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A reflexo sobre a temtica das relaes internacionais est presente desde ospensadores da antigidade grega, como o caso de Tucdides. igualmente,obras como a Utopia, de Thomas More, e os escritos de Maquiavel, Hobbes eMontesquieu requerem, para sua melhor compreenso, uma leitura sob a ticamais ampla das relaes entre estados e povos. No mundo moderno, como sabido, a disciplina Relaes Internacionais surgiu aps a Primeira Guerra Mundiale, desde ento, experimentou notvel desenvolvimento, transformando-se emmatria indispensvel para o entendimento do cenrio atual. Assim sendo, asrelaes internacionais constituem rea essencial do conhecimento que , aomesmo tempo, antiga, moderna e contempornea.
No Brasil, apesar do crescente interesse nos meios acadmico, poltico,empresarial, sindical e jornalstico pelos assuntos de relaes exteriores e polticainternacional, constata-se enorme carncia bibliogrfica nessa matria. Nessesentido, o Instituto de Pesquisa de Relaes Institucionais - IPRI, a EditoraUniversidade de Braslia e a Imprensa Oficial do Estado de So Pauloestabeleceram parceria para viabilizar a edio sistemtica, sob a forma decoleo, de obras bsicas para o estudo das relaes internacionais. Algumasdas obras includas na coleo nunca foram traduzidas para o portugus, comoO Direito da Paz e da Guerra de Hugo Grotius, enquanto outros ttulos, apesarde no serem inditos em lngua portuguesa, encontram-se esgotados, sendode difcil acesso. Desse modo, a coleo Clssicos IPRI tem por objetivo facilitarao pblico interessado o acesso a obras consideradas fundamentais para o estudodas relaes internacionais em seus aspectos histrico, conceitual e terico.
Cada um dos livros da coleo contar com apresentao feita por umespecialista que situar a obra em seu tempo, discutindo tambm sua importnciadentro do panorama geral da reflexo sobre as relaes entre povos e naes.Os Clssicos IPRI destinam-se especialmente ao meio universitrio brasileiroque tem registrado, nos ltimos anos, um expressivo aumento no nmero decursos de graduao e ps-graduao na rea de relaes internacionais.
TUCDlDESHistria da Guerra do Peloponeso
Prefcio: Hlio Jaguaribe
E. H. CARRVinte Anos de Crise 1919-1939.Uma Introduo ao Estudo das Relaes
Internacionais
Prefcio: Eiiti Sato
J. M. KEYNESAs Conseqncias Econmicas da Paz
Prefcio: Marcelo de Paiva Abreu
RAYMOND ARONPaz e Guerra entre as Naes
Prefcio: Antonio Paim
MAQUIAVELEscritos Selecionados
Prefcio e organizao: Jos AugustoGuilhon Albuquerque
HUGO GROTIUSO Direito da Guerra e da Paz
Prefcio: Celso Lafer
ALEXIS DE TOCQUEVILLEEscritos Selecionados
Organizao e prefcio: RodriguesRicardo Velez
HANS MORGENTHAUA Poltica entre as NaesPrefcio: Ronaldo M. Sardenberg
IMMANUEL KANTA Paz Perptua e outros EscritosPolticos
Prefcio: Carlos Henrique Cardim
SAMUEL PUFENDORFDo Direito Natural e das Gentes
Prefcio: Trcio Sampaio Ferraz Jnior
CARL VON CLAUSEWJTZDa Guerra
Prefcio: Domcio Proena
G. W. F. HEGELTextos Selecionados
Organizao e prefcio: Franklin Trein
JEAN-JACQUES ROUSSEAUTextos Selecionados
Organizao e prefcio: Gelson Fonseca Jr.
NORMAN ANGELL A Grande IlusoPrefcio: Jos Paradiso
THOMAS MOREUtopia
Prefcio: Joo Almino
Conselhos Diplomticos
Vrios autoresOrganizao e prefcio: Luiz Felipe deSeixas Corra
EMERICH DE VATTELO Direito das Gentes
Traduo e prefcio: Vicente MarottaRange!
THOMAS HOBBESTextos Selecionados
Organizao e prefcio: Renato JanineRibeiro
ABB DE SAINT PIERREProjeto para uma Paz Perptua para a
Europa
SAINT SIMONReorganizao da Sociedade Europia
Organizao e prefcio: RicardoSeitenfuss
HEDLEY BULLA Sociedade AnrquicaPrefcio: Williams Gonalves
FRANCISCO DE VITORIADe Indis et De Jure Belli
Prefcio: Fernando Augusto AlbuquerqueMouro
Coleo Clssicos IPRI
FUNDAO ALEXANDRE DE GUSMO - FUNAGPresidente: Embaixadora THEREZA MARIA MACHADO QUINTELLA
CENTRO DE HISTRIA E DOCUMENTAO DIPLOMTICA CHDDDiretor : Embaixador ALVARO DA COSTA FRANCO
INSTITUTO DE PESQUISA DE RELAES INTERNACIONAIS IPRIDiretor : Conselheiro CARLOS HENRIQUE CARDIM
UNIVERSIDADE DE BRASLIA - UnBDiretor da Editora Universidade de Braslia: ALEXANDRE LIMA
Conselho Editorial
Elisabeth Cancelli (Presidente), Alexandre Lima, Estevo Chaves de Rezende Martins,Henryk Siewierski, Jos Maria G. de Almeida Jnior, Moema Malheiros Pontes,Reinhardt Adolfo Fuck, Srgio Paulo Rouanet e Sylvia Ficher.
IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE SO PAULODiretor Presidente: SRGIO KOBAYASHIDiretor Vice-Presidente: LUIZ CARLOS FRIGRIODiretor Industrial: CARLOS NICOLAEWSKYDiretor Financeiro e Administrativo: RICHARD VAINBERGCoordenador Editorial: CARLOS TAUFIK HADDAD
H A N S J. M O R G E N T H A U
A POLTICA ENTREAS NAESA luta pelo poder e pela paz
Traduzida por Oswaldo Biato da edio revisada por
KENNETH W. THOMPSON
Prefcio:
Ronaldo M. Sardenberg
Imprensa Oficial do Estado de So Paulo
Editora Universidade de Braslia
Instituto de Pesquisa de Relaes Internacionais
So Paulo, 2003
Alfred A. Knopf, Inc.
Ttulo Original: Plitics among Nations: the Struggle for Power and PeaceTraduo de Oswaldo Biato
Direitos desta edio:Editora Universidade de BrasliaSCS Q. 2 bloco C n 78, 2 andar70300-500 Braslia, DF
A presente edio foi feita em forma cooperativa da Editora Universidade de Braslia com oInstituto de Pesquisa de Relaes Internacionais (IPRI/FUNAG) e a Imprensa Oficial doEstado de So Paulo. Todos os direitos reservados conforme a lei. Nenhuma parte destapublicao poder ser armazenada ou reproduzida por qualquer meio sem autorizao porescrito da Editora Universidade de Braslia.
Equipe tcnica:
EIITI SATO (Planejamento editorial)ANA CLAUDIA B. DE MELO FILTERVERA LCIA GOMES SEVEROLLI DA SILVA (Reviso)
Fotolito, impresso e acabamento:
Imprensa Oficial
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Morgenthau, Hans J.M851 A poltica entre as naes: a luta pelo poder e pela paz / Hans J.
Morgenthau; traduo de Oswaldo Biato. - Braslia : Editora Universidade deBraslia : Imprensa Oficial do Estado de So Paulo: Instituto de Pesquisa deRelaes Internacionais, 2003.
1152 p. (Clssicos IPRI)
Traduo de : Politics among nations: the struggle for power and peace.
ISBN 85-7060-148-4 (Imprensa Oficial do Estado de So Paulo) 85-87480-27-8 (IPRI/FUNAG) 85-230-0763-6 (Ed. UnB)
1. Poltica Internacional 2. Relaes Internacionais. I. Biato, Oswaldo.II. Ttulo.
CDU 327
Foi feito o depsito legal na Biblioteca Nacional. (Lei n 1825, de 20/12/1907).
SUMRIO
PREFCIO......................................................................................................XI
PREFCIO SEXTA EDIO .....................................................................XXXIX
PARTE UM
Teoria e prtica da poltica internacional
CAPTULO I - Uma Teoria Realista da Poltica Internacional ...... 3
CAPTULO II - A Cincia da Poltica Internacional .................... 29
PARTE DOIS
Poltica internacional entendida como uma luta pelo poder
CAPTULO III - Poder Poltico ..................................................... 49
CAPTULO IV - A Luta pelo Poder: a Poltica do status quo ..... 87
CAPTULO V - A Luta pelo Poder: o Imperialismo .................... 97
8CAPTULO VI - A Luta pelo Poder: Poltica de Prestgio ......... 147
CAPTULO VII - O Elemento Ideolgico na Poltica Inter-
nacional ................................................................................... 173
PARTE TRSO Poder Nacional
CAPTULO VIII - A Essncia do Poder Nacional ...................... 199
CAPTULO IX - Elementos do Poder Nacional ......................... 215
CAPTULO X - Avaliao do Poder Nacional ........................... 295
PARTE QUATROLimitaes do Poder Nacional: O Equilbrio de Poder
CAPTULO XI - O Equilbrio de Poder ..................................... 321
CAPTULO XII - Mtodos Diferentes do Equilbrio de
Poder ....................................................................................... 339
CAPTULO XIII - A Estrutura do Equilbrio de Poder .............. 375
CAPTULO XIV - A Avaliao do Equilbrio de Poder ............. 383
9PARTE CINCOLimitaes do poder nacional: moralidade internacional e
opinio pblica mundial
CAPTULO XV - Moralidade, Costumes e a Lei como Mode-
radores do Poder ..................................................................... 421
CAPTULO XVI - Moralidade Internacional .............................. 429
CAPTULO XVII - Opinio Pblica Mundial ............................. 483
PARTE SEISLimitaes do poder nacional: o direito internacional
CAPTULO XVIII: Principais Problemas do Direito Inter-
nacional ................................................................................... 505
CAPTULO XIX: Soberania ........................................................ 567
PARTE SETE
Poltica internacional no mundo contemporneo
CAPTULO XX: A Nova Fora Moral do Universalismo Na-
cionalista .................................................................................. 603
CAPTULO XXI: O Novo Equilbrio de Poder .......................... 621
CAPTULO XXII: Guerra Total ................................................... 679
10
PARTE OITO
O problema da paz: paz por meio da limitao
CAPTULO XXIII: Desarmamento ............................................. 721
CAPTULO XXIV: Segurana ..................................................... 783
CAPTULO XXV: Soluo Judicial ............................................. 803
CAPTULO XXVI: Mudana Pacfica ......................................... 819
CAPTULO XXVII: Governo Internacional ................................ 833
CAPTULO XXVIII: O Governo Internacional: as Naes
Unidas ...................................................................................... 867
PARTE NOVE
O problema da paz: a paz por meio da transformao
CAPTULO XXIX: O Estado Mundial ......................................... 905
CAPTULO XXX: A Comunidade Mundial ................................ 937
PARTE DEZ
O problema da paz: a paz por meio da acomodao
CAPTULO XXXI: Diplomacia ................................................... 967
11
CAPTULO XXXII: O Futuro da Diplomacia ............................. 991
Glossrio Histrico ................................................................ 1025
Bibliografia ............................................................................ 1049
ndice Onomstico ................................................................ 1085
12
PREFCIO
Hans J. Morgenthau:Poltica entre as Naes
Ronaldo Mata Sardenberg1
Poltica entre as Naes exemplo de empreendimento
intelectual comprometido, que no esconde sua opo conservadora
e ativista. Renova conceitualmente o estudo das relaes entre
os Estados, explicita preocupaes a elas subjacentes e esclarece
idias emergentes na poltica internacional da poca. Por isso,
no espanta que, em poucos anos, haja-se tomado referncia
obrigatria; sua leitura com proveito no exige concordncia
nem com as premissas nem com as concluses do autor. O
diplomata, o estrategista, o investigador e o estudante das relaes
internacionais, o jornalista, o homem do direito e o filsofo
poltico, todos, com certeza encontraro na obra um repositrio
precioso de informaes e ensinamentos sobre um modelo de
anlise da vida internacional - a teoria moderna do realismo
1 Ronaldo M. Sardenberg, diplomata de carreira, entre outros postos diplomticos que
chefiou, inclui-se misso brasileira junto Organizao das Naes Unidas, tendo presidido
em vrias ocasies o Conselho de Segurana da ONU. Foi secretrio de Assuntos Estratgicos
da Presidncia da Repblica e ministro da Cincia e Tecnologia.
13
poltico - e uma inspirao para a comparao entre idias e
fatos do passado e os desafios internacionais que esto frente.
*
A obra inseparvel do homem, e Poltica entre as Naes
segue risca essa regra. A produo intelectual e o desempenho
poltico ancoram-se solidamente na biografia de cada um. A
experincia pessoal e o tempo de Hans J. Morgenthau ajudam a
entender seus escritos e atribulaes. Como indivduo e
acadmico, sua trajetria foi diretamente afetada pelas grandes
crises que atormentaram o sculo XX, como a afirmao do
nazi-fascismo, o drama da guerra mundial e a guerra fria,
materializada nas tenses da confrontao Leste-Oeste e no terror
nuclear. Nascido em 1904, alemo de famlia judaica, com parcos
recursos e de cultura assimilada, deixou, no tenebroso ano de
1932, sua terra cata de emprego intelectualmente produtivo.
Esperava passar algum tempo em Genebra. Nunca mais retornou
Alemanha.
Educado nas Universidades de Berlim, Frankfurt e Munique,
j sua tese - A Funo judicial Internacional: Natureza e Limites
- denotava um interesse central pelo direito internacional pblico.
Admitido, em 1927, Ordem dos Advogados, chegou a presidir,
como interino, o Tribunal do Trabalho de Frankfurt. Fortemente
marcado por sua formao germnica, Morgenthau reverenciava
o professor de histria da arte, Heinrich Wolfflin, e Hermann
Oncken, que o introduziu ao estudo da poltica externa de
Bismarck, bem como Rothenbucher, que o aproximou do
14
pensamento de Max Weber. A esse propsito, revelador o que
relata seu assistente de pesquisa e co-autor Kenneth W.
Thompson. Durante os seus muitos anos na Universidade de
Chicago, Morgenthau nunca entrou em seu gabinete sem antes
deter-se diante de uma fotografia de Oncken, na galeria de retratos
dos professores visitantes.
No incio da dcada dos 30, o fato de ser judeu s reduzia
suas j escassas oportunidades profissionais. Com Adolf Hitler e
seus sequazes no poder em Berlim, tornava-se invivel voltar ao
pas. No Instituto Graduado de Relaes Internacionais, de
Genebra, viu-se diante de dificuldades lingsticas e financeiras,
bem como de desentendimentos sobre o modo de entender o
direito internacional. Mencionam-se, a propsito, o clima poltico
reinante no Instituto e a oposio que lhe era movida por
professores e estudantes nazistas de origem alem. Conseqen-
temente, em 1934, Morgenthau j buscava, por meio de cartas,
emprego na Palestina, na Prsia e no Afeganisto, e - como
dizem as fontes - at na Amrica do Sul. Os Estados Unidos,
irnico que seja, no lhe pareciam atraentes, dado o vigor da
competio naquele pas. Preferia a Europa e, em segundo lugar,
a Palestina.
Em 1935, mudou-se para Madri para ocupar posio no
Instituto de Estudos Internacionais e Econmicos. Foi feliz na
Espanha; mas, no ano seguinte, quando visitava a Itlia, em lua
de mel, desencadeou-se a Guerra Civil espanhola e, de novo,
no houve como retomar. Passou mais de ano em peregrinao
por diferentes cidades europias - Amsterd, Merano, Haia,
Genebra, Paris. Finalmente, decidiu-se pelos EUA, para onde
15
seguiu, com a -mulher, aps superarem dificuldades quanto
concesso de vistos2.
Fixou-se em 1937, em Nova York, no Brooklin College, e
mais tarde nas Universidades do Kansas, em Montana (939) e
Chicago 0943-71), na qual conheceu seus anos de maior impacto
pblico. Depois, esteve associado com o City College de Nova
York e com a New School for Social Research. Faleceu em 1980.
Sua filosofia poltica desenvolveu-se, no quadro, primeiro,
das vicissitudes, derivadas da ascenso, do declnio e da queda
do Terceiro Reich e, segundo, da irrupo dos poderes
norteamericano e sovitico no plano mundial. Como nota Walker3,
ao chegar aos EUA, Morgenthau deparou-se com vises peculiares
do mundo, em especial no Meio Oeste. Naquela poca, os
EUA caminhavam para uma forma de envolvimento nas questes
europias e, em ltima instncia, de predomnio mundial.
Nesse contexto, duas correntes extremistas se entrechocavam: o
arquiisolacionismo e as idias legalistas, com amplo apelo popular,
que viam no enquadramento jurdico a possvel soluo para os
problemas da paz e da segurana internacionais. No mesmo
campus em Chicago, coexistiam horror e fascinao com a guerra.
Embora excessivamente restrito, este sumrio ilumina a
trajetria de Morgenthau. Naturalizado norte-americano em 1943,
2 Casou-se com lrma Thorman, que namorava desde 1924 e com quem havia trocado mais
de mil cartas. lrma o auxiliava financeiramente. Os vistos norte-americanos foram conseguidos
graas intervenincia de um parente rico dela, nos EUA.3 V. Thomas C. Walker, lntroduction: Morgenthaus Dual Approach to lnternational to
lnternational Relations em International Studies Notes, da lnternational Studies Association
(ISA), vol. 24, nmero 1, 1999. A primeira promovida por Robert McCormick e a segunda
patrocinada pelo Comit para Colocar a Guerra Fora da Lei.
16
pertenceu gerao de intelectuais e pesquisadores europeus
que, fustigados pelo terror nazista, encontraram, na outra margem
do Atlntico, espao e oportunidades para desenvolver seus
talentos. A partir da publicao, em 1948, da Poltica entre as
Naes, sua obra magna, Morgenthau tornou-se um dos mais
respeitados cientistas polticos norte-americanos, como pioneiro
na articulao da teoria realista das relaes internacionais, pela
qual orientaram-se as pesquisas e o debate poltico nos EUA, e
em menor grau na Europa, durante o longo perodo da guerra
fria. Foi representativo da imigrao bem-sucedida4.
*
Com o subttulo A luta pelo poder e pela paz, a Poltica
entre as Naes conheceu seis edies (e numerosas reimpresses)
- em 1948, 1954, 1960, 1967, 1973, 1978 e 1985, com sucessivas
revises. A origem do livro, como modestamente registra, na
apresentao da primeira edio, encontra-se principalmente em
notas, compiladas pelos seus melhores estudantes (pois ele mesmo
no as utilizava), das aulas e palestras que dera no ltimo trimestre
de 1946. Seu texto original cobre matrias tradicionais dos cursos
de relaes internacionais, com nfase nos problemas do direito,
4 Informaes biogrficas colhidas principalmente na Encyclopaedia Britannica
(http:\\www.britannica.com); em Kenneth W. Thompson, The Writing of Politics among
Nations: Its Origins and Sources, em lnternational Studies Notes e em Morgenthaus
Odyssey, paper preparado para o painel: Traveling ldentities: Gender, Cu/ture and
Experiences of Displacement at the 39th Annual Convention of the lnternationa/ Studies
Association, Minneapolis, March, 1998 (http:\www.unet.univie.ac.at). Correntes feministas
norte-americanas hoje afirmam que esse xito era muito mais freqente entre os homens
que entre as mulheres. Como exceo, citam Hannah Arendt.
17
organismos internacionais e histria diplomtica, mas se inicia
com uma sntese notvel da influncia do Poder na rbita
internacional.
No se deixe escapar a dinmica do pensamento de
Morgenthau, que evolua com a transformao da problemtica
internacional. Em sua longa trajetria, soube ele reagir, de modo
criativo, s fases diferenciadas da guerra fria. Entretanto, soube,
tambm, manter-se fiel ao conjunto de princpios e metodologias
que, desde a primeira publicao, norteou sua viso do mundo.
O texto da Poltica entre as Naes enriqueceu-se com
revises a cada edio. Ao lado de idias aparentemente simples,
o leitor encontra inesperados nveis de complexidade. J na
segunda edio, de 1954, explicita-se que seus verdadeiros e
confiveis alicerces intelectuais e polticos so os vinte anos de
dedicao do autor a seus temas preferenciais e prpria natureza
da poltica internacional. Morgenthau admite que sua reflexo
fora solitria e ineficaz, j que uma concepo falsa de poltica
externa, posta em prtica pelas democracias ocidentais, havia
levado, de forma inevitvel, ameaa do totalitarismo e,
finalmente, Segunda Guerra Mundial. A seu juzo, na ocasio
da primeira edio, ainda dominava tal concepo, que qualifica
tambm de perniciosa. Reconhecia-se como pessoalmente
engajado e polmico, por atac-la, em seu livro, de modo frontal
e assinalava ser to radical em relao aos erros de tal concepo
quanto aos de sua prpria filosofia. Seis anos mais tarde, contudo,
proclamava vitria, e sublinhava que, com a posio alcanada,
sua teoria passava, daquele momento em diante, a necessitar
apenas de consolidao e adaptao a novas experincias.
18
As alteraes textuais, introduzidas em 1954, revelam ntida
preocupao em manter a atualidade da anlise e explorar as
novas perspectivas mundiais. Tais alteraes tomam nota, como
assinala, de quatro experincias polticas que haviam emergido
desde 1948, a saber:
1. as novas tendncias estruturais na poltica mundial;
2. o desenvolvimento da revoluo colonial;
3. o estabelecimento de instituies supranacionais; e
4. as atividades das Naes Unidas. Reconhece que, em
1948, os sinais indicavam que a bipolaridade (nuclear) se
transformaria em um sistema de dois blocos antagnicos, mas
que tendncias posteriores haviam tomado sentido menos claro,
e at contrrio, como ocorreu com a disseminao da revoluo
colonial na sia e na frica e a emergncia de instituies
supranacionais, como a Comunidade Europia do Carvo e do
Ao e a OTAN . (sic).
Identifica o autor, como diferena bsica entre a primeira e
a segunda edies, o fato de que aquela se voltava mais para a
obsolescncia do Estado nacional soberano e esta se dirigia s
emergentes instituies supranacionais. Essa observao precoce
tem interesse, por ser muito mais freqente associar a teoria
realista e o primado do Poder ao auge do Estado, e no sua
superao. Outra dimenso, que, naquele momento, emergia,
a da luta pelas mentes (e coraes), para alm dos aspectos
tradicionais e materiais da guerra e da diplomacia. Interessa ainda
sua reavaliao do papel das Naes Unidas, antes cercadas de
esperanas, ou iluses, e agora encaradas pelo lado de suas
realizaes, que, porm, j se distinguiam do otimismo das
19
expectativas iniciais. Com franqueza, correlaciona essa mudana
de enfoque com os desenvolvimentos multilaterais, decorrentes
da guerra da Coria.
Importantes refinamentos so introduzidos na segunda
edio, os quais, como observa, refletem a evoluo de seu
pensamento. Acrescenta um captulo introdutrio, no qual elabora
e esclarece elementos fundamentais de sua filosofia poltica, com
a aplicao aos acontecimentos correntes de noes como poder
poltico, imperialismo, cultura, opinio pblica mundial, desar-
mamento e segurana coletiva. So inseridos e discutidos tambm
os conceitos, ento novos, de conteno, guerra fria, naes
no comprometidas e assistncia econmica. Certos temas
ganham espao e ateno, como a influncia da poltica interna
sobre a externa, o reconhecimento da importncia da qualidade
do governo e da diplomacia, a interrelao no mbito da balana
de poder e o direito internacional. Morgenthau comea, ainda, a
queixar-se da incompreenso que o cerca, em especial quanto a
idias, que no apenas nunca sustentara, mas que tinha,
abertamente, como repugnantes. A reflexo empreendida ,
portanto, substancial e ilustra a crescente auto-confiana do autor.
Tais tendncias prosseguem na terceira edio, de 1960.
Morgenthau justifica o processo de reviso da Poltica entre as
Naes, com a observao de que, tanto em suas manifestaes
empricas quanto nos propsitos a que serve, a verdade poltica
uma criana de seu tempo. Assim a balana do poder dos
sculos XVIII e XIX, com a multiplicidade de pesos aproxima-
damente iguais, difere da vigente em meados do sculo XX.
20
Alm disso, a caracterizao desta, nos EUA, como elemento
perene, envolveu vigorosa polmica, pois revelara algo que
poucos suspeitavam e a maioria tomava como abominvel
heresia, uma aberrao passageira e j obsoleta.
Morgenthau acreditava haver reagido quase total
subestimao do elemento do poder na vida internacional e
qualificado fortemente a tendncia a v-lo apenas em termos
materiais. Por outro lado, diante da potencialidade nuclear de
destruio total, singularizou a obsolescncia da violncia
descontrolada como instrumento de poltica externa, tema que
merece ser revisitado nos tempos atuais. Repeliu, ainda, a
acusao de ser indiferente aos problemas morais, invocando,
como prova, este e outros de seus livros.
Na quarta edio, quase vinte anos aps primeira,
Morgenthau incorpora modificaes, com vistas a dar conta da
evoluo internacional, no que tange tanto diplomacia
multilateral quanto ascenso, nos EUA, da poltica de controle
de armamentos, por oposio de desarmamento. Tambm algum
aperfeioamento conceitual proposto com relao a temas
diversos como imperialismo, prestgio, conflito nuclear e alianas.
Pela primeira vez faz referncia a outras obras de sua autoria
como fontes para o entendimento de sua posio filosfica e,
em conseqncia, das colocaes tericas da Poltica entre as
Naes.
Nessa ocasio, nota que seu enfoque difere da aplicao
s relaes entre os Estados de novos instrumentos, desenvolvidos
21
principalmente nos EUA, como o behaviorismo, a anlise de
sistemas, a teoria dos jogos e a simulao, entre outros.
Morgenthau deixa transparecer ceticismo sobre tais inovaes
metodolgicas e a conseqente polmica acadmica. Com base
na experincia histrica e pessoal, afirma, lapidarmente, que
para o xito ou o fracasso de uma teoria, decisiva sua
contribuio ao conhecimento e ao entendimento de fenmenos
que valham a pena conhecer ou entender. por seus resultados
que uma teoria deve ser julgada, no por pretenses
epistemolgicas ou inovaes metodolgicas.
Invoca o clebre matemtico Henri Poincar a respeito da
correlao inversa, que em geral existe, entre preocupaes
metodolgicas e resultados substantivos e afirma seu prprio
convencimento de que as tentativas de racionalizao abrangente
da teoria internacional sero provavelmente to fteis quanto as
que as precederam, desde o sculo XVII. Aponta para o risco de
um dogmatismo que venha a dominar a realidade com o fito de
preservar a consistncia racional. E termina com magistral citao
de Oliver Wendell Holmes, do qual ressalta uma resignao
herica. Escreve Holmes: A cada ano, seno a cada dia,
apostamos nossa salvao em uma profecia, cuja base est no
conhecimento imperfeito.
Poltica entre as Naes se divide em dez partes e em 32
captulos. Se arriscarmos simplificar sua organizao, podemos
divisar trs grandes ttulos, a saber: A) Teoria e prtica das rela-
es internacionais, composto das partes I e 11 e dos sete pri-
meiros captulos, com nfase na teoria realista da poltica
internacional, na cincia da poltica internacional e na luta pelo
22
poder; B) Poder nacional, tratado nas partes III a VI, em onze
captulos, que provem os elementos do poder, assim como suas
limitaes tanto de sentido estritamente realista - nomeadamente
a balana de poder - quanto as ligadas a moralidade, opinio
pblica e direito internacionais; e C) Problemas da poltica
mundial na metade do sculo xx, a qual constitui um verdadeiro
vademecum das principais questes ento na pauta internacional,
em particular no que diz respeito s relaes Leste-Oeste, o que
inclui paz, desarmamento, segurana, organizao mundial e
diplomacia.
Embora todo o livro retenha interesse como referncia, suas
duas primeiras partes contm aspectos particularmente intrigantes,
a partir de uma releitura estruturada luz dos acontecimentos
transformadores da ordem internacional desde a queda do muro
de Berlim, em 1989. Em especial, a ateno do leitor se dirige
para a enunciao dos Princpios do Realismo Poltico, para os
quais Morgenthau reivindica alguma atemporalidade, a despeito
de se enraizarem fortemente no perodo da guerra fria.
Em sntese, tais Princpios ressaltam o carter objetivo do
realismo poltico e seu vnculo direto com uma avaliao
extremamente pessimista da natureza humana (Princpio 1); a
importncia central no realismo poltico do interesse (nacional),
qualificada com a observao de que este no deve ser entendido
como imutvel (Princpios 2 e 3); a percepo da questo moral
nas relaes internacionais, por parte do realismo poltico, sob a
ressalva de que as aspiraes morais de uma nao no se
identificam com as do conjunto dos preceitos morais, que regem
o universo poltico (Princpios 4 e 5); e - talvez menos
23
interessante, mas de todo modo reveladora - a reivindicao
para o realismo poltico de uma especial profundidade, ou
seja, de ser o detentor de uma superior apreenso da realidade
(Princpio 6).
Tambm desperta continuado interesse a anlise da poltica
dos Estados com relao ao status quo, o contexto da luta pelo
poder. Morgenthau prope uma tipificao das polticas externas
nacionais, que conheceu muito xito, quais sejam, as polticas
de manuteno do poder (status quo); as de sua expanso
(imverialismo) e as de demonstrao (prestgio, conceito um tanto
fora de moda, mas nem por isso abandonado no plano
internacional). Examina, nesse contexto, o tema do imperialismo
contemporneo, em suas trs modalidades, econmica, militar e
cultural, de forma isolada ou combinada, assim como as polticas
de prestgio5.
Ao final, percebe-se que Poltica entre as naes recolhe
bom nmero de preocupaes tericas e prticas. Avana na
idia da necessidade de constituir uma teoria das relaes
internacionais, com a ressalva de suas limitaes intrnsecas, e
formula especificamente uma teoria realista, ao mesmo tempo
que busca aplic-la a casos concretos. Por esse aspecto, o livro
torna-se inteligvel mesmo para no iniciados. Prefere Morgenthau
trabalhar em nveis subsistmicos, conforme, alis, fortemente
sugere sua viso do prprio papel da violncia mundial. Resiste,
de modo geral, s concepes muito abrangentes da ordem
5 pp. 4-23 e 60-140.
24
internacional (provavelmente nem sequer aceitou essa ltima
categoria de anlise, salvo para assinalar a desordem como modo
dominante de organizao, o que, alis, soa como contradio
insanvel).
A essncia de seu pensamento est em uma difcil composio
entre as consideraes de Poder - a prpria conceituao do
realismo poltico, suas formas, dimenses nacionais e balana
do Poder - e a viso das limitaes ao Poder nacional, expressas
em termos de moral, opinio pblica, direito internacional,
paz, organizao internacional e diplomacia. Nesse sentido, a
obra fiel a seu subttulo - que aproxima a luta pelo poder e a
paz -, e esquec-lo, em funo de uma leitura parcial, certamente
desfiguraria as intenes do autor6.
Desde seus primeiros esforos, Morgenthau combina
relaes internacionais e direito internacional pblico; com o
tempo, atribui importncia crescente diplomacia multilateral,
mesmo tendo em conta que esta falha ou tarda a resolver os
problemas a que se dirige. Em suas partes finais, o livro toma
carter quase enciclopdico, ao tratar de casos e questes de sua
atualidade e conclui com uma reflexo sobre as tarefas e o futuro
da diplomacia. Morgenthau, note-se, abstrai em sua obra, em
ampla medida, as variveis econmicas e tecnolgicas (e, quando
trata das ltimas, privilegia as tecnologias especificamente
militares) ou, de forma implcita, as aceita como dadas.
*
6 Walker, op. cit., sublinha o enfoque duplo de Poltica entre as Naes e observa que
ignor-lo o que justamente diferencia da obra de Morgenthau, para pior, o chamado
neo-realismo, cuja figura paradigmtica Kennneth Waltz.
25
O pensamento morgenthaliano se encaixa com naturalidade
na longussima tradio realista ocidental, que se ter iniciado
com Tucdides. Histria da guerra do Peloponeso inaugura a
relao tensa entre o realismo e as preocupaes morais7 e
permite esboar o que depois viria a ser a teoria da balana de
Poder, tal como interpretada pelas potncias mais fortes.8 Mas,
ao justapor o comportamento belicista de Atenas a sua posterior
decadncia e derrota, o historiador ateniense permitiu enxergar
tambm a barbrie e o potencial corruptor da guerra e v-la
como uma escola de violncia e uma degradao moral.9
Aproximadamente dois milnios mais tarde, Maquiavel
provoca a ciso radical entre moral e poltica, o que, de um lado,
o credenciou como originador da cincia poltica, como a
entendemos hoje, mas, de outro, fixou um estigma que o marca
e compromete o realismo para sempre. Na verdade, Maquiavel
sempre condenado pela pungncia de sua prosa e, sobretudo,
por no admitir a existncia de uma comunidade moral entre os
Estados e por deixar de subordinar o comportamento externo
do Estado a qualquer dever tico, bem como por sua apologia
das aes blicas preventivas ou preemptivas. Para ele, o
interesse prprio sempre superar as inibies morais.
Hobbes, com sua nfase no homem como lobo do prprio
homem, e outros tericos do contrato social divisam, como se
7 V. Steven Forde, Classical Realism, em T. Nardin e D. Mapel (eds), Traditions of
International Etbics, Cambridge University Press, 1993, pp. 62-84.8 H V. Tucdides, Histria da Guerra do Peloponeso, Editora da Universidade de Braslia, 2001.9 V. Hrodote -Thucydide, Oeuvres completes, texto apresentado por Denis Roussel, NRF,
Gallimard, 1964, p.667
26
sabe, um estado da natureza, antes que se forme a sociedade,
que tambm um estado de insegurana e de guerrd no plano
internacional, tendo em vista a ausncia de meios de imposio
da ordem nesse plano. Para o realismo atual, o Estado continua
ser o lobo do Estado, apesar de todas as qualificaes que possam
ser feitas a essa situao, e sua base comum so o ceticismo
quanto relevncia das categorias morais nas relaes entre os
Estados; o predomnio dos interesses prprios; e a inexistncia
ou debilidade de um bem comum que una os Estados na
rbita internacional10.
Os fundadores do realismo anglo-americano foram o
historiador E.H. Carr, o telogo Reinhold Niehbur e o prprio
professor Morgenthau. Em anos recentes, George Kennan e
Henry Kissinger - diplomatas e acadmicos - tm sido os seus
mais lcidos expositores11.
Entre a Primeira e a Segunda Guerras, o historiador
britnico E. H. Carr, com o seu The Twenty-Year Crisis12, que ,
na verdade, de 1940, contribuiu fortemente para desmistificar
a corrente idealista, por ele qualificada de utpica, dominante
na Europa, em especial entre os pases vencedores na primeira
dessas hecatombes. O idealismo privilegiava a construo
institucional e jurdica da paz, em escala global, e desprezava ou
secundarizava as consideraes de poder (tradicionalmente muito
presentes no pensamento alemo). Seus smbolos ltimos eram
10 V. Forde, op. cit., para as citaes no atribudas a outros autores.11 Jack Donnelly, The Twentieth Century, em T. Nardin e D. Mapel (eds), op.cit.,
pp. 85-111.12 Edward H. Carr, The Twenty-Year Crisis, 1919-1939, Harper and Row, 1946.
27
a Liga das Naes e o protocolo Briand-Kellog, ambos
experincias que fracassaram no entre-guerras.
Aps a Segunda Guerra, Morgenthau d um passo decisivo,
ao propor, em Poltica entre as Naes, a codificao do Poder
como esteio principal da teoria realista. Naquele momento,
organizava-se, de maneira ainda confusa e mesmo conflitiva,
uma nova ordem internacional, com o reforo da dimenso
multilateral simbolizada pelas Naes Unidas. A ambigidade se
espelhava, de um lado, na realidade do poder, encapsulada na
faculdade de veto deferida aos membros permanentes do
Conselho Segurana, e, de outro, nos ideais de igualdade entre
as naes, expressos no sistema de votao da Assemblia Geral
e consagrados na atribuio de um, e apenas um, voto a cada
Estado membro, independentemente de seu poder relativo ou
de quaisquer consideraes. Esse o sistema de votao, com o
qual Morgenthau nunca esteve de inteiro acordo, estabelecido
pela prpria Carta das Naes Unidas.
seu mrito, por outro lado, estabelecer uma ponte entre
a viso norte-americana do realismo e o enfoque tradicional
europeu, inclusive alemo. Raymond Aron, de legendria lucidez
e grande mestre da ambigidade calculada e, por isso, criativa,
percebeu claramente, em seu Paz e guerra entre as naes,13 o
jogo das sutilezas e das inflexibilidades daquele momento e a
evoluo representada pelo pensamento de Morgenthau. Na
verdade, Poltica entre as Naes pode ser lida em conjunto com
a obra de Aron.
13 Editora Universidade de Braslia, 1979.
28
No seio da escola realista contempornea, inclusive nos EUA,
registraram-se antipatias e srias divergncias14. Kennan nem
sequer cita Morgenthau em suas memrias, embora este o
mencione em seu Poltica ,entre as Naes. Com Kissinger, alm
de Zbigniew Brzezinski e McGeorge Bundy, o pomo da discrdia
esteve na atitude sobre a guerra do Vietn, cujo desenlace, de
alguma forma, coloca em xeque a poltica e a estratgia
internacional dos EUA, ao prenunciar o ocaso da guerra fria, pelo
menos no que diz respeito confrontao entre as superpotncias
por partes interpostas e por meios blicos convencionais.
*
A filosofia morgenthaliana vinculada, de modo umbilical,
guerra fria, embora nela no se esgote. Seu foco no poder ,
em si, uma opo conservadora, que vai-se replicar na considerao
dos condicionantes do exerccio do poder nas relaes internacionais,
que so, ao ver de Morgenthau, a moral, o direito e a diplomacia.
Anote-se, como relevante, sua disposio em considerar a questo
moral e de distinguir no direito, dentro de limites, um instrumento
disciplinador da ordem internacional. Tambm dedicou ateno
ao papel da opinio pblica.
14 Morgenthau reconhecia valor intelectual a Carl Schmitt, que completa uma fieira de
pensadores alemes de ndole realista nas primeiras dcadas do sculo passado, mas o
considerava como o mais perverso dentre os vivos. Schmitt, dizia, nunca foi superado
por qualquer pensador alemo, em sua subservincia aos nazistas e falta de princpios,
Para avaliar a atitude de Morgenthau, que no era praticante, vide M. Benjamin Mollov,
Jewrys Prophetic Challenge to Soviet and Other Totalitarian Regimes according to Hans
Morgenthau, no Journal of Church & State, janeiro, 1997. Mollow resenha a atividade de
Morgenthau em favor dos judeus soviticos, em especial durante a ltima dcada de sua
vida, e examina a motivao transcendental dessa ao.
29
Embora reconhea a deteriorao da moralidade internacional,
ocorrida nos ltimos anos, com relao proteo da vida,
Morgenthau explicitamente assinala o equvoco de considerar
,.. que a poltica internacional to completamente
malvola que de nada serviria buscar as limitaes morais
...Entretanto, quando nos perguntamos, do que os
estadistas ou os diplomatas so capazes, na promoo
dos objetivos de poder de suas respectivas naes e o
que, na realidade, fazem, percebemos que fazem menos
do que poderiam ou que fizeram em outras
oportunidades... Certas opes, ainda quando oportunas,
no so eticamente permissveis. ... A funo restritiva
(das inibies morais) mais bvia e efetiva na afirmao
da santidade da vida humana em tempos de paz.
Afirma ele a importncia contempornea do Direito
Internacional, mas o analisa principalmente sob a tica de seus
problemas. Ressalta o valor acrescido da opinio pblica
internacional, no mbito do que denominou de emergente
unidade psicolgica do mundo. Por outro lado, diplomacia,
para ele, permanece em essncia congelada sob a forma da
diplomacia clssica. Seu pensamento no inova e, pior, subscreve
o antiquado enfoque que ergue barreiras artificiais e
intransponveis entre diplomacia e poder internacional15.
15 V, Morgenthau, op. cit., pp. 383-511.
30
Essa viso segmentada sobrevive em crculos retrgrados,
mas no, curiosamente, nos prprios EUA, nos quais, desde a
Segunda Guerra, os generais Marshall, Haig e Powell chegaram
a ocupar o Departamento de Estado. Por outro lado, Robert
McNamara, homem de negcios, depois de seus controvertidos
anos no Pentgono, exerceu funes quase-diplomticas no Banco
Mundial e outras instituies. Nesse sentido, o pensamento e
atuao de Kissinger, ao distinguirem o entrelaamento das
dimenses diplomtica e militar, representam um decidido passo
avante na viso realista.
Outro aspecto a ser retido o de que toda a elaborao
terica de Morgenthau a respeito das limitaes do Poder se
coloca no contexto da polmica com a corrente, parcialmente
idealista, em favor da organizao da cena internacional com
base em um s mundo COne Worldism), a qual, em essncia,
preconizava o gradual ou rpido desaparecimento das soberanias
estatais.
verdade, porm, que Poltica entre as Naes permanece
no imaginrio do pblico especializado muito mais em funo
de seus avanos nas teorias realistas do poder, do que pelas variadas
limitaes a este, que apresenta. Entretanto, tais limitaes, pelo
que se pode avaliar, tm valor prprio, no se tratando de simples
manifestaes retricas inseridas com o objetivo de validar a parte
mais dura e vociferante16 da filosofia poltica de Morgenthau.
Nesse contexto, relembre-se a condenao precoce deste
interveno norte-americana no Vietn, a qual se funda,
16 V. Donnelly, op. cit.
31
justamente, naquela viso das limitaes do poder. Ao que se
comenta, essa atitude no teria deixado de lhe causar problemas.
Morgenthau teria perdido uma prestigiosa consultoria no
Departamento de Estado, que detinha desde o final da dcada
de 1940, quando Kennan chefiava o Policy Planning Staff, assim
como teria sido inviabilizada sua candidatura presidncia da
American Poltical Science Association - APSA.
No ter sido por casualidade que Kissinger, em seu
monumental Diplomacia, no qual recapitula alguns dos principais
episdios das relaes internacionais do sculo XX, demore,
quase miraculosamente, a citar Morgenthau, e que haja uma
nica citao em todo aquele livro17. Nessa oportunidade, ao
reconhec-lo como decano nos EUA dos filsofos do interesse
nacional, Kissinger assinala, com amargura, que at ele,
Morgenthau, moveu-se pela proclamao da imoralidade da ao
norte-americana no Vietn, e o cita: Quando falamos sobre a
violao do direito da guerra, devemos ter presente que a violao
fundamental, da qual decorrem todas as demais, a prpria
conduo desse tipo de guerra. Provavelmente sem o desejar,
Kissinger nessa citao faz os leitores relembrarem que, para
Morgenthau, a doutrina do poder no se esgota na simples e
irrestrita aplicao de meios militares vida internacional.
A comparao entre Morgenthau e Kissinger tem interesse,
do ngulo tanto da teoria quanto da moral poltica, dadas as
semelhanas dos respectivos backgrounds, como judeus alemes
emigrados, devotos de Bismarck e lderes da comunidade
17 V. p. 679 da 6 edio norte-americana.
32
acadmica norte-americana, bem como das diferenas de gerao
e das respectivas trajetrias polticas.
Para alm das rivalidades e picuinhas pessoais, ou de
questes apenas tpicas, a escola realista - que a partir dos anos
1940 tornou-se uma espcie de indstria acadmica, na qual
brilhavam Nicholas Spykman, George Schwarzenberger, Fredric
Schuman, Stefan T. Possony e muitos outros - discutiu questes
amplas e centrais, como a aplicabilidade ou no dos princpios
morais universais s aes dos Estados, a importncia relativa da
natureza humana e dos fatores estruturais na definio das
polticas de Poder, bem como o impacto da anarquia na vida
internacional.
Desde 1954 pelo menos, tanto Morgenthau quanto Kennan
manifestaram-se pela impossibilidade da aplicao direta das
consideraes morais ao plano estatal. O primeiro, na segunda
edio do Poltica entre as naes, tomou posio clara a esse
respeito, enquanto o segundo, como observa Donnelly, adota o
mesmo caminho e escreve ...O processo de governo ... um
exerccio prtico e no, moral. Carr, por sua vez, chega a afirmar
que os supostos princpios absolutos e universais so reflexo
inconsciente de interpretaes e momentos especficos da poltica
nacional. Ressalve-se, porm, que nos trs autores encontram-
se, com relativa facilidade, pronunciamentos em sentido contrrio
a estes ou, pelo menos que os matizam fortemente.
Com Maquiavel, tem curso a percepo de que, na natureza
humana, predominam o mal e o pecado, em particular na falta
de autoridade coatora. No sculo XX, Niehbur, por exemplo,
viu, em qualquer realizao, mesmo as de ndole moral, alguma
33
corrupo, fundada no amor-prprio. Mas, como observa
Donnelly, sempre haver espaos polticos para personalidades
to diversas quanto os heris homricos, santos cristos e lobos
hobbesianos18.
A grande discusso no seio da teoria realista sempre foi a
do impacto relativo, sobre a poltica, da natureza humana e da
estrutura subjacente vida internacional. O risco maior da proposta
realista sempre radicou em sua reduo a polticas de poder e,
destas, a polticas especficas de interesse nacional. Estas
configuram uma situao internacional a um passo da anarquia,
que, no caso, no significa necessariamente caos ou ausncia
completa de ordem mundial, mas falta de governana poltica,
ou seja, de uma ordenao internacional hierarquizada, fundada
na autoridade e na subordinao formal19.
*
Seria uma simplificao pensar Poltica entre as naes, que
clssico, apenas como livro-texto, o que Walker e outros s vezes
parecem -sugerir. Seu contedo slido, e o estilo, sbrio e destitudo
de ornamento. Se sua maneira de argumentar didtica, so
profundas as razes histricas da filosofia que esposa, e clara sua
dedicao soluo das questes concretas de seu tempo.
18 V. Politics Among Nations, segunda edio, p. 9; George Kennan, Realities of American
Foreign Policy, Princeton University Press, p. 48; e Edward H. Carr, op. cit., p. viii;
Reinhold Niehbur, The Children of Light and the Children of Darkness, Scribner and Sons,
1944, p. 19, como citados por Jack Donnely, op. cit., pp. 85, 86, 88 e 104.19 V. Donnelly, op. cit.
34
exemplar a percepo de Morgenthau quanto s limitaes de
qualquer teoria das relaes internacionais, no apenas a realista.
Poltica entre as naes sobreviveu s mudanas polticas,
aos novos fatores econmicos, primeiro, de natureza
transnacionalizante e, agora, globalizante, assim como revoluo
tecnolgica e emergncia das organizaes no-governamentais,
que transformaram de forma definitiva o mundo. Ainda assim,
as consideraes de poder que levanta subjazem s atuais
relaes internacionais, embora de forma diferenciada em relao
a dcadas anteriores. Os destinos do Estado nacional se
transformaram, a comear, por fora do que Morgenthau chamava
de revoluo colonial: a heterogeneidade radical entre os Estados
veio a substituir a homogeneidade que se refletia ao menos no
mundo das idias polticas e jurdicas, ainda que no observada
invariavelmente na prtica internacional. Tambm o uso blico
da energia nuclear pode ser visto como fator de eroso do Estado,
j que este perdeu a capacidade de proteger seu territrio, a
populao e o setor produtivo, em caso de agresso nuclear.
*
Os arqutipos da vida internacional mudaram fortemente.
Antes da Primeira Guerra Mundial, a atuao dos pases europeus
ocidentais correspondia, mais do que em qualquer outra poca,
ao modelo da balana do poder. Durante a guerra fria,
predominava a lgica da simetria20 do poder internacional;
20 Harvey M. Sapolsky, Eugen Gholz e Arlen Kaufman, Security Lessonsfrom the Cold War,
no Foreign Affairs, de julho-agosto, 1999.
35
com o seu fim definitivo, no incio dos anos 1990, ficou superada
a nitidez de traos derivada da confrontao bipolar ou, mais
dramaticamente, do equilbrio do terror nuclear. Desapareceram,
na maior parte, as simetrias de poder, que caracterizavam o
duelo Leste-Oeste (apesar disso, os arsenais nucleares, em mos
dos EUA e da Rssia, continuam a ser suficientes para eliminar,
vrias vezes, a espcie humana).
J hoje, quando se reestrutura a ordem mundial, os EUA
aparecem como o pas que melhor corresponde ao tipo ideal do
Estado, at por sua relativa invulnerabilidade e, mais ainda, por
sua capacidade global de resposta. Um exemplo basta. As Foras
Armadas de hoje e do futuro - entre as quais as norte-americanas
no tm similar -, sero cada vez menos organizaes de massa,
herdadas das guerras mundiais e, mais e mais, formaes baseadas
no uso intensivo da logstica e na promoo e utilizao do avano
acelerado das tecnologias, justamente uma rea em que os EUA
so responsveis por cerca de metade do esforo mundial.
O paradigma do poder resistente e, com adaptaes,
continuar a ser til por prazo indefinido. A antiga simetria do
Poder militar deu lugar a uma assimetria fundamental e avassaladora.
A nfase incontrastvel no desenvolvimento tecnolgico se v
em variadssimas aplicaes como, por exemplo, nos bombardeios
ditos de preciso, que de tempos em tempos freqentam as telas
de televiso, ou nas aes no campo das tecnologias da
informao. Isso no quer, porm, dizer que inexistam adversrios
e seu recurso a meios informais, como o terrorismo. Nessa nova
e desequilibrada organizao de foras em nvel mundial, de
forma alguma desapareceu o conceito de interesses nacionais,
36
que, entretanto, tornou-se menos mecnico, menos automtico
e menos preciso, para a generalidade dos Estados.
Considerando os variados matizes desse vasto quadro,
guardam interesse terico e prtico pelo menos quatro aspectos
genricos da obra mxima de Morgenthau:
1. A participao necessria do realismo na composio do
paradigma internacional. H cinqenta anos, idealismo e realismo
apareciam como faces contraditrias de uma mesma moeda,
ambas essenciais para a compreenso da realidade internacional
do ps-guerra, de suas origens e dinmica. Nem tudo podia ser
reduzido construo jurdica e institucional no plano mundial,
mas tambm nem toda a vida internacional se limitava, ou se
limita, esfera do poder, da violncia institucionalizada. No curso
de sucessivas edies, Morgenthau, recolheu, embora de forma
imperfeita, essas duas vises com mais xito que seus antecessores
ou os sucessores da escola do chamado realismo estrutural. Sua
oposio Guerra do Vietn foi um teste crucial, e bem-sucedido
- mas nem sempre lembrado - por que passou a sua verso da
teoria do realismo em poltica internacional.
2. A percepo da necessidade de uma teoria das relaes
internacionais, apesar das limitaes para entender o mundo.
Quer dizer, na complexidade da vida contempornea, no basta
responder de maneira tpica s crises medida que estas
tumultuariamente se manifestam. H que explicitar premissas,
esclarecer contedos, explorar modalidades de soluo e reforar
a confiana, que s a previsibilidade das polticas externas pode
gerar.
3. A percepo de que o papel internacional do Estado mudava
- e continua a mudar - rapidamente, o que, por seu turno, tende
37
a introduzir transformaes fundamentais no sistema mundial,
tal como ortodoxamente definido. A multiplicao no nmero
de Estados, em decorrncia da revoluo colonial, j era
entendida por Morgenthau, em 1954, como indicativa de um
movimento que apenas comeava e que s chegou plenitude
na dcada dos 1960 e do qual foi um marco a resoluo 1514
(XV) da Assemblia Geral. De l para c, a mudana do papel
das Naes Unidas s fez progredir, com avano do ambientalismo,
a disseminao mundial das organizaes no governamentais
e com foco no indivduo e nos direitos humanos como dado
essencial do direito pblico contemporneo.
4. Contraditoriamente, a permanncia da supremacia dos
Estados como atores mais relevantes e de maior poder, no plano
internacional, encontra limites objetivos na hegemonia de um
deles. Uma simples mudana de governo naquele pas pode alterar
posies internacionais assentadas nos planos poltico, estratgico,
econmico, ambiental, etc. So dramticos os exemplos de ao
estatal, em tempos recentes: o conflito no Golfo, a guerra
permanente do Oriente Mdio, a interveno ocidental no
Kossovo, a tolerncia aberta ou velada com a espionagem por
meios nacionais, entre outros.
Em dcadas mais recentes, nada foi escrito, no campo da
Teoria das Relaes Internacionais, que j nascesse clssico e
com o impacto original do Poltica entre as naes, de
Morgenthau, ou do Paz e guerra entre as naes, de Aron. Nem
Kissinger nem Kennan, por exemplo, apesar do alto interesse
de suas memrias e ensaios histricos, chegaram a codificar a
ntegra de suas respectivas vises do mundo. Por isso mesmo,
38
Poltica entre as naes, ora traduzido, precisa ser lido como
documento programtico e como esforo de validao emprica
do que prope.
*
Com o fim da guerra fria - no previsto por qualquer das
teorias ento correntes -, o campo internacional complicou-se
muito. Pode-se pensar que a teoria das relaes internacionais
esteja em crise, j que diminuiu sua capacidade de explicar o
mundo. Por uma dcada - a de 1990 -, o Poder poltico-militar
tomou-se menos visvel - em especial para os que no o queriam
ver - mas, como anteriormente, permaneceu em cena e no s
como pano de fundo. Ao mesmo tempo, outras dimenses do
Poder claramente ocuparam o primeiro plano: as da superioridade
financeira e econmica, do crescente hiato tecnolgico (com
enormes repercusses civis e militares) e da influncia da mdia
internacional, que hoje forma opinio em todo o mundo.
Est certamente longe de ser linear e bvia a boa leitura da
realidade internacional. Mesmo na guerra fria, o realismo poltico
e a singela contraposio bilateral de poderes nucleares
jembutiam excessivas simplificaes; sua utilidade residia na
capacidade de descrever o quadro estratgico e de servir de
manual para a ao. O realismo, no entanto, deliberadamente
falhava em elucidar outras problemticas. Provou ser enganoso
e prejudicial, por exemplo, ao referendar, por assim dizer, as
manobras de rebatimento poltico da dimenso Norte-Sul para o
plano Leste-Oeste, ou seja, as tentativas de manipulao das
39
aspiraes de desenvolvimento socioeconmico, por parte da
grande maioria da humanidade, em proveito dos interesses
conflitivos das ento superpotncias.
No passado recente, hoje e para o futuro, evidencia-se a
acentuada polissemia, se lcito empregar essa categoria, da
realidade internacional, e que sempre ser arbitrria qualquer
opo excludente, dentre seus mltiplos significados. O ritmo
acelerado e o vasto escopo das mudanas mundiais acarretam
dificuldades inusitadas, para sua absoro por uma teoria das
relaes internacionais minimamente consistente. Introduzem-se
variveis fora de controle, como as sucessivas crises econmicas
internacionais, que afetam, em especial, os pases em
desenvolvimento, mas no apenas estes. Ao lado dessas novas
tendncias, acumula-se um passivo representado pelos intratveis
e repetitivos incidentes poltico-militares de carter regional, em
particular no Oriente Mdio, no Golfo e no Sul da sia. Embora
tais crises e incidentes no coloquem, necessariamente, em jogo
a possibilidade de um conflito mundial (e final), como
classicamente ocorria, no quadro de guerra fria, confirmam para
a maioria das naes um panorama de inquietadoras incertezas,
que de muito ultrapassam os aspectos puramente militares e de
segurana.
A poltica internacional est-se transformando, diante de
pronunciadas mudanas estratgicas, de hesitaes econmicas
e da nova cultura global. Domina a intranqilidade mesmo entre
os mais serenos dos homens. As aes de fora ganham relevo.
At do ponto de vista terico, a ao diplomtica adquiriu
contedos aguerridos com as freqentes propostas de difuso
40
das prticas de diplomacia preventiva e coercitiva. Como desejam
alguns, tais prticas responderiam - melhor que as salvaguardas
contidas na Carta das Naes Unidas - s presentes assimetrias
globais, por refletirem a lgica das preeminncias polticas,
econmicas, tecnolgicas e militares. Essas modalidades de ao
serviriam de ponte entre o soft power, cujas virtudes so
apregoadas, por exemplo, por Joseph Nye, e a imposio das
realidades do hard power, mas, quando levadas a conseqncias
prticas, encerram novos riscos e podem equivaler negao da
prpria noo de diplomacia.
No plano econmico, so ntidas as disjuntivas entre, de
um lado, as tendncias vinculadas ao processo de globalizao,
como a internacionalizao do sistema produtivo, movimentao
global e capitais, abertura comercial e revoluo tecnolgica e, de
outro, a perpetuao da competio mundial pelos recursos
naturais, o protecionismo comercial, o domnio dos mercados
externos, os danos ambientais e, sobretudo, a prtica ampliada
da excluso econmica dos pases menos desenvolvidos.
Registra-se, ainda, pronunciada discrepncia entre a crescente
confiana dos pases emergentes em seus esforos nacionais,
mesmo em uma quadra desfavorvel da economia mundial, e o
panorama de regresso econmica e poltica nas reas mais
desfavorecidas do planeta, discrepncia esta que se acompanha,
de modo alarmante, do renovado prestgio poltico de
nacionalismos exacerbados e das intolerncias raciais e religiosas.
As tendncias dominantes, ao mesmo tempo que clamam
por solidariedade, pelo respeito aos direitos humanos e pelo
41
desenvolvimento sustentvel, mundialmente abrigam macias -e
terrveis - manifestaes de pobreza extrema e desigualdade,
violncias e terrorismo, bem como perturbadoras ameaas ao
meio ambiente. Diante da riqueza - e do alargamento e
multiplicao dos hiatos que separam ricos e pobres na arena
mundial -, os processos de excluso internacional tornaram-se
muito mais nefastos provavelmente porque se fazem cada vez
mais irrecorrveis.
*
Os trgicos acontecimentos de 11 de setembro de 2001
sugerem, em especial, a releitura das duas primeiras partes da
Poltica entre as naes. Entretanto, fazem-se necessrias cautelas
quanto sua aplicao direta s questes da atualidade. So
radicais as mais recentes transformaes mundiais. A guerra fria
e o imediato ps-guerra fria j pertencem memria coletiva.
Agora, j se desenha uma nova estrutura mundial. A ordem
internacional mudou, inclusive com o incontido agravamento
das as simetrias preexistentes. Variaram os comportamentos
internacionais, com o aparente desprestgio das alianas militares
diante da alta capacidade de atuao isolada demonstrada pelos
EUA na sia central. As atuais vises estratgicas so factualmente
distintas em relao aos tempos do bilateralismo nuclear e, mesmo,
aos da ordem internacional, supostamente despolitizada dos 1990,
que se lhes seguiu.
Em comparao com o ps-guerra fria, quer dizer, com a
ltima dcada do sculo passado, as novidades se manifestam,
42
de forma abrangente, no despontar do unilateralismo poltico-
militar e no retrocesso do otimismo econmico globalizante. Nesse
quadro, a doutrina do realismo poltico, sistematizada que foi
pelos padres da guerra fria, necessitaria ser repensada, luz de
sua eventual correlao com a presente problemtica internacional.
Poltica entre as naes representa uma base para reflexo,
por conter uma verdadeira mtrica da poltica externa dos EUA e
por ser diretamente permeada pelo tema da insero mundial
daquele, em termos de Poder e interesses. Nele, o realismo poltico
parece recuperar o prestgio intelectual e estratgico, que perdera
com o desaparecimento da Unio Sovitica, o esmaecimento da
confrontao nuclear e o avano da globalizao e outros
processos internacionais.
De forma pioneira e corajosa, Morgenthau havia discutido
o Poder sob a tica da bipolaridade tpica da guerra fria. Agora
essa temtica volta ao proscnio mundial, mas sob o manto da
dialtica terrorismo/antiterrorismo. O retorno do lxico e da sintaxe
do Poder evita que Poltica entre as naes possa ser simplesmente
relegada ao poeirento fundo das estantes. Mas, na prtica, obriga
sua submisso aos testes da presente realidade, que justamente
se notabiliza pelo quadro de unilateralismo, e do confronto da
temtica do poder com tendncias de outra ordem.
Nesse contexto, trs reflexes necessitam ser feitas. Em
primeiro lugar, com foco no poder, problemas crticos esto
diretamente na agenda de nossos dias e necessitam ser revisi-
tados: a suficincia ou no das relaes de poder, na explicao
da ordem internacional e na identificao das perspectivas desta;
os atuais princpios operacionais do poder e sua eventual
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codificao; a redefinio dos interesses dos Estados, do sistema
internacional e, na verdade, de toda a humanidade; as linhas
bsicas da hierarquizao mundial dos Estados; a cambiante
relao internacional entre poder e moral; o respeito aos direitos
da pessoa humana nas atuais condies internacionais; a atitude
dos Estados com relao ao status quo mundial; e o inevitvel
tema dos rumos atuais da questo do imperialismo, entre outros.
Em segundo, esse novo olhar sobre o poder, com certeza,
permitir aproximar sua lgica tradicional s novas tendncias
globais, nas reas do conhecimento, da informao, do
aprendizado, da inovao tecnolgica, do risco e do controle.
Essas reas significam a ruptura com o passado, reformatam o
presente e propem o futuro da sociedade e da economia. As
macias transformaes de nosso tempo abrem novas questes
e estimulam novas polticas. O mergulho nos clssicos da
doutrina poltica, sua utilizao como referncia para a anlise e
sua superao criativa correspondem a uma etapa necessria da
formulao de uma viso estratgica condizente com esta poca,
em que as consideraes internas e externas crescentemente se
confundem.
Finalmente, em terceiro lugar, permanece viva e, mesmo,
recupera atualidade a crtica filosofia e metodologia do
realismo poltico (da poltica do poder e da Realpolitik.
Recentemente, o professor John A. Vasquez, - especialista na mtrica
e nas causas dos conflitos - a reiterou21, com nfase nas inclinaes
belicistas da doutrina e da prtica do poder. Segundo ele, um
21 John A Vasquez, The Probability of War, 1816-1992, Presidential Address to the
International Studies Association, New Orleans, 25 de maro de 2002.
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dos papis mais importantes do pensamento realista a proviso
de um folclore ou de uma cultura diplomtica. Nota que no
Ocidente - desde Tucdides at Morgenthau, e depois deste -, essa
escola de pensamento ensina os lderes como devem agir em
questes de segurana internacional, e que est empiricamente
demonstrado que, entre Estados de igual poder, as prticas da
poltica externa realista tornam-se uma srie de passos em direo
guerra, e no paz. Pensa que esse folclore ou cultura instrui
os lderes de que devem aumentar seu poder e ainda comenta
que os oponentes faro o mesmo, sentindo-se inseguros em
face dessa ao. Outro fator de gerao de incerteza internacional
o preceito realista de que o Estados devem impulsionar suas
reivindicaes e defender suas posies.
* * *
No por acaso este livro parte da Coleo Clssicos IPRI,
que representa uma marco nos estudos internacionais em nosso
Pas, e na qual o vasto pblico interessado, inclusive os quase
vinte mil alunos dos Cursos de Relaes Internacionais, encontrar
melhor e mais fcil acesso a uma parcela fundamental do
patrimnio cultural dessa indispensvel disciplina. Nesta Coleo,
Morgenthau, ao lado de autores j citados - como Tucdides,
Maquiavel, Hobbes, Carr, Aron -, encontra-se com Grotius, Kant,
Hegel e Rousseau e outros gigantes do pensamento sobre a
ordem internacional.
Os intelectuais brasileiros e, de modo mais geral, latino-
americanos certamente se sentiro estimulados a meditar no
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apenas sobre a Poltica entre as Naes, mas sobre todo esse
acervo, com o fim de melhorar a qualidade de nossa leitura
coletiva da estrutura, operao e peripcias das relaes entre os
Estados. Ao faz-lo, tero pela frente uma excelente oportunidade
de incorporar, sistematicamente, em seu empreendimento, tambm
as experincias e vicissitudes do Brasil e as dos demais pases
em desenvolvimento, como parte da ordem internacional em
estruturao. Entender o mundo constitui um desafio permanente,
que se torna agudo neste momento de mudana, que j permite
entrever um sculo XXI muito distinto do anterior.
Em concluso, diante dos desenvolvimentos atuais, torna-
se necessrio, reiterar palavras de cautela. Seria, efetivamente,
equivocado e muito empobrecedor que se reduzisse a polissemia
da cena mundial quase apenas a aspectos ligados violncia
terrorista perpetrada em nvel quer nacional quer subnacional e
sua imbricao com as aes antiterroristas. O poder e suas
consideraes sempre sero indissociveis da condio humana,
mas de forma alguma a esgotam. Pensar e agir em sentido
contrrio seria marginalizar ou deixar sem encaminhamento
prtico justamente as questes de cuja soluo dependem o
efetivo progresso das relaes entre os Estados e o bem-estar da
humanidade em nossa poca.
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PREFCIO SEXTA EDIO
Kenneth W Thompson1
Na qualidade de estudante da Universidade de Chicago,
aps a Segunda Guerra Mundial, tive o privilgio de servir como
assistente de pesquisa do professor Morgenthau. Mais tarde,
trabalhamos juntos no preparo de um livro de textos e de leituras
intitulado Princpios e problemas de poltica internacional. O
professor Morgenthau foi o principal responsvel pelo meu
retorno quela universidade, no incio da dcada de 1950, como
membro do Departamento de Cincia Poltica. Quando foi
decidido que eu deveria organizar uma festschrift (edio
comemorativa) em sua homenagem, trabalhamos juntos na tarefa
de identificar ex-alunos, colegas e amigos especialmente
familiarizados com as suas obras. Anos mais tarde, quando nossas
responsabilidades profissionais nos reuniram em Nova York,
mantivemos contatos freqentes e longas discusses. Como
membro de vrios comits consultivos, ele contribuiu de modo
significativo para os programas da Fundao Rockefeller, na qual
eu trabalhava. Poucas semanas antes de morrer, apresentou um
1 K. W. Thompson, poca em que escreveu o presente prefcio, era diretor do Miller
Center of Public Affairs da Universidade da Virgnia.
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trabalho sobre a presidncia e a poltica externa, no Centro Miller,
da Universidade da Virgnia. Tanto no nvel pessoal como no
profissional, mantivemos estreita amizade e colaborao
intelectual at seus ltimos dias.
Nossa ligao to prxima tornou ao mesmo tempo mais
simples e mais difcil o preparo de uma sexta edio desta sua
obra clssica, A poltica entre as naes. Por um lado, sempre
havia procurado manter-me razoavelmente a par da evoluo
de seu pensamento, desde a publicao do Scientifc Man versus
Power Politics (O Homem Cientfico versus Poltica do Poder)
at a reviso, depois de sua morte, de alguns ensaios ainda no
publicados. Por isso, quando Bertrand W, Lummus, editor snior
do. Departamento Universitrio da Random House, convidou-
me a preparar uma nova edio de A Poltica, senti-me confiante
de que possua os conhecimentos necessrios para a misso. Por
outro lado, aps ter encetado a reviso e o reexame mais detido
dos ltimos escritos do professor Morgenthau, descobri novos e
importantes desenvolvimentos nos estgios finais de sua obra,
que at ento eu desconhecia. Alis, seria de se estranhar se isso
no tivesse ocorrido, uma vez que ele sempre manteve como
princpio norteador no a defesa de uma posio intelectual,
mas a busca da verdade.
Como decorrncia de minha descoberta sobre o
desenvolvimento contnuo de seu modo de pensar, busquei nesta
edio deixar que Morgenthau falasse por si mesmo, sempre
que possvel. Graas cooperao de seus filhos Susanna e
Mathew, tanto meu assistente quanto eu tivemos acesso aos seus
papis, que se encontram em depsito na Biblioteca de Alderman,
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da Universidade da Virgnia. O senhor Peter Gellman mostrou-
se incansvel ao colaborar comigo na pesquisa para localizar
outros escritos, publicados ou no, que dissessem respeito aos
problemas mais urgentes que confrontavam a humanidade no
final dos anos 1970 e na dcada seguinte. Em seu prefcio
quinta edio, revisada, Morgenthau mencionara que ali
prosseguia de um modo orgnico e quase inevitvel o trabalho
das edies precedentes. Sempre consciente de que sua grande
obra mantivera uma integridade ao longo de edies sucessivas,
procurei preserv-la utilizando de meios que teriam sido
impossveis sem o recurso a seus prprios escritos. Consultei
tambm seus rascunhos em manuscritos, cartas a editores e
correspondncia profissional.
Ao mesmo tempo, a quinta edio teve de ser atualizada e
revista, de modo a refletir mudanas que ocorreram aps o
falecimento do professor Morgenthau. O senhor Gellman e eu
buscamos substituir dados e informaes factuais sempre que
necessrio, embora sabendo que, enquanto trabalhvamos, as
mars da histria iam tornando obsoleta parte do material de
que dispnhamos sobre tpicos como populao, produo
industrial, decises da Corte Internacional de Justia e algumas
iniciativas da Naes Unidas. Com respeito a alguns temas, como
direitos humanos, dtente e o problema nuclear, tive de fazer
revises substanciais, introduzindo, sempre que possvel,
fragmentos dos prprios escritos de Morgenthau. Tendo em vista
que sua mente era to criativa e penetrante, nenhum candidato
a executivo literrio poder declarar com certeza que o prprio
Morgenthau teria formulado e exposto suas idias precisamente
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no contexto em que elas so aqui apresentadas. Tudo o que
posso afirmar que me esforcei ao mximo por ser fiel sua
filosofia e s suas idias sobre problemas, do modo como as
percebi.
Charlottesville, Virgnia
Kenneth W. Thompson