre livros, artigos e anuários, e figuram entre os autores nomes das

ciências humanas, como os de Jorge Wilheim, Octavio Ianni, Caio Prado Júnior

e Florestan Fernandes. Estão indicados ainda periódicos e revistas. A inclusão

de uma bibliografia no início do primeiro caderno expressa a preocupação em

diferenciar a publicação de reportagens comuns, associando uma conotação

de pesquisa aprofundada.

A primeira matéria começa na página 10 e discute os limites geográficos

da cidade. O caderno traz ainda um texto sobre a história de São Paulo,

remontando a 1555, um sobre as “raças que moldaram a civilização do Tietê” e

um assinado por Nestor Goulart de Reis Filho, professor da Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. O primeiro caderno é

fechado por uma reportagem de seis páginas sobre as indústrias de São Paulo,

composta de tabelas com informações numéricas, como a quantidade de

indústrias instaladas na Grande São Paulo e especificadas por setor de

atuação.

O outro caderno utilizado como fonte para esta dissertação, o de número

9 e, portanto, o último da série, traz na capa a chamada “Lebret, precursor do

Grande São Paulo”, sobre o padre francês Louis-Joseph Lebret.

Sociólogo de renome mundial e, acima de tudo, humanista na

linha direta do pensamento de São Tomás de Aquino, o padre

Lebret viera a São Paulo fazer o que nunca fora feito até então

– um estudo global da estrutura urbana da aglomeração da

capital paulista (Folha de S. Paulo, 20 set. 1967. 9 cad. p. 355).

49

A partir da página 375 e até a 386, está publicado um estudo do

engenheiro Rubens de Mattos Pereira, identificado como pertencente ao

Ministério do Planejamento e Coordenação Geral e membro do Serviço Federal

de Habitação e Urbanismo. O texto foi estruturado com a forma que lembra, de

imediato, um artigo acadêmico. Com o título “Bases para a formulação de uma

política nacional de desenvolvimento urbano e para a implantação de um

sistema de planejamento local integrado”, o texto esmiúça a questão do

desenvolvimento urbano no Brasil.

Importante destacar a estranheza que um trabalho assim aprofundado

causa em um leitor de jornal acostumado à estrutura adotada hoje. Seria

impensável incluir, em um jornal de grande circulação, nove cadernos

totalizando mais de 400 páginas sobre um mesmo assunto.

No livro Páginas ampliadas (LIMA, 2004), a série de reportagens Grande

São Paulo: o desafio do ano 2000 é incluída entre os exemplos de experiências

diferenciadas no jornalismo brasileiro. Lima destaca que a intenção do núcleo

especial da Folha de S. Paulo era realizar trabalhos de interpretação sobre a

realidade brasileira.

A estratégia consiste em focalizar o país em suas diversas

regiões e a cada uma delas direcionar a bateria de esforços

para uma extensa radiografia que vai sendo publicada em

série, como suplementos especiais, nas edições de fim de

semana. São, em geral, quatro a cinco cadernos para cada

região. Noutro projeto, em que o núcleo focaliza a Grande São

Paulo e seus desafios para o ano 2000, a produção faz história:

são publicadas cerca de 500 páginas de matérias. E de tal

qualidade que os engenheiros responsáveis pela linha inicial do

metrô da cidade recorrem à Folha para obter dados técnicos

que a equipe de reportagem reunira, mas que eles próprios,

técnicos, não tinham conseguido (LIMA, op.cit.: 239).

No núcleo de reportagens especiais da Folha de S. Paulo, Gaudêncio

Torquato teve a oportunidade de realizar ainda outros trabalhos de fôlego,

50

como os suplementos regionais dedicados à Amazônia e ao Nordeste. Essa

fase foi lembrada na segunda entrevista realizada para esta dissertação:

Corremos o Brasil todinho para lançar esses suplementos. Foi

uma época heróica do jornalismo interpretativo, de grandes

matérias. Reuníamos sociólogos, psicólogos, arquitetos,

urbanistas, advogados, planejadores urbanos, em torno de

uma mesa. Debates, conferência, palestra, mergulhamos nos

livros, fizemos entrevistas em profundidade. Foi uma época

heróica do jornalismo porque realmente deixamos o factual

para fazer uma moldura mais sistêmica (TORQUATO, 2005b).

Os suplementos especiais da Folha de S. Paulo duraram três anos, até

terminar, em 1970, após desavenças entre os sócios do jornal, Otávio Frias de

Oliveira e Carlos Caldeira Filho. Este era contra os suplementos, enquanto que

Otávio Frias era favorável. Segundo Gaudêncio Torquato, o episódio de

extinção do núcleo de reportagens especiais foi “traumático”. A justificativa do

custo da estrutura, realmente muito alto, segundo o jornalista, pôde esconder

talvez a razão principal. “Ali houve, eu diria, uma crise de ciúme com a própria

redação da Folha. Deve ter tido algum problema de relacionamento. Saímos da

Folha e ficamos meio tontos no início” (TORQUATO, 2005c).

Toda a experiência na Folha de S. Paulo foi vivida em parceria com o

jornalista Manuel Carlos Chaparro16, português radicado no Brasil e que

Gaudêncio Torquato conhecera quando, ainda no Nordeste, cobria os assuntos

ligados à Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene),

entidade da qual Chaparro foi assessor de imprensa. Chaparro chegou ao

Brasil em 1961, pressionado pela ditadura salazarista que Portugal vivia na

época. Desde 1955, já trabalhava como repórter do jornal Juventude Operária,

de Lisboa, pertencente a movimento da Igreja Católica. Foi por essa ligação

que recebeu o convite de Dom Eugênio Sales, na época bispo de Natal, para

trabalhar no jornal A Ordem, da diocese.

16 Em 2004, Manuel Carlos Chaparro foi homenageado no 27º Congresso da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom).

51

A Igreja Católica vivia um momento de abertura, priorizando pautas

sociais na chamada Teologia da Libertação. Sua passagem pelo A Ordem foi

marcada pela renovação, que permitiu incluir na publicação reportagens sobre

questões problemáticas do Nordeste. Em 1964, Chaparro assumiu novo papel:

o de assessor de imprensa da Sudene, iniciando na entidade uma experiência

mais profissionalizada de estrutura comunicacional, respeitando a natureza

jornalística da função. Três anos depois, em 1967, Chaparro voltou ao

jornalismo diário e coordenou a reforma editorial do Jornal do Commercio,

vivência seguida com a passagem pelo Diário de Pernambuco.

Por seu posicionamento como jornalista mais sensível às questões

sociais e a um tipo de apuração mais aprofundada, Chaparro integrou, ao lado

de Gaudêncio Torquato, a equipe da sucursal do Nordeste da Folha de S.

Paulo, na época sob direção de Calazans Fernandes, que havia iniciado uma

inovadora experiência de suplementos temáticos. Graças ao sucesso de tais

suplementos, o grupo responsável pelo trabalho – no qual estavam inseridos

Calazans, Chaparro e Gaudêncio Torquato – é convidado a assumir projeto

semelhante na capital paulista, para integrar o departamento de suplementos

especiais da Folha de S. Paulo, cujo desfecho, já descrito anteriormente, foi a

interrupção do projeto em 1970.

2.5 – Jornalismo empresarial: a descoberta de um campo em formação

Com o fim dos suplementos especiais da Folha de S. Paulo, Chaparro

propõe a Gaudêncio Torquato a fundação de uma empresa especializada em

jornalismo empresarial. A idéia surge em um contexto no qual o jornalismo

empresarial ganhava crescente mercado, impulsionado pela industrialização

vivida no país. À dupla juntou-se o publicitário Luiz Carrion, que havia sido o

responsável pela área de publicidade nos suplementos da Folha de S. Paulo, e

a especialista em pesquisa editorial, Regina Célia Tassitano. Assim nasce a

Proal – Programação e Assessoria Editorial.

52

A Proal foi o primeiro núcleo de jornalismo empresarial

organizado no Brasil. As experiências que até então se davam

na área de jornalismo empresarial eram muito dispersas, muito

esparsas, e aí nós criamos a Proal. Uma empresa pequena,

constituída por três sócios, Chaparro, Luiz Carrion e eu,

dedicada à produção de jornais e revistas de empresas. O

primeiro trabalho nosso foi um trabalho de sucesso, feito para a

Ultragás: o jornal chamado Ultragazeta. Era um jornal colorido,

papel muito bom, um jornal muito bem-feito, produzido

profissionalmente, portanto tínhamos que dar nossa

contribuição jornalística ao jornalismo empresarial e

começamos a fazer essa publicação (TORQUATO, op. cit.).

Ao recordar sua participação na Proal, Gaudêncio Torquato refere-se ao

trabalho com jornalismo empresarial, mas, naquele tempo, tal termo ainda não

estava legitimado. Coube ao próprio jornalista fomentar sua legitimação por

meio de pesquisas. Sua preocupação com a terminologia refletia o interesse

em sedimentar as delimitações da área.

Na verdade, eu estava preocupado com a terminologia. House-

organ! Por que não vamos chamar de jornalismo empresarial,

de empresas? E aí eu tentei argumentar no sentido de que

essa área deveria se chamar jornalismo empresarial. Tentei, de

certa forma, não de maneira xenófoba, não é o caso, mas eu

dizia que não é o caso de usar house-organ, até porque house-

organ, na expressão original americana, é o órgão da casa,

muito voltado para o público interno, quando o house-organ, no

Brasil, teve outra conotação, de veículo externo. Então, nessa

confusão, falei: vamos abolir esse negócio e usar jornalismo

empresarial (ibidem).

Por apenas um ano, a atuação da Proal circunscreveu-se à produção de

publicações empresariais. Aproveitando que, entre os sócios, havia um

publicitário (Carrion), um jornalista (Chaparro) e um professor (Gaudêncio

53

Torquato), a empresa adotou como diferencial o conceito de qualidade, de

excelência técnica. Para isso, não bastava apenas produzir, era preciso

conceituar, iniciar a teorização sobre jornalismo empresarial. “Tínhamos que

tirar dali um produto chamado teoria, conceito técnico, técnica e teoria. Com

isso nós embasamos a Proal de qualidade, de conceito. Não é só uma

empresa da ‘fazeção’. É um

jornalismo especializado. O texto é formatado com clara intenção didática.

Questões como a linguagem a ser adotada pelos veículos empresariais e a

importância desses veículos são respondidas de forma simplificada, ainda

FIGURA 2

55

pouco embasadas por referenciais teóricos. A intenção didática fica explícita,

particularmente, na parte que o jornalista denomina “Mandamentos do

jornalismo empresarial”. Resumidamente, os “mandamentos” criados por

Gaudêncio Torquato para a primeira edição dos Cadernos Proal são:

1 – O veículo deve ter seus objetivos claramente definidos;

2 – As regras gerais do jornalismo adaptam-se perfeitamente ao

jornalismo empresarial;

3 – Para ter um tratamento profissional, o veículo deve ser entregue a

profissionais;

4 – Cada edição deve ser planejada para que a qualidade possa ser

previamente garantida;

5 – A qualidade gráfica do veículo pode vender uma boa imagem da

empresa;

6 – Para o veículo entrar nos hábitos do leitor deve ter periodicidade

regular;

7 – A distribuição do veículo garante também o seu sucesso;

8 – Veículo que não muda pode criar desinteresse (op. cit).

Essa primeira sistematização sobre jornalismo empresarial é um

parâmetro para identificar as questões que, no começo dos anos 1970, ainda

precisavam ser debatidas. O “mandamento” número 3, por exemplo, reflete

uma polêmica vivida na época pela área de comunicação: a discussão sobre

que profissional deveria assumir a responsabilidade pelos veículos internos de

uma empresa. Os relações-públicas tinham conquistado esse espaço,

seguindo uma tradição já consolidada nos países da Europa e nos Estados

Unidos. Gaudêncio Torquato, ao legitimar o termo “jornalismo empresarial”,

vincula esse campo profissional à atuação do jornalista. Ele indica os

problemas que uma orientação amadora poderia causar aos veículos

empresariais:

O amadorismo tem quase sempre horizontes curtos e, com a

melhor das intenções, comete pecados que empobrecem a

56

publicação, tais como: a) promoção exagerada e ingênua das

pessoas; b) redação rebuscada e prolixa, fruto da limitação ou

do excesso de imaginação não disciplinada pela técnica; c) o

artificialismo, quando não a pieguice, predominando o estilo,

sobrepondo-se à objetividade; d) a exaltação de detalhes sem

significado, em prejuízo do entendimento ou da informação

global do assunto; e) a utilização exagerada de uma

adjetivação pomposa e exuberante (ibidem: 10).

Os Cadernos Proal, com direcionamento específico para o jornalismo

empresarial, duram até 1977, quando a publicação abre-se para um espectro

maior de assuntos, posicionando-se como uma publicação especializada em

comunicação de massa, aí entendido não só o jornalismo, como também

publicidade, televisão, cinema, relações públicas, entre outros campos. A

publicação passa, então, a se chamar Cadernos de Comunicação Proal. A

primeira edição desta nova etapa traz um editorial comentando a mudança de

foco:

Em sua nova fase, Cadernos Proal deixa a vereda do

jornalismo empresarial para se embrenhar por caminhos mais

largos, campos mais densos. A proposta fundamental dos

Cadernos é a de abarcar a multiplicidade de linhas que tecem a

complexa área da comunicação, numa perspectiva de debate e

discussão aberta, com a finalidade de apresentar ao universo

de profissionais e estudantes de comunicação uma literatura de

apoio e orientação a suas atividades (...). Em sua

programação, poderão ser vistos trabalhos inéditos,

principalmente da área de pós-graduação, além de artigos

encomendados a especialistas do Brasil e do exterior

(CADERNOS DE COMUNICAÇÃO PROAL, jun. 1977: 2).

A edição número 1 dos Cadernos de Comunicação Proal tem como

primeira matéria um artigo assinado por Gaudêncio Torquato sobre o modelo

brasileiro de comunicação, definido como “uma miscelânea de pontos de vista

57

diferentes”. Essa definição é sustentada pelo entendimento de que “somos

demasiadamente liberais nas questões ligadas a crimes, catástrofes ou

escândalos do mundo das vedetes (...). Em algumas faixas de conteúdo,

procuramos seguir o princípio da responsabilidade social (...). E, em algumas

áreas, (...) aplicam-se os princípios do autoritarismo de Estado” (op. cit.: 28).

Há ainda uma matéria sobre as escolas de comunicação e uma sobre a criação

da figura do ombudsman na imprensa americana, uma crítica assinada pelo

jornalista Rubens Edwald Filho a respeito do filme Dona Flor e seus dois

maridos e um artigo técnico sobre a “narrativa do jornal de empresa”.

O que se verifica é que, no final da década de 1970, a experiência de

Gaudêncio Torquato com comunicação empresarial havia se expandido para

campos diferentes, mas complementares. Na Proal, o jornalista editava

publicações para empresas como General Motors do Brasil, Cosipa, Banco

Itaú, Pirelli, Deca etc18. “Chegamos a produzir simultaneamente 40

publicações” (TORQUATO, 2005b). Ao mesmo tempo, assumia o papel de

teórico ao escrever para os Cadernos Proal. Na academia, já era um nome

importante por ter inaugurado, com sua tese defendida em 1973 na ECA-USP,

o campo de estudo do jornalismo empresarial.

A migração da atuação na grande imprensa para o jornalismo

empresarial abriu uma etapa que direcionou suas escolhas profissionais

posteriores. Como repórter de veículos empresariais, Gaudêncio Torquato

pôde aprofundar o processo de profissionalização da área de comunicação nas

empresas e experimentar as possibilidades desse campo. Ao lembrar os

trabalhos mais marcantes produzidos pela Proal, durante entrevista para esta

pesquisa, o jornalista recordou com empolgação as contribuições que deu aos

veículos empresariais, bem como o aprendizado que essa vivência lhe

proporcionou.

18 No Memorial escrito por ocasião do concurso para professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em 1987, o jornalista listou as empresas para as quais a Proal prestou serviços: General Motors do Brasil, Organização Philips Brasileira, Pirelli, Hoechst, Eternit, Siemens, Ultragás, Companhia Siderúrgica Paulista, Grupo Dedini, Governo do Estado de São Paulo, Departamento de Edifícios e Obras Públicas, Departamento de Águas e Energia Elétrica, Companhia Estadual de Tecnologia e Saneamento Básico, Companhia de Saneamento Básico, Ericsson, Union Carbide, Deca/Duratex, Chrysler, Firestone, Brastemp, Trevira e Grupo Continental.

58

Eu me lembro que, entre essas experiências da época, uma

experiência muito interessante era o jornal da Deca. Chamava-

se O Registro. (...) Porque esse Registro era um jornal muito

popular, era um jornal pobre, parecendo um panfleto, impresso

rusticamente numa dessas gráficas de fundo de quintal, numa

linguagem muito simples, mas era um jornal queridíssimo,

apreciadíssimo pela massa de leitores, que eram trabalhadores

da Deca, quase operários, eu diria, muito modestos, muito

humildes, muito pobres, com salários pequenos. E a Deca era

uma empresa muito artesanal. Eu me lembro que tinha uma

questão lá que era a questão da segurança, que era muito

grave. (...) E nós criamos uma figura do Tião Seguresa (...). Eu

fui verificar que a Deca, na época, era muito perto do

Palmeiras, ali na Barra Funda, e portanto tinha muito italiano

dentro daquela empresa. (...) Eu, que não sabia italiano, tive

que aprender a gíria italiana, comprei um dicionário de gíria

para poder banhar a linguagem dessa coluna de segurança,

para vender o peixe da segurança. E não é que tinha um efeito

extraordinário? O pessoal adorava essa coluna por causa da

linguagem, da brincadeira e tal. O jornal era planejado como?

O jornal era planejado no chão da fábrica. Eu ia para lá com

aqueles operários, todos com o macacão sujo de óleo, numa

bancada suja de óleo, sentava lá, dentro do chão da fábrica,

num dia de semana à tarde, para planejar o jornal. O

planejamento saía de baixo para cima e não de cima para

baixo. (...) E nós como Proal fazíamos o jornal de acordo com

os interesses dos leitores. Era um sucesso. Aí a Deca foi

absorvida pela Duratex. A Duratex, do grupo Itaú, maior,

passou então a querer um veículo que pudesse integrar a

comunidade Deca na comunidade geral Duratex. Aí esse jornal

foi abolido e fizemos uma revista, muito bonita,

sofisticadíssima, a cores, quer dizer, uma revista mais

sofisticada, mais bem escrita, mais cara, mas que não tinha o

sucesso do jornal. (...) Era interessante observar que esse

jornalismo de empresa não deve ser bonito. Deve ser o

jornalismo com a cara da pessoa que vai ler (TORQUATO,

2005c).

59

A experiência em jornalismo empresarial impôs questões diferenciadas

das do jornalismo na grande imprensa. Para Gaudêncio Torquato, um trabalho

extenso, como a série de reportagens que lhe valeu o Prêmio Esso, exigiu

muito mais um “esforço físico” do que propriamente soluções para estruturar as

matérias. Ao contrário, nos veículos empresariais, o desafio era encontrar uma

forma de levar um conteúdo às vezes hermético para um público-leitor de

diferentes padrões culturais. As tentativas de solucionar esse desafio renderam

ao jornalista experiências sobre as quais ele comentou enfaticamente e com

orgulho:

Eu sempre fui mais desafiado porque tinha que criar. Escuta: o

jornal diário é algo muito mais burro no sentido da linguagem.

Uma linguagem pobre: sujeito, verbo e complemento. Lide,

sublide, corpo de matéria, pirâmide invertida. (...) Agora no

jornal de empresa tem tudo isso e muito mais: como fazer com

que a linguagem técnica seja apropriada, compreendida,

internalizada pela cachola do leitor. (...) Como é que eu vou

explicar como nasce um carro? (...) Ninguém vai entender,

essa linguagem é hermética, fechada, eu tenho que

desembrulhar esse pacote técnico (TORQUATO, op. cit.).

A saída para levar os assuntos técnicos ao heterogêneo público-leitor

dos veículos empresariais foi a adoção de estruturas criativas para as matérias.

O jornalista destaca algumas, como a reportagem para o jornal interno da

General Motors que, para explicar a produção de um carro, usou como

analogia o corpo humano. Cada área da produção foi associada a uma parte

da anatomia humana. A mesma estrutura foi adotada em uma matéria

publicada no jornal interno da Cosipa, também sobre o processo de produção.

Outra característica relativa aos jornais e revistas de empresa era a

Era na verdade um jornalismo empresarial muito voltado para

os dirigentes, muito para mostrar a cara dos presidentes de

empresas, para mostrar a empresa como uma ilha de

felicidade. Eu combati muito nos meus textos esse tipo de

abordagem (ibidem).

Toda a experiência desenvolvida no jornalismo empresarial e,

posteriormente, na comunicação organizacional, pode ser entendida como uma

contribuição efetiva de Gaudêncio Torquato à sedimentação das duas áreas. A

preocupação em circunscrever teoricamente o jornalismo empresarial,

concretizada nos Cadernos Proal, foi simultânea às experimentações dos

limites desse campo, realizadas nos veículos empresariais produzidos pela

Proal. Teoria e prática andando paralelamente – característica que figura em

toda a trajetória do jornalista. A atuação na Proal permitiu ainda um duplo

exercício: de editor e de repórter das publicações empresariais. O mesmo

profissional que pensava os melhores caminhos para a estruturação de uma

matéria, que idealizava as publicações, assumia o papel de produzir as

reportagens.

Ao iniciar os trabalhos na Proal, foi possível viver uma outra vertente do

jornalismo. Para quem vinha das grandes reportagens produzidas no Jornal do

Commercio e na Folha de S. Paulo, a experiência em pequenas revistas

internas de empresas poderia ser vista como de menor importância. O

entendimento de Gaudêncio Torquato, porém, é outro:

Eu fiz um circuito completamente de curvas, não de uma reta.

A minha vida nunca foi uma reta. Foi cheia de curvas. Por

exemplo, como disse, comecei por cima, dando manchete. A

primeira matéria, manchete de oito colunas no Jornal do Brasil

de domingo: “Governadores do Nordeste apóiam reforma

agrária”. Então já comecei com o pé direito. Fiz o Jornal do

Commercio, Prêmio Esso. Depois disso tudo eu vou fazer

jornalzinho dentro de empresa, lá na fábrica. Mas por quê?

Primeiro porque era nosso meio de sobrevivência, o estômago

61

em primeiro lugar. Segundo porque o jornalista não deve ter

orgulho, deve ser simples, modesto. Ele deve conservar o valor

da modéstia, não deve ser arrogante, deve ser simples, deve

ser perseverante e acreditava que aquilo para mim era

novidade. Eu estava entrando numa linguagem técnica. (...) Foi

quando eu fui sentir a importância do jornal de empresa.

Jornalzinho... Jornalzinho, não! Jornalzão! Porque é o único

jornal às vezes que o operário lê. É o único da vida dele. Que

jornalzinho! É o jornal da vida dele! Foi quando eu fui sentir

como é que o operário dá, por exemplo, importância ao nome

de sua filha que aniversaria (ibidem).

Se a escolha pelo jornalismo empresarial enfrentou as dúvidas quanto à

importância desse tipo de atuação, a opção pelo mesmo campo como objeto

de estudo acadêmico trouxe reações mais virulentas. Nos anos 1970, o

jornalismo empresarial era indissociável de tendências ideológicas. “Na época,

dizer na universidade que você fazia jornalismo empresarial, meu Deus! Tive

que suportar. Era de direita! Vendido ao capitalismo internacional!” (ibidem). O

enfrentamento para legitimar esse campo de estudo resultou na consolidação

desse espaço dentro da academia.

A participação acadêmica do jornalista na academia já havia começado

em 1969, com seu início como docente da Faculdade de Comunicação Social

Cásper Líbero. Com o sucesso dos suplementos especiais da Folha de S.

Paulo, ele foi convidado para dar aulas da disciplina jornalismo interpretativo na

instituição. O convite parte de Marques de Melo, que estava, na época, criando

um centro de pesquisas em jornalismo na Faculdade de Comunicação Social

Cásper Líbero.

Minha primeira experiência como professor foi uma lástima! O

primeiro dia foi uma coisa lastimável! Lá vem eu com uns 20

anos de idade, com um sotaque carregadíssimo, que ainda

tenho, em uma sala de aula onde havia alunos mais velhos do

que eu, dois padres. E o Zé Marques me colocou nessa

experiência de professor de jornalismo informativo e

62

interpretativo. Minha primeira aula eu fiz sobre o início do

jornalismo. Fui buscar lá na Roma antiga as primeiras

experiências em jornalismo e tal. Decorei para caramba.

Chegou um momento lá que eu vi o pessoal rindo um pouco.

Era brincadeira de aluno e eu achava que era comigo. Aquilo

me destrambelhou. Fumei um cigarro atrás do outro, fiquei

meio encabulado, foi uma coisa meio desastrosa porque não

tinha a desinibição para dar aula. Eu estava ainda muito

agarrado em pessoas mais velhas que eu. Nunca tinha dado

aula. Fui jogado na sala de aula assim, de repente, sem um

preparo (ibidem).

O desconforto do início como docente foi superado com a descoberta da

vocação acadêmica e, no ano seguinte a seu início na Faculdade Cásper

Líbero, o jornalista entrou na Universidade de São Paulo. A admissão

aconteceu por concurso. É na USP que Gaudêncio Torquato dá suas

contribuições teóricas ao campo do jornalismo e comunicação empresariais, na

forma da tese de doutoramento, concluída em 1972, e da livre-docência,

defendida em 1983 – esmiuçadas no capítulo seguinte desta dissertação.

2.6 – Docência: a experiência na sala de aula

Por mais de 20 anos, Gaudêncio Torquato assumiu, simultaneamente, o

papel de jornalista, pesquisador acadêmico e professor. Na sala de aula, pelo

menos duas gerações de jornalistas o acompanharam nas disciplinas que

ministrou na ECA, Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero e nas

Faculdades Integradas Alcântara Machado.

Nas Tabelas 3, 4 e 5, estão relacionadas as cadeiras dadas por ele na

graduação nas três faculdades, listadas no Memorial de 1987. No Anexo desta

dissertação, estão elencados os dezenove trabalhos de pós-graduação que

tiveram sua orientação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de

São Paulo. Uma curiosidade vivida pelo jornalista na academia foi que, em

1983, passou a orientar os projetos de mestrado e doutorado de seu antigo

63

colega de profissão, Manuel Carlos Chaparro, com quem havia compartilhado

momentos importantes na carreira jornalística, tanto na grande imprensa como

na Proal. Chaparro graduou-se em jornalismo pela ECA-USP em 1982 e, no

ano seguinte, iniciou seu mestrado, defendido em 1987 com a apresentação,

na mesma instituição, da dissertação A notícia (bem) tratada na fonte: novo

conceito para uma nova prática de assessoria de imprensa. Em 1988, é

admitido no doutorado e desenvolve a tese Pragmática do jornalismo – buscas

práticas para uma teoria de texto, defendida em 1993.

As disciplinas ministradas por Gaudêncio Torquato indicam, ainda que

por inferência, seu desenvolvimento profissional. No início da atuação como

docente, nos primeiros anos da década de 1970, é possível identificar matérias

diversas e de conteúdo menos especializado, como Introdução ao Jornalismo,

Fundamentos Científicos da Comunicação e Técnica de Jornal e Periódico I.

Com o tempo, a experiência profissional é trazida para a sala de aula e o

jornalista passa a ministrar prioritariamente disciplinas que espelham sua

própria especialização, como Jornalismo Empresarial e Jornalismo

Interpretativo.

TABELA 3

DEPARTAMENTO DE JORNALISMO E EDITORAÇÃO DA

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DA

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

DISCIPLINA PERÍODO

Técnica de Jornal e Periódico I para o curso de Jornalismo

1969

Introdução ao Jornalismo para o curso de Teatro

1970

Jornalismo Informativo e Interpretativo para o curso de Jornalismo

1970

Técnica em Comunicação de Massa (Assessoria de Imprensa) para o curso

1970

64

de Relações Públicas

Jornalismo Especializado para o curso de Jornalismo

1971

Redação e Edição no Jornalismo Empresarial para o curso de Relações

Públicas

De 1971 a 1973

Redação e Edição no Jornalismo Empresarial para o curso de Publicidade e Propaganda

1972 e 1973

Redação e Edição no Jornalismo Empresarial para o curso de

Jornalismo

1977, 1979 e 1981

Jornalismo Empresarial para o curso de Relações Públicas

1978 e 1983

Veículos Especializados para o curso de Jornalismo

1979 e 1980

Jornalismo Especializado para o curso de Jornalismo

1980, 1985 e 1986

Redação e Edição no Jornalismo Empresarial para o curso de Relações

Públicas

1980

Jornalismo Empresarial para o curso de Jornalismo

De 1982 a 1984

Editoração de Publicações Sindicais e Empresariais para o curso de

Editoração

1983

Curso “Por uma abordagem sinérgica

da comunicação organizacional”,

estruturado a partir do modelo

sistêmico desenvolvido na tese de

livre-docência

1985

65

TABELA 4

DEPARTAMENTO DE JORNALISMO DA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL CÁSPER LÍBERO

Além das três instituições listadas nas tabelas 3, 4 e 5 (Universidade de

São Paulo, Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero e Faculdades

Integradas Alcântara Machado), Gaudêncio Torquato esteve, entre os anos

1979 e 1985, ligado ao programa de pós-graduação do Instituto Metodista de

Ensino Superior, hoje chamado de Universidade Metodista de São Paulo

(UMESP). O programa foi criado em 1978 pelo professor José Marques de

Melo e sua estrutura respondia a um movimento, registrado a partir da década

de 1970, de abertura de novos espaços de pesquisa em comunicação social

nas universidades brasileiras (GOBBI, 2003: 60).

A princípio, duas grandes áreas de concentração eram oferecidas:

“Metodologia da Comunicação, destinada a formar pesquisadores e docentes

para o magistério em comunicação social, e Comunicação Empresarial,

destinada a formar assessores ou gerentes de comunicação para grandes

empresas” (MARQUES DE MELO, 1979: 193). Gaudêncio Torquato integrou,

naturalmente, a segunda área de concentração. O grupo de pesquisadores da

primeira fase da pós-graduação da Universidade Metodista de São Paulo era

multidisciplinar19. Além do jornalista, faziam parte do programa nomes como os

de Cândido Teobaldo de Souza Andrade, acadêmico e profissional da área de

relações públicas; Fernando Perrone, ligado à sociologia; Egon Schaden,

antropólogo; e do teólogo Benedito de Paula Bittencourt. A formação diversa do

primeiro grupo de pesquisadores explica-se pela ausência, na época, de massa

crítica suficiente de profissionais oriundos da comunicação” (GONÇALVES,

2003: 112).

Durante os anos em que esteve ligado à Universidade Metodista de São

Paulo, Gaudêncio Torquato orientou apenas a pesquisa de mestrado de Daniel

dos Santos Galindo, defendida em 1985 com o título Aumento da eficácia do

projeto mercadológico do anunciante: reflexões metodológicas. A princípio, a

participação do jornalista no programa de pós-graduação parece pequena,

mas, comparando com o número de orientações dos outros pesquisadores, 19 Faziam parte do primeiro grupo de pesquisadores da Universidade Metodista de São Paulo, além de Gaudêncio Torquato, os professores Benedito de Paula Bittencourt, Cândido Teobaldo de Souza Andrade, Carlos Eduardo Lins da Silva, Ciro Marcondes Filho, Egon Schaden, Fernando Perrone, Fredric Litto, Ismar de Oliveira Soares, Jaci Correa Marashin, Jerusa Pires Ferreira, Joel Camacho, José Manoel Morán Costas, José Marques de Melo, Luiz Fernando Santoro, Luiz Roberto Alves, Neusa Meirelles, Onésimo de Oliveira Cardoso, Örjan Olsén, Paulo José Krischke e Wilson da Costa Bueno (GONÇALVES, 2003: 112).

67

constata-se que esteve coerente com a produção do primeiro grupo da pós-

graduação da UMESP (TABELA 6).

A dissertação de Daniel dos Santos Galindo chegou a ser publicada na

versão em livro em 1986 com o título Comunicação mercadológica em tempos

de incertezas. Além da orientação dessa pesquisa, Gaudêncio Torquato,

durante o tempo em que esteve ligado à UMESP, participou do conselho

editorial da revista Comunicação e sociedade, publicada pela instituição.

TABELA 6

NÚMERO DE MESTRANDOS ORIENTADOS NO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DO INSTITUTO METODISTA DE SÃO PAULO

ORIENTADOR 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 TOTAL

Cândido Teobaldo

1 1

Carlos Eduardo Lins da Silva

1 1 2

Gaudêncio Torquato

1 1

Fredric Litto 1 1

Jaci Correa Maraschin

1 1

Joel da Silva Camacho

1 1

José Manoel Morán Costas

1 1

José Marques de Melo

1 2 2 6 2 2 15

Luiz Fernando Santoro

2 2

Luiz Roberto Alves

1 1 2 4

Onésimo de Oliveira Cardoso

2 2 2 1 7

68

Wilson da Costa Bueno

1 3 2 3 7 16

Total 1 2 5 9 6 9 5 8 7 52

(GONÇALVES, op. cit.: 114).

69

CAPÍTULO 3: O ACADÊMICO

3.1 – A pioneira tese sobre jornalismo empresarial

As informações expostas nos capítulos anteriores sedimentam o

desenvolvimento intelectual de Gaudêncio Torquato. Tanto as peculiaridades

de sua infância, em especial os anos passados em seminários, quanto a

trajetória na grande imprensa e no jornalismo empresarial ajudam a entender

como surgiram as inquietações que resultaram em seus estudos acadêmicos.

Conforme dito anteriormente, um dos traços que melhor caracteriza o jornalista

é sua constante preocupação em viabilizar um diálogo entre academia e

mercado, ora transformando questões profissionais em estudos acadêmicos,

ora levando aprendizados teóricos para a vivência profissional.

A tese de doutoramento Comunicação na empresa e o jornalismo

empresarial: visão crítica e tentativa de elaboração de um modelo para as

publicações internas (TORQUATO, 1973), desenvolvida na Escola de

Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, exemplifica essa postura

do jornalista. O trabalho foi concluído em 1972 sob orientação de Rolando

Morel Pinto, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

da USP. A intenção de Gaudêncio Torquato com a tese foi delimitar o campo

do jornalismo empresarial, vinculando-o à prática jornalística – interesse que já

havia gerado, no início dos anos 1970, esboços de sistematização, como os

artigos publicados nos Cadernos Proal. Tais trabalhos, no entanto, não

seguiam as diretrizes acadêmicas.

Em entrevista para esta pesquisa, o jornalista destacou que seu

doutorado teve como pré-requisito um trabalho em nível dissertativo sobre

jornalismo empresarial. O autor produziu uma primeira classificação dividindo

os veículos (boletim, jornal e revista) de acordo com suas características. Na

tese é possível encontrar a citação a um levantamento no qual foram utilizadas

24 publicações empresariais20 da época – provavelmente obtido dessa

20 As publicações utilizadas na tese de Gaudêncio Torquato estão identificadas no item 3.3 deste capítulo.

70

pesquisa anterior. Terminado, o trabalho foi apresentado à ECA e aprovado, o

que lhe permitiu iniciar o doutoramento.

O orientador da tese foi Rolando Morel Pinto, professor da Faculdade de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, cuja ligação com Gaudêncio

Torquato foi mediada pelo professor José Marques de Melo.

Era um professor ligado às Letras e, portanto, os primeiros

contatos com ele foram por intermédio de Zé Marques. Veio

dele a indicação e passamos a trabalhar juntos. Ele passou a

me dar uma orientação quanto à estrutura da tese, porque ele

não era um especialista nessa matéria, nem era do campo do

jornalismo, mas, experiente professor que era na Universidade

de São Paulo, titular e com forte ligação com a ECA. Ensinava

na ECA também o professor Dino Pretti, que era uma espécie

de assistente dele e que fez parte da minha banca depois.

Então o Morel fez uma boa orientação no sentido da

organização da tese, mas deixando, evidentemente, que eu

tivesse toda a liberdade para definir o escopo conceitual. Eu

me lembro que discutimos muito sobre o objeto da tese, como

cercar esse objeto. Na verdade, eu tinha nas mãos um vasto

cenário conceitual e eu queria partir de toda uma visão da

teoria da comunicação até chegar ao jornalismo empresarial e

às vezes eu me perdia. O Morel dizia: precisa limitar mais esse

corpo, não fique querendo abarcar o mundo. Aliás, um

conselho que todos nós, doutores, passamos a dar a nossos

orientandos. Eu me lembro que a preocupação fundamental

dele na época era esta: que eu restringisse o objeto para não

me perder naquele emaranhado conceitual (TORQUATO,

2005d).

O interesse em levar para a academia as preocupações sobre as

fronteiras do campo do jornalismo empresarial foi insuflado pelo contexto

político vivenciado pelas escolas de comunicação. Havia, na época, uma

71

necessidade premente de formar massa crítica qualificada a prosseguir com os

cursos de pós-graduação.

O Zé Marques sempre pensava estrategicamente. Ele queria

formar o primeiro grupo de doutores em jornalismo para poder

formar uma base conceitual forte na ECA em jornalismo, que

não havia. (...) Havia de se formar uma massa crítica, um

conjunto de mestres e doutores, e a USP é que começou esse

processo no Brasil: os primeiros doutores em comunicação, os

primeiros doutores em jornalismo, enfim, nos campos

especializados da comunicação. E essa massa crítica passou

inclusive a amparar os cursos de pós-graduação a partir da

ECA. (...) Passamos depois a ser consultores da própria

CAPES, a CAPES pedindo para essa primeira massa crítica

correr o país para examinar as condições das escolas, dos

cursos, para efeito de avaliação das condições estruturais,

laboratoriais dos cursos de jornalismo para também habilitá-los

a uma pós-graduação. E começou realmente a se consolidar, a

se expandir a pós-graduação no Brasil em comunicação

(TORQUATO, op. cit.).

Gaudêncio Torquato transformou, então, sua preocupação em demarcar

os limites da atuação do jornalismo empresarial em pesquisa acadêmica. Foi a

primeira vez que, no país, o assunto tornou-se objeto de estudo em uma

universidade. O pioneirismo trouxe consigo dificuldades inerentes. Além da

ausência de referências nacionais sobre o tema, o jornalista teve de enfrentar a

resistência dos docentes da instituição e dos profissionais de relações públicas.

Sua hipótese de que o jornalismo empresarial integrava o grande campo do

jornalismo abriu uma disputa conceitual com a área de relações públicas,

“particularmente com seu formulador principal na época, o professor Cândido

Teobaldo de Souza Andrade21” (ibidem).

21 O professor Cândido Teobaldo é considerado o principal sistematizador da área de relações públicas no Brasil. Foi o primeiro a conquistar, na Universidade de São Paulo, o título de doutor em comunicação (relações públicas) com a defesa, em 1973, da tese Relações públicas e o interesse público.

72

Na obra Para entender relações públicas (ANDRADE, 1965), a

formatação de veículos de comunicação com o objetivo de estimular o

interesse público em relação à organização é indicada como uma das fases do

desenvolvimento do processo de relações públicas. “Chega-se aqui a uma

função específica de relações públicas, pois só elas são responsáveis pelas

comunicações que devem haver dentro de uma organização, muito embora, às

vezes, somente atuem como supervisores” (ANDRADE, op. cit.: 122).

Paralelamente à disputa entre jornalismo e relações públicas, a escolha

do objeto de estudo da tese também revelou outra polêmica: a vinculação do

jornalismo empresarial como uma atividade subserviente ao sistema de

economia de mercado, ou capitalismo. Para compreender as razões desse

entendimento é preciso fazer um recorte histórico. A década de 1970 foi

marcada por forte maniqueísmo ideológico, alimentado pelos regimes

ditatoriais da América Latina. No Brasil, em particular, as universidades

assumiram um papel de resistência política ao regime militar, num embate

representado por duas opções opostas, o sistema de economia de mercado e o

socialista. As empresas simbolizavam, nesse contexto, a vinculação ao

primeiro. A ausência de pesquisas sobre comunicação organizacional é

explicada em grande parte por esse cenário. “Tocar nesse assunto significava,

nos meios acadêmicos, beneficiar o capitalismo empresarial. Por isso as

iniciativas foram pessoais e isoladas” (KUNSCH, 1998: 33).

Gaudêncio Torquato encontrou resistência de alunos e professores.

Para implantar a disciplina de jornalismo empresarial na ECA, precisou,

segundo suas palavras, lutar como um “kamikaze” (TORQUATO, 1995: 14). As

dificuldades encontradas pelo jornalista há mais de 30 anos refletem o abismo

que ainda hoje distancia cursos de comunicação do mercado de trabalho no

Brasil. Fora da universidade, o mercado da época registrava crescente

interesse pelas publicações empresariais, impulsionado pelo momento de

industrialização do país, o chamado milagre econômico. Dentro da academia,

entretanto, a realidade não encontrava eco. Essa disparidade era amparada

pela situação política de ditadura, que alimentava nas escolas de jornalismo

uma postura continuamente contrária ao mercado de trabalho, já que este era

associado ao sistema de economia capitalista, por sua vez, um dos pólos da

73

visão maniqueísta imperante. Tal dissenso foi se cristalizando também no nível

da pós-graduação. As tentativas de criação de mestrados profissionalizantes

encontram até hoje resistência nas universidades de vários países (MARQUES

DE MELO, 2003).

Na verdade, eu tive a coragem de trabalhar o conceito de

jornalismo empresarial quando as pessoas diziam: esse é o

jornalismo vendido ao capitalismo. Que idéia é essa? Como se

o jornalismo que se exercesse dentro do sistema capitalista

não fosse ele todo capitalista. Eu dizia na época aos alunos:

qual a diferença de trabalhar num jornal de empresa e num

grande jornal? Vocês vão pegar em armas num grande jornal?

O grande jornal é também um jornal que pertence a uma

empresa privada. Ele tem uma função de utilidade pública,

mas, na verdade, ele está servindo também ao grande sistema

econômico, político, está inserido nele. E foi assim que eu fui

quebrando as resistências, enfrentando grupos radicais

(TORQUATO, 2005d).

O contexto que Gaudêncio Torquato enfrentou sinaliza a importância de

seu pioneirismo. Na introdução da tese, está relatada a intenção do autor de

sistematizar conceitos sobre as publicações empresariais baseando-se na

teoria do jornalismo. Segundo ele, essas publicações não tinham a natureza

técnica consolidada. As teorias jornalística e da comunicação foram os

referenciais adotados para a sistematização pretendida.

Além da delimitação teórica da natureza das publicações empresariais, a

tese traz uma proposta adicional: gerar um modelo para ser utilizado na prática

pelas empresas. Gaudêncio Torquato fez um levantamento para identificar as

características das publicações empresariais brasileiras, o que lhe permitiu

apontar o grupo das publicações internas como o majoritário. A análise é

aprofundada para as publicações pertencentes a esse grupo. As questões

propostas pelo diagrama de Harold Lasswell (“quem diz o quê, em qual canal,

para quem, com que efeito”) serviram como diretrizes para o jornalista preparar

um diagnóstico dos fatores determinantes da qualidade e da eficácia das

publicações, que podem ser resumidos da seguinte forma:

• QUEM – Indica o controle da publicação (qual departamento

dentro da empresa é o responsável pelas publicações);

• O QUE – Diz respeito à análise de conteúdo;

• PARA QUEM – Relacionado ao grupo atingido pela

comunicação (público interno, externo ou misto);

• CANAL – Delimita a natureza da publicação (boletim, jornal ou

revista) e suas peculiaridades, como periodicidade e utilização

de gêneros jornalísticos;

• EFEITOS – Permite a aferição do impacto da publicação.

A análise dos itens acima possibilitou ao autor identificar as

características dos jornais e revistas empresariais da época, amparando a

construção do modelo para as publicações internas.

3.2 – A inovação terminológica

Antes de partir para a delimitação da natureza técnica do jornalismo

empresarial, o jornalista faz, na tese, uma breve explanação sobre o

posicionamento da comunicação dentro de uma estrutura organizacional.

Gaudêncio Torquato fundamenta-se em uma bibliografia quase exclusivamente

internacional para identificar o papel da comunicação em uma empresa:

proporcionar condições para que sejam atingidas as metas organizacionais.

Cabe à comunicação, segundo ele, reunir as diversas partes que integram uma

corporação – entendimento que expressa a adoção da visão sistêmica.

Uma organização dialoga com três sistemas (WEISS):

A) Sistema ambiental = onde estão inseridos os padrões sociais, culturais,

políticos e econômicos – ambiente de atuação

75

B) Sistema competitivo = que agrupa a estrutura industrial do ambiente, o

relacionamento e os tipos de relação entre a produção e o consumo –

ambiente de competição

C) Sistema organizacional = que se refere às suas próprias estruturas

internas, com objetivos, programas e políticas – ambiente interno de

organização (TORQUATO, 1973: 6).

A comunicação permite que uma empresa receba informações dos três

sistemas e, simultaneamente, as dissemine entre eles. Para ampliar a

compreensão dessa função, o jornalista detalha como as informações podem

ser transmitidas, explicando a diferença entre canais formais (instrumentos

oficiais) e informais (expressões livres dos trabalhadores); fluxos de informação

(vertical, horizontal e lateral); métodos (visuais, auditivos e visual/auditivo); e

seus respectivos veículos.

A segunda parte da tese é reservada para a contextualização do

jornalismo empresarial. É retomado o surgimento das publicações de empresas

valendo-se de bibliografia que inclui autores como Berlo, Canfield, Weiss,

Chaumely, Cutlip e Center. Passados trinta anos, o jornalista avalia a seleção

bibliográfica como “muito genérica”, calcada em cinco grandes troncos:

relações públicas, jornalismo, administração, linguagem e sociologia industrial.

Apenas sete autores nacionais, entre os doze que aparecem nas referências

bibliográficas, têm papel de destaque como fonte: Whitaker Penteado, Cândido

Teobaldo, Martha Alves D´Azevedo, Roberto Paula Leite, Luiz Beltrão, Juarez

Bahia e Marques de Melo – expressão de mais uma limitação imposta pelo

pioneirismo da tese. Um entendimento recorrente entre os autores é a

vinculação das publicações de empresas – especialmente as externas – como

veículos de relações públicas (TORQUATO, op. cit.: 36).

A área de relações públicas era entendida como a responsável pelas

publicações empresariais voltadas ao público externo. Já as revistas e os

jornais de empresa dirigidos ao público interno eram disputados pelos

departamentos de relações industriais, de pessoal e de vendas. Gaudêncio

Torquato identifica que a divisão de responsabilidades e a multiplicação de

públicos alimentaram a imprecisão terminológica, permitindo a disseminação

76

de termos como “imprensa de empresa”, “imprensa industrial” e “periodismo

industrial”. Outra expressão muito em voga na época era house-organ –

herança dos primeiros anos das publicações de empresa dos Estados Unidos e

criado inicialmente para designar publicações externas, ao contrário do que a

tradução literal e o uso consagrado poderiam indicar.

Para desvincular as publicações empresariais do campo até então

dominante – as relações públicas –, o jornalista estrutura a ligação com o

jornalismo:

No entanto, é preciso que as relações públicas considerem que

o processo de produção das publicações empresariais,

partindo dos seus objetivos, passando pela análise de

características técnicas e chegando até a etapa final da

distribuição e os conseqüentes efeitos que elas provocam,

comprova sua natureza jornalística. Estudadas sob o prisma do

jornalismo, também uma atividade de comunicação, as

publicações empresariais encontram sua definitiva

sistematização (ibidem: 72).

Na defesa de que as publicações empresariais são de natureza

jornalística são aplicados os seguintes argumentos:

- O jornalismo é uma atividade de comunicação de massa por se

dirigir a uma audiência ampla, anônima e heterogênea e ser

pública, rápida e efêmera. As publicações de empresa se

enquadram nesses parâmetros por possuir audiência

heterogênea (seus públicos apresentam variações em relação

ao nível cultural, de instrução e idade) e anônima em relação ao

comunicador.

- As matérias jornalísticas se enquadram em quatro grandes

gêneros jornalísticos: interpretativo, opinativo, informativo e de

entretenimento. Esses mesmos gêneros estão presentes nas

publicações empresariais.

77

- O jornalismo é definido por quatro características: periodicidade,

atualidade, difusão e universalidade (GROTH). Essas mesmas

características podem ser encontradas nas publicações de

empresa, que seguem uma periodicidade determinada,

apresentam assuntos da atualidade da empresa, escolhidos

para ser difundidos pela amplitude de interesses que despertam.

Ao identificar a paridade das características do jornalismo com as

encontradas em revistas e jornais de empresas, Gaudêncio Torquato destaca

que cada um dos itens (universalidade, periodicidade, atualidade e difusão)

assume, no jornalismo empresarial, significado específico. A periodicidade, por

exemplo, pode abarcar intervalos mais espaçados que os tradicionalmente

adotados no jornalismo, e a universalidade abrange os assuntos relevantes sob

o ponto de vista da empresa, excluindo os que não lhe são interessantes,

mesmo que importantes para o público-leitor (ibidem: 85). Toda essa

similaridade sustenta a terminologia defendida na tese para identificar o que se

pratica nos jornais e revistas empresariais: jornalismo empresarial.

3.3 – Cenário da comunicação empresarial dos anos 1970

O modelo para publicações internas, proposto por Gaudêncio Torquato

na última parte da tese, fundamentou-se na pesquisa preparada pelo jornalista

envolvendo 24 publicações empresariais. Os boletins, jornais e revistas

selecionados22 foram por ele analisados quanto ao formato, tamanho, relação

22 Foram pesquisados os jornais Monograma (General Electric do Brasil, agosto/setembro de 1972), Pãozinho (Supermercado Pão de Açúcar, setembro de 1972), Ligação (Superintendência de Água e Esgotos da Capital, setembro de 1972), O Registro (Duratex/Deca, setembro de 1972), Ondas e Estrelas (Organização Philips Brasileira, setembro de 1972), Sade-Sulando (Sade Sul Americana de Engenharia, setembro de 1972), Fibras Unidas (Grupo Suzano Feiffer, setembro de 1972), Sanbrino (Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro, setembro de 1972), Vig Jornal (Sonnervig, outubro de 1972), Panorama (General Motors do Brasil, setembro de 1972), Informativo Souza Cruz (Companhia de Cigarros Souza Cruz, setembro de 1972) e O Chapa (Companhia Siderúrgica Paulista, setembro de 1972); as revistas Foto Notícias (Kodak Brasileira, setembro/outubro de 1972), O Telhadinho (Eternit do Brasil, setembro/outubro de 1972), Notícias Pirelli (Pirelli S/A, setembro/outubro de 1972), NA-Novidades Abril (Abril S/A Industrial e Cultural, agosto de 1972), Revista Nacional (Grupo Nacional, outubro de 1972), Encontro (Companhias Gessy Lever e Mavibel, setembro de 1972), Alavanca (Secretariado Nacional dos Cursinhos de Cristandade, setembro de 1972) e GLP-Revista do Gás (Associação Brasileira dos Distribuidores de Gás, julho de 1972); e os boletins Sudameris em Revista (Grupo Sudameris, outubro de 1972), Informativo Aberje (Aberje, setembro/outubro de 1972),

78

entre texto e ilustração e freqüência de gêneros jornalísticos. Para a medição

do espaço físico utilizou-se a unidade cm/coluna, posteriormente transformada

em porcentagem. Os resultados (TABELA 7), revisitados hoje, dão idéia

bastante completa da situação da comunicação empresarial dos anos 1970.

Entre os três canais, os boletins apresentam,

proporcionalmente, mais texto e o seu conteúdo é

essencialmente informativo. As revistas dedicam mais espaço

às ilustrações e exercem com maior freqüência o jornalismo

interpretativo. Os jornais aparecem em segundo lugar no uso

da interpretação. As matérias de entretenimento (variedades,

horóscopos, palavras-cruzadas, quadrinhos) recebem um

tratamento proporcionalmente igual tanto em jornais quanto em

revistas, mas não aparecem nos boletins (ibidem: 92).

Dessas diferenças foram extraídas as principais características de cada

um dos veículos:

BOLETIM

Periodicidade – Intervalos menos espaçados entre as edições,

já que o seu produto básico é a notícia.

Atualidade – Mais apropriado para as informações imediatas

que precisam chegar com urgência junto ao público.

Universalidade – Por seu reduzido número de páginas, o

boletim é o canal que apresenta menor variedade temática.

Difusão – Exige o mais rápido sistema de difusão.

JORNAL

Governadoria (Lions, julho de 1972) e Boletim Informativo do FESB (Fomento Estadual de Saneamento Básico, setembro de 1972).

79

Periodicidade – A periodicidade do jornal de empresa deve

estar situada entre a periodicidade do boletim e a da revista.

Periodicidade média.

Atualidade – A atualidade do seu conteúdo deve ser mantida

pela periodicidade. Os fatos devem ser tratados de forma a não

perder a atualidade durante o intervalo entre as edições.

Presta-se também ao jornalismo de interpretação, de opinião e

de entretenimento, gêneros que dão às matérias um caráter

atemporal.

Difusão – O seu esquema de difusão deve completar-se entre a

etapa final de produção de uma edição e o início da

programação de outra edição.

REVISTA

Periodicidade – Por seu conteúdo essencialmente interpretativo

e por seu grande número de páginas, apresenta intervalos

mais espaçados entre as edições.

Atualidade – Evita na medida do possível informações

urgentes, imediatas e apresenta sobretudo um conteúdo de

interesse permanente.

Universalidade – O número de páginas amplia o universo de

conteúdo, sendo o veículo que oferece maior volume temático.

Difusão – Por sua natureza técnica e por seu conteúdo

interpretativo, permite um esquema de difusão mais demorado.

(ibidem: 94)

TABELA 7

JORNAIS REVISTAS BOLETINS

1 – Formatos mais freqüentes

A. 37cm x 27 cm B. 32cm x 21 cm C. 36cm x 26 cm

A. 28cm x 21 cm B. 27,5 cm x 20,5 cm

A. 37cm x 27 cm B. 37cm x 27 cm C. 37cm x 27 cm

80

C. 29cm x 21,5 cm

2 – Tamanhos mais freqüentes

A. 8 páginas B. 12 páginas C. 16 páginas

A. 20 páginas B. 32 páginas C. 40 páginas

A. 4 páginas B. 8 páginas C. -------------

3 – Proporções entre textos/ilustração mais freqüentes

A. 60% texto 40% ilustração B. 70% texto 30% ilustração C. 65% texto 35% ilustração

A. 50% texto 50% ilustração B. 55% texto 45% ilustração C. 45% texto 55% ilustração

A. 70% texto 30% ilustração B. 65% texto 35% ilustração C. 80% texto 20% ilustração

4 – Gêneros jornalísticos

1. J. Inform. 40% 2. J. Interpr. 30% 3. J. Opin. 20% 4. Entret. 10%

1. J. Inform. 25% 2. J. Interpr. 45% 3. J. Opin. 20% 4. Entret. 10%

1. J. Inform. 70% 2. J. Interpr. 10% 3. J. Opin. 20% 4. Entret. 0%

(ibidem: 91)

3.4 – De volta ao mercado: a construção de um modelo para publicações internas

Amparado pela definição da natureza jornalística das publicações

empresariais e pela pesquisa que indicou as características do jornalismo

empresarial da época, Gaudêncio Torquato dedicou o quinto capítulo da tese à

construção do modelo para publicações internas.

Dentro do sistema organizacional, a publicação interna assume

feições de um programa com poderosas repercussões junto ao

trinômio organização – decisão – comportamento. Permite um

fluxo de comunicações nos dois sentidos (vertical e horizontal),

retratando o sistema integral da empresa e ajudando a

organização interna; permite que a cúpula empresarial avalie

as capacidades e atitudes da comunidade, criando as

81

condições para que a direção tome decisões seguras em

relação a ela e ao próprio sistema; reflete os comportamentos

recíprocos assumidos pela empresa e pelos empregados

(ibidem: 234).

Resumidamente, o modelo proposto trata dos seguintes tópicos:

• Porte da empresa – uma comunidade entre 2.500 a 3.000 pessoas já

justifica o investimento para a produção de uma publicação interna. O

jornalista ressalva, porém, que, mesmo em empresas cuja população

esteja entre mil e dois mil funcionários, veículos internos trazem efeitos

positivos.

• Responsabilidade pela publicação – o responsável pela publicação deve

ser um jornalista profissional, que idealmente seria subordinado à

presidência da empresa.

• Natureza do canal – o jornal interno é apontado como o canal mais

adequado por ser um veículo típico do gênero informativo e de

periodicidade média. O jornalista chega, inclusive, a estabelecer o

formato mais indicado: o tablóide (27 x 37 cm), justificado por sua

facilidade de manuseio e leitura.

• Conteúdo – as informações estão, no modelo, divididas em duas

categorias: sobre a empresa e sobre os empregados. O índice indicado

é de 30 a 40% de matérias institucionais e de 60 a 70% de matérias de

interesse da comunidade.

• Escolha dos assuntos – o jornalista sugere a realização de uma

pesquisa para conhecer as características do público-leitor: quantidade,

estado civil, sexo, formação escolar, entre outros pontos. Paralelamente

à pesquisa, o editor deve percorrer todas as áreas da empresa para

conhecer de perto o grupo. “Esse segundo tipo de pesquisa permite a

aferição direta do comportamento da comunidade” (ibidem: 249).

• Gêneros jornalísticos – Gaudêncio Torquato indica a porcentagem mais

adequada de cada gênero jornalístico: 40% de matérias interpretativas,

82

30% do gênero opinativo, 20% do gênero informativo e 10% de matérias

de entretenimento. A predominância do gênero interpretativo é

justificada pela necessidade da “interpretação dos acontecimentos para

a comunidade. (...) A simples constatação de fatos (gênero informativo)

pode gerar o desinteresse” (ibidem: 255).

• Captação de informações – no modelo proposto, os empregados devem

participar do planejamento da publicação. Alguns representantes do

corpo da empresa têm o papel de correspondentes, responsáveis por

levar informações ao editor. “O fluxo de comunicação assume, portanto,

características integradoras” (ibidem: 258).

• Estrutura editorial – a proporção indicada é de 60 a 70% de texto e 30 a

40% de ilustrações e espaço branco.

• O modelo sistematizado por Gaudêncio Torquato inclui ainda muitos

outros detalhes, como cronograma de produção, linguagem a ser

adotada e forma de distribuição.

Durante as entrevistas realizadas para esta dissertação, o jornalista não

conseguiu indicar com precisão o tempo de desenvolvimento da tese.

Ribeiro, na Bela Vista, num apartamento, 10º andar, tinha lá

uma escritoriozinho. Era das 6 da manhã até as 24 horas. Eu

trabalhei diretamente 18 horas por dia. Eu me lembro que

passava um mês e meio mais ou menos escrevendo 18 horas a

ponto de um dia eu estar com uma dor terrível, foi preciso um

médico me socorrer. (...) Eu tive de passar uns dois dias

acamado até voltar. Atingiu todo o nervo ciático. Eu também

disse: só vou fazer essa tese se for de cabo a rabo. Aliás, é um

conselho que eu sempre dou: querem fazer uma tese? Se

afastem do dia-a-dia, se escondam no escritório, se não, não

anda (TORQUATO, 2005d).

A defesa foi realizada em 6 de julho de 1973 com banca formada pelos

professores Dino Pretti, José Marques de Melo e Cândido Teobaldo. Quase

dez anos depois, em 1984, a tese foi transformada em livro e publicada pela

Summus Editorial com o título Jornalismo empresarial: teoria e prática – obra

que se tornou referência dentro das escolas de jornalismo do país.

O resumo supracitado da fase de doutoramento de Gaudêncio Torquato

objetivou extrair as contribuições genuínas de sua pioneira pesquisa

acadêmica sobre jornalismo empresarial – o que possibilitou, adicionalmente,

vislumbrar parte do desenvolvimento da comunicação empresarial no Brasil.

Não foi pretendida uma exegese completa do texto, trabalho que fugiria da

proposta desta dissertação de dar uma visão panorâmica da trajetória

intelectual do jornalista.

3. 5 – O modelo sistêmico proposto na tese de livre-docência

Uma década após a conclusão de sua tese, Gaudêncio Torquato

transformou novamente uma questão apreendida por sua prática profissional

em objeto de estudo acadêmico. Àquela altura, ele já somava dez anos de

experiência em comunicação empresarial e seu nome estava consolidado

como uma referência em jornalismo empresarial no país. Em função de sua

84

notoriedade, o Grupo Bonfiglioli23, que concentrava 42 empresas nos setores

primário, secundário e terciário da economia, o convidou, no ano de 1980, a

assumir a gerência de comunicação e, posteriormente, a diretoria da área.

Essa nova experiência despertou a atenção para uma questão que só a

vivência interna em uma grande organização poderia revelar: a necessidade de

otimizar a comunicação fragmentada em modalidades (jornalismo, relações

públicas, publicidade, editoração, identidade visual e assessoria de imprensa)

introduzindo, em seu lugar, uma estrutura sistêmica. O modelo integrado de

comunicação organizacional, criado para o Grupo Bonfiglioli, norteou a tese de

livre-docência defendida na ECA-USP em 1983 e que levou, segundo

Gaudêncio Torquato, cerca de dois anos de desenvolvimento.

(...) já dentro do Grupo Bonfiglioli, eu fiz a experimentação na

área de modelo sistêmico de comunicação onde eu realmente

vi como funciona uma grande organização complexa por

dentro, senti necessidades, aprendi e apreendi questões

relacionadas à gestão organizacional, estudei muito gestão

organizacional. (...) O grupo tinha mais de 30 empresas

diferentes. (...) Tive condições de reformular e implantar o

modelo sistêmico de comunicação empresarial. (...) Fui

também o primeiro a falar em comunicação empresarial,

comunicação sistêmica e aí, nesse caso, passei a trabalhar

com as formas da comunicação nas organizações e pela

primeira vez falei em comunicação cultural, comunicação

gerencial e social. Fiz esta divisão. Engraçado, até hoje o

mercado confunde (...) (TORQUATO, op. cit.).

A intenção do jornalista, expressa na introdução da tese, foi realizar um

estudo que contribuísse para a formatação de um modelo de comunicação

sistêmico para organizações complexas utilitárias. O autor indica já no título da

23 O Grupo Bonfiglioli era uma organização privada nacional que reunia empresas nos segmentos bancário, alimentício, de construção imobiliária, turístico, de comércio exterior e de serviços. De 1980 a 1984, o jornalista desenvolveu um modelo de comunicação que reunia as áreas de jornalismo, relações públicas empresariais e governamentais, publicidade mercadológica e institucional, marketing cultural, editoração, identidade visual e um sistema de informações qualitativas (TORQUATO, 1987: 94).

85

obra – Comunicação e organização: o uso de comunicação sinérgica para

obtenção de eficácia em organizações utilitárias (TORQUATO, 1983) – alguns

elementos que embasaram o trabalho. O primeiro deles é a utilização de

teorias da administração que tratam da questão do poder e do consentimento.

Tal escolha se justifica porque Gaudêncio Torquato parte da hipótese de que “o

uso sinérgico da comunicação amplia as bases do consentimento, legitimando,

na frente interna, o suporte de autoridade e, na frente externa, reforçando e

ampliando a margem de favorabilidade em torno do sistema organizacional” (TORQUATO, op. cit.: 15).

São citados autores como Weber, e sua divisão clássica de tipos de

autoridade (legal, tradicional e carismática), e os da Escola de Relações

Humanas (Mayo), que conferiram aos padrões informais de relacionamento

dentro de uma organização a mesma importância dos formais. Os elementos

básicos utilizados na livre-docência são extraídos da teoria de Amitai Etzioni. É

dele a classificação de três tipos de poder dos quais valem-se as organizações

para fazer com que seus participantes concordem com os objetivos

organizacionais:

- Poder coercitivo: amparado na utilização de sanções físicas;

- Poder remunerativo: baseado em recompensas financeiras;

- Poder normativo: norteado por recompensas simbólicas.

A predominância de um dos tipos de poder mencionados acima

determina a classificação de Etzioni para as organizações.

- Organizações coercivas: a coerção é o principal instrumento

utilizado para obtenção do consentimento entre seus integrantes

(exemplo: prisões e hospitais de doenças mentais);

- Organizações normativas: o poder normativo se sobrepõe aos

outros como forma de controle (exemplo: instituições de ensino e

religiosas);

- Organizações utilitárias: a recompensa financeira é o meio de

controle prioritário (exemplo: indústrias e grandes grupos

econômicos).

86

Gaudêncio Torquato delimita seu campo a partir dessa classificação:

É neste cenário, da organização utilitária, que procuraremos

desenvolver o nosso modelo sinérgico de comunicação. Para

completar o mapa, apenas o acréscimo do termo “complexa”,

que identifica uma grande unidade, como o órgão

governamental e a indústria, entidades que apresentam um

conjunto de papéis, constituindo uma estrutura’. (...) Dentro da

organização utilitária complexa, escolhemos o grupo orientado

para a produção econômica, a unidade comercial-industrial

(ibidem: 50).

Demarcado o cenário, o autor parte para estudar o papel da

comunicação em uma organização com as características delimitadas por

Etzioni, proposta que é amparada por uma bibliografia na qual são incluídos

autores como Thayer, Lazarsfeld e Merton. Em resumo, seu entendimento da

comunicação em uma organização aponta para a seguinte tese: “Gerar

consentimento, eis aqui a meta finalista da comunicação organizacional”

(ibidem: 72). A esse papel, Gaudêncio Torquato dá o nome de “poder

expressivo”.

É em cima desta visão que projetamos o nosso quadro

reflexivo, considerando que a autoridade na organização se

legitima, freqüentemente, pela possibilidade técnica do uso

adequado e oportuno da linguagem. Identificamos, assim, um

conjunto de situações que convergem necessariamente para

os valores comportamentais e que vêm à tona em termos do

que poderíamos chamar de um “poder expressivo” (ibidem: 24).

3.6 – Os conceitos de sinergia e da Teoria Geral dos Sistemas

87

No modelo de Gaudêncio Torquato, o uso sinérgico das diversas

modalidades de comunicação é responsável por potencializar o poder

expressivo. O jornalista utiliza o conceito de Igor Ansoff, que explica o termo

sinergia como o desempenho combinado entre diferentes elementos superior à

simples soma desses elementos. Esse mesmo conceito gerou reflexões sobre

como o uso sinérgico da comunicação poderia ser vantajoso. A inferência mais

mensurável diz respeito à redução de custos obtida com a negociação conjunta

para a produção das diferentes modalidades da comunicação. “O efeito

sinérgico do uso dos meios de comunicação numa organização utilitária pode

ser, assim, dimensionado em termos de considerável redução de custos em

razão de planejamento e execução e tarefas conjuntas” (ibidem: 106). A

integração das modalidades da comunicação traz ainda outra diferença

igualmente vantajosa, ainda que menos facilmente mensurável: a convergência

das mensagens adotadas pela publicidade, relações públicas, jornalismo etc.

(...) a organização procura utilizar-se de seu poder expressivo

para, internamente, administrar a tensão e o comportamento

social da comunidade, ajustando-o aos objetivos da

administração, atenuando a controvérsia, e, externamente,

aumentar sua influência e seu trânsito junto aos poderes e aos

meios de comunicação, criando credibilidade e respeitabilidade

para expandir suas bases de consentimento (ibidem: 222).

Toda a construção da tese de livre-docência amparou-se na Teoria

Geral dos Sistemas. A adoção desse referencial teórico, como lembra Lima, já

havia sido experimentada no doutoramento do jornalista. “O professor doutor

Francisco Gaudêncio Torquato do Rego, especialista em comunicação

empresarial e partidário da utilização da abordagem sistêmica na análise do

jornalismo, dá provas desta sua preferência na sua tese de doutoramento,

defendida” (LIMA, 1981: 17). Para Lima, o enfoque sistêmico é um instrumento

que permite a um pesquisador fazer a análise de seu objeto de estudo com

uma “perspectiva contextual” (LIMA, op. cit.: 18).

88

A Teoria Geral dos Sistemas surgiu dos estudos do biólogo austríaco

Ludwig von Bertallanfy que, a partir dos anos 1950, publicou os primeiros

artigos com a base desse arcabouço conceitual. Em resumo, “trata-se de uma

proposição que concebe a realidade constituída por diferentes entidades

organizadas, numa superposição de muitos níveis” (LIMA, 2004: 9). A idéia de

sistemas implica a adoção de duas possibilidades: a dos sistemas fechados

(que não aceitam trocas entre as diferentes entidades ao redor) e a dos abertos

(que, ao contrário, permitem a troca). Nesse sentido, a organização é colocada

por Gaudêncio Torquato como um sistema aberto, composto por partes que se

inter-relacionam. O jornalista faz uma analogia com os organismos biológicos,

comparando que um e outro recebem matéria-prima de seu exterior e a

processam. Em uma organização, a matéria-prima é a informação, processada

em forma de produtos ou serviços.

Em entrevista para esta dissertação, Gaudêncio Torquato enfaticamente

registrou sua admiração por esse referencial teórico:

Eu sou uma pessoa simplesmente fascinada pela Teoria Geral

dos Sistemas desde quando eu descobri que eu poderia

explicar muita coisa que acontece comigo pela Teoria dos

Sistemas, quando eu descobri o que é um sistema fechado e

um sistema aberto, quando eu descobri que, a cada dia, eu,

como uma planta, tenho que receber os raios solares, me

alimentar para crescer. E pela Teoria dos Sistemas eu consigo

me obrigar todo dia a caminhar um pouquinho adiante, a não

ficar conformado, a não me fechar em torno de mim mesmo, a

não ser um sistema fechado automático. (...) Se os sistemas

abertos têm essa capacidade de evolução, por que eu vou me

fechar? (...) Eu vi que os sistemas abertos são tão fortes que

começam a influenciar na área política os sistemas fechados.

(...) Então eu falei: puxa vida, eu vou usar a Teoria dos

Sistemas para a área de comunicação para poder mostrar que

se há esse respiro constante entre organização e comunicação

é porque a comunicação é um sistema aberto. Eu passei a

mostrar que, quando você cria uma empresa, na verdade, está

89

criando as relações de comunicação entre as partes dessa

empresa. (...) Percebi que mexendo no sistema da

comunicação você mexe no sistema organizacional para que o

sistema se amplie, se modifique, está interligado (TORQUATO,

2005d).

3.7 – A comunicação no campo político

A tese de livre-docência de Gaudêncio Torquato traz, em seu quarto

capítulo, uma análise do cenário brasileiro no qual as organizações utilitárias

estavam imersas. Um dos itens analisados é a “comunicação na esfera política”

(TORQUATO, 1983: 186), que pode ser considerado uma apreciação

embrionária sobre a comunicação governamental. O jornalista remonta ao

modelo criado na década de 1970 pela Assessoria Especial de Relações

Públicas da Presidência da República, fortemente ancorado em campanhas de

tom nacionalista.

O sistema de comunicação governamental, assumindo

objetivos congêneres ao sistema de comunicação

organizacional utilitário, procura respaldar-se na necessidade

do Governo em manter linhas e formas de comunicação para

com a sociedade, projetando sua imagem perante ela, ao

mesmo tempo em que procura auscultar anseios,

preocupações e direcionamento. (...) Criando fluxos de

comunicação do Governo para a sociedade e desta para o

Governo, como, aliás, já previa o Presidente Thomas Jefferson

há 180 anos, estabelece-se o equilíbrio sistêmico

(TORQUATO, op. cit.: 188).

Nos anos 1980, segundo análise do jornalista, o modelo de comunicação

governamental passou a incluir o conceito de marketing social, com

campanhas sobre poliomielite, economia de combustíveis e higiene doméstica

(ibidem: 189). A questão da comunicação na esfera política é tratada, na tese

90

de livre-docência, em seis páginas, e, apesar da forma enxuta como foi

abordada, já sinalizava a migração de Gaudêncio Torquato para o que viria a

ser seu próximo papel: o de analista político, antecedido pela experiência como

consultor de marketing político – assunto do próximo capítulo desta

dissertação.

Estiveram presentes à banca de defesa da livre-docência, realizada em

1° de dezembro de 1983, os profs. drs. Diva Benevides Pinho, Antonio de

Lorenzo Neto, Wladimir Pereira, Modesto Farina e Cândido Teobaldo de Souza

Andrade. Três anos depois, a tese foi publicada em livro pela Summus Editorial

com o título Comunicação empresarial, comunicação institucional: conceitos,

estratégias, sistemas, estrutura, planejamento e técnicas (TORQUATO, 1986).

3.8 – A repercussão do pesquisador Gaudêncio Torquato na academia

Um indicador para se aferir a importância de Gaudêncio Torquato na

pesquisa comunicacional brasileira é sua repercussão dentro da própria

academia. Ainda que a proposta de investigar como os pesquisadores de

comunicação utilizam os conceitos formulados pelo autor fosse por demais

ampla e, portanto, fugisse das possibilidades desta dissertação, entendi que o

assunto não deveria ser descartado. Optei então por centrar a questão nas

dissertações e teses defendidas sobre jornalismo empresarial ou comunicação

organizacional e produzidas apenas na Escola de Comunicações e Artes da

Universidade de São Paulo. Para realizar esse levantamento, utilizei a base de

dados eletrônica da biblioteca da ECA, usando como filtro de pesquisa as

expressões “jornalismo empresarial”, “comunicação empresarial” e

“comunicação organizacional”. Foram indicados, no total, 56 títulos, entre

pesquisas de mestrado e doutoramento. Como amostragem, fiz a consulta

aleatória a 20 desses títulos, procurando indicações se o pesquisador

Gaudêncio Torquato foi utilizado ou não como fonte bibliográfica. Foram

pesquisados os seguintes trabalhos:

91

MESTRADO

- ALMEIDA, Eliasar. A comunicação organizacional do exército

brasileiro: um estudo da eficácia da comunicação interna na

guarnição militar de Campinas. Orientador: Waldir Ferreira

(2000).

- BAR, Fernando Luis. Informação e comunicação organizacional

numa empresa de energia elétrica. Orientador: Fredric Litto

(1995).

- FRANÇA, Fábio. Comunicação institucional na era da qualidade

total. Orientadora: Sidinéia Gomes Freitas (1997).

- LAFRATTA, Sueli Regina. O jornalismo empresarial como

ferramenta da comunicação mercadológica

- OLIVEIRA, Eliane Freire de. Discurso autoritário e reprodução

do cotidiano no jornalismo empresarial: o caso C. T. I. Jornal.

Orientadora: Alice Mitika Koshiyama (2003).

- PEREIRA, Maria do Perpétuo. Comunicação universitária:

padrões de comunicação entre alunos, professores e

funcionários na Universidade do Amazonas. Orientador: Fredric

Litto (1989).

- PIMENTEL, Regina de Abreu. Conceitos para a excelência de

periódicos empresariais. Orientador: Kardec Vallada (2003).

- PONTIN, José Afonso. Vídeo empresarial: uma mídia

institucional. Orientadora: Anna Balogh (1989).

- REIS, Devani de Moura. A questão da saúde pública: um

enfoque comunicacional. Orientadora: Heloiza Helena Gomes de

Matos (1999).

- SOBRINHO, Joaquim Ferreira. Jornalismo corporativo: uma

grande imprensa – abordagem sob a ótica da gestão da

comunicação em uma entidade de classe. Orientadora: Cristina

Costa (2003).

- TAVARES, Maria Lucinete. Jornalismo empresarial: estratégia

de marketing e de interação social. Orientador: Dirceu

Fernandes Lopes (1993).

DOUTORADO

- CARVALHO, Ary Ribeiro de. Comunicação e relacionamento no

processo de avaliação da capacidade gerencial. Orientador:

Modesto Farina (1985).

- CESCA, Cleusa Gimenes. Relações públicas e a comunicação

dirigida escrita na empresa. Orientador: Cândido Teobaldo de

Souza Andrade (1994).

93

- KRUEL, Inês Rosito. Comunicação institucional em saúde

pública: uma pesquisa conscientizadora. Orientador: Francisco

Assis Fernandes (1995).

- OLIVEIRA, Ione de. Mensuração de programas e projetos,

relações públicas e comunicação empresarial. Orientadora:

Sidinéia Gomes Freitas (1993).

Mesmo realizada de forma incipiente, a leitura dessas dissertações e

teses permitiu a aferição de algumas constatações interessantes. Três

trabalhos não incluem o nome de Gaudêncio Torquato entre as referências

bibliográficas: Informação e comunicação organizacional numa empresa de

energia elétrica, Comunicação e relacionamento no processo de avaliação da

capacidade gerencial e Comunicação institucional em saúde pública: uma

pesquisa conscientizadora. Todos os outros utilizam obras do autor.

A tese de doutoramento é fonte de cinco pesquisas (Lopes, Tavares,

Sobrinho, Mizuno e Pereira) e a de livre-docência é citada em duas delas

(Mizuno e Pereira). O livro Jornalismo empresarial: teoria e prática

(TORQUATO, 1984), versão de seu doutoramento, é utilizado por sete

pesquisadores (França, Tavares, Lafratta, Sobrinho, Pimentel, Cesca e Lima).

Já a obra Comunicação empresarial, comunicação institucional: conceitos,

estratégias, sistemas, estrutura, planejamento e técnicas, fruto de sua livre-

docência, aparece entre as referências bibliográficas em 11 pesquisas (França,

Tavares, Lafratta, Luduvig, Cesca, Oliveira, Pontin, Lima, Marchiori, Almeida e

Reis).

O que ficou patente foi a importância que a sistematização sobre

jornalismo empresarial e comunicação organizacional teve em boa parte dos

trabalhos consultados. Mesmo os que utilizam apenas os livros do jornalista

indiretamente valeram-se das contribuições acadêmicas de Gaudêncio

Torquato, já que as duas obras resultaram da tese e da livre-docência do autor.

A categorização dos veículos empresariais (boletim, jornal e revista) e a divisão

de fluxos da comunicação (horizontal, vertical e lateral) são algumas das

94

contribuições recorrentes do jornalista encontradas nas dissertações e teses

supracitadas.

O aprofundamento dessa análise provavelmente traria revelações ricas,

mas, por exceder as possibilidades da presente pesquisa, não pôde ser

concretizado, ficando apenas como sugestão para futuros pesquisadores.

95

CAPÍTULO 4: O ANALISTA POLÍTICO

4.1 – A sistematização de conceitos no marketing político

A década de 1980 marca um momento de ruptura no Brasil. A

redemocratização, ensaiada com as campanhas populares de 1984, é

efetivada com a eleição, embora ainda indireta, da chapa dos civis Tancredo

Neves/José Sarney para a presidência da República em 1985 – sufrágio que

representou o fim de 21 anos de governos militares.

Esse contexto refletiu-se na fase profissional vivida por Gaudêncio

Torquato. O interesse pelo movimento político foi, a princípio, filtrado pelo olhar

do comunicador. Não à toa, a primeira obra do jornalista com foco na política é

realizada pelo prisma do marketing. O livro Marketing político e governamental:

um roteiro para campanhas políticas (TORQUATO, 1985) surgiu antes da

experiência profissional na área, ao contrário dos dois livros célebres do

jornalista: Jornalismo empresarial: teoria e prática e Comunicação empresarial,

comunicação institucional: conceitos, estratégias, sistemas, estrutura,

planejamento e técnicas. A proposta da obra, conforme destacado no prefácio,

era oferecer uma sistematização das técnicas de marketing para o campo da

política com foco nas cidades do interior, “onde as peculiaridades e a cultura

rústica local exigem adaptação de conceitos” (TORQUATO, op. cit.: 10).

Reflexo de um país em plena redemocratização, o jornalista defende “uma

estrutura e uma estratégia para a comunicação governamental mais abertas,

profissionais e condizentes com uma sociedade que quer se fazer mais

participante” (ibidem).

Na primeira parte do livro, o autor oferece um roteiro básico de trabalho

“como forma de ajudar as agências de publicidade, assessorias de imprensa,

de relações públicas, assessores parlamentares, estrategistas em geral e,

evidentemente, os candidatos” (ibidem: 15). Em 24 tópicos, Gaudêncio

Torquato apresenta as principais questões que devem ser consideradas na

estruturação de um plano de marketing político. Cada uma delas é esgotada

em poucas palavras, sinalizando o caráter seminal da obra. Os temas

96

abordados, enunciados abaixo, dão a dimensão da abrangência dessa primeira

parte:

- Escolher uma estratégia de marketing adequada;

- Definir os segmentos-alvo e periféricos de eleitores;

- Saber ler o meio ambiente e identificar riscos e oportunidades;

- Desenvolver um conceito e uma identidade;

- Evitar situações, atos e discursos inadequados;

- Testar o conceito e a identidade antes do lançamento;

- Analisar os concorrentes e seu perfil político;

- Ganhar projeção em entidades representativas;

- Ganhar confiança do partido;

- Definir a estratégia de comunicação;

- Preparar um bom plano e eficiente cronograma;

- Conseguir um sólido esquema de financiamento;

- Arregimentar grupos para trabalhos voluntários;

- Formar uma ampla base de alianças;

- Escolher equipes profissionais de assessores;

- Ter disposição e método de trabalho;

- Conhecer as pesquisas de opinião, mas não se impressionar;

- Realizar periódicas avaliações de desempenho;

- Ter flexibilidade e exibir jogo de cintura;

- Desenvolver boa presença em comícios;

- Preparar-se para debates na mídia;

- Alcançar pontos de equilíbrio em todos os programas;

- Convergir os enfoques, apelos e materiais para um mesmo

ponto;

97

- Fazer uma boa comemoração ou preparar-se para a próxima

campanha.

Alguns itens, especificamente, são adaptados de conceitos do

marketing. O terceiro tópico, por exemplo, faz uso da análise SWOT, utilizada

para o estudo da competitividade de uma empresa com base nas variáveis

forças, fraquezas, oportunidades e riscos. Já no penúltimo item é possível

identificar um conceito explorado pelo próprio autor em sua livre-docência: a

unidade do discurso por meio da integração das diversas modalidades da

comunicação.

Encerrada, ainda que de modo bastante sucinto, a abordagem das

principais questões relacionadas à elaboração de um plano de marketing

político, o autor passa a direcionar o discurso para as cidades do interior na

segunda parte do livro. O capítulo deixa transparecer, em muitos momentos, a

herança familiar da vivência política de Gaudêncio Torquato, tema trabalhado

no início desta dissertação. A forma explícita com que o assunto “política no

interior do país” é tratado expressa o estágio em que se encontrava o

marketing político à época. O trecho a seguir demonstra a maneira adotada,

que dispensou quaisquer eufemismos:

No interior, está consagrada a lei da troca, do “toma lá, dá cá”.

Os votos são oferecidos na expectativa de um favor a ser

alcançado, podendo este contrato ser rompido quando uma

das partes não atende ao que foi estabelecido e, muitas vezes,

intermediado pelo cabo eleitoral. O atendimento significa, num

primeiro momento, ações no sentido de implementar o pedido,

mesmo que este não seja imediatamente atendido. Mas o

cumprimento da palavra dada é muito importante,

principalmente se o favorecido é um “grande eleitor” (ibidem:

34).

Também na segunda parte do livro, o jornalista adota a estrutura de

tópicos, mantendo o tom didático do primeiro capítulo. São abordados os

seguintes itens:

98

- Comportar-se como um vencedor;

- Identificar a força econômica da região/município;

- Identificar os novos coronéis e seu tipo de mando;

- Identificar as zonas, culturas e riquezas da região;

- Quantificar os votos dos chefes locais;

- Elaborar o perfil dos eleitores;

- Selecionar os melhores cabos eleitorais;

- Ter postura de flexibilidade;

- Ouvir com atenção os pedidos;

- Procurar atender aos compromissos;

- Cultivar as amizades e os laços pessoais;

- Aparentar força e poder, mas não perder a modéstia;

- Tentar fazer conciliações a pactos;

- Captar o clima da estrutura socioeconômica do poder;

- Ganhar a confiança dos grupos de pressão;

- Usar intensamente o rádio;

- Usar uma bateria de meios informais de comunicação;

- Preparar um bom programa de identidade visual;

- Organizar encenações de alto impacto;

- Escolher uma palavra ou uma frase de comando;

- Planejar muito bem as despesas;

- Ter cuidado com sinais externos de riqueza ;

- Marcar presença constantemente;

- Começar a identificar-se com o futuro.

Muitas das questões acima têm ligação direta com o conceito de

coronelismo. Gaudêncio Torquato não se limita às referências do marketing e

incorpora os estudos dos sociólogos Victor Nunes Leal e Maria Isaura Pereira

99

de Queiroz sobre o tema coronelismo, atualizando-os para a realidade dos

anos 1980. Ele reforça que, àquela altura, um novo tipo de coronel já havia

surgido, com poder menor e mais pulverizado. “A segmentação das chefias

políticas locais é um fenômeno em pleno processamento e crescimento. Disso

resultam, naturalmente, novos tipos de mandos, dos tradicionais, à base de

prestação de favores e ‘votos de cabresto’, aos mais modernos” (ibidem: 32).

Essa mudança deve orientar a escolha, na visão do jornalista, do plano de

marketing político de um candidato no interior do país.

Além dos tópicos relativos ao desenvolvimento de campanhas políticas,

o livro traz um relacionado à comunicação governamental. É retomada a

análise que o jornalista já havia ensaiado na tese de livre-docência, defendida

dois anos antes da publicação do livro, a partir dos modelos de comunicação

governamental adotados no país desde a década de 1970. Outra referência

aos estudos anteriores do autor é o detalhamento da estrutura que sustenta as

atividades de comunicação, indicando a atuação articulada das áreas de

imprensa, publicidade e propaganda, relações públicas, publicações e infra-

estrutura técnica. “Cremos ser necessária uma política emanada de cima para

interligar as partes do todo e integrar os setores de comunicação, dando

unicidade aos programas e projetos” (ibidem: 57). A forma sugerida, a respeito

desse tópico, segue a mesma linha defendida na livre-docência: a ligação

direta do departamento de comunicação com a presidência da República

garantiria instruções únicas a todas as modalidades da comunicação, evitando

a fragmentação da imagem e do discurso do governo.

Endossando o caráter didático do livro, na quarta e última parte está

publicado um glossário com 153 expressões e termos ligados ao marketing

político, alguns bastante ortodoxos, outros, bem heterodoxos, como

exemplificado na pequena amostragem selecionada a seguir:

Atendimento – Parte da agência que cuida de atender ao

candidato, acompanhando-o em suas necessidades e

promovendo os contatos entre ele e a agência.

100

Bagre ensaboado – Sujeito escorregadio, que não diz o que

quer nem para o que veio. Infiltrado, às vezes, pela corrente

adversária.

Boi de piranha – Candidato indicado e escolhido para ser

queimado e derrotado.

Briefing – Conjunto de diretrizes, idéias, normas, princípios

contendo as características fundamentais, atributos e valores

que deverão ser desenvolvidos na campanha. Deverá ser

passado para a agência ou o estúdio de publicidade.

Composto de comunicação – Integração dos canais de

comunicação para sinergização e aumento da eficácia da

campanha.

Compra de voto – Processo ainda muito usado para atrair

eleitores. Compra em espécie ou com presentes. É muito

conhecido no folclore político o chamado “caminhão de botas”.

Antes da eleição, o eleitor recebe uma bota. Depois,

dependendo do resultado, a outra.

Imagem – Percepção do candidato pelo eleitor. Enquanto a

identidade refere-se ao plano real, a imagem conota uma

representação da identidade. A imagem é a figuração mental

do candidato. É preciso tomar cuidado para que a identidade e

a imagem não entrem em conflito.

Pau mandado – Pau para toda obra; eleitor certo; capanga,

cupincha.

Voto de cabresto – Não se trata de um voto por imposição do

coronel, como pode-se supor. Mas um voto que significa uma

troca, de maneira que redunde em benefícios para o eleitor. Só

em um ou outro caso, o voto de cabresto é dado por ameaça

ou por medo de vingança (ibidem).

4.2 – Migração planejada

O livro comentado no item 4.1 não foi fruto de um interesse sazonal, e

sim de uma continuidade racionalizada de Gaudêncio Torquato em relação à

sua própria trajetória. No Memorial escrito por ocasião do concurso público

101

para professor titular da ECA-USP, em 1987, está relatada a migração para o

marketing político e a comunicação governamental – experiência que veio

completar o ciclo de especializações da comunicação institucional que ele tinha

por pretensão abarcar como profissional, professor e pesquisador

(TORQUATO, 1987: 97). Esses novos campos despontavam como uma

possibilidade de expandir os conhecimentos mantendo como principal trilho a

comunicação institucional.

A experiência no campo do jornalismo empresarial e a natural

evolução para a comunicação empresarial pareciam

incompletas para o meu universo de interesses. Faltavam-me,

entre as especialidades de comunicação institucional,

experiências no campo político e governamental. E foi o que

procurei implementar, após minhas atividades na comunicação

empresarial e depois de ter realizado o concurso de professor-

adjunto (TORQUATO, op. cit.: 97).

Na quinta entrevista realizada para este trabalho, o jornalista reforçou

que a passagem para essa nova fase profissional foi decorrência do mesmo

encaminhamento que, na etapa anterior, havia lhe aberto as portas do

jornalismo empresarial e da comunicação institucional. No caso do marketing

político, o início, na prática, deu-se pela via da comunicação governamental.

Aqui é preciso fazer uma ligação entre a comunicação

governamental e a comunicação política. Eu sempre trabalhei

com a idéia de que comunicação organizacional, e você vai

perceber o fio condutor de tudo isso aí, que a comunicação

organizacional (...) é uma comunicação que extrapola a própria

área empresarial e sindical para entrar na área política na

medida em que os partidos políticos são organizações, na

medida em que as instituições políticas, todas elas estão

portanto dentro desse conceito da organização (TORQUATO,

2006a).

102

Potencializando o encaminhamento para a nova área de atuação estava

sua própria história de vida. A íntima convivência, nos anos da infância e

juventude, com a política, conforme exposto no primeiro capítulo desta

dissertação, permitiu que ele tomasse ciência concretamente das questões da

prática política. Portanto, quando os primeiros trabalhos com comunicação

governamental e marketing político foram iniciados, é possível dizer que o

jornalista já contava com uma experiência indireta na área, resultado de seu

convívio com campanhas de familiares.

O primeiro trabalho com comunicação governamental foi na gestão do

presidente José Sarney, em 1986, quando Gaudêncio Torquato identificou uma

lacuna na qual poderia atuar. Partiu dele a iniciativa de despertar a atenção

para a comunicação governamental que, segundo suas palavras, carecia de

uma linguagem homogênea, de um ajustamento de mensagem. O jornalista

contatou o assessor Fernando César Mesquita e lhe indicou o que identificava

como incorreto na comunicação do governo.

Eu mandei para ele um clipping dizendo: “olha, o governo

precisa ter um quadro homogêneo. Eu estou sentindo, como

observador externo, que está faltando um ajustamento de

linguagem”. (...) Ele me convidou para ser o secretário

executivo daquele grupo de comunicação do Sarney. E aí

criamos um grupo de comunicação que, na minha visão, foi

considerado um dos mais densos, mais, eu diria, fortes da

comunicação do Brasil na medida em que reunia nomes muito

famosos, nomes de grandes personalidades da comunicação,

como Mauro Salles, Antonio Brito, Roberto D´Avila. (...)

Chegamos a nos reunir uma vez por mês em Brasília para

definir as linhas, e eu estruturei todo esse grupo, defini as

linhas de comunicação do governo, enfim... (TORQUATO, op.

cit.).

A experiência, inovadora para Gaudêncio Torquato, acabou com um

desfecho precipitado. A despeito da competência técnica do grupo, faltava algo

103

essencial: “(...) tinha ali um corpo muito qualificado de pessoas dando idéias

muito boas, mas o governo não operava aquilo. Porque o governo precisava

governar. Comunicação é como. Faltava o que comunicar. Se o que é ruim, o

como não vai fazer milagres” (ibidem). O grupo se dissolveu depois de cerca de

cinco meses e, apesar do final frustrante, a experiência na gestão Sarney

desencadeou uma série de outros trabalhos em comunicação governamental,

sedimentando o início dessa outra etapa da trajetória do jornalista.

A ampliação de foco profissional foi proporcional às dimensões desse

novo campo. Para quem estava acostumado a articular a comunicação em

grandes organizações, a vivência na comunicação governamental trouxe

possibilidades ainda mais amplas. “O fenômeno da opinião pública aparece de

maneira muito mais, eu diria, mais forte. (... ) Porque na empresa você sabe

previamente quem são os públicos, são mais seletivos. Na opinião pública você

tem públicos variados, tem que mexer com os diversos tipos de público, com as

linguagens, os instrumentos” (ibidem).

A passagem para o marketing governamental atendeu ao anseio de

ocupar espaços diversificados dentro da comunicação institucional e

representou mais um degrau do planejado amadurecimento profissional do

jornalista.

Eu acho que era uma fatia muito pequena para mim (sobre o

jornalismo empresarial). (...) Primeiro porque eu identifiquei

uma coisa, quer dizer, essa área foi muito pouco desenvolvida.

Eu estava trabalhando com o conceito do comunicador

empresarial ser um estrategista, nunca ser só um operador. E

as pessoas trabalhando em jornalzinho, faz revistinha. Ficava

no operacional, na fazeção. Eu vou trabalhar em uma área que

me exija mais como planejador, como estrategista. E essa área

da comunicação governamental e do marketing político, ela

exige mais o planejador e o estrategista (ibidem).

Gaudêncio Torquato voltou a trabalhar na gestão Sarney desenvolvendo

planos de comunicação para uma série de Ministérios: da Administração, Minas

104

e Energia, Aeronáutica e Indústria e Comércio. A máquina burocrática estatal

com a qual teve contato, segundo análise incluída no Memorial de 1987,

representou, por sua vasta estrutura, um obstáculo para a implementação de

sistemas de comunicação.

Evidentemente eu procurava sempre ajustar a identidade do

ministério justamente para o conceito que ele quer passar para

a sociedade. Então procurava trabalhar sempre essa idéia do

marketing, o conceito, o que é identidade, depois a

comunicação, articulação com a sociedade organizada,

mobilização (...) (ibidem).

4.3 – Marketing político eleitoral: um capítulo à parte

Paralelamente, começava a atuação em uma outra frente, a do

marketing eleitoral. A estréia efetiva como consultor de marketing político

aconteceu em 1986, com a participação no planejamento, coordenação e

operação das campanhas de Tasso Jereissati ao governo do Ceará, João

Faustino ao governo do Rio Grande do Norte e Freitas Nobre ao governo do

Piauí. “Foram quatro meses de árduo trabalho, possivelmente a campanha

política mais disputada da história republicana, onde os conhecimentos

técnicos da área de comunicação tiveram importância decisiva” (TORQUATO,

1987: 98).

As primeiras experiências em campanhas políticas permitiram a

Gaudêncio Torquato conviver não só com as práticas do marketing político,

mas também com bastidores que o olhar do jornalista apreendeu com deleite.

Em suas obras posteriores sobre o assunto, entre livros e artigos publicados

em jornais diversos, muitos “causos” colecionados nessa época servem como

matéria-prima para humanizar análises que poderiam contentar-se com o lado

técnico, como no exemplo a seguir:

105

O candidato e os assessores não devem desanimar com

pesquisas negativas. Há candidaturas que nascem do zero e

ganham campanhas. A propósito, aqui vai uma historinha,

ocorrida em 24 de junho de 1986, noite de São João, no Ceará.

Tasso Jereissati, convidado por um deputado estadual, dirige-

se a um clube de um bairro popular de Fortaleza. É a sua

primeira experiência no meio do povo. Candidato a governador

do Ceará, sua missão é presidir um júri que vai julgar fantasias

juninas. Está completamente deslocado, um peixe fora d´água.

Fica encabulado, não sabe o que fazer. Só era conhecido no

bairro de classe média alta, Aldeota. Tinha menos de 2% de

intenção de voto. Depois do evento junino, angustiado,

confessava a um grupo de amigos: “Estou fora. Se política for

isso, presidir desfile de festa junina, fazer demagogia, ir a

batizado, casamento, velório, não contem comigo”. Foi só um

desabafo de iniciante. Ganhou de três coronéis da política –

Virgílio Távora, César Cals e Adauto Bezerra. Com 600 mil

votos de diferença (TORQUATO, 2002: 196).

Em seu acervo pessoal, o jornalista mantém os planos de comunicação

que desenvolveu, inclusive uma campanha criada para o deputado João

Faustino em 1985. Interessante destacar que nesse caso, especificamente, a

campanha não objetivava à eleição a algum cargo, mas ao fortalecimento da

imagem de Faustino, que pretendia concorrer à eleição para o governo do Rio

Grande do Norte no ano seguinte. Com o título Plano estratégico de ação

política e comunicação, foi organizada uma campanha para capitalizar a

imagem de Faustino a partir das eleições para a prefeitura de Natal, em 1985.

A idéia era que o deputado utilizasse a máquina de comunicação da então

candidata Vilma, aproveitando para se projetar e ganhar espaço na mídia.

Entre os objetivos detalhados, dois merecem destaque por explicitar bem o teor

do projeto:

106

- Organizar adequadamente ações de natureza política e social

que possam ampliar seu espaço político na capital, mesmo não

sendo o personagem principal da campanha de 85. (...)

- Tirar proveito da máquina de comunicação posta a serviço da

candidata da coligação PFL-PDS, projetando-se e ganhando

espaço na veiculação (TORQUATO, 1985a, 5).

Para alcançar esses objetivos, o plano de Gaudêncio Torquato detalha

estratégias como obtenção de presença na mídia por meio da criação de fatos

político. Há ainda uma parte dedicada a sugestões de “comportamentos

táticos”, como “apresentar-se sempre com muita disposição, exibindo uma

imagem vitoriosa (...)” e “ter sempre na ponta da língua dados concretos,

estatísticas e informações precisas, objetivas, sobre o Estado e Natal, em

particular” (TORQUATO, op. cit., 8).

O plano de comunicação para Faustino incluía ainda um “capítulo” sobre

estrutura do discurso e um esquema estratégico para a campanha, no qual

estão sugeridas ações bem práticas, como o programa “Administrando o

bairro”, que previa a visita do deputado a bairros de Natal para anotar

sugestões e reclamações da população. Exemplos de outras ações

programadas estão reproduzidas abaixo:

• Indicar os pontos centrais dos bairros, os pontos que

irradiam influência e multiplicam opinião, tais como: igreja,

praça central, farmácia, padaria, bar central, etc. (...)

• Adotar sempre a estratégia “dentro para fora” (pontos

centrais para pontos periféricos), que aconselha atacar

núcleos de maior densidade eleitoral; estes, por sua vez,

fazem irradiar, centrifugamente, opinião, influenciando

áreas menores.

• Criar eventos para cada bairro, como se o acontecimento

político fosse natural (verificar os eventos típicos dos

bairros, festas, bailes, reuniões comunitárias, igreja, etc.

(TORQUATO, op. cit., 21).

107

O trabalho de consultoria de marketing político foi desenvolvido por

Gaudêncio Torquato em campanhas de relevância, como:

- Para a prefeitura de Teresina (PI) em 1988;

- Para a presidência da República em 1989;

- Para os governos dos Estados do Piauí e de São Paulo em

1990;

- Para as prefeituras de Natal e São Paulo em 1992;

- Para o governo do Estado de Roraima em 1994;

- Para a prefeitura de Boa Vista em 1996;

- Para o governo do Estado de Roraima em 1998.

Além dessas, destacadas por ter maior representatividade na atuação

como consultor político, outras duas dezenas de campanhas para prefeituras

de cidades em diversos Estados e para eleição de deputados federais

contaram com sua participação.

A vultosa quantidade de planos de marketing eleitoral dá a dimensão da

experiência acumulada por Gaudêncio Torquato, que participou das primeiras

campanhas eleitorais desenvolvidas no país logo após a redemocratização –

período de um marketing político, segundo sua definição, “intuitivo”, com

pesquisas empíricas e estratégias improvisadas. Como sinais desse estágio,

são lembrados os materiais de campanha multiplicados sem linguagem

unificada, os assessores, que não se articulavam em uma só direção, e as

camisetas com diferentes slogans para um mesmo candidato. A receita do

jornalista era embasada pelo know-how na área de comunicação, adquirido por

quase 30 anos de atuação, e por fundamentos teóricos, obtidos da bibliografia

sobre marketing. Sua principal orientação nessa época incipiente: “Se você

quer multiplicar sua comunicação, ao invés de ter dez comunicações

diferentes, uma comunicação só”.

108

As fases seguintes na área do marketing político eleitoral foram

vivenciadas pelo jornalista, que acompanhou desde a época da improvisação

até a da priorização da forma em detrimento do conteúdo, capitaneada pelos

publicitários e razão de críticas de Gaudêncio Torquato ao marketing político.

Para ele, essa área foi contaminada pela “publicização”.

Esse marketing foi muito manipulado, muito repetido. O Duda

Mendonça, ele fazia uma campanha no Nordeste. A mesma

campanha ele fazia no Rio Grande do Sul, a mesma campanha

fazia em São Paulo, uma franquia. Eu não penso que deva ser

assim. Eu combati muito isso (TORQUATO, 2006a).

A antítese dessa visão da padronização total é a opção, de acordo com

o jornalista, por priorizar o acompanhamento in loco das campanhas. “Não

adianta fazer marketing político de longe. Você tem que conhecer os bairros, as

regiões” (TORQUATO, op. cit.), acredita Gaudêncio Torquato, que coleciona

histórias dessa vivência durante as campanhas que organizou. Seu trabalho

ampara-se em um forte embasamento conceitual sobre marketing. O conteúdo

é desenhado a partir de pesquisas – ponto que merece sua enfática defesa por

compor um dos cinco eixos de orientação do marketing, ao lado de elaboração

do discurso, comunicação, articulação e mobilização. Para ele, só a partir de

pesquisas é possível determinar o caminho de uma campanha.

Na quinta entrevista realizada para esta pesquisa, o jornalista lembrou

algumas passagens que exemplificam o que significa, na prática a importância

de respeitar as características regionais. Em 1994, por exemplo, ele organizou

uma campanha em Roraima – a primeira dele nesse Estado.

Eu mandei criar uma campanha tudo no verde. Quando

cheguei lá, eu não vi muito impacto. Faço o pré-teste. Eu pego

as pessoas, coloco numa sala e faço o pré-teste para saber e o

pessoal não gostou muito. E não sabia por quê. Depois

descobri que a cor verde para a região amazônica era picolé

109

para Groenlândia. Há uma saturação. Some. Tudo some. E eu

percebi que tinha que quebrar o verde, jogar um vermelho

amarelo.(...) Aí percebi que cada região tem sua cor predileta,

tem sua cultura, tem sua linguagem, tem sua mania

(TORQUATO, ibidem).

Outra lembrança peculiar foi rememorada na mesma entrevista:

Eu sempre gosto de ver, sentir a cidade. (...) E percebi que na

frente das casas tinha sempre aquele verso, aquele Salmo: o

Senhor é meu pastor, nada me faltará. Acho que é o 51 (...). E

eu disse: a religiosidade aqui é muito alta. Percebendo isso, eu

vou fazer uma surpresa. O nosso programa de televisão caía

no dia 2 de novembro, dia dos mortos. E eu digo: não vou fazer

programa esse dia. Eu peguei uma Bíblia. Qual a Bíblia mais

respeitada aqui? É a dos evangélicos. Me dá o Salmo

direitinho. Peguei o Salmo direitinho, copiei o Salmo direitinho,

coloquei em GC na televisão, com uma música muito bonita, A

fuga dos escravos dos hebreus. Música bonita, peguei o sol

numa ponte lá de Boa Vista. Lindo, lindo. O GC em cima, uma

música bonita e entrou meu candidato, o Campos, todo de

preto. Demagógico, mas... Dentro do estúdio, começou a

recitar o Salmo, depois uma voz disse que em homenagem aos

mortos, nesse dia, a coligação tal, tal, não fará o programa. O

nosso adversário foi tomado de surpresa. O programa do

adversário vinha depois. Caiu de pau (...). Nós rezando e ele lá

atacando. Olha, fizemos uma pesquisa no dia seguinte e

demos de dez a zero (TORQUATO, ibidem).

4.4 – Ampliação de foco: a atuação como analista político

No início dos anos 1990, Gaudêncio Torquato amplia novamente o foco

de sua atuação e parte para desbravar mais uma fronteira profissional: a

110

análise política. No prefácio do livro A velha era do novo: visão sociopolítica do

Brasil (TORQUATO, 2002), está descrito o âmago dessa nova tarefa:

“interpretar a vida institucional, a partir de observações sobre as organizações

políticas e governamentais e os atores nela envolvidos” (TORQUATO, op. cit.:

15). O jornalista ampara-se na sociologia política para conceber uma visão

sociopolítica do Brasil contemporâneo, expressa em artigos publicados em

cerca de 12024 jornais do país.

A experiência começou de maneira bissexta nos anos 1980 quando ele

passou a publicar no jornal O Estado de S. Paulo artigos especializados, na

época, sobre comunicação empresarial. O vínculo com o jornal foi mantido e

ampliou-se quando o jornalista começou a atuar no marketing político.

Quando eu migrei para a área do marketing político, eu achava

que também deveria refinar essa atividade, apurar essa

atividade escrevendo em jornal, mas não sobre marketing

político, mas sobre política porque quem trabalha com

marketing político deve compreender a política. (...) Eu, como

consultor político, migrei sem abandonar o marketing político.

Apenas adicionei essa outra área que é a minha alma, a área

jornalística, gosto de escrever (TORQUATO, ibidem).

Foi em O Estado de S. Paulo que Gaudêncio Torquato publicou seus

primeiros textos reflexivos sobre política, a princípio mensalmente. A

periodicidade transformou-se com o tempo em quinzenal e, em meados de

2003, consolidou-se como semanal sob a forma de um artigo publicado aos

domingos na página 2 do jornal.

A atividade somou-se às outras já acumuladas pelo jornalista e impôs

um ritmo específico, que exige, conforme sua análise, considerável tempo de

“reflexão, de leitura, de observação ambiental, de conversa política, de

contatos” (TORQUATO, ibidem).

24 Dado de 2006 informado por Gaudêncio Torquato na sexta entrevista para esta dissertação.

111

Toma muito tempo e evidentemente toma tempo também no

sentido da produção desses textos. Eu começo a pensar no

domingo. Quando sai o artigo, eu já começo a pensar: e agora,

qual vai ser o próximo? Fico aí vivendo num espaço cinzento,

numa zona cinzenta até terça-feira. Eu tenho que escrever na

quarta. Quarta é o dia em que eu tenho que escrever de

qualquer maneira e na quinta eu refino. Deixo dormindo o

artigo na quarta-feira. Na quinta eu dou uma refinadazinha de

manhã e mando na quinta próximo ao meio-dia (TORQUATO,

ibidem).

A escolha do tema é um exercício que mescla questões sociais, políticas

e comportamentais e demanda pesquisa. O estilo foi sendo moldado pela soma

da experiência jornalística e do retorno que os leitores dão a seus textos. “Eu

passei a perceber que meus artigos mais comentados eram aqueles que

tinham historinhas. (...) Sempre o pessoal comenta as historinhas. Aí eu digo:

bom, eu tenho agora que contar sempre uma historinha em meu artigo

(TORQUATO, ibidem).”

Se o analista político Gaudêncio Torquato possui como aparente

desvantagem a ausência de uma formação ortodoxa de cientista social, por

outro lado tem a seu favor o domínio do texto, articulando a análise da

realidade brasileira de forma coloquial – esperada para tal tipo de trabalho, feito

para a imprensa e não para a academia. O vazio da formação em ciência

política foi preenchida, de acordo com ele, por muita leitura. “Eu não fiz

sociologia, mas eu me considero razoavelmente bem informado a respeito de

conceitos de sociologia, de opinião pública (TORQUATO, ibidem).”

Para identificar as características da análise política produzida pelo

jornalista, foi utilizada nesta pesquisa a seleção de artigos publicada no livro A

velha era do novo: visão sociopolítica do Brasil (2002), que, apesar de ser um

recorte feito pelo próprio autor, traz uma parcela representativa da produção

realizada entre 1990 e 2002 e publicada em jornais de 25 Estados brasileiros25.

25 Estão citados jornais dos seguintes Estados: Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná,

112

Seus artigos compõem um mosaico de suas referências anteriores de

vida. As raízes políticas familiares são evocadas na familiaridade com que

associa recorrentemente temas como coronelismo à problemática nacional.

Os prefeitos acordaram. Depois de décadas de acomodação,

regadas a mandonismo, filhotismo e votos de cabresto, a

prefeitada recebeu a vacina da lei de responsabilidade fiscal,

aplicada sob o olhar duro de um eleitor cada vez mais crítico e

exigente. O fisiologismo histórico que tem alimentado os currais

eleitorais não foi embora de todo, mas está sendo

paulatinamente substituído pela cooptação eleitoral ancorada

em ações substantivas, obras e projetos de interesse da

comunidade. (...) Parece paradoxal dizer que os prefeitos

continuam a enfeixar grandes fatias de poder. Não se trata

daquele tipo de poder que Victor Nunes Leal tão bem

descreveu em Coronelismo, enxada e voto, um clássico sobre

o mandonismo municipal. (...) Os coronéis morreram, mas

deixaram herdeiros, entre os quais centenas de prefeitos

espalhados principalmente nas regiões Nordeste e Norte

(TORQUATO, op. cit.: 67).

O jornalista deixa-se revelar pela narrativa bem construída dos textos e

pela escolha de temas cotidianos como mote para analisar a conjuntura não

apenas política, mas também social do país.

A morte é fria e rápida e não tem nenhuma lógica.

Principalmente quando a morte pega de chofre um menino-

quase-rapaz numa região rica e movimentada como a avenida

Paulista. Principalmente quando a morte flagra momentos de

alegria e descontração de um são-paulino independente, numa

noite dominical de comemoração, após a vitória de seu time.

(...) A violência estúpida e irracional das metrópoles chega

Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Rondônia, Santa Catarina, Maranhão, São Paulo e Sergipe.

113

cada vez mais perto dos cidadãos e, por conta da intensa

freqüência com que bate à nossa porta, está se transformando

em algo corriqueiro, admissível, compreensível e sem impacto

(ibidem: 45).

Já o consultor de marketing empresta ao analista Gaudêncio Torquato

sua experiência prática para amparar a análise política com a vivência de quem

já esteve do lado de dentro de uma campanha.

A campanha eleitoral deste ano será a mais profissionalizada

de nossa história política. E a razão é simples: pela primeira

vez, teremos a possibilidade de reeleição. As campanhas

majoritárias, portanto, darão o tom maior. Os governadores que

são candidatos à reeleição farão tudo ou quase tudo para

continuarem nos cargos. O quase fica por conta de certas

limitações impostas pela legislação eleitoral, como participação

em inaugurações e uso explícito da máquina governamental

(ibidem: 115).

É a amálgama das próprias referências de vida que melhor caracteriza o

analista político Gaudêncio Torquato. Não por acaso, tal papel veio a ser

desempenhado apenas depois de cumprir as etapas profissionais anteriores de

jornalista, especialista em comunicação empresarial, acadêmico e consultor de

marketing político.

No prefácio da obra utilizada como parâmetro para a recuperação desse

trecho da vida do jornalista, José Nêumanne resume a trajetória que culminou

no papel de analista político:

Resulta, pois, dessa visão múltipla do menino sertanejo que se

fez homem na metrópole e do prático da política, da qual

conhece a transição do jugo do coronel rural à submissão ao

marketing deste mundo globalizado pelas antenas de tevê, seu

pensamento organizado, coerente, arguto e sensível.

Costurando idéias próprias com talento e escriba, aperfeiçoado

114

em aulas de latim no seminário e na prática do jornalismo

interpretativo (seu nome é uma grife que corre o Brasil inteiro

nos períodos eleitorais ou nas entressafras de votos), ele nos

traz agora esta coletânea de reflexões iluminadas pelo sol

bruto de Luís Gomes e matizadas pela penumbra do bas fond

político desta São Paulo de Piratininga (ibidem: 14).

115

CONCLUSÕES

Ao retomar, com esta dissertação, a trajetória de Gaudêncio Torquato,

pretendi sistematizar de modo panorâmico sua história de vida, resgatando,

com particular ênfase, as contribuições acadêmicas dadas por ele ao

pensamento comunicacional. O jornalista é hoje uma referência como consultor

de marketing eleitoral e analista político, mas, até chegar à posição atual,

desempenhou seqüencialmente diferentes papéis – todos de alguma forma

representando um passo adiante em um campo que provou ter trilhos largos: o

da comunicação institucional.

Nos anos 1970, o então promissor repórter que despontava na grande

imprensa começa a deslocar sua atenção para a comunicação institucional.

As diferentes atuações podem também ser interpretadas como um

capital social (no dizer do sociólogo francês Pierre Bourdieu) que o jornalista

adquire e do qual se vale para desenhar sua trajetória. Conforme os conceitos

de capital e de campo desse sociólogo, um “campo (nas ciências, nas artes) se

particulariza, pois, como um espaço onde se manifestam relações de poder, o

que implica afirmar que ele se estrutura a partir da distribuição desigual de um

quantum social que determina a posição que um agente específico ocupa em

seu seio” (ORTIZ, 1983: 21). Esse quantum, Bourdieu chama de capital social,

que, no caso de Gaudêncio Torquato, é simbólico, já que diz respeito a

conhecimento – algo intangível.

Assim, o surgimento do analista político é avalizado pela experiência

anterior como consultor de marketing político, fundamentado, por sua vez, na

notoriedade de seu nome no meio da comunicação institucional, este

alimentado pela vivência como profissional da grande imprensa – todos papéis

ancorados também no de professor da Universidade de São Paulo, referência

que extrapola os muros da academia e que é interpretado pela sociedade como

sinônimo de capacitação técnica em uma área. Essa retroalimentação por um

capital simbólico construído por ele mesmo é, talvez, o que melhor caracteriza

a história de Gaudêncio Torquato.

Ao relembrar as contribuições acadêmicas do jornalista, é possível

encontrar uma sistematização de conceitos que sobreviveu ao tempo – prova

da importância de seu nome para o pensamento comunicacional brasileiro. A

maioria das teses e dissertações sobre comunicação e jornalismo empresarial

produzidas na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo

e consultadas sob forma de amostragem, comentadas no capítulo 3 deste

trabalho, utiliza as obras de Gaudêncio Torquato como referencial bibliográfico

– mesmo as desenvolvidas mais recentemente, datadas dos anos 2000.

Outra constatação ratificada pela presente pesquisa foi em relação à

proposta de efetivar uma ligação entre academia e mercado de trabalho. Cada

etapa profissional vivida pelo jornalista, com exceção da fase como analista

político, concretizou essa aproximação. A tese de doutoramento defendida em

1973 levou para a universidade a questão do jornalismo empresarial no pleno

momento em que esse tipo de atividade ganhava espaço no país, impulsionado

117

pela crescente industrialização. Na década de 1980, época em que as

empresas profissionalizavam seus departamentos de comunicação, o jornalista

assumiu a diretoria do Grupo Bonfiglioli, na qual pôde desenvolver uma

reestruturação departamental. No novo organograma, o departamento de

comunicação aparecia diretamente ligado à presidência da companhia. Esse

modelo, que introduziu ainda como novidade uma visão sistêmica da

comunicação, também foi levado à academia sob a forma da tese de livre-

docência em 1983. Na fase profissional seguinte, Gaudêncio Torquato mais

uma vez realizou essa ponte entre academia e mercado de trabalho ao

transformar sua experiência como consultor de marketing político em uma

disciplina de pós-graduação sobre o mesmo assunto na ECA-USP.

A recuperação da trajetória de Gaudêncio Torquato permitiu a

explicitação de suas múltiplas facetas, atendendo à proposta primeira desta

dissertação, que era retomar de forma panorâmica sua história de vida. É mais

uma pesquisa que se somou a um amplo projeto de recuperação da memória

do pensamento comunicacional criado pelo prof. dr. José Marques de Melo.

Por meio do trabalho de mestrandos e doutorandos da Universidade de São

Paulo e na Universidade Metodista de São Paulo, o projeto “Memória das

Ciências da Comunicação no Brasil” já estruturou a história de vida de

importantes personagens brasileiros pertencentes à área da comunicação,

como Barbosa Lima Sobrinho, Carlos Rizzini, Luiz Beltrão e Walter Poyares. O

prioritário, nos estudos desenvolvidos para o projeto, não é produzir uma

biografia no sentido estrito, mas recuperar a trajetória de vida dos personagens

buscando as características que repercutiram na produção científica deles.

Essa foi também minha baliza ao mergulhar na história de Gaudêncio

Torquato. Para esmiuçar suas contribuições ao pensamento comunicacional

nacional, concentradas em especial na tese de doutoramento e na livre-

docência, procurei resgatar desde a infância, passada em seminários no

Nordeste de meados da década de 1950 ao início dos anos 1960. Para este

resgate, a técnica da história oral mostrou-se a mais adequada, por permitir a

recuperação de trechos da vida do jornalista que ainda não haviam sido

registrados por escrito. A memória de Gaudêncio Torquato refletiu, em muitos

momentos, a memória coletiva de uma época. Ao recordar as primeiras

118

reportagens na grande imprensa ou os cadernos especiais produzidos na Folha

de S. Paulo no final da década de 1970, foi possível identificar a fase dos

jornalistas desbravadores, que tinham a seu favor um mercado jornalístico

interessado em um olhar interpretativo para com a realidade brasileira. Já

quando ele relembra o início da experiência no jornalismo empresarial, o

próprio desenvolvimento dessa área no país pôde ser refletido, com seus

desafios e sua crescente profissionalização.

As quatro entrevistas com o jornalista realizadas para esta pesquisa

seguiram os preceitos da história oral, utilizando como referência bibliográfica a

obra da historiadora Sônia Maria de Freitas, História oral: possibilidades e

procedimentos (FREITAS, 2002). Cada uma delas seguiu um roteiro

preestabelecido, a partir de uma divisão da trajetória de vida de Gaudêncio

Torquato em cinco grandes etapas: infância e raízes familiares, início no

jornalismo, migração para o jornalismo empresarial, desenvolvimento das teses

de doutoramento e livre-docência e atuação no marketing político. Apenas o

último tema não pôde ser tratado em entrevista, ficando restrito à leitura de

livros e artigos.

À história oral somei uma pesquisa bibliográfica e documental,

desenvolvida em paralelo às entrevistas e sem a qual não seria possível, em

meu entender, resgatar o percurso intelectual do jornalista. Além da leitura da

tese e do trabalho de livre-docência, utilizei exemplares dos Cadernos Proal, de

reportagens especiais produzidas para a Folha de S. Paulo, de artigos

publicados em revistas especializadas e na grande imprensa, além de seus

seis livros.

O diálogo entre a pesquisa bibliográfica e os depoimentos obtidos com a

técnica da história oral possibilitou recuperar de forma mais completa a

trajetória de Gaudêncio Torquato. A proposta de construir uma história de vida

na qual as contribuições do jornalista ao pensamento comunicacional brasileiro

fossem ressaltadas e contextualizadas pôde, enfim, ser concretizada com a

estruturação da presente dissertação.

O balanço final deste trabalho, entretanto, não estaria completo sem

reconhecer algumas frustrações acumuladas ao longo do período da pesquisa,

como a dificuldade em recuperar certas passagens do jornalista, por exemplo,

119

a reportagem que recebeu o Prêmio Esso em 1967. Por não ter a data exata de

sua publicação, não consegui obtê-la. Outro ponto que merece destaque é que,

embora considere que os objetivos propostos no início da pesquisa foram

alcançados, o desenvolvimento do trabalho desvendou novas questões, que

surgiram como possibilidade de aprofundamento.

Espero que a trajetória que sistematizei possa ser utilizada por futuros

pesquisadores interessados em também debruçar-se sobre a obra de

Gaudêncio Torquato, e que os flancos de questionamentos abertos por esta

pesquisa tornem-se embriões para novos estudos. Só para exemplificar o que

poderia ser melhor pesquisado dentro da trajetória do jornalista, listo algumas

sugestões: verificar se o modelo para publicações empresariais internas,

proposto na tese de doutoramento de 1973, foi aproveitado no mercado e se,

ainda hoje, é válido; aprofundar a pesquisa relativa à repercussão dos

trabalhos acadêmicos do jornalista junto a posteriores pesquisadores de

comunicação; retomar sua produção como analista político identificando a

intersecção desse papel com o de consultor de marketing político. A amplitude

do que ainda há para ser descoberto na trajetória de Gaudêncio Torquato é um

parâmetro da importância deste personagem para a comunicação brasileira.

120

7 – BIBLIOGRAFIA

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126

APÊNDICE

Entrevista 1

Realizada em 28/01/2005. Roteiro centrado na infância e adolescência de

Gaudêncio Torquato e em suas raízes familiares.

Entrevistadora – Professor Gaudêncio, podemos começar este relato

retomando as origens de sua família.

Gaudêncio Torquato – Nasci no dia 8 de abril de 1945, por volta de 11 horas

da manhã, segundo minha mãe, num domingo, na cidade de Luís Gomes, no

Rio Grande do Norte. Luís Gomes é uma cidade encravada no alto polígono

das secas, é uma cidade serrana, a 800 metros de altura, dando limites para a

Paraíba e o Ceará. Você anda um pouco e está no Ceará, anda um pouco e

está na Paraíba. Faz fronteira realmente com os dois estados. A cidade mais

próxima, na Paraíba, embaixo da serra, é Uiraúna, onde nasceu Erundina,

Nêumanne. E eu nasci na serra.

Fiquei em Luís Gomes até uns 10 anos de idade, quando fui para o

seminário de padres Santa Terezinha, em Mossoró, que ainda é a maior cidade

na zona oeste do Estado. Mossoró é a porta do oeste do Estado. O seminário

Santa Terezinha era dirigido por padres holandeses e belgas. A minha

formação do preliminar, chamava-se preliminar na época, fiz no seminário o

último ano do primário, fiz os quatro anos de ginásio neste seminário, e o

primeiro ano do científico em outro seminário, em João Pessoa. Esse seminário

em João Pessoa já era seminário dirigido por padres brasileiros, mas o

seminário de Mossoró era dirigido por padres lazaristas. Minha formação foi

uma formação muito européia.

Entrevistadora – Antes de prosseguirmos, poderia contar um pouco de seus

pais? Eles também eram de Luís Gomes?

127

Gaudêncio Torquato – Meu pai tinha o nome de Gaudêncio Torquato do

Rego, de quem eu herdei o nome de Gaudêncio, e minha mãe é Francisca.

Meu nome é Francisco Gaudêncio Torquato do Rego. Francisco, minha mãe

tirou do nome dela. O meu pai teve uma vida muito interessante, porque

praticamente saiu do zero e construiu um verdadeiro patrimônio com os filhos.

Ele chegou em Luís Gomes subindo a serra a cavalo, para ser assistente de

um grande comerciante da região. Ele ia ser assistente do comerciante dessa

loja e ele, simples, muito modesto, era Rego, de uma família tradicional do

Nordeste, no Rio Grande do Norte. Saiu de Pau dos Ferros, que dista 40 km de

Luís Gomes, que foi onde ele nasceu e foi para lá para Luís Gomes ser

assistente desse comerciante. Aí ele passa a ser assistente desse comerciante

nessa loja de tecidos e com o tempo vai se desenvolvendo. A pessoa sai de

Luís Gomes para morar em outra cidade, viajava para o Rio de Janeiro. Meu

pai compra a parte dele, fica sendo dono da loja, de cereais, depois de tecidos,

e começa a construir um patrimônio, com fazendas, fazendas de gado,

propriedades rurais, comércio e agricultura, gado, pecuária. Meu pai foi uma

pessoa na época realmente muito rica.

A riqueza que ele construiu, de certa forma, ele distribuiu tudo na

educação de 22 filhos legítimos. São duas famílias: com a primeira família ele

teve 11 filhos, e a segunda família que ele construiu também teve 11 filhos. Eu

sou o mais velho da dona Francisca Chiquita, e meu pai casou-se com minha

mãe com a morte da primeira mulher. Ele casou com minha mãe, minha mãe,

prima da primeira mulher. Tudo em família. Ela teve que criar os pequenos

filhos que ele tinha da primeira família e criou a segunda família.

Era uma figura muito emblemática, muito autoritária. Meu pai era uma

pessoa que no sertão do Nordeste vestia paletó e gravata todos os dias.

Chapéu, aquele chapéu de... (esquece o nome da marca). Era de uma indústria

de São Paulo. Chapéu, gravata preta, todos os dias. Então ia para a loja com

esse terno. Muita autoridade. Meu pai lia jornais diariamente. Ele recebia

jornais de Recife atrasados uma semana. Quando chegavam, chegava aquela

pilha de seis, sete, e íamos buscar os jornais e eu tenho a impressão que

minha vocação jornalística deve ter começado aí: de ir buscar jornais para meu

pai lá nos correios. Porque só pode ter sido isso. Me lembro muito bem que ia

128

buscar os jornais e meu irmão mais velho do que eu, da primeira família, ele

com muita preguiça colocava os jornais. Papai, sentado em uma

espreguiçadeira, fazia com que lêssemos para ele com lamparina, porque a luz

da cidade se apagava às oito horas da noite. Aí não tinha mais luz e ele exigia

que nós lêssemos o jornal. Ele lia o jornal e nós tínhamos que segurar a

lamparina, o farol, para ele ler o jornal. Eu tinha seis, sete anos. E ele lendo o

jornal. Eu sei que era um exercício muito fatigante segurar o farol para ele ler o

jornal todos os dias à noite. Eu, meus irmãos. Todos passaram pelo exercício.

E ele gostava também de política.

Entrevistadora – Mas esse interesse pelo jornal era por quê?

Gaudêncio Torquato – Meu pai sempre gostou de política, ele era um chefe

político do interior. Ele foi prefeito da cidade, chamavam de coronel Gaudêncio.

Coronel era um título que se atribuía à época a figuras do Nordeste, mas ele

nunca teve essa patente. Chamava-se coronel quem tinha fazendas. Então,

coronel Gaudêncio Torquato. Era o coronelismo na região. Meu pai começava

a fazer política. Meu pai sempre foi político porque começou a apoiar um, a

apoiar outro... Depois ele foi vice-prefeito, foi prefeito, na própria cidade, e

meus irmãos começaram a fazer política. Para você ter uma idéia, da primeira

família, em um momento tínhamos três irmãos deputados ao mesmo tempo.

Uma irmã minha, Lindalva Fernandes; o outro, Jairo Torquato, que era

deputado de minha cidade, da região; e José Torquato, de outra cidade. Então

tínhamos Zé Torquato, mais velho, Lindalva, segunda, e Jairo, terceiro. Três

irmãos mais velhos, da região oeste do Estado. Então era um fato inédito na

história do Rio Grande do Norte. Três irmãos deputados ao mesmo tempo.

Ligados a PTN, UDN, partido udenista. Acompanhava bem a cena nacional,

história do Getúlio. Meu pai acompanhava as histórias dos presidentes da

república, ele lia os jornais todos. Aos domingos ele reunia, lá na loja dele, o

pessoal que vinha do sítio. Ele passava a ler o jornal em voz alta para as

pessoas ouvirem. Ele era uma espécie de intérprete da realidade política e

social para os cidadãos dali. Bom coração, as pessoas compravam dele fiado,

nunca pagavam, era uma figura interessante. Ele criou todos nós com muita

rigidez. Procurou colocar cada um na escola o quanto antes. Saímos de Luís

129

Gomes para Mossoró, de Mossoró para Recife. Sempre querendo investir na

educação dos filhos. Segundo ele, o maior patrimônio que uma família pode

deixar é a educação. Ele investiu muito na educação, muito (ênfase) na

educação. Ele não tinha coisa nenhuma (formação). Era autodidata. Meu pai

sabia de tudo, um pouco de veterinária, porque dava remédio para o gado, era

veterinário prático. Meu pai entendia de medicina. Enfim, ele aprendeu tudo

com ele mesmo. E acho que minha vocação para o jornalismo pode ter surgido

daí, do meu contato com os jornais, desde a infância, eu lendo com ele,

aprendendo a ler jornal, acompanhando os fatos. Tanto que eu cheguei a fazer

jornalismo em Recife e trabalhei no Jornal do Commercio, que era o jornal que

ele assinava, e quando ele viu o meu nome no jornal assinando matérias, para

ele era um orgulho, porque ele ia ler aquelas matérias, matérias especiais,

cheguei a fazer até matérias sobre Luís Gomes, a região, os costumes, a

cultura da região, os trovões da região, os poetas da região, enfim, até

interpretei isso e essas matérias evidentemente, quando saíam no jornal, ele lia

e lia para o povo e foi uma maneira de eu homenagear a minha própria região.

Ele educou esses 22 filhos, teve mais alguns filhos periféricos (risos),

além dos legítimos, uns quatro ou cinco a mais e ele sempre teve essa visão

muito voltada para a educação. Educou todos com muita rigidez, todos tinham

que acordar às cinco da manhã para tirar o leite do gado com ele. Os meninos

ficavam no curral dos bezerros, ele ficava no curral das vacas e a gente soltava

os bezerros. Um frio danado, porque era serra. E ele exigia que às cinco da

manhã fôssemos todos com ele. Ele era uma pessoa muito rígida de horário.

Cinco da manhã tirar leite do gado, tomava café, ia trabalhar. Meu pai onze,

onze e meia almoçava, diariamente tirava a soneca dela na espreguiçadeira

durante uma meia hora, ia para a loja e à tarde voltava. Mandava o pessoal

buscar o gado nas fazendas perto. Tudo regrado. Seis da noite estava

jantando, sete, oito e meia estava dormindo. Comia o seu prato de coalhada

todos os dias, coalhada com rapadura em cima, aquele costume típico do

interior. E todos nós tivemos essa aculturação. Para ter uma idéia, na época de

Senhora Santana, padroeira da cidade, em julho, na minha casa, na época do

papai vivo e tudo, o almoço era servido para 150, 200 pessoas, diversas mesas

130

passando, porque os filhos todos apareciam, mais os netos, os primos, os

sobrinhos.

Depois, conforme for, vou ver se consigo o livrinho com a história dele.

Entrevistadora – E qual era o papel de sua mãe nessa história familiar?

Gaudêncio Torquato – Minha mãe tem um papel muito forte também porque

minha mãe também dedicou a vida dela à criação dos filhos e netos. Posso te

emprestar um DVD (sai para buscar o DVD com a entrevista realizada com sua

mãe).

Ela é da família Rufino, que na verdade também tem uma importância

grande porque, por exemplo, o tronco Almeida e Nunes era muito importante

na região. A família Nunes é muito grande no Rio Grande do Norte. E ela conta

no DVD um pouco da vida dela.

Ela é viva ainda, fez operação com 80 anos de idade do coração. Ela

está na labuta ainda, tem 87, vai fazer 88 este ano (2005). Está lá, meu pai

morreu com 86 anos. Meu pai morreu faz mais de 20 anos.

Saímos de Mossoró e eu fui para João Pessoa passar um ano. Eu não

queria mais estudar em seminário. Minha mãe lutou muito para que eu

continuasse, querendo que eu fosse padre, porque ela era muito religiosa,

religiosíssima, e eu não, não, não... Então passei um ano em um seminário

mais aberto. Esse seminário em Mossoró foi uma formação espetacular. Eu li

praticamente toda a biblioteca do seminário de 10 aos 14 anos. Lia tudo. E

estudei latim e grego durante esses seis anos, desde o preliminar, quinto ano

primário, até o primeiro científico. Então minha formação foi muito forte nessa

área clássica. E de João Pessoa eu fui para Recife, onde estudei dois anos no

Colégio Americano Batista, um colégio evangélico da região. A gente ia para

Recife porque Recife era capital, vamos dizer, do Nordeste. E aí era uma

cidade mais desenvolvida e já tinha passado lá por Recife quatro irmãos meus:

José Torquato se formou em Recife em medicina. Ivonildo, que hoje vive ainda

no Rio de Janeiro, formou-se em medicina. Luis Torquato formou-se em

medicina em Recife e Jairo Torquato, direito em Recife. Então todos passaram

por lá. Zé Torquato voltou para o Rio Grande do Norte, Ivonildo voltou para o

131

Rio de Janeiro, Luis foi para Brasília e eu fiquei no lugar de Luis na casa do

estudante.

Seminário, só eu. O único que passou pelo seminário da família fui eu. A

escolha foi de minha mãe. Um dia ela me pegou brincando de missa e ela

achou que aquilo era um milagre e me jogou para lá. Foi a melhor coisa que

aconteceu, porque eu não queria ser padre, mas era a melhor educação da

região. Todos que colocaram o filho naquele seminário se saíram bem do ponto

de vista da formação religiosa, valores e a cultura básica fundamental. As

pessoas todas da região iam para esse seminário. Colocava batina, assistia à

missa todos os dias, rezava muito, jogava futebol. Era uma vida muito

saudável, e muita leitura e muito estudo. Só voltava nas férias, em julho e nas

férias de final de ano apenas um mês porque no outro mês a gente ia para a

praia, pelo seminário. Foi uma formação que eu diria fundamental hoje. Isso se

reflete muito em que eu escrevo. Escrevo um artigo semanal no Estadão, que

sai aos domingos, tem muita coisa clássica, citação, tudo isso vem de lá.

Porque eu recupero, mas tudo vem de lá. Tem uma influência fundamental no

que eu escrevo. Meus escritos são cheios de historinhas, filosofia, clássicos,

tem os filósofos, os pensadores da humanidade, trazendo para cá, para a

modernidade. E eu tenho absoluta certeza de que isso se deve a essa

formação ginasial...

Então minha família, na verdade, se expandiu muito. Cada um casou,

teve seus quatro, cinco filhos, a família é muito grande hoje. Juntando a

sobrinhada, os filhos, etc., umas 300 pessoas, uma coisa imensa.

Hoje a família tem um peso relativo. Meu primo carnal é presidente do

Tribunal de Contas pela quinta vez. O meu sobrinho é prefeito de cidade. Tive

sobrinho meu deputado estadual, outro sobrinho meu prefeito. Nós temos uma

influência no oeste do Estado e que está crescendo porque a meninada que

vem por aí com interesse político vem com mais força. Teve um certo vazio e

agora está recuperando novamente o poder político no Estado.

Quando todos se formaram, cada um foi fazer suas profissões fora e

ficou um vácuo e a meninada ficou muito pequena. Agora que a meninada está

maior... Entre a primeira geração e a terceira, criou-se um vácuo. A segunda

132

não se interessou muito. A segunda ficou muito na área periférica, e a terceira

está chegando aí com mais força.

Eu nunca pensei (em ser político). De política eu sempre gostei muito

porque vivi política na pele desde criança. UDN e PSD na minha cidade,

aquelas brigas e conflitos. Tenho um irmão, por exemplo, que foi deputado,

prefeito, perdeu a mão soltando uma bomba, comemorando a vitória dele. Até

marcas fortes familiares a gente tem de política. Vivemos muita política, no

sangue, na alma, na disputa e isso me trouxe uma vocação política, mas no

conhecimento da política. Não para fazer parte ativa como ator político de

frente, de vanguarda. Eu sou de retaguarda, no sentido do intérprete da

política, do analista, do jornalista, da pessoa que acompanha política. Eu

oriento políticos. Eu hoje dou orientação política, aconselhamento político, faço

marketing político, mas sempre na parte de suporte, de consultoria, não de

estilingue. Nunca gostei de ser estilingue.

Era uma política muito radical, era UDN contra PSD, então eram

discursos contundentes, comícios, bombas jogadas na casa do adversário,

bombas jogadas na minha casa. Vivenciamos isso. E a coisa chegou a ficar

incandescente em alguns momentos. Hoje todos estão mais unidos, a coisa é

mais civilizada. Mas os campos eram muito delimitados, as famílias não se

falavam na década de 50.

Papai tinha uma influência grande sobre um grupo. E é engraçado

porque hoje meus sobrinhos são casados com as pessoas dos nossos

adversários. Hoje as barreiras conceituais e familiares foram quebradas, houve

uma integração familiar muito interessante nos últimos tempos.

Minha mãe está em Natal, meus irmãos da segunda família, todos vivos,

alguns da primeira família morreram. Da primeira família restam cinco, acho.

Então, é uma família muito engraçada, cada um com suas manias, seus jeitos.

Tem um que é médico no Rio de Janeiro e tem 70 e poucos anos, é cirurgião.

Tem um que era médico em Brasília e morreu. Então, os meninos ficam em

Natal. Em Recife não tem mais ninguém. Aqui em São Paulo tem uma irmã

minha, e eu vou sempre lá, vou para prestigiar o Estado. Tenho muita ligação

com o Estado hoje, converso quase diariamente com pessoas de lá por

telefone. Não tenho muita ligação com a cidade onde nasci; tenho mais ligação

133

com alguns políticos do Estado, senadores do Estado que me ouvem, me

consultam. Meu artigo sai dominicalmente no principal jornal do Estado, que é

o Diário de Natal. Luís Gomes não tem jornal, é uma cidadezinha

pequenininha. Deve ter uns 15 mil habitantes. É uma cidade agradável, apesar

de, em outra cidade, meu sobrinho é prefeito e é mais importante que minha

cidade. Lá ainda vivem irmãs minhas e vez ou outra quando posso vou à Festa

de Senhora de Santana no mês de julho. Os laços continuam ainda firmes, não

tão fortes quanto no passado, mas a gente se lembra, época de julho o pessoal

se reúne, vêm os amigos. Luís Gomes deu muita gente importante para o

Estado: desembargadores, presidente do Tribunal de Contas, deu presidente

do Tribunal de Justiça, médicos famosos, uma cidade que parece que foi

abençoada por Deus no sentido de dar bons frutos. Todos com boa formação,

muitos foram seminaristas como eu.

Entrevistadora – Poderíamos, para terminar esta primeira entrevista, chegar

ao fim da adolescência.

Gaudêncio Torquato – Bom, eu saí de Mossoró depois de muita leitura, de

muito romance, de muita filosofia e fui para João Pessoa. O seminário era mais

aberto, aí já tinha os padres belgas e brasileiros. Foi uma formação mais

aberta, e eu já decidi realmente o que eu queria. Eu tomei a decisão de não

prosseguir a carreira religiosa, aí já tinha 15 anos, entre 15 e 16. Aí decidi sair.

Numa dessas férias aí comecei a fazer umas farrinhas, umas brincadeiras...

Acho que quero este outro lado de cá (risos). Aí, para desgosto de minha mãe,

que chorou muito. Minha mãe muito religiosa, ela achava que toda família

deveria ter um padre, como na Holanda. Os padres holandeses diziam que na

Holanda toda família tinha um padre. Aí, depois dessa formação muito boa,

ouvia música clássica todos os dias no seminário.

Entrevistadora – Essa formação de alguma maneira criou um choque de

convivência com seu pai?

Gaudêncio Torquato – Não porque meu pai lia muito, apesar da simplicidade,

meu pai era uma pessoa que sabia mais do que eu, muito mais! Eu não sabia

134

de nada! Meu pai até... Ele era muito fechado, trancado. Eu gostaria, e é um

dos meus arrependimentos, de não ter tido um contato mais estreito com ele.

Quando comecei a descobrir meu pai ele estava morrendo. Foi assim meio

rápido. Eu já jornalista... Mas apesar da simplicidade, meu pai sempre teve

perto dele os filhos todos formados, sempre médicos perto dele, advogados.

Viu os filhos crescerem e ele, com uma autoridade, era a pessoa que

acompanhava tudo na política. Ele sabia de coisas e passava para a gente os

conhecimentos da política. E nós todos tínhamos evidentemente aquela

formação mais específica, mas ele é que sabia. Ele acompanhou de perto

sobre o Lampião. Ele inclusive chegou a pegar armas contra o Lampião. Se

Lampião subisse a serra de Luís Gomes ele estava armado. Tem um episódio

famoso com meu pai e esse está na história do Brasil. Luis Carlos Prestes, o

gaúcho, quando fez a Coluna Prestes, passou em Luís Gomes. A Coluna

Prestes, ela saiu pelo Brasil todo, até o Nordeste, o Maranhão, e desceu e

terminou aqui na fronteira do Mato Grosso com a Bolívia. Passou em Luís

Gomes. Subia a serra. O que aconteceu? Meu pai tinha uma loja de cereais, de

tecidos etc. e, em nome da revolução do Prestes, ele confiscou (risos) todos os

produtos da loja do meu pai. Confiscou, deu uma declaração, em nome da

revolução, confiscamos etc. O senhor será ressarcido quando a revolução for

vitoriosa, e deu o bilhete para o meu pai. O que eu persegui esse bilhetinho! Se

perdeu, é histórico. Luis Carlos Prestes passando para ele. E ele contava um

episódio também muito interessante: Cordeiro Faria, na época coronel Cordeiro

Faria, estava conversando com Prestes e mais Juarez. Estavam os três. E meu

pai muito curioso se aproximou para saber que conversa era aquela. Aí o

Prestes virou-se para ele e disse: o que o jovem deseja? Meu pai jovem... Meu

pai se identificou, sou daquela loja ali, e queria ouvir a história. Eles foram para

a loja e confiscaram aqueles produtos em nome da revolução. É um fato

histórico muito interessante a Coluna Prestes passando por Luís Gomes, no

Rio Grande do Norte. Os livros de história mostram isso e meu pai foi

personagem dessa história. É um fato interessantíssimo do ponto de vista de

registro histórico.

Então, voltando para o seminário, saindo de João Pessoa, onde passei

um ano dentro de um seminário muito bonito, cuja igreja era uma das igrejas

135

barrocas mais bonitas do Nordeste, Nossa Senhora da Conceição de São

Francisco, toda barroca, onde lá no púlpito o Padre Vieira discursava. Era uma

igreja muito bonita. Está ainda hoje lá. Era a igreja ligada ao seminário. Foi um

ano muito interessante. O reitor na época era o Dom Luis Fernandes, bispo.

Era uma cultura mais moderna, sem se prender muito, mais progressista,

vamos dizer assim. A igreja holandesa era mais tradicional, conservadora. Mas

de qualquer maneira foi uma integração com o mundo e foi minha passagem

para Recife. Eu cheguei em Recife em 1961. Fui para Mossoró em 1956,

passar o quinto ano primário, fiz mais quatro anos. Eu passei 56 em Mossoró,

57, 58, 59 e 60. Cinco anos em Mossoró. Um ano em João Pessoa. Em 61 fui

para João Pessoa. 62 em Recife. Eu fiz seis anos de seminário. 62 eu fui para

Recife fazer o segundo ano científico, aí já fora do seminário. Foi um choque

imenso, eu ficava boiando em muita matéria, era bom em outras. Nas matérias

clássicas, muito boas. Matemática, física, química. Era um colégio evangélico,

batista, grande, teve um choque. Lá eu morava na Casa do Estudante. A Casa

do Estudante era um reduto da realidade bruta do jovem. Todos os estudantes

de todo o Nordeste ficavam na Casa do Estudante. Era famosa, que hospedou

as melhores figuras do Nordeste. Você pega essas figuras políticas, todas

passaram no Nordeste pela Casa do Estudante. Diversos Estados. Era casa de

universitários. Eu peguei a vaga de meu irmão. Ele se formou, eu peguei a

vaga dele. E convivi com muita gente que estudava medicina, tinha três, quatro

pessoas no quarto.

Entrevistadora – Quer dizer, foi uma infância, uma adolescência bem distante

da família.

Gaudêncio Torquato – Foi. A família sempre distante. Só via a família em

época de férias. Sempre fui muito desgarrado. Deu aí um certo trauma, mas

você se acostuma, a família mais distante, mas também me deu

independência. Meu pai me mandava um dinheirinho para o Recife pelo Banco

do Nordeste. Meu pai não queria que a gente trabalhasse enquanto estudasse,

mas eu passei a perceber com 17 anos de idade que não dava para ficar

esperando dinheirinho porque às vezes ele não chegava, ou porque ele não

tinha suficiente para mandar ou porque o Banco do Nordeste atrasava. E às

136

vezes ficava muito apertado, muito apertado mesmo, e eu vou ter que

trabalhar, me virar. E foi muito bom. Com 17 anos eu estava ganhando meu

dinheirinho. Com 17 anos eu estava fazendo estágio em jornal, o Jornal do

Brasil. Entrei no Jornal do Brasil na sucursal do Nordeste, 17, 18 anos, para me

virar por aí.

Eu fazia o jornalzinho do seminário. Cheguei a fazer o jornalzinho do

seminário. Não do seminário. Eu fiz um jornalzinho do Colégio Americano

Batista. Eu fui presidente do diretório estudantil do Colégio Americano Batista,

em 62. 62, 63, ano da redentora, ano da revolução. 64, puxa vida, eu estava

trabalhando já em jornal. Eu trabalhava na sucursal do Correio da Manhã, na

sucursal do Jornal do Brasil

Cheguei lá, a reunião já tinha começado e eu disse: eu sou do Jornal do

Brasil. Quando disse isso todo mundo me olhou estranho porque todo mundo

de paletó e gravata e eu de manga de camisa. Uma coisa estranha. Era uma

reunião oficial. Eu não tinha me preparado para isso. Me pegaram

desprevenido. A imprensa era daquele lado dali. Fui para aquele chiqueirinho lá

e as pessoas começaram a olhar para mim. Daqui a pouco a reunião vai

acabar e eu não vou conversar com esses governadores. Qual é o momento

em que eu vou conversar com esses governadores? Aí eu percebi... Perguntei

quem eram os governadores. Alguns eu conhecia, outros eu não conhecia.

Fiquei perguntando... Aí eu saí de dentro do chiqueirinho dos jornalistas para

conversar com os governadores. E eles estavam sentados em uma reunião,

uma mesa semicircular, e eu saí para conversar com cada um me ajoelhando:

governador, eu sou do Jornal do Brasil, eu tenho uma pergunta para fazer ao

senhor, o senhor é a favor ou contra a reforma agrária? Eles foram

respondendo e eu fui rapidamente escrevendo, não deu para conversar com

todos, mas peguei os outros no corredor, conversei com todos, graças a Deus.

Cheguei no jornal muito satisfeito e ele diz: faça o lide da matéria, e digo,

o que é o lide? Lide é o primeiro parágrafo com o quem, que, quando, como,

onde, por quê. Eu fiz uma vez, não gostou, fiz a segunda, não gostou, terceira

vez... Rasgou umas cinco ou seis vezes a matéria e na sétima vez ele disse:

pode passar o telegrama. Eu mesmo saí com esse telegrama. Ficava a uns

três quarteirões além da sucursal, no centro da cidade. Isso foi num sábado.

No dia seguinte, dez da manhã, eu estou na cidade, ainda morava na Casa do

Estudante no Recife. Aí vou procurar o jornal, quando eu vi a manchete do

jornal: Governadores do Nordeste apóiam a reforma agrária. Estava assinada

sucursal do Recife.

Minha primeira matéria em jornal... O Paulo Rehder disse: você entrou

com o pé direito, a primeira matéria sua virou manchete do jornal. Eu entrei no

jornalismo com a estrela na testa. Fiquei muito satisfeito e passei a me

desenvolver a partir daí. Essa foi minha primeira matéria no jornalismo.

Entrevistadora – Mas antes você não tinha feito estágio?

140

Gaudêncio Torquato – O estágio era traduzir telegramas em espanhol, não

era de reportagem, não era de campo, era interno, copidescar texto, não gostei

muito da experiência, no Diário de Pernambuco, à noite. Depois eu disparei. A

partir daí consolidei no Jornal do Brasil, fui chamado no Correio da Manhã,

sucursal de Recife também. Mas o meu sonho era trabalhar com Calazans

Fernandes, na Folha de S. Paulo, que era um jornalista vibrante do Nordeste,

passou pelo Rio. Ele tem uma história muito bonita. Eu saí do Jornal do Brasil,

fiquei no Correio da Manhã e fui para a Folha de S. Paulo. Calazans me

convidou para lá, na Folha de S. Paulo em 65 e fiquei lá na sucursal da Folha

fazendo os suplementos especiais da Folha, trabalhando no dia-a-dia, cobrindo

os acontecimentos políticos e sociais na Folha de S. Paulo na sucursal de

Recife. Foi aí que cobri a Sudene, conheci o Chaparro que era o assessor de

imprensa da Sudene na época. Depois o Chaparro saiu da Sudene e foi

trabalhar na Folha de S. Paulo na sucursal e foi onde nós ficamos mais ligados.

E durante todo o tempo, faculdade à noite. Tive uma grande experiência

lá com Luiz Beltrão. Luiz Beltrão tinha um ensino prático muito grande, era um

grande jornalista. Ele fez um estudo interessantíssimo sobre imagem, foto, a

importância da imagem no jornalismo. Eu sei que tivemos uma grande

experiência com Luiz Beltrão, fazendo o jornal-laboratório. Me coube, por

exemplo, numa das experiências com Luiz Beltrão, entrevistar Dom Hélder.

Me lembro da faculdade, dos velhos tempos, de alguns professores

interessantes, como Potiguar, Amaro Quintas, de história, Luiz Beltrão. José

Marques de Melo estava começando nessa época, era uma espécie de

assistente do Luiz Beltrão.

Entrevistadora – E como era a comparação com o que era ensinado e o

trabalho, porque muita gente acha a formação do jornalista dispensável.

Gaudêncio Torquato – Eu sempre achei interessante a faculdade no aspecto

mais de embasamento cultural. Porque a redação mesmo se aprende na

prática do jornal. Eu aprendi dentro do jornal, escrevendo. E embasamento,

história, filosofia, lógica, economia política, acho que são cadeiras

fundamentais. O embasamento técnico, a faculdade realmente também ensina,

141

dá o bêábá no sentido de lide, sublide, reportagem, jornalismo informativo,

interpretativo, opinativo. Depois fui professor de todas as disciplinas. Terminei

a faculdade. Eram três anos na época.

Na época eu me lembro que nosso patrono, paraninfo foi aquele

senador, que teve aquele famoso episódio com a Rede Globo, como é o nome

dele? Do Espírito Santo, jornalista famoso, escreveu um livro sobre a Rede

Globo denunciando o Time Life... Era um dos ícones do jornalismo na época.

Padre Aloísio Mosca de Carvalho, o nosso reitor, professor também. Da

faculdade a experiência foi essa.

Aí depois fiquei na Folha de S. Paulo, Jornal do Commercio e no Correio

da Manhã e ainda fazia alguns free-lances para a revista O Cruzeiro, que era

dirigida na época pelo Murilo Marroquim. Enquanto que o irmão dele era o

diretor de redação do Jornal do Commercio, o jornal onde eu ganhei o Esso

fazendo aquela série de reportagens em 1966: “Barriga d´água: a doença que

mata na cura”. Uma série de reportagens sobre esquistossomose.

Entrevistadora – Quais assuntos você cobria?

Gaudêncio Torquato – Eu fiz uma série de reportagens para o Correio da

Manhã sobre o campo. Aquelas greves no campo, os trabalhadores, padre

Crespo, padre Melo.

(Gaudêncio interrompe a conversa para atender ao telefone)

Os conflitos rurais na época eram muito fortes. Na época da formação

dos sindicatos, logo depois do Julião, e então o movimento sindical, o

movimento rural de Pernambuco, passou a ser liderado pelo padre Melo,

depois pelo padre Crespo e eu cobri muito esse setor. Era uma época muito

efervescente. Particularmente o Correio da Manhã se interessava por essas

temáticas. As matérias de Pernambuco eram muito bem aceitas pelo jornal

porque tratavam da questão do campo, o jornal era contra a ditadura, e eu

assinava as matérias, todas as matérias tinham o meu nome: Gaudêncio

Torquato, correspondente.

142

Aí comecei também a fazer a cobertura da análise política. Acompanhei

o Castelo Branco, primeiro presidente da ditadura, que chegou no Nordeste.

Ele foi em caravana de ministros, foi até a barragem de Boa Esperança. Eu fui

cobrir esse evento no Maranhão, o desvio de um rio para se começar a

construir a barragem de Boa Esperança.

Entrevistadora – Por ser o período da ditadura, nunca sentiu nenhuma

dificuldade em abordar esses temas?

Gaudêncio Torquato – Eu sentia uma certa pressão no sentido de não fazer

matérias muito quentes. Até porque eu estava fazendo matérias muito quentes

no Correio da Manhã e aí eu percebi que havia uma certa vigilância. Chegava-

se a sentir essa vigilância. Eu tinha tido no segundo, terceiro ano colegial, eu

era presidente do diretório acadêmico, tinha uma diretoria toda de esquerda,

tinham alguns do partido comunista, foi até interessante porque o pastor,

diretor do colégio, chegou a fechar o diretório porque achava que o diretório

estava muito...

Eu era uma pessoa de esquerda, mas não estava filiado a partido

político. Mas tinha na minha diretoria Aníbal, que era o primeiro secretário e era

do partido comunista. Nós fazíamos uma movimentação muito forte, agitada.

Eu tinha, de certa forma, um posicionamento bastante de esquerda no

jornalismo. E evidentemente esse posicionamento procurei controlá-lo para

evitar confusão maior com a polícia.

Fiz esse trabalho em Recife no Jornal do Brasil, Correio da Manhã,

Folha de S. Paulo, Jornal do Commercio...

Entrevistadora – E era uma fase de reportagens bastante diferentes,

maiores...

Gaudêncio Torquato – Tinha, no Jornal do Commercio, reportagens de página

inteira. Eu saí pelo Nordeste, páginas inteiras. Eu fazia uma série de

reportagens, três, quatro, cinco. Ganhava um bom salário. Isso até 67 quando

143

nós viemos para São Paulo. Maio de 67. Recebi o Prêmio Esso no Rio de

Janeiro, um prêmio muito bonito.

Entrevistadora – E por que essa reportagem mereceu o Esso?

Gaudêncio Torquato – Eu era autor das minhas pautas, eu não era pautado,

eu fazia as minhas pautas e fazia as matérias. Eu percebi que a escola

pernambucana de esquistossomose era a mais importante da época no Brasil.

Tinha a escola paulista, a escola baiana. Pernambucana porque Pernambuco

era um estado na época que apresentava um dos maiores índices de

esquistossomose do mundo. Uma cidadezinha perto de Recife, São Lourenço

da Mata, cuja população, praticamente 80% da população, estava contaminada

de esquistossomose. Aquelas barrigas imensas. Os hospitais no Recife tinham

alas só para esquistossomose. Eu me interessei em pesquisar esse fenômeno.

Como era. Então eu percebi que havia uma briga entre três pólos que cuidam

dessa doença: tinha os clínicos, os patologistas e os cirurgiões.

O clínico passa o remédio, o remédio mata o bicho, mas o bicho encarna

no fígado. Aí os patologistas, quando iam verificar, verificavam que o bicho

estava encalhado no fígado e quando esse encalhe chegava a necrosar o

tecido a pessoa morria. Quando o cirurgião ia operar, a coisa não tinha mais

jeito e ele morria. Por isso é a doença que mata na cura. Quando se pensa que

está curando, está matando. Os clínicos brigando com os cirurgiões, cirurgião

dizendo que podia operar, os patologistas no meio dos dois. Entrevistei

patologistas de grandes universidades, clínicos e cirurgiões. Então coloquei os

médicos para brigarem entre si. Tem uma reportagem dos patologistas, tem

uma dos clínicos, tem reportagem dos cirurgiões, tem uma reportagem dentro

de um hospital mostrando como eles eram tratados, tem reportagem mostrando

o ciclo do esquistossomo, quando ele se hospeda no caranguejo, quando as

pessoas fazem necessidades fisiológicas na beira das lagoas e ali já depositam

o bicho. Dali se esconde no hospedeiro, a pessoa vai tomar banho no rio, o

bicho entre pelas vias mesentéricas e aí começa o ciclo todo. Eu expliquei todo

esse processo. Fui para a cidadezinha de São Lourenço da Mata para mostrar

a cidade toda doente. Isso deu uma série de reportagens com a fotografia de

Claudomir Bezerra, um fotógrafo que depois fez muito sucesso aqui em São

144

Paulo. Foi uma série interessante. Evidentemente esse prêmio me abriu

fronteiras, criou realmente uma aura de competência. Em função do sucesso

que também estavam tendo na época os suplementos especiais que

estávamos fazendo para a Folha de S. Paulo, o Frias chamou o Calazans

dizendo: você quer vir para São Paulo? Você tem 48 horas para decidir.

Chegando em São Paulo, ficamos na Folha até 1970, quando saímos

depois de uma briga muito grande que houve entre o Frias e o Caldeiras, que

era o sócio do Frias. Nessa briga, a Folha nos tirou dos suplementos, os

suplementos foram abolidos. A Folha fez um grande trabalho. Inauguramos o

off-set da Folha, foi uma época heróica do jornalismo em São Paulo.

Inauguramos, consolidamos a era do jornalismo interpretativo, a revista

Realidade. Fazíamos grandes reportagens na época. Fizemos um trabalho

sobre a grande São Paulo com 532 páginas sobre o desafio do ano 2000. A

grande São Paulo: o desafio do ano 2000. Depois desse trabalho, inaugurando

o off-set colorido da Folha, o primeiro trabalho a cores da Folha de S. Paulo foi

esse que nós fizemos. Setembro de 67 saiu, por aí, até o final do ano.

Depois fizemos suplementos regionais, na Amazônia, no Nordeste. Eu

mesmo voltei para o Nordeste, fiquei lá três meses produzindo o suplemento do

Nordeste, uma coleção de cinco suplementos. Voltei para São Paulo depois de

três meses com cinco cadernos semanais, cada semana saía um caderno.

Outro ia para região do Oeste, outro ia para o Sul. Corremos o Brasil todinho

para lançar esses suplementos. Foi uma época heróica do jornalismo

interpretativo, grandes matérias, reuníamos sociólogos, psicólogos, arquitetos,

urbanistas, advogados, planejadores urbanos em torno de uma mesa. Debates,

conferências, palestra, mergulhamos nos livros, fizemos entrevista em

profundidade. Foi uma época heróica do jornalismo porque realmente

deixamos o factual para fazer uma moldura mais sistêmica.

Entrevistadora – Aí sua formação humanística foi muito utilizada.

Gaudêncio Torquato – A minha formação humanística ajudou muito a

realmente fazer essas percepções, ligações entre as coisas. Foi uma época

145

muito boa para mim no jornalismo interpretativo, me deu uma bagagem enorme

para depois ensinar na faculdade as técnicas do jornalismo interpretativo.

Em 68 já comecei da dar aula na Cásper Líbero. Em 1968, convidado

pelo José Marques, fui para a Cásper Líbero para dar aulas lá. Comecei a dar

jornalismo interpretativo na Cásper Líbero. Depois jornalismo opinativo. Enfim,

dei diversas cadeiras lá. Diversas turmas. Passei lá 25 anos na Cásper Líbero.

Entrevistadora – E, aqui em São Paulo, começou o seu interesse pelo

jornalismo empresarial?

Gaudêncio Torquato – Em 1970, depois de sairmos da Folha, criamos a

Proal, Programação e Assessoria Editorial. O escritório ficava lá no centro da

cidade, lá no Vale do Anhangabaú. Ocupávamos o 25o andar do prédio, uma

salinha onde ficamos fazendo jornaizinhos de empresas. Aí começou a nossa

curiosidade em torno do jornalismo empresarial.

Entrevistadora – Quando o senhor saiu da Folha, não quis emendar com outro

trabalho na grande imprensa?

Gaudêncio Torquato – Não, foi uma idéia do Chaparro. O Chaparro me

convidou e eu convidei o Luis Carrion para formarmos uma agência, uma

consultoria chamada Proal. Fez muito sucesso também, começou com um

jornalzinho chamado UltraGazeta, que era o jornal da Ultragás. Aí nós fizemos

esse jornalzinho muito bem feitinho. Posteriormente chegamos a fazer 40

jornais ao mesmo tempo.

Aí eu comecei a estudar os problemas empresariais. Escrevo o primeiro

texto no Brasil sobre jornalismo empresarial, “Técnicas do jornalismo

empresarial”, um livrinho, não sei se você chegou a ver.

(Procura o livro)

146

Entrevista 3 Realizada em 26/04/2005 sobre o início da atuação com jornalismo empresarial

e a experiência de docente.

Entrevistadora – Podemos retomar do final da última entrevista, quando o

senhor contava sobre o fim dos suplementos especiais da Folha e a criação da

Proal.

Gaudêncio Torquato – Foi uma idéia do Chaparro, ele me convidou, a mim e

depois a Luiz Carrion, que era na época o encarregado da publicidade dos

suplementos. Eu era editor e o Chaparro, uma espécie de secretário de

redação, e nos convidou, depois que saímos da Folha. Saímos depois de um

evento muito traumático na época porque os suplementos foram dissolvidos a

partir de uma querela, de uma briga entre os dois sócios, na época o Otávio

Frias de Oliveira e o Caldeira Filho, que era o sócio do Frias. O Caldeira era

contra os suplementos e o Frias, a favor. Nessa briga, sobrou para os

suplementos. Eles decidiram extinguir. Era uma estrutura muito alta. Dava um

bom retorno. Sem dúvida que dava um bom retorno, mas ali houve, eu diria,

uma crise de ciúmes com a própria redação da Folha. Deve ter tido algum

problema, eu diria, de relacionamento, na área de relacionamento.

Aí saímos da Folha e ficamos meio tontos no início, Chaparro e eu.

Depois o Chaparro deu a idéia de nós criarmos a Proal. A Proal foi o primeiro

núcleo de jornalismo empresarial organizado no Brasil. As experiências que até

então se davam na área de jornalismo empresarial eram muito dispersas, muito

esparsas, e aí nós criamos a Proal – Programação e Assessoria Editorial. Uma

empresa pequena, constituída então por três sócios, Chaparro, Luiz Carrion e

eu, dedicada à produção de jornais e revistas de empresas.

O primeiro trabalho nosso foi um trabalho de sucesso, foi um trabalho

feito para a Ultragás: o jornal chamado Ultragazeta. Era um jornal colorido,

papel muito bom, um jornal muito bem-feito, produzido profissionalmente,

portanto tínhamos de dar nossa contribuição jornalística ao jornalismo

empresarial e começamos a fazer essa publicação.

Nessa época, começava a nascer a Aberje, Associação Brasileira de

Editores de Revistas e Jornais Empresariais. E então na segunda convenção

da Aberje... Nilo Luchetti, que morreu há pouco tempo, ele era da Pirelli e ele

147

me conhecia, era professor na Cásper Líbero, então ele me convidou para

fazer uma palestra de abertura na segunda convenção da Aberje. A primeira foi

para a criação, quando se criou a Aberje, e a segunda foi a convenção que

apresentava a Aberje do ponto de vista de eventos, na área do congresso, na

área de confraternização, do conhecimento, da primeira troca de experiências

no Brasil na área de jornalismo empresarial. E nessa segunda convenção eu fiz

a palestra de abertura dedicada ao tema: jornalismo empresarial: teoria e

técnica.

Fiz nessa palestra a primeira consideração de natureza teórica sobre

jornalismo empresarial e me lembro que escrevi essa palestra numa

maquinazinha Eletra 22, até pouco tempo atrás tinha até esse texto, deve estar

por aí, perdido... Era realmente um texto que depois eu coloquei esse texto no

meu livro Jornalismo empresarial: teoria e prática. E teve muito sucesso porque

foi o primeiro trabalho que ordenou o jornalismo empresarial.

Na verdade, eu preocupado com a terminologia: house-organ, as

houses, e por que não vamos chamar de jornalismo empresarial, de empresas?

E aí eu tentei argumentar no sentido de que essa área deveria se chamar

jornalismo empresarial. Tento de certa forma, não de maneira xenófoba, não é

o caso, mas eu dizia que não é o caso de usar house-organ. Até porque house-

organ, na expressão original americana, é o órgão da casa, muito voltado para

o público interno, quando o house-organ no Brasil teve outra conotação de

veículo externo. Então nessa confusão, falei: vamos abolir esse negócio e usar

jornalismo empresarial. Aí fiz a divisão jornalismo empresarial no campo de

jornais, revistas e boletins porque esses são os três veículos que assumem as

características jornalísticas de acordo com Luiz Beltrão: atualidade,

periodicidade, universalidade e difusão coletiva. Eu peguei as quatro

características que o Beltrão cita no livro dele Imprensa informativa, a partir de

Otto Groth, e a partir dessas características eu passei a identificar nesses três

canais jornalísticos (boletins, jornais e revistas) essas características e fiz a

diferenciação entre esses canais.

Entrevistadora – Isso já na palestra para a Aberje?

Gaudêncio Torquato – Na palestra eu fiz uma coisa mais abrangente,

jornalismo econômico, jornalismo especializado, jornalismo empresarial.

148

(pausa para pegar os Cadernos Proal)

A Proal começou no vigésimo quinto andar do edifício, ali no

Anhangabaú, de onde nós ficávamos jogando aviãozinho quando não tinha o

que fazer. Eu, nesse trabalho, defini o jornalismo empresarial a partir do

econômico, científico, técnico-industrial, administrativo, esportivo, policial e eu

dizia que nenhum desses rótulos serve para caracterizar o jornalismo

empresarial, criando já uma nova categoria.

Eu falo um pouco da importância desse tipo de jornalismo do ponto de

vista de quais são os seus objetivos, o público e a técnica e tem um pouco os

mandamentos. (lê o texto...)

Os primeiros oito mandamentos do jornalismo empresarial no Brasil eu

fiz. Essa foi a primeira sistematização no Brasil. Tinha mais sobre RP. Essa foi

a primeira manifestação teórica do jornalismo empresarial no Brasil.

Esses cadernos tinham um sucesso! Eu era o editor dos Cadernos e

fizemos nessa fase antiga quatro, depois na fase nova, mais quatro. Recebidos

com grande sucesso isso aqui, porque não havia, e a Proal passou a ser um

centro de referência teórica. Nós levávamos para a Proal, já depois na Afonso

de Freitas, professores da USP para discutir jornalismo empresarial, levávamos

pessoas do mercado de jornalismo empresarial. Então foi uma coisa

interessante porque começamos a vestir essa área de profissionalismo.

Entrevistadora – Foi ocasional ou intencional que a Proal fosse centro de

referência teórica?

Gaudêncio Torquato – Como eu era professor, o Chaparro era profissional,

mas ele não tinha ainda nenhuma vestimenta acadêmica. Chaparro era

jornalista que veio de Portugal que nem tinha feito jornalismo ainda. Depois ele

fez jornalismo e tal... E como eu era um acadêmico, um professor, tinha que

sistematizar. E nós percebemos na época que o marketing da Proal deveria

estar atrelado a um conceito de qualidade, de excelência técnica. Luiz Carrion,

um publicitário, Chaparro, jornalista, e eu, jornalista e professor. Então

tínhamos de tirar daí um produto chamado teoria, conceito técnico, técnica e

teoria. Então com isso aí nós vamos embasar, vestir a Proal de qualidade, de

conceito. Não é só uma empresa da “fazeção”, é uma empresa do

149

pensamento, e foi assim que nós desenvolvemos a Proal também no sentido

de escola. A Proal realmente abriu o campo do jornalismo empresarial e depois

da comunicação empresarial, porque você sabe que eu saí do jornalismo

empresarial e também rotulei comunicação empresarial, também é um rótulo

meu. Foi depois desse rótulo de jornalismo empresarial que eu passei, já na

segunda fase dos Cadernos Proal, trabalhando com conceito de comunicação,

expandindo.

Para você ter uma idéia, na USP, já dando aula na USP, também eu

cheguei a publicar isso na USP. Cadernos que o Zé Marques depois editava.

Então esse estudo foi feito também na USP. Esse estudo (mostra publicação)

já foi na USP, na série de jornalismo, em 1971. Zé Marques era diretor da

faculdade. E aqui nós começamos a teorizar, levei esse conceito também para

a USP. Então é claro que eu aumentei o trabalho, o trabalho é mais amplo,

aqui eu fiz um estudo maior.

Depois, aqui já foi o quarto dos Cadernos Proal: Lições da

experiência. Até aqui era jornalismo empresarial, fazia um editorialzinho, o que

significava cinco anos de jornalismo empresarial. Eu começo a mostrar nesse

caderno a expansão do jornalismo empresarial no Brasil, eu comecei a buscar

os fundamentos históricos e aqui já tem uma idéia desse início todo (refere-se

aos primeiros Cadernos). Aí depois eu expandi o conceito para comunicação.

Entrevistadora – Para quem iam os Cadernos Proal?

Gaudêncio Torquato – Profissionais de comunicação das empresas, relações

públicas, tinha muita gente de relações públicas na época. Foi quando nós

começamos a trazer o campo para o jornalismo, porque esse campo era muito

dominado pelas relações públicas. Então nós passamos a trazer para o

jornalismo.

Entrevistadora – Foi uma transição complicada?

Gaudêncio Torquato – Complicadíssima! Muita briga com RPs na época, que

processavam jornalistas que trabalhavam com isso. Eu comecei a mostrar que

isso era uma atividade jornalística, não de relações públicas. Enfim... Depois

aceitamos os dois profissionais trabalhando na área, foi uma confusão dos

diabos. Eu conto isso na minha tese inclusive. Então depois nós partimos para

150

a fase da comunicação de uma maneira mais ampla. Aí na outra entrevista eu

vou falar sobre a minha tese.

Entrevistadora – Essa fase da comunicação mais ampla começa quanto

tempo depois da criação da Proal?

Gaudêncio Torquato – Cinco anos depois. A gente fez uns quatro cadernos

como jornalismo empresarial, nem lembro a periodicidade na época porque a

gente não tinha dinheiro para bancar... Para você ter uma idéia, minha

preocupação na época era trabalhar com jornalismo especializado. Eu fiz uma

palestra também nessa época, convidado pelos padres sobre jornalismo

católico no Brasil numa visão crítica. Foi o primeiro trabalho também sobre isso

em 1969. O pessoal aqui da Igreja me chamou, estavam muito preocupados

com a questão da comunicação e a opinião pública, e aí eu fui chamado. Na

época eu era professor da Cásper Líbero, não era nem da USP, para fazer

essa palestra sobre jornalismo católico no Brasil, uma visão crítica. Depois eu

fiquei por aqui. Fui chamado diversas vezes para falar sobre esse assunto, mas

não era minha especialidade, não quis.

Entrevistadora – O primeiro jornal da Proal, o da Ultragás, era um jornal que já

existia na empresa?

Gaudêncio Torquato – Era. Ele já existia, e nós aperfeiçoamos. Ele era muito

amadorístico. Nós demos um cunho profissional para ele.

Entrevistadora – Muitas dessas publicações eram ligadas ao RH.

Gaudêncio Torquato – RH, existia pessoal de relações públicas, tinha alguns

veículos na área de marketing, na área de vendas, mas a maior parte era

realmente feita por profissionais de relações públicas. E era um jornalismo

empresarial muito bajulativo. Era na verdade um jornalismo empresarial muito

voltado para os dirigentes, muito para mostrar a cara dos presidentes de

empresas, muito para mostrar a empresa como uma ilha de felicidade. Eu

combati nos meus textos esse tipo de abordagem porque mostrava que a

empresa era uma ilha segura, tranqüila, dentro de um mundo completamente

conturbado, cheio de problemas, como um oásis. Fiz até depois um trabalho

que foi publicado pela USP: “O mito da felicidade da comunicação

151

empresarial”, onde mostro essa abordagem, uma abordagem particularmente

desenvolvida pelos profissionais de relações públicas. Eu me lembro que

fizemos um trabalho na Cosipa num jornal chamado O Chapa e a abordagem

lá era muito voltada para o presidente da Cosipa na época. Saía a foto dele

sete, oito, dez vezes. Quando nós chegamos lá, lutamos tremendamente para

mudar essa abordagem. Foi muito difícil, e eu me lembro que eu era também

repórter dos jornais da Proal. Eu ia para os lugares fazer as entrevistas, ia para

a Cosipa lá embaixo, em Piassagüera-Guarujá, na usina da Cosipa, onde eu ia

entrevistar os operários. Me lembro que entre essas experiências interessantes

da época, uma experiência muito interessante era um jornal da Deca, depois

absorvida pela Duratex. Era O Registro. O jornal chamava-se O Registro. Uma

das experiências mais interessantes na minha vida de repórter de jornal de

empresa. Por quê? Porque esse Registro era um jornal muito popular, era um

jornal com cara de pobre, era um jornal pobre, parecendo um panfleto,

impresso rusticamente numa dessas gráficas de fundo de quintal, numa

linguagem muito simples, mas um jornal queridíssimo, apreciadíssimo pela

massa de leitores que eram trabalhadores da Deca, quase operários, eu diria,

muito modestos, muito humildes, muito pobres, com salários pequenos. E a

Deca era uma empresa muito artesanal. E eu me lembro que tinha uma

questão lá que era a questão da segurança, que era muito grave o problema de

segurança na empresa. E nós criamos uma figura do Tião Seguresa, eu fazia

essa coluna do Tião Seguresa. E eu fui verificar que a Deca na época era

muito perto do Palmeiras, ali na Barra Funda, e portanto tinha muito italiano

dentro daquela empresa. Eu me lembro que nós criamos a figura do Tião

Seguresa, uma cara do Tião Seguresa, uma cara de um sujeito parecido com o

operário comum, ilustrado, e o Tião Seguresa aparecia na ilustração dentro das

equipes de futebol, aparecia conversando. O próprio Tião era um texto muito

coloquial, cheio de palavras italianas. Eu que não sabia italiano tive que

aprender a gíria italiana, comprei um livro de gíria para poder banhar a

linguagem dessa coluna de segurança para vender o peixe de segurança. E

não é que tinha um efeito extraordinário? O pessoal adorava essa coluna por

causa da linguagem, da brincadeira e tal.

O jornal era planejado como? O jornal era planejado no chão de fábrica.

Ia para lá com aqueles operários todos com o macacão sujo de óleo, numa

152

bancada suja de óleo, sentava lá, dentro do chão de fábrica, num dia da

semana à tarde, para planejar o jornal. O planejamento saía de baixo para

cima, não de cima para baixo. Ia para lá e eles diziam: nós queremos isso, isso

e aquilo, e nós como Proal fazíamos o jornal de acordo com os interesses dos

leitores. Era um sucesso. Aí a Deca foi absorvida pela Duratex. A Duratex, do

grupo Itaú, maior, passou então a querer um veículo que pudesse integrar a

comunidade Deca na comunidade geral Duratex. Aí esse jornal foi abolido e

fizemos uma revista, muito bonita, sofisticadíssima, a cores, quer dizer, uma

revista mais sofisticada, mais bem escrita, mais cara, mas não tinha o sucesso

do jornal. O jornal tinha realmente efetividade, o jornal tinha leitura, era

aclamado, era lido, coisa simples, tinha a cara do operário, e a revista não tinha

a cara do operário. Era uma coisa como se não fosse dele. Era interessante

observar que esse jornalismo de empresa não deve ser bonito. Não. Deve ser

o jornalismo com a cara da pessoa que vai ler.

Aprendi muito, muito, muito nesse convívio com o operariado. A

linguagem do operário. Aprendi muito na Cosipa escrevendo... Uma das séries

de reportagens mais interessantes que eu cheguei a fazer na Cosipa foi

tentando mostrar o processo de produção como um corpo humano: pulmão,

sangue, cabeça, mãos, braços. E em cada número do jornal O Chapa saía a

reportagem número um, número dois... Também fizemos isso na General

Motors do Brasil. O jornal da General Motors, como se chamava mesmo o

jornal da General Motors? Onde eu cheguei a fazer uma série sobre o

automóvel, como nasce um automóvel, como nasce, desde a concepção até

ele ir para a rua. Uma série de reportagens no jornal da General Motors, que

planejava lá em São Caetano, na fábrica, depois tinha a fábrica de São José,

juntava as duas fábricas. E a gente ia, planejava lá e tal, e eu me lembro que

eu ia muito para a fábrica conversar com as pessoas. A cada número do jornal

ia para um setor diferente, geralmente uma reportagem abarcava dois ou três

setores: usinagem, mais isso e aquilo. Mostrava aquilo comparativamente com

o corpo humano porque, como a linguagem era uma linguagem muito técnica,

eu tinha que simplificar essa linguagem para os símbolos mais compreensíveis,

a média, e puxava esses textos mais técnicos para uma concepção criativa

envolvendo o corpo humano. Tinha que arranjar uma forma de estruturar o

texto.

153

Entrevistadora – Mas aí foi uma visão sua, particularmente, porque outros

jornalistas na época também tinham contato com isso.

Gaudêncio Torquato – Tinham e ninguém escreveu sobre isso. Pode ver, no

Brasil ninguém escreveu. Você pode ver que meu livro, este da comunicação

organizacional, esse último aí classifica direitinho todas as coisas. Por quê?

Porque eu sentia necessidade. Espera aí: comunicação é um vasto mundo da

organização, uma parte apenas é jornalística, outra parte é administrativa,

outra parte é comunicação gerencial, que são os fluxos de comunicação,

verticais, horizontais, a feudalização da comunicação da empresa, a retenção

da informação pelos níveis intermediários. Enfim, tudo isso eu cheguei depois a

pesquisar. Por quê? Porque eu entrei nas organizações. Na experiência e na

minha vida também dentro da empresa. Eu fui diretor de comunicação do

Grupo Bonfiglioli. Como diretor de empresa, como gerente de comunicação, no

Grupo Bonfiglioli, que tinha umas 35, 40 empresas e que foi uma experiência

fundamental. Foi o que depois me deu o embasamento para a tese de livre-

docência. Depois a gente vai conversar sobre isso.

Então, voltando aí para o jornalismo empresarial, foi um banho de

realidade brasileira, foi um banho de cultura brasileira, foi um banho de

linguagem. Eu li uma tese sobre o peão do Grande ABC, feito por alguém, não

sei se da PUC, eu estava lendo aquele livro e isso eu conheço tudo, a

linguagem do peão, aquela coisa da rádio peão, rádio corredor, rádio fofoca, as

brigas empresariais. Só convivendo dentro da empresa. Então foi importante

demais para conviver, sentir os problemas, ouvir as queixas, as fofocas, as

brigas em torno do poder, quem tem mais poder. Isso me deu realmente uma

boa bagagem sobre a comunicação nas organizações.

Entrevistadora – Sua atuação como repórter nesses veículos de empresa

exigia uma postura diferente?

Gaudêncio Torquato – Você imagina, eu, professor de Universidade de São

Paulo, dando aula, com a cátedra, depois eu me vestia humildemente de

repórter para me enfiar dentro da realidade empresarial. Eram dois mundos. E

eu achava que isso fazia com competência porque eu tinha que fazer bem-

feito. Era sobrevivência sob dois aspectos: do lado empresarial, lado da

consultoria Proal, da assessoria Proal, e o lado da academia. Os dois me

156

mantinham vivo. Então tinha que combinar os tempos, dava aula de manhã, à

tarde na Proal, eu tinha que ter uma adequação de tempos.

Entrevistadora – Um repórter dentro de um veículo de comunicação

empresarial tem uma atuação diferenciada do que na grande imprensa?

Gaudêncio Torquato – Foi quando eu fui sentir a importância do jornal de

empresa. Jornalzinho... Jornalzinho, não. Jornalzão, porque é o único jornal às

vezes que o operário lê. É o único da vida dele. Que jornalzinho... É o jornal da

vida dele. Foi quando eu fui sentir como é que o operário dá, por exemplo,

importância ao nome de sua filha que aniversaria. Até a cara do morto. Eu

achava horrível... Tinha lá necrológico no jornal da General Motors. As pessoas

morriam e colocava a cara. Eu conheço fulano e tal. Porque tinha um aspecto

da identificação da pessoa.

Foi quando eu fui perceber que esse jornal ele era tão revolucionário

como uma Folha de S. Paulo, um Estado de S. Paulo. Por quê? Porque ele

cumpre uma missão social. Ele integra, ele informa. Ah, mas ele informa de

acordo com o estatuto da empresa. Muito bem. E o jornal Folha de S. Paulo informa com o estatuto de quê? Com o padrão editorial da Folha e o padrão

social, liberal-econômico da sociedade, o padrão do governo. Na época, dizer

na universidade que você fazia jornalismo empresarial, meu Deus... Tive que

suportar. Era de direita! Vendido ao capitalismo internacional! Quando depois

eu cheguei a mostrar por A + B que é a mesma coisa. Esse jornal que diz que

faz a revolução, ele, de uma certa forma, faz o que os grandes grupos

econômicos querem, porque são os grandes grupos que financiam. Assim

como a empresa patrocina um jornal de empresa, os grandes grupos

econômicos patrocinam os jornais diários e as televisões. Então essa

independência é entre aspas. Eu fui mostrando devagarinho isso para os

alunos. Hoje não tem mais problema, mas naquela época era um problema

seriíssimo.

O grito ideológico estava na sociedade, esquerda e direita, o muro de

Berlim não havia sido ainda derrubado. Então as coisas estavam muito fortes

em torno da esquerda/direita, vendidos ao capitalismo e tal.

157

Entrevistadora – Mas, nesses veículos empresariais, o senhor nunca sentiu

uma limitação na atuação?

Gaudêncio Torquato – Ao contrário! (enfático) É ao contrário! Eu sempre fui

mais desafiado porque tinha que criar. Escuta: o jornal diário é algo muito burro

no sentido da linguagem. Uma linguagem pobre. Sujeito, verbo e complemento.

Lide, sublide, corpo de matéria. Pirâmide invertida. Você faz o jornal na

pirâmide invertida, onde tem o lide. O sublide, que é o parágrafo embaixo do

lide. O corpo da matéria com três ou quatro parágrafos. E disso daí tudo dá a

manchete. Isso é o jornal diário. Tem uma parte de artigos, que aí é a opinião

do autor. Tem o editorial que é a opinião do jornal. Muito bem. Agora, no jornal

de empresa, tem tudo isso e mais: como fazer com que a linguagem técnica

seja apropriada, compreendida, internalizada pela cachola do leitor. Como? Aí

é a criatividade. Eu tive desafios maiores de escrever jornal de empresa que

jornal diário. Eu tenho esse Prêmio Esso de reportagem sobre barriga d´água,

foi um esforço físico, de me locomover, de entrevistar e tal, não de arrumar a

bagagem de informações. Agora, como é que eu vou explicar como nasce um

carro? Se eu colocar na linguagem de engenheiros, vai ser uma merda,

desculpe... Mas ninguém vai entender, essa linguagem é hermética, fechada,

eu tenho que desembrulhar esse pacote técnico. E, na verdade, pode

realmente olhar na época, nós bolamos grandes coisas no jornalismo

empresarial, grandes títulos, grandes matérias. Chaparro deve se recordar

disso porque na General Motors, aquela coleção sobre nascimento do carro,

aquilo era para ter o Prêmio Esso de linguagem de criatividade. O desafio era

muito maior, muito maior.

Por isso é que eu fiquei satisfeito. Quem me deu a criatividade foi o

jornalismo empresarial, quem me deu o fôlego para bolar a simbologia,

metáfora, muita metáfora, corpo humano, frases, filosofia, se tinha mais

liberdade de criar. Só os burros que faziam jornalismo empresarial na época de

maneira malfeita, mas nós procurávamos fazer jornalismo vibrante, jornalismo

palpitante, entendeu?

Entrevistadora – Essa chegada de vocês com uma visão mais

profissionalizada também precisava na empresa de pessoas de cabeça aberta.

158

Gaudêncio Torquato – Mas nós tínhamos um outro papel que era de vender

nosso peixe. Você quer melhorar o padrão de integração, vamos fazer assim...

Tinha que vender, convencer o gerente de relações públicas, diretor de

recursos humanos, convencê-lo para ele aceitar que devia fazer uma coisa

mais imparcial, mais alegre, até polêmica. Em um outro jornal nós até

aconselhamos que houvesse pessoas indagando, questionando a empresa em

outro aspecto, para questionar, para suscitar o debate. Foi uma experiência

extraordinária, extraordinária, eu não me arrependo, ao contrário. Eu acho que

eu cresci mentalmente de maneira criativa na linguagem etc. a partir das

experiências no jornalismo empresarial.

Entrevistadora – Nessa época o sr. já era professor na Cásper?

Gaudêncio Torquato – Na Cásper e depois na USP. Em 69 já estava na USP.

Em 68, na Cásper. Minha primeira experiência como professor foi uma lástima!

O primeiro dia de aula foi uma coisa lastimável! Lá vem eu com uns 20 anos de

idade, com um sotaque carregadíssimo, que ainda tenho, em uma sala de aula

onde havia alunos mais velhos do que eu, dois padres, e Zé Marques me

colocou nessa experiência de professor de jornalismo informativo e

interpretativo. Minha primeira aula eu fiz sobre início do jornalismo, fui buscar lá

em Roma antiga as primeiras experiências em jornalismo e tal, decorei para

caramba. Chegou um momento lá que eu vi o pessoal rindo um pouco. Era

brincadeira de aluno e eu achava que era comigo. Aquilo me destrambelhou.

Fumei um cigarro atrás do outro, fiquei meio encabulado, foi uma coisa meio

desastrosa porque não tinha a desinibição para dar aula. Eu estava ainda muito

agarrado em pessoas mais velhas do que eu, nunca tinha dado aula, fui jogado

na sala de aula assim de repente, sem um preparo.

Entrevistadora – O senhor foi chamado justamente por conta de sua

participação na Folha?

Gaudêncio Torquato – Por minha participação na Folha. O Zé Marques

estava criando lá um centro de pesquisas em jornalismo na Cásper Líbero e eu

criei o Centro de Pesquisas em Jornalismo Empresarial na Proal. O Zé

Marques tinha um centro de pesquisa e convidou um grupo de professores

amigos dele, eu, o Morel, o Seixas Patriane, e eu fui lá nessa leva. Aceitei o

159

convite, fui aprovado pela congregação. Na USP depois fui fazer concurso. Um

ano depois. Aí fui jogado às feras. Foi uma experiência porque depois comecei

a me desinibir e dei aula até hoje.

Zé Marques criou lá um elenco de disciplinas técnicas, jornalismo

informativo, interpretativo. Eu sempre fui acho que muito bom, bom, e minha

área realmente mais forte era de interpretação, jornalismo interpretativo. Foi

minha cadeira central na Cásper Líbero. Dei aulas por quase 30 anos lá de

jornalismo interpretativo. Cheguei a dar informativo também, especializado,

mas era mais jornalismo interpretativo. Estudei muito essa área, do jornalismo

da grande reportagem. Jornalismo, eu diria, das reportagens romanceadas,

Tom Wolf, tinha espaço, Realidade na época. Jornal da Tarde e Realidade

eram os veículos que espelhavam esse jornalismo de interpretação. Eu era

amigo do pessoal de Realidade. Por quê? Porque nós fazíamos na Folha de S.

Paulo jornalismo interpretativo, as grandes reportagens dos cadernos dos

suplementos especiais. Tinha realmente um foco. Em função desse jornalismo

da Folha foi que Zé Marques me chamou para dar aula na Cásper Líbero. Um

sucesso esses suplementos especiais em São Paulo!

No ano seguinte eu entrei na USP, em 69, por concurso e tal, depois fiz

a carreira acadêmica lá, doutoramento. Mestrado, fiz um trabalho especial. Não

era simplesmente pular para o doutorado. Nós tivemos que fazer um trabalho,

eu fiz um trabalho de mestrado, inclusive uma pesquisa ampla sobre jornalismo

empresarial. Tive que submeter a pesquisa lá a uma banca. Não cheguei a

fazer formalmente o mestrado, mas tinha esse trabalho que substituía essa

dissertação, essa pesquisa que é essa equiparação ao mestrado. Depois nós

fizemos o doutorado.

Entrevistadora – Era uma época de muito trabalho...

Gaudêncio Torquato – Eu trabalhava na Cásper, dava aula na USP e tinha a

Proal. Na Proal fiquei até 1984, 85, por aí, quando eu fui convidado para ser o

gerente, depois diretor de comunicação do Grupo Bonfiglioli, com Airton

Barcelos Fernandes. Foi uma experiência magnífica porque eu criei, dentro da

empresa, o meu modelo sistêmico de comunicação organizacional. Tinha

jornalismo empresarial, agora jornalismo empresarial é uma fatia só. Aí tinha lá

relações públicas, a publicidade, tinha editoração, vídeos, livros, folheteria,

160

e Letras. Era um professor ligado às Letras e, portanto, os primeiros contatos

com ele foi por intermédio de Zé Marques, veio dele a indicação. Passamos a

trabalhar juntos. Ele passou a me dar uma orientação quanto à estrutura da

tese porque ele não era um especialista da matéria, nem era do campo do

jornalismo, mas, experiente professor que era na Universidade de São Paulo,

titular e com uma ligação forte com a ECA, ensinava na ECA também o

professor Dino Pretti, que era uma espécie de assistente dele, que fez parte da

minha banca depois.

Então o Morel fez uma boa orientação no sentido da organização da

tese, mas deixando evidentemente que eu tivesse toda a liberdade para definir

o escopo conceitual. Eu me lembro que discutimos muito sobre o objeto da

tese, como cercar esse objeto. Na verdade, eu tinha nas minhas mãos um

vasto cenário conceitual e eu queria partir toda uma visão de teoria de

comunicação até chegar ao jornalismo empresarial e às vezes me perdia. O

Morel dizia: precisa limitar mais esse corpo, não fique querendo abarcar o

mundo. Aliás, um conselho que todos nós doutores passamos a dar a nossos

orientandos: a tentativa do aluno, do orientando de abarcar o mundo. Eu me

lembro que a preocupação fundamental dele na época era esta: que eu me

restringisse ao objeto para não me perder naquele emaranhado conceitual.

A minha tese era comunicação e jornalismo empresarial (busca a tese

na sala ao lado). É de 1972, agora não sei se ela foi defendida em 1972 ou 73

porque precisa ver exatamente isso. Ela foi apresentada em 1972, não sei se

foi defendida em 73. E eu trabalhava na Proal na época, fiz o agradecimento ao

Chaparro e ao Carrion, os meus sócios, e também ao Zé Marques, que me

incentivou muito a fazer a tese. O Zé Marques sempre funcionou como uma

espécie de motor, sempre acendia o meu pavio, cobrava, estava sempre me

futucando, me alertando, me cobrando para ir para a frente. Ele defendeu um

pouquinho antes, e eu, um pouquinho depois. Porque o Zé Marques sempre

pensava estrategicamente. Ele queria formar o primeiro grupo de doutores em

jornalismo para poder formar uma base conceitual forte na ECA em jornalismo,

que não havia. Esse mérito ele tem e jamais alguém poderá tirar esse mérito

dele. Foi de realmente ser uma espécie de iluminador de caminhos, de abridor

de horizontes, de estimulador de idéias, de forma que passei a fazer esse

trabalho com a orientação do Rolando. E eu escolhi uma idéia bastante

162

polêmica na época que era que o jornalismo empresarial passava a fazer parte

de um corpo próprio dentro de uma especialidade da comunicação na

empresa. Por quê? Porque na época tudo era relações públicas. E eu passei a

enfrentar, e enfrentei de maneira corajosa, uma querela, uma briga conceitual

como toda a vasta área de relações públicas do Brasil, particularmente com o

seu formular principal na época, o professor Cândido Teobaldo, que

considerava o jornalismo empresarial uma especialidade das relações públicas.

E eu me rebelei. Por muito tempo fui considerado pela área de relações

públicas como uma espécie de outsider, de um forasteiro, mas eu tinha tanta

firmeza na minha defesa, na minha argumentação, na minha visão, a partir dos

conceitos do Otto Groth que eu apliquei ao jornalismo empresarial. O teórico

alemão que apresenta uma base científica forte, para explicar o jornalismo,

essa parte depois foi desenvolvida pelo Beltrão. Eu passei a caracterizar as

formas do jornalismo empresarial, na segunda parte, na primeira parte eu fiz a

visão da comunicação na empresa, mostrando o processo de comunicação nas

organizações, comunicação vertical, ascendente, bilateral. Toda uma visão que

depois eu fui retomar porque eu tinha estudado isso de uma maneira muito

solta. Depois, na tese de livre-docência, é que eu fui amarrar no campo da

comunicação gerencial, administrativa, quando eu fiz uma classificação mais

sólida e definitiva entre comunicação administrativa, comunicação gerencial e

comunicação social. Esse foi um primeiro ensaio, uma primeira visão, uma

primeira perspectiva da comunicação nas organizações. Eu falei de fluxos,

métodos, veículos.

Entrevistadora – Grande parte da bibliografia é estrangeira. O senhor já tinha

conhecimento dela?

Gaudêncio Torquato – Eu fui absorvendo. É uma bibliografia muito genérica

com muita coisa de relações públicas. Eu tive de estudar relações públicas

para poder inclusive refutar. Eu tive que fazer um mergulho profundo no campo

das relações públicas para poder, com conhecimento de RP, puxar daí o

jornalismo empresarial mostrando as diferenças. Tem um tronco em relações

públicas, tem um tronco em jornalismo, tem um tronco em linguagem, tem um

tronco em administração e tem um certo tronco em psicologia, sociologia

industrial. São alguns campos que estão se apresentando como um pano de

163

fundo para balizar o meu ponto de vista, a minha tese. Ao lado evidentemente

de uma visão sobre a sociedade contemporânea, consumismo,

industrialização, para mostrar como esse jornalismo se desenvolve no

contexto.

Entrevistadora – Em um dos capítulos, o senhor utiliza uma comparação entre

as publicações. Seria essa a pesquisa do mestrado?

Gaudêncio Torquato – Eu utilizei um pouquinho da pesquisa que eu fiz

anteriormente, mas tinha que fazer uma coisa original. Eu não pude

simplesmente copiar, já que o trabalho tinha que ser inédito, era tese. Mas

evidentemente, do ponto de vista de modelo, para a maior parte da pesquisa

eu me amparei nesse estudo anterior para mostrar a divisão de gêneros no

jornalismo empresarial, a classificação dos tipos de matéria no jornalismo

empresarial. Realmente esse modelo teve essa inspiração anterior. Sem

dúvida nenhuma que me amparei nessa visão anterior. Só que naquela

pesquisa eu fiz uma coisa bem mais ampla. Na tese afunilei.

Entrevistadora – Boa parte das publicações utilizadas na pesquisa foram

produzidas pelo senhor.

Gaudêncio Torquato – Exatamente. Como eu estava muito por dentro do

assunto, até porque a Proal chegou a fazer na época 40 publicações

simultâneas, entre jornais, revistas e boletins. Muitas dessas publicações eram

publicações de meu conhecimento até porque eu fazia. Ficou mais fácil do

ponto de vista de trabalhar com o corpus da pesquisa: Pirelli, Vig Jornal, a

União. Algumas publicações realmente vieram da Proal. (Folheia a tese) Estou

matando as saudades. Jamais tinha olhado isso.

A tese foi o primeiro, eu acho, estudo em perspectiva latino-americana

sobre esse campo. Levantei o histórico também do jornalismo empresarial no

Brasil trabalhando conceito histórico, apresentando um modelo para as

publicações internas, como deveria ser esse modelo, como resultado desse

estudo. Como deveria ser essa comunicação interna do ponto de vista técnico

e conceitual.

164

Entrevistadora – E um item que mostra esse pioneirismo é que a maior parte

da bibliografia é estrangeira porque na época havia pouca bibliografia.

Gaudêncio Torquato – Exatamente. Não tinha. Nós fazíamos os Cadernos

Proal, Chaparro e eu, eu era o editor dos Cadernos Proal. O que tinha de

bibliografia nacional era de RP.

Entrevistadora – Mas existia um cenário nas faculdades impondo a titulação,

uma pressão do Ministério da Educação?

Gaudêncio Torquato – O pano de fundo mais político, vamos dizer assim, é

que as escolas de comunicação deveriam, evidentemente, se qualificar para

efeito de qualificar seus cursos de pós-graduação. Havia de se formar uma

massa crítica, um conjunto de mestres e doutores, e a USP é que começou

esse processo no Brasil. Os primeiros doutores em comunicação, os primeiros

doutores em jornalismo, enfim, nos campos especializados da comunicação. E

essa massa crítica passou inclusive a amparar os cursos de pós-graduação a

partir da ECA. Toda a fundamentação da pós-graduação, todo o arcabouço da

pós-graduação da ECA em jornalismo fomos nós que demos, já que tínhamos

o título de doutor. E passamos depois a ser consultores da própria CAPES, a

CAPES pedindo para essa primeira massa crítica correr o país para examinar

as condições das escolas, dos cursos para efeito de avaliação das condições

estruturais, laboratoriais, dos cursos de jornalismo para efeito também de

habilitá-los a uma pós-graduação. E começou realmente a se consolidar, a se

expandir a pós-graduação no Brasil em comunicação. Então a USP, além de

ter feito esse trabalho interno de formação, também esse trabalho passou a

gerar efeitos fora da universidade, trabalhando o conceito de Brasil e

capilarizando, estendendo, ampliando essa rede de pós-graduação em

comunicação no Brasil.

Entrevistadora – O senhor lembra quanto tempo demorou para desenvolver a

tese?

Gaudêncio Torquato – Eu quero dizer que foi bem menos tempo que uma

tese normal, até porque nós éramos premidos pelo tempo. Eu estava muito por

dentro do tema, um tema que eu sempre dominei, não era uma coisa nova, eu

fazia já, exercia e para mim como jornalista fica muito fácil escrever. Se tem

165

uma coisa que eu sempre tive muita facilidade foi de escrever. Eu escrevo

rápido, não tenho grandes problemas nessa área, de forma que juntei a minha

condição jornalística do fazer jornalístico, escrever jornalisticamente. A tese

tem até um texto bem jornalístico, com uma visão teórica, uma fundamentação

teórica. Tem a parte prática e a parte de pesquisa. Eu procurei aliar esses

eixos todos, costurar fazendo uma moldura sistêmica integrada com essas

partes todas. Em relação ao tempo eu não me recordo. Eu sei que eu trabalhei

nessa tese, eu me licenciei de tudo, não fui para a Proal. Aí tem uma

curiosidade. Eu morava na Barata Ribeiro, na Bela Vista, num apartamento,

10º andar, tinha lá uma escritoriozinho. Era das 6 da manhã até as 24 horas.

Eu trabalhei diretamente 18 horas por dia. Eu me lembro que eu passava um

mês e meio mais ou menos escrevendo 18 horas a ponto de um dia eu estar

com uma dor terrível, foi preciso um médico me socorrer. De passar o dia

inteiro sentado eu tive um problema terrível na coluna e tive que ser

hospitalizado e tomar aquele remédio... morfina, para a dor. Eu tive de passar

uns dois dias acamado até voltar. Atingiu todo o nervo ciático. Eu também

disse: só vou fazer essa tese se for de cabo a rabo. Aliás é um conselho que

eu sempre dou: querem fazer uma tese? Se afastem do dia a dia, se escondam

no escritório, se não, não anda.

Entrevistadora – E a repercussão dessa tese? Por que demorou a virar livro?

Gaudêncio Torquato – Eu acho que eu relaxei um pouco, era para ter saído

antes. Esse livro tornou-se referência nas escolas, passou a ser usado e

abusado, citado e tal. Tirei umas partes mais acadêmicas. Ele realmente

passou a ser a primeira obra em língua portuguesa sobre jornalismo

empresarial.

E alguns anos depois, em 1983, já dentro do Grupo Bonfiglioli, eu fiz a

experimentação na área de modelo sistêmico de comunicação onde eu

realmente vi como funciona uma grande organização complexa por dentro,

senti necessidades, aprendi e apreendi bem questões relacionadas à gestão

organizacional, estudei muito gestão organizacional, convivendo com

executivos do mercado financeiro de todas as áreas. O grupo tinha mais de 30

empresas diferentes. Tinha a holding. Fui convidado inicialmente para ser

gerente de comunicação e depois eu passei a diretor de comunicação do

166

grupo. Tive condições de formular e implantar o modelo sistêmico de

comunicação organizacional quando na verdade eu já estava deixando a parte

específica do jornalismo empresarial para falar em comunicação empresarial.

Fui também o primeiro a falar em comunicação empresarial, comunicação

sistêmica, e aí nesse caso passei a trabalhar com as formas da comunicação

nas organizações e pela primeira vez falei em comunicação cultural,

comunicação gerencial e social. Fiz essa divisão. Engraçado, até hoje o

mercado confunde, acha que comunicação é uma só. Na verdade existe a

comunicação social. Quando as pessoas querem falar em comunicação hoje

associam à comunicação social, quando na verdade a comunicação nas

organizações tem outras formas e alguns dos problemas da comunicação nas

organizações não dizem respeito à comunicação social, e sim à comunicação,

por exemplo, gerencial, que é a comunicação que mexe com os

comportamentos, com o modelo de gestão, que é a comunicação onde se

sedia, se localiza aquele problema que é o estrangulamento dos fluxos de

comunicação: comunicação descendente, ascendente, lateral, diagonal, todos

esses problemas se referem à comunicação gerencial. Enquanto existe uma

outra leva de problemas de natureza técnica sobre os canais que não são

periódicos, são canais da comunicação administrativa: boletins, memorandos,

cartas, aquela tonelada de veículos de comunicação que também atravancam,

estrangulam o processo comunicacional e que realmente atrapalha até os

outros fenômenos de comunicação. Tanto que depois eu vim retomar isso na

prática como consultor fazendo o trabalho no Banco Itaú, quando eu estudei

todos aqueles fenômenos em uma organização grande como o Itaú. De modo

que nessa tese de livre-docência eu fiz essa divisão de áreas e depois apliquei

o modelo de comunicação social com o jornalismo, as relações públicas,

propaganda, editoração, identidade visual, todos os campos estão lá situados.

Entrevistadora – Mas isso veio antes da experiência no Bonfiglioli?

Gaudêncio Torquato – Ao mesmo tempo eu era professor e era diretor de

comunicação. Eu fiz concomitantemente. Foi uma percepção prática, aliás, os

meus trabalhos sempre se caracterizaram por ter essa visão teórica e prática.

Prática e também com esse lastro teórico. Eu fiquei no Bonfiglioli de 80 a 84,

em torno de quatro anos. Esse trabalho eu fiz em dois anos mais ou menos.

167

Entrevistadora – E no Bonfiglioli não existia essa estrutura integrada?

Gaudêncio Torquato – Não existia nada. Eu implantei a estrutura e desenvolvi

a tese.

Entrevistadora – E deu para perceber na prática as diferenças desse modelo?

Gaudêncio Torquato – Deu para perceber. Era um modelo sistêmico,

integrado, uma ou outra empresa ensaiava isso, a Rhodia ensaiava isso, mas

de maneira muito ligeira, mais voltada à assessoria de imprensa. Quando na

verdade eu tinha tudo isso: jornalismo empresarial, assessoria de imprensa,

relações públicas, identidade visual, pesquisa, tudo na minha área. Porque

essas áreas geralmente, nas empresas, eram espalhadas, uma pertencia aqui,

outra acolá. Fiz convergir tudo isso para um centro formulador de emissor e

executor de políticas de comunicação social. E mais: até uma parte de

comunicação administrativa passava por lá porque memorandos, cartas, tentei

imprimir uma cara, uma unidade a essa comunicação administrativa, que é

uma coisa que ninguém dá valor, quando deveriam dar valor. Deveriam dar

valor, por exemplo, a essa questão da internet, das intranets que hoje

atravancam os processos de comunicação, milhares de e-mails por dia, poderia

ser mais seletiva essa informação, mais focada para o usuário. Há um conjunto

de problemas que diz respeito a internet e intranets.

Entrevistadora – E o desenvolvimento da tese de doutoramento gerou muita

polêmica na ECA (Gaudêncio interrompe a pergunta)...

Gaudêncio Torquato – Na verdade eu tive a coragem de trabalhar o conceito

de jornalismo empresarial quando as pessoas diziam: esse é o jornalismo

vendido ao capitalismo. Que idéia é essa? Como se o jornalismo que se

exercesse dentro do sistema capitalista não fosse ele todo capitalista. Eu dizia

na época aos alunos: qual a diferença entre trabalhar num jornal de empresa e

num grande jornal? Vocês vão pegar em armas num grande jornal? O grande

jornal é também um jornal que pertence a uma empresa privada. Ele tem uma

função de utilidade pública, mas na verdade ele está servindo também ao

grande sistema econômico, político, está inserido nele. E foi assim que eu fui

quebrando as resistências, enfrentando grupos radicais. Me lembro de uma

168

Entrevistadora – Na tese de livre-docência o senhor utiliza muitas teorias de

administração, além da Teoria Geral dos Sistemas. Esse conhecimento vinha

do doutoramento?

Gaudêncio Torquato – Na verdade essa tese aqui, até pela morfologia da

capa, ela tem um aspecto mais de administração. Eu quis dizer aqui: olha, eu

estou falando de comunicação e administração, comunicação e organização, e

isso foi um modelo que eu bolei. Depois eu pedi para uma pessoa colocar isso

nesse gráfico. Eu nunca fui desenhista, mas eu digo: eu vou colocar aqui

algumas áreas que vão entrar no meu modelo. Uma coisa sistêmica, integrada,

com ponto em comum, tem toda uma fisionomia. Eu não expliquei isso, na

verdade eu estou explicando isso pela primeira vez agora. E coloquei esses

termos por quê? Olha: o uso de comunicação sinérgica para obtenção de

eficácia nas organizações utilitárias. Eu parto de um montão de conceitos:

organizações utilitárias eu parto do conceito do Amitai Etzioni, ele fala em

organizações normativas, as coercitivas e as utilitárias. Eu fico com as

utilitárias. Uso o conceito de sinergia e uso o conceito de eficácia. Aqui tem

quatro conceitos: comunicação, sinergia, eficácia e organização utilitárias. Essa

é toda uma visão de processo administrativo também, que são termos-chave

da administração: eficácia, sinergia, são dois termos fortíssimos no modelo de

gestão e eu tive que realmente estudar bastante essa terminologia para poder

aplicar de maneira adequada.

Eu sempre estudei, eu nunca me conformei em ficar restrito ao

jornalismo, eu sempre quis ter uma visão mais ampla, mais abrangente. Eu

faço o estudo da comunicação enquanto poder, para compreender a tipologia

organizacional, modelo do Parsons, todos esses teóricos até o modelo de

pirâmide invertida. Sair do genérico, até chegar no modelo. Sempre eu gostei

de trabalhar com esse modelo de pirâmide invertida: uma base conceitual em

cima e vou afunilando até chegar ao topo da pirâmide invertida.

Na perspectiva da comunicação enquanto poder, e a originalidade aqui é

que eu adiciono ao modelo de Etzioni a perna do poder expressivo. Um termo

que eu cunhei. Evidentemente pode-se usar poder da expressão etc., mas com

o poder ao lado, dentro de uma classificação organizada, fui eu que usei.

Dentro de uma sistematização do processo de comunicação organizacional fui

eu que usei. Você pode usar poder da palavra, desde Jesus Cristo, mas o

170

poder expressivo dentro da organização, vai ver que Etzioni não tem isso. Isso

é a originalidade.

E ao trabalhar sobre a questão do retorno, da eficácia, eu parto de um

modelo de mapeamento. Aqui é uma área em que eu tive que pedir ajuda para

mostrar essa condição, os resultados que se pode obter com sinergia, com

comunicação.

E aí vem essa brincadeira – brincadeira, maneira de dizer – que é o

circuito sinérgico, onde eu dou para cada área um conceito de comunicação:

fluxos, níveis de comunicação, dimensões da comunicação, categorias das

mensagens Foi uma maneira criativa de apresentar isso, as pessoas saem

interessadas, acharam que é original.

A livre-docência depende muito da capacidade; o doutoramento você

fica na condição do orientador, com sua orientação, com sua visão. Na livre-

docência você se liberta e parte para fazer uma coisa mais criativa, mais

aberta, mais geral. E linhas básicas para construção de um modelo sistêmico

de comunicação.

Entrevistadora – E de onde surgiu o interesse pela Teoria Geral dos

Sistemas?

Gaudêncio Torquato – Eu sou uma pessoa simplesmente fascinada pela

Teoria Geral dos Sistemas quando eu descobri que eu poderia explicar muita

coisa que acontece comigo pela Teoria dos Sistemas. Quando eu descobri o

que é sistema fechado e sistema aberto. Quando eu descobri que, a cada dia,

eu, como uma planta, eu tenho que receber os raios solares, me alimentar para

crescer. E pela Teoria dos Sistemas eu consigo me obrigar todo dia a caminhar

um pouquinho adiante, a não ficar conformado, a não me fechar em torno de

mim mesmo, a não ser um sistema fechado automático. Pela Teoria dos

Sistemas, me exijo ler todo dia, acrescentar a cada dia um livro, um capítulo,

artigos, para poder me enriquecer. Porque se os sistemas abertos têm essa

capacidade de evolução, por que eu vou me fechar? Então eu passei a explicar

a evolução do pensamento, a evolução da vida, a dinâmica social e quando vi,

por exemplo, os sistemas estáticos, fechados, mortos, a partir dos sistemas

políticos. Eu fazia muitas críticas e eu vi que o sistema aberto é tão forte que

171

começa a influenciar na área da política os sistemas fechados. Veja-se a

China, os países fechados que já estão se abrindo dentro desse processo da

globalização. Tem uma hora que o próprio sistema não suporta.

Então eu falei: puxa vida, eu vou usar a Teoria dos Sistemas para a área

da comunicação para poder mostrar que se há esse respiro constante entre

organização e comunicação é porque a comunicação é um sistema aberto. Eu

passei a mostrar que quando você cria uma empresa na verdade você está

criando as relações de comunicação entre as partes dessa empresa. Os

quadradinhos da empresa são a relação de comunicação entre os setores e se

essa relação de comunicação é boa, se ela flui, se ela cresce, se expande, a

empresa também cresce e se expande. Percebi que mexendo no sistema da

comunicação você mexe no sistema organizacional para que o sistema se

amplie, se modifique, está interligado.

Entrevista 5 Realizada em 04/05/2006 sobre a experiência no marketing político.

Entrevistadora – Vamos começar relembrando como se deu a migração para

o marketing político.

Gaudêncio Torquato – Depois eu vou pedir para a Gislene tirar o que eu

tenho falado sobre marketing político porque eu dei muitas entrevistas sobre

marketing político, sobre comunicação política, enfim. Bom, como eu entrei

nessa área do marketing político? Eu vou começar... A janela de entrada para a

grande casa do marketing político foi a da comunicação governamental. Aqui é

preciso fazer uma ligação entre a comunicação governamental e a

comunicação política. Eu sempre trabalhei com a idéia de que comunicação

organizacional, aí você vai perceber o fio condutor de tudo isso aí, que a

comunicação organizacional, como o nome está indicando, é uma

comunicação que extrapola a própria área empresarial e sindical para entrar na

área política na medida em que os partidos políticos são organizações, na

medida em que as instituições políticas todas elas estão, portanto, dentro

desse conceito da organização. Eu considero comunicação organizacional um

termo bastante abrangente com uma área voltada para o mercado privado,

172

vamos dizer assim, e uma outra área voltada para o mercado público. Por isso

que dá para encaixar, dá para entender a minha entrada na área da

comunicação governamental e na área da comunicação política não como

coisas diferentes, mas dentro de uma trajetória muito harmônica. Eu sempre

defendi que o trabalho de comunicação sistêmica precisa se envolver com

todos os tipos de organizações, não apenas organizações privadas, mas

organizações públicas.

Entrevistadora – Então desde o seu começo o sr. já vislumbrava essa atuação

maior?

Gaudêncio Torquato – Já vislumbrava que depois eu vou entrar pela janela

pequenininha do jornalismo empresarial, passar pelo modelo de comunicação

sistêmica, na área empresarial, então vou agora abarcar o universo da área

pública. É uma meta. Vamos começar pelo mercado privado até chegar no

caminho público. Em 1986, bom antes eu tinha já... Como você sabe a minha

vida familiar foi muito banhada de política desde a infância em função da minha

família política, meu pai, enfim, então já tinha toda uma bagagem política no

meu sangue, já tinha todo esse DNA político. Acompanhei como jornalista as

campanhas políticas no Nordeste, mas meu envolvimento mais direto ele se dá

em 1986 quando Fernando César Mesquita me convidou para ser o secretário

executivo daquele grupo de comunicação criado pelo Sarney quando

presidente da república. O Sarney assume o lugar de Tancredo Neves, que

morreu, e o Sarney, preocupado em passar uma boa imagem para a opinião

pública, construiu um grupo de comunicação. Eu mandei para ele um clipping

dizendo: olha, o governo precisa ter um quadro homogêneo, eu estou sentindo

como observador externo que está faltando um ajustamento de linguagem, é

preciso que o governo tenha metas, objetivos, e ele me convidou, puxa, achou

muito interessante. Primeiro convidei-o a vir para São Paulo em um dos

seminários nossos na Intercom onde ele foi um dos palestrantes. Nessa

oportunidade fiz uma integração, uma relação muito boa com ele e a partir daí

ele me convidou para ser o secretário executivo daquele grupo de

comunicação do Sarney. E aí criamos um grupo de comunicação que na minha

visão foi considerado um dos mais densos, mais, eu diria, fortes da

comunicação no Brasil na medida em que reunia nomes muito famosos, nomes

173

de grandes personalidades da comunicação, como Mauro Salles, Antonio Brito,

Roberto D´ávila, Roberto Duailibi, enfim... Eu vou te dar a relação desses

nomes para você ver. Publicitários, jornalistas famosos, etc. e eu secretariava

esse grupo. Nós chegamos a nos reunir uma vez por mês em Brasília para

definir as linhas e eu estruturei todo esse grupo, defini as linhas de

comunicação do governo, enfim. O que

muita dificuldade esse desfile, não sabia. Ficava encabulado. Eu vi o Tasso

constrangido. Depois nós saímos para um restaurante, tomamos um uísque e

disse: É Machado, se político for isso, esse negócio de presidir festa junina, eu

tô fora, não quero, absolutamente, não quero mesmo. E relutou. Calma, calma,

calma. Ele estava meio irritado com o desfile. Não quero isso não, tal. Eu saí

no dia seguinte e escrevi um plano lá para ele. Ele leu e gostou. Eu fui a

Brasília apresentar para uma agência de publicidade para a agência criar o

plano, a MPM lá em Brasília. Criaram a campanha a partir do briefing que eu

dei: a luta dos coronéis, coronel Adauto Bezerra, coronel (não compreensível).

Três coronéis. A modernidade contra o retrocesso, o atraso. Depois foi feito na

Propeg na Bahia. Ele não gostou muito da criação da MPM, passou para a

Propeg, enfim. Resumindo a história, foi uma campanha modernista e ele

ganhou a campanha com quase 600 mil votos. E ele só era conhecido no bairro

de Aldeota, em Fortaleza.

Nesse ínterim, eu também fazia a campanha do Piauí, a campanha do

Freitas Neto, que foi candidato do PFL lá no Piauí. Tasso do PMDB do Ceará e

dei uma ajuda também ao deputado João Faustino. Até almocei com ele hoje.

Foi candidato ao governo do Rio Grande do Norte. Então nesse ano específico

eu trabalhei em três campanhas: ao governo do Rio Grande do Norte, ao

governo do Ceará e ao governo do Piauí.

A partir daí eu passei a me entusiasmar com o marketing político,

comunicação política. O marketing já no sentido de abrigar pesquisa,

articulação, como você viu. Eu trabalhei com o conceito de marketing dos cinco

eixos: a pesquisa, a elaboração do discurso, a comunicação, a articulação e a

mobilização. Sempre trabalhei com esses cinco eixos e passei a fazer planos

de marketing para governos, e a partir daí eu abri todo um leque de situações

na área do marketing político.

A minha experiência na área de comunicação do governo Sarney deu

esse livro aqui (mostra livro) que eu inclusive fiz uma segunda parte ligada à

comunicação governamental, e a primeira parte que está aqui, marketing para

o interior do país, foi uma tentativa também de mostrar o ABC do marketing

político e o marketing do interior. Senti que havia uma necessidade muito

grande de orientação na área do marketing. E foi o primeiro livro que saiu no

Brasil na área do marketing governamental, um roteiro para campanhas

175

políticas. E eu sempre procurando abrir. Assim como fui o pioneiro na área de

comunicação empresarial, também na área da comunicação política, marketing

político governamental fui o pioneiro. Este livro é de 85, foi antes da campanha

mesmo.

Entrevistadora – É um livro bem didático, com o bêabá...

Gaudêncio Torquato – Beabá, bem de orientação. E ainda hoje é um livro de

muito sucesso porque as pessoas... Ainda hoje é um livro muito bem

procurado. Já está na sétima edição.

Entrevistadora – Essas informações primeiras o sr. foi obtendo de onde?

Gaudêncio Torquato – Isso foi o meu feeling e evidentemente eu peguei os

conceitos fundamentais do marketing. Evidente que eu tinha muita ligação com

o Kotler, Philip Kotler, de marketing. Eu peguei, conheço toda a bibliografia do

Kotler e adaptei. Peguei os conceitos básicos do Kotler para a área do

marketing político, entendeu? Além da minha experiência com política, meu

feeling político, minha família política, minhas experiências, eu também

coloquei um pouco do conceito da universidade.

Entrevistadora – E o sr, até como professor, colocou de um jeito didático.

Gaudêncio Torquato – Didático, de passar informação para que as pessoas

pudessem se orientar. O que eu faço? A, b, c... Porque eu sempre fiz palestras

assim: olha, vou dar os dez pontos disso aqui, vou dar os cinco pontos disso

aqui. A pergunta: como ganhar uma eleição? Vou dar dez respostas para

ganhar uma eleição. Então eu sempre me baseei muito na didática, no método

de apresentação, nessa didática de exposição de maneira concisa e clara,

ponto por ponto, de maneira seqüencial, para que as pessoas pudessem captar

de maneira mais tranqüila e mais rápida os ensinamentos.

Entrevistadora – E essa última parte do livro era resultado da experiência

prática.

Gaudêncio Torquato – No governo Sarney. Eu tinha sugerido lá e já tinha me

apropriado. Fui em quem fiz no próprio governo e depois trouxe para cá.

176

Entrevistadora – E aí a gente consegue notar o conceito da visão sistêmica da

comunicação, de fazer as várias modalidades.

Gaudêncio Torquato – As várias modalidades. Aqui (...) comunicação

governamental, segmentando por área e mostrando quais são todas as áreas

que estão dentro do marketing político e marketing governamental.

Entrevistadora – O sr. comentou que foi meio complicado e depois teve até a

dissolução do grupo. Por quê?

Gaudêncio Torquato – A dissolução do grupo foi porque nós achávamos que

tinha ali um corpo muito qualificado de pessoas dando idéias muito boas, mas

o governo não operava aquilo. Porque o governo precisava governar.

Comunicação é como. Faltava o quê. O que comunicar. Se o que é ruim, o

como não vai fazer milagres. Então o que o governo precisava era arranjar um

bom plano econômico, um bom plano, enfim, a gestão do governo é que

precisava melhorar e não comunicação. Quando a gestão é boa, quando o que

do governo é bom, a comunicação sai facilmente. Então eu propus essa

dissolução. Depois eu passei a fazer nesse mesmo governo, depois do grupo

extinto, eu passei a fazer a consultoria do governo. Fiz o plano de comunicação

do Ministério da Administração, o plano de comunicação do Ministério das

Minas e Energia, tenho tudo isso aí, o plano de comunicação para o Ministério

da Aeronáutica. Tudo isso... Ministério das Minas e Energia, Ministério da

Aeronáutica, fiz o Ministerio da Administração, ministro Aureliano Chaves,

Minas e Energia, o Ministério da Indústria e Comércio, com José Hugo Castelo

Branco, que depois morreu. Fui consultor dele também. Então passei a fazer

um pouco do planejamento de comunicação desses ministérios.

Entrevistadora – Nesse momento foi a primeira vez que o sr. usou o conceito

sistêmico para a área política?

Gaudêncio Torquato – Isso, para a área do marketing político e do marketing

governamental. O marketing político de campanhas, o marketing ligado a

campanhas, e o marketing político permanente, quer dizer, o marketing

governamental.

177

Entrevistadora – Mas a experiência no governo Sarney, comparando com a

experiência em empresas, fui mais grandiosa?

Gaudêncio Torquato – É porque você tem que mexer com a opinião pública

de maneira mais, diria, mais atenta. O fenômeno da opinião pública aparece de

maneira muito mais, eu diria, mais forte. Tendências, você vai analisar, você

vai mexer. Porque em empresa você sabe previamente quem são os públicos,

são mais seletivos. Na opinião pública você tem públicos variados, tem que

mexer com os diversos tipos de público, com as linguagens, os instrumentos,

quais são os instrumentos, qual é a mídia, para cada mídia a linguagem

apropriada.

Entrevistadora – Tudo isso foi experimentado nessas campanhas...

Gaudêncio Torquato – Nessas campanhas e na área do marketing

governamental. Evidentemente eu procurava sempre ajustar a identidade do

ministério justamente para o conceito que quer passar para a sociedade. Então

procurava trabalhar sempre essa idéia do marketing, o conceito, o que é

identidade, depois a comunicação, articulação com a sociedade organizada,

mobilização, parte de eventos, enfim, sempre procurando, do mesmo modelo

do marketing político e governamental, ajustar aqueles eixos: pesquisa, o que

nós somos, vamos fazer pesquisa. O que se quer, pesquisa. Depois o discurso,

comunicação, articulação. Procurei usar as mesmas ferramentas para o

marketing político, marketing governamental.

Entrevistadora – E nessas campanhas de 86, que foram as primeiras, qual era

a situação do marketing político na época?

Gaudêncio Torquato – O marketing político era muito intuitivo. Você fazia

aquilo de maneira muito improvisada. As pesquisas eram muito empíricas.

Você tinha, digamos assim, palpites de todos os lados. Chegava num Estado

tinha, vamos dizer assim, materiais diversos, as cores diferenciadas. Então

você via que faltava uma linguagem comum. Muitos assessores, cada um

entendendo de tudo. Não tinha um profissional de comunicação estrategista.

Eu tive que dar murro na mesa. Tinha candidato que distribuía camiseta de

todos os lados. Espera aí: vamos ajeitar aqui. Um tipo de camiseta só,

linguagem só com slogan, o slogan é esse. Eu tinha que explicar. Se você

178

quer, vamos dizer assim, multiplicar sua comunicação, ao invés de ter dez

comunicações diferentes, uma comunicação só. Vamos unificar a linguagem.

Aprendi muito também. Por exemplo, uma vez eu levei lá para Roraima, a

primeira campanha em Roraima em, eu acho que foi em 94, eu mandei criar

uma campanha tudo no verde. Quando eu cheguei lá, eu não vi muito impacto.

Faço o pré-teste. Eu pego pessoas, coloco numa sala e faço o pré-teste para

saber, o pessoal não gostou muito. E não sabia por quê. Depois descobri por

quê: a cor verde para a região amazônica era picolé para Groenlândia. Há uma

saturação, some, tudo some, e eu percebi que tinha que quebrar o verde, jogar

um vermelho, amarelo. A percepção foi pela experiência lá vendo. Eu não

sabia. Aí eu percebi que cada região tem sua cor predileta, cada região tem a

sua cultura, tem a sua linguagem, tem a sua mania, tem a sua música, passei a

perceber que a música de campanha deve se adaptar ao espírito da região, eu

passei a perceber que você não pode, por exemplo, levar uma cor aqui de São

Paulo. Tem que adaptar. Os partidos têm uma cor? Têm. Os tucanos têm o

azul, o amarelo, tal. Mas precisa fazer adaptaçãozinha nas regiões, tem que

fazer uma composição para evitar que essas cores sejam, também, para evitar

Dentro do estúdio, começou a recitar o salmo, e depois uma voz disse que em

homenagem aos mortos, nesse dia a coligação tal, tal, tal, não fará o programa.

O nosso adversário foi tomado de surpresa. O programa do adversário vinha

depois. Caiu de pau, o empreiteiro, nós rezando lá, e eles atacando. Olha:

fizemos uma pesquisa no dia seguinte e demos de dez a zero. Enquanto eles

estavam odiando, com raiva, chamando meu candidato de empreiteiro.

Naquela época, empreiteiro era uma palavra muito mal-vista, muito condenada

e tal. Sinal de corrupção. E ele era empreiteiro. Então foi uma coisa assim

impactante porque, enquanto a gente estava homenageando os mortos,

estavam atacando a gente. Então esse tipo de coisa você só consegue fazer

sentindo a diversidade, etc. Então foi quando eu aprendi muita coisa.

Entrevistadora – E essa lição da proximidade é uma lição da comunicação de

modo geral, não é?

Gaudêncio Torquato – De modo geral. Exatamente. Você tem que adaptar às

culturas locais e tal. As músicas, a linguagem, os gestos. Tentei incorporar tudo

isso e escrevi depois. Esse livro aqui já tem todo...Você vai perceber nesse

livro, que é o Tratado de comunicação organizacional e política

mercado de trabalho e academia. Esse livro tem, portanto, além de

pensamento acadêmico, tem planos apresentados para governos, para

prefeituras. A matéria-prima são os trabalhos concretos.

Entrevistadora – Nessa etapa do desenvolvimento das campanhas, o

jornalismo empresarial já estava sendo deixado de lado?

Gaudêncio Torquato – Eu acho que era uma fatia muito pequena para mim. O

empresarial e tal, fui deixando um pouco de lado porque acho que era...

Primeiro porque eu identifiquei uma coisa, quer dizer, essa área foi muito pouco

desenvolvida. As pessoas... Eu estava trabalhando com o conceito do

comunicador empresarial ser um estrategista, nunca ser só um operador. E as

pessoas trabalhando em jornalzinho, jornalzinho, faz revistinha. Ficava no

operacional, na fazeção. Eu vou trabalhar numa área que me exija mais como

planejador, como estrategista. E essa área da comunicação governamental e

do marketing político, ela exige mais o planejador e o estrategista.

Entrevistadora – E por que será que nas empresas a comunicação não

conseguiu conquistar esse status mais estrategista?

Gaudêncio Torquato – Eu acho que é porque, nas empresas, as pessoas

querem apresentar coisas muito concretas, factíveis, jornais, revistas, etc. E

essa área do intangível... Mas essa figura do assessor, do estrategista,

orientando o presidente, eu já fazia no grupo Bonfiglioli. Mas hoje tem pouca

gente fazendo isso. Mas é porque, primeiro, que eu acho que falta competência

para isso, gente qualificada. Segundo, é que as pessoas não têm uma idéia

sistêmica. Só tem uma idéia, se é relações públicas trabalha só com RP; se é

jornalista trabalha só com jornalismo. Falta unir tudo isso.

Entrevistadora – Mas essa idéia sistêmica talvez as próprias faculdades de

comunicação pudessem formar.

Gaudêncio Torquato – Mas elas também carecem. Elas também são falhas.

Muito estanques. Isso é um erro, é um erro. E eu quando dava, dava de

maneira abrangente. Procurava dar de maneira abrangente, nunca de maneira

segmentada. Eu avancei na área de RP. Eu dei aula pros RPs, pros jornalistas.

Então essa abrangência toda me permitiu chegar no mercado e dizer: olha,

181

quem tem competência se estabelece. Eu não vou entrar nessa briga se é RP,

se é jornalista. Continua a ter.

Então eu passei a fazer, de 86 para cá, campanhas a governos de

Estado, de prefeituras de capitais, passei a dar aconselhamento, passei a fazer

na área de comunicação governamental, política, depois que os políticos se

elegem eu passo a fazer consultoria para eles, faço pronunciamentos políticos

hoje para senadores, para deputados, faço palestras, digo o que devem dizer

para a imprensa, oriento a linguagem, diga isso, isso e aquilo, entendeu? Tento

traduzir pelos eixos. Você precisa amarrar sua identidade nas seguintes idéias:

pá, pá, pá. Até de projetos: seria interessante você defender projetos nessas

tais, tais, tais áreas para que ele possa construir sua identidade. Hoje dou

consultoria política pro parlamento, dou consultoria para governos, entendeu?

Hoje mesmo tem um governador chegando aí para conversar comigo amanhã,

para poder já preparar. Eu estou fazendo a comunicação governamental dele

nesse momento, com assessoria externa, uma agência que eu indiquei e tal.

Os inputs todos sou eu que dou e nesse interregno pré-campanha, a

comunicação governamental cresce, quando chega a campanha política ela já

está com a imagem lá em cima.

Entrevistadora – E durante a campanha política o sr. acompanha?

Gaudêncio Torquato – Aí a comunicação governamental há uma proibição. Aí

entra a comunicação política. Aí eu continuo na comunicação política, mas são

coisas diferentes. Uma coisa é campanha de governo, mostrar e tal. Outra

coisa, ele não vai poder mostrar porque há uma proibição eleitoral, aí entra

campanha política. Aí já é outra coisa, em estúdio e tal onde ele vai mostrar o

que fez, evidentemente, mas também vai defender novas propostas.

Entrevistadora – E dependendo do caso, se eleito, o sr. pode continuar.

Gaudêncio Torquato – Se eleito continuo dando consultoria governamental, aí

é marketing governamental, não é mais o marketing eleitoral. O marketing

político com finalidades eleitorais, o marketing eleitoral e o marketing político

permanente. O permanente é para continuidade, para manutenção dos

governos, executivos e também legislativos. Então o marketing político se

desenvolve na linha eleitoral de campanhas, para governos, para parlamentos,

182

e o marketing político permanente, que é de sustentação das imagens dos

governos e dos parlamentos.

Entrevistadora – E dessa experiência de 86 para cá, o que podemos dizer que

é diferenciador no marketing político?

Gaudêncio Torquato – Eu sempre acho que o marketing político no Brasil foi

envenenado, contaminado pela publicização exagerada. O que eu chamo de

mcdonaldização do marketing político. Esse marketing foi muito manipulado, foi

muito repetido. O Duda Mendonça, ele fazia uma campanha no Nordeste, a

mesma campanha que ele fazia no Rio Grande do Sul, a mesma campanha

que fazia em São Paulo, uma franquia. Eu não penso que deva ser assim. Eu

combati muito isso.

Entrevistadora – Mas não funciona?

Gaudêncio Torquato – Funciona, funciona porque as coisas são bem

feitinhas, bonitinhas, tal, mas hoje saturou. As pessoas querem ver uma

linguagem mais local. Então deu no que deu. As pessoas criticando, as

mesmas imagens, o mesmo cenário, o mesmo ambiente e tal. Eu me lembro

da campanha do Rio Grande do Norte, que eu acompanhei bem, era a mesma

campanha de Pernambuco. Então eu acho que os publicitários cometeram um

exagero de publicizar demais a forma, deram muita ênfase à forma em

detrimento do conteúdo. Quando eu sempre defendi, e essa é a minha visão,

que o conteúdo deve prevalecer sobre a forma. Enquanto eles defendem: o

meio é mensagem. Enquanto eu acho que é preciso realmente ficar ligado à

mensagem. E estou combatendo, já dei muitas entrevistas sobre isso, sobre

esse tipo de... (interrompe a entrevista para pegar programas de campanhas

antigas).

O compositor (não compreensível) mandou pegar e denunciou no ar

num dos programas de televisão do meu adversário, do Alberto Silva. Meu

programa estava todo lá. Foi mostrando e mostrando que houve contrato de

gente de fora e pá, pá, pá, e mostrando linha por linha meu nome. Você veja

como já estava preocupado com identidade. Eu vou te emprestar isso daqui,

depois você me devolve. Você dá uma olhadinha porque essa aqui é matéria-

prima de primeiríssima. Ela vai levar, mas vai devolver.

183

Olha aqui. Essa é campanha para prefeito de Teresina, Duarte. Olha como,

modéstia à parte, é uma aula sobre marketing político.

Entrevistadora – Nessas campanhas o sr. contava com uma equipe?

Gaudêncio Torquato – Tinha, tinha uma equipe grande. Eu organizava a

equipe de 30 pessoas, 40 pessoas.

Entrevistadora – Mas esse planejamento em si é do sr.?

Gaudêncio Torquato – Minha cabeça e depois aplicava. Outra campanha do

Freitas Neto. Governo da verdade. Olha como já é. É a segunda. Ele perdeu na

primeira, nessa aqui ganhou (folheia as campanhas). Você vê que tem coisa

para caramba que cheguei a escrever. Engraçado. Aqui também 1986. Isso foi

em... (folheia). É, foi para o governo do Estado. É porque eu amarrei aqui a

campanha. Aqui é para governo. Isso aqui foi em 1985. Eu estou sugerindo que

ele se engaje na campanha de 85 na prefeitura de Natal para se habilitar para

ser o candidato em 86. Olha aqui. Os valores, o conceito. Então tem coisa para

caramba (continua folheando os programas).

Entrevistadora – E isso tudo era aprovado direto com o candidato?

Gaudêncio Torquato – Com o candidato. Tem coisa para chuchu (continua

folheando). Aqui já é para governo. Ele foi candidato também a governador.

Entrevistadora – Nessas primeiras campanhas ainda não tinha GT Marketing?

Gaudêncio Torquato – Não, era eu. Aqui já é outra campanha, mas para

governo de Estado. Ele perdeu aqui para Governo do Estado. Meu Deus, tem

tanta coisa. Aqui é um trabalho sobre, um diagnóstico sobre a imagem do

governo do Sergipe. Aqui já é comunicação governamental (folheia mais

programas). Como fiz coisa, puxa vida. 98, aqui é governo do Sergipe. É a

mesma coisa? É, mesma coisa. Antes da campanha, eu fiz um, veja que

interessante, antes da campanha de um deputado eu fui lá para fazer um

diagnóstico do Estado para poder balizar a campanha, sempre fui muito

preocupado. Amir Lando, senador por Rondônia. Interessante, heim. Você vai

ver aqui como eu colocava as coisas.

184

Entrevistadora – Hoje a gente pode dizer que os candidatos estão

demandando um pouco isso?

Gaudêncio Torquato – Eu diria que, vamos dizer, há um pouco de receio dos

candidatos de contratarem os publicitários com essa visão meio capenga, eu

diria meio exagerada. Hoje os dinheiros estão menores. A preocupação hoje

em se fazer campanha mais enxuta, mais objetiva, mais voltada realmente para

proposta. O marketing se reajusta. Procura hoje, diria, se reorientar

particularmente tendo em vista inclusive a organicidade social. O Brasil, eu

sempre falo, a sociedade organizada é muito forte. As ONGs têm papel muito

ativo hoje na sociedade. E em função disso você precisa trabalhar muito com o

eixo articulação na sociedade. E eu penso comunicação. Os publicitários

erraram porque eles entendiam o marketing só como comunicação, e dentro de

comunicação só programa de televisão, nem rádio. Esse foi um erro. Quando

em minha visão, peraí, gente, o marketing é pesquisa, é discurso, organização

de discurso. Eles não queriam saber de discurso. Fala qualquer coisa aí, os

publicitários. É articulação, comunicação, mobilização.

Entrevistadora – Mas é um fato que em determinado momento essa outra

fórmula dava certo.

Gaudêncio Torquato – Tinha os programas bem feitinhos, uma certa

engabelação das massas, mistificação das massas com a propaganda bem

feita da televisão. Mas você não acredita muito mais. A Marta Suplicy criou aqui

aquele imenso daquele, daquela maquete da saúde, e não deu certo. As

pessoas já estão vacinadas. Com o mesmo Duda Mendonça que criou o fura-

fila do Pitta, o CEU Saúde da Marta, enfim. Exageravam. Aquela mesa imensa

do Lula com um montão de gente em redor dela na época da campanha em

2002. Trabalhando, mostrando. E muitas estão no governo hoje. Pois é,

manipularam muito.

Entrevistadora – E essa questão polêmica de financiamento de campanha,

como era nesse começo?

Gaudêncio Torquato – Sobre financiamento de campanha, sempre houve na

verdade esse famoso caixa dois. Os candidatos têm patrocinadores. Alguns

186

dão camisetas, outros dão gráficas, outros dão carros, tem colaboração em

matéria, em materiais, em recursos, tipo frotas de carro, tipo camisetas, tipo

brindes, tipo materiais gráficos, entendeu? O candidato mesmo ele gasta muito

pouco em dinheiro dele principalmente quando ele é candidato por cargos

majoritários, governador ou senador. O deputado já tem que arcar um pouco

mais com suas, com recursos próprios.

Entrevistadora – Mas, nesta eleição particularmente deste ano, o sr. diria que

vai ser mais complicado?

Gaudêncio Torquato – Vai ter muito mais controle em função da crise, em

função do refluxo do dinheiro, em função do medo, em função... Os próprios

patrocinadores estão se escondendo, já não querem dar mais dinheiro.

Entrevistadora – Necessariamente as campanhas vão ter que ter uma nova

cara.

Gaudêncio Torquato – Serão mais objetivas, mais voltadas para o discurso

(interrompe para atender ao telefone). Eu tenho uma visão crítica do marketing

político. Eu faço o marketing que eu acho que deve ser feito corretamente sem

enganação. Então eu digo isso inclusive aqui. Quais são os truques do

marketing, a artimanha, e eu vou criticando isso aqui. Então você vai pegar

como eu consigo me enquadrar fazendo marketing político e ao mesmo tempo

criticando marketing político.

Entrevistadora – Nessas campanhas...

Gaudêncio Torquato – (Pega o livro) Tem toda uma parte aqui na área de

marketing: o marketing político eleitoral.

Entrevistadora – Mas nessas campanhas é possível dizer que aqui não vamos

encontrar essas artimanhas usadas nessa fase mais publicitária?

Gaudêncio Torquato – Pode até existir uma firulazinha e tal, mas o eleitor

brasileiro está mais desconfiado. O eleitor está mais racional. O voto está cada

vez mais subindo do coração para a cabeça. Então você percebe um sentido

cívico maior hoje.

187

Entrevistadora – Uma coisa que o sr. falou, não adianta ter comunicação se

não tem o que comunicar.

Gaudêncio Torquato – O que comunicar.

Entrevistadora – Alguns candidatos têm exatamente isto: não tem o que

comunicar, aí o marketing tem que fazer um pouco esse papel.

Gaudêncio Torquato – Sim, mas o marketing vai dizer para eles, vai fazer a

pesquisa e a pesquisa vai extrair o que o pessoal está querendo e aí você

forma o discurso. Daí você forma o discurso. Aí entra Gaudêncio Torquato para

ajudar a fazer discurso, para escrever a linha de discurso, as propostas. Não

adianta chegar lá: vou fazer sobre o quê? Eu entro muito com a arma do

discurso. Minha especialidade é formar o discurso. Não sou especialista em

dizer como é que deve falar. Já chama outra pessoa para ajudar. O conteúdo,

essa é que é a essência do marketing. E ficam preocupados com a forma de

comunicar. Beijar criancinha, coisa e tal, vamos dizer o batom, o cabelo,

quando eu estou preocupado com o conteúdo.

Entrevistadora – E, nessa mudança para um marketing mais publicitário, o sr.

que diz ter uma linha diferente, o sr. percebeu menos trabalho, sendo menos

requisitado em função disso?

Gaudêncio Torquato – Eu senti que os candidatos estavam muito enfeitiçados

pela forma e os conteúdos nós ficamos numa situação mais distante. Os

publicitários muito festejados, os baianos: Nizan Guanais, Duda Mendonça. E

realmente quando hoje eles estão em baixa, quer dizer, eles estão sendo

criticados e tal em função dessa crise. Eles olharam muito pro dinheiro...

Porque a publicidade realmente é trabalhar com muita coisa intangível e aí eles

podem cobrar os tubos.

Entrevistadora – Mas o sr. sentiu que houve uma oscilação em sua atuação?

Gaudêncio Torquato – Senti, senti, até porque também não forcei muito a

barra. Jamais vou mudar minha essência, então eu fico quietinho. Quando

passei a fazer análise política, daí as pessoas passaram a realmente a olhar,

passei a fazer a crítica daquilo ali. Aí eu passei, digamos, a posicionar minha

visão no mercado. As pessoas me chamam hoje só que sabem quem eu sou.

188

Eu não vou publicizar, eu vou organizar campanhas do ponto de vista de

conceito, identidade, comunicação, articulação com a sociedade, mobilização,

tudo isso tem que entrar no bojo.

Entrevistadora – Já teve algum candidato a quem o sr. se recusou a fazer a

campanha?

Gaudêncio Torquato – Tem, já disse: não quero. Tem inclusive, tem um de

Goiás, hoje estou... Coloco pessoas e estou mais na orientação, não estou

mais querendo ficar na operação, coordenação, dá muito desgaste.

Entrevista 6 Realizada em 20/06/2006 sobre o trabalho como analista político.

Entrevistadora – Vamos manter o esquema cronológico de recuperação de

sua trajetória. Como foi a migração para o papel de analista político?

Gaudêncio Torquato – Veja bem. Aí eu gostaria de situar que a alma

jornalística sempre esteve muito forte na minha atuação profissional, apesar de

ter feito trabalho na área de consultor político, consultor de marketing

institucional, nunca deixei de jogar uma aguazinha na semente, na árvore

jornalística que freqüenta a minha cabeça, o espírito jornalístico. E eu

desenvolvi essa atividade jornalística no próprio Estado de S. Paulo

inicialmente na área de comunicação empresarial. Eu fazia o caderno de

negócio, uns 20 anos atrás, 25 anos atrás. Eu fazia alguns artigos

especializados em comunicação empresarial. Tanto que alguns desses artigos

estão naquele livro Cultura, poder, comunicação e imagem. Você vai ver que ali

são artigos de jornais e particularmente artigos feitos para o Estado de S. Paulo

onde eu procurei, portanto, abordar a minha experiência no campo privado

como diretor de marketing e de comunicação no Grupo Bonfiglioli e (...).

Depois, quando eu migrei para a área do marketing político. Eu achava que

também deveria refinar essa atividade, apurar essa atividade escrevendo em

jornal, mas não sobre marketing político, mas sobre política porque quem

trabalha com marketing político deve compreender a política. E aí foi fácil fazer

essa passagem. Eu como consultor de marketing migrei, sem abandonar o

189

marketing político, apenas eu adicionei essa outra área que é minha alma, a

área jornalística, que realmente eu acho que a alma que me inspira, é a alma

jornalística. Sempre procurei conservar o espírito jornalístico. Eu sou jornalista,

gosto de ser jornalista, gosto de escrever. Portanto essa atividade ela foi a

primeira da minha vida e continuou sendo. Se existe um fio condutor em toda a

minha vida profissional, esse fio condutor foi o fio da análise, da reportagem e

da análise jornalística. Então eu passei a fazer essa análise política no Estado

de S. Paulo há mais ou menos aí uns, de maneira mais periódica, há 15 anos.

De lá para cá. Não com a freqüência que tem hoje. Era um artigo mensal de

análise política que depois veio se transformando em quinzenal e hoje é

semanal. Ele é semanal de uns dois, três anos para cá. Virou, teve essa

freqüência. Então eu passo a me exigir muito mais. Evidentemente que essa

atividade me consome muito do ponto de vista de pensamento, de análise, de

reflexão, de leitura, de observação ambiental, de conversa política, de contatos,

toma muito tempo e evidentemente toma tempo também no sentido da

produção desses textos. Eu começo a pensar no domingo, quando sai o artigo.

Eu já começo a pensar: e agora, qual vai ser o próximo? Fico aí vivendo num

espaço cinzento, numa zona cinzenta até terça-feira. Eu tenho que escrever na

quarta. Quarta-feira é o dia que eu tenho que escrever de qualquer maneira e

na quinta eu refino. Deixo dormindo o artigo na quarta-feira. Na quinta eu dou

uma refinadazinha de manhã e mando na quinta-feira próximo do meio-dia,

uma hora lá para o jornal. Se houver algum evento ainda muito... Se eu estiver

falando sobre alguma coisa factual que merece uma atualização ainda faço a

atualização na sexta-feira. Sempre um tema de macropolítica, política nacional,

envolvendo fenômeno político ou social. Geralmente eu procuro entremear o

fator social com o fator político e o fator comportamental. É um pouco da

sociologia política. Na verdade meus artigos são sobre sociologia política. Vez

ou outra eu faço um artigo mais voltado para a crítica do marketing político,

tenho sido muito crítico do marketing político. Eu retomo no sentido de mostrar

um pouco as contrafações, desvios, os viés, etc. Então eu faço esse artigo

semanal e esse artigo semanal depois ele é diminuído, em torno de mil

caracteres, ele é de seis mil caracteres, em torno de seis mil e passo a fazer

quatro mil e quinhentos a cinco mil para os jornais regionais. Sai em uma rede

de jornais.

190

Entrevistadora – Hoje o artigo é publicado em quantos jornais?

Gaudêncio Torquato – Uns 120 jornais no país. Jornais do interior de São

Paulo, jornais da capital, jornais do interior de alguns Estados. Portanto essa

atividade se tornou, vamos dizer assim, muito permanente e com um grupo de

leitores muito fiéis. Tenho sentido muita fidelidade. Quando, por exemplo, por

algum fator qualquer eu deixo de escrever, cadê? Um período e tal.

Geralmente nessa época agora de campanha política e tal, viagem. Eu fico

muito preocupado com viagem, o que eu vou fazer. Porque mesmo que eu

tenha condições de escrever esses artigos fora, uma coisa é você fazer o seu

artigo no seu ambiente, vendo ali os seus jornais, oito, nove jornais que eu leio

por dia. Eu começo a ler jornal às cinco e meia da manhã. Por mais que depois

eu ainda dê uma meia horinha de sono, mas eu leio às cinco e meia da manhã

dois jornais. Primeiro o Estado, segundo a Folha. Depois eu venho para cá, leio

mais uns outros, O Globo, o Jornal do Brasil, Valor Econômico, leio Diário de

São Paulo, leio DCI, Gazeta Mercantil. Para pegar o panorama, para poder

pegar os ganchos, os eixos dos meus artigos.

Entrevistadora – Nessa migração, de vinte anos, em que o Estadão é o mais

periódico...

Gaudêncio Torquato – O Estadão é um jornal... Eu até escrevi um tempo na

Folha, mas também assim como colaborador, muito aperiódico. Por isso eu

considero o Estadão o jornal de minha alma, um jornal que se identifica mais

comigo, com o qual eu mais me identifico, aliás, com o qual eu mais me

identifico. É um jornal que tem os cantinhos que eu já me acostumei a

freqüentar, o cantinho da política, os comentários, as colunas. Evidentemente

eu passo mais tempo na área de política, depois de economia e terceiro na

parte de cotidiano, metrópole, cidade e tal.

Entrevistadora – E tem uma linha de leitores muito bem definida, não é?

Gaudêncio Torquato – É, tem uma linha de leitores, geralmente meus leitores

são profissionais liberais, empresários, setores do comércio e da indústria, de

modo geral, muitos professores. Eu diria que é um público formador de opinião.

Eu leio aqui, pelos e-mails que recebo, são pessoas exigentes, se eu dou um

191

errinho... Muita citação em latim e se eu dou um errinho em latim, lá no final da

linha, corrigem: olha, essa frase não é bem assim e tal. E eu, quando eu tenho

razão, eu refuto e quando não... Eu respondo a todos. A não ser aqueles que

estão escrevendo sempre, sempre, sempre. Mas eu costumo responder a

todos. Um dia desse, um negócio interessante. Escrevendo sobre o mito do

narciso. Sempre utilizei muito mito, muita mitologia grega, muita mitologia

latina, entendeu? No caso do narciso eu queria mostrar aí o narciso

identificando o Lula como narcisista e tal, quer dizer, primeira vez, fiz tudo, o

Brasil quase foi descoberto por mim, enfim. Uma visão muito narcisista e

comecei a fazer uma crítica e mostrei a fábula do narciso. Ele se contemplou

na margem do lago e se encantou pela própria imagem, né, e se afogou, enfim,

mostrei toda... E ele, eu contei essa história e eu me lembro que eu usei, na

verdade... Mas eu contei como a própria mitologia. Não sei se foi o Ovídio, a

primeira citação do narciso. Eu preciso depois ver quem em um dos artigos. E

alguém escreveu refutando. Eu tive que encaminhar para essa pessoa o

original, e ela não respondeu de volta. Porque tem muitas interpretações. Você

sabe que na mitologia tem muitas histórias, tem muitas versões e tal. Eu gosto

de pegar a mais antiga delas. A original mesmo do mito de narciso. Eu preciso

até ver qual foi o artigo que eu escrevi sobre isso.

Entrevistadora – Todos os artigos então demandam uma pesquisa...

Gaudêncio Torquato – Esses artigos demandam uma pesquisa, geralmente

eu coloco uma historinha, eu coloco uma historinha no artigo, tem

personagens, não apenas, eu não fico apenas no achismo. Eu tenho que ter

fundamento, tenho que ter uma hipótese, desenvolvo essa hipótese, conto a

historinha para poder chamar a atenção, se possível ter um pitoresco, uma

coisa mais irônica também.

Entrevistadora – E esse estilo foi formatado pelo senhor, da historinha...

Gaudêncio Torquato – Eu passei a perceber que meus artigos mais

comentados eram aqueles que tinham historinhas. Aquela historinha, gostei

muito. Sempre o pessoal comenta as historinhas. Aí eu digo: bom, eu tenho

agora que contar sempre uma historinha em meu artigo. No artigo da semana

passada, de anteontem, eu tive que inventar uma historinha no final mostrando

192

como é que o fisiologismo começou no Brasil. Mostrei que Pedro Álvares

Cabral, no relato dele, quando eu cheguei ao belíssimo, à belíssima baía de

Porto Seguro, eu divisei vinte homens pardos, usando a linguagem, aquela

linguagem do descobrimento, de Pero Vaz de Caminha, com suas vergonhas

descobertas correram e tal. Quando eu vi, eles ficaram olhando e tal. Eu estava

com meu penacho, meu peito cheio de medalhas, chapéu de penacho e tal. E

quando olharam para mim eu vi que o cacique e todos começaram a honrar...

Naquele momento ali começava a adesão. A adesão dos nativos em política. E

o fisiologismo que explica porque o Sarney... Aí eu trago para hoje, porque o

Sarney e o Renam correram para o Lula nem bem o PMDB matara a

candidatura a presidente da República. Eu procuro sempre fazer uma

brincadeira desse tipo para mostrar, para ilustrar os comentários com

historinhas, com explanações interessantes.

Entrevistadora – O sr. não tem uma formação ortodoxa como cientista político.

Gaudêncio Torquato – Esse é um vazio que eu procurei preencher com muita

leitura. Então, por exemplo, aqui atrás, você vai ver: aqui atrás tem os livros

que são fundamentais para entender o Brasil. “... e cidadania” sobre a realidade

brasileira e a política. Livro de moral, o homem medíocre (...) uma Bíblia. Você

vê aqui: Carlos Matos, Estratégias políticas para mostrar como chipanzé,

Maquiavel e Gandhi, para mostrar o estilo de cada um. Sociologia política do

José Iraque Rosenberg, (...) As grandes obras políticas, Pequeno tratado das

grandes virtudes, Política e Aristóteles, aqui tem Rui Barbosa. Esses livros aqui

estou sempre usando. Tem mais ou menos uns cinqüenta, sessenta livros que

estão sempre aqui atrás que me inspiram. Eu vou procurar às vezes um

conceito, uma historinha, às vezes me inspiro até no Borges. Então eu faço

assim uma... Às vezes eu, que eu vou escrever? E não tenho nem o tema.

Chego aqui e começo a ler uma coisa ou outra e começo a fazer associações.

Vou buscar pelo folclore político aqui no Sebastião Nery algumas historinhas,

vê se alguma cai na minha realidade, entendeu? Histórias de presidentes,

enfim, estou sempre lendo aqui. Tem um dicionário, três dicionários de citações

para tentar pegar um gancho e tal, entendeu? É isso aí.

193

Entrevistadora – Mas o sr. sente falta de ter uma formação clássica nisso ou

não?

Gaudêncio Torquato – Não, porque eu, sociologia eu li todo um repertório de

sociologia. Eu não fiz sociologia, mas hoje eu me considero razoavelmente

bem informado a respeito de conceitos de sociologia, de opinião pública.

Evidentemente estudei muito opinião pública na faculdade, e tal, e em meus

trabalhos de tese, mestrado e doutorado eu tive que ler muito sociologia. Então

eu tive uma vida acadêmica que me obrigou a ter uma carga de leitura forte

nessa área, da sociologia política principalmente, Teoria dos Sistemas. O

Norbert Bobbio é um dos meus gurus clássicos, aqui, com teoria geral da

política. Todos esses livros eu já conheço. Então eu tive que evidentemente, e

tenho ainda, que estudar. Eu todos os dias eu estudo. Todos os dias. Como se

faz isso? Eu pego aqui uma meia hora, uns quarenta minutos, às vezes mais

de uma hora, depende do dia, entendeu, dou uma olhada. Continuo buscando

enriquecimento se não eu acho que eu fico defasado. Eu não faço um artigo na

base do achismo, acho... Nada de achismo, não gosto do achismo.

Entrevistadora – Até porque não sobreviveria tanto tempo.

Gaudêncio Torquato – Não. Exatamente, exatamente.

Entrevistadora – Mas essa falta da formação, sentiu alguma diferença...

Gaudêncio Torquato – Não, eu me senti com mais liberdade e com mais

abertura de linguagem. Eu vejo que os cientistas políticos, quando eu leio, eu

leio texto deles, eu acho um texto muito hermético. Se eles fossem jornalistas,

não escreveriam de maneira mais fácil? Você veja, o grande sociólogo

brasileiro chamado Gilberto Freyre, do clássico Casa grande e senzala, ele

escrevia com uma clareza, ele é raro. Com uma clareza estupenda. E eu vi

palestras do Gilberto Freyre, mesmo na... Ele foi o meu paraninfo no colegial

em Recife. Impressionante como ele conseguia transmitir com palavras simples

conceitos complexos. Os sábios têm essa qualidade: eles conseguem falar fácil

sobre coisas difíceis. Os ignorantes é que na minha opinião procuram fazer,

falar as coisas claras, digamos, eles usam uma terminologia muito complexa,

muito hermética para coisas fáceis, conceitos fáceis, ao contrário. Não que eu

queira dizer que os cientistas sociais sejam complicados, mas alguns são muito

194

complicados do ponto de vista da abordagem, do ponto de vista da linguagem

hermética, entendeu? Então, o Fernando Henrique, por exemplo, é sociólogo.

Ele melhorou depois que ele se tornou político porque ele passou a ter uma

linguagem mais aberta. Se você for verificar os livros do Fernando Henrique,

você vai constatar que ele era muito hermético na época em que era o puro

schoolar. Era mais hermético. Então a visão jornalística, a linguagem

jornalística me ajudou muito a tratar de coisas complexas de maneira mais

fácil.

Entrevistadora – Os outros analistas políticos, o sr. acha que receberam bem

esse seu novo papel? Existe uma convivência com eles?

Gaudêncio Torquato – Eu vou para debates geralmente com eles. Eu, por

exemplo, amanhã mesmo eu não vou. Fui até convidado. Sou sempre

convidado para participar de programas de televisão. Amanhã mesmo. A

Cultura me ligou para que eu e mais um outro, que eu nem sei, um analista

político. E eu sempre digo: eu sou consultor político, não cientista político. Sou

consultor político. Eu quero fazer distinção: eu não sou cientista político. Sou

um consultor político ou analista político. Agora quando alguém diz cientista

político eu também não reclamo não. Eu não vou querer corrigir a pessoa no ar

na televisão. O João Dória, agora tive domingo no programa dele, o cientista

político e tal. João, sou consultor político, mas não vou dizer no ar. Eu quero

dizer que não tenho nada contra a ciência política, ao contrário, eu teria hoje o

maior prazer em ter feito doutoramento, um curso nessa área. Aproveitei toda

essa bagagem, né, como jornalista, lendo os livros de ciência política que eu

tenho atrás de mim.

Entrevistadora – Uma coisa que até já lhe perguntei em entrevistas anteriores,

manter um trabalho como consultor de marketing político e analista político em

nenhum momento foi contraditório?

Gaudêncio Torquato – Não, eu procuro separar sempre. Por exemplo, eu, na

política, eu não procuro fazer artigos que agradem aos meus clientes. Eu, por

exemplo, faço consultoria para um dirigente do PMBD, Michel Temer, mas você

vai ver meus artigos. Eu critico o PMDB, eu faço muitas críticas ao PMDB.

Esse último artigo mesmo. Claro, o PMDB é governista, mas o PMDB, estou

195

fazendo crítica e aos membros do PMDB. Mas, escuta, você não faz

consultoria para o PMDB? E eu digo: e daí? Eu separo as coisas. A minha

visão sobre a política como jornalista é uma, a minha visão como consultor é

outra. Às vezes, eu procuro, geralmente eu procuro dizer a verdade para os

meus consultados. Digo, olha, isso, isso e isso. Por isso que eu não tenho a

língua presa. Eu tenho a língua solta e digo aquilo que eu quero dizer. Eu sou

pago para dizer às pessoas o que eu sinto e não aquilo que elas querem ouvir.

Daí porque existe até uma facilidade muito grande, né, eu digo: olha, peraí,

está errado, não concordo com isso. E eu digo geralmente na área política o

que é certo e o que é errado. Por exemplo, domingo agora escrevi combatendo

a reforma eleitoral, que todo mundo acha que vai moralizar, quando eu digo

que vai é prejudicar os deputados de opinião, os mais conscientes. A proibição

de outdoor, de boné e camiseta vai facilitar as pessoas que estão com uma

malinha de dinheiro para comprar o voto, entendeu como é que é? Vamos

sempre precisar de comunicação. Então estou combatendo isso aí. Então, veja

bem, quando parece que eu, puxa vida, você está totalmente diferente do que

tem dito por aí, que vão moralizar. Não, não é bem assim. Agora que vai ter

maior corrupção, que a reforma eleitoral foi feita aí.

Entrevistadora – Agora essa sua posição não ser confundida pelo fato do sr.

ser consultor de marketing político e depender dessas ferramentas?

Gaudêncio Torquato – Não, eu almocei com um deputado que me passou

esse briefing. Ele disse: Olha, eu que sempre fiz isso, isso aqui, vou perder,

sou um deputado de opinião, vou perder para um cara que bota uma malinha lá

porque não vou poder colocar em outdoor para poder me ajudar dessa

maneira. Me convenci que estava certo. Não é... Ao contrário, eu estou,

digamos assim, combatendo os 50% do Congresso Nacional que são

operadores políticos, que operam com a política. Se você ler os artigos você

vai ver que eu digo que tem 15% de caciques, 50% de operadores, que fazem

da política uma profissão, e 35% de legisladores legítimos. Eu estou

defendendo nesse artigo os 35% de legisladores, contra os 15% de caciques e

contra os 50% de operadores políticos.

196

Entrevistadora – E fazendo, por exemplo, as críticas ao PMDB, os clientes

entendem?

Gaudêncio Torquato – Não, mas os clientes não... Primeiro que ninguém,

meus leitores acham, meus leitores não sabem que eu faço consultoria política

e eu, quem é do PMDB nunca chegou para mim disse: retifique. Respeitam,

respeitam tranqüilamente o campo.

Entrevistadora – Hoje o sr. diria que é mais consultor, mais analista? Como o

sr. divide o tempo hoje?

Gaudêncio Torquato – Eu divido as coisas. Eu acho que minha atividade

jornalística preenche a alma, o segredo da alma, a vontade da alma, a

vocação. E a consultoria política preenche a necessidade de sobrevivência

(risos).

Entrevistadora – A idéia era acompanhar cronologicamente sua trajetória e

acho que isso já preenchemos. Eu só queria retomar algumas questões

pontuais. Por exemplo, quando começou aqui a GT Marketing?

Gaudêncio Torquato – A GT começou acho que há uns doze anos. Mil

novecentos e oitenta e seis, oitenta e sete. Espera aí (liga para a secretária): a

GT tem quantos anos Gislene?

Gislene no viva-voz: Oitenta e cinco, vinte e um, né? Foi fundada em 85.

Gaudêncio Torquato – Ah, tá, tá bom. Quando eu saí do Grupo Bonfiglioli e

tal.

Entrevistadora – O acervo da Proal ainda existe com alguém?

Gaudêncio Torquato – O acervo, Chaparro acho que tem o acervo da Proal.

Eu tenho alguns cadernos Prol, número 1, 2, 3.

Entrevistadora – Mas o acervo dos jornaizinhos, isso não?

Gaudêncio Torquato – Não, não é não. Chaparro deve ter um ou outro

jornalzinho da Proal. Chegamos a fazer muitos jornais. O primeiro foi o

UltraGazeta, jornal da Ultragás, colorido, bonito. Me lembro do jornal Registro,

que era da Duratex, que depois foi para o Grupo Itaú.

197

Entrevistadora – Mas na época ninguém ficou com o acervo?

Gaudêncio Torquato – Eu saí, depois que eu fui para o Grupo Bonfiglioli. Eu

saí da empresa, defini minha parte e tal. Isso já foi acho que em 84. Pedi

licença para sair da Proal. Mas foi uma experiência pioneira a Proal no campo

do jornalismo empresarial no Brasil.

Entrevistadora – Seria um acervo bem interessante.

Gaudêncio Torquato – Seria, seria. Os primeiros jornais de empresa no Brasil,

hein, profissionalizados.

Entrevistadora – Toda a profissionalização começou daí.

Gaudêncio Torquato – Exatamente, exatamente.

Entrevistadora – E uma outra questão bem pontual que em algum momento

ficou faltando, quando o sr. deixou a docência? Isso foi por quê?

Gaudêncio Torquato – Pois é, você sabe que eu comecei a fazer consultoria,

tinha viagem e eu dava aula de manhã e à noite, e aquela obrigação de dar

aula naquele momento, pegando trânsito, e não dá para viajar... eu digo: vou

ter que me aposentar. Já tinha tempo para me aposentar. Aí me aposentei na

USP. Depois de trinta anos na USP me aposentei e na Cásper nem me

aposentei. Na verdade eu não tenho duas aposentadorias como as pessoas

pensam. Poderia ter até duas aposentadorias. Só tive da Universidade de São

Paulo. Peguei dois anos da Cásper Líbero e joguei para a USP e tal para

completar trinta anos.

Entrevistadora – E é um lado do qual o sr. sente falta?

Gaudêncio Torquato – Não, eu dou muita palestra, por exemplo, dou muita

palestra. Eu não sinto falta, não. Eu dou muita palestra. Eu até gosto uma vez

ou outra de dar uma aula inaugural, às vezes sou convidado. Hoje até soube,

um negócio que me surpreendeu aqui. Diz que tem até uma sala de aula na

ECA com meu nome, você sabia disso?

Entrevistadora – Não sabia, não.

198

Gaudêncio Torquato – Pois é, minha filha me mandou um negócio aqui,

Cristiane, aqui, ó: sala com seu nome (lê e-mail): pai, a sala que tem seu nome

é a sala 18 da GEST-CORP. Mandou porque uma amiga dela estuda lá na

USP, faz pós-graduação lá, diz que tem uma sala com meu nome. Digo, puxa,

quando você tem sala já começa a olhar para você... Puxa, já estou chegando

perto do cabo da boa esperança, não é possível. Mas eu gosto de aparecer na

USP, dar uma aula de pós-graduação. Acho que a última aula que eu dei foi

para esse curso que a TV Globo deu com a ECA, com a USP para formação de

jornalistas. Eu fui abrir o curso, a aula inaugural e tal. E vou sempre lá, vou

participar às vezes de bancas e tal.

Entrevistadora – Mas o dia-a-dia da aula...

Gaudêncio Torquato – Não, não, o dia-a-dia da aula eu não tenho mais

vontade, assim, a não ser, sei lá, um curso de pós-graduação que eu pudesse

atender os alunos aqui, talvez dar um curso lá, aí com essa flexibilidade.

Monitorando na área de mestrado, teses, dissertações etc., tudo bem. Mas a

obrigatoriedade de dar aula naquele espaço toda semana tal hora, tal, tal, tal,

eu acho complicado.

199

ANEXOS

1 – Capa do jornal Folha de S. Paulo de outubro de 1967, com destaque para o

início da série de suplementos especiais sobre São Paulo: O desafio do ano

2000

200

2 – Capa da edição nº 1 dos Cadernos Proal, de junho de 1971

201

3 – Capa da terceira edição dos Cadernos de Comunicação Proal, já na

segunda fase da publicação

202

4 – Capa da última edição dos Cadernos de Comunicação Proal, veiculada em

1978

203

5 – Relação de orientandos de Gaudêncio Torquato na Escola de

Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo

MESTRADO

• CHAPARRO, Manuel Carlos da Conceição. Notícia (bem) tratada na

fonte: novo conceito para uma nova prática de assessoria de imprensa

(1987).

• COELHO SOBRINHO, José. Legibilidade de tipos na comunicação

impressa: análise tipológica de jornais diários de São Paulo (1980).

• FONSECA, Ouhydes João Augusto da. Cartola e o jornalista: influência

da política clubística no jornalismo esportivo de São Paulo (1982).

• LIMA, Edvaldo Pereira. Jornalismo impresso e a Teoria Geral dos

Sistemas: um modelo didático de abordagem (1982).

• LIRA, Cléa Lucia. O processo editorial da Embrapa: da prática à

necessidade de reformulação (1989).

• LOPES, Dirceu Fernandes. Contribuição do jornal de empresa à política

e prevenção de acidentes (1982).

• LUDUVIG, Mônica Martinez. Transformações do jornalismo empresarial

da década de 80 aos dias atuais (1994).

• MANENTE, Carlos Alberto. Governo Montoro, entre o verbo e a verba

(1986).

• MINERVINO, Ana Cristina Magalhães. Evento: líder de opinião,

motivação e público (1992).

• MOREL, Francisco Rocha. O anúncio da notícia: contribuição para uma

retórica do discurso jornalístico (1983).

• OLIVEIRA, Hozana Álvares de. Estudo dos sistemas de editoração das

empresas públicas brasileiras (1990).

• PROENÇA, José Luiz. Contribuição para o estudo do jornal de bairro

como elemento de integração das comunidades (1985).

204

• URMENYI, Laszlo Peter Andras. Aplicação da microinformática em

pesquisas de comunicação (1988).

• VALLADA, Kardec Pinto. Revistas especializadas no Brasil:

desenvolvimento, taxionomia e dinâmica editorial (1983).

DOUTORADO

• BRAGA, Geraldo Magela. Comunicação e agricultura: condicionantes do

conhecimento e do uso de técnicas agropecuárias pelos produtores de

Montes Claros (1990).

• CHAPARRO, Manuel Carlos da Conceição. Pragmática do jornalismo:

buscas práticas para uma teoria de texto (1993).

• COELHO SOBRINHO, José. Liberdade como pressuposto para a

aprendizagem: a integração professor aluno no aprendizado de artes

gráficas (1986).

• FONSECA, Ouhydes João Augusto da. Pelé, gol contra: um discurso de

poder (1988).

• LIMA, Edvaldo Pereira. O livro-reportagem como extensão do jornalismo

impresso: realidade e potencialidade (1990).

205

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

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