A Pobreza é Uma Ditadura No Nosso Cérebro

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  • 8/17/2019 A Pobreza é Uma Ditadura No Nosso Cérebro

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    A pobreza é uma ditadura no nosso

    cérebro

    Joana Gorjão Henriques 

    Qualquer pessoa que um dia fique pobre vai perder capacidades cognitivas. Porque aescassez apodera--se da nossa mente e apaga tudo o que está volta! dei"a-nos menosinteligentes. #m novo livro! $carcit%& '(% Having )oo *ittle +eans $o +uc(! revela oque t,m em comum as pessoas com falta de din(eiro ou falta de tempo. #m dos autores!ldar $(afir! e"plica evista / o que acontece quando todo um pa0s passa o tempo

     preocupado com din(eiro

    )oma conta do nosso c1rebro! diminui as nossas capacidades mentais e afunila a nossa perspectiva. 2ão interessa se falamos da escassez 3dos ricos3 4o tempo5 ou da escassez3dos pobres3 4o din(eiro5. 6 escassez! ou seja! ter menos do que aquilo que sentimos que

     precisamos! muda o nosso comportamento e a forma como pensamos. )em ainda um efeitode c0rculo vicioso& escassez gera mais escassez! o que e"plica por que as pessoas pobres ou(iperocupadas t,m dificuldade em sair da 3armadil(a3. 7icam mais propensas ao erro! fal(a& fal(a no cumprimento dos prazos! fal(a nos pagamentos.

    sta 1 a tese do livro e estudo Scarcity: Why Having Too Little Means So Much 4qualquercosia como 3scassez& porque ter muito pouco significa tanto35 - de $end(il +ullainat(an!economista na #niversidade de Harvard! e ldar $(afir! professor de Psicologia 8ognitivana #niversidade de Princeton - publicado recentemente nos stados #nidos! e com edi9ãoem Portugal pela *ua de Papel prevista para +ar9o de /:;

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     pobreza e! at1 nos #6! se estima que quase C:D das crian9as! a determinada altura dassuas vidas! vão estar a receber sen(as de refei9ão 4programa de ajuda alimentar5.

    8onclusão dos autores& em vez de desen(ar pol0ticas p?blicas que ten(am tolerEncia zeroem rela9ão aos efeitos da pobreza! por e"emplo! os governantes deveriam justamente partir do pressuposto de que! enquanto estão ocupadas a pensar em como esticar o din(eiro! as

     pessoas pobres dificilmente terão capacidade para preenc(er os formulários que este tipo

    de programas l(es e"ige ou c(egar sempre a (oras aos cursos de forma9ão profissional quel(es marcaram.

    Para escrever o livro $carcit%... os autores usaram um estudo que acabaram de publicar narevista $cience em 6gosto! Povert% Fmpedes 8ognitive 7unction. aqui que concluem quea escassez afecta as nossas capacidades cognitivas! ao ponto de nos poder fazer perder

     pontos em testes de intelig,ncia. Betal(ando! como no livro! a escassez - de qualquer tipo -tem efeitos vis0veis! e imediatos! que afectam as várias componentes do que eles c(amam3largura de banda3 4bandidt(5& a capacidade mental! a fluidez de intelig,ncia 4queinfluencia a forma como processamos informa9ão e tomamos decis=es5 e o c(amado3controlo e"ecutivo3 4que afecta a forma impulsiva como nos comportamos5. 3star pobre!

     por e"emplo! reduz a capacidade cognitiva de uma pessoa mais do que uma noite inteirasem dormir. 2ão 1 que os pobres ten(am menor 3largura de banda3 como indiv0duos. aocontrário! a e"peri,ncia de pobreza reduz a 3largura de banda3 de qualquer pessoa3!defendem no livro. 36 escassez perpetua a escassez 4...5. 6 escassez cria a sua pr>priaarmadil(a.3

    I evista /! ldar $(afir desenvolve& temos uma capacidade 3gigante3 para armazenarinforma9ão na mem>ria a longo prazo! mas 3no que toca a pensar em tempo real e manteras coisas vivas na mem>ria de trabal(o! isso 1 muito limitado3. "emplo& 3$abemos que seestiver a falar ao telem>vel no carro isso reduz enormemente a capacidade de responderrapidamente e contornar obstáculos - ao ponto de isto ser equivalente a estar alcoolizadosegundo a lei nos #6 A que acontece nesta questão de a escassez tomar conta da mente1 que quando não temos o suficiente de alguma coisa ocupamos uma grande parte da nossamente! e fazemo-lo durante muito tempo! com essa falta. 6 questão 1 que at1 se pode estara tentar resolver o problema no qual se está focado de forma eficaz! mas a periferia ficadesfocada. Fsso 1 o processo de afunilamento! que faz com que se fique concentrado numacoisa e se perca a capacidade para ver o que está volta.3

    A que e"plica! por e"emplo! por que 1 as pessoas pobres sabem muito mel(or como 1 quegastaram os seus tost=es no supermercado - estão mais vigilantes e atentos a isso - e setornem naquilo a que c(amam 3peritos3 no valor do din(eiro. 8ria! por isso! benef0cios no

    momento! torna-nos mais eficazes! mas! ao mesmo tempo! a nossa visão afunilada leva-nosa negligenciar o que está volta e a perder a qualidade de prever as consequ,ncias dasnossas escol(as. 3)odas as pessoas! se fossem pobres! teriam uma 3largura de banda3menos eficaz.3

    6 ideia do livro era 3fazer as pessoas perceberem que os pobres estão a cometer os mesmoserros que eu e voc, cometemos quando estamos demasiado ocupados3! e"plica $(afir.38riámos esta empatia tornando os pobres menos e">ticos e estran(os e diferentes e issotalvez leve as pessoas a perceber que são pessoas parecidas com elas! estão 1 a pagar um

     pre9o mais elevado pelos seus erros.3

    como 1 que a empatia aconteceK )roque-se a palavra 3din(eiro3 pela palavra 3tempo3 eeis que as semel(an9as aparecem! levantando-se o mesmo tipo de quest=es na altura detomar uma decisão& se comprar isto! o que 1 que não vou conseguir comprarK $e fizer isto!o que 1 que vou dei"ar de fazerK

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    esultado& os bens básicos tornam-se um lu"o! no caso de quem tem falta de din(eiro! e asactividades básicas tornam-se igualmente um lu"o! para quem tem falta de tempo. Passa-se! então! o tempo a calcular as perdas e gan(os! mais focado no aqui e agora e menos nasvantagens ou desvantagens a longo prazo 4da0 ser mais provável contrair pioresempr1stimos! por e"emplo! ou acumular in?meras tarefas5. 6 ironia da pobreza! defendem!1 que! ao mesmo tempo que precisam de tomar mel(ores decis=es! os pobres acabam porestar! por1m! na pior posi9ão para o fazer.

    Para desenvolveram o estudo Poverty Impedes Cognitive Function, os autores escol(eram pessoas num centro comercial de 2ova J1rsia com um rendimento m1dio anual alto! de L:mil d>lares 4C: mil euros5! e um rendimento m1dio bai"o! de /: mil d>lares 4;< mil euros5!num total de cerca de ;:: participantes em várias e"peri,ncias. 7oram divididos em doisgrupos - os ricos e os pobres - e submetidos a diferentes (ip>teses de como gerir umadespesa! primeiro ;C: d>lares e depois ;C::. 7izeram testes de intelig,ncia e deautocontrolo& quando tin(am de gerir pouco din(eiro! ;C: d>lares! pobres e ricos nãoapresentaram diferen9as nos testes. +as os pobres revelaram uma diferen9a de at1 menos;M pontos do QF quando a despesa aumentava para ;C:: d>lares. 8onclu0ram que estadiminui9ão da intelig,ncia acontece apenas quando o assunto 1 din(eiro& 36s diferen9as

    não são entre ricos e pobres! mas sobre o desempen(o da mesma pessoa em circunstEnciasdiferentes.3

     2a outra e"peri,ncia feita numa situa9ão real na Nndia com cerca de nica 1 algo para o qual $(afir diz não ter solu9ão! masScarcity... pode ajudar a encontrar solu9=es para quem está em situa9ão de pobrezatemporária. Para o psic>logo! trata-se de abordar o problema pensando no que as pessoas

     pobres não t,m& din(eiro! capacidade cognitiva. 2os #6! e"emplifica! muitos dos

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     programas dispon0veis para os pobres t,m requisitos muito r0gidos! tipo& as pessoas t,m deaparecer (ora e"acta! vir bem vestidas! fazer centenas de coisas para mostrar que t,m aatitude correcta. 3A que se passa 1 que essa ajuda vem com uma s1rie de e"ig,nciasdif0ceis de cumprir para quem tem muita coisa na cabe9a. portanto a questão 1 que nãoestamos a ajudar tanto como poder0amos! mas a impor uma s1rie de requisitos que vemoscomo quest=es de personalidade! mas que na verdade se tratam apenas de capacidadecognitiva& se se está preocupado em cuidar das crian9as! em ter de se apan(ar não sei

    quantos transportes! 1 dif0cil aparecer (ora e"acta. 6c(o que se percebermos mel(or as pessoas! mais fácil será ajudá-las a sair da pobreza.3 2o fundo! conclui& 32unca nos passaria pela cabe9a cobrar imenso din(eiro a quem vai pedir sen(as de refei9ãosimplesmente porque não vamos pedir s pessoas o din(eiro que elas não t,m. +as! se see"ige que as pessoas preenc(am formulários complicad0ssimos! por e"emplo! está-se acobrar uma ta"a de capacidade mental enorme que as pessoas tamb1m não t,m@ a questão 1como desen(ar estes programas com um n?mero mais bai"o de pagamentos! financeiros oumentais! de modo a que as pessoas possam beneficiar deles.3

    Pegando no e"emplo dos agricultores. #ma das suas necessidades 1 comprar fertilizante!dado que isso tem benef0cios econ>micos! mas como s> 1 necessário na altura do cultivo!

    em que a maioria dos agricultores já gastou grande parte do salário! a necessidade dessadespesa aparece-l(es! normalmente! como um c(oque. Ara! sugere $(afir! poderiaintroduzir-se um sistema que os for9asse a comprar o fertilizante na altura da col(eita! emque t,m din(eiro. 32ão se está a mudar a pessoa! nem as opini=es dela! está-se apenas adeslocar uma decisão importante da periferia para dentro do t?nel e portanto nessa alturaeles tomam a mais correcta e compram o fertilizante.3 )rata-se! no fundo! de introduzirincentivos ou lembretes no timing  mais correcto! o da abundEncia - o que e"plica a eficáciade sistemas de poupan9a que retiram directamente uma parte do ordenado no dia em que serecebe para uma conta espec0fica ou sistemas de pagamento automático de contas mensais.

    Al(ando para este cenário de crise econ>mica! em que vários pa0ses como Portugalenfrentam graves problemas financeiros e as pessoas passam cada vez mais tempo

     preocupadas com din(eiro! o que podemos esperarK 36 implica9ão de tantas pessoas perderem as suas capacidades por se estarem a focar na escassez 1 uma perda geral deintelig,ncia numa na9ão como um todo3! responde. 3)anto as pessoas como o Governo

     perdem potencial! estão a dei"ar de dar aten9ão a coisas que são importantes como aconstru9ão de infra-estruturas ou as artes! coisas que são menos alvo de pressão e são porisso negligenciadas.3 6final! quando toma conta de n>s! a pobreza torna-se uma ditadurano nosso c1rebro.