A Politica Externa Do Governo Jose Sarney (1985-1990)

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  • 7/22/2019 A Politica Externa Do Governo Jose Sarney (1985-1990)

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    volume 8 / nmero 16/ janeiro 2010ISSN 1677-4973

    FUNDAO ARMANDO ALVARES PENTEADORua Alagoas, 903 - Higienpolis

    So Paulo, SP - Brasil

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    A poltica externa do governoJos Sarney (1985-1990)

    Dbora Figueiredo Barros do Prado e Shiguenoli Miyamoto*

    Resumo:O objetivo do presente texto analisar a poltica externabrasileira em um contexto de dupla dificuldade. No plano interno,por se tratar de um perodo de transio do regime militar para umgoverno civil depois de duas dcadas; no plano externo, em face dasgrandes transformaes que se estavam sucedendo no plano global, eque afetavam tanto o Brasil quanto a Amrica Latina. O texto faz umareflexo sobre o quadro interno e a conjuntura internacional para,

    em seguida, focalizar alguns itens que mereceram ateno especialdas autoridades brasileiras no quadro considerado: os problemasenfrentados nas negociaes internacionais, o incio do processo deintegrao regional na Bacia do Prata e a questo ambiental, queassume importncia crescente a partir da dcada de 1980.

    Palavras-chave:poltica externa brasileira, poltica brasileira, AmricaLatina, negociaes internacionais, integrao regional.

    Introduo

    A dcada de 80 representou um perodo de alteraes significativas no sistemainternacional. Nesse cenrio de grandes mudanas ocorreu, simultaneamente,o processo de redemocratizao brasileiro, colocando ponto final ao regimemilitar que vigorou durante duas dcadas. Quando o presidente Jos Sarney(15/3/1985 15/3/1990) assumiu o mandato, o pas estava inserido em umcontexto de fortes vulnerabilidades domsticas e internacionais. Entre os problemasa serem enfrentados destacavam-se como principais desafios ao seu governo ofortalecimento do processo democrtico, as iniciativas para a estabilizao daeconomia e a atuao no plano internacional1.

    A poltica externa do governo Sarney foi formulada em um momento detransio do regime ditatorial para um novo quadro, com predomnio do poder

    civil, enquanto em termos mundiais caminhava-se j para uma mudana de tica,com a prevalncia do que se passou a designar, corretamente ou no, de modeloneoliberal. Qual a tendncia adotada por Jos Sarney com a Nova Repblica?

    At que ponto se pode dizer que a atuao do pas naquele perodo se diferencioudos anos anteriores? As mudanas foram to bruscas que se pode considerar umaruptura com o modelo at ento vigente?

    Adotamos a premissa de que as transformaes na dinmica do sistemainternacional necessariamente apresentaram impactos na poltica externa

    * Dbora Figueiredo Barros do Prado Bacharel e Mestre em Relaes Internacionais pelo Programa dePs-Graduao em Relaes Internacionais Unesp-Unicamp-PUC/SP. Doutoranda em Cincia Poltica naUnicamp. E-mail: . Shiguenoli Miyamoto Livre-Docente e Professor Titular em Relaes

    Internacionais e Poltica Comparada do Departamento de Cincia Poltica da Universidade Estadual de Campinas(Unicamp). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, nvel 1-B. E-mail: .1Uma excelente anlise sobre o jogo poltico nesses anos pode ser encontrada em CRUZ, S.V.Estado e economiaem tempo de crise. Poltica social e transio poltica no Brasil nos anos 80.Campinas: Editora da Unicamp, 1997.

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    brasileira, uma vez que essa no est descolada dos problemas que afetam osistema como um todo. Em termos amplos, pode-se dizer que as prioridadesno governo Sarney esto vinculadas ideia de implementar polticas adequadasde um desenvolvimento nacional mais autnomo. Haveria, assim, algumascaractersticas comuns quelas observadas nos anos anteriores, como a procura

    de uma autonomia cada vez maior e a adoo de polticas no estreitamenteidentificadas com as posturas norte-americanas.

    Nesse sentido, uma poltica que contemplasse com mais intensidade aaproximao com as naes do Terceiro Mundo apresentaria resultados poucoeficazes e que, portanto, ajudariam de forma restrita as pretenses do pas noquadro que ora despontava. Assim, pode-se observar a atuao implementadapelo governo brasileiro na rodada do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras eComrcio (Gatt) realizada em Montevidu, e o relacionamento mais aprofundadocom a Argentina que igualmente havia superado alguns anos antes as dificuldades

    impostas pelo regime militar assinando os protocolos de integrao2

    . Em outrafrente, o governo Sarney passou a enfrentar fortes crticas relacionadas com apoltica ambiental, fazendo renascer o sentimento nacionalista em defesa doterritrio brasileiro e da soberania amaznica.

    Nos prximos pargrafos faremos consideraes, ainda que abreviadas,tanto do contexto internacional quanto do quadro domstico nos anos 80 para,em seguida, determo-nos com mais ateno na poltica externa conduzida pelogoverno de Jos Sarney, que teve como titulares da Chancelaria primeiro OlavoSetbal e, depois, Roberto de Abreu Sodr. Este texto no tem a pretenso deser exaustivo, mas to somente apontar algumas caractersticas da poltica externada dcada de 1980, na fase de transio do regime.

    A dcada de 80: os constrangimentos externos

    Com o trmino da Segunda Guerra Mundial, verificou-se a possibilidadede integrao dos espaos econmicos por meio de mecanismos multilateraisde regulao, como o sistema de Breton Woods de 1947. Dentre as principaiscaractersticas dessa estrutura temos o estabelecimento de taxas de cmbio fixas eo controle financeiro administrado pelo Fundo Monetrio Internacional (FMI)(EICHENGREEN, 2000:131). Essa perspectiva funcionou de maneira adequadaat os anos 70, quando passou a encontrar dificuldades crescentes, tornando osistema econmico bastante vulnervel. Como motivos, costuma-se arrolar acrise do petrleo na dcada de 70, que impossibilitou a preservao pelos EstadosUnidos da regulao do dinheiro mundial ancorado no padro fixo ouro-dlar; oaumento da competio nos setores produtivos; e a internacionalizao do capitalcom a retirada do equivalente monetrio do comrcio e da produo.

    2A participao do Brasil na Rodada Uruguai j mereceu uma srie de estudos, principalmente atravs dedissertaes e teses de doutorado. Apenas para ilustrao, ver os trabalhos de BELLI, B. Interdependnciaassimtrica e negociaes multilaterais: o Brasil e o regime internacional de comrcio: 1985-1989.

    Dissertao de mestrado em Cincia Poltica, apresentada Unicamp em 1994; CALDAS, R. W. Brazil inthe Uruguay Round of the Gatt: the evolution of Brazils position in the Uruguay Round, With Emphasis onthe Issue of Services (Strategies and Policies for the Global Political Economy). Londres: Ashgate Publishing, 1998.

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    Alm das dificuldades econmico-financeiras que afetaram grande parteda dcada de 1980, outro evento que contribuiu para alteraes no sistemainternacional, redesenhando todo o cenrio, foi a derrocada do imprio sovitico.Com isso, chegava-se ao trmino da Guerra Fria, abrindo caminho para que osEstados Unidos despontassem, nos planos militar e econmico, como a nica

    superpotncia, ainda que obstculos outros passassem a fazer parte do cotidianode sua agenda.

    A desregulamentao do sistema financeiro internacional, os choques dopetrleo e as altas taxas de juros, decorrentes das medidas tomadas pelo governoRonald Reagan, desestabilizaram consideravelmente as economias dos demais pases,em especial aqueles em desenvolvimento (PEDs). Esses ltimos, dos quais o Brasilfazia parte, demonstraram-se mais vulnerveis aos fluxos financeiros mundiais, epassaram a enfrentar problemas cada vez mais agudos em face dos motivos citados,alm de outros como a liberalizao do comrcio sob a gide de institutos como oFMI. Fator que pesou bruscamente contra as economias em desenvolvimento foio protecionismo comercial adotado pelos pases avanados, com o aumento dossubsdios aos seus produtores, e a utilizao de barreiras no tarifrias ao comrcio,impactando e prejudicando diretamente as exportaes agrcolas dos PEDs.

    Neste quadro, os pases da Amrica Latina enfrentaram, portanto, dificuldadesno mbito econmico e social. A crise da dvida um exemplo visvel da deterioraoocorrida, pois exps o continente a vulnerabilidades mais agudas, diante das pressesdos mercados e das instituies financeiras. Tal perodo ficou, posteriormente,conhecido como a dcada perdida.

    No se pode esquecer ainda que a rigorosa atuao dos Estados Unidos,

    criando a Clusula 301 (Lei de Comrcio de 1988), causou impacto considervelsobre o sistema como um todo afetando, principalmente, as naes com menorcapacidade de reao, ou seja, justamente aquelas que demandavam mudanas maissignificativas na estrutura de poder mundial.

    O cenrio domstico: a transio do poder

    Alm do contexto de vulnerabilidade internacional, a dcada de 80 representoupara os pases latino-americanos o perodo de redemocratizao no continente, 20anos aps o ciclo militar instaurado pela derrubada de Joo Goulart, em marode 1964. O processo de abertura poltica, conhecido como distenso lenta egradual, j vinha desde o incio dos anos 70, assim que Ernesto Geisel (1974-1979)assumiu o poder. Entre as decises tomadas por Geisel podem ser mencionadas,primeiramente, as eleies livres a partir do ano de sua posse, com a oposioconseguindo eleger 16 das 22 vagas em disputa pelo Senado Federal. Esse revsdeu origem a descontentamentos, e fez com que nos pleitos de 1976 e 1978 outrasmedidas restritivas fossem aplicadas, como a Lei Falco e a indicao do senadorbinico (um dos dois senadores que concorriam s eleies de 1978 era eleito pelasAssembleias Legislativas)3.

    3Especificamente sobre o quadro poltico-partidrio dos anos 70, consultar, por exemplo: LAMOUNIER,

    B.; CARDOSO, F.H. Os partidos e as eleies no Brasil.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975; REIS, F.W. (org.).Os partidos e o regime: a lgica do processo eleitoral brasileiro. So Paulo: Smbolo, 1978; LAMOUNIER,B. (org.). Voto de desconfiana; eleies e mudana poltica no Brasil (1970-1979).So Paulo/Petrpolis:Cebrap/Editora Vozes, 1980.

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    Durante o seu mandato, Geisel ainda teria de enfrentar outros desafios,obrigando-o a assumir posturas fortes contra o aparato repressor, quandoocorreram a tortura e morte de Wladimir Herzog e Manuel Fiel Filho, culminandocom a exonerao do general Ednardo DAvila Mello do Comando do II Exrcito,sediado em So Paulo. Colocou fim censura para a grande imprensa, enquanto

    a imprensa nanica continuou merecendo restries; e mediu foras com setoresduros do estamento militar, ainda reticentes com a poltica de distenso, comoo confronto com o ministro do Exrcito Sylvio Frota4.

    A liberalizao poltica teve um avano significativo no governo de JooBaptista Figueiredo (1979-85), quando o Ato Institucional n. 5 foi revogado, aanistia foi aprovada, permitiu-se a reintegrao vida pblica de polticos exilados eativistas de esquerda punidos durante o regime militar, e reconstituiu-se o sistemapartidrio, substituindo o modelo vigente desde 1966, quando apenas Arena eMDB, at ento consideradas siglas provisrias, concorriam s eleies.

    Durante o perodo sucessrio vale lembrar a iniciativa da oposio, emespecial do Partido do Movimento Democrtico Brasileiro, em 1984, de tentaralterar as regras vigentes para as eleies do novo presidente. quela altura, foiproposta uma emenda constitucional, conhecida pelo nome de seu autor, Dantede Oliveira, para restabelecer o voto direto para presidente. Disso resultou acampanha das Diretas J, e que contou com mobilizao significativa deparcelas da sociedade civil. Posta em votao no dia 25 de abril de 1984, aemenda no foi aprovada, apesar de obter 298 votos favorveis (22 a menosdo que o necessrio), 65 contrrios, havendo 3 abstenes e a ausncia de 113representantes do PDS.

    Confirmada a derrota, a deciso dos partidos oposicionistas foi, ento,de procurar influenciar o processo de sucesso dentro das regras estabelecidaspelo governo militar (a eleio indireta). Com esse intuito formou-se a AlianaDemocrtica entre o Partido da Frente Liberal (PFL) e o PMDB, apresentando-se como candidatos Tancredo Neves e Jos Sarney, contra o representante dasituao, Paulo Salim Maluf, que derrotara Mrio Andreazza nas prvias de seupartido.

    A transio para o novo perodo ficou definida em 15 de janeiro de 1985,quando Tancredo Neves foi eleito presidente. Contou com os votos tanto da

    oposio ao regime militar quanto dos dissidentes da base de apoio do governo(PFL), que tinha em suas hostes o agora vice-presidente Jos Sarney, que assumiuo cargo maior em 21 de abril, quando Tancredo Neves faleceu.

    4A bibliografia que trata do perodo militar j bastante volumosa e impossvel de ser aqui citada. Anlisesfeitas em instituies diversas, por pesquisadores isoladamente, explicam de maneira satisfatria tanto aprpria instituio castrense, suas origens e clivagens dos grupos que se revezaram no poder, quanto osistema partidrio e a poltica econmica adotada no perodo. Avessos ao contato com a sociedade civildurante a ditadura militar, com o fim do regime muitos de seus participantes passaram a divulgar sua versodos fatos. Sobre o perodo ver, por exemplo, os inmeros livros publicados pelo Centro de Pesquisa e de

    Documentao sobre Histria Contempornea do Brasil da Fundao Getlio Vargas (CPDOC/FGV), eos inmeros sites e institutos que cobrem os anos 1964-1985, como o Arquivo Ana Lagoa da UniversidadeFederal de So Carlos (UFSCar). Especificamente sobre o agudo episdio Frota, ver o estudo de GOES,W. O Brasil do general Geisel. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1978.

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    Dificuldades imediatas j se puseram com a posse de Sarney. Em primeirolugar, em face dos problemas enfrentados no plano econmico. Em segundo, pelafalta de legitimidade do novo presidente, por causa de seus conhecidos vnculoscom o antigo regime, do qual fora um dos expoentes civis. Dentre os principaisdesafios do governo estava a consolidao do processo de transio democrtica

    em um contexto desfavorvel, em decorrncia das crises econmicas e sociais queo pas enfrentava. O retorno democracia se deu por instrumentos diversificados,como a revogao das medidas que limitavam o direito ao voto e a organizaopoltica e, principalmente, com a nova Constituio de 1988.

    Em clima de demandas, o perodo foi marcado por disputas intensas econtradies entre os diversos grupos que defendiam reformas nos camposeconmico e poltico. Atores que se faziam presentes nos anos 80 eram asorganizaes no governamentais, e que j mostravam sua fora. O ressurgimentodos movimentos sociais e a reconstituio dos sistemas partidrio e sindical

    possibilitaram fortes mobilizaes e reivindicaes de setores amplos dasociedade. Entre esses podem ser mencionados os sindicatos, por intermdiode suas organizaes, como a Confederao Geral dos Trabalhadores (CGT), aCentral nica dos Trabalhadores (CUT), as entidades estudantis, patronais e ascomunidades eclesiais de base ligadas Igreja Catlica (CEBs).

    Outro problema enfrentado pelo governo Sarney se refere aos sucessivosfracassos dos planos de estabilizao econmica, que comprometeram a capacidadede governabilidade do Estado. Dentre as iniciativas para estabilizar a economiapodem ser mencionados o Plano Cruzado na gesto de Dlson Funaro, o planode Lus Carlos Bresser Pereira (Plano Bresser) e o Plano Vero, elaborado porMalson da Nbrega, criando o cruzado novo. Altas inflaes foram caractersticasdurante todo o seu mandato, com a necessidade preocupante de dar conta daelevada dvida externa, amparado em baixo crescimento do PIB. Nesse meiotempo, a credibilidade do governo Sarney no plano externo foi afetada quandoo Brasil decretou a moratria em 1987.

    No que se refere atuao da diplomacia brasileira durante o governoSarney, a crescente vulnerabilidade da economia brasileira, agravada pela crise delegitimidade, reduziu as possibilidades de atuao assertiva do pas nas negociaesinternacionais.

    A agenda externa brasileira: negociaes, integrao regional, pressesambientais

    As dificuldades encontradas pelos pases em desenvolvimento foram,portanto, fatores importantes para compreender as coalizes realizadas pelo Brasilnas negociaes globais. Como se pode recordar, desde os anos 70 verificaram-se inmeros problemas com o movimento terceiro-mundista, que acarretaramem seu esvaziamento como frum representativo dos PEDs. Essas tendnciasacentuaram-se na dcada de 1980. Dentre as principais causas que prejudicaram

    a atuao conjunta desses pases esto a multiplicidade de demandas e interessesparticulares e em termos geogrficos; a competio entre si pela exportao deprodutos e servios na mesma faixa; estgios diferenciados de desenvolvimento

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    poltico e econmico; a diviso do Terceiro Mundo com o surgimento da Opep;e a presso do governo norte-americano para a liberalizao comercial.

    A poltica externa norte-americana durante o governo Ronald Reagan (1981-1989) contribuiu para o cenrio de instabilidade internacional que influenciouno comportamento exterior brasileiro. As presses polticas e econmicas para

    a liberalizao comercial e a defesa dos EUA pelo fim do tratamento especiale diferenciado reservado aos PEDs (atravs da utilizao do princpio dareciprocidade) colocaram o Brasil em situao desvantajosa. Categorizado comopas de industrializao recente, o Brasil foi obrigado a incorporar as regrasestabelecidas no mbito multilateral voltadas para a liberalizao do comrcio. Osacontecimentos da dcada de 80 influenciaram, destarte, de maneira significativa,a poltica exterior brasileira, uma vez que a alterao das regras econmicasprevalentes desde a Segunda Guerra Mundial passou a dificultar a insero maisfavorvel do Brasil no cenrio mundial.

    As relaes entre os Estados Unidos e o Brasil nesse perodo foram marcadaspor uma dupla face: de um lado, pela instabilidade nas negociaes multilateraisde comrcio, e de outro pela iniciativa brasileira de aproximao com os vizinhoslatino-americanos como instrumento de insero internacional. Os principaisacontecimentos que contriburam para o acirramento das relaes entre Washingtone Braslia, durante a primeira parte do mandato de Jos Sarney, esto relacionadoscom as coalizes feitas pelo governo brasileiro junto aos PEDs tanto no campopoltico quanto no econmico.

    Um dos resultados verificados, sob esse prisma, foi a criao do MecanismoPermanente de Consulta e Concertao Poltica (Grupo do Rio)5entre Brasil,

    Argentina, Colmbia, Mxico, Panam, Peru, Venezuela e Uruguai, cujaprimeira reunio ocorreu em Montevidu, em 1988. Essa iniciativa dos pasesda Amrica Latina e do Caribe foi tomada, em parte, para questionar as polticasimplementadas por Washington, concernentes dvida externa e s medidascoercitivas e discriminatrias, para impor suas vontades no plano multilateral denegociaes no mbito do Gatt. Com esse intuito, os oito pases do Grupo doRio assinaram, fora do mbito da Organizao dos Estados Americanos (OEA),o Compromisso de Acapulco para a Paz, o Desenvolvimento e a Democracia, noqual se comprometiam a atuar conjuntamente para combater decises unilateraisbaseadas em leis internas ou em polticas de fora, bem como a lutar por um sistemacomercial internacional fortalecido, que faa cumprir suas normas e princpios,como condio mesma da segurana econmica e da soberania de nossos pases(BANDEIRA, 1999:156).

    Outras divergncias entre o Palcio do Planalto e a Casa Branca noperodo diziam respeito a tpicos especficos como a propriedade intelectual e aquesto da informtica, esta ltima merecedora de exemplar anlise acadmica6.

    5Declarao do Rio de Janeiro que estabelece o Grupo do Rio, 18 dez 1986. Disponvel em: . Acesso em: 20 jan 2009.6Um estudo exemplar sobre a poltica exterior dos anos 80, que diz respeito s relaes brasileiro-norte-americanas, pode ser encontrado em VIGEVANI, T. O contencioso Brasil x Estados Unidos da informtica:

    uma anlise sobre formulao da poltica exterior. So Paulo:Editora Alfa-Omega/Edusp, 1995. Este livrod conta de dois problemas simultaneamente: de um lado, como formulada a poltica exterior brasileira;e, de outro, as negociaes entre dois pases em torno de um item especifico sensvel, que o tema dainformtica.

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    O governo Jos Sarney sofreu, ainda, outros impactos negativos, como a falta decredibilidade externa, que dificultou a captao de recursos, principalmente depoisque as autoridades brasileiras decretaram a moratria da dvida pblica, fato esselargamente explorado por extensa bibliografia jornalstica e acadmica.

    As iniciativas de coordenao econmica dos pases em desenvolvimento,

    em especial no mbito da Conferncia das Naes Unidas sobre Comrcio eDesenvolvimento (Unctad), nas dcadas de 60 e 70, no tiveram o retornoesperado, para melhorar suas condies socioeconmicas. Fracassos como o dodilogo Norte-Sul na Cpula do G-7, realizada em 1985 em Cancun, mostramque os resultados desejados estavam longe de serem alcanados. A heterogeneidadedos PEDs era fato visvel. O Brasil um claro exemplo dessa diversidade, ao ladode africanos, rabes, asiticos e latino-americanos, pases que procuravam negociarem conjunto na arena multilateral. Com o cenrio extremamente dinmico, asestruturas do comrcio exterior do pas sofriam, igualmente, rpidas alteraes,

    fazendo com que os interesses do Brasil e de seus parceiros terceiro-mundistasse tornassem divergentes em vrios aspectos, como na agricultura, nos txteis,nas preferncias tarifrias e no acesso a mercados (ABREU, 1994).

    O surgimento da Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo (Opep)tambm contribuiu para dividir o Terceiro Mundo. Enquanto os membros dessebloco obtiveram significativos lucros com a subida dos preos de petrleo nosanos 70, os outros pases amargavam srias dificuldades em funo dos choquescausados por essa mesma alta dos preos internacionais.

    No mbito do Gatt, as negociaes da Rodada Uruguai (1986-94) deixaram luz as divergncias de interesses dos pases em desenvolvimento, dificultandosobremaneira a defesa das demandas coletivas. Uma olhada mais acurada nesseevento nos mostra as dificuldades encontradas. A estratgia brasileira adotadanessa rodada visava a no incluso dos novos temas na agenda de negociaescomerciais (servios, propriedade intelectual e medidas de investimento comimplicao para o comrcio), bem como a manuteno do tratamento diferenciadopara os pases em desenvolvimento, estabelecida em 1965.

    A articulao do Brasil em torno desta temtica foi feita atravs da coalizodo G-10 (formado por Argentina, Brasil, Cuba, Egito, ndia, Nicargua,Nigria, Peru, Tanznia e Iugoslvia). Sob a liderana do Brasil e ndia, os

    PEDs defenderam a insero de temas relevantes para suas economias, como ossetores agrcola e txtil, e o maior acesso a mercados para seus produtos. A criseeconmica e financeira internacional e a forte presso do governo norte-americanocontriburam, porm, para que a pretenso brasileira no fosse alcanada. Comoconsequncia, o pas terminou por aceitar a incluso dos novos temas na pautadas negociaes, enfraquecendo sua coalizo com a ndia e os PEDs que oapoiavam. Nessa oportunidade, os pases em desenvolvimento tiveram restringidasas medidas relacionadas com o tratamento especial e diferenciado, obrigando-os aimplementar os acordos e as medidas de desregulamentao de comrcio baseadosno princpio da reciprocidade. medida que o pas tivesse seus indicadoresmelhorados, com aumento dos ndices de crescimento e desenvolvimentoeconmico, deveria adotar as polticas de liberalizao comercial, reduo dos

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    subsdios produo, assim como respeitar as regulamentaes ligadas temticade propriedade intelectual, servios e medidas de investimento.

    A reforma poltica nos Estados Unidos questionou a posio privilegiada dospases em desenvolvimento, o que contribuiu para a perda do poder negociadordo Brasil, por dois motivos: a) o governo norte-americano passou a considerar as

    vantagens do regionalismo econmico no mbito do Tratado Norte-Americanode Livre Comrcio (Nafta), dificultando as relaes bilaterais, em especial comos pases em desenvolvimento avanado como o Brasil (ABREU, 1994:346);b) pelos emprstimos realizados pelo governo brasileiro ao Tesouro americanopara financiar sua dvida pblica; assim o governo norte-americano se utilizou dafragilidade financeira do Brasil para barganhar um tratamento nas negociaes noGatt (GUIMARES, 2005:152). A alterao do comportamento da diplomaciabrasileira neste perodo se deve, portanto, sua situao de dependnciaeconmica e diminuio de seu poder de barganha.

    As diversas coalizes realizadas durante as negociaes da Rodada Uruguai

    demonstram que a articulao entre os pases em desenvolvimento no maiscorrespondia s iniciativas conjuntas do Grupo dos 77, que, na conferncia daUnctad, em 1964, defendia a atuao dos pases do Terceiro Mundo para quefossem realizadas mudanas na ordem econmica mundial. O movimento dospases do Terceiro Mundo na dcada de 80 representou para o governo brasileiroo abandono da dinmica internacional baseada no confronto Norte-Sul. Atento, como membro do Terceiro Mundo, o Brasil podia reivindicar junto aospases desenvolvidos um tratamento especial nas negociaes comerciais. Tantoo governo brasileiro quanto os PEDs foram obrigados a adotar o princpio dereciprocidade sem que tivessem, entretanto, condies de competir de formaequilibrada com os pases desenvolvidos.

    Obviamente, a incapacidade de o Terceiro Mundo articular de forma maisconsistente suas demandas restringiu a margem de atuao brasileira, obrigando opas a repensar suas parcerias e estratgias para melhorar sua insero internacional.

    As dificuldades encontradas pelos pases em desenvolvimento foram, portanto,fatores importantes para compreender as coalizes realizadas pelo Brasil nasnegociaes globais. Sob esse prisma, pode-se concordar com a afirmao de queo fim do movimento do Terceiro Mundo e, portanto, da lgica poltica baseada

    na noo Norte-Sul foi um dos fatores de desgaste da matriz externa brasileira(SENNES, 2003:80). Esse cenrio adverso internacionalmente fez com que adiplomacia brasileira intensificasse seu relacionamento com os pases da regio.Por isso, os governos brasileiro e argentino buscaram, atravs da cooperaoregional, formar parcerias para enfrentar problemas comuns e que faziam parteda agenda de ambos os pases. Assim, incrementariam o comrcio regional, aoampliar e complementar suas economias, facilitando-lhes a insero de maneiramais favorvel no sistema internacional.

    A opo verificada na Bacia do Prata, pela aproximao regional, era umatendncia observada em grande parte do mundo onde os pases procuravamaumentar suas capacidades, fazendo-o atravs da criao de blocos, paraenfrentar a concorrncia, em um novo contexto designado de interdependncia

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    e globalizao. Apesar das adversidades globais, a aproximao entre Braslia eBuenos Aires respondeu a uma conjuntura regional favorvel, onde podem serarrolados: o fim dos regimes ditatoriais em ambos os pases (na Argentina em 1982e no Brasil em 1985), com os governos civis demonstrando vontades polticas deenfrentarem obstculos, e a soluo do contencioso entre os dois pases em torno

    da construo da barragem de Itaipu, encerrando, pelo menos temporariamente,as tradicionais divergncias em torno de disputa por uma possvel hegemonia quesempre caracterizaram o relacionamento na Bacia do Prata. Alm do mais, erapreciso providncias rpidas, ainda que nem sempre coroadas de sucesso, diantedos inmeros desafios como os altos ndices inflacionrios e a necessidade demelhorar seu perfil internacional.

    Os vnculos se consolidaram com a Ata de Iguau em 1985, parceriainicialmente voltada para questes estratgicas. Na Declarao de Iguau (1985),os governos resolveram coordenar as polticas de cooperao visando aprofundar

    o processo de integrao econmica e de complementao nos setores industrial,energtico, de transporte e comunicaes, de desenvolvimento cientfico-tcnico,bem como do comrcio com terceiros mercados7. Em 1986 essa declarao inicialfoi complementada com a Ata de Integrao Brasileiro-Argentina. De maneirasucinta, os acordos argentino-brasileiros estavam apoiados em trs grandesdiretrizes: a) enquadramento com o pensamento nacional desenvolvimentista; b)evoluo gradual e flexvel, com atos e mecanismos a serem extrados de formaseletiva de um conjunto de decises estratgicas que comporiam o permanenteprocesso negociador; c) expanso em leque pela Amrica Latina, desde o eixooriginal Brasil-Argentina (CERVO, 1997:21).

    A partir desse momento, o processo de integrao evoluiu para o Tratado deIntegrao, Cooperao e Desenvolvimento em 1988 com o objetivo de formarum espao comum de liberalizao comercial e a harmonizao das polticasmacroeconmicas no prazo de 10 anos8. O processo de integrao regionalentre pases da Amrica Latina no governo Sarney foi, portanto, consequnciada percepo recproca de interesses comuns entre pases que enfrentavamdificuldades semelhantes de insero no plano internacional, e que no haviamobtido resultado atravs das iniciativas anteriores como a Alalc e a Aladi.

    Outro grande tema que ocupou espao substancial na agenda da poltica

    externa brasileira dos anos 80 diz respeito questo ambiental. Na realidade,era um assunto que, desde os anos 60, passou a preocupar parcela significativada opinio pblica mundial, ainda que no Brasil apenas nos anos 80 adquirisseproeminncia como tema de governo e de suas polticas pblicas. A poltica deocupao do territrio brasileiro, voltada para as grandes florestas do Norte,foi intensificada pela presena de agentes diversos a partir de meados da dcadade 60, principalmente grandes empresas nacionais e multinacionais, muitas dasquais para l foram aproveitando os generosos incentivos fiscais concedidos pelo

    7Cf. Declarao de Iguau, assinada no dia 29 nov 1985 na cidade de Puerto Iguazu, Repblica Argentina.

    Disponvel em: . Acesso em: 20 jan 2009.8O processo de integrao regional foi, posteriormente, aprofundado no governo de Fernando Collorde Mello, com a assinatura do Tratado de Assuno em 1991, criando-se o Mercado Comum do Sul(Mercosul).

    A poltica externa do governo Jos Sarney (1985-1990), Dbora Figueiredo Barros do Prado e Shiguenoli Miyamoto, p. 67-80

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    governo, e dos quais poucas prestaram contas. Nos anos 70, migrantes do Sule trabalhadores afetados pelos processos de mecanizao no campo, atradospela esperana e novas oportunidades, seja pela Transamaznica, ou de terrasmais baratas, constituram um numeroso grupo em terras amaznicas. Depois, apresena de seitas religiosas e ONGs, sob as mais distintas bandeiras, sobretudo

    nos anos 80, converteu-se em motivo de preocupao constante de dois setoresgovernamentais: as Foras Armadas e o Ministrio das Relaes Exteriores. Dolado do primeiro, o problema se colocava sob a tica da soberania e de proteodo territrio contra a presena de interesses considerados escusos e, portanto,ameaas segurana nacional; do lado do Itamaraty, as presses se faziam apartir de ONGs, de organizaes intergovernamentais, de grupos diversos dasociedade, desde instituies acadmicas at representantes do meio artstico emesmo de governos.

    As crticas, mormente externas, na dcada de 1980, argumentavam que

    a Amaznia deveria ser preservada, atravs de polticas mais eficientes que noagredissem o meio ambiente (fauna e flora), nem que afetassem as populaes daregio. Ou seja, o governo deveria adotar polticas para que ocorresse no umamera explorao predatria dos recursos, e que considerasse a diversidade deagentes e interesses, desde os rios contaminados com mercrio devastao dasflorestas com as grandes queimadas e a destruio da fauna de forma irrecupervel,alm das populaes indgenas localizadas na regio. Notcias veiculadas naimprensa internacional exploravam quotidianamente as polticas pblicas dirigidaspara a Amaznia, feitas sem preocupaes maiores. Internamente, quadro parecidose verificava, ainda que de forma mais restrita, ressalvadas a atuao constante deentidades ligadas Igreja, mdia e ao meio acadmico.

    Tais ressalvas conduta governamental tinham sua razo de ser. As aesdo governo brasileiro nessa rea sempre deixaram a desejar. Credita-se, inclusive,desastrosa afirmao no comeo dos anos 70 ao ento secretrio do PlanejamentoJoo Paulo dos Reis Velloso, de que se poluio era progresso, ento o Brasiliria poluir seu meio ambiente. Verdadeira ou no, o impacto causado portal declarao revelou-se negativo para aqueles preocupados e voltados paraos cuidados com a preservao do meio ambiente. No fundo, esse tipo decomportamento reflete de maneira clara no apenas a falta de preocupao do

    governo, mas tambm a viso das autoridades nacionais de que nunca precisariamdar justificativas de seus atos a quem quer que fosse, tratando internamente aspolticas apenas como problemas do grupo no poder e, externamente, comoassuntos de soberania nacional.

    Por isso, a morte de Chico Mendes, em dezembro de 1988, converteu-seem um divisor de guas no trato dessas questes. Acostumado desde sempre, moda de seus antecessores, a jamais prestar contas de seus atos nessa esfera,o governo Sarney teve de incorporar agenda esse tema com mais ateno doque provavelmente desejaria. Naqueles anos, alguns fatores internacionais jchamaram a ateno, e timidamente obrigaram o governo a adotar polticasdefensivas no quesito meio ambiente. Um deles, desde os anos 70, dizia respeitoaos debates sobre os limites do crescimento das naes em desenvolvimento, e

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    que, obviamente, no poderiam fazer parte da agenda governamental de umpas com fortes demandas de projeo internacional. O Relatrio Willy Brandt,que discorria sobre as desigualdades Norte-Sul em meados da dcada de 70,levantava os problemas do desenvolvimento/subdesenvolvimento e a implicaodos recursos naturais (BRANDT, 1980).

    Entretanto, o documento que mais chamou a ateno foi aquele escrito apedido da prpria ONU, e coordenado por Gro Harlem Brundtland (CMMAD,1988). O relatrio divulgado em 1987 tocava em alguns pontos sensveis para ogoverno brasileiro. Tratava-se da questo da soberania sobre os recursos naturais.Segundo o texto, os recursos naturais no podiam mais ser pensados sob a esferade um nico pas, ou apenas daqueles onde se localizassem. Quer dizer, taisrecursos, que diziam respeito aos interesses de toda a humanidade, deveriam sergeridos internacionalmente, da a ideia de soberania compartilhada ou restrita,dentro da perspectiva do desenvolvimento sustentvel.

    Certamente as reaes brasileiras frente a interpretaes dessa natureza nopoderiam ser as mais favorveis. Assim, em reunies realizadas com os pasesmembros da Bacia Amaznica, em diversas oportunidades, os governantesmanifestavam repudio ideia de ingerncia em assuntos que consideravam de suaestrita alada. Isto pode ser vislumbrado, por exemplo, atravs da Declarao da

    Amaznia, quando o presidente Sarney bradava em alto e bom som um discursonacionalista sobre quem devia cuidar das grandes florestas (SARNEY, 1990).Esse tipo de pronunciamento fazia frente no apenas s notcias veiculadas noThe New York Times, que tratava da venda de partes da Amaznia, como tambms declaraes do presidente Franois Mitterrand, que defendia os princpios dasoberania compartilhada, ou ainda s presses internacionais observadas quandose reuniu a Assembleia Constituinte em 1988.

    Para o governo brasileiro, os motivos verdadeiros de preocupaodemonstrados pelos estrangeiros no estavam relacionados com a preservao domeio ambiente, mas voltados para as riquezas da regio. Por isso, esse problemada soberania nacional j havia se tornado motivo de cuidados e fora colocadode maneira clara pelo governo assim que Jos Sarney assumiu a Presidncia daRepblica. Ao mesmo tempo em que passou a acelerar a cooperao na Bacia doPrata, igualmente voltou os olhos para as florestas amaznicas. Data do mesmo

    ano de sua posse o Projeto Calha Norte (depois Programa Calha Norte PCN), decarter sigiloso, de ocupao e proteo das fronteiras. Ainda que se soubesse dasdificuldades financeiras, e de sua pouca eficcia em virtude das grandes extenses aserem cobertas, o PCN se converteu na primeira grande iniciativa especificamentedirigida para a regio em termos estratgicos. Isto demonstrava que o governoestava atento s crticas sobre o vazio l existente e dos riscos que poderiam afetara Amaznia. Neste sentido, o PCN contemplava algumas temticas: problemasindgenas, mormente com os ianommis em Roraima e na Venezuela; a questoda internacionalizao da regio, com a criao de um Estado autnomo para aspopulaes indgenas; contrabando; crime organizado; trfico de drogas, entreoutros (CONSELHO DE SEGURANA NACIONAL, 1985).

    A poltica externa do governo Jos Sarney (1985-1990), Dbora Figueiredo Barros do Prado e Shiguenoli Miyamoto, p. 67-80

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    Mesmo outras iniciativas, como o Programa Nossa Natureza, se enquadramdentro da preocupao em demonstrar o interesse e a necessidade de ocuparda melhor forma possvel o espao amaznico, se bem que criticado, por tratara questo ambiental sempre sob prisma estratgico-militar (PRESIDNCIADA REPBLICA, 1988). O tema ambiental se transformou em assunto de tal

    magnitude que inclusive o ministro do Exrcito, Lenidas Pires Gonalves, seviu envolvido no mesmo, contestando as crticas internacionais, ao afirmar quea responsabilidade pela degradao ambiental em escala global era mais oriundadas polticas de consumo desenfreado pelas grandes naes industrializadas doque de pases como o Brasil e a regio (GONALVES, 1989).

    Como se veria posteriormente, todos esses grandes temas que ocuparama ateno do governo Sarney converteram-se em itens permanentes da agendada poltica externa: o comrcio internacional, a integrao regional e formaode blocos e a questo ambiental, ao lado de outros que passariam a demandaratenes cada vez maiores, como o crime organizado, o trfico de drogas e osdireitos humanos.

    Finalmente, no que tange atuao externa do governo Sarney, devemser lembradas, ainda, outras iniciativas, como a criao da Zona de Paz e deCooperao no Atlntico Sul (Zopacs) por iniciativa brasileira junto ONU em1986, que trouxe tona as divergncias costumeiras entre diplomatas e militaressobre a forma como devem ser tratados temas sensveis relativos segurananacional9; a retomada do relacionamento com o governo cubano em 1986 e odistanciamento do regime sul-africano, em funo da poltica de apartheidadotadapor Pretria. Essas iniciativas enquadravam-se dentro daquilo que o chanceler

    Olavo Egydio Setbal chamava de diplomacia para resultados. Tratava-se,segundo ele, de uma diplomacia de cunho universalista e aberto. Essa no erauma modificao radical de seus ramos, sendo que a adaptao da diplomaciaaos novos tempos no levou a uma reviso dos tradicionais princpios que aguiavam (SETUBAL, 1986:6).

    Consideraes finais

    O perodo referente ao governo Sarney representou um momento significativonas relaes internacionais, bem como no contexto poltico domstico do Brasil.Diante das crticas ao modelo multilateral neste perodo e das dificuldadeseconmicas enfrentadas, os pases em desenvolvimento buscaram alternativasaos fruns internacionais para o fortalecimento de sua insero, sendo que nocaso brasileiro a aproximao com os pases vizinhos contribuiu para o processode integrao regional.

    Apesar da prioridade do governo brasileiro integrao regional, anecessidade de buscar parcerias estratgicas condicionou o Brasil a buscar emanter parcerias comerciais fora do mbito latino-americano, tais como ospases da Europa Ocidental, frica Subsaariana, Oriente Mdio e Magreb, siae Leste Europeu. A diversificao de parceiros comerciais pelo governo brasileiro

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    Sobre as diferenas de pontos de vista entre as Foras Armadas e o Itamaraty sobre os conceitos demilitarizao e desmilitarizao, consultar a Resenha de Poltica Exterior do Brasil, editada pelo Ministriodas Relaes Exteriores: edio suplementar intitulada Onu aprova proposta brasileira e declara o AtlnticoSul como zona de paz e cooperao, dez 1986, especialmente p.77-78.

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    no apresenta, contudo, um dado inovador no que se refere formulao dapoltica externa brasileira, na medida em que os traos de universalismo sempreestiveram presentes. A realidade domstica e internacional que se apresentavapara o governo brasileiro fez com que o pas atuasse dentro das possibilidadesque existiam naquele momento.

    Compreender as distintas formas pelas quais o governo brasileiro procurouse inserir no cenrio internacional um aspecto fundamental para que sepossa avaliar de que forma alteraes da dinmica das relaes internacionaisinterferiram na formulao da poltica externa e domstica do pas. A polticaexterna do Brasil est diretamente condicionada realidade internacional e s

    variveis domsticas. Neste sentido, modificaes na atuao externa dos pasesso inevitveis, mas nem por isso se pode afirmar que houve uma modificaoparadigmtica ou estrutural nas relaes internacionais do Brasil.

    O que se pode perceber quando se analisa a atuao internacional do governo

    Sarney na dcada de 80, tanto no contexto domstico quanto internacional, que o pas no apresentou uma ruptura significativa no seu comportamentocom relao principal potncia do perodo, os Estados Unidos, alm dasdivergncias que normalmente caracterizam relacionamentos bilaterais, e nemcom os demais pases avanados.

    Quanto s iniciativas de articulao regional entre o Brasil e demais pasesda Amrica Latina no governo Sarney, estas se inserem no contexto da dcada de80, no qual, em decorrncia da intensificao do processo de internacionalizaoeconmica, os Estados tornam-se mais vulnerveis a crises internacionais. Istofez com que buscassem uma atuao via bloco para enfrentar com mais sucessotais adversidades.

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