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, , A POLITICA AGRICOLA E A MODERNIZAÇÃO DA PEQUENA PRODUÇÃO: A EXPERIÊNCIA DOS PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO RURAL INTEGRADO! Ricardo Carneira" 1 INTRODUÇÃO o programa de desenvolvimento rural integrado representa um modelo de política de desenvolvimento para a pequena produção experimentado, em versões alternativas, por diversos países, sobretudo do Terceiro Mundo. Neste contexto, aparece normalmente associado à erradicação da pobreza rural através do aumento da produção agrícola) "se necessário com a redistribuição de bens produtivos" (Weitz, 1970). Por trás de sua proposição, é nítida a preocupação em interagir com um quadro que combina a presença de uma ampla fração da população rural reproduzindo- se em condições econômicas e sociais muito precárias a um. meio urbano em crescimento, porém intensamente tensionado pelo movimento migrat6rio no campo. No Brasil, os programas de desenvolvimento rural integrado surgiram ao longo da década de setenta. Sua proposição " Pesquisador Pleno do Centro de Estudos Beonêmiece (CEE) da Fuydação João Pinheiro (FJP). Este artigo corresponde, com adaptações, ao quarto capítulo da tese de mestrado do autor, apresentada ao Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (Carneiro,I992). Análise & Conjuntura, Belo Horizonte, v.8, n l,jan.labr.1993 refletia então a preocupação governamental em implantar ações voltadas à redução das disparidades sociais existentes no campo, como forma de atender pressões para a realização da reforma agrária. Na 6tica oficial, a modernização e a melhoria na condições de renda da pequena produção representariam uma alternativa política que poderia substituir a realização de mudanças estruturais maís profundas. Apesar dessa motivação política original e da relativa limitação quanto aos resultados alcançados, os programas de desenvolvimento rural integrado constituem uma experiência importante para se discutir as possibilidades e os limites de se buscar melhorias nas condições de reprodução da pequena produção. Este artigo trata especificamente do Programa de Promoção de Pequenos Produtores Rurais de Minas Gerais (MG-I1), que pode ser considerado o mais representativo entre os vários programas de desenvolvimento rural integrado executados no Estado. Além de sua representatividade, a opção pelo MG-I1 deveu-se ao fato de contar com um processo sistemático de avaliação realizado pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), o que constitui um acervo extremamente útil de imformações e análises. Como todo programa de desenvolvimento rural integrado, o MG-I1 prioriza as ações de apoio à produção e à comercialização. No entanto, não leva em consideração a heterogeneidade interna ao segmento que compõe a pequena produção. Ao contrário, adota implicitamente o' suposto de que toda pequena produção reúne condições similares de modemização e transformação em produção mercantil. Para tanto, parte do suposto de que o constrangimento básico a essa tranfonnação seria a reduzida disponibilidade pr6pria de recursos para a realização dos investimentos necessários à introdução de inovações de base técnica e o conseqüente aumento da produção, o que seria superado pelo crédito rural. Pretende-se mostrar que, embora necessário, o crédito rural é insuficiente para viabilizar a transfonnação modemízadora da pequena produção no sentido da produção mercantil. Esta transformação requer condições remuneradoras de mercado, nem sempre presentes na realidade agrária ou passiveis de serem criadas pelo setor público, aspecto central na explicação dos resultados limitados alcançados pelo MG-I1. 77

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, ,A POLITICA AGRICOLA E AMODERNIZAÇÃO DAPEQUENA PRODUÇÃO: AEXPERIÊNCIA DOSPROGRAMAS DEDESENVOLVIMENTO RURALINTEGRADO!

Ricardo Carneira"

1 INTRODUÇÃO

o programa de desenvolvimentorural integrado representa um modelo depolítica de desenvolvimento para a pequenaprodução experimentado, em versõesalternativas, por diversos países, sobretudo doTerceiro Mundo. Neste contexto, aparecenormalmente associado à erradicação dapobreza rural através do aumento da produçãoagrícola) "se necessário com a redistribuição debens produtivos" (Weitz, 1970). Por trás de suaproposição, é nítida a preocupação em interagircom um quadro que combina a presença de umaampla fração da população rural reproduzindo­se em condições econômicas e sociais muitoprecárias a um. meio urbano em crescimento,porém intensamente tensionado pelo movimentomigrat6rio no campo.

No Brasil, os programas dedesenvolvimento rural integrado surgiram aolongo da década de setenta. Sua proposição

" Pesquisador Pleno do Centro de Estudos Beonêmiece (CEE) daFuydação João Pinheiro (FJP).

Este artigo corresponde, com adaptações, ao quarto capítulo datese de mestrado do autor, apresentada ao Centro deDesenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) daUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (Carneiro,I992).

Análise & Conjuntura, Belo Horizonte, v.8, n l,jan.labr.1993

refletia então a preocupação governamental emimplantar ações voltadas à redução dasdisparidades sociais existentes no campo, comoforma de atender pressões para a realização dareforma agrária. Na 6tica oficial, amodernização e a melhoria na condições derenda da pequena produção representariamuma alternativa política que poderia substituir arealização de mudanças estruturais maísprofundas. Apesar dessa motivação políticaoriginal e da relativa limitação quanto aosresultados alcançados, os programas dedesenvolvimento rural integrado constituemuma experiência importante para se discutir aspossibilidades e os limites de se buscarmelhorias nas condições de reprodução dapequena produção.

Este artigo trata especificamentedo Programa de Promoção de PequenosProdutores Rurais de Minas Gerais (MG-I1), quepode ser considerado o mais representativoentre os vários programas de desenvolvimentorural integrado executados no Estado. Além desua representatividade, a opção pelo MG-I1deveu-se ao fato de contar com um processosistemático de avaliação realizado pelaUniversidade Federal de Viçosa (UFV), o queconstitui um acervo extremamente útil deimformações e análises.Como todo programa dedesenvolvimento rural integrado, o MG-I1prioriza as ações de apoio à produção e àcomercialização. No entanto, não leva emconsideração a heterogeneidade interna aosegmento que compõe a pequena produção. Aocontrário, adota implicitamente o' suposto de quetoda pequena produção reúne condiçõessimilares de modemização e transformação emprodução mercantil. Para tanto, parte dosuposto de que o constrangimento básico a essatranfonnação seria a reduzida disponibilidadepr6pria de recursos para a realização dosinvestimentos necessários à introdução deinovações de base técnica e o conseqüenteaumento da produção, o que seria superado pelocrédito rural.

Pretende-se mostrar que,embora necessário, o crédito rural é insuficientepara viabilizar a transfonnação modemízadorada pequena produção no sentido da produçãomercantil. Esta transformação requer condiçõesremuneradoras de mercado, nem semprepresentes na realidade agrária ou passiveis deserem criadas pelo setor público, aspecto centralna explicação dos resultados limitadosalcançados pelo MG-I1.

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2 A PROPOSTA DE INTERVENÇÃODOMG·D

2.1 Antecedentes

Na análise que fundamenta aproposrçao do MG-I1 concluía-se que MinasGerais passava por um processo dinâmico detransfonnação da estrutura produtiva, baseadono crescimento e diversificação industrial. Já osetor agropecuário vinha, "ao longo dos anos,perdendo importância, tanto na formação doproduto quanto na absorção de mão-de-obra(.. .)." (Minas Gerais... , 1979, v. 1)

Embora se reconhecesse queesses resultados se ajustavam, "em traçosgerais, às expectativas de comportamento dossetores económicos no decorrer do processo dedesenvolvimento capitalista", ressaltava-se aimportância que a agricultura ainda mantinha"como fonte de renda e ocupação para apopulação do estado". ( Minas Gerais... , 1979, v.1). Além disso, considerava-se que a agricultura,à exceção do setor exportador, vinha sendopenalizada no modelo de desenvolvimento dopaís, comparativamente à indústria, quanto aapoios e incentivos da política econômica. Estacircunstância teria "sérias implicações paraMinas Gerais", já que o estado havia seespecializado "relativamente mais na produçãopara o abastecimento alimentar, justamente omenos privilegiado em termos do modelobrasileiro de desenvolvimento agrícola". (MinasGerais... , 1979, v. 1)

Reconhecia-se ainda que asimplicações do caráter discriminatório atribuídoà política governamental para a agriculturaincidiam principalmente sobre os pequenosprodutores, de modo geral, atrelados àexploração de culturas alimentares através depráticas produtivas tradicionais, de baixaprodutividade e sem acesso ao mecanismo docrédito rural. "Em vista das multiplasdificuldades presentes no seio desta agricultura"persistiria "uma situação de crescentepauperização da população que dela retira seusustento". (Minas Gerais... , 1979, v. 1). Asdificuldades enfrentadas por este segmento daagricultura estadual, eram percebidas entãocomo um dos mais sérios problemas sociais doestado (Minas Gerais... , 1979, v. 1).

A proposição do MG-Il inscreve­se neste contexto como uma resposta à

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preocupação governamental de interagir com oquadro de crescente pobreza rural entãoobservado. Tratava-se, na ôtica oficial, de umprograma com características sociais, seja emtennos das circunstâncias que determinaramsua proposição, seja quanto aos resultadospretendidos.

2.2 A modernização da pequenaprodução sob a ótica doprograma: possibilidades elimites

Antes de avançar na descriçãodo conteúdo operacional do MG-Il, procura-seevidenciar como este percebia a problemática dapequena produção e as perspectivas oupossibilidades para sua transfonnaçãomodernizadora. Essa abordagem é importanteno sentido de mostrar que, na visão doprograma, a modernização da pequenaprodução, no sentido da produção mercantil,prescindiria de condições favoráveis de mercado,·sendo resolvida pela indução da modernizaçãoda base técnica, através de uma ação apoiadaem crédito rural e assistência técnica.

Parte-se do tratamento dado peloprograma ao significado e representatividade dapequena produção de baixa renda. Umaprimeira indicação neste sentido é dada pelotamanho da área do estabelecimentoagropecuário. O documento do Programa afirmaque "tomando-se os estratos de área de menos de50ha como representando os estabelecimentosque compõem a agricultura de baixa renda, ver­se-á que devem existir em Minas perto de 67,8%dos estabelecimentos agropecuários nestacondição. Se, de outro modo, se inclufssem os de50 ha a menos de 100ha, ter-se-à um total de81,6% dos estabelecimentos agropecuários deMinas Gerais como pertencentes ao grupo debaixa renda" (Minas Gerais... , 1979, v. 1)

A identificação imediata depequenos estabelecimentos agropecuários corn aagricultura de baixa renda é, evidentemente,um tratamento simplificador da questão,utilizado apenas como uma aproximaçãopreliminar de sua representatividade narelilidade agrária do estado. A suposição danecessidade de produção em grande escala comorequisito indispensável ao retorno econômico daexploração agricola não tem sustentação narealidade concreta. Na agricultura as leisbiológicas e as condições naturais compõem

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padrões tecnol6gicos com ganhos de escalasdiferenciadas por produto e por localizaçãoespacial.

A análise desenvolvida pelo MG­II procura avançar no sentido de umacaracterização sõcio-econômiea mais precisa eaprofundada da pequena produção. Adota comoproposição central a premissa de que o pequenoprodutor "está inserido em uma economia desubsistência, onde a realização da produção tempor finalidade primordial garantir o seusustento básico e de sua familia, e as relaçõessociais se fazem, fundamentalmente, CO~ esta ecom a vizinhança e se materializam em umprocesso de ajuda mútua, através da troca e doempréstimo de bens e serviços." (Minas Gerais... ,1979, v. 1)

Trata-se de uma definição quesegue as linhas gerais propostas por Chayanov,para o qual a pequena produção representa aomesmo tempo uma unidade de produção econsumo, mantendo apenas relações marginaise complementares com o mercado. Aidentificação da pequena produção à economiade subsistência é feita de forma quase queabsoluta pelo programa, afirmando-se que"grande parte da produção é destinada aoautoconsumo; os excedentes gerados ou sãotrocados por outros ou são encaminhados para aeconomia monetária, com a função última decomplementar as necessidades referentes àsubsistência (...). As culturas de alimentaçãobásica são comuns à produção (...), bem como acriação de pequenos animais (...), sendodestinados, predominantemente, ao consumodireto da unidade produtiva, com excedenteseventualmente comercializados no mercado. "(Minas Gerais... , 1979, v. 1)

,!uanto à organização dotrabalho, há um reconhecimento da importânciacentral da mão-de-obra familiar como suportedas atividades produtivas, o que é relativamenteconsensual nas diversas abordagens te6ricas dapequena produção. A interpretação do programasegue, também neste aspecto, as linhas geraisdefinidas por Chayanov (1966), adotando apremissa de que cada familia basta-se a simesma e vive relativamente isolada e semrelacionar-se com uma estrutura mais ampla,numa situação em, que "os diversos membrosdesempenham função espedfica. " (MinasGerais... , 1979, v. 1). Além disso, consideramque o tamanho da familia é que determina aforça de trabalho passível de ser mobilizada pela

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pequena produção e condiciona a organização doprocesso produtivo. Como no esquema propostopor Chayanov (1966), a ocupação da força detrabalho familiar estaria associada aoatendimento das necessidades básicas doconsumo familiar e produtivo da unidade deprodução. Nestas circunstâncias, "os baixosrendimentos que são decorrentes do seu usolevam-no a buscar formas de complementaçãodos mínimos vitais para sua existência, atravésde relações de trabalho, como a parceria e oassalariamento." (Minas Gerais... , 1979, v. 1)

A caracterização é completadapela análise do significado da terra. Aconstatação básica é "para o pequeno produtor,a terra representa o elemento fundamental paraa realização da produção e, em conseqüência,para a garantia de sua sobrevivência". A terranão se configuraria apenas em um fator deprodução, mas representaria "a própria razão deser do pequeno produtor, porque é dela queretiram os elementos para sua sobrevivência".(Minas Gerais... , 1979, v. 1). A relação doprodutor com a terra transcenderia assim oaspecto econômico de garantia do acesso a umfator produtivo essencial, atribuindo-se umaimportância central à presença na terra, atravésda propriedade ou posse, "como condição deexistência do produtor." (Minas Gerais... , 1979,v.1).

A partir dessa caracterizaçãogeral, em que pequena produção é entendidacomo economia de subsistência, reproduzindo-eeno contexto de uma agricultura crescentementecapitalista e mercantil, o programa procuradiscutir as perspectivas de sua transformaçãomodernizadora. Dois aspectos emergem comoelementos centrais nessa discussão. De um lado,a avaliação de que o desenvolvimento daeconomia de mercado tem como resultado básicoa indução da desagregação da pequena produçãorural, levando os pequenos produtores à ruína.De outro lado, a tese de que o pequeno produtoré tradicional no sentido de ser "avesso amudanças que envolvam riscos", tendo "suaconduta moldada por conhecimentos e hábitostransmitidos de geração a geraçâo, o que tornaresistente a qualquer tipo de inovação." (MinasGerais... , 1979, v. 1)

Quanto ao primeiro aspecto, aanálise procedida pelo programa afirma que oprocesso de desagregação da pequena produçãoé heterogêneo no espaço, apresentando"características diferenciadas em cada região,

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dependendo de suas condições naturais, de seuprocesso de ocupação histórico, de sua colocaçãogeográfica, etc." (Minas Gerais... , 1979, v. 1).Como resultado das circunstânciasdiferenciadas, teriam sido formadas inúmerasáreas de concentração de pequenos produtores."zonas estas que representam (...) regiões onde seconfiguram os mais diversos e complexosproblemas sociais". Já a resistência do pequenoprodutor a mudanças representaria uma"racionalidade de seu comportamento". Essacaracterística seria reflexo da condição deeconomia de subsistência. próxima da situaçãode economia doméstica fechada. Tratada peloprograma como "condicionantes intrínsecos àrealidade em que vive". seris a responsável pelapostura refratária "a situações desconhecidas eplaustoeis de gerarem impactos negativos sobreseu modo de vida, inclusive de perda de suacondição de pequeno produtor autõnomo."(Minas Gerais.... 1979, v. 1)

Pela ótica adotada, o avanço docapitalismo ou da economia de mercado nocampo estaria levando à crescentedesarticulação ou deslocamento do segmentoagrário formado pela pequena produçãofamiliar. Atrelada a uma economia desubsistência. sem integração efetiva à dinâmicado mercado, esta pequena produção estariaimersa numa situação sócio-econômica precária,marcada pelos baixos níveis de renda. tendendoa concentrar-se naquelas áreas com condiçõeseconômicas mais favoráveis à sua reprodução.Apesar da precariedade de suas condições devida, o pequeno produtor teria resistência amudanças. em função de sua postura contrária ariscos, em particular o de perder a terra e, comela. sua condição de produtor rural autônomo.

É com essa realidade complexaque o programa propõe-se a interagir. Trata-seessencialmente de apoiar a pequena produçãono sentido da melhoria de suas condições deprodução e de renda, como forma de romper asituação de tensão a que está submetida sob adinâmica do capitalismo no campo e contrapor­se à sua desarticulação. Este apoio teria comosuporte básico o crédito rural conjugado comassistência técnica.

Para dar sustentação teórica àestratégia de intervenção definida. o programaavança na análise da questão da reprodução.Retoma a tese de sua desarticulação e afirmaque "0 avanço da economia de mercado a nívelnacional, com a conseqüente elevação da

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produtividade do trabalho (...) e oaprofundamento da especialização das unidadesprodutivas, vai pouco a pouco rompendo oequilibrio da pequena produção agropecuária,forçando-a a se ligar cada vez mais ao mercado,a adotar técnicas produtivas para a quais ospequenos produtores não possuem 08 recursosdisponíveis, e a se especializar cada vez maiscom a conseqüente ruptura da unidade entreprodução agrkola, pecuária e florestal que lhe éindispensável para reproduzir-se" (MinasGerais... , 1979, v. 1). No desenvolvimento desseargumento é atribuída importância central adois movimentos complementares e articuladosentre si, subjacentes à dinâmica do.desenvolvimento capitalista. De um lado. aexpansão e o aprimoramento do mercadodesarticulam gradativamente a economia desubsistência, na qual se encontra imersa apequena produção. De outro. o processo demodernização impõe a necessidade de a pequenaprodução também se modernizar. de forma aatingir níveis de produtividade maiscompatíveis com o padrão médio da agriculturacomo um todo. e que adquira um caráter maismercantil. no sentido da especialização relativapara o mercado.

Atribuí-se à dificuldade de seinscrever na economia de mercado, numasituação em que a prática da produção desubsistência estaria sendo crescentementeinviabilizada. a responsabilidade pelo. processode empobrecimento e ruína da pequenaprodução e. em última instância, por suadesarticulação. Os constrangimentosenfrentados pela pequena produção paraproceder à modernização de sua base técnicaseriam decorrentes de sua marginalização juntoaos instrumentos da política agrícola. maisespecificamente crédito rural e assistênciatécnica, numa situação de deficiência ouescassez de recursos próprios. Essamarginalização refletiria um direcionamentoimprimido à política agrícola no sentido doprivilegiamento das médias e grandesexplorações. entendidas como "Aquelas capazesde se modernizar com maior rapidez". (MinasGerais... , 1979, v. 1). Em outros termos, amodernização da pequena produção - umanecessidade associada ao avanço do capitalismono campo - estaria sendo inviabilizada porestrangulamentos nos mecanismos operacionaisde apoio. Sem acesso a financiamentos parasuprir suas necessidades básicas de capital esem assistência técnica para orientar asmudanças na base técnica. a transformação

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modernizadora da pequena produção, no sentidoda passagem da economia de subsistência para aeconomia de mercado, não teria condições de serrealizada. Pressionada pelo mercado a semodernizar como condição necessária à suareprodução sob o capitalismo, a pequenaprodução não disporia dos indispensáveisinstrumentos de apoio da política agrícola, dadoo caráter discriminatório de suaoperacionalização, o que estaria levando a seuempobrecimento e, no limite, à suadesarticulação. É essa situação que o programapropõe-se a alterar.

Pela ótica adotada, o avanço docapitalismo no campo representaria um fator dedesestabilização e empobrecimento da pequenaprodução ao romper SUa situação de equilíbrioenquanto produção de subsistência e impor anecessidade de sua transformação em produçãode mercado. A denominada economia desubsistência, no entanto, reflete essencialmenteo baixo grau de desenvolvimento do mercado eas conseqüentes lUndtações econôrnicasencontradas para a realização da produção. Emoutros termos, a produção de subsistênciacorresponde em geral a uma situação em que,na ausência de alternativas remuneradoras demercado para a realização da produção, aunidade produtiva tende a constituir-se em seupróprio mercado; a produção não se realiza comomercadoria, assumindo predominantementecaráter de valor de uso. Assim, o entendimentode que a dinamização da economia de mercado,que acompanha o desenvolvimento capitalista,representa um fator de constrangimento eempobrecimento da pequena produção é umequívoco. São exatamente as limitações demercado o principal fator condicionante decaráter de economia de subsistência da pequenaprodução e, por extensão, das condições sócio­econômicas precárias de sua reprodução. Aeconomia de mercado representa perspectivasconcretas de melhoria nas condições dereprodução da pequena produção, ou seja, suadiferenciação através de um processo detransformação modernizadora enquantoprodução mercantil, embora possa levar tambémao deslocamento da pequena produção, nascircunstâncias em que esta não reúne condiçõesde competitividade com a produção capitalista.Ao mesmo tempo em que cria condições para adiferenciação da pequena produção, a dinâmicada economia de mercado impõe a necessidade deque esta se modernize. Significa dizer queprodução de subsistência e produção mercantilnão são propriamente opções alternativas que se

colocam para a pequena produção. A produçãode subsistência corresponde a uma situação demercado difuso e pouco representativo emtermos económicos, mais especificamente apequenos mercados locais, A dinamização domercado corresponde o avanço da produçãomercantil em detrimento da produção desubsistência.

Esta última circunstância éreconhecida pelo programa, ao afirmar que aeconomia de mercado leva à desagregação dapequena produção, entendida como produção desubsistência. No entanto, o processo é tratadocomo tendo uma expressão absoluta. Em outrostermos, a ótica do programa não incorpora asheterogeneidades observadas tanto em nível dasunidades produtivas que . compõem adenominada pequena produção quanto em níveldo processo de desenvolvimento capitalista nocampo. Ao analisar a dinâmica da pequenaprodução e as transformações em curso naagropecuária, o programa não leva emconsideração as diferenciações internas a estesegmento agrário em termos de formasorganizacionais, evidenciadas em particular nadimensão espacial. O tratamentohomogeneizador adotado negligencia aspossibilidades e perspectivas diferenciadas que apequena produção apresenta, na realidadeconcreta, quanto à sua transformaçãomodernizadora, reflexo de condiçõesheterogêneas na dotação de recursos produtivos,práticas tecnológicas e inserção no mercado,entre outros aspectos. Esta circunstância ficaevidenciada, de forma nítida, no processo deseleção de áreas para intervenção.

2.3 A seleção de áreas paraintervenção

O MG-Il foi proposto como umprograma para recuperar a agricultura de baixarenda. Na seleção de áreas para intervençãoprocurou-se, portanto, demarcar os espaços ondeesta se concentrava. Para tanto, adotaram-seduas variáveis básicas:

a) área média dos estabelecimentosagropecuários; e

b) valor médio da produção animal evegetal por estabelecimento.

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produtores, confonne procedimentos constantesno quadro 1.

A partir desses parâmetros,proeedeu-se a uma classificação dos municípiosestaduais segundo a incidência de pequenos

QUADRO ICLASSIFICAÇÃO DOS MUNIcÍPIOS DO ESTADO DE MINAS GERAIS

COM MAIORINCIDtNCIA DE PEQUENOS PRODUTOS RURAIS

GRUPO

ABC

ÀREAMÉDIA DOESTAIlELIlCIMIlN'IU (X)

Xa < 5050 < Xb '< 100

Xc < 100

VALORMÉDIO DA PRODUÇÃOPORESTAIlELIlCIMIlN'IU (Y)

Ya < 3305,13 (1 )Yb < 3305,13

3305,13 < Yc < 6610,26

Fontes.Dados báaicos.MINAS GERAIS, SeclrotaDa de Estadodo plancjunonto e Coordena§:io GonI, MINAB GERAffi.Secreblria eleBstadoda.Agrioultura, FUNDAÇÃO JOÃO PINHHlRO. Prllllr-.m. n"ul de promoçiod. d. pequenosproduto... n1rt1l1: produtoDs debeixaRlllda deMini! Gcnis.BeloHorizDnto.l979,

zv, cm 24. V. I: DoeumcnI:o Sbil:esc. p. 76.

Elabota9ão: Fundas:Io Joio PinJu:iro (FJP), ClDltro de EIt\ldoI EconfunicoI(CEE).

(1) Valor que~. PJD9O" de 1970 I aproxilDutammto8 aaláriosminimolI ~Ic mo e oquivaliaà metade dovalormMio da prodDpioporestabtllecimeIr agropecuArio deMinasOmis.

Com base nesses critérios, forampriorizados os municípios que se enquadraramnos Grupos A e B . Ao primeiro, correspondiamos municípios com predominância de pequenasunidades produtivas de níveis muito reduzidosde renda. No segundo, incluíam-se municípiosque, apesar de apresentarem unidadesprodutivas relativamente maiores que aquelesdo grupo A, mostravam também níveis muitoreduzidos de renda. Os municípios do Grupo C,com predominância de unidades produtivassituadas "entre as áreas de agricultura de baixarenda e da grande exploração agropecuária"(Minas Gerais... , 1979, v.l), emboraidentificados, foram excluídos do processo.

A partir dessa metodologia foidefinido um conjunto de 102 municípiosestaduais como área de intervenção doprograma. Estes municípios distribuíam-sebasicamente pelas regiões Sul de Minas, Zonada Mata, Rio Doce e Vale do Jequitinhonha,além de uma pequena fração localizada noNordeste. A exceção do Sul de Minas, trata-sede espaço fora do circuito do desenvolvimento emodernização capitalista da agricultura,resultado esperado em função dos critéritos deseleção adotados, Este aspecto é central para ospropõsitoe do artigo. Interessa ressaltar que,apesar de se propor a promover a transformaçãomodernizadora da pequena produção no sentidoda produção mercantil, o programa nãoincorpora, quando da seleção de áreas paraintervenção, nenhuma consideração a respeitodo mercado. Em outros termos, o programa

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enfatiza apenas a densidade da presença dapequena produção, sem procurar avançar nosentido de perceber as perspectivas concretaspara sua diferenciação modernizadora,determinadas em particular pelo nível dedesenvolvimento das forças capitalistas deprodução e pelo mercado, com expressão.espacial diferenciada.

2.4 A concepção e a estratégia doprograma

Dada sua formulação enquantoprograma de desenvolvimento rural integrado, aestratégia de intervenção do MG-II desdobra-seem duas vertentes básicas. O eixo centralconsiste na elevação dos níveis de renda dapequena produção "através da expansão dealgumas politicas específicas (crédito rural,assistência técnica, mecanismos decomercialização, entre outros), comoinstrumentos-chaves de sua transformaçãomodernizadora. Paralelamente, estariamdisponíveis os componentes de infra-estruturasocial que, de forma integrada, combririam oespaço das necessidades setoriais básicas dapequena produção, ou seja, aspectos comodemandas de saúde, educação, entre outros"(Universidade Federal de Viçosa, 1988). A.intervenção proposta engloba, portanto, duasestratégias distintas - incrementos diretos narenda da unidade de produção, através dadinamização das atividades produtivas; eindiretos, via melhoria nas condições dos

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serviços sociais de demanda cotidiana e nainfra-estrutura básica - que convergem nosentido do incremento da renda global. Para ospropósitos desse artigo, interessa ressaltarbasicamente a primeira linha de intervenção. Aestratégia voltada ao incremento dos níveis derenda da atividade produtiva reflete a percepçãoque .o programa ~m da pequena produção,considerada genencamente como unidadeprodutiva descapitalizada, com práticasagrícolas pouco tecnificadas, de reduzidaprodutividade e baixo grau de mercantilização.O elemento central neste contexto e que secoloca, em particular, como o obstáculo básico àsua transformação modernizadora no sentido daviabilização enquanto empreendimentomercantil seria representado pela reduzidacapacidade de inversão. Assim, para promover apassagem da pequena produção de uma situaçãocaracterizada enquanto economia desubsistência para a economia de mercado oprograma centra as ações na superação dessarestrição, criando condições de acesso doprodutor ao capital, instituindo uma politica decrédito rural. Estaria sendo constituído, dessaforma, o suporte essencial para a mudança dabase técnica da produção, ou seja, adisponibilidade de recursos para investimentosem inovações tecnológicas • máquinasimplementos e insumos modernos. Acoplados aocrédito rural, acionam-se políticas subsidiáriasde apoio, como assistência técnica e extensãorural, pesquisa agropecuária e serviços de apoioà comercialização, entre outras.

A partir do crédito rural, oprograma esperava desencadear um processo detransformação modernizadora da pequenaprodução, promovendo a adoção de práticasagrícolas mais tecnificadas, que levaram aoaumento da produtividade e da produção e, porextensão, do volume comercializado: Esteprocesso deveria desembocar em incrementos derenda liquida, possibilitando uma acumulaçãode excedentes ou de capital, e a conseqüentediferenciação da pequena produção.

O programa negligencia, noentanto, 08 condicionamentos de mercado namodernização da pequena produção. Daperspectiva adotada, a realização da produçãorepresentaria um processo automáticoindependente da configuração especific~asumida pelo mercado na realidade concreta.Em outros termos, propõe-se a promover amercantilização, desconsiderando o tipo demercado com que defronta, o que vai se

constituir no principal fato explicativo doslimitados resultados obtidos.

2.5 O conteúdo operacional doprograma

Restringe-se aqui à vertente deapoio à produção e comercialização, querepresenta o eixo básico das transformaçõessetoriais pretendidas pelo programa. O sentidoda intervenção proposta é colocar à disposiçãodos pequenos produtores Os principaisinstrumentos da politica agrícola - crédito rural,assistência técnica e pesquisa agropecuária _dado o pressuposto de que esse segmentoagrário coloca-se normalmente à margem doprocesso. De forma complementar, são acionadosmecanismos como apoio à comercialização e aoassociativismo, serviços de legalização de terrase incentivo ao ref1orestmnento, entre outros.

A exclusão da pequena produçãoda cobertura da politica agrícola, em especial ocrédito rural, é entendida e tratada peloprograma como resultado direto da orientaçãopelo governo imprimida à sua operacionalização,o que se expressaria num privilegiamento dasmédias e grandes unidades produtivas. Daperspectiva adotada, a política de crédito ruralseria um mecanismo ajustado às diferentescondições organizacionais e produtivas dapequena produção, e compatível com a obtençãode resultados econômicos positivos.

A partir dessa avaliação, oprograma estruturou um projeto abrangente decrédito rural, visando proporcionar o acesso dopequeno produtor rural ao crédito formal. Aproposta consistia em "atenter a 35 milprodutores, ao longo de cinco anos, com,investimentos necessários à melhoria de seusestabelecimentos". <. Minas Gerais... , 1979, v. 1).Ao mesmo tempo, o programa propunha-se aprestar assistência técnica aOB produtoresrurais, considerada indispensável não 86 àviabilização do acesso ao crédido da elaboraçãode projetos de investimento e custeio, mas àorientação na condução do desenvolvimento dasatividades produtivas, em especial quanto àintrodução de inovações técnicas.

Complementar ao projeto decrédito rural conjugado com aseistêneia técnica,o programa previa uma série de açõesconsideradas essenciais na promoção dodesenvolvimento econômico e social da pequenaprodução. Entre essas, cabe destacar a promoção

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e fomento ao associativismo, envolvendo aconstituição de associações de produtores ecooperativas; a pesquisa e experimentaçãoagricola, como forma de identificar e proporalternativas tecnológicas adequadas àscondições da pequena produção; e o apoio àcomercialização, com a preocupação de criarmecanismo facilitadores da realização daprodução - implantação de armazéns, serviçosde informação de mercado, etc. - bem como daaquisição de ínsumos agrícolas, através daimplantação de pontos setoriais de venda. Alémdesses projetos, previa-se também aregularização da posse da terra, "de modo aproporcionar ao pequeno produtor,simultaneamente, o acesso ao crédito legal e asegurança da unidade produtiva" (MinasGerais... , 1979, v. 1); a recuperação de várzeasinundáveis, para permitir sua utilizaçãoprodutiva; e o incentivo ao reflorestamento.

Para a execução das açõesprogramadas, negociou-se financiamento juntoao Banco Internacional de Reconstrução eDesenvolvimento (BIRD), com interveniência dogoverno federal. O contrato de ernpréstimno,assinado em setembro de 1980, previa aplicaçãode recursos no valor de US$ 234,4 milhões, numprazo de cinco anos. Deste total, US$ 63,0milhões correspondiam a desembolso do banco eos restantes US$ 171,4 milhões a contrapartidanacional.

Dos recursos programados, umagrande parcela correspondia às ações de apoio àprodução e comercialização, que absorviam38,3% do total. O projeto de crédito ruraldestaca-se neste contexto, explicandoisoladamente 22,7% da programação financeiraproposta.

2.6 A implementação do programa eos resultados obtidos

Com a implementação dasdiversas ações previstas, o programa esperavareverter o quadro de pobreza rural em que seencontrava a pequena produção, atuandoprincipalmente no sentido da modernização desua base produtiva, como forma de asseguraracréscimos sustentados nos seus níveis derenda. Em termos produtivos, o programasinalizava também no sentido de impactos sobrea ocupação da mão-de-obra. A estimativa era deum aumento de 50% nos requerimentos de mão­de-obra, que implicaria basicamente na maior

intensidade da ocupação da força de trabalhofamiliar. O acréscimo previsto no número deempregos seria da ordem de 3%:

Antes de se avaliar os resultadosalcançados, é necessano analisar aimplementação do programa, já que suas açõesnão foram necessariamente executadasconforme a programação original. Estacircunstância implica alterações nos impactosesperados, que não podem ser negligenciadas.Além disso, proporciona subsídios adicionais àinterpretação dos resultados.

2.6.1 A implementação do programa

O programa teve início efetivoem julho de 1980, com término previsto parajulho de 1985. Sua implementação, contudo, nãoconseguiu cumprir o prazo originalmenteestabelecido, resultado associado sobretudo àsdificuldades iniciais encontradas em suaoperacionalização. Entre essas dificuldades,cabe destacar:

- a insuficiência na dotação de recursos dacontrapartida nacional federal eestadual colocados no programa,retardando os desembolsos previstos e oscorrespondentes reembolsos externos2 ;

a conformação da área de intervenção,composta por municípios espacialmentedispersos, com reflexos negativos sobre oacionamento das ações previstas;

"a matriz institucional inadequada,integrada por 6rgãos executores comsuperposiçiio e conflitos de atiuidades, afalta de recursos humanos e materiaisalidada à inexperiência de trabalho emcomunidades rurais de pequenosprodutores". (Universidade Federal deViçosa, 1988).

As dificuldades operacionaisrefletiam-se díretamente na execução das metasprevistas, comprometendo o desempenho doprograma. Assim, antes de se completar oterceiro ano de implementação, o governoestadual já constatava a necessidade deproceder a uma reprogramação global das ações,em face do avanço restrito observado em termos

2 A eíetemétíee de liberação de recursos do financiamento externoocorria sob a fonna de reembolso, Dos reeursoe aplicados noprograma, 1J3 era reembolsado pelo BIRD. após a prestação decontas.

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da programação financeira. Dos recursosoriginalmente previstos, apenas 12% haviamsido até então efetivamente aplicados, quando aprevisão do cronograma de desembolso era de sealcançar um patamar da ordem de 69% do total.Em outros termos, somente 18% dos recursosprogramados para o período tinham sidoutilizados.

Além dos problemasoperacionais, o desempenho insatisfatório doprograma associava-se também a outros tipos deconstrangimentos. Para os propósitos desteartigo, interessa ressaltar especificamente asdificuldades observadas quanto àoperacionalização do crédito rural, cujademanda vinha-se situando num nível muitoinferior às previsões. Este resultado é umindicador da interpretação equivocada doprograma no sentido de que a transfonnaçãomodernizadora da pequena produção emprodução mercantil requeria essencialmentedisponibilidade de crédito rural. Argumenta-seque a diferenciação modernizadora da pequenaprodução não se restringe a superar oconstrangimento representado pela insuficiênciade recursos próprios para realizar investimentosna dinamização da atividade produtiva, que seráretomado e desenvolvido com maiorprofundidade na seção 3.

o resultado insatisfatório daimplementação do crédito rural significatambém a relativa desestruturação da estratégiade promoção e apoio do desenvolvimento daatividade produtiva. As diversas ações

programadas nesta vertente de intervençãoeram, em intensidade variada, subsidiárias aocrédito rural - elemento central na diferenciaçãomodernizadora da pequena produção. Nestascircunstâncias, a limitação na operacionalizaçãodo crédito rural impõe um esvaziamento dosignificado e importância das ações a elediretamente correlacionadas.

Diante desse quadro, o governoestadual promoveu uma reprodução geral doMG-I1, renegociando o contrato definanciamento com o BIRD. Entre as principaismodificações introduzidas, foi definido novoperíodo de execução, estendendo o ténnino doprograma para dezembro de 1987. Com areprogramação, as metas originais foramrevistas e redefinidas, tendo por principalreferência os resultados até então alcançados. Aprogramação financeira global foi reduzidacaindo para US$ 107,3 milhões, enquanto ~

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finaciamento externo passava para US$ 35,6milhões.

'~ partir da reprogramação (...),o programa obteve resultados maissignificativos" (Universidade Federal de Viçosa,1988), expressos no maior ajustamento entreprevisão e execução das diversas ações. Emdezembro de 1987 ocorreu seu encerramentooficial, embora algumas atividadesremanescentes ainda pennanecessem emexecução ao longo de 1988.

2.6.2 Os principais resultados setoriaisalcançados

Antes de se tratarespecificamente da avaliação dos impactos doprograma quanto à transformação da pequenaprodução, procede-se a uma descrição geral dosprincipais resultados alcançados nas ações deapoio à produção. Este procedimento permiteobservar o grau de implantação das metas eatividades previstas, referência básica para aavaliação preferida.

o principal instrumentoproposto nessa vertente de intervenção - acriação de linhas especiais de crédito parainvestimentos, custeio e comercialização - é oque revela o desempenho mais insatisfatório."Após dois anos e meio de implantação doprograma, apenas cerca de 5% dosinvestimentos (...) e cerca de 20% dos créditos decusteio" (Universidade Federal de Viçosa, 1988)previstos tinham sido realizados. Com areprogramação, as metas foram reduzidas, alémde se redimensionar o volume de recursosdisponíveis para cada tipo de empréstimo.

Apesar das modificaçõesintroduzidas, a demanda por crédito rural pelapequena produção manteve-se em nível muitoinferior ao previsto ao longo de todo o período deexecução do programa. De acordo com avaliaçãoda Universidade Federal de Viçosa (1988), "osdados coletados e as observações registradascomprovam que a quase totalidade dos pequenosprodutores não participa, nunca participou enão tenciona particpar do crédito rural. Hádesconhecimento e desinteresse. Mesmo aquelesque usavam ou usam recursos financeiros dosbancos mostram-se insatisfeitos, com rarasexceções. Assim, ao término do programa,quando se projetava atender a 30 mil pequenos

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produtores rurais, chegou-se a apenas 734mutuários, ou 2,4% do total."

Esse resultado permiteargumentar que o nível reduzido de utilizaçãode crédito rural pela pequena produção nãodecorre apenas de estrangulamentos do lado daoferta. Em outros termos, a discríminação naimplementação do crédito rural, cuja orientaçãoestaria voltado ao provilegiamento das médias egrandes unidades produtivas, não é aresponsável exclusiva pelo uso marginal desteinstrumento de política agrícola em nível dapequena produção. Há evidentesconstrangimentos ou límitações do lado dademanda, evidenciados numa situação dedisponibilidade efetiva de recursos.

Apesar de condição necessana,argumenta-se que a disponibilidade de créditonão é suficiente para induzir sua adoção pelapequena produção. Isto não significa que apequena produção seja refratária ao crédito. Noentanto, o uso dos recursos do crédito ruralatende a uma racionalidade econômica, maisespecificamente, à perspectiva de se obterretorno econômico no desenvolviInento daatividade produtiva. O Crédito rural tende a serefetivamente utilizado apenas nascircunstâncias em que a atividade produtivaassume caráter mercantil compatível com ageração de renda monetária suficiente para pelomenos garantir a cobertura dos custos dofinanciamento. Para tanto, não basta aumentaro nível de produção e, por extensão, doexcedente comercializável, conformepressuposto do programa. É necessanoassegurar alternativas de mercado para arealização da produção que permitam atransformação da pequena produção ematividade mercantil, proporcionando,conseqüentemente, retorno econômico aosinvestimentos realizados.

Embora o programa mostrasseuma preocupação com o apoio à comercialização,os mecanismos acionados revelam-seinsuficientes para modificar, de formarepresentativa, as circunstâncias globais demercado em que a pequena produção seinscreva. A partir de um diagnóstico queconstatava uma comercialização bastantedeficiente na área selecionada, "onde, emsíntese, predominava uma política de mercado,isto é, uma relação produtor I mercado definidano imediatismo das necessidades dosvendedores de excedentes (...) impedindo-os de

negociar melhores margens de comercialização"(Universidade Federal de Viçosa, 1988), definiu­se uma série de ações que combinavaminvestimentos em infla-estrutura, maisespecificamente construção de arniazéns epostos de venda de insumos, com prestação deserviços, como a difusão de informações demercado.

A análise dos resultadossetoriais mostrou o cumprimento da maior partedas metas estabelecidas, ou seja, "uma série deobras de infra-estrutura e atividades dedinamismo do sistema de comercialização naárea foram realizadas". No entanto, a conclusãobásica que se impõe é que "não se instroduziramalternativas de comercialização concretas quecontribuem para a promoção dos beneficiáriosdo programa. " (Universidade Federal de Viçosa,1988). Cabe observar, neste sentido, que osinstrumentos foram propostos enquantofacilitadores da comercialização, e nãoespecificamente como gestores de novascondições de mercado. Significa dizer que asações implantadas revelavam-se, a partir de suaprópria concepção, incompatíveis comtransformações efetivas do mercado no sentidode criar condições concretas para a realização daprodução "que garantissem uma remuneraçãoadequada para os produtores e fossem, dessaforma, o suporte necessário para amodernização" (Universidade Federal de Viçosa, .1988) da pequena produção.

Quanto às demais ações de apoioà produção - assistência técnica e extensãorural, associativismo e pesquisa,experimentação agropeeuária etc. , de modogeral, as principais metas setoriais foramalcançadas e, em determinadas situações,ultrapassadas. Trata-se, contudo, de açõespropostas como mecanismo complementar esubsidiário ao crédito e à comercialização.Nestas circunstâcias, seus impactos em termosde transformação modernizadora da pequenaprodução não podem ser dissociados dosresultados globais decorrentes da política deapoio à produção e à comercialização em seuconjunto, o que significa dizer que ficavamcomprometidas. .

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3 AS TRANSFORMAÇÕESMODERNIZADORAS DAPEQUENA PRODUÇÃO: OFRACASSO DO MG·D

o programa foi concebido comouma intervenção voltada à reversão dasprecárias condições sócio-econômicas dereprodução da pequena produção. Propunha-sea elevar a renda global da unidade produtivafamiliar através de incrementos na produção eprodutividade agrícola, passando porcorrespondentes aumentos nos níveis decapitalização e de ocupação da força detrabalho.

Um dos pressupostos básicos doprograma era que "alterações na renda familiarrefletem melhorias generalizadas nas condiçõespara produzir e na qualidade de vida dospequenos produtores. Dessa maneira, ocomportamento da renda das unidades deprodução torna-se um indicador" ( UniversidadeFederal de Viçosa, 1988) global dos resultadosde suas ações. Na determinação da renda brutada unidade familiar para efeitos de avaliação doprograma, feita pela UFV, foram consideradosquatro componentes principais: as rendas brutasda exploração agrícola e florestal, da exploraçãopecuária, de outras explorações e do trabalhofora da unidade de produção.

As principais conclusões obtidasindicam que tanto a renda bruta quanto a rendalíquida "apresentam variações não uniformes acada ano de atuação do programa. Houveacréscimos nos anos agrícolas 1982185 até1985/86, e uma queda de valor no último anoagrícola (1986/87)" (Universidade Federal deViçosa, 1988). Essas variações foram poucoexpressivas, embora signifiquem um aumentoda renda líquida nominal per capita em todas asáreas de atuação. Em outros termos, o progrmnanão conseguiu induzir acréscimosrepresentativos e sustentados na renda globalda unidade de produção, resultado que traduz ofracasso de sua estratégia de dinamização emodernização da atividade produtiva - objetocentral de sua proposição. A observação dosresultados em nível dos principais componentesna geração ou formação da renda global reforçaessa avaliação geral.

Registra-se iniciaImente que ocomportamento irregular ocorre também emnível dos diversos componentes da renda. Emtermos médios, a renda bruta da exploração

agrícola e florestal "cresce nos últimos anos deatuação do programa, até 1985186, e apresentaqueda no último ano agrícola analisado". Emalgumas áreas, "é menor no último anocomparado ao primeiro, apesar das variaçõesexistentes entre eles". Já "as rendas bruta elíquida da exploração pecuária decrescem (...)com o passar dos anos" (Universidade Federalde Viçosa, 1988). Significa dizer que não houvenenhuma indicação de incrementos na rendaglobal da unidade de produção' em função dodesenvolvimento das atividades produtivas,como decorrência da implantação do programa.As alterações setoriais ocorridas foram muitopouco representativas, além de nãoconformarem uma trajetória ascendente. Aocontrário, para grande parte das unidades deprodução, o nível da renda das atividadesprodutivas decresceu entre o início e o términodo programa.

Se a renda da exploração dasatividades produtivas mostrou desempenhoinsatisfat6rio, cresceu a importância doassalariamento como forma alternativa ecomplementar de renda. "Principalmente paraas categorias de produtores rurais até 50 ha énítida a tendência de acréscimo dessa renda nosúltimos anos de atuação do programa. "(Universidade Federal de Viçosa, 1988).Registra-se, ainda, que na maior partes dasáreas aumentou a importância da rendadecorrente de outras explorações na formaçãoda renda familiar. Em síntese, na ausência detransformações modernizadoras na exploraçãodas atividades agropecuárias, reforça-se aimportância de mecanismos como oassalariamento e a exploração de outrasatividades na geração da renda familiar. Oprograma não conseguiu, portanto, cumprir oobjetivo proposto de reverter as precáriascondições s6cio-econômicas de reprodução dapequena produção através da dinamização desua base produtiva, ou seja, sua diferenciaçãomodernizadora no sentido da produçãomercantil.

A limitação das transformaçõesdeterminadas pelo programa é reafirmadatambém pela observação da evolução dos níveisde capitalização e da ocupação da força detrabalho. A análise da disponibilidade decapital, entendida como o conjunto debenfeitorias, máquinas, motores, equiparn.entose animais de trabalho e produção levou àconclusão de que "não houve aumento do nívelde capitalização dos pequenos produtores, em

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termos gerais". (Universidade Federal de Viçosa,1988). Ao mesmo tempo, "as ações (...) no sentidode melhor alocar a força de trabalho (...) nãoalcançavam resultados significativos (...). Aocorrência de mão-de-obra subocupada e mesmoociosa é fenomeno comum na entressafra,ocasião em que os fluxos migratóriosintensificam-se como forma de garantir umarenda pelo assalariamento itinerante ou mesmofixo nos centros urbanos maiores".(Universidade Federal de Viçosa, 1988). Assim,além de não proporcionar acréscimossignificativos na renda global da unidade deprodução, o programa não introduziu melhoriasna disponibilidade de capital e na ocupação daforça de trabalho familiar. Em outros termos,não houve impactos sobre a base técnica daprodução e o nível de desenvolvimento daatividade produtiva.

Por último, não bouve tambémmodificações significativas em termos daestrutura da produção e da mercantilização daatividade produtiva. Conforme constatado pelaUniversidade Federal de Viçosa (1988),permaneceu evidente o caráter de subsistênciada produção das pequenas propriedades rurais,principalmente quando se analisam "os produtosarroz, milho e feijão. Para esses, a relação deautoconsumo com a produção correspondenteaumenta com o passar dos anos".

4 A MODERNIZAÇÃO DAPEQUENA PRODUÇÃO E ASLIMITAÇÕES DA INTERVENÇÃOPÚBLICA

Ao procurar reverter o quadro deprecariedade sócio-ecanômica em que se dá areprodução de um expressivo contingente dapequena produção no estado, o MG-II partiu deuma premissa equivocada, atribuindo aresponsabilidade do processo ao avanço daeconomia de mercado, subjacente aodesenvolvimento capitalista no campo. Sob aótica adotada, a dinâmica capitalista estarialevando ao rompimento do equilíbrio desubsistência inerente à pequena produção einduzindo sua inserção no mercado numacircunstância em que esta não disporia dosnecessários recursos pcrdutivos, em especial decapital.

As caracteríticas básicas dodesenvolvimento da agricultura estadual entre1970 e 1985 - período em que se inscreve a

proposição do MG-II - são evidências dos desviosde interpretação do programa. A pequenaprodução é o segmento agrário que apresentamaior aumento absoluto e relativo nesteperíodo, marcado também pelo comportamentoou desempenho heterogêneo entre as diversasunidades produtivas. Significa dizer que, aocontrário de um processo de empobrecimento edesarticulação da pequena produção, verifica-sesua expansão envolvendo formas e condições dereprodução.

o processo de modernização dizrespeito à agricultura como um todo. Alémdisso, a modernização da pequena produção e ado conjunto da agricultura tendem a serespacialmente convergentes. Em outros termos,para as diversas categorias de produtoresrurais, a modemização agrícola apareceassociada ao avanço e aprim.oramento domercado, responsável em última instância pelasalternativas concretas de retomo ourentabilidade eccnonnca para a exploraçãoprodutiva - tendo como condicionantes osrecursos produtivos que mobiliza, não só emtermos quantitativos nas qualitativos,circunstância que inclui a aptidão agrícola dosolo.

Propostas como intervençãosocial, as ações de apoio e promoção àsatividades do MG-II fundamentaram-se no usodos instrumentos existentes de política agrícola,em especial o crédito rural, sem procurardiscutir sua adequação às condições especificasda pequena produção. No caso do crédito rural,apesar do subsídio que vigora na implementaçãoda política oficial, sua utilização pressupunhaum caráter mercantil no desenvolvimento daatividade produtiva, indispensável à coberturados custos do financiamento. Argumenta-se queo reduzido grau de mercantilização que apequena produção apresenta não decorre apenasde deficiências no desenvolvimento da atividadeprodutiva, ou seja, sua baixa produtividade eprodução, mas reflete sobretudoestrangulamentos de mercado. A configuraçãodo mercado com que a pequena produção sedefronta, normalmente pequenos mercadoslocais, não proporciona, em geral, as necessáriascondições para a especialização produtiva,dificultando dessa forma sua viabilizaçãoeconômica enquanto produção mercantil.

A modernização e a dinamizaçãoda pequena produção não são propriamente umaquestão de expansão da produção, com a geração

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de maiores excedentes para comercialização.Significa, de fato, a introdução de alternativasde produção que assegurem retorno econêmicoe, por extensão, permitam a especializaçãomercantil. Ao procurar estender a política decrédito rural à pequena produção como umbeneficio em si mesmo, o programa não levouesse aspecto em consideração, circunstânciaevidenciada no processo de seleção de áreaspara intervencão. Os critérios utilizadospriorizaram os espaços de concentração dosdenominados agricultores de baixa renda, querepresentam o segmento da pequena produçãoem condições econômicas menos favoráveis deinserção no mercado, já que se defrontambasicamente com pequenos mercados locais.Assim, pode-se argumentar que a proposta doprograma incorpora, em BUa formulação, umacontradição básica: promover enquantoatividade mercantil exatamente a parcela dapequena produção de menor potencial ouperspectiva de se realizar enquanto tal. É estacontradição básica o principal fator naexplicação dos escassos resultados obtidos.

Registra-se que o MG-Ilapresentava uma preocupação relativa àquestão da comercialização da produção. Aperspectiva adotada no acionamento das açõessetoriais, contudo, orientava-se essencialmenteno sentido de criar mecanismos facilitadores doprocesso de venda do excedente produzido, semalterar, de forma objetiva, as condiçõesconcretas de mercado com que a pequenaprodução se defrontava. Embora importantes, osmecanismos instituídos não proporcionaramalternativas mercantis viáveis à pequenaprodução, nem tinbam propriamente esteobjetivo. Em decorrência, o programa propiciaapenas uma das condições básicas necessáriasao processo de modernização da pequenaprodução: a disponibilidade de crédito parafinanciar investimentos na expansão e namudança da base técnica da atividadeprodutiva. O outro fator essencial, representadopor alternativas de exploração produtiva queremuneram o produtor rural, não foi viabilizado.As condições de mercado permanecerampraticamente as mesmas existentes antes daproposição do programa.

Das considerações anteriores nãose depreende, evidentemente, que a política decrédito rural seja incompatível ou inadequada àpequena produção. Ao contrário, reconhece-se aimportância que o financiamento do processoprodutivo bem como os demais mecanismos

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institucionais de apoio - assistência técnica,pesquisa agropecuária, entre outros - têm naviabilização da modernização e conseqüentediferenciação da pequena produção. Argumenta­se, no entanto, que, embora necessário, o créditorural é insuficiente para induzir atransformação da atividade produtivà emexploração mercantil. O processo requertambém a existência de condições objetivas demercado - instância que não pode ser tratada deforma unifonne, mas em termos daheterogeneidade econômica de suasmanifestações na realidade concreta - além decondições naturais compatívies com a exploraçãoagrícola.

A atuação governamental nomercado agrícola tem um escopo relativamentelimitado. As ações estão voltadas basicamente àregulação do comportamento dos preços dosprincipais produtos, tendo por instrumentocentral a política de garantia de preços mínimos.Sem pretender avançar uma discussão arespeito, quer-se ressaltar essencialmente queseus impactos ou efeitos sobre às condições decomercialização da pequena produção tendem aser restringidos, refletindo a complexidade dosmecanismos acionados, associada à exigência deescala e padronização da produçãocomercializada e à existência de infra-estruturaoperacional, em termos de armazéns e agentesde comercialização. Assim, na ausência demedidas efetivas para criar alternativasconcretas de exploração produtiva, osmecanismos de apoio à produção, em especial ocrédito rural, mostram-se ineficazes, já queinsuficientes, para dinamizar a pequenaprodução e incrementar seus níveis de renda.

5CONCLUSÁO

A modernização da pequenaprodução no sentido de sua transformação ematividade mercantil supõe condiçõesremuneradoras de mercado, nem semprepresentes na realidade agrária ou passíveis deserem criadas pela Instância pública. Aheterogeneidade das condições do mercado, emparticular sua limitada expressão econômica emdetenninadas áreas, impõe a necessidade de sepensar estratégias alternativas de políticas paraa pequena produção. O pr6prio MG-Il, aindaque de forma parcial, já sinalizava neste sentidoao propor investimentos em infra-estruturasocial e econ8mica simultanemnente aoacionamento de ações de apoio à produção.

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A realização de investimentos naárea social • saúde, saneamento e educação,entre outros - tem evidentes impactos positivossobre as condições de vida e, indiretamente,sobre a renda da população rural. Resultadosimilar ocorre com investimento em mfra­estrutura eeonêmica, como estradas eeletrificação rural. Nas áreas em que ascondições objetivas existentes não favorecem adinamização e o crescimento da renda derivadada atividade produtiva as ações de politica socialaparecem como uma opção alternativa depolitica para a pequena produção, conformeevidenciado pela própria avaliação dosresultados do MG-Il. Em outros termos,mecanismos indiretos de renda constituem umavia importante para interagir com o quadro depobreza em que se encontra um expressivosegmento da pequena produção.

É evidente que essa orientaçãonão implica desconsiderar a importãncia depoliticas agrícolas de apoio à pequena produçãoregional. O acionamento de ações comoassistência técnica e pesquisa agropeeuãriamantém-se indiepensável, até porque representaa única forma de a pequena produção ter acessoàs mesmas. O que se quer ressaltar é que aheterogeneidade da pequena produção em suasmanifestações concretas, refletindocircunstâncias diferenciadas dodesenvolvimento agrícola em seus aspectosnaturais, sociais e econõmicos, inviabiliza aproposição de politicas uniformes para o setor.Como corolário, qualquer projeto ou açãosetorial requer um conhecimento dascaracteristicas especificas da pequena produçãoem questão, determinante em última instânciada capacidade de resposta aos investimentos emecanismos acionados. Este conhecimentoremete a estudos de zoneamento agrceconômico- condições naturais e de mercado - , enquantoinstrumento capaz de fornecer indicadores sobreos principais potenciais e constrangimentos àatividade produtiva e, por extensão, subsídios àdefinição de cortes específicos nas politicassetoriais.

Nas áreas em que, pelacombinação de condições naturais e econ8micas,não se recomenda a exploração de atividadesagrícolas mercantis - consideradas como área deagricultura de subsistência· deve ser priorizadaa politica social combinada com investimentosem ínfra-estrutura básica, enquantomecanismos para assegurar, de forma indireta,incrementos na renda global da pequena

produção. Nestas áreas, a politica agrícola paraa pequena produção deve incorporar recortesespecificos, acionando instrumentos voltados àmodernização da base técnica - como pesquisaagropeeuária e assistência técnica, entre outros- que prescindam da exigência de especializaçãomercantil na exploração das atividadesprodutivas. De forma alternativa, a políticaagrícola clássica, apoiada no crédito rural deveser priorizada nas áreas em que as condiçõesnaturais e econ8micas impõem um carátermercantil à exploração da atividade agrícola.

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