A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA E A AMÉRICA DO SUL _CNO_ARQ_NOTIC20060209101640

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/30/2019 A POLTICA EXTERNA BRASILEIRA E A AMRICA DO SUL _CNO_ARQ_NOTIC20060209101640

    1/11

    A Poltica ExternaBrasileira e a Amrica

    do Sul

    Documento de trabalhoDesenvolvimento / Integrao Regional

    Prof. Carlos Aurlio Pimenta de Faria

    14 de novembro de 2003

  • 7/30/2019 A POLTICA EXTERNA BRASILEIRA E A AMRICA DO SUL _CNO_ARQ_NOTIC20060209101640

    2/11

    www.pucminas.br/conjuntura

    A Poltica Externa Brasileira e a Amrica do Sul: DaFase Retrica dos Anos FHC ao Pragmatismo

    Neodesenvolvimentista do Governo LulaDocumento de trabalho

    Desenvolvimento / Integrao Regional

    Prof. Carlos Aurlio Pimenta de Faria

    14 de novembro de 2003

    O presente ensaio busca discutir o papel atribudo Amrica do Sul nas estratgias deinsero internacional adotadas pelo Brasil nestes dez primeiros meses do governo Lula,

    reconhecendo, porm, a dificuldade de se estabelecer um julgamento definitivo acerca deum processo ainda incipiente que, se destoando significativamente da nfase dada poltica externa durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, resgata noapenas diretrizes e estratgias formuladas anteriormente mas, tambm, uma postura demaior assertividade e busca de autonomia que caracterizou a atuao internacional dopas em dcadas passadas.

    presente ensaio busca discutir opapel atribudo Amrica do Sulnas estratgias de insero

    internacional adotadas pelo Brasil nestesdez primeiros meses do governo Lula,reconhecendo, porm, a dificuldade de seestabelecer um julgamento definitivoacerca de um processo ainda incipienteque, se destoando significativamente danfase dada poltica externa durante osdois mandatos de Fernando HenriqueCardoso, resgata no apenas diretrizes eestratgias formuladas anteriormente mas,tambm, uma postura de maiorassertividade e busca de autonomia quecaracterizou a atuao internacional dopas em dcadas passadas.

    Aps o encerramento da 5 ReunioMinisterial de Cancn, no Mxico, em 14de setembro de 2003, enquanto parte damdia noticiava o fracasso dasnegociaes no mbito da OrganizaoMundial do Comrcio (OMC), ficoutambm perceptvel um certo triunfalismo

    em alguns circuitos brasilienses, queexaltavam a liderana assumida pelo

    Brasil na conformao do chamado G20plus, grupo composto por pases emdesenvolvimento que pleiteou naquela

    reunio a liberalizao do comrcioagrcola, contrapondo-se, assim, aosntidos intuitos protecionistas dos pasesdesenvolvidos. Segundo esta percepo,haveria sim o que comemorar, no apenasem funo da capacidade de lideranademonstrada pelo Brasil, mas tambmpelo fato de os pases do Norte no teremconseguido, uma vez mais, impor os seusinteresses e a sua agenda negociadora.Mais do que fracasso, assim, a Reunio de

    Cancn teria fornecido outra evidncia dopropalado sucesso da poltica externado governo Lula.

    Note-se que, antes que o choque decredibilidade liderado pelo ministro daFazenda Palocci tivesse auferido osresultados positivos que se observam hoje,tinha-se tornado comum a afirmao deque as boas notcias de Braslia eram antesde tudo provenientes da poltica externa,na medida em que se criticava, de formamuitas vezes cida, o em larga medidasurpreendente continuismo na

    O

  • 7/30/2019 A POLTICA EXTERNA BRASILEIRA E A AMRICA DO SUL _CNO_ARQ_NOTIC20060209101640

    3/11

    www.pucminas.br/conjuntura

    2

    conduo da poltica macroeconmicabrasileira. Essas crticas, contudo, aospoucos passaram a ser matizadas, namedida em que se tornava mais clara aperspectiva no s da possibilidade de

    instaurao de uma fase dois, na qual setornariam mais ntidos os objetivosexplicitados na campanha presidencial eno plano de governo de Lula, mastambm na medida em que se ampliava oconsenso acerca do carter estratgico dasubstituio das bravatas e dos discursosvoluntaristas pela necessidade de se gerarcredibilidade para a gesto que seiniciava.

    j tradicional na anlise da polticaexterna brasileira, tanto a produzida noscircuitos acadmicos como aquela feitapela prpria diplomacia do pas, atentativa de se divisar elementos decontinuidade e de ruptura nas relaesinternacionais do pas, principalmentequando se trata de uma mudana degoverno to significativa quanto estainstaurada em janeiro de 2003. Oselementos de ruptura tm se evidenciadocom as primeiras medidas adotadas e comas movimentaes da chancelaria e doprprio presidente Lula, dada a maiorassertividade da poltica exterior do pas,de cunho mais nitidamente nacionalista,tornando-se explcito o objetivo de seresgatar o legado da diplomacia brasileirano sentido da instrumentalizao dapoltica externa para o desenvolvimentonacional. No discurso de posse dopresidente Lula e em vrios documentos e

    pronunciamentos daqueles encarregadosda formulao dessas estratgias ficaressaltada a prioridade dada aos pasessul-americanos nas relaes internacionaisdo Brasil.

    Note-se, de passagem, que tampouco essacentralidade ou essa perspectiva sul-americanista, se assim se pode chamar, radicalmente nova, uma vez que tambmela tem origens mais remotas, se no naOperao Pan-Americana deslanchada

    por Kubitschek em 1958 ou na nfasedada pela diplomacia do incio da Nova

    Repblica aproximao do pas de seusvizinhos latino-americanos, certamente naprimeira gesto de Celso Amorim frentedo Ministrio das Relaes Exteriores,durante o governo Itamar Franco (1992-

    1994), quando foi proposta a formao darea de Livre Comrcio Sul-Americana(ALCSA).

    H que se recordar tambm, no que dizrespeito aos seus antecedentes maisimediatos, que a atual nfase na Amricado Sul tem talvez, como um dos seusmarcos principais, a primeira reunio decpula entre os presidentes sul-americanos, ocorrida em Braslia entreagosto e setembro de 2000. Na Cpula deBraslia, entre outras deliberaes, foramlanadas as sementes do projeto da IIRSA(Plano de Ao para a Integrao da Infra-estrutura Regional Sul-Americana), cujoimpacto s ser perceptvel no mdioprazo, mas que sinaliza o resgate de umaviso mais estratgica e menoscomercialista dos vnculos regionais,viso primeira essa que dava sentido, porexemplo, ao projeto original do Mercosul,restrito na dcada de 1990 ao seu objetivomais imediato de ampliao dos fluxoscomerciais. Na verdade, quando serecorda a diluio desse carter maisestratgico inicialmente dado ao projetode criao do Mercosul e quando sepercebe o lugar atribudo ao bloco (e aoespao sul-americano de uma maneirageral) pela atual poltica externa brasileira,lugar esse de bastio da estratgianegociadora internacional do pas, tem-se

    tambm a idia de que, aps o interregnoneoliberal dos anos 90, o Brasil buscarecuperar uma certa capacidade deautonomia e uma maior margem demanobra no cenrio internacional.

    Assim, o sul-americanismo da polticaexterna do governo FHC parece ter secaracterizado mais como um sul-americanismo retrico ou subsidirio,uma vez que a nfase das relaesinternacionais de seu governo acabou

    sendo colocada em um multilateralismode extrao mais kantiana, ou idealista,

  • 7/30/2019 A POLTICA EXTERNA BRASILEIRA E A AMRICA DO SUL _CNO_ARQ_NOTIC20060209101640

    4/11

    www.pucminas.br/conjuntura

    3

    ancorado numa expectativa, que semostrou frustrada, de que as organizaesmultilaterais poderiam definir parmetrospara uma governana global maiseqitativa. Ressalte-se, ainda, que a forma

    de insero internacional do pas acaboutambm sendo pensada, tanto em seugoverno como no de Collor (1990-1992),como mecanismo acessrio na busca desedimentao do processo de liberalizaogeneralizada ao qual foi submetido o pasao longo da era dos Fernandos perodo esse denominado por AmadoLuiz Cervo de era das iluses.

    Em contraste a esse sul-americanismodo governo anterior, de carter maisretrico e subsidirio, o que se tem vistonestes primeiros dez meses do governoLula uma nfase mais pragmtica, deextrao desenvolvimentista (ouneodesenvolvimentista, como queiram), ea busca de se prover incentivos para que aaproximao do Brasil com seus vizinhossul-americanos possa se dar segundo umaperspectiva mais realista e na certeza deganhos compartilhados.

    Contudo, para que o sul-americanismoda poltica externa brasileira do governoLula seja compreendido em todas as suasdimenses, necessrio antes traarmosum panorama, ainda que breve, dareconfigurao em curso das estratgiasadotadas pelo pais para o enfrentamentodas questes mais prementes da agendainternacional do Brasil, onde se destacam,nestes primeiros meses de 2003, asnegociaes para a conformao da rea

    de Livre Comrcio das Amricas (ALCA).A despeito da grande visibilidade que areunio Ministerial de Cancn assumiu namdia e de sua (inaudita) centralidade nodebate poltico brasileiro, claro que aquesto da pauta comercial maisimportante para o Brasil tem sido asnegociaes para a criao da ALCA, ondea diplomacia brasileira operou umamudana estratgica bastante

    significativa, que pode ser percebida comouma tentativa do Brasil e de seus parceiros

    do Mercosul no sentido de um certoesvaziamento da ALCA.

    Tal esvaziamento, ou o que o chancelerCelso Amorim chamou deALCA possvel eque a mdia brasileira tem denominado

    ALCA light, seria o resultado de umaproposta feita pelo Brasil/Mercosul deque as negociaes hemisfricas passem ase conformar segundo uma estratgiadenominada dos trs trilhos. Segundo essaproposta, algumas questes mais sensveise delicadas para o Brasil, relativas ainvestimentos, propriedade intelectual,servios e compras governamentais,seriam transladadas para o mbito dasnegociaes multilaterais, para o mbitoda OMC, como os EUA advogam emrelao aos temas que lhes so maissensveis, como regras antidumping esubsdios agrcolas. Algumas outrasseriam resolvidas em negociaes do tipoquatro mais um, ou seja, dos quatro pasesdo Mercosul em negociao direta com osEUA. Por fim, um ncleo de questesmais restrito ficaria ento por serdelimitado pelas negociaes para acriao da ALCA propriamente dita.

    Recorde-se que essa estratgianegociadora, articulada pela chancelariabrasileira, foi definida como uma resposta proposta norte-americana feitaanteriormente, que na verdadebilateralizava o processo de negociao,na medida que definia prioridadesespecficas e acesso diferenciado dospases latino-americanos ao mercado dosEUA, segmentando a Amrica Latina em

    reas mais e menos privilegiadas: Caribe eAmrica Central, Pases Andinos e,finalmente, Mercosul, para o qual se fezuma proposta muito menos interessante.Por sinalizar com a possibilidade deganhos e prerrogativas diferenciados aospases da Amrica Latina, a propostanorte-americana deve ser interpretadacomo uma estratgia divisionista esegmentadora, afinada com as tentativasque tm sido feitas pelos EUA de cooptar

    determinados pases da Amrica do Sulpara a negociao de acordos bilaterais

  • 7/30/2019 A POLTICA EXTERNA BRASILEIRA E A AMRICA DO SUL _CNO_ARQ_NOTIC20060209101640

    5/11

    www.pucminas.br/conjuntura

    4

    especficos, que contribuiriam para umesvaziamento da pretendida lideranaregional do Brasil. Aqui eu me refiroespecificamente ao acordo bilateralfirmado entre Estados Unidos e Chile e s

    sinalizaes de que os EUA fariam omesmo com a Colmbia e com algunsoutros pases da regio. Diga-se, depassagem, que essa , efetivamente, umaestratgia muito poderosa, potencialmentecapaz de minar os esforos deaproximao dos pases sul-americanos,posto que muitos deles parecem ainda noter superado uma certa desconfiana emrelao liderana pretendida pelo Brasile/ou percebem a possibilidade de um

    acordo bilateral com os EUA comoefetivamente mais vantajosa.

    Cabe aqui recordarmos tambm apretenso brasileira, no caso de umapossvel (e desejada por muitos) reformado Conselho de Segurana daOrganizao das Naes Unidas (ONU),de que um assento permanente sejareservado ao pas, pretenso essa quetampouco nova, posto que resgata,tambm nesse ponto, parte das ambiesacalentadas quando da primeira gesto doministro Celso Amorim frente dachancelaria brasileira, no comeo dos anos90, durante o governo Itamar Franco.Retomando uma srie de articulaesnesse sentido, em uma diversidade defruns, feitas tambm durante o governoFHC, o Brasil tem amealhado algunsapoios importantes, como por exemplo depases como Frana, Rssia e Austrlia,

    alm de Venezuela, Peru, Bolvia eUruguai, que j declararam seu apoio eventual candidatura do pas ao posto demembro permanente de um Conselho deSegurana reformulado.

    Ao chamar a ateno para essas questes,eu na verdade estou querendo ressaltar ofato de que o vis sul-americanista daatual poltica externa brasileira tem, naminha interpretao, quatro objetivosbsicos, sem dvida interligados, quais

    sejam: (a) a busca de um maior equilbrionas negociaes hemisfricas, para que

    sejam ampliadas as possibilidades deganhos para o pas no caso da eventualcriao da ALCA; (b) a conformao deuma plataforma regional para que o pas eseus vizinhos possam ter maior poder de

    barganha nas negociaes multilaterais;(c) o estabelecimento de uma associaoentre o Mercosul e a Comunidade Andinade Naes (note-se que a conformao daALCSA praticamente desapareceu dodiscurso diplomtico brasileiro); e, porfim, mas no menos importante, (d) oobjetivo de ampliar e consolidar omercado sul-americano para os bensproduzidos no pas.

    Ainda no que diz respeito s estratgiasmais abrangentes das relaes exterioresdo pas, cabe recordarmos as linhasmestras da revalorizao da postura maisuniversalista da diplomacia brasileira ou,para utilizarmos termos muito caros diplomacia do pas, da postura do Brasilno apenas como global player, mastambm com global trader. Ressalte-se,aqui, o esforo de aproximao do pasaos chamados pases baleia, notadamentendia, Rssia, China e frica do Sul, cujosentido seria a busca de linhas decomrcio alternativas e de se garantirvlvulas de escape no caso da eventualexcluso do pas de uma ALCA que venhaa ser imposta de cima para baixo. Note-se,porm, que se o objetivo evitar o supostoisolamento do pas, tambm podem serauferidos ganhos paralelos no que dizrespeito j antiga ambio do pas de verconcretizado e reconhecido o seu papel

    comoglobal player.Neste ponto de nossa argumentao, tambm pertinente recordarmos osobjetivos esperados da atual revalorizaodos laos do pas com os pases africanos,perspectiva essa que sofreu um durogolpe quando do anncio do adiamentoda viagem que Lula faria a cinco pasesafricanos (frica do Sul, Nambia,Moambique, Angola e So Tom ePrncipe) em agosto, em funo da

    necessidade de que o presidente entrasseno corpo a corpo poltico para a

  • 7/30/2019 A POLTICA EXTERNA BRASILEIRA E A AMRICA DO SUL _CNO_ARQ_NOTIC20060209101640

    6/11

    www.pucminas.br/conjuntura

    5

    aprovao da reforma da previdncia,questo prioritria desta ambgua agendareformista do novo governo. A visita aesses pases africanos, contudo, acabousendo realizada na primeira quinzena de

    novembro.Em todas essas articulaes, no sentido daaproximao aos pases baleia e derevalorizao dos vnculos com os pasesafricanos, relegados a um planosecundrio durante a era dosFernandos, busca-se no s, como sedisse, a criao de vlvulas de escape nocaso da conformao de uma ALCA queexclua o Brasil. Essas movimentaestambm parecem evidenciar o intuito dese repensar o papel do comrcio exteriordo Brasil. Amado Luiz Cervo (2003)sintetizou com preciso a questo aoafirmar que nos anos 90 o comrcioexterior do pas foi tratado como umavarivel dependente da estabilidade dospreos praticados no pas, numaperspectiva, acrescento eu, de fazer comque o processo de liberalizao pudesse sedar sem maiores percalos,instrumentalizando o Mercosul, porexemplo, em uma estratgia que algunsanalistas gostam de chamar de lock in, ouseja, de vinculao das reformas internasaos compromissos internacionais do pas.Se, ento, o comrcio exterior havia sido,nos anos 90, pensado tambm ouprioritariamente em sua funcionalidadepara a estabilizao dos preos internos epara a consolidao de uma inserointernacional de vis neoliberal e

    subordinada, assiste-se hoje a umamudana de diretrizes, posto que ocomrcio exterior do pas parece estarsendo tratado, uma vez mais, comomecanismo estratgico para odesenvolvimento nacional. O mesmoargumento vale, sem dvida, para sepensar a re-significao da Amrica do Sulpara a poltica externa brasileira.

    Cabe aqui notarmos tambm, num p depgina, uma mudana de terminologia

    operada ao longo da dcada de 90. Adespeito de todo o empenho posto

    durante o governo Sarney na aproximaoou no revigoramento dos laos do Brasilcom os pases latino-americanos, com aconformao do NAFTA (North AmericanFree Trade Agreement), em 1994, que

    implicou a cooptao do Mxico1, e dada apercepo de que os pases caribenhos ecentro-americanos estavam por demaisemaranhados na rbita de influncianorte-americana, a diplomacia brasileirasubstitui em seu discurso e em suasarticulaes a perspectiva latino-americanista por uma nfase mais clara naAmrica do Sul, que passa a ser tratadacomo rea preferencial.

    Um outro ponto interessante a ser notadona poltica externa brasileira nestesprimeiros meses do governo Lula dizrespeito relevncia que continua tendo achamada diplomacia presidencial, ouseja, a instrumentalizao da figura e doprestgio do presidente para a consecuode objetivos especficos. Se no governo deFHC a diplomacia presidencial atingiu oseu pice no pas, esperava-se que, pelaprpria personalidade e dada a trajetriapessoal e profissional de Lula, osmecanismos mais especficos dadiplomacia presidencial fossem relegadosa um segundo plano. O que se temobservado nestes primeiros meses degoverno Lula, ao contrrio do que muitosesperavam, no apenas uma amplaprojeo internacional da figura dopresidente, mas tambm uma grandedisposio de Lula em chamar para sideterminadas funes, como ficou

    evidente, entre outras ocasies, quando daparticipao do presidente no FrumSocial Mundial de Porto Alegre, no FrumEconmico de Davos, no encontro do G-20ampliado que aconteceu na cidadefrancesa de Evian e na tentativa feitapessoalmente por Lula de que o Peru e aColmbia no se desligassem, aps a

    1 Recorde-se que o Mxico, apesar do alardeadosucesso inicial do NAFTA, tem tambm adotado

    uma estratgia paralela no sentido da celebraode uma densa teia de acordos bilaterais quetranscende o mbito hemisfrico.

  • 7/30/2019 A POLTICA EXTERNA BRASILEIRA E A AMRICA DO SUL _CNO_ARQ_NOTIC20060209101640

    7/11

    www.pucminas.br/conjuntura

    6

    reunio de Cancn, do G20 plusarticulado pelo Brasil para o tratamentodas questes agrcolas no mbito da OMC.

    Quando se trata de ressaltar o visneodesenvolvimentista cada vez mais

    ntido aps o que se considera como aconquista da credibilidade junto aoscircuitos financeiros internacionais, cabedestacarmos tambm, ainda que muitobrevemente, algumas das movimentaesparalelas que tm sido feitas para darforma a esse projeto de desenvolvimentoainda em seus esboos iniciais. Nessecontexto, torna-se significativa a tentativado governo Lula de resgatar os smbolosnacionais, como, por exemplo, atravs dodecreto, assinado pelo presidente no dia 7de setembro de 2003, que determina queos estabelecimentos de ensino do pasfaam opcionalmente, uma vez porsemana, o hasteamento da bandeiranacional e a execuo do hino nacional.Ainda que iniciativas como essadespertem imediatamente rumoresquanto a um sempre temido deslizepopulista, acredito que elas devem servistas a partir de uma perspectiva maisabrangente de busca de reverso de umparadigma de insero internacional e deum modelo de desenvolvimento cujosresultados para o pas se mostraram toexguos, quando no perversos.

    No que diz respeito mais especificamenteao sul-americanismo pragmtico dogoverno Lula, se necessrio recordarmosa primeira reunio dos chefes de Estadosul-americanos de 2000 como o seu

    antecedente mais imediato, parece serpertinente aqui uma nota mais ctica. Asegunda cpula dos chefes de Estado sul-americanos, como se sabe, ocorreu noEquador, mais especificamente emGuayaquil, em junho de 2002, encontroesse que teve pouqussima visibilidade namdia brasileira, mas que, pela ironia quelhe inerente, parece-nos muito reveladorda ambigidade e da fragilidade doprojeto sul-americanista brasileiro. A

    segunda cpula sul-americana foiprogramada para acontecer na mesma

    cidade, Guayaquil, e no mesmo dia emque, 180 anos antes, havia ocorrido onico encontro entre os doislibertadores da Amrica Hispnica: SanMartin e Bolvar. O que h de irnico

    nessa simbologia e nessa homenagem aosdois libertadores o fato de opatrocinador do encontro de 2002, oEquador, ter dolarizado sua economia e,com isso, ter aberto mo da possibilidadede uma gesto macroeconmicaminimamente autnoma.

    Mas quando eu me refiro a essa transioda poltica externa brasileira de um sul-americanismo mais retrico e subsidiriopara uma perspectiva de maiorpragmatismo e centralidade no governoLula, faz-se necessrio recordarmos quehoje se tem efetivamente buscado umamais clara instrumentalizao dapretendida liderana brasileira na regio.Isso fica evidente quando se percebe aconsolidao da IIRSA, o plano deinvestimentos na infra-estrutura regionalsul-americana, notadamente nas reas deenergia, transporte e comunicao, para oqual esto sendo articuladosfinanciamentos e respaldo tcnico noapenas do Banco Interamericano deDesenvolvimento (BID), mas tambm daCorporao Andina de Fomento (CAF),do Fundo Financeiro para oDesenvolvimento da Bacia do Prata(Fonplata) e do Banco Nacional deDesenvolvimento Econmico e Social(BNDES). importante destacarmostambm o financiamento da exportao de

    produtos dos vizinhos sul-americanospara o Brasil, pela via da abertura delinhas de crdito do BNDES. Parece ficarevidente, assim, a perspectiva de que ohistrico isolamento entre os pases daregio no ser vencido apenas porretricas neo-bolivaristas, de cunhoanti-imperialista, como o discurso dopresidente venezuelano Hugo Chvez, ouque simplesmente enalteam o legadohistrico e cultural comum aos povos

    latino-americanos. Trata-se, sim, por parteda maior economia da Amrica do Sul, de

  • 7/30/2019 A POLTICA EXTERNA BRASILEIRA E A AMRICA DO SUL _CNO_ARQ_NOTIC20060209101640

    8/11

    www.pucminas.br/conjuntura

    7

    acenar com a possibilidade real de ganhoscompartilhados (e eventualmentecompensatrios) advindos da cooperao.

    Cabe recordarmos ainda, como jdestacado, que a perspectiva de

    conformao de uma rea de LivreComrcio Sul-Americana (ALCSA) temperdido visibilidade nessas negociaes,na medida em que essa busca deestreitamento dos laos entre o Brasil eseus vizinhos tem se dado tambm numaperspectiva de garantir adesesindividuais a um Mercosul que se querrevitalizado. Recorde-se, por exemplo, aincluso do Peru ao grupo de pasesassociados ao Mercosul (juntando-se Bolvia e ao Chile), que deu um novoimpulso expectativa de transformaodo Mercosul no epicentro dessa estratgiasul-americanista, que tem como principalobjetivo de curto prazo a criao de umazona de livre comrcio entre Mercosul eComunidade Andina de Naes.

    Uma medida bastante controvertida e degrande visibilidade tomada logo no inciodo governo Lula foi a tentativa de fazer

    com que o Brasil assumisse o papel deintermediador das foras em conflito naVenezuela. Inicialmente foi enviado aopas o assessor especial do presidenteLula, prof. Marco Aurlio Garcia, parafazer algumas sondagens prvias, o quegerou uma grande controvrsia, mas queacabou resultando na conformaoposterior de um grupo de pases amigosda Venezuela, incumbido de fazer aquelaintermediao. A formao desse grupo,

    coordenado pelo Brasil, foi saudada comouma vitria da diplomacia brasileira ecomo indicativo da capacidade deliderana regional do pas. Na verdade,porm, e esse sim um indicativo que temsido negligenciado pela maioria dosanalistas, essa efusividade eclipsou oacordo que foi feito, capitaneado pelosEstados Unidos, que apoiaram o golpe deabril de 2002 na Venezuela, no sentido decolocar o grupo de amigos como

    instncia auxiliar aos esforos daOrganizao dos Estados Americanos

    (OEA) para a resoluo dos gravesimpasses vividos pelo pas, o queclaramente atendia aos interesses dosEstados Unidos. Parece bastante ambgua,assim, essa suposta vitria da diplomacia

    brasileira.Um elemento crucial da estratgia sul-americanista do governo Lula, e quetambm teve pouca repercusso na mdiabrasileira, foi o respaldo dado pelo Brasil aNstor Kirchner, quando de suacandidatura presidncia da Argentina. Avitria de Kirchner sobre Menem foiimportante para o Brasil no apenas porsua afinidade com as novas diretrizes dapoltica externa brasileira, mas tambmporque o governo Lula havia apostadoalto ao empenhar o seu apoio a Kirchner,na expectativa de que fosse impedida avolta de Menem ao poder. Como se sabe,Menem, quando de sua longa gestopresidencial, acabou instrumentalizando oMercosul no sentido da maximizao dosganhos comerciais imediatos para o pas,quando na verdade toda a poltica externaArgentina era pautada pelo alinhamentoaos Estados Unidos, que foi sustentadopor uma elaborada argumentao acercada virtuosidade do chamado realismoperifrico. Esse memorvel constructointelectual, cujo principal formulador foiCarlos Escud, teve como expressosntese a hoje clebre afirmao do entochanceler Guido di Tella de que aArgentina teria estabelecido relaescarnais com os Estados Unidos. A eleiode Kirchner deu-se em um contexto de

    esgotamento da poltica de manutenoda paridade do peso com o dlar e deaproximao dos regimes cambiais daArgentina e do Brasil, o que d aos doisprincipais parceiros do Mercosul lastropara a busca de mecanismos de interaomais ambiciosos.

    Uma outra questo que denota acentralidade da poltica externa e dapretendida liderana regional para oprojeto de reconverso

    desenvolvimentista do pas, obliteradopelo choque de credibilidade da gesto

  • 7/30/2019 A POLTICA EXTERNA BRASILEIRA E A AMRICA DO SUL _CNO_ARQ_NOTIC20060209101640

    9/11

    www.pucminas.br/conjuntura

    8

    macroeconmica destes primeiros mesesde governo, est relacionada possibilidade de estabelecimento de umnovo acordo entre o Brasil e o FundoMonetrio Internacional (FMI). Esse

    acordo seria, idealmente, menosdraconiano e claustrofbico, e envolveriano mais (ou no apenas) metasinflacionrias e de supervit primrio,mas tambm as chamadas metas sociais.O pas, na verdade, v-se hoje (outubro de2003) na possibilidade inclusive deprescindir de um novo acordo com oFundo. Essa , contudo, uma questoainda bastante controvertida, uma vez quetambm se discute a necessidade de um

    acordo para que seja amortecido oimpacto de eventuais e em larga medidainesperadas crises externas futuras.Contudo, como ventilado na mdia pelosenador petista Alozio Mercadante,parece haver tambm o interesse de seinstrumentalizar um prximo acordo como FMI, negociado pelo pas no mais sobfortes presses conjunturais, mas emcondies mais favorveis ao Brasil,quando, ento, seria buscada uma

    flexibilizao nas tradicionais exignciasdo Fundo e a introduo de algumasmetas sociais. Tal acordo poderia, tambmele, ser instrumentalizado pelo pas nasustentao da imagem do Brasil comouma liderana, no apenas regional, queestaria abrindo o caminho para que outrospases dependentes e perifricos possamtambm negociar com o FMI emcondies menos adversas, posto quehaveria ento esse suposto precedente.

    A viagem feita por Lula a Nova York, nofinal de setembro de 2003, para fazer aabertura da 58a Assemblia Geral daONU, tendo sido feitas na volta escalas noMxico e em Cuba, ilustra no apenas opendor que o novo presidente vemdemonstrando pela diplomaciapresidencial, mas tambm: (a) aabrangncia das novas articulaesinternacionais do pas; (b) o objetivo de se

    reforar essa renovada gana deliderana do pas; e (c) o vis (ou

    requisito) autonomista da atual polticaexterna brasileira, que parece buscarcapitalizar o desconforto generalizadocom a arrogncia e o unilateralismo que osEUA vm demonstrando mais

    sistematicamente desde os atentados de 11de setembro de 2001. Na ONU Lula, umavez mais, clamou pela reconstruo domultilateralismo sobre pilares maisequnimes e chamou a ateno para aquesto da fome e da pobreza no mundo,passando a limpo parte da relegadaagenda internacional dos pases ditos emdesenvolvimento. Na passagemrelmpago pelo Mxico, que em 2002 setornou o quarto principal destino das

    exportaes brasileiras, foram celebradosacordos de cooperao econmica ediscutida a pretenso de ambos os pasesde se tornarem membros permanentes deum Conselho de Segurana da ONUreformulado, entre outras questes.

    A escala em Cuba, porm, merece umpouco mais de nossa ateno. Recorde-se,antes de mais nada, que quando asrelaes diplomticas entre Brasil e Cubaforam restabelecidas, logo no incio daNova Repblica, em 86, o presidenteSarney, que circulou amplamente pelospases latino-americanos quando de suagesto, recusou os convites feitos por FidelCastro para que visitasse a ilha. Talpostura parece se justificar pelo intuito deno melindrar os EUA, emitindo sinaisambguos acerca da posio do Brasil. Aviagem de Lula a Cuba, assim, certamentepolmica nos circuitos diplomticos

    brasileiros, usualmente cultores deestratgias mais cautelosas, parece ter tidoa inteno de emitir determinados sinaisconsiderados importantes tanto internacomo externamente. Internamente talvezse tenha pretendido sinalizar que oPartido dos Trabalhadores no teriarenegado toda a sua tradio, como parecedenotar a nfase dada inicialmente aochamado choque de credibilidade. Noque diz respeito s estratgias

    internacionais do pas, a viagem parece terpretendido sinalizar aos pases da regio

  • 7/30/2019 A POLTICA EXTERNA BRASILEIRA E A AMRICA DO SUL _CNO_ARQ_NOTIC20060209101640

    10/11

    www.pucminas.br/conjuntura

    9

    que o Brasil um pas capaz de se postarde maneira autnoma e que imperiosa anecessidade de que interesses especficosda regio sejam ressaltados, e isso em ummomento em que, tanto no mbito

    nacional quanto no regional, apregoava-secom insistncia a inevitabilidade eurgncia da conformao da rea de LivreComrcio das Amricas.

    Antes de finalizarmos este ensaio, ento,talvez caiba tambm reiterar que aprioridade conferida Amrica do Sulpela atual poltica externa brasileira tem seevidenciado em diversos fruns e frentesde negociao, como tambmexemplificado pela passagem de Lula pelaColmbia, em meados de setembro de2003, quando da celebrao dos 40 anosda Organizao Internacional do Caf,quando o presidente brasileiro externouao seu colega colombiano, lvaro Uribe, adisposio do Brasil em oferecer o seuterritrio para que negociaes de pazentre o governo colombiano e as FARCpudessem ser (re)iniciadas, desta vez sobos auspcios da ONU. Tal oferta, se talveztmida para aqueles que diagnosticam otransbordamento do conflito na Colmbia,indica no somente a multiplicidade defrentes que tm sido abertas peladiplomacia brasileira nesta sua novapostura de maior assertividade, mastambm sinaliza a vontade de que aresoluo da crucial questo colombianapossa prescindir de intervenes externasaos moldes do Plano Colmbia financiadopelos EUA.

    Parece claro, ento, que o Brasil temsinalizado a sua disposio de dar umcarter mais pragmtico e efetivo suaestratgia regional, valendo-se de umamultiplicidade de recursos para que a suapretendida liderana possa se concretizar.Em seu discurso, a diplomacia brasileiraassevera a necessidade de que asassimetrias nas negociaes internacionaissejam minimizadas e que o sistemamultilateral passe a impactar os pases

    perifricos de forma menos perversa. Essediscurso parece sustentar uma estratgia

    neodesenvolvimentista em gestao,calcada em um projeto de crescimento quese quer substitutivo de importaes esimultaneamente extrovertido, no qual adiversidade e o universalismo das

    relaes internacionais do pas, somadosaos renovados esforos para fazer doBrasil um global player efetivo e umaliderana consolidada dos pases emdesenvolvimento, garantiriam ao pas umnovo lugar na diviso internacional dotrabalho e do poder.

    Contudo, se o pragmatismo da posturabrasileira fica evidenciado pela disposiodo pas em ofertar aos seus parceirosregionais uma perspectiva de ganhosimediatos e compartilhados, resta saber seessa estratgia no estaria negligenciandoa capacidade e o interesse dos EUA emmatizar ou restringir a almejada lideranado Brasil. Cabe tambm recordarmos quea postura triunfalista muitas vezesadotada por alguns expoentes do atualgoverno brasileiro, por exemplo ao exaltaros supostos feitos do G20 plus nareunio ministerial de Cancn, e aassertividade com que o pas temdefendido as suas posies e evidenciadoessa sua gana de liderana parecemcontrariar a tradio da diplomaciabrasileira, usualmente cautelosa e ciosa danecessidade de se manter um baixoperfil. Isso porque no so apenas ecosdo passado os receios e temores quenossos vizinhos ainda tm em relao (antiga) pretenso de liderana do pas.Ademais, quando se recusa a usual e

    ainda no ultrapassada postura das elitesbrasileiras de voltar as costas para aAmrica Latina, parece evidente que parteno desprezvel de nossos vizinhos, almde receosa, parece preferir priorizar ummaior acercamento aos Estados Unidos,isso por tambm estarem de costas para oBrasil e/ou por no terem tanto a perder,como ns, com associaes e alianas tolimitadoras quanto o projeto neo-panamericanista da ALCA.

  • 7/30/2019 A POLTICA EXTERNA BRASILEIRA E A AMRICA DO SUL _CNO_ARQ_NOTIC20060209101640

    11/11

    www.pucminas.br/conjuntura

    10

    Referncia

    CERVO, Amado Luiz (2003). Editorial: Apoltica exterior: de Cardoso a Lula.

    Revista Brasileira de Poltica Internacional,Ano 46, No.1, pp.5-11