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Francisco Carlos da Silveira Cavalcanti A POLÍTICA AMBIENTAL NA AMAZÔNIA: UM ESTUDO SOBRE AS RESERVAS EXTRATIVISTAS Tese apresentada ao Instituto de Economia da universidade Estadual de Campinas como requisito parcial para a obtenção do título de doutor em Economia, sob orientação do Prof. Dr. Bastiaan Philip Reydon Campinas IE/Unicamp-2002

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Francisco Carlos da Silveira Cavalcanti

A POLÍTICA AMBIENTAL NA AMAZÔNIA: UM ESTUDO SOBRE AS RESERVAS

EXTRATIVISTAS

Tese apresentada ao Instituto de Economia da universidade Estadual de Campinas como requisito parcial para a obtenção do título de doutor em Economia, sob orientação do Prof. Dr. Bastiaan Philip Reydon

Campinas IE/Unicamp-2002

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Para: Meus Pais, Tristão e Nires; Meus filhos Joana e Paulo José; Meus irmãos Neide, Dedé, Margarida,Tantão e Márcio ; E por fim, mas não menos importante, aos seringueiros do Acre.

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AGRADECIMENTOS

Ao longo da elaboração deste trabalho tive oportunidade de receber apoio e

ajudas das mais diferentes formas, todas elas imprescindíveis para que o projeto

chegasse a bom termo. Ao nomeá-los neste espaço, gostaria de expressar e

demonstrar meu reconhecimento e gratidão a todos que de certa forma trilharam

comigo esta trajetória:

À Universidade Federal do Acre na pessoa do Reitor Jonas Filho agradeço o

imprescindível apoio institucional;

Ao Prof. Dr. Bastiaan Philip Reydon que me orientou na elaboração deste

trabalho agradeço pela solidez de seus conhecimentos na área ambiental, o que

resultou em sugestões e argumentos consistentes, além de sua imensa paciência

o que tornou o nosso trabalho numa tarefa agradável e gerou um clima de

camaradagem essencial no oficio acadêmico;

Aos professores Ademar Romeiro, Peter May, Guy Henry e José Maria da

Silveira, que fizeram parte da banca examinadora meus agradecimentos pelas

crítica e sugestões;

Ao Prof. Dr. Otaviano Canuto, inicialmente pela confiança e amizade

demonstrada ao longo de mais de uma dezena de anos, além das sugestões

apresentadas;

Ao Prof. Dr. Ademar Romeiro, Prof. Dr. José Maria da Silveira e Prof. Dr.

Pedro Ramos pelas críticas e sugestões apresentadas por ocasião da elaboração

do trabalho;

À profª Dulcélia Mota Lopes pela revisão criteriosa dos originais;

À Profª. Dra. Eugenia Leone por me possibilitar acesso ao seu curso de

métodos quantitativos, oportunidade em que atualizei meus conhecimentos na

área de estatística;

O colega acreano e mestrando da área ambiental, Raimundo Cláudio Maciel,

além da “assessoria” na área de informática, me prestou um inestimável apoio no

trato das questões relativas aos dados da pesquisa ASPF;

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Na secretaria da pós –graduação do IE contei sempre com a boa vontade de

Alberto e Cida, aos quais agradeço o apoio;

Aos colegas do Departamento de Economia da Ufac que solidariamente

apoiaram minha proposta de trabalho deixo aqui expresso o meu reconhecimento;

Ao pessoal que trabalha no projeto ASPF, no Acre, Gisele Batista, Edjane

Batista e Claudia Saldanha pela ajuda e outros apoios prestados ao trabalho.

Ao casal Cassiano e Socorro Camelo, cuja amizade sempre esteve presente;

Ao prof. Aldenor Fernandes de Souza amigo que ocupa a honrosa função de

superintendente do INCRA, e a todos de sua equipe como José Maria Esteves,

Schubart, Takarrachi, Cristina Benvinda, Manoel, Vicente, os meus

agradecimentos;

Ao Prof. Orlando Sabino, Tricolor, colega do departamento e diretor do

Sebrae pelo apoio prestado;

À Profa. Dra. Silvia Martins de Souza, historiadora, pelo diálogo constante e

proveitoso resultado de seu rigor analítico e seu crescente interesse pelas

questões ambientais;

No Conselho Nacional dos Seringueiros contei com a boa vontade de todos.

O presidente Juarez Leitão dos Santos, o secretário José Maria (o bóca), Luiz

Vasconcelos, Rebouças e as secretarias Erondina e Leda. Todos além de prestar

informações me possibilitaram acesso a documentos valiosos;

Meu tio e amigo Elson Martins cuja amizade e apoio estiveram sempre

presentes desde os meus primeiros trabalhos;

À minha prima Vársia, pelo carinho e o esforço para que eu tivesse acesso a

documentos importantes;

O secretário de Estado Carlos Vicente teve a bondade de gastar parte de seu

valioso tempo para fazer uma exposição sobre a política do Governo Estadual

para o setor extrativista, para mim e outros pesquisadores;

O Prof. José Fernandes do Rego, secretário de Estado da Produção que

apesar de seus afazeres, me permitiu acesso a informações valiosas;

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À mestranda Ormifran Cavalcante sou grato pelas informações, documentos

valiosos e entrevistas que ela efetuou no âmbito de sua pesquisa e

generosamente me possibilitou acesso;

O pessoal do IBAMA/CNPT do Acre foi solidário e prestativo. Meus

agradecimentos ao Josemar e sua valorosa equipe que tanto se esforçam pelo

êxito das reservas;

No IMAC contei com a ajuda da amiga de longas datas Célia Pedrina, do

amigo Ramadam, e da coordenadora do ZEE/AC Janete;

O pessoal da Caex, Capeb e Compaeb foram muito gentis e pacientes ao

explicar o funcionamento das instituições e as relações com a produção

extrativista das reservas;

A Tininha, cuja companhia, solidariedade e generosidade à flor da pele,

foram fundamentais nesta trajetória;

Os colegas Juliano Gonçalves, Karina, Hugo Silimbani, Alex Goulart,

Alexandre Gori, Hector Escobar e Estela, pela rica convivência e a certeza que

existe uma juventude capaz e, sobretudo, muito determinada para cuidar dos

assuntos ambientais;

Á Joana e Paulo José, meus filhos, pela rica convivência e as alegrias vividas

em conjunto;

Meus irmãos Tantão, Marcio e Dedé constituíram uma retaguarda de apoio

imprescindível para providenciar informações necessárias e urgentes para o

trabalho;

Os companheiros Odair Garcia e Maria; a amiga Silvia Possas, os baianos

Hamilton, Luiz e Guerra; os amigos Otaviano e Rogério Gomes criaram um

ambiente de muita camaradagem, alegria e, sobretudo, bom humor;

Por fim, agradeço aos colegas de turma, Teódulo Vasconcelos, Alberto

Arcangeli e Miranda, pela rica convivência e os ensinamentos que me passaram

ao longo do curso. Esta é uma das lembranças mais bonita que trago guardado.

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“A impressão dominante que tive, e talvez correspondente a uma verdade positiva, é esta: o homem ali, é ainda um intruso impertinente. Chegou sem ser esperado nem querido - quando a natureza ainda estava arrumando o seu mais vasto e luxuoso salão. E encontrou uma opulenta desordem... Os mesmos rios ainda não se firmaram nos leitos; parecem tatear uma situação de equilíbrio derivando, divagantes, em meandros instáveis, contorcidos em sacados, cujos istmos a revezes se rompem e se soldam numa desesperadora formação de ilhas e de lagos de seis meses, e até criando formas topográficas novas em que estes dois aspectos se confundem; ou expandindo-se em furos que se anastomosam, reticulados e de todo incaracterísticos, sem que se saiba se tudo aquilo é bem uma bacia fluvial ou um mar profusamente retalhado de estreitos”.

Euclides da Cunha, no livro À Margem da História, ed. Martins Fontes, 1999.

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RELAÇÃO DE SIGLAS

ASPF – Pesquisa Análise Econômica dos Sistemas Básicos de Produção Familiar Rural no Vale do Acre.

BANACRE – Banco do Estado do Acre

BASA – Banco da Amazônia S/A

BCA – Banco de Crédito da Amazônia

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

CAEX – Cooperativa Agroextrativista de Xapuri

CAGEACRE – Companhia de Armazenamento Geral e Entrepostos do Acre

CAPEB – Central de Associações de Pequenos Produtores Rurais de Epitaciolândia e Brasiléia

CEDEPLAR – Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais

CEPA/ACRE – Comissão Estadual de Planejamento Agrícola do Acre

CMMAD – Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Comissão Brundtland)

CNPT- Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações tradicionais

CNS – Conselho Nacional dos Seringueiros

COLONACRE – Companhia de Desenvolvimento Agrário e Colonização do Acre

COMPAEB – Cooperativa Mista de Produção Agropecuária e Extrativista dos Municípios de Epitaciolândia e Brasiléia LTDA

CPATU – Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Úmido

CPT – Comissão Pastoral da Terra

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EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural

FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação

FIBGE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

FNO – Fundo Constitucional do Norte

FUNAI – Fundação Nacional do Índio

FUNTAC – Fundação de Tecnologia do Acre

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IMAC – Instituto do Meio Ambiente do Acre

IMAZON – Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INPA – Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia

INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

IPAM – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia

ITTO – Organização Internacional de Madeira Tropical

MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

NASA – National Aeronautics and Space Administration

ONG – Organização Não-Governamental

OXFAM – Agência Católica para o Desenvolvimento

PAD – Projeto de Assentamento Dirigido

PAE – Projeto Agroextrativista

PESACRE – Grupo de Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais do Acre

PIC – Projeto Integrado de Colonização

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PIN – Programa de Integração Nacional

PMACI – Projeto de Proteção do Meio Ambiente e das Comunidades Indígenas

PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária

PNUD – Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento

PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

PPG-7 – Programa Piloto Para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil

POLAMAZÕNIA – Programa de Pólos Agro-industriais e Minerais da Amazônia

POLONOROESTE – Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil

PROBOR – Programa de Incentivo à Produção de Borracha Vegetal

PRODFAO – Programa de Desenvolvimento da Fronteira da Amazônia Ocidental

PROTERRA – Programa de Redistribuição de Terra

RECA – Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado

RDC - Rubber Development Corporation – Companhia de Desenvolvimento da Borracha

SAF – Sistema Agroflorestal

SEBRAE – Serviço de Apoio às Micros e Pequenas Empresas

SEPRO – Secretaria de Produção

SPVEA – Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia

SUDAM – Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia

SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

SUDHEVEA – Superintendência da Borracha

SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de Manaus

U C – Unidade de Conservação

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UFAC – Universidade Federal do Acre

UINC – União Internacional para a Conservação da Natureza

U P F – Unidade de Produção Familiar.

ZEE/AC – Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre

WWF – World Wide Fund

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Definição Econômica de Poluição Ótima 11

Figura 2 – Evolução da População Rural e Urbana – Acre (1960-1991)

89

Figura 3 - Percentual de desflorestamento por regional do Acre - 1996

103

Figura 4 - Percentual de área desflorestada por ano - ACRE-1978/1998

103

Figura 5 - Taxa anual média de desflorestamento - Acre - 1978/1998

104

Figura 6 - Mapa de um seringal Nativo 120

Figura 7 – Mapa da RESEX Chico Mendes 134

Figura 8 - Evolução da população da RESEX Chico Mendes - 1994/1998

135

Figura 9 - Imagem da área desmatada ao redor da RESEX Chico Mendes - 1996

137

Figura 10 - Evolução da produção de Borracha - Acre - 1977/2000

148

Figura 11 - Composição do Custo Total de Produção entre Custos Fixos (CF) e Variáveis (CV) - RESEX Chico Mendes - 1996/1997

162

Figura 12 - Indicadores de desempenho econômico da RESEX Chico Mendes - 1996/1997

163

Figura 13 - Renda Bruta (RB): Máxima, Mínima e Média - RESEX Chico Mendes - 1996/1997

165

Figura 14 – Comparação do impacto do subsídio estadual na Renda Bruta e Líquida da RESEX Chico Mendes – 1996/1997

168

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Exportação de Borracha amazônica e preços internacionais (£) - Período: 1821 - 1947 ................................................................................................................... 66

Tabela 2 - Estado de São Paulo e Amazônia: exportações de café e de borracha. 1871/1920 ..................................................................................................................... 67

Tabela 3 - Exportação de produtos Coletados – 1881-1883 ............................................ 70

Tabela 4 – Índice de Gini– Acre/Brasil – 1970-1995/96 .................................................. 95

Tabela 5 – Distribuição percentual do número de estabelecimentos agropecuários e da sua área total – Acre – 1970-1995/96 ......................................................................... 96

Tabela 6 - Destinação das Terras do Acre - 2000 ............................................................. 98

Tabela 7– Estrutura fundiária por estratos, nº de imóveis e área das propriedades – Estado do Acre-1999 ................................................................................................... 99

Tabela 8 - Projetos De Assentamentos Agroextrativista: Localização, Área e População – Acre/2000 ............................................................................................. 101

Tabela 9 - Reservas Extrativistas do Acre: área, população e decreto de criação -1999 .................................................................................................................................... 102

Tabela 10 - Índice de desmatamento: diversas unidades - 1999 ................................... 103

Tabela 11 - Dados Gerais da RESEX Chico Mendes -1991/1998 ................................. 136

Tabela 12 - Estimativa da Renda por Familia Média Bruta Anual dos Seringueiros da Reserva Chico Mendes – 1991 ................................................................................. 139

Tabela 13 – Evolução percentual da participação das atividades produtivas na renda bruta total da RESEX “Chico Mendes” – 1991-1997 - Acre ................................ 140

Tabela 14 - Quant. (%) de UPF's por produto explorado na RESEX Chico Mendes - 1996/1997 ................................................................................................................... 141

Tabela 15 - Participação na Renda Bruta por produto na RESEX Chico Mendes- 1996/1997 ................................................................................................................... 142

Tabela 16 - Produção, Renda Média e Máxima dos Principais Produtos da RESEX Chico Mendes – 1996/1997 ....................................................................................... 143

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Tabela 17 - Renda Total e por Atividade RESEX Chico Mendes - 1996/1997 ............ 145

Tabela 18 - Evolução da produção de Borracha e Castanha na RESEX Chico Mendes - 1995/1998 ................................................................................................................. 147

Tabela 19 - Composição da Renda e Custo por Atividade Reserva Chico Mendes – 1996/1997 ................................................................................................................... 150

Tabela 20 - Composição dos Custos Totais, Fixos e Variáveis na Reserva Chico Mendes – 1996/1997 .................................................................................................. 151

Tabela 21 - Custo Unitário, Preço Médio e Índice de Eficiência Econômica na RESEX Chico Mendes – 1996/1997 ....................................................................................... 152

Tabela 22 - Composição da Renda Bruta (RB), Margem Bruta Familiar (MBF) e MBF/RB por atividade na RESEX “Chico Mendes” – 1996/1997 ....................... 155

Tabela 23 - Indicadores de Desempenho Econômico da Reserva Chico Mendes – 1996/1997 ................................................................................................................... 157

Tabela 24 - Composição da Renda Bruta por Produto do Estrato 1 - Reserva Chico Mendes – 1996/1997 .................................................................................................. 159

Tabela 25 - Composição da Renda Bruta por Produto do Estrato 2 - Reserva Chico Mendes – 1996/1997 .................................................................................................. 160

Tabela 26 - Composição da Renda Bruta por Produto do Estrato 3 - Reserva Chico Mendes – 1996/1997 .................................................................................................. 161

Tabela 27 - Composição da Renda Bruta por Estrato com Base na Renda Líquida - Reserva Chico Mendes – 1996/1997 ........................................................................ 165

Tabela 28 - Renda Média por Estabelecimento e por Categorias Familiar - Acre – 1995/1996 ................................................................................................................... 166

Tabela 29 – Margem Bruta Familiar, Autoconsumo e Nível de Vida em termos monetários da RESEX Chico Mendes – Acre- 1996/1997 ..................................... 168

Tabela 30 – Comparação dos resultados econômicos do subsídio estadual na Renda Bruta e Líquida da RESEX Chico Mendes – Acre-1996/1997 .............................. 171

Tabela 31 - Comparação dos resultados econômicos do subsídio estadual na Margem Bruta, MBF/RB e Nível de Vida em termos monetários da RESEX Chico Mendes – Acre-1996/1997 ....................................................................................................... 172

Tabela 32 - Simulação de Renda Proveniente do Manejo Florestal (R$) .................... 180

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Tabela 33 - Projeção da Renda Média Anual em R$ decorrente da Implantação de um SAF na RESEX Chico Mendes ................................................................................ 184

Tabela 34 - Comparação do sistema extrativista tradicional da borracha e as IAP's (colocação Boa Vista) ................................................................................................ 188

Tabela 35 - Composição da Renda Bruta, Produção e Preços Médios por atividade na RESEX Chico Mendes - 1996/1997 ........................................................................................................ 220

Tabela 36 - Composição do custo, produção total e índice de desempenho econômico – RESEX Chico Mendes- 1996/1997 ......................................................................................................... 221

Tabela 37 Produção média, preço médio, RB média máxima e mínima – RESEX Chico Mendes – 1996/1997 ....................................................................................... 222

Tabela 38 - Composição da renda total, máxima, mínima, média e mediana – RESEX Chico Mendes – 1996/1997 .................................................................................................................... 223

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ÍNDICE

RELAÇÃO DE SIGLAS ........................................................................................ viii

LISTA DE FIGURAS ............................................................................................. xii

LISTA DE TABELAS ........................................................................................... xiii

ÍNDICE ................................................................................................................. xvi

INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1

CAPÍTULO 1: CONTRIBUIÇÃO DA ECONOMIA À PROBLEMÁTICA

AMAZÔNICA ........................................................................................................... 7

1.1 Introdução ..................................................................................................................... 7

1.2 A Economia e o Meio Ambiente .................................................................................. 9

1.3 O Conceito de Desenvolvimento Sustentável ............................................................. 25

1.4 Políticas Ambientais e as RESEX .............................................................................. 29

CAPÍTULO 2: AS RESEX E A QUESTÃO AMBIENTAL ..................................... 41

2.1 Introdução ................................................................................................................... 41

2.2 A Luta Seringueira, a RESEX e a Questão Ambiental ............................................... 44

2.3 A Concepção Naturalista: a Preservação sem a Presença Humana ............................ 51

CAPÍTULO 3 – EXTRATIVISMO DA BORRACHA: A HEGEMONIA DO

BARRACÃO .......................................................................................................... 61

3.1 Introdução ................................................................................................................... 61

3.2 Extrativismo da Borracha no Acre .............................................................................. 66

3.3 A Propriedade da Terra ............................................................................................... 73

CAPÍTULO 4 – A EXPANSÃO DA FRONTEIRA E O MOVIMENTO DE

RESISTÊNCIA: OS FUNDAMENTOS DA RESEX ............................................... 83

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4.1 Introdução ................................................................................................................... 83

4.2 O Processo de Resistência .......................................................................................... 89

4.3 A Forma de Acesso e o Uso da Terra ......................................................................... 95

CAPÍTULO 5 – FORMAÇÃO E ASPECTOS GERAIS DAS RESEX .................. 108

5.1 Introdução: A Formação das Reservas ..................................................................... 108

5.2 A Produção Familiar Extrativista ............................................................................. 115

CAPÍTULO 6: A DINÂMICA ECONÔMICA DA RESERVA EXTRATIVISTA

CHICO MENDES ................................................................................................ 125

6.1 O Modelo Metodológico ........................................................................................... 125

6.2 Dados Gerais da RESEX Chico Mendes .................................................................. 133

6.3 Indicadores Econômicos da RESEX Chico Mendes ................................................ 138

6.4 A Distribuição da Renda na Reserva Chico Mendes: Os Três Estratos ................... 156

6.5 Análise do Impacto do Subsídio nos Rendimentos das Famílias ............................. 168

CAPÍTULO 7: TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS .............................................. 175

7.1 Introdução ................................................................................................................. 175

7.2 O Manejo Florestal ................................................................................................... 176

7.3 Sistemas Agroflorestais ............................................................................................ 182

7.4 Ilhas de Alta Produtividade ....................................................................................... 186

7.5 Serviços Ambientais ................................................................................................. 189

7.6 O Protocolo de Kyoto ............................................................................................... 190

CONCLUSÕES ................................................................................................... 195

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 201

ANEXO 1 – MAPAS ............................................................................................ 213

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xviii

ANEXO 2: GLOSSÁRIO ..................................................................................... 215

ANEXO 3: RELAÇÃO DOS ENTREVISTADOS ................................................. 218

ANEXO 4: UNIDADES DE CONSERVAÇÃO AMBIENTAL ............................... 219

ANEXO 5: TABELAS .......................................................................................... 220

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1

INTRODUÇÃO

O crescimento das preocupações com as questões ambientais e, em

particular, o aquecimento do planeta e perda de biodiversidade, colocaram a

preservação1 da floresta Amazônica como uma questão de interesse internacional,

ampliando os debates sobre a possibilidade de compatibilização entre crescimento

econômico e preservação ambiental. Este quadro de preocupações com a questão

ambiental evidencia a importância crescente da Amazônia, pelas suas dimensões

e riquezas naturais, mas, principalmente, porque os estudos e pesquisas sobre o

meio ambiente estabeleceram um papel crucial desta na resolução/agravamento

desses problemas.

Pensar a preservação da floresta amazônica, tout court, implica considerar

amplamente duas possibilidades. A primeira é a “proteção estrita”, nos moldes da

preservação norte-americana. Apesar das dificuldades de implantação de uma

política dessa natureza, devido aos altos custos financeiros e sociais, da

necessidade de forte participação do Estado, seja no processo regulatório, seja no

aparato de fiscalização, os defensores desta proposta, os preservacionistas,

assumem que a manutenção da diversidade biológica só é possível com a

exclusão do homem. Estes argumentam que a presença das populações

tradicionais é incompatível com o objetivo da preservação das diversidades

biológicas.

No outro extremo, a questão fundamental é pensar a preservação da

floresta como parte de uma política de desenvolvimento regional, o que implica

não só considerar a presença das populações tradicionais mas, sobretudo, pensar

uma política ambiental que seja viável, baseada no conceito de desenvolvimento

sustentável. Viabilização neste caso entendida amplamente como criação das

condições de sustentabilidade, ou seja, algo que não se confunde com uma

análise parcial de custo-benefício. Isto não significa negar a importância deste

1 Diegues (2001) chama a atenção para a distinção conceitual entre “conservação de recursos naturais” que significa a exploração de forma sustentável dos recursos, enquanto que “preservação” diz respeito à reverência à natureza, excluindo, portanto, a presença humana para fins exploratórios. Neste trabalho estaremos usando os termos referidos no sentido descrito acima.

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instrumento de análise econômica, mas tão somente considerá-lo parte das

condições de sustentabilidade.

A formulação de políticas públicas no âmbito da problemática ambiental

expressa, de certa forma, esse tour de force. Assim, as políticas de cunho

regulatório, denominadas de Políticas de Comando e Controle (C&C) advogam

a regulação direta sobre o uso de recursos naturais através de leis e regulamento,

enquanto os economistas de inspiração neoclássica contestam a eficácia desses

instrumentos e argumentam no sentido do uso de Política de Instrumentos

Econômicos (IE) – cobrança de taxas, incentivos, créditos e a livre negociação -,

pressupondo o mercado como o Locus ideal para a resolução dos problemas

ambientais. Há ainda uma posição considerada como intermediária, que consiste

no uso de regulação com instrumentos econômicos.

Este cenário, por outro lado, reforça o debate suscitado pela importância

crescente das Reservas Extrativistas (RESEX)2, não só como proposta baseada

nos princípios da sustentabilidade mas, sobretudo, pelas suas especificidades:

proposta de preservação com a presença do homem e, como fruto de um

movimento político dos seringueiros acreanos, em resposta à tentativa de

expropriação da terra e ao processo de derrubada da floresta.

O objetivo desta tese é refletir, a partir de uma experiência concreta - no

caso a reserva extrativista Chico Mendes -, qual a política ambiental mais

adequada à conservação da floresta Amazônica ou, em termos genéricos, à

conservação de uma floresta tropical de um país em desenvolvimento.

Trabalha-se com a hipótese de que as RESEX, como fruto de uma luta

política e social dos movimentos locais, podem ser consideradas como uma

alternativa à criação de reservas de cunho preservacionistas, definindo um novo

paradigma de regulação ambiental. Não se pretende afirmar com isto que as

RESEX devam ser consideradas como modelo de desenvolvimento sustentável da

Amazônia, mas como uma experiência que pode ser replicada, visando ao

desenvolvimento sustentado do meio rural amazônico ou outras áreas de floresta

tropical úmida. Isto, principalmente, tendo em vista as múltiplas dimensões que a

2 A partir deste momento quando aparecer a sigla RESEX, entenda-se Reservas Extrativistas.

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constituem, o que consolida este projeto como uma experiência inovadora de

conservação da floresta tropical.

Considera-se, então, o pressuposto de que as reservas representam uma

forma específica de organização social da produção – isto entendido de uma

forma ampla -, que comporta desde o processo de trabalho até a gestão

comunitária da produção, conformando uma política ambiental peculiar, misto de

uso de instrumentos econômicos e comando e controle .

Para tratar desta questão, parte-se do princípio que as Reservas

Extrativistas representam algo mais amplo e complexo, que não se confunde com

o extrativismo da borracha, entendido como uma atividade econômica. Está-se a

enfatizar, na verdade, a necessidade de estabelecer novos conceitos de forma a

dar conta desta complexidade. Afinal, o que são as reservas? Uma forma peculiar

de ocupação e uso da terra? Uma forma específica de organização da produção?

Uma política ambiental? Ou uma unidade de conservação pura e simples? A

Resex, na verdade, como uma política ambiental baseada nos princípios da

sustentabilidade, só pode ser compreendida quando vista em seu conjunto de

múltiplas determinações. De qualquer forma, é insuficiente, por ser genérico,

afirmar que as RESEX representam uma proposta mais ampla envolvendo a forma

e o uso da terra e a organização da produção em condições de sustentabilidade,

até porque a organização da produção, tamanha a diversidade com que ocorre na

realidade da reserva, dificulta uma afirmação ampla, tal como freqüentemente

acontece.

Da mesma forma, consideram-se insuficientes as abordagens reducionistas

que tratam a reserva a partir de uma disjuntiva, tanto as que a consideram um

modelo de desenvolvimento sustentável da Amazônia, quanto as que a tratam

como um obstáculo ao desenvolvimento ou uma proposta economicamente

inviável. Assim posto, estas abordagens, de certa forma, reintroduzem o trade-off

entre crescimento e preservação no âmbito da reserva.

Na verdade, convém admitir desde logo que as reservas não são um

espaço produtivo homogêneo. Uma reserva são “muitas”, poder-se-ia afirmar.

Evidenciar esse conjunto de especificidades, sobretudo desvendando os

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mecanismos de dinâmica econômica é fundamental para o entendimento do papel

da reserva, principalmente no âmbito da discussão do desenvolvimento

sustentável.

Da mesma forma, mais especificamente, admite-se a possibilidade de que o

controle da ocupação e a forma de uso da terra, apesar de fundamental, não são

suficientes para garantir a conservação e uso sustentável da floresta. Para a

compreensão desta trajetória, é necessário entender a dinâmica da economia do

extrativismo, no núcleo do processo de produção e, principalmente, a participação

e o papel do progresso técnico, a diversificação da produção e a gestão do

processo produtivo, os quais, supõe-se, podem vir a constituir as bases da

sustentabilidade da reserva extrativista.

Trata-se, em última instância, de “inventar” uma nova economia – o que

chamaremos aqui de “economia da floresta” -, cuja base consiste na superação do

trade-off entre crescimento econômico e preservação e sua transformação em

sinergia econômica.

A tese está estruturada em 7 capítulos. Nos dois primeiros, procurou-se

mostrar que o entendimento das RESEX conduz à apreensão das determinações

complexas entre a economia e o meio ambiente, pela suposição de que não é

possível compreender suas diversas e complexas dimensões, apartadas de uma

problemática mais ampla. Isto implica recuperar trajetórias, cujas bases teóricas

ficaram mais evidenciadas num movimento que procura analisar teoria e objeto de

análise num processo relacional. A discussão conceitual, portanto, tornou-se

imperativa para que a compreensão das RESEX fugisse aos “lugares-comuns” e

permitisse estabelecer nexos entre a proposta - com seu núcleo fundamental, que

é a noção de sustentabilidade - e sua dimensão no espaço do desenvolvimento

regional.

Já nos capítulos 3 e 4, o movimento efetuado objetivou a construção do

conceito de RESEX a partir da formação da economia extrativista da borracha.

Para tanto, se procurou apreender as especificidades do processo de ocupação

do espaço territorial acreano, em que a forma de acesso e o uso da terra são os

elementos que fundam as bases dos atuais processos produtivos da região. É a

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partir desse estudo que é possível compreender os determinantes que possibilitam

as RESEX se estruturarem como uma ruptura às práticas sociais do seringalismo

tradicional. Portanto, é na economia gumífera que são criadas as condições

fundamentais para a criação das RESEX.

Ao buscar os fundamentos da RESEX, na forma e dinâmica da estruturação

dos processos produtivos, visando a entender esta proposta como decorrência de

um particular processo de ocupação, o que se pretende é redimensionar este

conceito, de forma a evitar o equívoco de considerá-la uma proposta de

desenvolvimento sustentável, capaz de, por si só, alavancar o desenvolvimento

regional. Com isto, recupera-se a proposta original, cujo núcleo consistia da

articulação da dimensão conservacionista com a melhoria das condições de vida

das populações extrativistas.

Nos capítulos 5 e 6 tratou-se de entender a dinâmica econômica do

extrativismo, a partir da análise de alguns indicadores, principalmente renda e

custos de produção. Para tanto, considerou-se a RESEX Chico Mendes como um

estudo de caso que possibilitasse apreender a estrutura econômica das RESEX

como um todo. Para esta análise, considerou-se como básico o conceito de

sistema de produção, pois o mesmo permite entender a organização da produção

das diversas famílias e suas estratégias de utilização e combinação dos recursos

e tecnologia disponíveis nos seus processos produtivos. O seu uso permite, ainda,

perceber como se organiza o processo de trabalho para a extração de produtos e

a formação dos rendimentos.

As fontes de dados para a elaboração destes capítulos foram, além dos

dados bibliográficos, a pesquisa de campo efetuada pelo Departamento de

Economia da Universidade Federal do Acre para a elaboração de um banco de

dados denominada de “Análise Econômica dos Sistemas Básicos de Produção

Familiar Rural no Vale do Acre” realizada entre maio 1996 e abril de 1997 e uma

coleta de dados efetuada em julho de 2001, através de entrevistas com

produtores, dirigentes sindicais, membros do Conselho Nacional dos Seringueiros

e técnicos dos diversos órgãos que atuam na área tais como EMATER, INCRA e

IBAMA.

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A utilização da base de dados referentes aos anos de 1996/97, não implica

prejuízo às conclusões e inferências decorrentes da análise dos dados. O

extrativismo sofreu poucas modificações nos seus elementos estruturadores ao

longo dos últimos cem anos. Por outro lado, a profundidade e abrangência das

informações representam um avanço, em face da precariedade ou inexistência

das informações, principalmente as referentes à estruturação da renda e dos

custos das atividades produtivas do meio rural acreano.

O capítulo 7 retoma algumas das questões fundamentais tratadas ao longo

do trabalho e discute outras, até então não abordadas. Tem-se nele, a pretensão

de discutir um conjunto de propostas, notadamente as que se relacionam às

incorporações tecnológicas visando ao incremento de produtividade, apontando

para aquilo que, no início do trabalho, denominou-se de “invenção” de uma

“economia da floresta”, ou seja, a da ampliação das possibilidades em termos de

viabilização e consolidação das RESEX. Nesta linha, encontram-se as propostas

das “Ilhas de Alta Produtividade”, manejo florestal, e criação de mercados para

novos produtos, que conformam um conjunto de possibilidades e perspectivas

para as reservas e, sobretudo, para o conjunto da economia acreana.

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CAPÍTULO 1 : CONTRIBUIÇÃO DA ECONOMIA À

PROBLEMÁTICA AMAZÔNICA

1.1 Introdução

As últimas décadas podem ser consideradas como decisivas para a

consolidação de um pensamento de cunho preservacionista. Em que pese à

complexidade dos temas ambientais não há como negar a existência de um

relativo consenso em torno de uma idéia: as políticas públicas voltadas para o

desenvolvimento da Amazônia não podem mais ignorar o desafio ambiental,

expresso no aproveitamento das riquezas naturais baseado nos princípios da

sustentabilidade.

Neste quadro, a criação das Reservas Extrativistas assume relevância

como proposta dos seringueiros acreanos, visando à conservação ambiental do

espaço amazônico, definindo uma forma de uso da terra e regulação fundiária, isto

principalmente pela repercussão que alcançou, seja no âmbito nacional ou

internacional, ensejando um amplo debate cujo núcleo central é a definição de

uma política ambiental que seja capaz de, ao mesmo tempo, conservar a floresta,

possibilitar a equidade social e gerar renda.

Num primeiro momento, é necessário contextualizar as RESEX no interior

da discussão ambiental, na perspectiva analítica das diferentes formas

interpretativas, pois sem este movimento, não ficam claros, pela impossibilidade

de se estabelecer os nexos teóricos, as diferentes visões interpretativas, seja da

questão ambiental ou mesmo pontualmente de uma política de conservação tipo

RESEX. Esta contextualização permite apreender as diversas dimensões das

reservas e seus nexos sociais para, então, conformar o quadro contendo os

argumentos e interesses dos diversos atores que participam do embate ambiental.

As RESEX possuem múltiplas dimensões, sendo que uma das mais

importantes, por caracterizar a proposta, é a dimensão política. Neste sentido,

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representou uma resposta específica das populações da floresta a uma ordem

instaurada e estabelecida que se mostrava anacrônica. Decididamente, nem o

velho extrativismo nem a nova ordem que o governo federal tentara implantar

como um modelo de desenvolvimento regional baseado na pecuária,

correspondiam aos anseios e perspectivas desse agrupamento sócio-cultural. Não

é de estranhar, portanto, o encaminhamento ocorrido como a estruturação de um

movimento de resistência a esta ordem implantada, cujos reflexos sobre as

populações que habitavam a floresta incidiam muito diretamente na posse da

terra.

Ao se recompor a trajetória das RESEX, vê-se que, num primeiro momento,

os seringueiros tratavam de garantir direitos sobre a terra, o que não impediu a

inclusão de outros elementos à luta política, para então conformar o quadro que se

consolidou com a incorporação das lutas ambientais e o contato, como seria

natural, com o movimento ambientalista internacional.

A RESEX não foi construída apenas como uma resposta política alternativa

a um determinado modelo de desenvolvimento regional mas, sobretudo,

constituiu-se num movimento de resistência, em que a luta pela posse da terra era

o elemento nuclear e unificador do movimento. Por outro lado, ao redefinir as

relações sociais e culturais estabelecidas pela hegemonia do antigo seringalismo,

estruturou uma dimensão social, que permite afirmar que esta proposta em geral,

é uma reinvenção que supera os limites estreitos de uma simples atividade

econômica, para se colocar como uma nova realidade cultural, um modo de vida,

estabelecendo e redefinindo formas de apropriação e relação homem-natureza.

Convém ressaltar, porém, que todas essas complexas relações que dão

unicidade à proposta RESEX adquirem um outro sentido, mais amplo e colado às

diversas propostas de desenvolvimento regional, quando vistas como parte da

questão ambiental. Vê-se, então, não se tratar de uma questão pontual, nem

tampouco simplista, mas sim de uma questão controversa dada a sua importância,

notadamente no que se refere aos diversos e múltiplos interesses em jogo.

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1.2 A Economia e o Meio Ambiente

De uma perspectiva ampla, pode-se afirmar que existem duas grandes

correntes na economia que abordam a questão ambiental: A primeira, denominada

economia ambiental, tem seus fundamentos na teoria neoclássica e, portanto,

constitui o mainstream por ocupar a posição hegemônica no pensamento

econômico contemporâneo. Já a segunda, conhecida como economia ecológica,

tem seus fundamentos teóricos e metodológicos baseados nas leis da

termodinâmica. A relevância destas duas correntes reflete-se no conjunto de

políticas públicas ambientais, sejam as definidas pelos diversos países e governos

ou as definidas pelas diversas agências internacionais e nacionais,

governamentais ou não.

O que se pretende neste tópico é delinear o conjunto de aspectos

fundamentais das duas escolas e com isto destacar os elementos estruturadores

de ambas, de sorte que se possa perceber as diferentes apropriações do conceito

de desenvolvimento sustentável e, portanto, da questão ambiental e, a partir daí,

tratar da política ambiental, tentando apresentá-la de forma a contextualizar as

Reservas Extrativistas.

A inserção da problemática ambiental pelos neoclássicos ocorre a partir de

alguns fundamentos cujos princípios gerais podem ser resumidos na concepção

do mercado como um instrumento mais adequado para uma ótima alocação de

recursos, na medida em que os agentes econômicos – firmas e consumidores -

procuram maximizar suas utilidades, tendo o preço como um indicador do grau de

escassez relativa dos bens e serviços. O equilíbrio de todos os mercados leva a

que se atinja o “ótimo de Pareto”, situação em que os mercados, em condições

perfeitamente competitivas, atingem o máximo de bem-estar social.

Neste modelo, o meio ambiente apesar de participar do sistema econômico

é considerado externo ao mercado. Daí que os bens e serviços ambientais,

dependendo de sua forma de inserção ao processo produtivo, sejam considerados

externalidades. Neste sentido, os problemas ambientais considerados

externalidades negativas, são vistos como falha de mercado que exigem correção,

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o que implica precificar os danos garantindo que os processos ocorram no âmbito

do mercado.

A especificidade dos problemas ambientais, considerados a partir da

interação da natureza com o sistema econômico, define duas abordagens distintas

ainda no âmbito da economia ambiental dividindo-a em economia da poluição e

economia dos recursos naturais. A primeira, neste sentido, é decorrente da

constatação de que a economia despeja os dejetos, de forma geral, no meio

ambiente, enquanto que o uso dos recursos naturais, ou bens ambientais define a

abordagem da economia dos recursos naturais, também conhecida como

economia dos inputs. Estes processos ficam mais claros se evidenciarmos como

centrais os conceitos de exterioridade e temporalidade como propõe Amazonas

(1994). É possível, então, entender o mecanismo lógico de inserção dos danos

ambientais aos marcos da economia neoclássica. Os bens ambientais, por serem

públicos, não são passíveis de terem seus preços determinados pelas

preferências individuais e, dessa forma, o mercado desses bens não se constitui.

Isto é possível e lógico por se considerar o meio ambiente como externo ao

mercado (Norgaard, 1997). As externalidades, assim, se configuram no conceito

básico para a valoração dos bens ambientais, isto na medida em que “surgem

quando o consumo ou a produção de um bem gera efeitos adversos (ou

benéficos) a outros consumidores e/ou firmas e estas não são compensadas

efetivamente no mercado via sistema de preços” (Motta, 1990, p. 113).

A degradação ambiental, qualquer que seja a forma assumida, constitui

caso típico de externalidade negativa, embora o caso clássico seja mesmo a

poluição. A compensação representaria a internalização dos danos. O fato é que

a insatisfação decorrente do dano ambiental é considerada como falha do

mercado, porque o mecanismo de preço não terá sido capaz de restabelecer o

nível de otimização. Visto assim, fica evidente que a solução para o problema é

criar mercado, via atribuição de valor à queda de satisfação recompondo as

premissas da maximização da utilidade e maximização dos lucros.

Uma vez recomposto o equilibrio, através da correção da falha de mercado,

cessa a preocupação com o ambiente. Neste caso, por suposto, é irrelevante o

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nível de poluição desde que os agentes envolvidos, através do mercado,

expressem sua satisfação. Seguindo esta linha de raciocínio, a poluição, como

externalidade negativa, é internalizada quando os custos marginais de controle

são iguais ao custo marginal de degradação ambiental, caracterizando o ótimo de

poluição como o ponto em que, mesmo existindo poluição, esta é socialmente

aceita.

A figura 1, permite vislumbrar melhor a base analítica exposta de correção

das externalidades negativas. O ponto y corresponde ao ponto ótimo de poluição,

ou seja, ao novo nível de equilíbrio, considerado onde LPML (lucro privado

marginal liquido) é igual ao CEM (custo externo marginal) este agora acrescido do

valor atribuído ao dano ambiental na margem. Considera-se que neste ponto

ainda ocorre poluição, só que em níveis socialmente aceitáveis, enquanto o

poluidor maximiza seus lucros nas novas condições.

Fonte: Pearce e Turner (1991, p. 89) apud Almeida (1998)

Figura 1 - Definição Econômica de Poluição Ótima

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Na abordagem da economia dos recursos naturais ou exploração das

matérias primas - ao contrário da economia da poluição em que as externalidades

ocupam posição mais evidente, porque imediata ao processo produtivo -, estas

não são detectadas de imediato ou sequer dimensionadas face ao

desconhecimento científico. Em decorrência, os custos sociais resultantes dos

danos ambientais, são distribuídos no tempo e no espaço como legados às

gerações futuras.

A questão fundamental da economia dos recursos naturais, seguindo a

ótica microeconômica, reside na especificidade dos recursos naturais: como o

agente econômico aufere lucros a partir de sua extração e o aumento progressivo

da escassez acarreta aumento dos preços, o agente se depara com o dilema de

extrai-lo hoje ou em um momento futuro. Assim, a quantidade ótima a ser extraída

ao longo do tempo, deve ser calculada a partir de dois conceitos básicos: o custo

de oportunidade, visto como a segunda melhor opção de utilização alternativa de

um capital e a taxa de desconto para o cálculo do valor presente do uso do capital.

No caso dos recursos renováveis, estes dois conceitos em conjunto e

comparativamente permitem o cálculo do “nível ótimo de extração”, que

corresponde às quantidades ótimas a serem extraídas ao longo do tempo. Quanto

aos recursos exauríveis, o preço do produto deverá ser igual à soma do seu custo

marginal de extração e seu custo de oportunidade. É este o processo de inserção

e resolução do problema ambiental, no qual prevalece a lógica de mercado e o

preço expressa a vontade coletiva e regula a alocação ótima dos fatores de

produção.

A respeito dessa questão há que se assinalar que isto, na verdade,

representa um movimento mais amplo de releitura e incorporação dessas

questões aos marcos analíticos de corte neoclássico. Um exemplo que bem ilustra

essa forma de apropriação é a maneira como é abordado o conceito de

desenvolvimento sustentável.

Este conceito elaborado no âmbito das discussões ambientais, mais

especificamente nas discussões sobre o modelo de desenvolvimento vis a vis à

degradação ambiental, estruturou-se baseado em três preceitos normativos - na

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eficiência econômica, equidade social e prudência ecológica -, que devem ser

vistos como um todo. Contudo, sob o argumento de que o conceito como um

conjunto de princípios que visa em última instância, o bem estar da sociedade,

para a economia convencional repõe a idéia de otimização de Pareto,

principalmente através das duas primeiras condições.

A este respeito, pode-se afirmar que há um alto grau de concordância entre

diversos autores neoclássicos ao considerar semelhantes o princípio de eficiência

econômica – tal como formulado no conceito de desenvolvimento sustentável – e

a idéia paretiana de que seja assegurada a manutenção do bem-estar social

(Mueller, 1999). Posto desta forma, tem razão Beckerman3 (1993), que não vê

sentido neste conceito, uma vez que supostamente o aparato conceitual

neoclássico daria conta das questões propostas.

Esta talvez configure uma posição mais extremada, na medida em que se

nega a perceber as especificidades e as necessidades do mainstream economics

dar conta das novas questões derivadas das restrições ambientais. Ainda no seio

da economia convencional, uma postura menos radical tende a considerar a

sustentabilidade como uma restrição ao crescimento econômico. Nesta

abordagem, em que se abstrai o ambiente, o sistema econômico pode ser

representado como um sistema linear

P

C

U

K

em que P, implica a produção de bens de consumo C e bens de capital K, por seu

lado, bens de capital implica em consumo futuro que é responsável pela criação

de utilidades ou bem estar.

Ao considerar a incorporação do ambiente no sistema econômico, em que

R passa desempenhar as funções de supridor de inputs para o funcionamento do

sistema econômico, a nova representação passa a ser a seguinte:

R

P

C

U

3 Para este autor o conceito de desenvolvimento sustentável não apresenta nenhuma novidade analítica, pois o conceito neoclássico de otimização é suficiente para abordar e resolver os problemas econômicos e ambientais.

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O novo fator R ao ser incorporado, resulta em uma restrição para se atingir

o “ótimo de Pareto”. Como bem assinala Solow (1974), a hipótese de otimização

requer que U não seja declinante, ou seja, que ele se mantenha constante.

A perspectiva de crescimento sustentável – o que implica em estoques de

capital não declinantes, ou mesmo substituição suficiente entre o capital

“ambiental” e capital “fabricado” -, fica mais claro se representado por uma outra

função: W = W (K,E)4, em que o bem estar futuro (W) em cada período de tempo é

função do estoque de capital fabricado (K) e capital ambiental (E). Para que ocorra

o desenvolvimento sustentável a primeira condição, como já referido, é que o valor

de W não possa declinar, o que implica em que os estoques de ambos capitais (K)

e (E), não sejam declinantes ou haja substituição de capital ambiental por capital

fabricado na mesma proporção. Esta condição pode ser representada por: -q E

K onde q é o preço sombra do capital ambiental - o preço que existiria se estas

funções se realizassem de forma ótima no mercado -, e E e K expressam as

modificações ao longo do tempo. Dessa forma, isto significa que, o valor da

exaustão ambiental não pode exceder o valor do investimento liquido em capital

fabricado. De qualquer forma, a equação mostra que se E declina haveria perda

de bem estar. Para que isto não ocorra, o preço sombra q deverá crescer para

expressar os custos sociais dos danos ambientais no mercado que por sua vez

devem também crescer, significando que os preços refletem o grau de escassez

relativa dos bens ambientais.

A substituição de capital ambiental por capital fabricado se põe, assim,

como a questão fundamental. Para alguns neoclássicos é possível um elevado

grau de substituição entre os capitais, ocasionado pela elevação da eficiência

decorrente do progresso tecnológico.

Diante do exposto, resta concluir que o crescimento econômico na

perspectiva do desenvolvimento sustentável, para o mainstream depende de um

alto grau de substitubilidade entre os capitais ambientais e fabricados. Uma outra

alternativa seria o incremento dos custos dos danos ambientais, devidamente

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internalizados e crescentes para refletir o custo - sombra dos danos ambientais.

Ainda assim, na lógica do mainstream isto resultaria no desenvolvimento e difusão

de tecnologias capazes de induzir um crescimento sustentável.

Os principais problemas da economia convencional, cujos fundamentos

estão baseados na microeconomia, para dar conta da problemática ambiental

ocorrem, em grande medida, devido às limitações teóricas e epistemológica, o que

contribui para a incapacidade da mesma em oferecer respostas adequadas aos

problemas ambientais.

Apesar de sua hegemonia, principalmente na questão ambiental, a

abordagem, já de início, ao considerar a economia um sistema total, define um

espaço restrito de análise por desconsiderar a relação entre economia e meio

ambiente em sua complexidade. Esta restrição terá implicações em toda estrutura

teórica do mainstream e será objeto de muitas críticas, entre elas a que considera

a economia um subsistema do meio ambiente “e depende dele tanto como fonte

de insumos de materiais como depósito para o lançamento da produção de

resíduos” formulada por Daly (1996, p. 6).

Duas implicações imediatas devem ser consideradas. A primeira é que, ao

incorporar o meio ambiente na análise econômica desta maneira, reconhece-se

que este interage de forma positiva com a economia ao regenerar os insumos e

absorver os resíduos dentro dos limites da capacidade de suporte da natureza.

Nesta perspectiva, a questão é remetida à discussão quanto à escala de uso dos

bens ambientais, ao contrário da economia convencional que ignora, por

considerar irrelevante, os limites naturais à exploração econômica. Por outro lado,

isso reforça a idéia que a economia convencional tem da questão ambiental como

um problema de alocação intertemporal de recursos entre consumo e investimento

(Romeiro, 2001 e Amazonas, 1994).

A questão ambiental para a economia convencional pode ser resolvida da

seguinte maneira. Para os casos de poluição ou uso dos serviços ambientais,

como recursos hídricos e ar, que não possuem mercados por serem bens públicos

e, portanto, não há a definição clara de propriedade, a política ambiental, refletindo

4 Esta parte está baseada em Almeida (1998, p. 21 e seguintes).

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ação coletiva, deve ser direcionada no sentido da correção das falhas de mercado.

Para a extração de recursos naturais, cujo problema é de outra natureza, supõe-

se que o preço como índice do grau de escassez relativa sinalizaria para a

proximidade do esgotamento destes bens, com o seu aumento. A economia

ambiental, na verdade, supõe que a possibilidade de esgotamento dos recursos

naturais é improvável por dois motivos. Primeiro, pelo alto grau de substitubilidade

dos fatores de produção. Capital, trabalho e recursos naturais tenderiam a ser

usados em magnitude adequada de forma que a escassez de um implicaria maior

uso de outro. E, em não havendo limites nem escala para o processo de

substituição, tampouco, a base analítica exposta de correção das externalidades

negativas considerar-se-ia a possibilidade de irreversibilidades na exaustão

ambiental dos bens. Em segundo lugar, há o pressuposto de que a tecnologia é

capaz de não apenas resolver o problema de declínio da produtividade dos fatores

como de ajustar a escala de uso dos recursos.

A crítica de que o cálculo do valor das perdas com base na preferência dos

consumidores é improvável, na medida em que se requer um amplo conhecimento

da importância dos bens em questão, pode ser estendida à abordagem da

economia dos recursos naturais, cujo problema de geração de externalidades

negativas não ocorre de imediato, pois os custos “são dispersos no tempo e no

espaço às gerações futuras” (Amazonas,1994, p. 58).

Isto traz à tona a discussão da finitude dos recursos naturais e,

concomitantemente, uma questão de suma importância: os danos ambientais em

sua maioria são processos irreversíveis. Uma vez ocorrido não mais é possível

retroceder no tempo para evita-los. O tempo, ao ser relevado pelos neoclássicos,

acaba por fragilizar o conteúdo teórico desta escola, pelo desconhecimento

presumível da degradação irreversível de certos recursos naturais. A perspectiva

de escassez que, na lógica da economia ambiental, aponta para a criação de

mercados para os bens exauríveis e, em decorrência, resultaria em um uso

comedido do produto, mostra-se irreal pois nada garante o surgimento dos

mercados antes que o recurso seja extinto ou esgotado, o que ressalta a

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inexistencia de um comportamento altruístico de solidariedade com as gerações

futuras.

Por outro lado, isto impacta fortemente a hipótese já referida, que é a

perfeita substituição dos recursos (Romeiro, 2001). Os recursos ambientais não

são substitutos perfeitos, como quer o mainstream. Todas estas considerações

assinalam que as tentativas de internalização dos danos ambientais, via

mecanismos econômicos, ressaltam a incompatibilidade entre a fundamentação

teórica e a complexidade dos processos ambientais.

A Economia Ecológica e outras abordagens alternativas, como as

evolucionistas e institucionalistas, apesar de suas especificidades, guardam pelo

menos um aspecto em comum: a insatisfação com a abordagem neoclássica dos

problemas ambientais.

A forma de análise dos institucionalistas é fundada no papel que as

instituições, entendidas amplamente como organizações, sistema institucional e

relações de poder, desempenham nos processos econômicos. Ao adotar a

concepção filosófica holística para dimensionar os problemas em sua totalidade,

estes ampliam sobremaneira seu campo de análise incluindo as trajetórias

tecnológicas, os processos históricos, a organização social e a cultura. Neste

sentido, ao tratarem a questão ambiental, dispõem de uma interpretação mais

realista, na medida em que não reduzem a questão ao âmbito do mercado, por

considerarem os problemas ambientais de uma complexidade que envolve

aspectos físicos, sociais, políticos, econômicos e culturais, exigindo uma visão

multidimensional e multidisciplinar. No contexto da complexidade, consideram

ainda relevantes os custos de transação, as incertezas do futuro e, principalmente,

a possibilidade de irreversibilidade das perdas dos bens ambientais na exploração

econômica de determinados produtos ou espécies.

A crítica mais pertinente à visão institucionalista decorre exatamente da

amplitude com que abordam os problemas, o que impede a consolidação de um

corpo teórico amplo capaz de estabelecer leis gerais. Como resultado os

institucionalistas são levados a tratar cada caso como um caso específico. A base

conceitual dos evolucionistas é a crítica à forma como os neoclássicos tratam a

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tecnologia no sistema econômico. Esta é considerada um conjunto de

conhecimentos sobre o processo produtivo que ocorre no contexto das firmas em

diferentes proporções, conforme a combinação de fatores. Para Schumpeter

(1984), a dinâmica econômica decorrente do processo concorrencial determina

como crucial a busca por lucros extraordinários, o que ocorre pela introdução de

inovações tecnológicas que, por sua vez, serão responsáveis por desequilíbrios e

incertezas no mercado. Por outro lado, os evolucionistas consideram as inovações

tecnológicas o conceito chave para os problemas ambientais, na medida em que

acreditam que o progresso técnico promove a elevação da eficiência produtiva,

contribuindo para a superação de limites da natureza substituindo produtos que

dependem de recursos em vias de exaustão.

Como decorrência desses fundamentos teóricos, os evolucionistas propõem

que a política ambiental seja exercida através de incentivos econômicos e/ou

políticas do tipo comando e controle. Isto pressupõe a presença do Estado, que

deve se responsabilizar por uma política de inovações tecnológicas de produtos e

processos e, com isso, superar as restrições ambientais.

Já a economia ecológica surge no bojo da questão ambiental e sua

importância como temática presente na agenda do debate mundial nasce nos

anos 1970, a partir da convicção de que era viável e necessário pensar na

compatibilidade entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental.

Inicialmente esta concepção se expressa através do conceito de

Ecodesenvolvimento. Esta visão cuja base é o desenvolvimento econômico com

preservação ambiental adquire sua forma mais acabada no conceito de

desenvolvimento sustentável consolidado no relatório Brundtland de 1987 (Nosso

Futuro Comum, 1991).

A economia ecológica procura se distinguir da economia convencional

através da percepção do problema ambiental estabelecendo importância a inter-

relações entre a economia e o ambiente. Neste sentido, constitui um campo

transdisciplinar relacionando as diversas questões entre sistema econômico e

ecossistemas (Costanza,1996, p. 3).

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Esta particular visão de mundo, ao contrário da anterior, entende a relação

entre o meio ambiente e a economia, como uma relação em que a economia

constitui um subsistema do meio ambiente, interagindo e dependendo dele em

dois sentidos: como fonte de matérias primas (insumos) ou como depósito para os

resíduos, conforme já enfatizado (Daly, 1996).

Esta visão da economia como um subsistema do meio ambiente constitui a

pedra angular nas formulações da economia ecológica sobretudo por ser ponto de

partida e base para a crítica à economia convencional que considera a economia

um sistema fechado ou total. Outro fundamento da economia ecológica é

resultado, em grande medida, de considerar a economia um sistema aberto em

que são incorporados valores éticos e a solidariedade. Não é sem motivos que o

conceito de desenvolvimento sustentável é solidamente apoiado nesses princípios

inexistentes na economia ambiental.

Dessa forma, o princípio da sustentabilidade - eficiência econômica com

justiça social e prudência ecológica - impôs-se como princípio norteador de uma

nova forma de relação do homem com a natureza e passou a estar presente em

todos os fóruns e debates a respeito do desenvolvimento econômico.

As raízes da economia ecológica podem ser determinadas na obra seminal

de Georgescu-Roegen5, que incorpora no debate as leis da termodinâmica como

relevante para edificar a base conceitual. A primeira lei da termodinâmica, que

trata da conservação da matéria, estabelece o princípio de que o homem não

pode criar nem destruir a matéria ou a energia, tão somente transformá-la. Já a

segunda lei, visto de uma forma simplificada, assinala que nos processos de uso

da energia ocorre uma transformação da energia livre, portanto disponível, em

energia presa ou não - disponível. A partir da observação deste processo em que

há perda de qualidade na utilização da energia, Roegen conclui ser este evento a

mais econômica das leis físicas, haja vista tratar-se de um fenômeno de escassez.

5 Refiro-me a “The Entropy law and the Economic Process”, obra em que Roegen elabora sua teoria de que os processo econômicos deveriam levar em conta os fluxos de energia, ao invés de se restringir ao fluxo circular de mercadorias entre firmas e consumidores. Assim, a partir da lei da entropia, incorpora-se as idéias de irreversibilidades e limites, considerando a economia como sub-sistema da natureza. Isto abala os alicerces analíticos da economia convencional, notadamente a idéia de substituição perfeita entre fatores de produção.

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Ao perceber que a economia convencional limitava seus estudos aos fluxos

de matérias, Georgescu-Roegen argumenta que é necessário incorporar o estudo

dos fluxos de energia, principalmente a segunda lei da termodinâmica. Para o

autor, é contraditório que mesmo após estes dogmas mecanicistas terem perdido

a sua supremacia na física e seu domínio na filosofia, continuem servindo como

paradigmas para as teorias econômicas (Georgescu-Roegen, 1989, p. 61). Como

decorrência, assinala Roegen, os livros-textos de economia continuam

representando os processos econômicos como um movimento pendular entre a

produção e o consumo em um sistema fechado.

Em verdade, o funcionamento do ciclo econômico baseado nos supostos do

mercado, como melhor alocador de recursos em concorrência perfeita,

configurando o ótimo de bem estar social, parece confirmar a idéia de que em

concorrência perfeita todos os agentes ganham e, com isto, a complexa relação

entre a economia e o meio ambiente, principalmente os danos decorrentes dos

processos produtivos, ficam negligenciados.

Ao sugerir que a economia considere os processos econômicos como

fluxos de matéria-energia, o que concretamente Georgescu-Roegen faz é romper

com a idéia de que a economia é um sistema fechado e auto-sustentado. Na

perspectiva de considerar os fluxos de energia, ou mais apropriadamente entropia,

passa a ser relevante a interação do meio ambiente com a economia,

notadamente os danos ambientais decorrentes do uso de recursos naturais e a

absorção de dejetos e resíduos pela natureza.

Propõe que os economistas considerem como relevante a segunda lei da

termodinâmica “que especifica que a entropia (isto é, a quantidade de energia não

disponível) de um sistema fechado acusa incrementos contínuos de forma que um

sistema mais ordenado se transforma progressivamente em um sistema mais

desordenado” (Georgescu-Roegen, 1989, p. 61). O relevante no processo de

utilização de energia, conforme ressalta Roegen, é que há uma perda na

qualidade desta ao passar de um estado de baixa entropia para alta entropia.

A lei da entropia ampliou a possibilidade de incorporação de novas

interpretações, por considerar que num sistema fechado ocorre incremento

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contínuo de transformação de energia de um sistema ordenado para um sistema

progressivamente mais desordenado. O uso de recursos naturais na economia,

considerando o meio ambiente como suporte material, nada mais é do que a

transformação de baixa entropia em alta entropia, da mesma forma que a

capacidade de absorção do ambiente é limitada face ao despejo de alta entropia

decorrente da atividade produtiva. Dessa forma, a economia ecológica busca a

sustentabilidade negando que os danos ambientais possam ser reparados por

processos de internalização, como propõe a economia ambiental, bem como

reconhece a importância e os limites da tecnologia na resolução destes

problemas. O fundamental, a partir dos princípios da sustentabilidade, é a

incorporação de valores éticos, como a preocupação com as assimetrias sociais

entre gerações e nações, na formulação das políticas ambientais.

Note-se que a partir da contribuição de Roegen dão-se dois grandes

passos. O primeiro, já enfatizado, é considerar a economia como parte de um

sistema, no caso o ambiente, e o segundo é inserir a questão da finitude e

irreversibilidades dos danos de alguns bens ambientais no debate.

Dessa forma, o argumento neoclássico de que o capital pode ser

substituído ad infinitum fica totalmente comprometido pela sua total irrealidade.

Não é verdade que o progresso técnico permite a total substitubilidade dos bens

de capital. A importância do progresso técnico persiste na medida em que

contribui para a elevação da produtividade, mas não resolve o problema da perda

de qualidade da energia, conforme estabelece a lei da entropia. Assim o

argumento da sustentabilidade fraca proposto por Solow (1974), em que o estoque

de capital (KT) permanece constante ao longo do tempo, pressupondo que o KM

(capital manufaturado) pela sua capacidade de substituir o KE (capital ambiental)

poderia manter o capital total constante não é razoável. Por outro lado, não é

razoável também supor como no argumento da sustentabilidade forte que o KN

(capital natural) deve ser mantido constante, supondo existência da possibilidade

de substituição por outra forma de capital manufaturado.

O conceito de Ecodesenvolvimento, segundo Romeiro, emerge como uma

proposição conciliadora “onde se reconhece que o progresso técnico efetivamente

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relativiza os limites ambientais, mas não os elimina e que o crescimento

econômico é condição necessária, mas não suficiente para a eliminação da

pobreza e disparidades sociais” (Romeiro, 1999, p. 3). Conclui que a aceitação

dos princípios do desenvolvimento sustentável, ou seja, “a proposição de que é

necessário e possível intervir e direcionar o processo de desenvolvimento

econômico de modo a conciliar eficiência econômica, desejabilidade social e

prudência ecológica passa a ter uma aceitação generalizada” (Romeiro, 1999, p.

3). A questão das controvérsias, portanto, fica circunscrita à esfera da intervenção.

A dificuldade decorre das diferentes interpretações e receituários de como intervir

na realidade.

Assim, a economia ecológica se estrutura conformando campo analítico

próprio para pensar as relações entre o sistema econômico e suas relações com o

meio ambiente, baseado nos conceitos biofísicos-ecológicos (bioeconomics).

Nesta linha de raciocínio, Romeiro (2001) resume bem a questão ao afirmar que o

problema da economia política da sustentabilidade deve ser visto “como um

problema de distribuição intertemporal de recursos naturais finitos, o que

pressupõe a definição de limites para seu uso (escala)” (p. 2).

Só estes fatores, - distribuição e escala - acrescidos do papel da tecnologia,

já são suficientes para deixar clara uma distinção na abordagem do conceito de

desenvolvimento sustentável. O discurso sobre a questão ambiental, tal como

emerge de Estocolmo em 1972, redefine de forma dramática o conceito de

modernidade decorrente do padrão de acumulação capitalista. Como assinala

Sachs (1986), definiu-se uma linha intermediária na disjuntiva entre aqueles que

defendiam um crescimento zero, dado à perspectiva de esgotabilidade dos

recursos naturais, e os economistas que relevam os danos ambientais,

encarando-os como meros desajustes ou inexistência de mercado.

A concepção de sustentabilidade, que emerge entre as duas posturas

anteriores, na verdade anula o trade-off entre desenvolvimento e preservação

ambiental. Mais do que isto: frente à impossibilidade de generalização dos

padrões de desenvolvimento e de consumo dos países desenvolvidos, esta

concepção questiona seriamente a idéia de progresso ancorado numa apropriação

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predatória da natureza. Por outro lado, critica as assimetrias sociais, quer entre

países, quer entre segmentos sociais no mesmo espaço regional. Por fim,

estabelece como fundamental o princípio da prudência ecológica, na perspectiva

de resguardar o patrimônio ecológico para usufruto das gerações futuras.

Daí a importância dos fundamentos éticos, principalmente a solidariedade,

pois deles não só se estruturam os arcabouços teóricos mas, sobretudo, definem-

se as posturas normativas contidas no conceito de desenvolvimento sustentável e

formulações político derivadas.

Como decorrência desse debate, parece claro que as crises ambientais

expressam uma crise de caráter mais geral, que representa o esgotamento de um

modelo civilizacional. Nesse contexto, se as crises desvelam o caráter anacrônico

e contraditório do atual processo de desenvolvimento, torna-se necessário

desvelar a crise ambiental, o que implica considerar as visões que

consubstanciam os movimentos de estruturação social tão relevantes quanto às

exterioridades das crises. Dito de outra forma, entender o caráter das crises

requer discutir o papel da natureza, não só nos processos produtivos mas,

sobretudo, as dimensões políticas e sociais como elementos importantes e

estruturadores dos processos civilizatórios.

De qualquer forma, a idéia de que estas crises, de caráter global ou local,

expressam uma crise mais geral, que aponta para o esgotamento de um modelo

civilizacional não só desvela e questiona os padrões atuais de consumo e

produção, mas delimita o papel crucial que o desafio ambiental representa no

questionamento do atual processo civilizatório (Guimarães, 1998, p. 53).

Alguns autores, ao pensar a questão ambiental como decorrente de um

processo histórico, posto que estruturada a partir de uma visão antropocêntrica,

que remonta ao iluminismo, parecem estabelecer os marcos corretos da

delimitação do problema. Com efeito, é fato já evidenciado por vários historiadores

que o Iluminismo, no século 17, representou um repensar não só dos valores

sociais mas também um avanço das ciências e dinamismo tecnológico. No âmbito

geral, a representação social, como expressão dos valores de participação e

cidadania, consolidou um contexto de ruptura do Ancien Régime para uma nova

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sociedade. Na verdade, tratou-se de “inventar” uma nova estrutura de Estado em

que foram contemplados os interesses das novas e emergentes classes sociais –

no caso a burguesia - e, mais importante ainda para os nossos propósitos,

estabeleceu-se uma nova forma de apropriação na relação homem-natureza.

A forma holística com que o conjunto de novos valores se consolidou,

forneceu os elementos necessários à formulação dos princípios que dão base de

sustentação a sociedade ocidental, tal como a conhecemos atualmente. Por outro

lado, como elemento nuclear e subjacente a todos esses processos já referidos, a

visão antropocêntrica daí derivada adquire na relação homem – natureza uma

forma puramente antagônica. Paradoxalmente, a afirmação desta visão resulta em

dois pólos distintos e opostos que negam, em conjunto, a possibilidade de uma

sociedade baseada nos princípios da sustentabilidade, tal como referidos

anteriormente. Posto assim, parece que as mudanças pontuais, novas posturas, e

o crescimento da consciência ecológica, em muito contribuem para minorar os

danos ambientais mas, todavia, não solucionam a questão de fundo. Fica evidente

a necessidade de redefinir novos estilos de desenvolvimento, ou melhor ainda, de

estabelecer como horizonte, na feliz expressão de Sachs, a passagem de uma

civilização do “ter” para uma civilização do “ser” (Sachs, Apud Romeiro, 1999, p.

14).

A implementação de mudanças no jogo, tal como parece inevitável implica,

por seu turno, em responder novas perguntas dentre as quais, por sua relevância,

são as condições objetivas para essas mudanças. Para Romeiro, não só torna-se

necessário que ocorram as ditas transformações, no sentido de se definir um novo

estilo de vida de caráter civilizatório, bem como estas devem ocorrer

diferentemente da transformação já referida, em que a superação das forças

retrógradas, pela descentralização política acabou por gerar um imenso potencial

de desenvolvimento das forças produtivas. A nova ruptura, em função da

especificidade do desafio ambiental, não deveria ser um resultado aleatório, fruto

de um jogo de correlações de forças políticas, mas uma ruptura cujas bases

deveriam ser “ações conscientes em busca de soluções socialmente eficientes”

(Romeiro, 1999, p. 7). Parece claro que o autor está a enfatizar que na trajetória

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de busca de estruturação de um novo projeto de sociedade torna-se necessário,

antes de tudo, aprofundar ainda mais a consciência ecológica, posto que será ela

a variável fundamental na estruturação do que virá. Neste caso, talvez não seja

adequado pensar em “mudanças no jogo”, mas sim em inventar um novo jogo.

1.3 O Conceito de Desenvolvimento Sustentável

As três últimas décadas marcam, definitivamente, o surgimento da questão

ambiental e sua importância como temática presente na agenda do debate

mundial. Espraiou-se no mundo contemporâneo a preocupação com a

preservação dos recursos naturais no sentido do manejo adequado do meio

ambiente de sorte a permitir seu usufruto às gerações futuras. A sustentabilidade

– crescimento econômico com justiça social e prudência ecológica –, impôs-se

como princípio norteador de uma nova forma de relação do homem com a

natureza e passou a estar presente em todos os fóruns de debates a respeito do

desenvolvimento econômico (Sachs, 1993). Isto, em forte medida, é resultado do

tipo de crise que se apresenta na atualidade. Enquanto nas antigas civilizações as

crises eram localizadas e tinham uma amplitude delimitada, o fato diferente na

atualidade é que “a nossa geração é a primeira a viver sob a ameaça de uma

catástrofe nuclear e ecológica global” (Deléage, 1997, p. 23).

Por outro lado, intensas discussões e acordos internacionais acenam no

“sentido de se consolidar uma gestão coletiva das crises globais” (Lipietz, 1997),

que envolvem mudanças climáticas e biodiversidade. Contribuíram em muito para

essas mudanças as grandes catástrofes e crises ambientais registradas em

período recente. A consciência ecológica cresce sobremaneira á medida que a

humanidade se dá conta da gravidade dessas crises e, sobretudo, percebe

progressivamente que o futuro do planeta dependerá de transformações radicais,

quer nos processos produtivos, quer nos padrões de consumo.

As crises, assim, parecem exercer dois papeis. Se por um lado representam

ameaças, por outro, a força determinante de interesses localizados só deixa de se

impor na medida em que as crises mobilizam e estabelecem prioridades de

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caráter coletivo. Lipietz (1997), baseado numa perspectiva de dimensão,

estabelece uma distinção entre crises globais e crises locais. Assim, a poluição de

rios, erosão dos solos e outras conseqüências de igual magnitude que têm como

causadores agentes pontuais constituem crises locais, enquanto que as crises

decorrentes de um modelo de desenvolvimento, envolvendo vítimas em vários

continentes, como a crise da camada de ozônio, o efeito estufa e a chuva ácida,

são exemplos de crise global. A amplitude deste tipo de crise, cujas causas são

difusas e a culpabilidade indeterminada, aliada a um alto grau de incerteza quanto

a causas e efeito, que as controvérsias das diversas interpretações dos cientistas

não permitem esclarecer, acabam por dificultar negociações envolvendo países e

acordos amplos.

A emergência deste quadro, que vimos aqui elaborando, data do já

conhecido relatório do clube de Roma (1968)6, cujo teor alertava para o fato de

que, mantido o ritmo do crescimento econômico e os atuais padrões de consumo

haveria, num curto prazo de tempo, o esgotamento dos recursos naturais. Para o

relatório, o crescimento era contraditório com o progresso, na medida em que a

natureza impunha limites físicos - sendo o mais evidente deles seu provável

esgotamento -,o que implicaria em se estabelecer de imediato uma taxa de

crescimento zero.

A intenção inicial do clube de Roma, estabelecida amplamente como

“dilemas atuais e futuros do homem”, como seria previsível a partir dos elementos

assim colocados, resultou num projeto mais específico e mais amplo, cujo teor

seria o exame dos problemas que afligem todas as nações, dentre outros a

pobreza em meio à abundância; a deterioração do meio ambiente e a expansão

urbana descontrolada. Como decorrência das discussões travadas no âmbito do

referido clube, estabeleceu-se, acertadamente e como princípio geral, que os

problemas são inter- relacionados, e sua magnitude e complexidade exigem

soluções fora dos padrões tradicionais e articulação global (Meadows, 1972, p.

10).

6 O Clube de Roma foi formado em abril de 1968 a partir de um encontro que mobilizou cerca de 30 pessoas entre cientistas,educadores economistas, industriais e funcionários públicos com a intenção de discutir “os dilemas atuais e futuros do homem” (Meadows,1972, p. 9)

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O resultado deste projeto, publicado sob o titulo de “Limites ao

Crescimento”, alertava que se o mundo continuasse a crescer mantendo esta

tendência de crescimento populacional e a industrialização, poluição, produção de

alimentos e diminuição de recursos naturais se mantivessem constantes, o

estoque de recursos naturais estariam exauridos em breves cem anos. (Meadows,

1972, p. 20).

O tom catastrófico do relatório teve diversas implicações. Uma das mais

importantes foi colocar na agenda internacional o debate, então relegado, sobre o

desenvolvimento econômico, que passou a ser travado em sua relação com o

meio ambiente, ampliando sua importância. Outra implicação decorrente deste

quadro amplo foi colocar em xeque a idéia predominante, desde o pós-guerra, de

que o crescimento econômico por si só implicaria na superação do

subdesenvolvimento. Para se ter uma idéia deste tipo de expectativa, basta

considerar-se a previsão de Schumpeter (Apud Romeiro, 1991, p. 142). que dizia

que com 50 anos de crescimento econômico, considerando uma taxa anual de

2% ao ano e desconsiderando o aumento populacional, todos os países teriam

eliminado a pobreza.

Por outro lado, gradativamente, ficou claro que o padrão tecnológico e de

consumo dos países desenvolvidos, por questões de natureza ecológica, não

poderiam ser generalizados aos países subdesenvolvidos (Romeiro, 1999).

De uma forma ampla, pode-se afirmar que era este o quadro ainda

predominante em Estocolmo (1972), ou seja, prevalecia a disjuntiva entre

preservação ambiental e crescimento econômico, representado pelos

denominados Malthusianos num extremo, cuja base era um reducionismo do

ecologismo intransigente e, no outro extremo, os Cornucopianos, que

representavam um economicismo estreito e rigoroso (Sachs, 1986, p. 11).

O encontro de Estocolmo acabou por definir uma linha intermediária, com a

formatação do conceito de ecodesenvolvimento, que apontava para novos

elementos mas, sobretudo, incluía a ética e a solidariedade como valores

nucleares na nova pauta de discussão. Isto, em certa medida, relevou o trade-off

entre desenvolvimento e preservação ambiental, até porque, conforme Strong,

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ambos “estão indissoluvelmente vinculados e devem ser tratados mediante a

mudança do conteúdo das modalidades e das utilizações do crescimento” (Sachs,

1986, p 7). Emerge daí, portanto, a pedra de toque da questão, ou seja, a

concepção de que a sustentabilidade pressupõe três critérios fundamentais que

devem ser contemplados simultaneamente - equidade social, prudência ecológica

e eficiência econômica -, na medida em que conformam o núcleo e expressam o

caráter normativo básico do conceito7.

O que se pretendia, a partir de Estocolmo, era a viabilização do processo

de sustentabilidade forte, ou seja, mudanças institucionais profundas o suficiente

para transformarem a atual lógica de acumulação capitalista e seu correspondente

padrão de consumo, como bem enfatiza Romeiro (1999, p. 68). Na realidade,

instauram-se novos dissensos como resultado das diversas apropriações do

conceito de sustentabilidade. Contudo poder-se-ia acrescentar que as novas

roupagens da velha discussão não escondem um certo ar “conservador”, que

nega a gravidade do desafio ambiental e/ou propõem políticas públicas

conciliatórias, através da intermediação do mercado.

A maior implicação decorrente da amplitude e gravidade dos problemas

ambientais foi a consolidação de uma nova visão de mundo, refletindo-se em

novos paradigmas, notadamente no avanço teórico experimentado pelas ciências

sociais (Morin, 1997, p. 53).

Conquanto o processo de produção implique, pelo menos historicamente,

uma crescente e sistemática apropriação da natureza por parte dos agentes

produtivos, isto parece não se ter refletido nas formulações teóricas,

principalmente no âmbito das diversas correntes teóricas da economia. Só após

intensas transformações, os economistas passaram a problematizar e incorporar

as preocupações ambientais como aspectos relevantes das diversas escolas

econômicas. Uma vez suposto que o ato de produzir implica uma relação entre os

agentes produtivos e a natureza, e que este ato é capaz de gerar problemas

ambientais, a questão relevante do ponto de vista econômico então é como

7 Segundo a definição do conhecido relatório Brundtland desenvolvimento sustentável “é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades” (Nosso Futuro Comum, 1991, p. 46).

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atribuir valor aos bens e serviços ambientais. Até porque se danos há, estes não

apenas devem ser reparados como devem ser passíveis de valoração para a

estimativa de custos e outros cálculos imprescindíveis à atividade econômica.

Certamente esta dificuldade teórica em valorar os bens e produtos

ambientais ou tratar os problemas ambientais, tal como o processo de

desmatamento da Amazônia como uma externalidade negativa, portanto sujeita a

correção por parte do mercado, pode ser destacado como um dos elementos de

fragilidade teórica da economia ambiental em dar conta de determinados

processos, notadamente os no âmbito da questão ambiental amazônica.

1.4 Políticas Ambientais e as RESEX

A pretensão desta parte do capítulo é situar o estado das artes da política

ambiental, de forma que se possa entender e discutir as Reservas Extrativistas na

perspectiva da gestão dos recursos naturais. Para este fim é suficiente um resumo

e uma apresentação geral das políticas ambientais, tendo como referencia as

abordagens da economia ambiental e ecológica, pois a pretensão é uma análise

da política ambiental para apreender uma realidade especifica, a das Reservas

Extrativistas.

O que chama a atenção ao analisar as políticas públicas e o processo de

regulamentação por que passa o setor ambiental, é que o tratamento dado pelos

policy-makers parece ir de encontro a uma tendência mais geral de

desregulamentação e maior liberdade para as chamadas forças de mercado.

Segundo Canuto (1998), no início dos anos 80, a regulamentação e as políticas

públicas eram objetos de ataque. A tendência mais geral observada era o

processo de desregulamentação. Canuto chama atenção ainda para o fato de que

na área ambiental o movimento ocorreu de forma distinta.

Neste setor, as políticas públicas e a regulamentação cresceram em

prestigio, aceitação e abrangência, e os controles diretos sobre o uso dos recursos

naturais foram se estabelecendo na maioria dos países da OCDE, apesar da

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existência de uma crescente contestação em relação à eficácia das políticas de

regulamentação em detrimento dos chamados mecanismos econômicos.

A princípio convém esclarecer, conforme referência acima, que existem dois

vetores de política ambiental: as políticas de “comando e controle” (C&C) baseado

na regulamentação (normas, leis etc.) e os “instrumentos econômicos” (IE), cuja

origem provém da microeconomia neoclássica e estabelece uma série de

mecanismos como cobranças de taxas, política de incentivos e créditos , política

de incentivos fiscais e a livre negociação, tudo isso visando alterar a relação

Custo-Benefício de forma que o poluidor incorpore os custos e, por outro lado,

favoreça aqueles que proporcionam benefícios. Uma das características dos IE é

que eles constituem uma alternativa à política de C&C em parte devido aos altos

custos que envolvem a implementação das leis e normas, sobretudo no que se

refere à fiscalização e controle.

As políticas de comando e controle visam obrigar os agentes econômicos a

reorientar suas decisões. As formas mais freqüentes de uso podem ser

sumariadas como a seguir8;

Estabelece padrões de poluição para fontes especificas, ou seja impõe limites

para emissão de determinados poluentes;

Controle de equipamentos e exigência de tecnologias “limpas” disponíveis;

Controle de processo: exigência de substituição de insumos;

Controle de produtos, visando a geração de produtos mais limpos. Ex:

Proibição de carros com baixo desempenho energético.

Proibição total ou restrição parcial de atividades em certos períodos. Ex:

Rodízio de automóveis em São Paulo.

Controle do uso de recursos naturais, por intermédio da fixação de cotas, como

exemplo o governo pode exigir uma cota de reflorestamento para cada árvore

derrubada.

A lógica dos IE baseia-se no princípio de que os bens ambientais e outros

serviços, ou não possuem mercados próprios ou não funcionam de forma

eficiente. Para corrigir essas “falhas de mercado” propõem então a intervenção do

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governo para criar esses mecanismos econômicos, o que representa, em última

instância a criação artificial de um mercado no qual, através da simulação da

criação de um preço para os danos ambientais, ocorre efetivamente a

incorporação desses danos aos custos privados do poluidor. Com estes

mecanismos os neoclássicos parecem não se afastar tanto dos seus caros

preceitos, na medida em que, apesar de propor a mínima participação do governo

na economia, a correção das falhas de mercado, tal como proposta, restabelece o

âmbito do mercado como instância decisiva para as tomadas de decisões.

Outra forma de IE derivada da economia convencional é a livre negociação.

Esta formulação partiu de Coase (Apud Almeida, 1998) que propôs que os

problemas ambientais deveriam ser resolvidos através da negociação, desde que

direitos privados fossem reconhecidos. Seu teorema diz o seguinte: “não importa

quem detém os direitos de propriedade haverá sempre a tendência de se atingir a

poluição ótima (ou nível ótimo de degradação) se houver livre negociação”. A

formulação de Coase apresenta algumas condições entre elas: todos os agentes

implicados no problema ambiental participam da resolução; as negociações não

envolvem custos de transação e a negociação é levada até o fim. Assim

formulado, o teorema apresenta algumas desvantagens. A primeira é que as

condições são difíceis de serem atendidas. Em segundo plano, exclui a

participação das gerações futuras no processo de resolução dos problemas e,

também, releva a escala de igualdade de poder envolvendo as partes. Uma

negociação para ser legítima, requer que os contendores possuam o mesmo nível

de poder.

O fundamental, neste tipo de análise, é considerar que as proposições

apresentam vantagens mas, sobretudo, desvantagens, que às vezes implicam

soluções completamente inviáveis na prática. Esse parece ser o caso da maioria

dos instrumentos econômicos. No primeiro caso, o da negociação coseana, os

elevados custos de transação praticamente reduzem essa proposta ao âmbito da

solução de pequenas querelas. No outro caso, o da “poluição ótima”, duas críticas

são definitivas quanto à viabilidade dessa proposta. A primeira se refere ao fato da

8 Este sumário, com pequenas alterações, foi extraído de Almeida (1999, p. 4-5)

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solução não se efetivar. Afinal, o fato da permanência da poluição significa que o

“ótimo” é uma solução restrita ao âmbito econômico. Por outro lado, não é

possível calcular corretamente os danos ambientais (Romeiro, 1999, p. 9/10).

O resultado dessa constatação, não significa que esses instrumentos

devam ser descartados. Na verdade é crescente a disseminação de seu uso.

Segundo Almeida (1997, p. 12/7), “estudos da OECD confirmam uma tendência de

uso crescente de instrumentos econômicos na política ambiental de seus países

membros, muito embora ainda predominem com folga os instrumentos de

comando e controle”. A explicação para isso é que na prática os danos ambientais

não são necessariamente devidamente calculados mas, na verdade, estimados e

fixados pelos policy-makers de forma que atinjam seus objetivos gerais.

No âmbito da economia ecológica, há uma linha que contempla a inter-

relação entre o uso de C & C e uso de instrumentos econômicos. Assim, a

definição do processo decisório comporta duas alternativas: na primeira, há um

uso específico do instrumento de análise do custo – benefício e, na segunda

alternativa, em face à complexidade dos ecossistemas naturais, impõem-se limites

á interferência da economia nos ecossistemas naturais (May, 1995).

Estas considerações permitem ressaltar uma das mais importantes

dimensões das Reservas Extrativistas. Estas parecem constituir, também, um

caso de política ambiental, combinando “comando e controle”, que se expressa na

regulamentação básica das RESEX que visa, sobretudo, a preservação ambiental

e uso de instrumentos econômicos. Assim, a terra não pode ser comercializada - é

propriedade da União com usufruto coletivo -, e também não pode ser utilizada

para outros fins que não a atividade extrativista. A exceção é a cultura de

subsistência e a extração de madeira para pequenas construções de uso próprio

O caso de extração de madeiras de forma sustentada é ainda uma questão

embrionária, sendo que a princípio só é admitida em forma comunitária sob a

coordenação do IBAMA9. Não se infira disto tudo que a proposta RESEX tem uma

9 A questão do manejo florestal é discutida no cap.7. De qualquer forma vale a pena indicar que já existem muitas experiências nesta área, como é o caso da comunidade do PAE Chico Mendes que conseguiu o selo verde (FCS –Conselho de Manejo Florestal, na sigla em inglês) para a produção de madeira de forma ambientalmente correta. Este é o primeiro caso de manejo sustentado a

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estrutura centralizada ou acarreta altos custos com fiscalização. Como se verá

melhor adiante, a proposta das reservas se estruturou a partir de uma base sólida

de discussões com o conjunto dos extrativistas e consolidou-se a partir de um

processo participativo, cujos resultados assinalam um alto grau de cooperação e

fortes laços comunitários.

Por outro lado, uma análise das reservas mostra, desde logo, que não é

possível tratá-las como um campo específico de uma determinada política

ambiental. Isto não significa negar a importância do aparato normativo que rege as

RESEX, mas a afirmar da possibilidade de implementação de políticas tipo IE,

notadamente, pela inconsistência dos mercados formais na avaliação dos

produtos e serviços ambientais. Afinal, como avaliar os serviços de manutenção

dos estoques de recursos florestais, muitos deles sequer conhecidos pelo Estado

das artes na ciência, como é o caso da biodiversidade, cujo conjunto de

informações científicas se encontram ainda num momento incipiente. O fato de

estes serviços não serem devidamente avaliados pelo mercado cria a

possibilidade de futuramente pagar-se pelos serviços ambientais.

Na prática, a implementação das políticas ambientais, tipo RESEX,

apresenta uma série de dificuldades, principalmente quanto às formalidades que

dizem respeito a gerenciamento e planejamento dessas experiências,

completamente alheias ao universo cultural dos seringueiros. Muitas dessas

questões estão presentes no Relatório de Avaliação Independente, elaborados

pelos consultores Irving e Milikan (1997, p. 4), para o “Programa Piloto para a

Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, que desenvolve o “Projeto Reservas

Extrativistas”.

Este projeto é parte do Programa Piloto e visa a desenvolver em quatro

Reservas Extrativistas, experiências sobre modelos de gerenciamento econômico,

social e ambiental, aperfeiçoando e capacitando as populações tradicionais na

“administração dos recursos naturais renováveis das florestas tropicais, por

conseguir licença para o exercício deste tipo de atividade. (Folha de São Paulo, 02/04/02). Nas reservas extrativistas o IBAMA já iniciou algumas experiências de manejo sustentado, mas os resultados ainda se encontram em fase de avaliação.

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intermédio da co-gestão entre governo e sociedade”. Assim, o projeto estabelece

os seguintes objetivos:

1. Completar a regularização legal das Reservas Extrativistas e outros

procedimentos necessários para assegurar os direitos de acesso aos recursos

naturais entre as populações tradicionais;

2. Fortalecer organizações comunitárias e instalar infra-estrutura social e

comunitária nas reservas;

3. Aprimorar o manejo e conservação dos Recursos Naturais nas Reservas

Extrativistas.

Na avaliação propriamente dita, os autores chamam a atenção para o

grande desafio que é a implementação do projeto tendo em vista a contribuição na

implantação de um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia centrada

nas premissas de desenvolvimento sustentável deixando claro sua visão de que “o

caráter inovador e arrojado do projeto, por si só, já representa uma evolução em

termos de proposta de desenvolvimento da Amazônia”. O desafio, então, é

resumido em quatro pontos: regularização fundiária e resolução dos conflitos no

tocante ao acesso aos Recursos Naturais; fortalecimento da organização

comunitária; geração de alternativa de rendas e conservação ambiental.

Isto, no entanto, não significa relevar os demais problemas e obstáculos

que a construção de uma proposta dessa natureza envolve. O primeiro diz

respeito às grandes distâncias, decorrente das grandes extensões de área das

reservas, que não só dificultam sua implementação como outros tipos de ação,

como monitoramento, avaliação e, principalmente, a comunicação. Estes

elementos revelam um aspecto crucial desta realidade. As ações de um modo

geral devem contar com o apoio da comunidade, pois são inviáveis o controle e

fiscalização de área de tamanha magnitude. O perigo de atividades como extração

de madeira ou a pecuária, que vão de encontro à concepção conservacionista das

reservas, devem ter seu encaminhamento de forma participativa, de sorte que,

através do processo de discussão os moradores possam desenvolver estas

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atividades sem perder de vista a dimensão ambiental. Se assim não ocorrer, o

Estado torna-se inoperante para coibir atividades consideradas ilegais. Ilustra

bem essa situação a ocorrência de contrabando de madeira, mesmo com a

fiscalização exercida pelo IBAMA e pelos próprios moradores das reservas.

Há uma crítica ao IBAMA, cuja deficiência de atuação representaria um

entrave à viabilização desse objetivo. Isto vale para o monitoramento dos planos

de utilização, principalmente na parte referente à conservação dos recursos

naturais. O relatório independente de Irving e Milikan, toca numa questão vital

para a conservação dos recursos ambientais que é a execução correta dos planos

de utilização, porque sem isto as forças de mercado ou outros interesses, como

posseiros vizinhos à reserva, se imporiam colocando a reserva como proposta

ambiental em perigo.

Este mesmo relatório chama atenção, no âmbito das políticas públicas, para

a pequena integração entre a reserva e os órgãos públicos. As políticas do INCRA

e das prefeituras, de um modo geral, parecem desconhecer a existência das

reservas. Isto, em parte, explica-se pela forma como o extrativismo é visto pelas

diversas comunidades do Acre, isto é, de um modo geral associado às práticas do

barracão, uma atividade em decadência. Ao tentar uma ação de compatibilização

das políticas públicas das diversas instituições voltadas para o fortalecimento das

reservas, torna-se necessário uma ação política que estabeleça claramente uma

distinção entre as reservas e o velho extrativismo.

Outra dificuldade que parece estar sendo superada é a incipiente

organização comunitária que, como ação coletiva, implica processos que

envolvem a presença física dos seringueiros. Se, por um lado, as grandes

distâncias não favorecem esta atividade, por outro lado, as experiências em

atividades sindicais geraram uma cultura favorável, que tem contribuído para as

ações coletivas. Assim, segundo os autores, Irving e Milikan a organização

comunitária tem avançado, notadamente através da consolidação das

associações e a criação dos núcleos de base como elemento de efetivação das

ações do projeto.

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Na parte referente ao apoio à educação e à saúde, faz-se necessária uma

articulação entre o projeto e diversos órgãos como ministérios, governo estadual e

prefeituras, de forma que se possam desenvolver ações mais efetivas e

permanentes.

No âmbito da produção, o projeto tenta duas vias integradas, que são as

alternativas de geração de renda e a melhoria das condições de subsistência. O

relatório assinala que já há sinais de diversificação da produção; todavia, há ainda

um longo caminho a percorrer, no sentido de superar alguns obstáculos, tais como

capacidade gerencial e capacidade de análise dos impactos ambientais

decorrentes das atividades produtivas. A atividade agro-pastoril, a princípio,

contraditória à concepção das Reservas Extrativistas, precisa ter seu papel

devidamente dimensionado e definido, de forma a não concorrer para a ampliação

dos danos ambientais.

Por tudo isso, a variável ambiental precisa ser devidamente internalizada,

principalmente em decorrência da ameaça que representam as transformações

antrópicas que acontecem nas áreas de entorno. Na figura 9 (p. 137) pode-se

visualizar melhor essa questão da ameaça que representa atividades que ocorrem

ao redor da RESEX. Como a parte cor de rosa mostra as áreas desflorestadas,

vê-se que a parte interior da reserva está bem conservada, enquanto ao redor

cresce a área antropizada.

Por fim, o relatório apresenta algumas “lições” extraídas dessa experiência

que podem contribuir para a elaboração de projetos futuros para as próprias

reservas ou projetos semelhantes envolvendo populações tradicionais:

A estratégia de ação descentralizada tendo como pressupostos abordagem

participativa e o estabelecimento de parcerias interinstitucionais parece

fundamental para o equacionamento das principais questões econômicas

sociais e ambientais de unidades de conservação de uso direto com as

características descritas.

Um projeto dessa natureza não pode estar dissociado de uma estratégia de

desenvolvimento regional integrado (considerando os aspectos políticos

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econômicos sociais e ambientais) tendo os atores locais como elemento

principal.

É necessário se trabalhar metodologicamente segundo as especificidades

sócio-culturais e ambientais de cada área. O enfoque homogêneo dirigido a

áreas tão singulares pode levar a serias distorções do projeto.

O enfoque produtivo de projetos de desenvolvimento dirigido às populações

tradicionais deve ser capaz de compatibilizar os aspectos de geração de renda,

organização gerencial e conservação ambiental ou correm o risco de se

tornarem insustentáveis.

Projetos dessa natureza devem buscar soluções que assegurem o caminho

mais curto entre o recurso e o beneficiário e que promovam o seu efeito

multiplicador (em termos espaciais e temporais) e a garantia de

sustentabilidade, com relação à autonomia das populações beneficiadas e

continuidade das ações encaminhadas.

Esse conjunto de proposições, ao tempo que evidencia uma série de

dificuldades por que passam as reservas, mostram também uma série de ações

capazes de consolidar a proposta. Essa postura, na verdade reflete uma visão

ampla das reservas que supera o entendimento desta como uma pura e simples

atividade econômica.

A partir do exposto, tem-se então os elementos essenciais para se

compreender o papel das Reservas Extrativistas enquanto política ambiental, ou

melhor ainda, como na prática esta experiência supera os estreitos limites

conceituais da formulação de política ambiental derivada da abordagem das duas

escolas econômicas já referidas.

O caso da reserva norte-americana Yellowstone pode servir de referência

para melhor explicitar estas idéias. Trata-se de uma típica política de comando e

controle, consolidada a partir da concepção naturalista, cuja base preservacionista

é a formação de ilhas isoladas da presença humana, considerando que este tem

uma postura destruidora em sua relação com a natureza.

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A ausência do homem na reserva Yellowstone e, conseqüentemente, a

inexistência de conflitos, evitou a introdução do dilema muito presente na definição

de política ambiental, que é a do tipo de política a ser implementada se de C & C

ou de uso de Instrumentos Econômicos.

As RESEX, ao contrário, representaram uma solução extremamente criativa

dos seringueiros10, consolidando uma experiência de conservação de áreas

florestais com a presença humana e, também, uma resposta que transcende o

dilema como referido, em termos de uma opção entre os dois tipos de política

ambiental.

A experiência da RESEX, ao superar esta dicotomia, comprova de forma

concreta a insuficiência da abordagem neoclássica para os problemas ambientais.

Além do mercado não valorar corretamente os bens e serviços ambientais, fica

evidente também, a insuficiência das proposições de políticas derivadas dessa

abordagem. Na verdade, a RESEX parece evidenciar o tom mais realista da

abordagem da Economia Ecológica, de que é necessária a formulação de um mix

de políticas ambientais, cujo ponto de partida deve ser o estabelecimento da

regulação do uso dos recursos naturais com o envolvimento efetivo das

populações locais.

O ponto focal das Reservas Extrativistas, exatamente o que permitiu a

construção e a efetivação dessa proposta foi, sem dúvida, a “participação

popular”. É isto – a legitimação por parte do conjunto de moradores -, que garante

o êxito das medidas no interior das RESEX. A regulação, quando necessária, é

efetivada com o apoio dos moradores, o que evita o alto custo na área de

fiscalização, responsável pelo fiasco de muitos projetos desta natureza.

Por outro lado, a existência de um conjunto de unidades produtivas,

consideradas exitosas no sentido de gerar uma renda monetária acima dos

padrões médios dos diversos sistemas de produção familiar no meio rural

acreano, mostra um amplo espaço de possibilidades de aumento de renda sem

degradação do meio ambiente.

10 A rigor, esta proposta contou com apoio de parcela substancial da população acreana, notadamente, dos setores mais progressistas como professores, parte da imprensa e outros setores organizados.

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Em linhas gerais, a RESEX construída a partir de um processo histórico em

que um grupo de seringueiros torna-se sujeito desse processo, comprova a

importância da participação e organização popular, como ponto de partida para a

garantia do êxito da política ambiental, seja de C & C, uso de instrumentos

Econômicos ou um misto de ambas.

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CAPÍTULO 2: AS RESEX E A QUESTÃO AMBIENTAL

2.1 Introdução

Neste capítulo, discute-se as principais questões a respeito das Reservas

Extrativistas e sua relação com o meio ambiente. A primeira refere-se ao papel da

RESEX no desenvolvimento regional. As diferentes visões a este respeito podem

ser agrupadas, grosso modo, em duas posições antagônicas que expressam, de

uma maneira geral, os diversos e difusos interesses em jogo na questão

ambiental. Uma segunda questão, mais ampla por superar as dimensões

regionais, refere-se a uma perspectiva que denomino de preservação radical, em

que se pressupõe a exclusão da presença humana como requisito essencial ao

processo de proteção ambiental da floresta Amazônica.

A visão predominante, no âmbito da primeira questão, é a que considera as

RESEX como um modelo de desenvolvimento sustentável, entendido amplamente

como uma economia da pequena produção capaz de gerar renda, corrigir

desigualdades sociais e manter o ecossistema florestal. Pressupõe a proteção da

Amazônia a partir de uma ocupação peculiar em que respeitados os direitos das

populações tradicionais estas seriam responsáveis pela proteção da floresta. A

visão antagônica, parte do princípio que o extrativismo vegetal é por si só incapaz

de gerar os resultados econômicos necessários à ruptura do atual padrão de

desenvolvimento, o que em última instância, resulta por reproduzir as condições

de pobreza e miséria atuais.

A segunda questão, não menos importante, é derivada da concepção

naturalista norte – americana, de que as reservas devem se constituir em ilhas de

preservação excluindo a presença humana. Esta concepção é influenciada pela

ameaça crescente do potencial destrutivo resultado do padrão industrial

americano, de resto, comprovado à larga, notadamente e principalmente pós-

revolução industrial.

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Parte-se do pressuposto que o entendimento do papel da RESEX no

desenvolvimento regional implica apreender sua forma de inserção no contexto da

problemática ambiental. Portanto, definir as determinações mais gerais entre a

economia e o meio ambiente de forma que se possa apreender as especificidades

da reserva do ponto de vista conceitual, ou seja, ver as reservas como parte das

discussões ambientais.

A preservação da floresta Amazônica como uma questão de interesse

nacional e internacional é resultado do crescimento das preocupações com as

questões ambientais e, em particular, o aquecimento do planeta e perda de

biodiversidade. Em decorrência dessas preocupações globais, ampliou-se o

debate sobre a possibilidade de compatibilização entre crescimento econômico e

preservação ambiental.

Este quadro de preocupações com a questão ambiental evidencia a

importância crescente da Amazônia, pelas suas dimensões e riquezas naturais

mas, principalmente, por que os estudos e pesquisas sobre o meio ambiente

atribuem um papel crucial desta na resolução/agravamento desses problemas.

Isto fica particularmente claro ao se considerar as mudanças globais decorrentes

da forma de acesso e uso das terras.

As mudanças globais (Vitousek, 1992) podem ser decorrentes de ações

naturais ou antropogênicas e classificadas em duas categorias. Na primeira, estão

incluídas as mudanças que dizem respeito aos grandes sistemas da terra –

atmosfera e oceanos - e, portanto, adquirem dimensões planetárias. Fazem parte

desse grupo as variações climáticas, o decréscimo da concentração do ozônio na

atmosfera e o aumento da radiação de ultravioleta. Na segunda categoria, os

problemas são originados de espaços delimitados e, em grande parte, decorrentes

da forma de ocupação e uso da terra. Exemplos desse tipo de problema são a

perda de biodiversidade e a invasão biológica, resultando em propagação de

doenças e mudanças químicas na atmosfera e alterando ciclos vitais como o da

água e do carbono.

O uso da terra, nos dois casos, adquire papel crucial, porque age

diretamente modificando, pelo menos na maioria dos casos, a biodiversidade

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regional, o ciclo biogeoquímicos, os ecossistemas biológicos e, no plano social,

define a estrutura de urbanização, os processos econômicos e, por conseguinte,

afeta a qualidade de vida das populações locais.

Por mais paradoxal que possa parecer, na década de 1970, ao mesmo

tempo em que se ampliava progressivamente uma consciência ecológica global

definia-se, no âmbito das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento

regional, um particular processo de ocupação da Amazônia, cujo núcleo impactava

frontalmente com as idéias de desenvolvimento baseadas nos princípios da

sustentabilidade.

Vários estudos assinalam a importância da terra como elemento

fundamental para o acesso a vantagens econômicas, principalmente, incentivos

fiscais e créditos agrícolas subsidiados (Hecht et all,1988), (Romeiro e Reydon,

2000). O resultado desse processo - perspectiva de desenvolvimento apoiada na

grande empresa agropecuária -, além de agravar a situação social de parcela

considerável da população amazônica, foi o desencadeamento de um forte

processo de degradação ambiental.

Reydon e Hebers (1989) estabelecem uma relação direta entre a elevação

dos danos ambientais e os movimentos do preço da terra com a implantação dos

grandes projetos agropecuários na região amazônica. Estes projetos estimulados

pelo governo federal, via incentivos fiscais, ampliam o processo de especulação

com a terra e, sobretudo, acirram os conflitos pela posse da terra.

Foi assim, de forma contraditória, que se estruturou a questão ambiental na

Amazônia, isto é, como resultado direto da tentativa de implantação de um modelo

de desenvolvimento baseado na grande empresa agropecuária, cuja lógica era a

transformação da floresta em pasto, tudo isto apoiado pelo conjunto de políticas

definidas pela “Operação Amazônia”11, cuja base eram os incentivos fiscais da

SUDAM.

A década seguinte, em decorrência, representou um marco para a

Amazônia, pois consolidou um modelo de desenvolvimento cujo padrão se baseou

11 Nome dado a um conjunto de leis e mudanças institucionais visando implementar uma política de cunho desenvolvimentista para a região amazônica, considerada como um imenso vazio demográfico que precisava ser integrada á unidade nacional (MI/SUDAM, 1968).

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no uso intensivo e predatório dos recursos naturais, expressando de forma direta

uma ameaça às populações locais e à floresta tropical.

Esta nova forma de apropriação da natureza se, por um lado, resultou em

forte processo de degradação ambiental, por outro lado, gerou um forte

movimento de resistência a este modelo representado pela luta das populações

locais pela posse da terra o que resultou, por seu turno e a nível mundial, numa

forte e crescente consciência crítica a respeito dos problemas ambientais na

Amazônia.

Dentre as diversas iniciativas que comprovam essa assertiva, pode-se

destacar a mudança de postura do Banco Mundial, com relação à questão

ambiental na Amazônia. A partir de então, o Banco passou a incorporar os

conceitos de crescimento econômico com metas de proteção ambiental. O

resultado em termos práticos se expressou na exigência de estudos de impacto

ambiental para obras financiadas com recursos oriundos do Banco (Banco

Mundial,1992).

Foi dentro deste quadro mais geral que emergiu, em 1985, uma resposta

dos seringueiros acreanos à expropriação da terra e ao processo de devastação

da floresta, consubstanciada na proposta das Reservas Extrativistas (RESEX).

Estas foram, portanto, uma decorrência deste movimento de resistência que

visava a geração de valor sem degradação do meio ambiente, transformadas em

política pública pelo governo federal. Neste sentido, pode-se afirmar como já

referido anteriormente, que as RESEX constituem uma conquista a mais à política

inicial que era, naquele contexto, a luta pela posse da terra (Novaes, 1991).

2.2 A Luta Seringueira, a RESEX e a Questão Ambiental

A proposta RESEX nasce da luta dos seringueiros, inicialmente como

resposta política à situação de exclusão dos quais eram vítimas para, logo depois,

incorporar a dimensão ecológica. A rigor, a preocupação ecológica sempre esteve

presente na economia da borracha em virtude, principalmente, do próprio

processo de trabalho e da relação do extrativista com a natureza. Por outro lado,

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como decorrência natural do processo da luta política, os seringueiros organizados

em torno do Conselho Nacional dos Seringueiros perceberam que, não seria

suficiente garantir a posse da terra. Era preciso construir um novo sistema de

produção, preservando sua cultura e seu modo de vida, então ameaçados.

A organização em torno dos sindicatos rurais representava algo novo, mas

eficaz na consecução dos seus objetivos. A trajetória natural, portanto, era

construir algo mais amplo e sólido para possibilitar melhores condições de vida, e

ao mesmo tempo pudesse se constituir em alternativa ao modelo baseado na

pecuária, que requeria o desmatamento como premissa básica para a constituição

de pastos.

Além do forte conteúdo ambientalista das RESEX, a grande novidade dessa

proposta é, como afirmado anteriormente, que a mesma emergiu como resultado

direto da luta política dos seringueiros acreanos. Por mais de um século essa

população pobre, não indígena, viveu da exploração dos produtos da floresta

causando pouco ou quase nenhum dano ao ecossistema florestal. Diante do

surgimento de um processo de venda de terras do Acre para investimentos na

pecuária e especulação fundiária, a terra desmatada passou a ter maior

importância determinando o enraizamento da prática do desflorestamento.

Os seringueiros, de forma organizada, elaboram uma proposta inovadora e

alternativa, tendo como elementos nucleares a preservação e a valorização dos

produtos da floresta visando, sobretudo, a melhoria de vida do conjunto das

populações tradicionais. Isto, em grande medida, é responsável pelo amplo apoio

que esta proposta vem recebendo, desde o trabalho político desenvolvido na

década de 1980 por Chico Mendes, de cientistas e organizações ambientalistas de

todo o mundo.

A inspiração dessa proposta nas reservas indígenas, partiu do líder

seringueiro Chico Mendes e foi incorporado pelo conjunto dos extrativistas por

ocasião do primeiro encontro realizado em Brasília (CNS, 1993a, p. 1). Este

encontro marca, portanto, não só a criação do CNS, mas também a das RESEX,

haja vista sua aprovação em plenária. A determinação maior neste momento era,

sem dúvida, a luta pela posse da terra. Os seringueiros queriam usufruir o

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extrativismo garantindo a posse da terra e como mantenedores do seu próprio

meio de produção e não queriam mais “participar como mão-de-obra barata ou

semi-escrava” (CNS, 1993, p. 1), conforme a visão que eles possuíam de sua

inserção no processo produtivo dos seringais tradicionais.

Por volta do início da década de noventa, o CNS já tinha uma proposta das

RESEX mais ampla e mais bem elaborada. Apesar de enfatizar que ao apresentar

a proposta estavam conscientes de que “não há apenas uma única e definitiva

solução para o desenvolvimento sustentável na Amazônia” (CNS, 1993, p. 14),

prevalecia ainda a idéia de uma proposta genérica e única no sentido de se

contrapor ao modelo da pecuária e de superação do extrativismo tradicional.

Assim, os novos elementos incorporados ao movimento dos seringueiros

apontavam para a concepção das reservas como parte da luta política pela

reforma agrária no Brasil, como alternativa ao modelo tradicional de

assentamentos do INCRA e, por fim, com a incorporação clara e definitiva da

dimensão ecológica.

Dessa forma a preservação ambiental internalizada como ponto focal da

proposta das RESEX foi assim descrita: “A principal característica das RESEX,

portanto, é o resgate da importância do homem, numa nova perspectiva de

ocupação do espaço amazônico, associada à conservação do meio ambiente

onde são levados em consideração os aspectos sociais, culturais e econômicos

das populações locais” (CNS, 1993, p. 6).

A relevância dessa concepção se expressa, para além dos seus aspectos

históricos, pela incorporação da preservação ambiental como elemento basilar e

articulador dos princípios da sustentabilidade. Desde então, passou-se a

considerar como elementos nucleares tanto a conservação dos recursos naturais

quanto a melhoria das condições de vida das populações extrativistas (CNS, 1993,

p. 10), tudo isto como expressão da vontade coletiva.

Nesta mesma linha de raciocínio, Rêgo elabora o conceito de

“neoextrativismo” que, segundo o autor, é uma proposta na perspectiva da

organização da produção familiar, todavia perpassando todas as instâncias da

vida social: a econômica , a política e a cultural. Assim, o neoextrativismo implica

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uma elevação no nível de qualidade de vida, principalmente pela elevação e

geração de renda em decorrência da incorporação do progresso técnico e a

incorporação de novas alternativas de extração de recursos associados ao cultivo,

criação e beneficiamento e comercialização da produção (Rêgo, 1999). O

fundamental no trabalho referido, em que pese o nível ainda embrionário da

referida proposta, é que a mesma não só pretende se constituir em uma forma

ampla de organização da produção baseada nos princípios da sustentabilidade,

mas redefine o conceito de extrativismo considerando-o algo mais amplo do que a

simples coleta de recursos naturais como ocorre nos casos do extrativismo

mineral.

Resta assinalar que, o conceito de neoextrativismo, na medida em que

contempla uma nova idéia de estruturação da produção baseados nos princípios

da sustentabilidade, mostra-se adequado a discussão da viabilidade das reservas,

principalmente em razão da ruptura aos moldes produtivos da organização social

e produtiva dos velhos seringais.

Os elementos fundamentais, como bem assinala Anderson (1994), seriam

os direitos dessas populações a terra e, ao mesmo tempo, a promoção da

conservação dos recursos naturais. Estes elementos estão presentes na definição

de RESEX elaborada por Allegretti que chama a atenção para o papel do Estado

como responsável pela proteção dos espaços territoriais definidos como RESEX e,

por outro lado, assinala que a concessão real de uso deve ser regulada através de

contrato aprovado pelo IBAMA (Allegretti, 1994, p. 19). Concordando com os

termos gerais desses autores, Menezes (1994) ressalta a dimensão alternativa

que as RESEX assumiram ao se contrapor aos desmatamentos na Amazônia.

A visão geral que se tinha das reservas, contudo, será drasticamente

alterada após a morte de Chico Mendes, em 1988. Para Anderson, a partir deste

fato, “as reservas passaram a ser consideradas como novo paradigma de

desenvolvimento para a região amazônica, recebendo apoio de uma ampla frente

de organizações não-governamentais, universidades e instituições de pesquisa, e

agências de desenvolvimento dentro e fora do país” (Anderson, 1994, p. 227). Isto

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de certa forma explica a forma entusiástica e pouca crítica, pelo menos no início,

com que as reservas foram tratadas.

Há, no entanto, outro aspecto a ser melhor considerado que é o seguinte.

Ao analisar de forma ampla a consolidação da proposta RESEX, chama atenção a

forma recorrente como a maioria dos autores trata a questão. Em geral,

consideram a RESEX uma proposta de desenvolvimento sustentável da

Amazônia.

Esta idéia, tal como referida, está presente na maioria dos documentos do

CNS. No Relatório Sócio-Econômico de 1992, afirma-se que a RESEX deve ser

não só uma obrigação das populações tradicionais mas, também, obrigação do

governo, por se tratar de um modelo de desenvolvimento voltado para a realidade

amazônica (CNS,1992, p. v). Considera ainda, este documento que, o extrativismo

é a única forma de utilização da floresta e de proteção do meio ambiente (CNS,

1993 a:1). Nesta mesma linha de raciocínio Allegretti afirma que: “A grande

peculiaridade desta proposta é a reconciliação entre desenvolvimento,

conservação do meio ambiente e equidade social” (Allegretti, 1994, p. 19). Esta

idéia, na verdade, reafirma a percepção das RESEX como modelo de

desenvolvimento sustentável, o que de resto, constitui a percepção de muitos

respeitáveis autores. Sobre esta questão pode-se afirmar que ela, de certa forma,

mostra a maneira como a RESEX foi percebida naquele contexto. O caráter

progressista e inovador da proposta contribuíram em muito para o seu alto grau de

aceitação e, por outro lado, afetou o senso crítico empanado pela euforia da

consolidação da mesma.

Um ponto recorrente na literatura, como sugestão visando à consolidação

das reservas, é que estas, desde sua origem, previam a diversificação da

produção, o que tem sua lógica por considerar como um dos princípios a melhoria

de vida das populações locais. Isto, por seu turno, abre um leque de

possibilidades para a elaboração de estudos visando a consolidação das RESEX.

De qualquer forma, cabe assinalar que ainda em 1993, o CNS já alertava para a

importância dessa questão. Diz o documento que “a superação econômica do

extrativismo tradicional é uma outra dimensão presente hoje nas Reservas

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Extrativistas enquanto noção e enquanto prática, “concluindo que é necessário a

elaboração de alternativas que permitam a diversificação dos produtos-base da

economia extrativista, sugerindo a efetivação de pesquisa e levantamentos de

produtos extrativos com potencial econômico (CNS, 1993, p. 15).

A diversificação da produção vista como caminho para uma ampliação das

fontes de renda é ressaltado por outros autores. As Reservas Extrativistas,

segundo Anderson, “foram criadas para garantir os direitos de populações que

dependam da extração de produtos florestais não – madeireiros. Isso não

significa, entretanto, que essas populações devem depender exclusivamente

desta atividade para sempre” (Anderson, 994, p. 235). Ao discutir essa questão,

Mauro Almeida, que concorda em linhas gerais com o exposto, vai mais além ao

propor a modernização do processo produtivo, notadamente na parte referente ao

processamento e comercialização dos produtos já conhecidos (Almeida,1994, p.

265). O que este autor propõe é a elevação da produtividade no elo da cadeia de

produção, que se mostra mais simples de se efetivar, e pode ser conseguido com

cursos e a criação de cooperativas, de forma a elevar a renda dos extrativistas.

Em sentido mais amplo, Almeida indica que essa sugestão deve ser ampliada e

replicada para outros sistemas de produção, o que certamente contribuiria para

elevar a renda das populações envolvidas e, por outro lado, para diminuir a

pressão das atividades para o desmatamento.

No outro extremo da discussão, e em contraposição a estas idéias,

argumentam alguns que as reservas baseadas no extrativismo vegetal

representam uma proposta de preservação da miséria. As RESEX, assim, seriam

incapazes de incorporar progresso técnico; de uma inadaptabilidade natural a um

sistema de alta escala de produção ou, ainda, de impossibilidade de gerar uma

rentabilidade média compatível com os padrões estabelecidos na região.

O autor mais representativo dessa forma de pensar é sem dúvida Homma

(1989) cujo argumento, com muita ênfase, é que a instabilidade na atividade

extrativista vegetal não permite considerá-la um modelo de desenvolvimento viável

para a Amazônia.

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Em diversos estudos Homma propõe um modelo econômico que busca

apreender o extrativismo vegetal como um ciclo econômico, sujeito a fortes fatores

de instabilidades. Neste modelo Homma distingue dois tipos de extrativismo; o de

coleta, em que a árvore geradora do produto mantém-se em pé, enquanto no

outro tipo de extração, o de aniquilamento, há a destruição da planta-matriz objeto

de interesse econômico. As coletas de castanha e do látex são exemplos claros

do primeiro caso, enquanto a extração de madeira e a do palmito constituem

exemplos de extração por aniquilamento 12.

Um dos fatores de instabilidade apontado no modelo de Homma é a

entrada no mercado de produtos concorrentes, como é o caso dos produtos

sintéticos (Homma, 1989, p. 33). A rigidez da oferta e a redução das fontes de

recursos resultam em elevação dos preços dos produtos o que, por sua vez,

implica em descobertas de novos produtos, resultado direto das inovações

tecnológicas, que descobrem e desenvolvem produtos mais baratos, como é o

caso da borracha sintética. Pode ainda ocorrer a substituição por outras espécies,

ou ainda o desenvolvimento de processos mais modernos, como é o caso dos

seringais de cultivo em São Paulo.

Neste modelo, Homma assinala também que o aumento artificial através de

subsídios, como ocorre atualmente, apenas retarda a exaustão dos produtos

coletados. Por outro lado, ressalta ainda que, na atual conjuntura, a permanência

do setor ainda é explicada pelos baixos custos de produção do extrativismo

tradicional vis a vis a produção racional, exceção feita às plantações de São

Paulo.

12 O processo de extração do látex da árvore denominada Castilloa, era um típico processo de aniquilamento conforme denominação de Homma. Cunha descreve o processo da seguinte maneira: ”assim o estrator derruba de uma vez para aproveitá-la toda. Atora-a, depois, de metro em metro, desde as sapopembas aos últimos galhos do madeiro derrubado, rasas cavidades retangulares correspondentes às secções dos toros delas retira, ao fim de uma semana, as planchas valiosas...” (Cunha, 1986, p. 66).

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2 .3 A Conc e pç ão Nat uralis t a: a Pre s e rvaç ão s e m a Pre s e nç a

Humana

As preocupações ambientais no Brasil, pode-se considerar, tiveram seu

marco definido em meados do século 18, no espaço de consolidação da

concepção das idéias e valores naturalistas. Este movimento amplo de

preocupações com a natureza, no sentido de seu desvendamento, teve origem na

Europa e se expressou através da intensificação dos estudos, coletas e pesquisas

sobre a flora e fauna se ampliando para o modo de vida social e cultural dos

povos, sobretudo os das Américas.

As raízes desse movimento, pelo menos tal como se expressou no Brasil

Imperial, parecem apontar para pelo menos dois elementos determinantes. O

primeiro deles é fundado na idéia de desvendar o Novo Mundo, ao qual a Europa

começava a ter acesso a partir dos descobrimentos. Este posicionamento, por

outro lado, esteve intimamente associado a um projeto mais amplo de construção

do Estado Moderno, dentro do qual a história natural e o futuro nacional

encontravam-se estreitamente entrelaçados. O segundo elemento ao qual nos

referimos anteriormente, diz respeito a uma crescente tomada de consciência,

tanto na Europa quanto na América do Norte, do potencial destrutivo do ser

humano. Esta preocupação crescente de cunho preservacionista foi uma

decorrência da constatação de que a revolução tecnológica, base da

industrialização, ao possibilitar um notável desenvolvimento das forças produtivas

permitiu uma apropriação de recursos naturais numa escala nunca dantes

experimentada pelos diversos processos produtivos existentes ao longo da história

da civilização.

A concepção naturalista, tal como se estruturou nos EUA, parece ter

guardado uma grande distância da concepção naturalista européia, num

movimento que aponta para uma forma peculiar de percepção da natureza. Nos

EUA, o naturalismo assumiu um caráter mais especifico, baseado na idéia de que

a única maneira de preservar a natureza é mantê-la afastada do homem. Como

decorrência, se expressou concretamente na definição de áreas naturais dotadas

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de belezas cênicas com o objetivo de proteger a “vida selvagem” (wilderness)

ameaçada crescentemente pelo padrão industrial e expansão urbana.

A criação do parque Yellowstone em 1872 nos EUA, consubstancia com

nitidez esta idéia do naturalismo como garantia da vida selvagem através da

criação de “ilhas de preservação” do mundo natural isoladas da presença

predatória do homem. Se a idéia da criação destas “ilhas de preservação” baseia-

se, por um lado, na convicção da necessidade de proteger o mundo natural

afastando-o da presença humana, por outro lado, aponta de forma subjacente

para uma nova interpretação do mito do paraíso perdido, que viria em ajuda desta

forma de exercício da política ambiental ao reforçar esta noção através do

imaginário.

Além da importância da postura naturalista expressa na criação dos

parques deve-se também ressaltar que esta concepção da natureza acabou por

se constituir na forma de política conservacionista mais utilizada pelos países do

terceiro mundo (Diegues, 2001). No caso brasileiro, o naturalismo ancorou-se na

idéia de exotismo dos trópicos, e se expressou através de uma intensa

movimentação que teve início em 1810 e prolongou-se até aproximadamente os

anos 1870, de sorte que gradativamente a fauna, a flora e as paisagens brasileiras

foram apropriadas e passaram a integrar e consolidar uma imagem dos trópicos

na Europa (Martins, 2001).

A concepção naturalista americana, tal como referida anteriormente, se

manifestou de forma concreta no Brasil por ocasião da proposição, elaborada por

André Rebouças, em 1871, visando a criação de um parque nacional em Sete

Quedas, idéia que só iria se concretizar em 1961 (ATLAS, 2000). No entanto, em

1937 foi criado o primeiro parque deste gênero no Brasil, então batizado com o

nome de Parque Nacional de Itatiaia.

É de notar que este momento é diferenciado do movimento naturalista

Europeu na medida em que tanto o projeto de Sete Quedas quanto o de Itatiaia

demonstram a influência do naturalismo americano. Até a criação do Código

Florestal, em 1965, os parques e outras áreas de preservação foram criados

obedecendo à lógica naturalista norte-americana de criação de monumentos

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públicos naturais com reputado valor estético ou cujos atributos ecológicos

apresentassem interesse para o conhecimento científico (Morsello, 2001).

Ainda que a política naturalista norte-americana tenha exercido influência

sobre as políticas ambientais em diferentes países da América Latina, sua

transposição implicou uma acomodação em relação a realidades específicas. O

caso do Brasil é exemplar neste sentido uma vez que, sendo suas florestas

habitadas por indígenas e por populações hoje denominadas tradicionais, tornou-

se imperativo levar em conta sua presença para a elaboração de políticas

ambientais.

As populações tradicionais encontram-se organizadas como agrupamentos

de pequenos produtores, atraídos por uma atividade econômica

momentaneamente rentável. Para elas, a natureza tem papel relevante na

definição e desenvolvimento de modos de vida específicos, geralmente em

sintonia com as regras básicas do ecossistema florestal. Dessa forma, adquirem

conhecimentos profundos dos ciclos biológicos da natureza e desenvolvem

tecnologias simples, porém adaptadas ao seu modo de vida e à lógica do meio

ambiente. Por fim, deve ser ressaltado que estas comunidades desenvolvem uma

cultura própria, rica de saberes que envolvem as leis da natureza (Diegues, 2001).

Refletindo de certa maneira estas especificidades referidas, o Código

Florestal de 1965 (lei 4.771) criou uma série de categorias, dividindo-as, porém,

em dois grandes grupos:

áreas de uso restrito, que não permitem a exploração de recursos naturais,

como é o caso dos parques (nacionais estaduais e municipais) e as reservas

biológicas;

áreas que permitem a exploração pelo homem, como é o caso das florestas

nacionais estaduais e municipais e áreas de proteção ambiental.

Em 1977 foram criadas as áreas especiais e locais de interesses turísticos

e arqueológicos, tais como as reservas e estações ecológicas e, finalmente, em

1990, foram criadas as Reservas Extrativistas, que representam uma inovação no

âmbito das unidades de conservação (UCs), tanto por serem fruto das

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reivindicações dos seringueiros e extratores, quanto por definirem uma nova forma

de ordenamento fundiário, resultando na definição de uso da terra cuja exploração

dos recursos naturais deve ser de forma sustentável.

Assim, o pensamento conservacionista no Brasil pode ser apreendido a

partir da evolução do pensamento naturalista. Num primeiro momento, tratou-se

de coleta, estudos e pesquisas a partir de expedições de caráter científico. Um

outro momento é o da consolidação do naturalismo norte-americano, visando a

preservação de espaços de “vida selvagem”, portanto, excluindo a presença

humana. Por fim, temos então a consolidação dessa evolução que se manifestou

no Encontro “Cúpula da Terra” realizado no Rio de Janeiro, em 1992, que pode

ser considerado, de forma sintética, como a imagem mais acabada da questão

ambiental, encarada então de forma planetária e em suas múltiplas

complexidades.

* * *

Após a definição de um quadro representativo das diversas visões e

argumentos a respeito das RESEX elaborados pelos diversos atores referentes ao

papel das RESEX no âmbito da discussão ambiental, importa discutir os limites e

viabilidades dessas diversas propostas.

Uma análise das proposições de Homma, pelo menos daquelas que dizem

respeito mais diretamente à existência das RESEX, permite apontar de imediato

pelo menos duas considerações de caráter geral. A primeira delas é que Homma

parte de uma análise pontual do extrativismo para tirar ilações para as RESEX,

como se ambos – extrativismo e RESEX - fossem a mesma coisa.

Na verdade, ao observar o conjunto de críticas ao extrativismo13, tais como

considerá-lo como uma atividade decadente; o uso de grandes extensões de área

para uma parcela pequena de moradores; o subsídio do governo para tornar

atraente a extração da borracha; a dificuldade de introduzir tecnologias para o

13 Este conjunto de críticas foi resultado de um levantamento efetuado por Allegretti, no qual a autora discute a fragilidade dos argumentos contidos em cada uma destas críticas (Allegretti, 1994).

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processo de produção; o fato de privilegiar um pequeno grupo social; o

questionamento da viabilidade econômica das RESEX e, por fim, o fato de as

RESEX não conservarem efetivamente os recursos ameaçados apontam

exemplarmente para a confusão referida anteriormente.

É necessário, porém, não confundir o extrativismo vegetal com a proposta

das RESEX. Como observou Allegretti (1994, p. 42), “se em vez de terem sido

denominadas de ‘extrativistas’, as reservas tivessem recebido o titulo de ‘reservas

de desenvolvimento sustentado’ ou ‘reservas de ecodesenvolvimento’, certamente

grande parte dessa polêmica não existiria” e com isso chama a atenção para o

fato de que parcela considerável das críticas as RESEX na verdade referem – se à

atividade do extrativismo vegetal.

Em segundo lugar, o modelo de Homma, por se fundamentar nos preceitos

neoclássicos, reflete uma realidade que pode ter um certo grau de realismo

circunscrito à lógica do mercado. Todavia, desconsidera que a floresta tem, além

do valor de uso direto, um valor de existência que é decorrente da atribuição de

valor por pessoas aos ecossistemas ameaçados ou em fase de extinção, em

virtude da satisfação que estes recursos causam por existirem e estarem sendo

preservados14, e que, certamente, parte da humanidade está disposta a pagar.

Por outro lado, o mercado não dispõe de meios formais para internalizar

aos custos privados da atividade econômica, os custos ambientais em que ocorre

indefinição dos direitos de propriedade dos bens ambientais. A existência das

Resex, neste sentido, contribui de forma decisiva para acabar com este dilema,

sobretudo, em decorrência da definição da regulação ambiental. Isto posto, pode-

se concluir que não são aceitáveis os argumentos de Homma, que as RESEX são

inviáveis.

14 Pearce assinala que existem quatro fatores para a determinação do valor econômico da floreta tropical: Valor de uso direto – valor que é calculado diretamente no mercado: Ex. valor da exploração da madeira, valor da caça e pesca etc. Valor de uso indireto - valor da proteção de barragens, ciclagem de nutrientes, regularização do clima e outros. Valor de opção - valor da disponibilidade do recurso para uso direto ou indireto no futuro. Valor de Existência - é o valor dissociado do uso efetivo ou virtual. É caso dos valores atribuído por pessoas aos ecossistemas em extinção ou ameaçados por estarem sendo preservados (Pearce, 1990, apud Marques e Comune, 1999).

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Não se infira disto, que a totalidade das conclusões de Homma são

inadequadas. Pelo contrário, muitas delas são válidas para o extrativismo vegetal

e correspondem a um alerta para aqueles que as compreendem como uma

política estratégica para se pensar o desenvolvimento regional a partir dos

princípios da sustentabilidade.

A existência desse debate, além de gerar impasses, mostra a fecundidade

e a preocupação crescente com um desenvolvimento adequado à região. Por

outro lado, a leitura da ainda incipiente literatura a respeito das Reservas

Extrativistas remete, de imediato, a uma série de indagações sobre sua

importância e o seu papel no contexto do desenvolvimento regional amazônico,

principalmente se levarmos em conta que o projeto é recente e encontra-se em

vias de consolidação. Daí não ser desprezível a quantidade de equívocos

conceituais, principalmente, uma certa tendência a ignorar a amplitude da

proposta, descolando-a da questão ambiental. Como resultado, cria-se um campo

de debate em que questões menos representativas ganham relevo, obscurecendo

a questão vital, que é a definição conceitual das reservas e a possibilidade de

viabilização das mesmas, num momento em que o desafio ambiental estrutura

novo contexto desenvolvimentista.

Portanto, é necessário, antes de qualquer coisa, delimitar o espaço

conceitual das reservas sem perder de vista o núcleo fundamental da questão,

que é a noção de sustentabilidade e a forma de acesso e uso da terra.

Ao olhar atentamente a discussão acima é possível localizar alguns dos

elementos que contribuem para obscurecer o debate. Em primeiro plano, a

existência de uma idéia equivocada do conceito de desenvolvimento sustentável.

Ao se considerar as RESEX como projeto de desenvolvimento sustentável da

Amazônia, atribui-se à dimensão ecológica uma primazia no conceito, deixando de

lado a viabilidade econômica, principalmente os aspectos concorrenciais das

outras atividades. No outro extremo, os críticos do extrativismo, pelo menos a

maioria deles, não levam em conta o potencial preservacionista desta atividade.

Confunde-se uma atividade econômica como o extrativismo, com uma proposta

ampla, que envolve política ambiental e política fundiária, entre outras

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dimensões15. O resultado imediato desse tipo de confusão, seja ela deliberada ou

não, é a reposição do velho trade-off entre crescimento econômico e preservação.

Por outro lado, convém ressaltar que, considerar as RESEX o modelo de

desenvolvimento sustentável para toda a Amazônia, como querem muitos, implica

alguns problemas. O primeiro é ampliar a importância da viabilidade econômica da

proposta, remetendo-a e reduzindo-a a esfera produtiva, como se no conceito de

desenvolvimento sustentável a dimensão econômica tivesse a primazia em termos

de importância. Isto não só se constitui num equívoco conceitual como representa

um empobrecimento da questão, por contextualizá-la ao âmbito do mercado. Por

outro lado, se as populações tradicionais da região, por mais de cem anos vivendo

em condições de miséria absoluta, foram capazes de extrair da floresta sua

subsistência sem causar danos significativos à natureza, isto não deve servir de

modelo a ser replicado para toda a Amazônia, mas sinalizar para a sociedade em

geral que esta tem uma dívida para com os povos da floresta.

Neste sentido, e, na medida em que partiu dos extrativistas a idéia deste

modelo baseado em princípios de sustentabilidade, que implica melhoria de sua

qualidade de vida, restaria à sociedade, por suposto, chancelar este projeto, até

porque, nos termos propostos, sem um aporte substancial de recursos para a

estruturação das RESEX e desenvolvimento de pesquisas para tornar competitivo

os produtos da floresta, estar-se-ia, na verdade, condenando uma parcela

substancial da população amazônica a viver em padrões de vida bem inferiores

aos padrões médios urbanos da própria Amazônia16, ainda que melhorando suas

condições reais de existência.

O fato inegável é que o extrativismo, principalmente o da borracha, que é a

melhor opção econômica do ponto de vista da preservação ambiental, apresenta

enormes dificuldades econômicas, ao mesmo tempo em que outros produtos

15 É necessário, de imediato, não tratar como equivalentes dois conceitos tão diferenciados e distintos como o extrativismo e as reservas. Esta confusão tem sua razão de ser, em parte, pela inserção ao nome das reservas do termo “extrativistas” o que pode induzir, os menos atentos a pensar que as reservas devam ter como única atividade o extrativismo. 16 Para o economista acreano, Mário Lima, a proposta da RESEX, baseada no extrativismo convencional impõe “Um trade off´, uma troca compensatória, em termos mundiais: a destruição do futuro de um grupo de homens em troca do futuro da humanidade. Sim, a perda de um grupo de homens submetidos a holocausto para que o resto da humanidade sobreviva” (Lima, 1992, p. 173).

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extrativos ainda estão por consolidar-se em termos de mercado. Por outro lado,

não se pode deixar de considerar a pecuária que, por apresentar uma série de

condições favoráveis à sua expansão, acaba por se constituir em trajetória natural

para a pequena produção (Cavalcanti, 1994). Em outros termos, se considerarmos

apenas as forças de mercado, a tendência natural é a pecuarização da pequena

produção e com isso o crescimento natural da pressão pelo desmatamento. Em

suma, se for permitido às forças de mercado agirem livremente o desmate será

inevitável. Visto desta maneira, qualquer formatação de um conjunto de política

pública ou de implementação de projetos visando o desenvolvimento da Amazônia

deve partir do pressuposto de que toda atividade econômica deve ter como

condição prévia o não desmatamento, o que pressupõe, como decorrência, uma

nova postura da sociedade e, fundamentalmente, a redefinição do papel de

atuação do Estado.

Esta análise aponta para a necessidade de se elaborar uma política global,

por suposto incluídos outros sistemas de produção e suas particularidades de

forma que se possa elevar a renda do conjunto dessas populações ao mesmo

tempo em que promove a conservação dos recursos naturais.

Após o exposto, creio que é possível redimensionar a questão do

desenvolvimento regional, a partir de um modelo que contemple a conservação

ambiental em conjunto com a geração e agregação de valor aos produtos. Em

outros termos, trata-se de “inventar” uma “economia da floresta”, sem perder de

vista a questão mais ampla que se refere ao desenvolvimento da região não

descurando da noção de que este desenvolvimento deve ser conservacionista e

não-excludente.

Para tanto, não é preciso pensar a RESEX como ponto de partida; basta

considerá-la parte importante e indissociável do desenvolvimento sustentável da

região. Em assim pensando, a preservação da floresta pode e deve ser uma

responsabilidade compartilhada por outras atividades produtivas.17 Em outras

palavras, ao invés de pensar na RESEX como o elemento responsável pelo

17 O que se está sugerindo corresponde ao mesmo que Sawyer propõe com relação à pequena produção, ou seja, a constituição de um campesinato ecológico (Sawyer, 1995).

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desenvolvimento da região poder-se-ia atribuir um papel relevante e estratégico,

mas articulado a outros sistemas de produção de forma que se teria uma política

global e integrada para pensar o desenvolvimento regional.

Esta política, frente às diversidades da realidade acreana, certamente

deveria se constituir num conjunto de iniciativas que garantisse e estabelecesse

espaços para as atividades produtivas já existentes na região e a serem criadas,

mas, sobretudo, redefinindo papéis historicamente consolidados, como o do

próprio Estado, tendo sempre em vista os princípios da sustentabilidade. Uma vez

estabelecido o princípio mais geral de política global e integrada, caberia então

reconhecer o papel estratégico desempenhado pelas RESEX em decorrência de

suas especificidades conservacionistas.

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CAPÍTULO 3 – EXTRATIVISMO DA BORRACHA: A

HEGEMONIA DO BARRACÃO

3.1 Introdução

No jornal O Varadouro, de abril de 1980, apareceu publicada sob o título de

“As motosserras voltam ao trabalho”, a seguinte noticia: “as chuvas praticamente

cessaram. Começa no Acre o longo período de estiagem. É hora, portanto, de os

grupos ou empresas agropecuárias movimentarem suas motosserras e recomeçar

os serviços de desmatamentos e queimadas, para preparar o solo para a

semeadura do capim.”

Uma outra notícia publicada no mesmo jornal, do mês de agosto do mesmo

ano, com o titulo de “A luta pela posse” noticiaria que “um seringueiro assustado

levou a noticia às autoridades policiais de Rio Branco, altas horas da noite.

Houve uma tocaia no seringal Nova Empresa e mataram o capataz das terras,

Carlos Sérgio. Era uma quinta feira da primeira quinzena de julho. No domingo o

quadro estava mais completo: o auxiliar de Carlos Sérgio, Osvaldo Gondim,

também fora encontrado morto, em estado de putrefação, e na cadeia já estavam

os cinco posseiros responsáveis, tendo Antônio Caetano de Sousa como líder do

grupo. Num outro seringal, quase simultaneamente, posseiros e proprietários

trocavam tiros, segundo noticias não oficiais, e um trabalhador restaria ferido.

Julho, época de desmatamento, os atritos pela posse da terra, no estado, são

acirrados e freqüentes. Há vários personagens nesses atritos”.

O que há de importante e comum a unir as duas notícias, e o que teria a ver

com as Reservas Extrativistas? Na primeira notícia, a presença das motosserras

em ação e o processo de desmatamento por elas produzido, enquanto na

segunda, os mesmos fatos e atores tomam parte em uma situação de tensão e

conflito envolvendo posseiros e proprietários em luta pela posse da terra. Tudo

isso, sem dúvida, conforma um quadro de complexas determinações que tem

como pano de fundo uma política de ocupação do espaço regional em pleno

andamento.

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Frente ao exposto, parece justificável revisitar o passado com o objetivo de

tentar unir as pontas destes elementos, procurando entender o conjunto de

questões fundamentais impostos à economia acreana decorrentes de um

processo peculiar de ocupação. O desmatamento e a luta pela terra ganham

sentido como parte de um processo histórico que deságua na formulação de uma

determinada política ambiental, sendo este é o primeiro ponto de chegada para

estabelecer as bases da proposta das Reservas Extrativistas.

O que se procurará, a seguir, é configurar um quadro do processo histórico

da ocupação da Amazônia, suas implicações e determinações visando dar sentido

ao que ocorre na atualidade, a partir do pressuposto de que o entendimento das

especificidades da economia gumífera, notadamente, o acesso a terra e seu uso

serão determinantes para a estruturação de processos produtivos atuais. Neste

sentido, se pretende tão somente tentar estabelecer os vínculos entre os

elementos fundamentais presentes desde cedo nos processos econômicos da

região, como a propriedade da terra e suas implicações na consolidação de um

determinado padrão de desenvolvimento na região. Por outro lado, apesar de

acreditar que o entendimento da ocupação recente do Acre e toda problemática

daí derivada não podem ser completamente apreendidas através do processo

mais geral de ocupação do espaço amazônico, é preciso resgatar a origem e os

elementos constitutivos da consolidação da economia da borracha na Amazônia

como um todo, para então apreender as especificidades acreanas

Autores como Mendes e Sachs (1998), Roberto Santos (1980) e Sawyer

(1981) que, dentre outros, tratam das questões amazônicas concordam, em linhas

gerais, em relação às etapas da evolução da economia da região. Na sua visão, a

primeira inserção da região no mundo produtivo ocorre com as atividades

desenvolvidas na extração vegetal, conformando o que hoje é denominado de

ciclo das drogas do sertão. No dizer de Armando Mendes, a mesa da humanidade

seria bem mais sóbria se a Amazônia não tivesse produzido vários alimentos

como o milho, a batata doce, a mandioca, o cacau e muitos outros (Mendes e

Sachs, 1998, p. 35).

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Esse ciclo ocorre nos marcos do sistema colonial, e será esse conjunto de

relações entre a metrópole e a colônia que irá definir, pelo menos inicialmente, o

processo de ocupação desse espaço geográfico. Com efeito, no início do séc.

XVII, com a presença de soldados e colonos portugueses tem-se o

desenvolvimento das primeiras atividades econômicas na região. Enquanto os

soldados trataram de expulsar franceses, ingleses e holandeses, os colonos

cuidaram de implantar os primeiros núcleos de ocupação permanente, que serão

responsáveis pela extração vegetal das especiarias e produtos consumidos

principalmente na Europa. Assim, definiu-se a estrutura da economia colonial

amazônica, cujo processo de trabalho baseou-se na coleta das chamadas “drogas

do sertão”. Apesar da tentativa de se ter “grandes lavouras de produto de

exportação como o cacau, a cana de açúcar que faziam a riqueza de outras

regiões da colônia, a monocultura jamais alcançou ali a mesma importância.”

(Ribeiro, 1970, p. 21)18 Isso se deveu, em parte, à descoberta contínua de novos

produtos, mas sobretudo em razão da existência de grandes extensões de terra.

A partir de 1755, a associação Estado/empresa privada constituiu a

companhia geral do Grão-Pará e Maranhão visando dominar e humanizar as

grandes áreas amazônicas, tarefa esta muito dispendiosa para que a coroa

estivesse em condições de arcar sozinha (Dias, 1970, p. 258). Como decorrência,

a Amazônia experimentou um momento de crescimento econômico representado

pela intensificação da produção e exportação do cacau, café, algodão e pelo

crescimento da pecuária.19 A economia, antes incipiente e de subsistência, passou

a desempenhar efetivamente o papel de fornecedora de produtos junto aos

mercados europeus, consolidando internamente o que ficou conhecido como fase

de valorização da Amazônia.

18 O marco da colonização é a fundação da cidade de Belém no ano de 1616 e define claramente a incorporação econômica e política do espaço amazônico à lógica colonialista, em que a colônia deveria produzir e servir para a metrópole. 19 Quanto ao papel desempenhado pela companhia neste período há uma controvérsia.Enquanto para Nunes Dias e outros esta teria sido a grande responsável pelo surto de crescimento da economia. Já para Dauril Alden se progresso houve, este ocorreu pelo cultivo do cacau, produto cuja exportação já vinha crescendo antes da vinda da companhia. Parece correto supor, pelas informações, que é inegável a participação da companhia no crescimento econômico da região; todavia não é menos verdade que a produção do cacau já vinha crescendo independente da companhia, conforme Santos (1980, p. 17).

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É importante deixar claro que a primeira atividade econômica, seja através

da extração de especiarias, e posteriormente, no ciclo agrícola, definiu a forma

subordinada da economia colonial em suas relações de troca com o capitalismo

mercantil europeu. O relevante, neste caso, é enfatizar que a base econômica da

colonização foi afetada de forma crucial pelas condições impostas pela natureza.

Nas palavras de Caio Prado Júnior, “a agricultura que requer um certo domínio

sobre a natureza, apenas se ensaiou” (Prado Jr., 1998, p. 69), concluindo com a

argumentação de que as atividades na Amazônia requeriam apenas que se

penetrasse na floresta ou se navegasse os rios, o que inviabilizava, pelo menos

naquele momento, o desenvolvimento de uma agricultura tradicional.

O ciclo agrícola ou, mais precisamente, o ciclo de exportação do cacau, que

se consolidou na medida em que os obstáculos naturais foram sendo superados,

teve seu declínio a partir da morte de Pombal e o conseqüente fim da companhia.

As terras, antes dedicadas à agricultura, foram abandonadas criando um problema

que seria agravado progressivamente com a ampliação da atividade extrativa da

borracha. Através do depoimento de Manoel Barata pode-se ter uma idéia deste

momento de transição Segundo ele, “é triste dizer que o Pará compra hoje a

outros estados e ao estrangeiro os gêneros que outrora produzia em abundância:

o café, o arroz, o açúcar, o algodão, o milho, a aguardente e, até mesmo, a farinha

de mandioca (. ..) A maior parte dos cultivadores destes gêneros de produção foi

distraída pela empolgante indústria do fabrico da borracha. A agricultura sucumbiu

debaixo da influencia nociva dessa deslumbrante e áurea miragem do lucro rápido

e fácil, mas efêmero” (Barata, 1973, p. 319/320). Isto mostra como havia uma

certa preocupação com a economia da borracha, mas já permite vislumbrar a

força com que se imporia a economia extrativista da borracha. Em outro trecho, do

mesmo autor, essa noção fica mais evidenciada ao afirmar que “nunca viu o Pará

tanta moeda de ouro em circulação; o dólar americano andava em todas as mãos.

O povo chamava-lhe pichilinga” (Barata, 1973, p. 320).

O momento de consolidação da economia gumífera ocorreu no âmbito da II

Revolução Industrial, com a transformação do látex em matéria - prima industrial.

O capitalismo, fruto de um forte processo de concentração e centralização do

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capital, induziria de forma espetacular o desenvolvimento científico e tecnológico,

o que resultaria em uso crescente de novos recursos naturais. As novas fontes de

energia, a expansão e sofisticação da indústria química, e a indústria

automobilística acabariam por definir um novo padrão de desenvolvimento,

baseados no uso intensivos de recursos naturais (Pinto,1984).

Assim, a Amazônia passaria por nova onda de inserção na história do

capitalismo mundial. Estima-se que mais de meio milhão de pessoas se deslocou

para a região com o objetivo de se incorporar à extração do látex (Furtado, 2000,

p. 137). Estes números demonstram a importância econômica que o extrativismo

da borracha passou a ter, principalmente em decorrência das inovações

tecnológicas – no caso, o processo de vulcanização20 -, que permitiu o uso em

grande escala do látex como matéria - prima industrial.

Os dados da tabela 1 comprovam a pujança da economia da borracha. Vê-

se que num primeiro momento, fase de consolidação, período de 1821 a 1880, a

exportação e os preços internacionais sobem gradativamente. Num segundo

momento, 1880 a 1912, apresenta números expressivos. No período de 1881 a

1890 a exportação é de 110.048 toneladas; de 1891 a 1900, 213.755 t; e no ano

de 1901 um pouco mais de 30mil t. A exportação, que é crescente, atinge seu pico

em 1912, momento em que chega a 42.286 toneladas e, a partir desse momento

entra em declínio progressivo.

A performance da economia da borracha é marcada por dois fatores que

ocorrem concomitantes. O primeiro são os excelentes preços internacionais, que

se apresentam crescentes ao longo do tempo. Em 1840 o preço era de 72 £, já em

1901 havia subido par 283 £, para em 1905 atingir 420 £ e em 1910 atinge o seu

auge com o valor de 655 £ por tonelada. O segundo fator referido, que explica em

parte o declínio da borracha brasileira, é a entrada da produção da borracha

produzida pelas colônias asiáticas. Esta produção, feita em moldes racionais –

plantio de árvores próximas e coleta mais ágil -, estabelece diferenciais de

20 Conforme Roberto Santos (1980) o termo vulcanização foi usado pela primeira vez em 1842, e como implicava o uso de enxofre e calor, pareceu adequado a homenagem ao deus mitológico Vulcano. A vulcanização veio resolver os maiores problemas técnicos que o látex apresentava e

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produtividade à produção asiática que a economia gumífera amazônica será

incapaz de fazer frente.

Tabela 1 - Exportação de Borracha amazônica e preços internacionais (£) - Período: 1821 - 1947

Ano Quant.(t)

£/t

Ano

Quant.(t)

£/t

1821-1830

329

67

1921

17.493

72

1831-1840

2.314

72

1922

19.855

72

1841-1850

4.693

45

1923

17.995

100

1851-1860

19.383

116

1924

21.568

90

1861-1870

37.166

116

1925

23.537

206

1871-1880

60.225

183

1926

23.263

145

1881-1890

110.048

152

1927

26.162

107

1891-1900

213.755

209

1928

18.826

76

1901 30.241

283

1929

19.861

75

1902 28.632

256

1930

14.138

54

1903 31.717

308

1931

12.623

32

1904 31.866

350

1932

6.224

34

1905 35.393

420

1933

9.453

43

1906 34.960

401

1934

11.150

50

1907 36.490

374

1935

12.370

50

1908 38.206

308

1936

13.247

88

1909 39.027

484

1937

14.792

90

1910 38.547

655

1938

12.064

44

1911 36.547

412

1939

11.805

63

1912 42.286

380

1940

11.835

97

1913 36.232

285

1941

10.734

126

1914 33.531

206

1942

12.204

179

1915 35.165

200

1943

14.575

191

1916 31.495

240

1944

21.192

255

1917 33.998

224

1945

18.887

270

1918 22.662

174

1946

18.159

190

1919 33.252

188

1947

14.510

186

1920 23.587

106

Fonte: Benchimol (1977).

Este momento de expansão da economia da borracha, principalmente sua

performance no conjunto da economia brasileira, pode ser confirmada pelos dados

da participação deste produto no volume de exportação brasileira: no período de

que obstaculizava sua expansão em termos de uso industrial, qual seja, o de a borracha tornar-se pegajosa no calor e muito dura e inflexível no frio.

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1889 a 1897 a borracha é responsável por uma média de 11,8% da exportação

total, já no período de 1898 a 1910 esta média sobe para 25,7%; no período de

1911 a 1913 desce para 20% e de 1914 a 1918 chega a 12%.(VILELA e

SUZIGAN, 1975, apud PAULA, 1977).

Na tabela 2 tem-se os dados referentes à exportação da borracha e do café

e a proporção da borracha frente a exportação do café. No momento já referido de

consolidação da economia da borracha, de 1871 a 1880, o valor da exportação da

borracha é de 107,9 mil contos enquanto o café chega a 221,8 mil contos o que

significa que a borracha corresponde a cerca de 48% do valor exportado do café.

No período de 1901 a 1910, auge da produção gumífera, o valor da exportação da

borracha atinge 2.268,80 e o café 2.899,20, ou seja, o valor da exportação da

borracha corresponde a 78,3% do valor do café, percentual este muito próximo da

totalidade.

Tabela 2 - Estado de São Paulo e Amazônia: exportações de café e de borracha. 1871/1920

ANOS Exportações: 1.000 contos

Borracha

Café (AM) (SP) AM/SP

1871 a 1880 107,90

221,80

48,60

1881 a 1890 185,50

490,70

37,80

1891 a 1900 1.116,30

2.860,00

40,70

1901 a 1910 2.268,80

2.899,20

78,30

1911 a 1920 1.406,80

4.942,00

28,50

Fonte: Cano (1981, p.89)

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3.2 Extrativismo da Borracha no Acre21

A ocupação do espaço geográfico, que hoje conforma o estado do Acre, é

definida a partir da forma e pela especificidade como a economia das drogas do

sertão estruturou-se no resto da Amazônia. Neste período, a região acreana era

ocupada por índios (Aquino, 1978), e ainda desconhecida e fora do circuito

produtivo que se desenvolvia no resto da Amazônia. Por outro lado, o aumento da

produção ou a descoberta de novos produtos ocorria, de um modo geral, pela

incorporação de novas áreas. Para tanto seguia – se o curso dos rios localizando-

se área produtiva e, assim, a atividade econômica consolidava um peculiar

processo produtivo baseado na coleta e extração. Isto definiria a importância das

expedições exploratórias, na medida em que estas seriam as responsáveis pelo

conjunto de informações fundamentais para o movimento e ocupação dos espaços

amazônicos em busca das riquezas da floresta, tendo sido em parte essas

expedições as responsáveis pelos primeiros registros sobre as potencialidades

econômicas.

As primeiras expedições que atingiram a região hoje conhecida como o

Estado do Acre datam dos anos 1850, com as expedições dos “encarregados dos

índios” que percorreram todo o vale do rio Purus e tinham como objetivo “transmitir

ensinamentos religiosos” aos índios (Rancy, 1986). Para Castelo Branco, o

primeiro a chegar as terras acreanas teria sido João da Cunha Corrêa, um

encarregado dos índios que, segundo os cálculos do autor, teria atingido as terras

acreanas precisamente no dia 16 de janeiro de 1858 “descobrindo dessa forma,

sem saber e sem alarde o futuro território do Acre” (Castelo Branco, 1958, p.

284).22 Existem muitas referências também à expedição chefiada por Seraphim

da Silva Salgado, brasileiro que em 1857, com duas dezenas de índios e

21 Esta parte e a próxima estão baseadas em minha dissertação de mestrado (Cavalcanti, 1983). 22 João Cunha Corrêa teria partido de Tefé, no rio Solimões, a 13 de outubro de 1857 e retornado a 30 de Abril de 1858, tendo nesta viagem atingido o vale do Purus. Para estimar a data provável em que o explorador teria chegado às terras do Acre, Castelo Branco estima que uma canoa grande como a de João Corrêa percorria uma média diária de 15 milhas. Fazendo então as contas a partir desse dado, Castelo Branco estima que o explorador no dia 16 de janeiro de 1865 teria se deparado com as terras acreanas. (Castelo Branco, 1958:284).

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soldados, viajando em canoas chegou, ao igarapé Arraia, afluente do Purus.

(Prelatura de São Peregrino, 1928, p. 7). Todavia, um dos mais conhecidos

exploradores, que ficaria bastante conhecido na região, foi Manoel Urbano da

Encarnação que chegaria em 1861 à boca do Aquiry, nome indígena do atual rio

Acre. Por fim, e também dignas de registro, são as primeiras expedições

exploratórias com fins científicos, que ocorreram nos anos de 1864 a 1867. Estas,

em sua maioria, foram chefiadas pelo engenheiro inglês William Chandles que,

acompanhado de Manoel Urbano da Encarnação sendo que, na primeira delas,

subiu-se o rio Purus até a boca do Araçá, região denominada atualmente

“Chandles”, em homenagem ao explorador.

A produção de especiarias no Acre não teve o mesmo dinamismo e

importância que no resto da Amazônia. No entanto, estabeleceu os primeiros

vínculos fundamentais para o período seguinte, por possibilitar a sistematização

de um conjunto de informações sobre as potencialidades de riqueza na região.

Não é possível determinar o montante dessas especiarias produzidas na

região acreana, como inadvertidamente procedem alguns autores. Naquele

momento não havia a contabilidade da produção a partir da delimitação dos

espaços regionais, até porque, como a marcha da coleta e extração seguiam o

caminho dos rios, como dito anteriormente, a produção naquela época era

contabilizada por rios. Sendo assim, é mais razoável supor que no volume da

produção de borracha e cacau do rio Purus estavam contabilizadas também a

produção acreana. Esta pequena produção em volume, será crescente ao longo

do tempo sem, todavia, ganhar expressão na economia regional acreana. A tabela

3 mostra a exportação dos produtos coletados ao longo do rio Purus, exportação

esta que adquirirá importância gradativa na medida em que se ampliarão os

espaços produtivos. De qualquer forma, o que se quer evidenciar é que, ainda que

a produção não tenha sido relevante do ponto de vista econômico, firmaram-se

neste momento as condições para a existência do ciclo da economia da borracha.

Com efeito, a passagem desta fase que convencionamos aqui denominar

“exploratória”, para a fase seguinte – a da economia da borracha -, não se deu de

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forma brusca; pelo contrario, ocorreu progressivamente e na medida em que

crescia a importância econômica do látex.

Tabela 3 - Exportação de produtos Coletados – 1881-1883

Produto DO PURUS DO MADEIRA

Borracha 5.423.164 Kg

3.543.995 Kg

Castanhas 40.749 (hl)

10.913 (hl)

Óleo de copaíba 34 253 Kg

11 908 Kg

Pirarucu seco 307 103 Kg

26 438 Kg

Salsaparrilha 5 729 Kg

281 Kg

Cumaru 1 073 Kg

970 Kg

Fonte: Cunha, E. Um paraíso perdido.(1986) p.161

A chamada fase extrativista da economia acreana pode ter seu início

datado simbolicamente com chegada dos primeiros imigrantes no navio “Anajás”

em 3 de março de 1878, equipe esta coordenada por João Gabriel de Melo,

cearense, que fundou o seringal Tauariá com o intuito de explorar a borracha.23

Esta chegada marca, na verdade, um intenso movimento populacional de

nordestinos que se deslocam para a Amazônia para se dedicarem às atividades

extrativistas da Borracha que, naquele momento, em plena revolução industrial, se

transformara em importante matéria - prima industrial. Assim, será o extrativismo

da borracha, portanto, a base da estruturação econômica e da urbanização do

espaço regional acreano.

Para se ter uma idéia dos movimentos populacionais, consta que em 1871,

excedia de dois mil o numero de seringueiros na região (Costa, 1973, p. 22). Isto é

relevante se levarmos em conta que o movimento será acelerado a partir de 1877,

ano ocorreria uma forte seca no nordeste, que deixaria a força de trabalho sem

opção, a não ser a de migrar e tentar a melhoria de vida em outro lugar. No

documento da Prelatura de São Pelegrino (1928, p. 10), estima-se o montante de

23 Craveiro Costa e outros autores fazem referência a Manoel Urbano. Ver a esse respeito Costa, (1973, p. 22). Existe uma pequena controvérsia quanto a esta data. De inicio, a data de chegada do navio Anajás era dada como 3 de abril de 1877. A Universidade Federal do Acre, equivocadamente chegou a comemorar em 1977 o centenário de imigração dos nordestinos com um importante simpósio sobre a história do Acre. Para aprofundar esta discussão pode-se obter informações em Tocantins (1979, p. 151).

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migrantes entre 30 e 40 mil pessoas. Apesar da imprecisão estatística, sabe-se

que a migração é intensa, pois todos os afluentes do rio Purus logo serão

penetrados bem como ocupadas suas margens. Quanto ao Juruá, a exploração

não ocorreu com a mesma velocidade, uma vez que os Nauas, índios habitantes

daquela região colocaram obstáculos aos migrantes, o que resultou em confrontos

violentos, envolvendo as duas partes (Reis, 1941, p. 24).

Quanto a este caráter do fluxo migratório, Euclides da Cunha afirmaria, de

maneira contundente, que “não se conhece na história exemplo mais golpeante de

emigração tão anárquica, tão precipitada e tão violadora dos mais vulgares

preceitos de aclimamento, quanto o da que desde 1879 até hoje atirou, em

sucessivas levas, as populações sertanejas do território entre a Paraíba e o

Ceará, para aquele recanto da Amazônia” (Cunha, 1999, p. 33).

Ainda que grande parte dos estudiosos do tema atribua à grande seca o

primado da determinação da ocupação do Acre em particular e, num âmbito mais

geral, da Amazônia, é necessário rediscutir a questão da migração á luz de novas

contribuições. A primeira questão a ser respondida é porque o fluxo migratório não

se orientou para o sul, onde a economia cafeeira se via às voltas com a escassez

de mão de obra tendo, inclusive, incentivado uma imigração européia volumosa24.

Roberto Santos (1980) enumera seis motivos para este movimento, a maioria

deles ressaltando a dimensão ideológica na tentativa de elucidar o problema.

Tendo sido o mais significativo deles o fato de que o migrante nordestino resistia

em se transferir para o sul, pois a economia cafeeira era considerada por eles

como tradicionalmente escravista. Mesmo assim ainda restam indagações. Quem

financiou, administrou e executou o processo migratório? Para Paula (1977), a

resposta estaria na forma de inserção da economia da borracha na expansão do

capital monopolista na metade do século XIX.

Resumidamente, a ocupação do espaço acreano é o resultado do avanço

do capital sobre as fontes de matérias primas, fundamentalmente a borracha

24 Esta questão é formulada e respondida por Roberto Santos (1980, p. 108) , que destaca seis motivos, entre eles, a ilusão do enriquecimento fácil, o preconceito do nordestino quanto ao trabalho nos cafezais, a forte propaganda das casas aviadoras e a seca que afrouxava os laços do nordestino com a terra.

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transformada em matéria - prima industrial (Pinto,1984). Tem seu início em

meados do século XIX, em plena revolução industrial, a partir do processo de

vulcanização, e da transformação da bicicleta e, posteriormente, do automóvel em

produtos de amplo consumo (Paula, 1977).

O extrativismo da borracha, ao se constituir como base do processo de

urbanização da região acreana, resultou em transformações radicais na vida das

populações locais. O novo condicionamento de vida na região se expressou

através de uma acentuada mudança de hábitos de toda a ordem, mas

fundamentalmente na multiplicação dos núcleos urbanos no interior (Reis, 1953).

O sistema que pôs toda a economia da borracha para funcionar - o sistema

de aviamento -, já era bastante conhecido e exercitado antes da economia

gumífera, com as pequenas casas comerciais nos centros urbanos fornecendo

mercadorias a crédito aos exploradores das especiarias (Reis, 1953). No caso dos

seringais, ao crédito correspondia o empenho compulsório da totalidade da

produção. O sistema funcionava, mais ou menos, da seguinte maneira: o

seringalista – o proprietário das terras –, fornecia um conjunto de mercadorias

(tanto bens de consumo, como utensílios necessários à produção) a crédito e o

seringueiro – produtor direto – , empenhava toda sua produção compulsoriamente.

Não havia circulação de dinheiro e o seringalista usufruía lucros através do

monopólio exclusivo do comércio de mercadorias. Os preços eram fixados pelo

aviador - aquele que fornecia a mercadoria - e isto permitia aferição de ganhos

extras. O seringalista por sua vez, era aviado pelas “casas aviadoras” em sua

maioria estabelecidas em Belém e Manaus, as reais beneficiarias desse lucro

extra que Roberto Santos (1980) na sua obra que já se tornou referencia sobre

aviamento, denominou de “juros extras”.

Por fim, as casas aviadoras exportavam toda a produção. O mecanismo de

funcionamento das compras, mostram claramente como ocorria a usurpação por

parte do capital estrangeiro que ocorria da seguinte maneira: “As compras são

feitas a 90 dias de vista. Trocam as letras da borracha comprada nas agências

dos bancos ingleses, contra o dinheiro que entregam aos vendedores. Quando se

vencem os noventa dias já a borracha chegou a Nova Iorque ou Liverpool e foi

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vendida. Não se precisam dispor de um só ‘vintém’”. (Silva, 1962, p. 95). O

aviamento, constituía-se assim, em um extremo da cadeia de canalização de

recursos para o exterior, enquanto no outro extremo, sob a hegemonia do capital

comercial, permitia a aferição de lucros extras para os seringalistas.

3.3 A Propriedade da Terra

A característica mais importante do processo de ocupação do Acre, no

âmbito do nosso escopo, é a forma de acesso e uso da terra. Será em torno desta

questão - a definição da propriedade da terra -, que terão lugar os debates e a

trajetória de definição de uma política voltada para o desenvolvimento regional.

Os trabalhos clássicos sobre o tema da questão agrária brasileira de um

modo geral, partem do pressuposto de que a Lei de Terras (1850), ao possibilitar a

transformação da terra em mercadoria, veio somente assegurar os interesses dos

grandes proprietários. Dito com outras palavras, esta lei representou um marco no

desenvolvimento capitalista no Brasil, por criar a moderna propriedade da terra

gerando as condições formais que possibilitariam que a terra fosse socialmente

explorada representando, do ponto de vista histórico, o momento de separação do

trabalhador da terra como seu meio de produção e a instauração do trabalho

assalariado. Em outros termos, a terra não apenas passou à condição de

mercadoria como criou condições objetivas de existência do modo de produção

capitalista.

Muito recentemente, alguns autores (Motta, 1994; Holston, 1993; Silva,

1996) observaram que os conflitos de terra no Brasil sugerem a permanência de

uma tradição desestabilizadora da lei, que data de nada menos que 400 anos de

história. Segundo eles, o sistema jurídico-agrário brasileiro, ao contrário de estar

baseado na função de manter as condições necessárias à vida social, é um

promotor potencial de conflitos, e isto porque seus termos imprecisos e confusos

criam condições favoráveis a diferentes interpretações, permitindo o uso de

complicações da lei para a obtenção de vantagens extrajudiciais, abrindo campo

para a legalização de diferentes tipos de usurpação, principalmente a grilagem.

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O que tais estudos sugerem é que uma boa forma de pensar a questão

agrária no Brasil é procurar entender as raízes desta tradição desestabilizadora da

lei, que ainda dá sentido a conflitos atuais. A partir desta perspectiva, pode-se

então afirmar que as várias visões a respeito da regularização das posses são

uma decorrência de diferentes interpretações da lei.

O entendimento da conjuntura que acabou por desaguar na elaboração da

Lei de Terras assim, parece se justificar, por ajudar ao entendimento de como os

movimentos sociais em torno da questão do acesso a terra ainda hoje estão

informados pela noção de que estão em debate diferentes interpretações sobre

direitos de propriedade. Além disso, pode ajudar a entender como ultimamente

uma das formas eficazes de luta tem sido a ocupação de terras improdutivas ou

devolutas. A repercussão de tal fato tem levado o governo a providenciar o

assentamento de trabalhadores em projetos de colonização. Estas ocupações são

uma prática bastante antiga, que ocorriam desde o período colonial e se

intensificaram no século XIX, com o objetivo de dar início a um processo de

legitimação (Silva, 1996).

Ainda sobre essa questão Reydon (1992) ao tratar dos mercados de terras

agrícolas enfatiza a importância da especulação fundiária como elemento

fundamental para a compreensão dos processos econômicos no meio rural. Esta

importância ganha nitidez ao se verificar o papel que a especulação desempenha

junto aos pequenos produtores assentados, contribuindo em muitas ocasiões para

a própria permanência dos produtores na área agrícola

Este não parece ser o caso do extrativismo, que se diferencia dos tipos de

ocupação referidos anteriormente e também das ocupações colonizadoras em

que, através do trabalho, garante-se a propriedade da terra. Isto porque o

extrativismo pressupõe uma forma especifica de apropriação da terra pela força de

trabalho em que não se estabelece nenhum vínculo entre esta e a terra. Esta

especificidade da economia gumífera será essencial na discussão sobre a

propriedade das terras acreanas, a partir da década de 70, envolvendo

seringueiros, seringalistas e pecuaristas.

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Na prática, a definição do tamanho e a delimitação das áreas dos seringais

seguem um roteiro básico. A ocupação se estabelecia ao longo dos rios,

procurando detectar as áreas de maior incidência das arvores gumíferas. Uma vez

localizado esse manancial de arvores, tinha início as atividades produtivas sem a

preocupação com uma rígida delimitação das áreas de terra. O seringal é tanto

mais importante pela densidade de seringueiras do que pela sua extensão.

Acordos tácitos entre os seringalistas definiam os limites legais da propriedade, o

que implicava, ás vezes, em desconhecimento dos exatos limites e delimitações

das propriedades, até porque, com a ampla oferta de terras, a propriedade pouco

ou nada representava. Muito mais relevante era o sistema de comercialização e

crédito definidos diretamente pelas estruturas de propriedade. Isto não significa

dizer que não ocorriam transações envolvendo seringais, mas que o processo de

valorização, isto é, o preço, era estabelecido, não exclusivamente pelo tamanho

da área, mas pela densidade de árvores gumíferas.

Um aspecto dos mais importantes na discussão da propriedade das terras é

que, nos primeiros tempos e de um modo geral, na formação de um seringal e de

toda a economia gumífera, “a posse era mansa. Não se legalizava. Ninguém

cuidava de garantir-se ao amparo da legislação” (Reis, 1941, p. 28) o que valia era

a maior ou menor riqueza de madeiras25, e também a localização do seringal, em

virtude das facilidades do acesso, bem como de comunicação com as casas

aviadoras localizadas em Manaus e Belém. A legalização dos seringais seguia,

portanto, um itinerário particular, e os poucos donos de seringais que se

preocuparam em legalizar suas terras, dirigiram-se ao Estado do Amazonas, que

tinha jurisdição sobre as terras acreanas.

A ocupação do Acre, todavia, não se trata de um processo tranqüilo. Ao

contrário, trata-se de um processo violento, marcado por movimentos armados,

envolvendo brasileiros e bolivianos, em parte como decorrência da indefinição dos

25 “Madeira” é a denominação que se usa para a seringueira, É comum mencionar-se que a colocação X é rica em madeira, que significa dizer alta incidência de seringueiras na colocação X. Colocação, por sua vez, é o local onde vive o seringueiro, geralmente formada por três estradas de seringa.

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limites mas, sobretudo, em função da importância crescente que adquiria o látex

no mercado internacional.

A questão dos limites do Acre adquire relevância, também porque

contribuirá para a conformação de um quadro complexo quanto à definição dos

direitos de propriedade das terras. Se em condições normais, já havia uma

dificuldade natural decorrente de interesses contraditórios, no caso acreano, como

se verá adiante, isto é ampliado devido a uma série de fatores.

No início, os diversos tratados em face do desconhecimento geográfico da

região, ao tentar definir os limites corretos da região só conseguiram ampliar as

indefinições (Costa, 1975 e Reis, 1941). Assim, o tratado de Madri, de 1750, e o

de S. Idelfonso, de 1777, pouco contribuíram para a delimitação das fronteiras das

terras acreanas. De qualquer maneira, o fato destes tratados seguirem uma

tradição jurídica que se baseava no instituto do Utis Possidetis26 representava

algo positivo para o Brasil pois, quando da assinatura do tratado de Ayacucho em

1867, ocasião em que Brasil e a Bolívia chegaram a um acordo sobre sua fronteira

na Amazônia ocidental, os brasileiros já ocupavam parte substancial das terras

acreanas.

É este raciocínio que leva o jurista Juraci Perez Magalhães afirmar que, no

momento da assinatura do tratado de Ayacucho, ocasião em que o Brasil

reconhece como bolivianas as terras do Acre, pelo princípio do utis possidetis o

Acre já pertencia de fato e direito ao Brasil (Magalhães, 1977, p. 47).

A Bolívia só demonstraria maior interesse por estas terras por volta de

1895, ocasião em que pressionou o Brasil para demarcar as fronteiras. Antes

desta data, a jurisdição estava sob a responsabilidade do Estado do Amazonas.

Após o acerto das fronteiras, a Bolívia conseguiu do Brasil autorização para

instalar uma alfândega no Rio Acre, o que se efetivou em 23 de dezembro de

1898, visando auferir lucros com a extração do látex. A administração boliviana

perdurou até 1904, cedendo lugar por um curto espaço de tempo à administração

de Galvez, que criou o Estado independente do Acre. Após este interregno, pelo

tratado de Petrópolis, a área foi transformada no Território do Acre, condição esta

26 Uti possidetis significa o direito adquirido através da ocupação efetiva.

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em que permaneceu até 1962, quando o Acre passou à condição de Estado da

República Federativa do Brasil27.

É como decorrência deste quadro descrito que a interpretação da legislação

fundiária, somada a uma gama variada de interesses, definiu a regularização das

terras no Acre como uma das mais complexas do território nacional. Em resumo,

poderíamos ter documentos expedidos pelo estado do Amazonas, Bolívia, estado

independente do Acre e títulos expedidos registrados em cartório, segundo a

legislação brasileira. Após a assinatura do tratado de Ayacucho, o Amazonas

passou à Bolívia, para ratificação, toda a documentação das terras do Acre. O

mesmo procedimento de ratificação foi feito por Plácido de Castro, quando criou o

estado Independente do Acre, procedendo à solicitação de toda a documentação

expedida pela Bolívia e Amazonas, transferindo e documentando terras do

domínio público para o domínio privado, ainda que o estado não estivesse

juridicamente reconhecido. Com a criação do território do Acre, Plácido devolveu

os títulos e orientou os proprietários a se dirigirem ao ministério da Justiça.

É importante salientar que os títulos expedidos pelo estado do Amazonas

até 1898 tinham sua área limitada a 10.000 ha. Essa, no entanto, não era uma

medida acatada pelos seringalistas para fins de exploração da seringueira. As

áreas exploradas na prática eram bem maiores que as determinadas por lei,

chegando inclusive, alguns seringais, a possuírem acima de 80.000 ha.

Entretanto, esses seringalistas só procuravam regularizar o mínimo possível de

área com a finalidade de pagar menos impostos.

Essa medida, entretanto, não impediu que a estrutura fundiária do Acre se

tornasse concentrada, Ao contrário, e dado que o aumento da produção dependia

da ampliação da reserva de árvores gumíferas, isto implicava, como de fato

ocorria, a apropriação de novas terras. É isso que vai definir a característica

fundamental dos processos econômicos no estado do Acre, diferindo-os do de

outras regiões da federação e conformando o quadro de especificidades locais no

bojo do qual foram gestadas as bases do processo recente. Isso na medida em

27 O Jornalista Elson Martins chama a atenção para o caráter espúrio das vendas das terras do Acre. Segundo seu depoimento, as terras eram registradas no livro de imóveis sem que fosse necessário apresentar o documento original e válido. Silveira, 1979, p. 803

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que se entenda que a apropriação da terra se dá segundo determinações sociais

específicas, nas quais a produção não se volta para o atendimento imediato das

necessidades individuais, seja do produtor direto – o seringueiro –, seja do

proprietário das terras – o seringalista -, mas que é uma produção para o

mercado, isto é, a própria reprodução do trabalho é mediada pela relação de troca,

pelo mercado.

Assim, a economia extrativista foi ao longo do tempo se instaurando

baseada em dois elementos determinantes para a estruturação do velho

extrativismo. Em primeiro plano, o aviamento foi definitivamente o grande

mecanismo que pôs em funcionamento os seringais ao mesmo tempo em que

concorreu para que a presença do trabalho compulsório ocorresse como forma

exclusiva na exploração do látex (Paula, 1977, p. 13). Por outro lado, a ausência

de progresso técnico se tornou em grande medida responsável não só pelas

difíceis condições de trabalho mas, sobretudo, pela falta de competitividade da

economia da borracha frente aos concorrentes asiáticos.

Com efeito, a entrada da borracha produzida nos países asiáticos no

mercado internacional foi responsável pelo desencadeamento de uma crise sem

precedentes na economia gumífera Amazônica. Para se ter idéia do volume da

produção asiática observe-se que em “1900 compareciam ao mercado

internacional 4 toneladas de borracha de plantação. Em 1905 a tonelagem subiu

para 145; em 1906 para 500; em 1910 para 8.500. Em 1914. Eram já 71.000”

(Reis, 1953, p. 70). O resultado imediato disso foi a queda dos preços da borracha

e, conseqüentemente, a desarticulação de parte considerável do sistema de

produção. Isto gerou uma migração intensa da população do Acre para seus locais

de origem, de tal forma que o estado perdeu um contingente respeitável de

população entre 1920 e 1940. Aqueles que permaneceram, quando não

continuaram suas atividades no extrativismo deslocaram-se para a cultura de

subsistência de forma que, nesse período, iniciou-se a pequena produção agrícola

no Acre.

Foi a década de 20 que marcou um dos grandes momentos de crise na

economia da borracha amazônica o que, para o Acre, representou uma crise

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generalizada, dado sua total dependência à produção gumífera. A queda dos

preços iniciada em 1912 concorreu para que surgisse a produção de uma

pequena agricultura dado que o seringalista, diante da impossibilidade de aviar o

seringueiro em grande parte dos produtos que teriam que ser por eles adquiridos,

se viram impossibilitados de manter o exclusivismo produtivo.

A partir de 1940, principalmente no período da II Grande Guerra, o

extrativismo teve um novo impulso (Corrêa, 1967). Esse novo surto contou com a

participação direta dos Estados Unidos através de programas especiais

executados por organizações norte-americanas, principalmente a Rubber Reserve

Company (posteriormente denominada Rubber Development Corporation), que

comandou todos os trabalhos na Amazônia “desde a incrementação da produção

até o fornecimento dos artigos necessários aos seringueiros” (Corrêa, 1967, p.

86), além do próprio recrutamento de mão – de - obra no Nordeste e do transporte

desta para a Amazônia. Enfim, influiu tanto na vida econômica como social da

região28.

Em 1942, dentro das condições dos acordos de Washington foi criado o

BCB – Banco de Crédito da Borracha29, cuja finalidade principal consistia em

viabilizar, com exclusividade, a comercialização da borracha, financiando os

seringalistas.

Esse novo surto, todavia, não atingiu uma década, de forma que nos anos

50, o extrativismo atravessou novo momento de crise. O aumento do preço da

borracha não acompanhou o aumento do preço das mercadorias, o que somado à

nova política do novo Banco de Crédito da Amazônia30, colocou os seringalistas

28 Esse período foi chamado de Batalha da Borracha. Seu início data de 1942 com a assinatura dos Acordos de Washington, nos quais ficou estabelecido que o Brasil seria responsável pelo fornecimento de matérias primas consideradas estratégicas para as forças aliadas, estando entre elas a borracha. O término do acordo ocorreu em 1947. 29 O governo brasileiro entrou com 55% do capital, o governo norte-americano (através da RDC) com 40% e 5 % foram subscrição pública. 30 Pela lei n. 1.164,de 30 de agosto de 1950, o BCB – Banco de Crédito da Borracha é transformado em BCA – Banco de Crédito da Amazônia. A medida foi tomada em função do novo contexto econômico, em que a borracha atravessava novo período de crise e visava, sobretudo, ampliar o campo de atuação do antigo BCB, agora voltado a desenvolver a região. Seu objetivo era incentivar o início das atividades industriais e outras atividades produtivas.

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em grandes dificuldades, com o início de um processo de endividamento contínuo

perante aquela instituição de crédito.

Em 1953 foi aprovada pelo Congresso nacional a lei 1.806, que criava o

plano de valorização econômica da Amazônia com o objetivo de desenvolver a

região31. Para a execução desse plano foi criada uma Superintendência do Plano

de Valorização Econômica da Amazônia – SPVEA, com sede em Belém e

jurisdição em toda a Amazônia legal. A atuação da SPVEA porém, ficou restrita à

elaboração do I Plano Qüinqüenal e sua efetiva realização foi impossibilitada por

muitos problemas.

Mahar considera que “a origem de muitos desses problemas foi o caráter

abrangente de suas metas, combinado com o conhecimento extremamente

rudimentar da estrutura sócio-econômica e do potencial da região” (Mahar, 1978,

p. 17). E ainda, segundo este autor, “antes de tudo, a programação orçamentária

anual tornava o planejamento s longo prazo uma tarefa difícil, senão impossível.

Em segundo lugar, a SPVEA jamais exerceu suficiente controle sobre a alocação

de seus próprios recursos. Finalmente, e o mais importante, grandes cortes

orçamentários feitos pelo Congresso Nacional forçaram alterações em projetos em

curso e o adiamento ou o cancelamento de projetos propostos” (Mahar, 1978, p.

18).

Encontrando-se as relações de troca desfavoráveis à empresa seringalista

esta buscou transferir os custos da produção, via sistema de aviamento, para o

seringueiro. Desta forma, a remuneração do trabalho atingiu limites inferiores às

mais elementares necessidades humanas de forma que a produção manteve-se

graças ao endividamento crescente do seringueiro ao barracão, mesmo diante da

redução gradativa de sua cesta de consumo. O endividamento se alastrou no

sentido seringueiro/casas aviadoras/Banco da Borracha, sendo este último o

financiador da produção e, em decorrência, o credor e responsável por toda a

articulação da produção gumífera.

31 Segundo Mahar (1978), o Plano de Valorização Econômica da Amazônia era “concebido em geral como um sistema de serviços e obras públicas destinadas a desenvolver a produção agrícola, mineral e industrial e a elevar o bem estar social e econômico da população regional”.

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Desta forma, a década de 60 encontrou a grande maioria das empresas

seringalistas do estado vinculadas a débitos junto ao Banco da Borracha sob

forma de hipoteca. Foi no bojo dessa dependência que se estabeleceram as

bases das futuras negociações de terra no estado do Acre.

Tomando como ponto de partida o entendimento da evolução da estrutura

fundiária, que passa a ser engendrada a partir do momento da inviabilização da

empresa seringalista, três aspectos devem ser ressaltados. Em primeiro lugar, a

ocorrência de uma corrente migratória para fora do estado, o que resultou numa

menor pressão sobre a terra. Em segundo lugar, e associada a este aspecto,

encontra-se a estruturação de uma produção agrícola com base na pequena

propriedade da terra, o que levou a uma diversificação da produção e a formação

de um mercado interno. Em terceiro lugar, na medida que a empresa seringalista

se viu impossibilitada de acionar o seu instrumento de extração de valor e fixação

da força de trabalho – aviamento interno – surgiu um terceiro personagem que

exercerá importante papel no momento das transformações recentes. Trata-se do

seringueiro que continua a extração do látex liberado, porém, da venda

compulsória do produto ao barracão. Este seringueiro autônomo além de se

responsabilizar em grande parte pela manutenção do volume de produção da

borracha até os dias de hoje, representará, na fase atual, a parcela de força de

trabalho que receberá o principal impacto das transformações econômicas

acionadas pelos capitalistas que se deslocam junto com a fronteira agrícola.

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CAPÍTULO 4 – A EXPANSÃO DA FRONTEIRA E O

MOVIMENTO DE RESISTÊNCIA: OS FUNDAMENTOS DA

RESEX

4.1 Introdução

O início da década de 1970, marcou um momento de transição na

economia acreana, com a implantação da pecuária como atividade básica e

articuladora do processo de desenvolvimento regional. Esta mudança foi em parte

beneficiada pela situação de insolvência em que se encontravam os seringais,

como decorrência do próprio processo histórico visto anteriormente. Após o fim da

segunda guerra mundial, com o retorno da normalidade no mercado internacional

de matérias primas, os seringalistas gradativamente ampliaram suas dívidas com

o banco da borracha, principal agente financiador da produção gumífera.

Por outro lado, some-se a este quadro a expansão da pecuária extensiva,

como elemento nuclear da política estatal definida a partir da operação Amazônia

(MI/SUDAM, 1968). Nesse processo, pelo menos duas medidas tiveram forte

impacto no interior da economia acreana. A primeira foi a criação da SUDAM, a

partir da extinção da SPVEA, e a transformação do Banco da Borracha de

financiador da economia extrativista em Banco de Crédito da Amazônia

transformado em gestor das ações de compra e venda de terras visando

recuperar parte das dívidas dos seringalistas.32

O capital, portanto, encontra condições excepcionais para a sua aplicação

no Acre. Os preços das terras, frente à média brasileira, são irrisórios; a operação

32 È esclarecedor o depoimento sobre o endividamento de um seringalista, prestado pelo governador do estado.”Para que se tenha idéia do que isto representou em termos de endividamento, basta assinalar que um dos maiores seringalistas acreanos do vale do Juruá, com uma dívida de 1 milhão e oitocentos mil cruzeiros (resultado de um débito inicial acrescido de juros e correção monetária resultante por sua vez de sucessivas composições de dividas), sofreu intervenção do banco da Amazônia em todas as suas propriedades. Dois anos depois recebeu os seringais de volta com a dívida elevada para cerca de 12 milhões de cruzeiros..” (Mesquita, 1978, p. 10-11)

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Amazônia cria o aparato regional favorável aos investimentos através da SUDAM,

com sua política de incentivos fiscais e o Banco da Amazônia como agente

financeiro para viabilizar esta política e, por fim, todo esse aparato encontra eco

no governo, que assume o poder local sob o discurso desenvolvimentista

apoiando e identificando-se com a proposta de transformação da economia

acreana.

No governo Wanderley Dantas (1970 – 1974), a pecuária foi considerada

atividade econômica moderna, capaz de se constituir em mola propulsora do

desenvolvimento regional, conforme afirmações do próprio governador, em

palestra proferida em agosto de 1977, durante o Simpósio de História do Acre,

realizado na Universidade Federal do Acre. Na ocasião, o governador afirmou

ainda que a sua política de desenvolvimento foi uma adesão à política do governo

Médici e que sua gestão começou a incentivar a produção de gado, tendo sido isto

efetivado a partir do que ele denominou “chamamento nacional”, uma forte

campanha publicitária, financiada pelo Bradesco e realizada principalmente

através do programa da TV Globo tendo à frente Amaral Neto.

A respeito desta proposta de governo é bastante esclarecedora a palestra

proferida pelo secretário da fazenda Edson Cardoso Nunes, na Associação dos

Criadores de Gado Nelore do Brasil, em São Paulo, para empresários com

interesse na região. O secretário argumentou ser um bom negócio investir no Acre

e que “o estoque de madeiras nobres e outras de pouco valor comercial com uma

densidade total de aproximadamente 300 metros cúbicos por hectare, favorecia a

implantação de modernas indústrias madeireiras e, principalmente de celulose” (O

Rio Branco, 1976)33. Foram destacados ainda três problemas que deveriam ser

enfrentados para a viabilização do projeto governista, a saber, a colonização,

investimentos em infra-estrutura e, por fim, a política de incentivos fiscais.

Na verdade, a colonização, do que se apreende da exposição, é um

mecanismo que visa resolver o problema fundamental vivenciado por todos os

segmentos sociais, que é a regularização fundiária. Isto explica, em grande parte,

33 Ver a respeito a matéria “Um modelo econômico para o Acre” publicado no jornal O Rio Branco de 26.11.1976.

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porque a regularização fundiária foi tão importante. O tom geral dos discursos dos

diversos segmentos organizados, era a regularização fundiária. A imprensa

registrou quase que diariamente a necessidade de se resolver o problema da

titulação: os sucessivos governos estaduais pós-1970, não hesitaram em

identificar em seus pronunciamentos e documentos a indefinição da propriedade

das terras como o principal obstáculo ao desenvolvimento do Acre; os posseiros

empunharam como bandeira de luta o reconhecimento de seus direitos, o que

implicava a regularização fundiária, não sendo outro o discurso dos ”novos

proprietários”. Se fosse resolvida essa questão, dizia o secretário, “reunindo

condições excepcionais para a exploração agropecuária, podemos prever

inclusive que o Acre, disporá, dentro de horizonte de tempo já definido, de um dos

maiores rebanhos bovinos do país, e, uma agricultura diversificada e desenvolvida

alimentará a indústria com matérias-primas indispensáveis à integração dos

setores produtivos” (O Rio Branco, 1976). Quanto ao segundo ponto, o relativo á

infra-estrutura, o secretário salientava que o governo já estava tratando de

solucionar através de um programa de investimentos. Sobre o terceiro elemento

citado como relevante, os incentivos fiscais, enfatizava que “desde há muito foram

institucionalizados para a região através da SUDAM” (O Rio Branco, 1976).

Do exposto, parece ser possível afirmar que a regularização fundiária no

estado do Acre assume diversos significados, dependendo dos interesses

contraditórios dos diferentes segmentos envolvidos com a questão da terra. Ao

governo Dantas a regularização interessava duplamente, uma vez que contribuiria

para o fim dos conflitos e, ao mesmo tempo, deixaria de se constituir em obstáculo

à venda de terras, favorecendo a vinda de investidores do sul do país. Ao governo

subseqüente, tendo à frente Geraldo Mesquita, que assumiu postura política

diversa do seu antecessor, também interessava a regularização, conforme fica

claro em exposição ao presidente Geisel, por ocasião da visita deste ao Acre, em

julho de 1977: “A solução judicial ao alcance do INCRA – a da discriminatória –

sem embargo de se prender aos princípios legais, tem seu curso extremamente

moroso e eivado de situações geradoras de conflitos, de resultados aleatórios, não

permitindo ao governo estabelecer uma programação para uso das terras

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tornadas públicas pela inconsistente justificação das posses” (Mesquita, 1978, p.

11). Dessa forma, com justa razão, o governador ao reclamar da morosidade e

ineficiência do INCRA em regularizar a situação das posses, reclama também do

pouco espaço para o exercício da governabilidade, pois interessaria ao governo

através dos projetos de assentamento “devolver as famílias ao campo pois

estavam passando dificuldades”34. Em parte, a “ineficiência” do INCRA e outras

questões seriam decorrência da peculiaríssima situação das terras do Acre, e pela

disputa que se estabeleceu, resultando em uma extensão significativa de terras

cuja definição de propriedade se encontra em litígio no âmbito do poder judiciário.

Naquele momento, as extensões de terras pertencentes ao Estado do Acre

eram praticamente inexistentes, de sorte que o estado não possuía terras e,

conseqüentemente, os projetos governamentais ou programas voltados para o

setor rural, como por exemplo, os programa de assentamentos, dependeriam de

transferências de terras por parte da União. Dessa forma, o governo estadual

ficava impossibilitado de acionar uma política fundiária, independente dos

interesses mais gerais estabelecidos no âmbito do Governo Federal.

O fato das regularizações dos processos de terras no Acre implicar em

certa morosidade justifica a tese do INCRA de que para o Acre deveria existir uma

legislação específica. Outro argumento usado para a criação dessa legislação

seria a complexidade de se definir os proprietários das terras acreanas haja vista o

Acre ter passado por diversas administrações35. Obviamente que não seria uma

legislação específica para o Acre que faria o INCRA transformar-se num órgão

atuante, a ponto de levá-lo a atingir seus objetivos. O fato é que os problemas

ocasionados no Acre parecem ter uma natureza bastante distinta destes

argumentos. O entendimento da estrutura de propriedade das terras acreanas,

neste sentido, deve ser enfocado como um desdobramento das relações de

propriedade herdadas do extrativismo, do processo de trabalho, da forma de

ocupação e menos uma decorrência das gestões administrativas. Tanto isso é

34 Palestra proferida pelo Governador Mesquita no Simpósio de História do Acre em agosto de 1977.

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verdade que do Acre Independente ainda não apareceu nenhum título e da Bolívia

só apareceram nada mais do que certificaciones, meras certidões de traslados ou

cópias de cartório (Canuto, s/d, p. 3).

A lei federal 6.383, de 7 de dezembro de 1976, que foi saudada no Acre

como a solucionadora do problema fundiário, chegando a ser considerada como

mais importante do que o Estatuto da Terra (Rêgo, 1979, p. 866), na verdade

transformou o processo de legitimação de posse num processo de ocupação

(Junqueira, 1979, p. 885).

Este quadro de indefinição da propriedade contribuiu para agravar o

processo de disputa pela terra. Estes conflitos, tendo de um lado os novos

proprietários e de outro, os seringueiros, agora transformados em posseiros, vão

progressivamente crescendo em violência. O então governador Geraldo Mesquita

fez um resumo do contexto. Para ele, “a situação fundiária do Acre (...) não tem

reflexos apenas no campo da economia. Suas implicações são também, e

fundamentalmente, de ordem social, e se agravam desde 1972, em face da

ocupação dos seringais nativos por investidores, atraídos pela expansão da

fronteira agrícola, sem as necessidades e indispensáveis cautelas numa região de

economia extremamente frágil, baseada exclusivamente no extrativismo”

(Mesquita, 1977, p. 4).

Em outra oportunidade o bispo D. Moacir Grecchi, concordando com tais

assertivas a respeito do caráter do novo processo de ocupação, afirmaria que “as

conseqüências da nova política agrária e da forma agressiva e por vezes violenta

como vem sendo feita a ocupação das terras do Acre têm sido desastrosas para

milhares de trabalhadores. Expulsos, ou com ameaças, ou através de acordos

aviltantes e indenização simbólica, tiveram que dar um novo rumo à sua vida”

(Grecchi, 1979, p. 310).

A expulsão de posseiros e seringueiros foi a causa principal dos conflitos

que assumiram grandes proporções, principalmente, em decorrência dos métodos

35 Está-se referindo ao fato, já citado, de o Acre, até 1898, ser jurisdicionado pelo estado do Amazonas. Desta data até 1904 foi Estado Independente do Acre; em 1904 foi transformado em Território Federal e, a partir de 1962, em estado da Federação Brasileira.

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violentos usados pelos fazendeiros para deixar a “terra limpa”, isto é, pronta para o

cultivo ou para a pastagem. Eram os seguintes os métodos mais usados:

a) “Não fornecimento de mercadoria para os seringueiros, obstrução

de varadouros, proibição de desmatar e fazer roçados;

b) Destruição de plantações, invasão de posses, derrubadas até perto

das casas dos posseiros, deixando-os sem ou quase sem terra para

trabalhar;

c) compra de posses e benfeitorias por preços irrisórios ou, quando

muito, em troca de uma área muito inferior ao módulo, que não

permitirá ao posseiro e família trabalhar e progredir;

d) atuação de pistoleiros que amedrontam os posseiros numa guerra

psicológica através de ameaças ou mesmo com espancamentos e

outras violências;

e) ameaças feitas por policiais a serviço de proprietários; prisões de

posseiros por questões de terra sem ordem judicial ou por ordem

judicial sem que tenha sido movida a ação competente.”(Grechi,

1979, p. 310)

Enfim, o que se pode concluir de tudo o que foi exposto é que esse

processo, feito de uma maneira desordenada e violenta, incidiu diretamente no

desalojamento e expulsão de posseiros e seringueiros, o que fez com que

crescesse o êxodo rural em direção às cidades, com conseqüente afavelamento

dos centros urbanos estimulando, ao mesmo tempo, o declínio da produção

extrativista, que apesar de tudo ainda constituía a base da economia acreana e a

principal fonte de emprego. Para se ter uma idéia desse movimento populacional

basta ver o crescimento de dois bairros de Rio Branco: o bairro Palheiral que, em

1975 tinha uma população de 476, em 1979 passou para 3.975 pessoas. Já o

bairro Bahia passou de 1.240 no ano de 1975 para 3.059 pessoas no ano de

1979.

A figura 2 mostra a magnitude dos movimentos populacionais, em 1970,

72% da população acreana se concentrava na área rural enquanto os 28%

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restantes viviam nas cidades. Em 1991 o quadro era completamente invertido,

mostrando que cerca de 62% da população se encontrava nas cidades, sendo que

metade da população do Acre se concentra na cidade de Rio Branco. Em

decorrência, o crescimento populacional dos bairros periféricos desprovidos de

infra-estrutura, atendimento de saúde e falta de transporte resultou em baixa

qualidade de vida dessas pessoas e em altas taxas de desemprego na capital.

4.2 O Processo de Resistência

Uma outra face desse processo é a resistência seringueira que tornou

mundialmente conhecido o líder Chico Mendes. A reação dos seringueiros teve

seu início de forma desordenada, muito mais como uma reação de defesa. A luta

política de forma organizada através dos sindicatos e os impedimentos dos

desmates popularizados, como os “empates” só ocorrem numa segunda etapa.

Nesse ínterim, o êxodo rural-urbano é intensificado, gerando um inchaço

populacional nas cidades, principalmente Rio Branco.

Fonte: Censo IBGE (1991) A

2 0 ,6 62 7 ,5 4

4 3 ,8 7

6 1 ,8 8

3 8 ,1 2

5 6 ,1 3

7 2 ,4 67 9 ,3 4

0

20

40

60

80

100

1960 1970 1980 1991

Urbana (% ) Rural (% )

Figura 2 – Evolução da População Rural e Urbana –

Acre (1960-1991)

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O primeiro “empate” – estratégia política visando impedir os

desmatamentos e garantir a posse da terra –, que ficaria famoso e generalizado a

partir de Chico Mendes, ocorreu em Brasiléia e foi liderado pelo seringueiro

Francisco Pacheco da Silva. Conforme relato do jornalista Elson Martins, “o

Seringueiro Francisco Pacheco da Silva, 56, mulher e nove filhos entrou para a

história do sindicalismo rural no Acre como o primeiro a encabeçar um “empata”.36

O levante, como ele chama, aconteceu em abril de 1976, no seringal Carmem, em

Brasiléia. Ele e mais 22 seringueiros enfrentaram 400 peões com o objetivo de

obstruir o desmate do local. Pacheco não era ainda líder rural, mas as motos-

serras já roncavam a 500 metros de suas benfeitorias e a família estava

ameaçada.” Ver meus filhos passar fome? Era arriscar a vida ou a morte, e

procurar meus direitos”. Declarou na semana passada, lembrando o empata e os

aperreios que passou”37. É de se notar que o “empate”, adquiriu uma conotação de

forma de luta extremada para os seringueiros, daí a referencia ao fato de que “não

havia mais nada a ser feito”, ou de que “era tudo ou nada”, como bem colocou

Pacheco frente à perspectiva de ver seus filhos passarem fome. Esta

característica de postura legalista, presente no movimento seringueiro, foi

observada pelo jornalista Elson Martins. Segundo ele os seringueiros não partiam

para ações que não fossem amparadas por lei, o que amplia em muito a

importância da CONTAG, cuja estratégia política de atuação era o esclarecimento

dos direitos dos posseiros.

O “empate”, ao longo do tempo se generalizou como forma de atuação

política para impedir os desmatamentos por parte dos seringueiros, principalmente

sob a liderança de Chico Mendes, que se tornou o responsável pela popularização

dessa forma de luta.

Num segundo momento, gradativamente, as forças da sociedade contrárias

ao processo de vendas das terras e a consolidação da pecuária como modelo de

36 O termo “empate” advém do verbo empatar que significa obstaculizar; criar embaraços. O termo consagrado e mais usado é “empate”. 37 Silveira, Elson Martins. Anotações de um repórter. O primeiro empata foi em Brasiléia.Gazeta do Acre. 13.07.86.

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desenvolvimento regional, foram se articulando e o movimento de resistência

cresceu em importância política e representatividade.

A simultaneidade de certos acontecimentos torna difícil explicitar a ordem e

importância dos diversos componentes presentes neste processo histórico. De

qualquer maneira, o jornal O Varadouro, ao noticiar todos os eventos e ações

referentes aos conflitos sobre a terra, inclusive possibilitando a veiculação dessas

noticias para o todo o país desempenhou, um papel fundamental, seja por

influenciar positivamente a própria imprensa local, seja por aglutinar a seu redor

as forças locais do movimento cultural – artistas de teatro, cineclube Aquiry,

professores da Universidade Federal do Acre e outras forças expressivas. Ainda

no âmbito da imprensa, data desta época a veiculação, a nível nacional, das

primeiras reportagens sobre os conflitos fundiários a partir dos correspondentes

dos grandes jornais do país38. Por outro lado a Igreja39, que no início tivera uma

atuação tímida, mais restrita aos bastidores políticos, passou a atuar mais

firmemente, esclarecendo e orientando os posseiros quanto aos seus direitos, na

maioria das vezes inclusive em parceria com a CONTAG, principalmente na

formação dos sindicatos.

Para a maioria das pessoas envolvidas com as questões aqui tratadas, a

atuação da CONTAG foi definitiva na organização e esclarecimento dos direitos

dos posseiros, até porque, como já referido anteriormente, ao tomar ciência dos

seus direitos os seringueiros mudavam de postura no enfrentamento dos

problemas. Para se ter uma idéia da atuação da CONTAG, no que se refere á

defesa direta dos trabalhadores, o advogado da instituição Pedro Marques, no

primeiro ano de atuação entrou na justiça com cerca de 400 ações trabalhistas. (O

Rio Branco, 1981)

38 Vale a pena uma pesquisa sobre esse tema, para dimensionar melhor a participação da imprensa, principalmente dos jornalistas Elson Martins e Silvio Martinello, ambos fundadores do Varadouro, e correspondentes do Jornal O Estado de São Paulo e Jornal do Brasil, respectivamente. 39 É preciso distinguir a atuação política da igreja do Juruá e do alto Acre em virtude de discordância da atuação política das duas dioceses, como bem chamou a atenção Duarte, (1987, cap. 3).

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Assim, em decorrência do cenário exposto, explica-se porque os

seringueiros tenham passado a lutar de forma organizada e o sindicalismo rural

experimentado um rápido crescimento a partir de então.

O primeiro sindicato dos trabalhadores rurais do Acre foi fundado em Sena

Madureira, em 20 de setembro de 1975, com a participação e influencia da igreja,

através do Pe. Paulino Baldassari. A reunião ocorreu no colégio Santa Juliana e a

ela compareceram 557 trabalhadores, quase todos seringueiros (Costa

Sobrinho,1992, p. 172). Três meses depois, no dia 21 de dezembro de 1975, foi

fundado o mais importante e atuante dos sindicatos, o de Brasiléia, contando em

sua diretoria como membro do conselho fiscal Wilson Pinheiro de Souza, que mais

tarde assumiria a presidência do mesmo e adotaria a estratégia dos “empates”

como forma de impedir os desmates. Wilson Pinheiro foi assassinado por

pistoleiros em 21 de julho de 1980, a mando de fazendeiros e sua morte

desencadeou uma onda de violência, que resultou na morte de Carlos Sérgio,

capataz da fazenda Nova Promissão, fato este já narrado no início do capítulo.

Também participava dessa diretoria como secretário, Chico Mendes, na época

desconhecido, mas que já demonstrava grande conhecimento da problemática e

poder de mobilização40.

A terceira fase da luta seringueira, já ocorreu sob a liderança inconteste de

Chico Mendes. Sua habilidade, poder de convencimento e liderança não se

resumiram ao meio rural. Pelo contrário, Chico Mendes demonstrou grande poder

de articulação, na medida em que envolveu os setores urbanos em defesa dos

seringueiros. A criação do Conselho Nacional dos Seringueiros, mostra bem o

estilo agregador e envolvente da forma de trabalho de Chico Mendes. Nas suas

palavras, “a história do Conselho Nacional dos Seringueiros começa exatamente

com a preocupação que a gente começou a enfrentar na luta contra o

desmatamento, na busca de uma proposta alternativa pra garantir a floresta

Amazônica. Daí, surgiu uma idéia entre algumas pessoas, alguns assessores do

sindicato de Xapuri, e no próprio sindicato, de se organizar um encontro nacional

de Seringueiros ou de levar uma comissão de seringueiros a Brasília pra discutir

40 Segundo entrevista concedida pelo Jornalista Elson Martins.

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algumas coisas” (Grzybowski, 1989, p. 21). Mais adiante, acrescenta que a

assessora Mary Allegretti, “topou” a idéia e que ele teve uma reunião com o

pessoal do Ministério da Cultura. E, por fim, envolveu outras entidades, como a

OXFAM, uma agencia católica da Europa que teve participação importante,

principalmente no que se refere ao financiamento do encontro que foi realizado em

outubro de 1985 e no qual, dentre as várias propostas, os seringueiros decidiram

pela criação de uma entidade que tivesse representação em nível nacional capaz

de viabilizar a preocupação maior dos seringueiros que era a definição de uma

proposta ampla e alternativa capaz de garantir-lhes a posse da terra e, ao mesmo

tempo a preservação da floresta Amazônica. Estava criado o conselho Nacional

dos Seringueiros. Nas palavras de Chico Mendes, “descobrimos que para se

garantir o futuro da Amazônia era necessário criar a figura da reserva extrativista

como forma de preservar a Amazônia, mas como forma econômica, como

proposta econômica ao mesmo tempo” (Grzybowski, 1989, p. 24).

Vê-se, assim, que já estava presente nas idéias de Chico a noção de que a

preservação da floresta deveria ocorrer concomitante à resolução do problema da

posse e renda dos seringueiros. Esta idéia nuclear, ainda hoje está presente na

concepção das reservas, constituindo-a, por assim dizer, em um projeto de

reforma agrária amazônica.

No documento de diretrizes das RESEX (CNS, 1993) a especificidade da

proposta é atribuída ao seu conteúdo de reforma agrária e de desenvolvimento

sustentável. Dessa forma, este modelo não só poderia se expandir por áreas

específicas da Amazônia mas, sobretudo, e ainda segundo o documento, deveria

se constituir em alternativa ao modelo de desenvolvimento predatório

fundamentado na grande propriedade, que comandou a expansão da fronteira

agrícola na região.

Em linhas gerais, o modelo contemplou alguns pontos: Em primeiro plano,

ao se pretender uma proposta de reforma agrária e desenvolvimento sustentável,

visava se constituir em alternativa ao modelo de ocupação baseado na

agropecuária e, em segundo lugar, ao inovar quanto á propriedade e manter a

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forma de uso da terra baseado no extrativismo representou uma alternativa ao

modelo de colonização do INCRA.

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4.3 A Forma de Acesso e o Uso da Terra

A situação fundiária do Estado é caracterizada por uma elevada

concentração fundiária, cujos fundamentos remontam ao processo inicial da

ocupação. Com efeito, os determinantes desta situação devem ser buscados na

estruturação da propriedade herdadas da economia da borracha. A ocupação

originária do Acre, baseada no extrativismo, expandiu-se em termos de absorção

das terras vizinhas e, nos casos de compra e venda, a negociação ocorria levando

em conta o potencial produtivo do seringal. Esta lógica, associada ao processo

produtivo extrativista, é que determina o caráter concentrador da estrutura

fundiária na região.

Entretanto, a partir dos anos 1970, a economia orienta-se

fundamentalmente para implantação de pastagens em substituição à atividade

extrativista da borracha. Esse novo processo, não só representou mudanças

profundas nos processos produtivos como modificou fundamentalmente a forma

de definir os limites das propriedades fundiárias. Os dados da tabela 4, que

mostram os diferentes índices de concentração da terra para o Estado do Acre e o

Brasil, em certa medida expressa esse conjunto de transformações aludidas.

Todavia, o fato de que a pesquisa do IBGE para o censo, não se referir

diretamente á propriedade, diz respeito mais ao uso da terra, certamente contribui

para que o índice apresente resultados mais elevados à medida que se aumenta a

atividade econômica no meio rural. Por conseguinte, não expressa fielmente o

intenso processo de transferências de terras ocorrido.

Tabela 4 – Índice de Gini– Acre/Brasil – 1970-1995/96

Discriminação

Anos 1970 1980 1995/96

Acre 0,619 0,693

0,723

Brasil 0,844 0,857

0,857

Fonte: IBGE, Censos Agropecuários

Como se observa na tabela 4, enquanto no Brasil a concentração da terra

manteve-se quase que constante, de 0,844 em 1970 passou para 0,857 no

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período de 1995/96; no Acre, a intensa movimentação de vendas das terras,

ocorrida no início da década de 1970, aponta para um crescimento no índice de

concentração. Em 1970 o índice era de 0,619, passou para 0,693 em 1980 e, por

fim, no período 1995/96 subiu para 0,723. aproximando-se do índice para o Brasil

que no mesmo período era de 0,857.

A tabela 5, reforça os processos descritos anteriormente e enfatiza a

intensa mudança na estrutura de propriedade ocorrida. Com efeito, na década de

1970, a categoria mais expressiva era de “ocupantes” que totalizavam cerca de

45,8% do conjunto dos estabelecimentos e ocupavam uma área superior à metade

da área total. Essa mesma categoria, em 1996, decresceu para 30,1% do total dos

estabelecimentos, ocupando uma área equivalente a 17,6% do total. Já a

categoria dos proprietários, que em 1970 possuíam apenas 17,6% do total de

estabelecimentos e ocupavam uma área de apenas 13,3% do total, no ano de

1996 apresentavam um acréscimo expressivo de número de estabelecimentos,

atingindo 69,4%, que por sua vez passaram a ocupar 81,2% da área total.

Tabela 5 – Distribuição percentual do número de estabelecimentos agropecuários e da sua área total – Acre – 1970-1995/96

Condição do Produtor

1970 1980 1995/96 nº Área nº Área nº Área

Proprietário 17,60

13,30

29,10

37,10

69,40

81,20

Arrendatário 36,40

34,20

26,60

36,60

0,40

0,70

Parceiro 0,20

0,20

0,10

0,10

0,20

0,60

Ocupante 45,80

52,40

44,20

26,20

30,10

17,60

Total 100,00

100,00

100,00

100,00

100,00

100,00

Fonte: IBGE, Censos Agropecuários

Em meados da década de 1980, o quadro econômico e social do Acre já

apontava para uma consolidação das estruturas definidas a partir da pecuarização

e resistência a esse processo. Assim, a pecuária já se firmava e o processo de

desmatamento, se mantinha em níveis aceitáveis, principalmente em decorrência

do crescimento da consciência ecológica em todo o Estado, sobretudo, a

consolidação das RESEX, maior conquista do movimento dos seringueiros e do

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movimento ecológico, que ganhavam amplos espaços em âmbito nacional e

internacional.

A tabela 6 mostra a situação das terras do Acre quanto a sua destinação.

Antes de qualquer análise, todavia, convém esclarecer uma questão referente à

área total do estado. Esta área aparece na tabela acrescida de 1.204.273 ha, pelo

deslocamento da linha de fronteira estadual denominada de “Cunha Gomes”, fruto

de decisão do STF, segundo informações do documento do recém criado Instituto

de terras do Acre

ITERACRE. Se não consideremos a área proveniente deste

deslocamento, a área total do Estado, considerando as informações do IBGE, é de

15.314.390 ha.

Esta tabela mostra alguns aspectos importantes. Cerca de 51,92% da área

total estão com destinação claramente definida, sendo que, excluídos os 10,20%

que correspondem à área dos projetos de colonização do INCRA, restam 41,72

com % do estado, que podem ser consideradas áreas destinadas a projetos de

concepção conservacionistas, tais como RESEX, UCs, terras indígenas e PAE. A

área de 20,48% sem estudo de discriminação pelo INCRA, que é efetivamente um

percentual elevado, representa um potencial que poderia vir a ser aproveitada

para projetos de cunho conservacionistas.

As áreas discriminadas pelo INCRA e as que se encontram ainda por

serem discriminadas, o que corresponde a 48,08% da área do estado, em tese,

representam o percentual de maior risco do ponto de vista da preservação

ambiental.

No primeiro caso, áreas em mãos de particulares, a degradação ambiental

depende fundamentalmente da definição do uso da terra e outros fatores que se

discute ao longo do trabalho. Todavia, os 3.383.088 ha (22,09%) de área não

discriminada pelo INCRA indica uma grave situação, principalmente, ao se

considerar a morosidade na definição dos processos em que os pretensos

proprietários das áreas recorrem juridicamente contra o não - reconhecimento dos

documentos apresentados. Estes casos, que levam anos para serem definidos,

permitem, no ínterim, que os pretensos proprietários usufruam a área como se

proprietários fossem.

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Tabela 6 - Destinação das Terras do Acre - 2000

Denominação Quant. Área (ha) % do Estado 2.1 Projetos de Assentamento e Colonização 61

1.562.526

9,46

2.2 Projetos de Assentamento Agroextrativista – PAE 8

193.447

1,17

2.3 Reservas Extrativistas – RESEXs 2

1.482.756

8,98

2.4 Terras Indígenas 28

2.167.146

13,12 2.5 Florestas Nacional e Estadual 2

239.404

1,45 2.6 Unidades de Conservação de Proteção Integral 2

920.512

5,57 2.7 Terras Públicas ( áreas arrec. - INCRA n/ destinadas)

1.128.664

6,83 Sub-Total

7.694.455

46,58 2.8 Áreas Discriminadas pelo INCRA Várias 3.980.430

24,10 2.9 Áreas sem Estudo de Discriminação Várias 3.383.088

20,48 Sub-Total

7.363.518

44,58 2.10 Outras: áreas urbanas, militares, estaduais etc. Várias 256.417

1,55 Sub Total

256.417

1,55 2.11. Área de deslocamento da linha – C. Gomes/STF

1.204.273

7,29 Sub-Total

15.314.390

92,71 Total de Área do Estado

16.518.663

100,00 Fonte: INCRA, FUNAI, IBAMA,1999, Apud ACRE (2001, p. 6)

A situação exposta, referente à grilagem e outras práticas similares, além

dos aspectos jurídico - formais, representa uma situação de extrema fragilidade no

que diz respeito ao controle da degradação ambiental. Em recente trabalho sobre

a prática de grilagem, denominado “Perfil dos proprietários/detentores de

grandes imóveis rurais que não atenderam à notificação da portaria 558/99”,

é composto um quadro geral mostrando a gravidade da situação. O documento

analisa a situação do conjunto de proprietários ou detentores de a qualquer título

de imóveis cadastrados com área igual ou superior a 10 mil hectares, que foram

notificados a apresentar os documentos comprobatórios da propriedade dos

imóveis, pela portaria 518/99, mas que não apresentaram documentos ao INCRA.

Em decorrência, recai sobre esse conjunto de supostos proprietários a suspeição

de irregularidades quanto a propriedade das áreas (Di Sabbato, 2001).

Segundo o documento, a maioria dos estados da região norte possui

elevados percentuais de áreas suspeitas de irregularidades, destacando-se o

Estado do Acre. Conforme ainda o documento, no Acre existem 13.267 imóveis

ocupando uma área de 5.244.582,8 há . Desse total 62 imóveis são suspeitos de

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grilagem, ou seja, 0,47% do total dos imóveis no Acre, que corresponde a uma

área de 63,46% da área total cadastrada apresenta indícios de irregularidades (Di

Sabbato, 2001).

A tabela 7 mostra que existem cerca de 14.989 imóveis cadastrados no

Sistema Nacional de Cadastro41 referentes ao ano de 1999, com uma área

correspondente a 4.889.839 ha, ou seja, 32,04% da área total do estado. Os

dados mostram que, considerando os imóveis acima de 1.000 como grandes

propriedades, que estas totalizam cerca de 509 unidades, e que ocupam uma área

de 3.851.846 ha, que corresponde a 79,57% da área cadastrada e a 25,24% do

total do estado.

Os dados provenientes do cadastro do INCRA devem ser observados com

cautela devido a existência de sobreposição de áreas, situação em que o mesmo

imóvel é cadastrado duas ou mais vezes em virtude da existência de vários títulos.

Neste sentido, é fundamental extrair da área de 4.889.839 ha, a parte que apesar

de cadastrada, não passou por processo discriminatório, em que o INCRA a partir

de estudos e análises dos documentos define a área pública e a área particular.

Este valor, no caso 1.037.993 ha, é significativo porque mesmo não sendo

definida a propriedade dessa área os pretensos proprietários usufruem das

mesmas, enquanto não ocorre a discriminatória.

Em suma, o importante na perspectiva ambiental é a área não discriminada

correspondente a 3.383.088 ha ou cerca de 22,17% do Estado. Esta área

corresponde a um percentual elevado que, teoricamente, não se encontra sob a

tutela do Estado e, portanto, representa um amplo espaço da floresta suscetível a

um aproveitamento incorreto do ponto de vista da sustentabilidade.

Tabela 7– Estrutura fundiária por estratos, nº de imóveis e área das propriedades – Estado do Acre-1999

Estratos (ha) Quantidade

% Área % até 50 5.220

34,83

151.228

3,09

50 - 100 8.094

54,00

590.476

12,08

41 Na maioria das vezes os dados provenientes do cadastro do INCRA apresentam pequenas divergências que, possivelmente, são decorrentes do caráter preliminar de alguns levantamentos. Isto, no entanto, não altera substancialmente as inferências dos dados.

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100

100 - 500 1.013

6,76

179.936

3,68

500 – 1.000 153

1,02

116.353

2,38

1.000 – 5.000 312

2,08

738.034

15,09

5.000 – 10.000

114

0,76

773.781

15,82

10.000 e mais 83

0,55

2.340.031

47,85

Total 14.989

100

4.889.839

100

Fonte: Cadastro de imóveis do INCRA, 1999

.

A forma de acesso a terra e o seu uso constituem dois pontos fundamentais

que definem a existência das RESEX como uma efetiva alternativa ao modelo

baseado na pecuária, sendo este o grande mérito da experiência das reservas,

independentemente de se constituírem em modelo de desenvolvimento

sustentável ou não.

Esta experiência de não-demarcação de lotes, com a definição das áreas

por “estradas de seringa”, é um requisito fundamental ao processo de trabalho

extrativista. Em 1987, como resultado das pressões políticas da luta de Chico

Mendes e seus companheiros, o INCRA fez uma primeira experiência de

assentamento de seringueiros seguindo a proposta dos mesmos de não delimitar

os lotes, como tradicionalmente se fazia nos projetos de colonização, mas

estabelecendo a área total com a propriedade da União e usufruto dos

seringueiros.

Estes projetos, conforme tabela 8, foram denominados “Projetos de

Assentamento Agroextrativista” (PAE), apesar de ainda constituírem uma área

relativamente pequena para os padrões preservacionistas. Com relação a área

das reservas, os PAEs são importantes por representarem uma nova política de

assentamento por parte do INCRA, mas também, por se constituírem em embrião

das Reservas Extrativistas42. Os PAEs, inicialmente visam a regularizar a situação

42 Foram criados 4 PAEs no Acre, São Luiz do Remanso, em Rio Branco;Santa Quitéria, em Brasiléia; Macauã, em Sena Madureira e Cachoeira, mais tarde denominado Chico Mendes, em Xapuri.

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101

fundiária dos seringueiros e castanheiros, só que a partir do conceito de reforma

agrária ecológica elaborado pelo INCRA. Neste caso, a regularização ocorre de

forma coletiva, através da associação de moradores que se responsabiliza perante

o INCRA pela gestão da área, a partir do Plano de Utilização que é elaborado

pelos moradores com a participação de técnicos do INCRA.

No plano de utilização, além de constar as normas gerais e compromissos

da comunidade, é definido que os processos produtivos devem ser desenvolvidos

sob os princípios da conservação dos recursos naturais (INCRA, 1997).

Tabela 8 - Projetos De Assentamentos Agroextrativista: Localização, Área e População – Acre/2000

Nome PAE Localização Área (ha)

Pop. Estimada

Total de famílias

DEC./CRIAÇÃO Canary Bujarí 8.053

126 21 Por.11/10-03-97 Chico Mendes Epitaciolândia 24.898

456 76 Por. 158/19-03-98 Limoeiro Bujarí 11.150

48 8 Por.11/19-03-98 Remanso Capixaba 39.570

1.242 207 por.472/04-06-87 Riozinho Sena Madureira

35.896

474 79 Resol.39/20-10-89 Porto dias Acrelândia 22.142

606 101 Resol.40/20-10-89 Porto Rico Epitaciolândia 7.530

1.506 49 Resol.43/11-07-91 Santa Quitéria Brasiléia 44.205

1.506 251 Port.886/24-06-88 TOTAL

193.444

5964 792

Fonte: IBAMA (s/d)

As primeiras duas Reservas Extrativistas brasileiras foram criadas no

Estado do Acre. A primeira delas foi a de “Alto Juruá”, fundada em 23 de janeiro

de 1990, localizada no município de Marechal Taumaturgo de Azevedo, com uma

área de 538.492ha e uma população de aproximadamente 4.250 pessoas,

enquanto que a outra reserva, denominada “Chico Mendes” está localizada no alto

Acre, abrangendo parte de sete municípios do Estado do Acre. Atualmente estão

em fase de implantação a RESEX do alto Tarauacá, com uma área estimada de

151.000 ha e 1.632 pessoas; a RESEX Riozinho da Liberdade com uma área de

400.000 ha e cerca de 4.800 pessoas e a RESEX Iracema do Cazumbar com uma

área de 600.000 ha e cerca de 1.740 pessoas.

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102

A tabela 9 mostra os dados mais gerais das reservas do Acre e,

principalmente, que estas possuem uma população estimada de 21.422 pessoas,

o que representa 11,42% da população rural do Acre que segundo dados do IBGE

está em torno de 187.541 pessoas. As reservas somam uma área de 2.070.494

que corresponde a 12,53% da área total do Estado. Apesar das reservas

apresentarem um baixo índice de densidade demográfica, do ponto de vista da

preservação ambiental, trata-se na verdade de um índice razoável levando-se em

conta ser este o aspecto fundamental das mesmas.

Tabela 9 - Reservas Extrativistas do Acre: área, população e decreto de criação -1999

RESEX Pop. Estimada Total de famílias Área (ha) DECRETO/ CRIAÇÃO Chico Mendes 9.000

1.465 930.203

99144 (12.03.90)

Alto Juruá 4.250

665 538.492

98.863 (23.01.90)

Alto Tarauacá

1.632

272 151.199

S/n. (11.00)

Riozinho da liberdade

4.800

800 450.000

Iracema do Cazumbar

1.740

290 600

Total 21.422

3.492 2.070.494

Fonte: IBAMA (1999, p. 12)

Estas Resex ainda estão em fase de implantação. Obs: para o cálculo da população das três reservas usou-se a média de 6 pessoas por família.

Se for levado em conta que a preservação é um dos fatores fundamentais

na base da concepção das RESEX, a tabela 10 atesta a importância das mesmas.

O primeiro dado a ser considerado é que o índice de 9,27, que é a taxa de

desflorestamento do estado do Acre é baixa vis a vis a taxa do estado vizinho de

Rondônia, onde o processo de expansão da frente agropecuária ocorreu de forma

distinta, sobretudo, pelo pequeno poder de reação e organização dos

trabalhadores contra o desmatamento. Por outro lado, a taxa de desflorestamento

da RESEX Chico Mendes em 0,66 e a de 1,01 da RESEX Alto Juruá mostra

claramente que neste fundamento as RESEX efetivamente se constituem em

unidades de caráter conservacionistas.

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103

Tabela 10 - Índice de desmatamento: diversas unidades - 1999

Unidades Área desmatada/Total Unidade - % RESEX Chico Mendes 0,66 RESEX Alto Juruá 1,01 Estado do Acre 9,27 Estado de Rondônia 21,19 Fonte: IBAMA (1999a)

Ao verificar os dados sobre o desflorestamento, pela figura 3, vê-se que a

maior parte da área desflorestada do Acre, cerca de 86%, está concentrada no

Baixo e Alto Acre, parte sudeste do estado, exatamente onde estão localizadas a

maioria das grandes fazendas, que se instalaram ao longo das rodovias e perto

dos núcleos urbanos, os projetos de assentamentos dos colonos do INCRA e a

maioria das estradas e municípios. Em decorrência, a maioria dos conflitos

envolvendo a luta pela terra, ocorre exatamente neste espaço territorial. Não por

acaso, também, é nesta área que se implanta a Reserva Extrativista Chico

Mendes.

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104

Figura 3 - Percentual de desflorestamento por regional do Acre

-

1996

Fonte: ZEE/AC (2000, V. 2, p. 158)

Atualmente cerca de 9,7 do estado se encontra desflorestada, conforme

mostra a evolução na figura 4. Verifica-se também que até 1978 o índice de 1,6 na

verdade expressa que, a atividade produtiva que implicava em desmatamento

como a pecuária e a pequena produção baseada em roçados, não correspondia

ao intenso movimento de transferências de terras que transcorria desde o início da

década e suas conseqüências como a política de colonização implementada pelo

INCRA.

Atualmente a taxa média de desflorestamento no estado é

Figura 4 - Percentual de área desflorestada por ano - ACRE-1978/1998

Fonte: ZEE/AC (2000, V.2, p.

155)

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105

Na figura 5, tem –se a taxa percentual média anual e por períodos do

desflorestamento no estado. A taxa média é de cerca de 0,35% por ano ou o

equivalente a 53.000 hectares (ZEE/AC-2000,161). Percebe-se que a média é

crescente ano a ano, sem todavia apresentar altas variações, com exceção do

período 1994/95 que atingiu a média de 0,86%, possivelmente como resultado da

elevação da atividade produtiva em decorrência da estabilização da moeda

ocorrida no país.

Após esta exposição é possível, então, extrair algumas conclusões de

caráter geral. Em primeiro lugar e, tendo como ponto crucial o problema ambiental,

- como conservar o ecossistema florestal ou, em segunda opção, como reduzir as

taxas de desflorestamento -, o que se pode afirmar é que o processo de

desmatamento, apesar dos esforços e êxitos alcançados, é uma ameaça

constante.

Figura 5 - Taxa anual média de desflorestamento - Acre - 1978/1998

Fonte: ZEE/AC (2000, V. 2, p. 156)

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As reservas, criadas inicialmente no contexto da luta pela terra, na medida

em que passaram a fazer parte do movimento ambientalista internacional,

constituíram-se em alternativa ao processo de devastação pelo qual passava a

Amazônia no final da década de sessenta.

Em segundo lugar, parece claro que as reservas definitivamente constituem

uma proposta de cunho conservacionista, principalmente por se constituir uma

política específica de acesso à terra. As reservas, além de utilizar os recursos

naturais de forma sustentável, representam alternativa de mudanças na política de

Unidade de Conservação no país, até então, baseadas na restrição absoluta ao

uso das áreas (Reydon e Cavalcanti, 2002).

Por fim, esta experiência aponta para a importância da definição e

regularização do acesso e do uso da terra, como parte essencial do esforço de

estancamento do processo de desmatamento da floresta Amazônica. Sem a

regularização do uso e do mercado de terras, todo o esforço e os ganhos na área

da preservação ambiental podem vir a ser comprometidos.

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108

CAPÍTULO 5 – FORMAÇÃO E ASPECTOS GERAIS

DAS RESEX

5.1 Introdução: A Formação das Reservas

O primeiro encontro de seringueiros e extratores, realizado em Brasília no

ano de 1985, sob a liderança de Chico Mendes, estabeleceu as bases para a

criação das Reservas Extrativistas. Naquele momento, o núcleo central da

proposta visava, sobretudo, a garantia da posse da terra.

Por ocasião da consolidação da reserva, contudo, a proposta mais

elaborada e mais densa, havia caminhado na direção da superação das relações

vigentes nos antigos seringais, formatando embrionariamente um novo

extrativismo e, por outro lado, incorporando de forma clara a idéia da preservação

como elemento nuclear.

Em linhas gerais, a reserva é resultado do movimento seringueiro que

representava uma negação sob forma de resistência ao modelo que se tentou

consolidar, a partir dos anos setenta, e que representava, na prática, a concepção

geopolítica desenvolvimentista do governo militar brasileiro.

Após 15 anos do evento de Brasília e a consolidação das reservas,

algumas questões se impõem no âmbito da problemática ambiental, sobretudo as

relacionadas ao desenvolvimento regional. Neste sentido, este trabalho, tal como

já referido anteriormente, objetiva analisar se as reservas, tal como estruturadas,

isto é, estabelecendo controle à ocupação e usos da terra podem ser

considerados uma proposta de política de desenvolvimento sustentável. O que

está na base desta questão é, na verdade e pelo menos de forma ampla, a

discussão sobre a possibilidade ou não de compatibilizar crescimento econômico

e preservação ambiental.

O entendimento do papel das reservas, seja amplamente no

desenvolvimento regional, seja na perspectiva preservacionista, requer uma

análise da dinâmica econômica dos processos produtivos no interior das reservas,

de forma que se possa esclarecer e discutir as condições de sustentabilidade.

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Dito de outra forma, o que se tentará a partir da análise da dinâmica

econômica da reserva Chico Mendes é discutir o conjunto de questões que

envolvem a viabilidade das Reservas Extrativistas como proposta baseada nos

princípios da sustentabilidade.

A proposta das RESEX, ganhou densidade, conforme referido

anteriormente, a partir da criação do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS),

em 1985, por ocasião do l Encontro de Seringueiros e Extratores, encontro este

que objetivava tratar das questões relativas à categoria e organizar politicamente

os seringueiros visando, sobretudo, através dos embates políticos, auferir ganhos

para o conjunto dos seringueiros.

Desse encontro nasceu o primeiro formato das RESEX, cuja base inicial

visava garantir e legalizar a posse da terra e, a partir daí, estruturar um novo

seringalismo, rompendo com pelo menos três pontos fundamentais que se

constituíam a base do seringal tradicional, a saber, a regularização fundiária, o

exclusivo da comercialização, e a obrigação do pagamento da renda para o antigo

patrão, que chegava ás vezes a 30% da produção. A base da proposta, portanto,

era a superação das relações vigentes nos antigos seringais, consolidando um

novo extrativismo.43

No seringal tradicional, a teia de relações sociais e produtivas que

permitiam a exploração dos seringueiros estava ancorada, principalmente, na

forma de acesso a terra e no sistema de aviamento. A fundação dos seringais era

um ato que exigia conhecimento ainda que superficial da região, na medida em

que era necessário, antes de tudo, descobrir áreas abundantes em seringueiras

para estabelecer os primeiros abrigos e, ato contínuo, detectar o potencial

produtivo das áreas para então definir uma trajetória circular, que constituiriam as

estradas de seringa. O movimento da fixação humana, no caso a fundação do

seringal, era definido pela abundância das árvores gumíferas (Reis, 1953).

Segundo ainda Reis, “acontecia, muitas vezes, que, em meio à exploração de um

seringal, descobriam-se, em rio próximo, novas áreas gomiferas. Verificava-se,

43 Convém deixar claro, desde logo, que estamos nos referindo a mudanças na estruturação social do extrativismo. Isto porque, do ponto de vista do processo de trabalho as mudanças são mínimas, notadamente na incorporação de inovações tecnológicas.

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então, verdadeira “corrida”, com o deslocamento de seringueiros que iam proceder

à localização, abrir o seringal, ampliando o campo de operação” (Reis, 1953, p.

83).

A operação de legalização não só era complicada, como extremamente

morosa, o que não alterava o ritmo produtivo, até porque, como já se viu

anteriormente, importava a incidência das arvores em detrimento da extensão. De

qualquer maneira, convém ressaltar que o espraiamento das árvores que,

segundo Reis, não contabilizavam mais de dez por hectare, resultou em

empecilho natural para a viabilidade da pequena exploração, sendo a grande

propriedade a marca do sistema produtivo fundado no extrativismo da borracha.

Na sede do seringal, conhecida como barracão, concentrava-se a moradia

do seringalista e todo o aparato de sustentação e controle das atividades das

colocações. Era nesta área que se localizavam o armazém com os produtos

destinados ao provimento dos seringueiros e os instrumentos necessários para a

efetivação das atividades como comboio de burros, que levavam as mercadorias e

traziam as borrachas e castanhas das colocações.

Outro elemento característico deste sistema produtivo era a exclusividade

da extração do látex. Os seringueiros, por proibição dos patrões, não se

dedicavam à exploração de nenhuma outra atividade que não o extrativismo da

borracha; quando muito, fosse permitido ou não, plantavam um pequeno roçado, o

que lhes garantia uma pequena parcela de produtos para consumo interno. Com

isto, os seringalistas garantiam uma maior produção, pela maior dedicação do

tempo à produção, como também pela garantia de um mercado para venda de

produtos de consumo para subsistência dos seringueiros. A hegemonia do

barracão era consolidada com a proibição da venda da borracha produzida a

outros seringalistas e, também, a cobrança de uma taxa sobre o total da produção.

Certamente são esses os elementos fundamentais que, articulados,

consolidaram a economia da borracha no Acre e possibilitaram sua reprodução

por mais de um século. Assim, é através da análise do seringal tradicional e dos

seus elementos, principalmente o ponto enfocado na luta política dos seringueiros,

que se torna possível entender o novo extrativismo, notadamente naquilo que

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111

seriam os seus pontos de avanço e ruptura com o velho seringalismo. Parte

substancial da controvérsia sobre o papel e importância da economia do

extrativismo da borracha resulta, no nosso ponto de vista, do fato de se relevar

esta trajetória.

Se considerarmos como ponto de partida a posse da terra, não é difícil

vislumbrar porque este fator assumiu papel fundamental na luta política dos

seringueiros. Num primeiro momento, o conflito ocorria claramente pelo confronto

que tinha, de um lado, os antigos donos da terra - no caso os seringueiros

tornados “autônomos” como se viu anteriormente -, lutando para permanecer na

terra e também por condições de trabalho e, de outro lado, os novos proprietários,

cuja lógica de ocupação implicava na terra desocupada, seja para fins produtivos

através da implantação da pecuária, seja para fins especulativos. Nos dois casos,

é imperioso ressaltar, a área limpa, desmatada e sem ocupantes era fundamental.

A regularização fundiária, portanto, foi a pedra de toque para o

estabelecimento das relações de produção de todos atores presentes na vida

social dos anos setenta na região acreana, resultando deste fato sua incorporação

como elemento nuclear, pelo menos num momento inicial da luta política dos

seringueiros. Não é por acaso que esta idéia presente na proposta se encontra

em diversos documentos e estudos sobre o extrativismo e que, ainda hoje, é

responsável pela percepção das RESEX como uma proposta de reforma agrária

dos seringueiros.

A continuação da luta política no sentido de garantir a posse da terra e as

condições de trabalho, direcionou naturalmente o movimento no sentido de

incorporar a questão ambiental. Já se fez referência anteriormente à lógica dos

empates. Sem a floresta e, em especial, sem as seringueiras, não há possibilidade

da existência do extrativismo da borracha. A terra e a floresta, no processo

produtivo dos seringais, são indissociáveis, e os seringueiros tinham perfeita

noção desta especificidade, decorrendo deste fato que sua luta, através dos

empates, trazia embutida a dimensão ecológica do esforço da manutenção da

floresta “em pé”.

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Nas palavras de José Maria B. Aquino, secretário do Conselho Nacional

dos Seringueiros, tem-se um resumo da situação das RESEX: “hoje uma boa

parte dos seringueiros tem suas terras regularizadas, que são as reservas, tem

parcialmente a questão da borracha resolvida, com algumas usinas em

funcionamento, temos também o apoio do governo que está dando o subsídio da

borracha em 0,40 por quilo. A luta agora é para criar mais Reservas Extrativistas e

pela viabilidade das que existem”. Na sua concepção, dos três objetivos gerais

que motivaram a criação das RESEX, os que visam resolver a questão fundiária,

preservar a natureza e aumentar a renda dos seringueiros devem ser alcançados

em conjunto, sob pena de a reserva perder o seu sentido. Aquino reconhece,

também, que no atual estágio, a questão econômica é a mais difícil, daí o esforço

no sentido de explorar todo o potencial das reservas, e não apenas a borracha e a

castanha, que foram tradicionalmente explorados pelos seringueiros.

A formatação do modelo RESEX seguiu, portanto, a lógica da produção e

reprodução do tipo de vida dos habitantes da floresta. A primeira ruptura deu-se

com as formas de produção do seringal tradicional em suas diversas dimensões,

sintetizadas nos três elementos nucleares já referidos, que constituíam a base dos

seringais. Isto não implica que estas rupturas tenham ocorrido de forma abrupta.

Pelo contrário, estas mudanças ocorreram em ritmos diferenciados, conformando

um quadro em que permanecem velhas estruturas coexistindo com uma nova

realidade. Na verdade, melhor seria dizer que essas mudanças estão em pleno

processo de consolidação, aonde o velho e o novo, dialeticamente, vão tecendo

novos processos e reinventando novas realidades.

A criação da primeira reserva extrativista, a do Alto Juruá, foi fruto das

reivindicações das populações extrativistas que ocupavam as áreas que hoje

conformam a reserva e que eram formadas por antigos seringais. Em 1987, seus

moradores, de forma organizada e com o apoio do CNS, reivindicavam a garantia

da posse da terra e , sobretudo, o não pagamento das taxas de utilização das

terras, cobrada pelos antigos proprietários dos seringais. A partir da criação da

reserva, toda a área passou para o domínio da União e os moradores das terras

passaram a explorá-las como se fossem os verdadeiros donos pelo princípio da

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“concessão de uso coletiva” (UINC, 1995) o que, de forma prática, solucionou o

problema da posse da terra para os extratores moradores da reserva.

A atividade econômica predominante é o extrativismo da borracha que,

segundo dados cadastrais (UINC, 1995, p. 61) na RESEX do Alto Juruá, é

atividade exercida por cerca de 65% das famílias, enquanto a maioria, cerca de

90%, também possui roçados com mandioca, milho e outros produtos destinados

sobretudo, para o autoconsumo.

Já a RESEX Chico Mendes, não só é maior, como mais populosa e

apresenta diferenciações tanto do ponto de vista econômico, no que se refere aos

processos produtivos e produtos, quanto em relação aos aspectos sociais. Isto,

em parte, é explicado pela localização das duas reservas com relação aos

mercados consumidores. Enquanto a Reserva Chico Mendes encontra-se mais

próxima das sedes municipais e, portanto, dos mercados, e conta com uma

melhor infra-estrutura, facilitando o transporte das mercadorias, na reserva do Alto

Juruá, a infra-estrutura é praticamente inexistente, sendo que o acesso às

colocações é difícil e incerto e está reduzido a precários caminhos abertos no

meio da floresta denominados “varadouros”44. A partir do Município de Cruzeiro do

Sul, através do rio Juruá a viajem de barco pode durar de três a quatro dias,

enquanto que nos barcos tipo “voadeira”45 dura cerca de 24 horas.

Possivelmente, em decorrência dessas diferenças, o próprio processo de

dissolução do “seringalismo” tradicional tenha ocorrido de forma e em ritmos

diferenciados nas duas áreas. No vale do Acre, com a crise da borracha, criou-se

a figura do “seringueiro autônomo” no sentido de posseiro da colocação, mas sem

patrão e sendo abastecido pelos marreteiros e regatões que substituíam os

patrões nestes afazeres. Já no vale do Juruá, os seringais, mesmo em crise, não

sofreram grandes mudanças. Ali o seringueiro, continuava “aviado”46 pelo dono do

seringal ou arrendatário, tendo com isso suas obrigações quanto ao pagamento da

44 Os varadouros, espécie de picadas abertas no meio da floresta, permitem o acesso de uma árvore à outra ou mesmo entre colocações,constituindo-se assim em verdadeiras estradas dos seringueiros. 45 Denomina-se voadeira um bote com motor potente em torno de 25 a 40 hp. 46 Este termo, muito usado nos seringais, é derivado da expressão “aviamento”, que tem o sentido de prover, abastecer de alimentos, peças de vestuário e instrumentos de trabalho.

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renda pela utilização da terra e quanto à compra no barracão e venda de sua

produção para o seringalista.

Um dado que é fundamental em todos os aspectos da reserva, seja

econômico ou sócio-cultural, é o nível de organização e participação dos seus

componentes . Para se ter uma idéia, alguns dados mostram um pouco do avanço

em termos de organização comunitária. Em 1999, a reserva, dispunha de 3

associações, com cerca de 1520 famílias ou 86% do total das famílias

participantes das associações que, em última instância, são os co-gestores da

reserva47. Isto é particularmente relevante, principalmente se levarmos em conta

as grandes distâncias que separam as diversas unidades produtivas. Por outro

lado, este avanço é vital para a existência das reservas, haja vista a estruturação

formal que exige a participação geral, como é o caso da elaboração do plano de

utilização, que trata do planejamento das atividades produtivas em consonância

com a conservação e o plano operativo anual, este último um instrumento de

planejamento no qual são estabelecidas as atividades anuais a serem executadas

através de convênios com as associações. São eles que estabelecem os

compromissos assumidos pelo conjunto dos produtores de forma que, na

ocorrência de financiamentos, estes são estabelecidos com as associações em

nome do conjunto de produtores que participam do evento. É claro que esses

processos formais, apresentam um grau elevado de dificuldades, o que é

superado em grande parte pelo entendimento, cada vez maior, de que os

seringueiros estão construindo algo que lhes pertence.

47Os embates políticos de décadas passadas e a experiência das lideranças dos sindicatos resultam num dado positivo facilitando uma ampliação da participação, o que se traduz em êxitos na área de saúde e educação. No ano de 1999, por exemplo, a reserva Chico Mendes já tinha conseguido a implantação de 42 escolas e 27 postos de saúde.

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5.2 A Produção Familiar Extrativista

A atividade extrativista da seringa resultou, ao longo dos tempos, em pouco

ou quase nenhum dano à natureza. Isto possivelmente ocorreu em função das

determinações impostas pela própria coleta do látex. Enquanto nas outras

atividades, pelo menos historicamente, os processos produtivos gradativamente

subordinaram a natureza, no caso dos seringais a elevação da produção ocorria a

partir do aumento de árvores a serem “cortadas”, o que implicava o aumento do

número de madeiras na estrada ou o número de colocações, pelas incorporações

de novas áreas.

Com o decorrer do tempo, os seringueiros aprenderam que a seringueira

necessita de pelo menos um dia de “descanso”. Daí estabelecer-se que o número

mínimo de estradas por colocação seria em número de duas, de maneira que,

enquanto se efetuava o corte em uma estrada, a outra “descansava”. Por essa

razão, o aumento da produção sempre ocorreu pela incorporação de novas terras

configurando a extensividade como resultante da natureza do processo de

trabalho de extração da seringa. Até então, a incorporação de tecnologia ao

processo produtivo tem ficado restrito à ponta da cadeia produtiva, ou seja, ao

momento pós-extração, principalmente no que se refere ao processo de

“defumação”, cujos resultados para a saúde dos seringueiros é extremamente

danoso, principalmente para a visão e o sistema respiratório.

Experiências recentes, realizadas pelo prof. Paulo Kageyama, tratam da

elevação da produtividade através do aumento do número de árvores no mesmo

espaço que corresponde às estradas de seringa. Esse projeto denominado “Ilhas

de Alta Produtividade”, tem no adensamento a perspectiva do aumento da

produção e também da melhoria das condições de trabalho dos seringueiros. Esta

idéia, a princípio tão simples, na verdade requer um cálculo preciso quanto à

distância mínima entre duas seringueiras, de sorte que não ocorra a propagação

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do “mal das folhas”, como é conhecida a praga Microcyclus ulei48, que é evitado

naturalmente pela própria dispersão das árvores no interior da floresta.

Essa forma de adensamento tem-se mostrado, na prática, eficaz e

representa um avanço tecnológico, não só para o aumento da produtividade mas,

sobretudo, para a diminuição das distâncias percorridas pelos extratores.

Outro aspecto preservacionista na economia da borracha é que, os

“varadouros” não implicam desmatamentos, causam um dano irrelevante à

natureza, e devem ser limpos periodicamente, pelo menos uma vez ao ano, sob

pena de a própria floresta, em seu processo natural de regeneração, fechá-los,

impedindo as comunicações.

Mesmo a agricultura tradicional, quando exercida pelos seringueiros, pouco

tem contribuído para o desmatamento da floresta. Isto se deve, em parte, ao fato

de esta atividade historicamente assumir um caráter complementar. No início dos

seringais havia uma proibição, por parte dos “patrões” quanto ao estabelecimento

de roçados o que, todavia, não impediu que muitos dos seringueiros os

mantivessem, sendo que esta atividade se desenvolvia ao sabor da flutuação dos

preços da borracha. Quando em crise, desempenhavam um papel estratégico

para os “patrões” por garantir a permanência dos seringueiros em suas

colocações49,.

Esta situação, quanto ao desenvolvimento da pequena produção agrícola

de alimentos nas RESEX, encontra-se um pouco modificada. Em primeiro lugar,

porque passou a assumir realmente um papel de complementação da renda,

estando presente na quase totalidade das colocações, até porque continua sendo

um refúgio seguro às situações de crise, muito presente na atividade extrativista.

E, em segundo lugar, porque com a ampliação da infra-estrutura com a abertura

ainda que modesta, de estradas e ramais, e a conseqüente facilidade do

transporte e escoamento da produção, em função da proximidade dos núcleos

48 O denominado “mal das folhas” é uma praga que ataca, como bem diz seu nome, as folhas das seringueiras, impedindo o seu desenvolvimento natural. Ocorre com muita freqüência, mas não se propaga com facilidade em virtude das distancias e da própria densidade da floresta. 49 O roçado era proibido para que o seringueiro dedicasse seu tempo exclusivamente ao corte da seringa, e também, não concorrer com a venda dos produtos alimentícios por parte dos

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urbanos, a agricultura vai gradativamente deixando de ser um fator de

subsistência para se constituir em opção de renda monetária.

O problema, todavia, reside em um pequeno conjunto de unidades

produtivas cuja estrutura de renda é fortemente marcada pelos custos de

produção, notadamente a força de trabalho familiar, e que apresentam um elevado

índice da autoconsumo. Dado esse perfil, esse expressivo grupo de produtores

baseia sua subsistência na lavoura, o que resulta em desmate e queimadas para a

formação de roçados. Além disso, e muito mais grave, é a atitude desses

produtores face aos roçados exauridos. Em vez de abandonarem a terra para a

formação de capoeiras, freqüentemente plantam capim e transformam a área em

pasto visando à criação de gado. O novo roçado, imprescindível para esse

conjunto de produtores, é feito em nova área o que implica em ampliação da área

de desmate .

Um dado fundamental para o entendimento da dinâmica da economia

extrativista é perceber a estrutura produtiva de um seringal. A unidade produtiva

de um seringal ou, atualmente, de uma reserva, é a “colocação”, onde se organiza

o sistema de produção. Assim, para se entender como vive a população de um

seringal, o mais adequado parece ser uma análise dos dados referentes a estas

unidades produtivas, como é o caso do seringal “Filipinas”, localizado no

município de Xapuri. Este seringal possui uma área estimada em 26.900 ha, com

16 colocações e um total de 110 estradas, o que significa que tem uma média de

6,8 estradas por colocação. A colocação que possui a maior quantidade de

estradas as tem em número de 14, enquanto as menores possuem apenas 4. A

área média de uma estrada, segundo técnicos do IBAMA conhecedores da região,

gira em torno de 100 a 150 ha.

Estes dados podem ser melhor compreendidos analisando-se o caso

especifico de uma unidade produtiva (colocação) do seringal Porto Rico,

localizado no km 37 da chamada “Estrada Velha”, ligando os municípios de

Epitaciolândia a Xapuri. Neste seringal, o produtor tem uma colocação com três

seringalistas. Assim, os patrões através do sistema de aviamento abasteciam os seringueiros e auferiam lucros através das vendas.

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estradas, cada uma delas com uma média de 160 árvores de seringa, que produz

20 litros de látex ou 12 quilos de borracha em cada de dia de trabalho. No caso da

castanha, essas estradas têm mais ou menos 300 árvores de castanheira o que

permite a coleta média em torno de 250 latas por safra. A produção em termos de

borracha, portanto, pode oscilar entre 10 e 30 quilos por seringueiro, dependendo

do número de madeiras que possui a estrada ou ainda da produtividade da árvore.

O seringueiro inicia sua jornada de trabalho por volta das três ou quatro horas da

manhã, para aproveitar o período em que a arvore é mais produtiva, de forma que,

por volta de meio dia, percorreu e efetuou o corte em todas as árvores de sua

estrada. Como as estradas têm uma forma circular, no final do corte ele terá

voltado ao seu ponto de partida. Após o almoço, reinicia a caminhada para efetuar

a coleta, concluindo esta parte da tarefa ao entardecer. Neste momento terá

caminhado por volta de 10 a 20 km, ou até mais, dependendo do tamanho da

estrada, segundo estimativas efetuadas por técnicos conhecedores das áreas de

seringa. Sua jornada de trabalho, antigamente seria concluída à noite com o

processo de defumação do látex coletado. Hoje esse método é praticamente

inexistente. Os seringueiros, ao retornar da coleta, coagulam o látex e, de três em

três dias, passam-no na calandra, para extrair a água, tendo como resultado, ao

invés das antigas pélas de borracha, o que se convencionou denominar “placa

bruta” ou “pranchas”. Esse método predomina em todo o vale do Acre,

principalmente em função da existência de duas usinas, uma em Xapuri e outra

em Sena Madureira, que beneficiam as placas para então encaminhá-las às

usinas do sul do país.

A extinção do processo de defumação começou nos anos oitenta, a partir

do desenvolvimento, por parte da SUDHEVEA, do processo das “folhas fumadas”.

Este processo simplificou bastante a etapa final de trabalho do seringueiro

eliminando o processo de defumação. Ele consistia, basicamente, em coagular o

látex, para transformá-lo em lâminas, passando-o várias vezes na calandra, para

pendurar estas laminas em uma sala e, então, defumá-las. Chamavam-se “mini-

usinas” os locais onde se concentravam as máquinas e estavam preparadas para

esta tarefa, de um modo geral localizadas em locais previamente escolhidos para

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atender o máximo de pessoas. A desarticulação e falta de organização das

vendas em conjunto por parte dos seringueiros, resultou em descrédito da

experiência, apesar deste produto ter um preço maior no mercado. Segundo Costa

Filho (1995), um caminhão que transportasse as folhas fumadas para São Paulo

completava a carga com 10 toneladas, o que era equivalente à produção de dez

mini-usinas. O problema estava em articular esses 10 seringueiros, em geral

dispersos pela floresta, para completar a carga. Hoje a situação é bastante

diferente, principalmente em função da existência das cooperativas e do alto grau

de organização existente entre os seringueiros.

Apesar do ocorrido é necessário assinalar que esta inovação tecnológica

não deve ser descartada, tanto pela facilidade face ao processo anterior quanto

pelo incremento de qualidade e agregação de valor que pode chegar a 100%. A

questão conforme exposta diz respeito muito mais ao processo de

comercialização do que a outros problemas na esfera da produção.

A mais recente das inovações tecnológicas nesta etapa do processamento

da borracha chama-se “Folha Defumada Líquida” (FDL). Este processo foi

desenvolvido pela UNB, a partir de uma solicitação do IBAMA. O projeto de

desenvolvimento da folha líquida envolveu inicialmente cerca de 50 famílias da

reserva alto Juruá selecionadas para participar da experiência. Segundo o

coordenador do CNPT/IBAMA em Rio Branco, Josemar Caminha, se houvesse

recursos e garantia da comercialização de toda a produção na atualidade, as

cerca de 700 famílias do Juruá estariam produzindo a FDL. Para o projeto piloto

foi conseguido o preço de 2,40 reais o quilo, exatamente 100% superior a placa

bruta que é 1,20. Este preço só é possível em virtude da FDL se constituir em um

produto acabado, que pode ir para a indústria sem precisar passar por nenhum

outro processo. Na verdade, trata-se da antiga folha fumada, só que a coagulação

não é feita com o ácido acético e sim com o ácido piro-lenhoso. Após a

coagulação, a lâmina é pendurada para secar em local protegido de sujeiras,

principalmente poeira, e quando termina a secagem a lâmina fica escura, como a

péla defumada, só que mantendo inalteradas todas as propriedades da borracha.

É importante ressaltar que, neste processo, não é necessário passar por

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processamento de usinagem, nem tampouco por calandragem. O problema maior,

por enquanto, é os custos elevados para a implantação do sistema, que envolve

um nível de investimento inicial muito alto para os padrões de renda dos

seringueiros. Segundo ainda Josemar Caminha, os extrativistas que estão

trabalhando com a FDL não querem mais sequer fazer roçado, tal o entusiasmo

com que participam da produção da FDL.

Se existe avanço do ponto de vista tecnológico, velhos problemas clamam

por sua resolução. Atualmente existem estocados em Cruzeiro do Sul cerca de 18

toneladas de borracha e o IBAMA está tentando viabilizar a sua comercialização.

Segundo o técnico do IBAMA, caso o governo não participe diretamente no

processo de viabilização da venda, a experiência tende a não dar certo, apesar de

cerca de trinta famílias, de fora do projeto e por conta própria, terem adquirido o kit

para trabalhar com FDL. Isto é resultado do sucesso da experiência que chega a

render cerca de 100 reais mensais, valor este considerado razoável para a

comunidade. É isto que gerou, na opinião do técnico, uma expectativa positiva, daí

que muitas famílias por conta própria tenham aderido ao negócio.

A este respeito vale ressaltar a opinião do coordenador do CNPT Josemar.

Diz ele: “na minha opinião de técnico, que acompanho estas comunidades há

muito tempo, posso garantir que se essas famílias tivessem uma renda mensal de

120 reais garantida todo mês, o governo não precisaria se preocupar com muitos

problemas atuais, inclusive a fiscalização. Na nossa opinião, as famílias mais

desassistidas, que passam por problemas, são aquelas que partem para tirar

madeira e vender e partem para a caça com fins lucrativos. Os que tem a garantia

de uma renda mínima não estão preocupados em desmatar”.

Pela figura 6, pode-se ter uma visão mais realista da conformação de um

seringal, com suas colocações e estradas. O seringal de um modo geral, era

composto de uma área administrativa - a sua sede - localizada às margens de um

rio, com um prédio principal denominado de barracão, que se dividia entre a

residência do dono do seringal e um armazém de mercadorias, com um caixeiro

que atendia no balcão. Neste local eram vendidas mercadorias mais especificas,

tais como perfume, tecidos, remédios e outras do gênero. Além disso, “nas

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margens”, denominação genérica da sede em contraposição ao “centro”, ainda se

localizavam as residências de trabalhadores que serviam ao funcionamento da

administração. Distantes das margens, se encontravam então, as colocações com

suas respectivas estradas de seringas. A ligação entre as diversas colocações e

estas com o barracão ocorria através de caminhos e picadas abertas no meio da

mata denominados de varadouros.

Figura 6 - Mapa de um seringal Nativo

Fonte: Rancy (1986, p. 94)

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O que se percebe atualmente é que a autonomia dos seringueiros, como

resultado de sua luta política, não foi acompanhada pela estruturação de uma

nova base produtiva. É bem verdade que se trata de um processo em pleno

momento de construção dentro do qual nem no velho seringal, as suas práticas

anacrônicas foram totalmente rompidas, nem o novo extrativismo está plenamente

consolidado. Um dos fatores preponderantes desta situação é o transporte que

não está devidamente solucionado, apesar de as reservas hoje disporem de

animais, carros e barcos para transportar os produtos e até mesmo pessoas

doentes.

Um dos problemas mais sérios detectados na pesquisa, é o processo de

comercialização e a pequena participação do governo nesta atividade. Ao analisar

esta questão, o que chama a atenção de imediato é uma espécie de “vazio”

decorrente das transformações recentes. Deixando de lado as avaliações críticas

do ponto de vista social e econômico, o fato relevante é que estes seringais

possuíam uma estrutura que funcionava. Os seringueiros produziam e recebiam

em suas próprias colocações os produtos de que necessitavam tanto para sua

sobrevivência, no caso de gêneros alimentícios, quanto no que diz respeito aos

instrumentos de trabalho. Para que isso ocorresse os seringais tinham uma

estrutura, que incluía um plantel de burros e outros componentes que viabilizavam

a entrega desses produtos, bem como efetivavam o escoamento da produção. O

conhecido “sistema de aviamento”, apesar de ser um mecanismo de extração de

lucro, era também um eficiente mecanismo que punha em funcionamento a

economia da borracha.

Assim, a comercialização da produção. com a desativação dos seringais, e

também do antigo aviamento, passou a ser feito por um novo personagem na

economia extrativista. Com efeito, o “marreteiro”, que a bem da verdade sempre

existiu, porém com uma atuação quase inexpressiva, passou a ser o principal

agente da comercialização, tanto na compra da produção quanto na venda dos

produtos necessários a vida dos seringueiros, ganhando duplamente, como

anteriormente ganhavam os antigos patrões: compra mais barata a produção do

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que os preços de mercado e vendem mais caros seus produtos do que os preços

praticados nos núcleos urbanos.

Em 1991, Costa Filho (1995) detectou esse problema e vislumbrou que a

solução, em pleno processo de consolidação, era a criação de cooperativas.

Segundo o autor, naquele momento havia reservas em que a ação dos

marreteiros atingia 90% da comercialização enquanto que, em alguns seringais

como era o caso do seringal “Cachoeira”, hoje denominado “PAE Chico Mendes”,

os marreteiros tinham seu campo de ação reduzido em função da presença da

cooperativa dos seringueiros, o que na prática representava um ganho na renda

dos associados.

Transcorrida uma década, a situação, apesar de apresentar uma melhoria

significativa em termos gerais, tais como a consolidação da Cooperativa de Xapuri

(Caex) e a criação de uma nova cooperativa em Brasiléia (Copaeb), ainda é crítica

apresentando muitos problemas. Segundo a avaliação do secretário do Sindicato

dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, Sr. Dionísio Barbosa, a cooperativa foi criada

para melhorar a situação econômica do seringueiro. O marreteiro ou o regatão,

que também eram “aviados” visava o lucro e, portanto, não estavam preocupados

se o seringueiro ia ter prejuízo ou não. Era esta a principal diferença entre a ação

da cooperativa e a dos marreteiros.

Na atualidade, o problema da cooperativa é que ela não consegue alcançar

os 100% da população rural. Isto, segundo o Sr. Dionísio, é decorrência da falta

de um esforço para ampliar o número de associados e de uma discussão política

na base. O seringueiro se nega a pagar sua cota-parte na cooperativa pois,

segundo ainda o sr. Dionísio“ o que passa na cabeça deles é que os dirigentes

vão pegar aquele dinheiro e gastar de forma desorganizada. Acha que o dinheiro

vai servir para alguém se beneficiar”. Este argumento do líder sindical parece

razoável, principalmente se olharmos a história dos seringueiros, recheadas de

casos em que estes foram enganados. O fato é que a cooperativa lida com muitas

dificuldades para atingir um número amplo de associados. A cooperativa tem

cerca de 300 associados sendo que deste total cerca de 60% são das reservas.

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Ainda segundo o entrevistado, a RESEX Chico Mendes, apresenta dois

sérios problemas. O primeiro é a aquisição de novos hábitos e valores como

decorrência da proximidade dos núcleos urbanos com a reserva. Os seringueiros

estão ficando velhos e os filhos, que acompanhavam o pai e aprendiam o oficio

ainda criança, agora, por influência das cidades, demonstram interesses por

outras coisas e novos valores. Cita, como ilustração, seu próprio exemplo, que

começou a cortar seringa ainda criança, quando isto era normal entre as famílias

de seringueiros. Já seus filhos e os de outros seringueiros não estão interessados

nem foram incentivados para a produção da borracha e procuram melhorar sua

vida indo a busca de empregos na cidade.

Outra ameaça às RESEX é o crescimento da pecuária no interior dos

seringais; muitos seringueiros deixaram de produzir borracha para se dedicar à

agricultura e à pecuária. Há cerca de 10 anos, os regatões e marreteiros

deslocavam-se à área rural para comprar borracha e castanha, o que assegurava

ao seringueiro não só a venda do produto como o seu próprio abastecimento.

Hoje, segundo o Sr. Dionísio, e como sinal das mudanças, “o que se vê em

qualquer seringal é um cara com um animal, com um laço na garupa do burro,

comprando bezerro. Na hora que o bezerro nasce, ele já pode vender por

duzentos reais. Então chega um momento em que você vai entrando para a

pecuária”. O que o entrevistado está constatando de uma forma muito simples, é a

força econômica da pecuária. Se com a venda de um bezerro, na porta da sua

colocação, o seringueiro consegue mais do que um salário mínimo é possível

então apreender a seriedade da questão por ele levantada, até porque poucos são

os produtores que conseguem uma renda mensal em torno de um salário mínimo

mensal.

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CAPÍTULO 6 : A DINÂMICA ECONÔMICA DA RESERVA

EXTRATIVISTA CHICO MENDES

6.1 O Modelo Metodológico50

Neste item analisam-se os dados econômicos, das atividades produtivas da

RESEX Chico Mendes, visando a entender a dinâmica econômica dos processos

produtivos do conjunto das RESEX, sobretudo em termos de trajetória e

perspectivas. A pretensão é, a partir do aprofundamento da análise em uma

reserva especifica, no caso a Reserva Chico Mendes, tentar compreender os

elementos determinantes e fundamentais dos processos produtivos da mesma,

para então extrapolar, no que for possível para o conjunto das reservas.

Para esta análise, utilizou-se como principal fonte o banco de dados

provenientes da pesquisa de campo do Departamento de Economia da

Universidade Federal do Acre, denominada de “Análise Econômica dos Sistemas

Básicos de Produção Familiar Rural no Vale do Acre”51 (ASPF), cuja pesquisa foi

realizada de maio de 1996 a abril de 1997, e se refere ao ano agrícola de 1996. O

banco de dados é o resultado do desenvolvimento desse projeto de pesquisa, que

foi elaborado por uma equipe de professores, visando a servir de base para as

diversas pesquisas e estudos por parte dos alunos e docentes interessados nesta

linha de pesquisa. A pesquisa constou da aplicação de questionários objetivando

coletar dados sobre os sistemas de produção extrativistas, agroflorestais e a

pequena produção agrícola de forma a possibilitar análises econômicas dos três

sistemas de produção familiar no vale do Acre, hoje denominado de Alto e Baixo

Acre, segundo a nova divisão político - administrativa.

50 Esta parte do trabalho, a exposição da metodologia, é toda baseada no projeto ASPF. 51 A metodologia foi elaborada sob a coordenação do Prof. José Fernandes do Rêgo e pode ser melhor visualizada no documento Rêgo (1996). Doravante, para simplificar, ao fazer referencia à pesquisa usaremos a sigla ASPF. As informações podem ser acessadas no site www.ufac.br/aspf.index.htm

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Para o presente trabalho, a área escolhida foi a Reserva Extrativista Chico

Mendes que possui uma área de 976.570 ha. Está localizada no Estado do Acre e

abrange parte dos municípios de Xapuri, Brasiléia, Sena Madureira, Capixaba,

Assis Brasil e Senador Guiomard. A pesquisa de campo foi realizada nos anos de

1996/97 e a amostra consta de 68 questionários, que representam 6,2% das 1.097

unidades então existentes na RESEX Chico Mendes. A amostra foi definida a

partir de uma estratificação inicial, com base no volume de produção, acesso a

mercados, uso de tecnologias e nível de associativismo. Após a definição dos três

estratos - baixo, médio e alto desenvolvimento, foram efetuados agrupamentos por

conglomeração, para então, através de sorteio, definirem-se os agrupamentos

dentro dos estratos. Por fim, foram sorteados dentro de cada conglomerado 10%

das unidades, o que representou ao final do processo uma amostra representativa

da população52.

A estrutura do modelo conceitual do projeto ASPF é centrada na idéia de

sistema entendido como um conjunto de elementos articulados entre si através de

processos relacionais de forma a se constituírem em um conjunto organizado com

um objetivo específico. No caso considerado, o sistema de produção extrativista,

trata-se de apreender os elementos fundamentais presentes na consolidação de

um processo produtivo através do qual o sistema utiliza e combina diversos

fatores de produção (elementos de entrada) para produzir bens e serviços

(elementos de saída).

A partir destas considerações a avaliação econômica, portanto, deve

considerar o dimensionamento dos diversos componentes do processo produtivo,

a forma de organização social da produção e uma avaliação ex-post dos

resultados. Nesta perspectiva, considera-se uma unidade de produção

exatamente a expressão do conjunto articulado do processo técnico material, a

forma de organização da produção e a gestão desse processo. Assim o sistema

de produção deve representar uma combinação coerente de linhas de exploração,

a relação entre os diferentes fatores de produção e as linhas individuais de

exploração (Barros & Estácio, 1972).

52 Estamos considerando a metodologia com os ajustes conceituais efetuados por Castelo (1999).

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Em outros termos, os valores das entradas, a combinação dos diversos

fatores de produção utilizada no processo produtivo são representados pelos

custos, enquanto o resultado final, os elementos de saída, devem ser mensurados

pelas medidas que representam o desempenho econômico tais como, resultado

bruto resultado liquido e índices de eficiência econômica. A análise econômica

dessa forma constitui-se como um momento ex-post da produção, na medida em

que é o resultado da diferença entre o dimensionamento das entradas e das

saídas. Visto dessa maneira, apreender o desempenho econômico implica na

determinação dos custos de produção e no dimensionamento do resultado

econômico.

A) AS ENTRADAS/CUSTOS E SAÍDAS/RESULTADOS DE UM

SISTEMA DE PRODUÇÃO

Os valores das entradas de bens e serviços econômicos de um sistema são

os seus custos; os das saídas os seus resultados econômicos. As entradas

compreendem os meios de produção, os meios de consumo, os serviços e a força

de trabalho. Os meios de produção consistem em capitais fixos e capitais

circulantes, comprados e produzidos na unidade de produção. Os bens de

consumo compreendem capitais circulantes comprados e produzidos

internamente. A força de trabalho refere-se ao trabalho temporário e permanente,

predominantemente familiar e, eventual e complementarmente, assalariado. Os

serviços, em sentido amplo, são, além dos serviços pessoais, os aluguéis de

capitais fixos, impostos, contribuições, gerência, etc.

Os custos dos meios de produção, que se incluem na categoria de capitais

fixos, foram determinados para as categorias de depreciação, conservação, juros

sobre o capital empatado e, eventualmente, se existir, contrato de seguros.

Os custos referentes aos meios de consumo e aos meios de produção que

são capitais circulantes compreendem os insumos modernos e os diversos tipos

de materiais com vida igual ou inferior a 1 (um) ano.

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Tanto para os meios de produção quanto para os meios de consumo e os

serviços foram calculados os custos reais e os imputados. O critério geral para

valorizar os custos imputados consistiu na sua equiparação aos custos de

oportunidade do fator de produção considerado. Custo de oportunidade de um

fator de produção é o rendimento que este poderia originar quando aplicado no

seu melhor uso alternativo (Barros & Estácio,1972, p. 53). Normalmente o custo

de oportunidade de um fator é o seu preço de mercado.

O custo da força de trabalho familiar não foi estimado pelo seu custo de

oportunidade, mas pelo custo real, isto é, o custo de sua reprodução. O custo real

da força de trabalho familiar é, portanto, igual ao valor monetário do autoconsumo

mais o valor monetário dos bens de consumo adquiridos no mercado. Ocorre que,

especialmente no contexto do sistema de produção extrativista, no Vale do Acre,

nas Reservas Extrativistas e projetos de assentamento extrativistas, há, de um

lado, uma significativa parcela de autoconsumo e, de outro, um superfaturamento

dos bens de consumo na composição do custo da força de trabalho. De outra

parte, o trabalho assalariado tem pouca significação no seringal. São justamente

essas especificidades que justificam a adequação do emprego da categoria de

custo real da força de trabalho familiar.

Ademais, o emprego da força de trabalho familiar nas diferentes linhas de

exploração foi admitido como trabalho temporário e, portanto, custo variável,

tendo-se em vista que a quantidade empregada varia com o volume da produção.

A força de trabalho permanente, sempre assalariada, se houver, poderá referir-se

a uma linha de exploração (específica) ou ao conjunto da unidade produtiva

(comum).

A compreensão desse conceito remete à análise das saídas do sistema de

produção. Estas compreendem os bens produzidos e vendidos e os bens

produzidos e consumidos na unidade de produção familiar, que podem ser tanto

bens de produção quanto bens de consumo (em geral alimentos). Ora, na análise

econômica, os bens produzidos que se destinam ao autoconsumo são apropriados

como custos nas entradas e como receitas nas saídas. Assim, não se considerou

o autoconsumo no cálculo do custo real da força de trabalho familiar, já que os

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valores respectivos de entrada e saída se anulam. O custo real da força de

trabalho familiar é igual, por conseqüência, ao valor monetário dos bens de

consumo adquiridos no mercado.

B) DETERMINAÇÃO DOS CUSTOS DE PRODUÇÃO

O presente estudo investigará os custos executados, considerados como

apropriação dos valores gastos no processo de produção depois que o produto já

foi gerado. É uma determinação ex-post. De outra forma, os custos projetados ou

planejados são os prognósticos de custos de um processo de produção que não

gerou ainda o seu produto. Por se tratar de um conceito expectacional é uma

determinação ex-ante.

Custos totais de produção (CT) são todos os encargos ou sacrifícios

econômicos suportados pelo produtor para criar o valor total do produto. Referidos

a um sistema de produção de uma unidade de produção os custos totais

compreendem a soma dos custos fixos (CF) e dos custos variáveis (CV). Os

primeiros têm a sua magnitude independente do volume de produção, enquanto

os segundos variam diretamente com o volume da produção.

Os custos fixos podem ser de dois tipos: comuns e específicos. Os custos

fixos comuns referem-se a fatores aplicáveis a várias linhas de exploração. Os

custos fixos específicos são os relacionados apenas com uma linha de

exploração. Os custos variáveis são, por definição, específicos.

De modo geral, os custos de produção podem ser explícitos ou reais e

implícitos ou imputados. Os primeiros são os que correspondem a pagamentos

realmente efetuados a terceiros (monetários ou não-monetários). Os segundos

são os que não exigem uma contrapartida de pagamento monetário ou não-

monetário a outrem (Barros & Estácio,1972, p. 51).

As despesas efetivas (DE) são todos os valores efetivamente retirados do

patrimônio e consumidos de fato no processo de produção. Compreendem os

desembolsos monetários para pagar serviços (inclusive pagamento de salários)

e/ou adquirir bens consumíveis de gasto imediato (capital circulante de

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130

aprovisionamento), o consumo em natureza de bens de gasto imediato, o valor

imputado à mão-de-obra familiar, o valor imputado ao trabalho de administração

exercido pelo próprio produtor e a depreciação dos capitais fixos.

Os custos totais de produção (CTs) de um sistema de produção de uma

unidade de produção familiar rural serão determinados pela fórmula:

n

i

n

iiIs CFcCFeCVCT

1 1

)()(

i= linhas de exploração (1 = 1,2,...,n)

CV = Custos Variáveis

CFe =Custos Fixos Específicos

CFc =Custos Fixos Comuns³

São considerados como custos variáveis a força de trabalho (tanto familiar

quanto assalariada), insumos e materiais, aluguel de máquinas, e outras despesas

eventuais ao longo do período produtivo.

Consideram-se como custos fixos: depreciação, conservação oriunda de

capital constante (benfeitorias, máquinas, equipamentos e ferramentas etc.) além

de outros gastos permanentes para a UPF.

C) DETERMINAÇÃO DE MEDIDAS DE RESULTADO ECONÔMICO

Nesta categoria são incluídos os índices que, dados os custos de produção,

permitem medir o desempenho econômico do sistema de produção.

O resultado bruto (RB) ou a renda bruta é o valor da produção destinada ao

mercado, obtido pela fórmula:

RB = Qv . pp ,

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131

sendo:

RB = renda bruta

qv = quantidade do produto vendida

pp = preço unitário ao produtor

A renda bruta pode ser global e parcial. Determina-se para o conjunto da

unidade de produção e para as linhas de exploração individuais. É um indicador

de escala da unidade de produção

C-1) OS RESULTADOS LÍQUIDOS

a) - Renda líquida - é o valor excedente apropriado pela unidade de

produção familiar, ou seja, a parte do valor do produto que fica com a unidade de

produção familiar depois de serem repostos os valores dos meios de produção,

dos meios de consumo e dos serviços (inclusive salários) prestados à produção.

Neste sentido, ela não consiste em todo o acréscimo de valor que o produtor

familiar faz aos meios de produção e de consumo, uma vez que a maior parte

deste é apropriada por intermediários na comercialização dos produtos e na

compra de insumos e bens de consumo. É calculada pela fórmula:

RL = RB - DE ,

sendo:

RL = renda líquida

RB = renda bruta

DE = despesas efetivas

A renda líquida é o primeiro indicador de eficiência econômica e das

possibilidades de reprodução da unidade de produção familiar. Se RL > 0 a

unidade de produção familiar se reproduz sem afetar o seu patrimônio. Se RL < 0

a unidade de produção familiar só se reproduz com perda de patrimônio. Será

calculada apenas para o conjunto da unidade de produção familiar.

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132

b) - Margem bruta familiar é o resultado líquido específico e próprio para

indicar o valor monetário disponível para a subsistência da família, inclusive uma

eventual elevação do nível de vida, se o montante for suficiente. A sua magnitude

incorpora a parcela de valor do produto correspondente ao consumo familiar

obtida por via do mercado. Em situações favoráveis, poderá ser suficiente para

ressarcir custos fixos, especialmente a exigência mínima de reposição do

patrimônio. Cumpridas estas funções, a disponibilidade restante pode ser usada

como capital de giro. É calculada pela fórmula:

MBF = RB - (CV - Cftf)

sendo:

RB = renda bruta

CV = custos variáveis

Cftf = soma do custo da força de trabalho familiar utilizada na unidade

de produção

c) - Nível de vida - é a totalidade do valor apropriado pelo produtor familiar,

inclusive valores imputados, deduzidas as obrigações financeiras com

empréstimos.

NV = (MBF + AC + Cjicc) - AA

Onde,

AA = Amortizações anuais53

Cjicc = juros imputados ao capital circulante.

É, portanto, o valor que determina o padrão de vida da família

C-2) MEDIDAS DE EFICIÊNCIA OU RELAÇÃO

53 A rigor os valores referentes a amortizações anuais são irrelevantes devido à baixa ocorrência de empréstimos no sistema.

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133

a) - Relação MBF/RB - é a relação mais apropriada para medir a eficiência

econômica da produção familiar, pois mostra que proporção de valor a unidade de

produção tornará disponível para a família por cada unidade de valor produzido.

Em outros termos, que percentagem de renda bruta a unidade de produção é

capaz de converter em margem bruta familiar. Uma relação superior a 50% é

considerada favorável. Pode ser determinada para a unidade de produção e para

as linhas de exploração.

b) - Índice de capitalização - é a relação que indica a intensidade de

capital. É obtida pela fórmula:

IK = Kc/Vftt,

sendo:

IK = índice de capitalização

Kc = capital constante

Kc = (Ccf + Cim + Cmi)

Ccf = custos de capitais fixos

Vftt = valor total da força de trabalho empregada

6.2 Dados Gerais da RESEX Chico Mendes

A figura 7 mostra o mapa da RESEX Chico Mendes e sua localização. Esta

reserva é formada por 49 seringais54 de diferentes tamanhos e espalhados por 7

municípios do Acre, ocupando uma área de 970.570 ha. Os dados referentes à

população da RESEX em diferentes anos mostram claramente que de 1994 a

1998 a reserva perdeu população, conforme se pode observar na figura 8

passando de 9.000 para 5.976. Essa intensa movimentação de população é

explicada, em grande medida, pela queda crescente do preço da borracha. A

54 Na realidade existem poucos seringais. Estes atualmente funcionam mais como referencia, como uma instituição social. È possível que os seringueiros ao se expressarem como “sou do seringal x”, inclusive com um certo orgulho, busquem através disso preservar sua identidade cultural.

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Figura 7 – Mapa da RESEX Chico Mendes

Fonte:IBAMA/CNPT,1999

pesquisa de campo, detectou que há uma ampla movimentação dos componentes

da reserva, seja no interior da mesma, mudando de colocação para outra

colocação, seja no deslocamento para áreas de assentamentos agrícolas do

INCRA ou para a periferia de Rio Branco.

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Os dados da pesquisa indicam que 62,3% estavam naquela unidade

vinda de outras colocações da própria reserva, 33,8% vieram de cidades

acreanas, 1,3% vinham do país vizinho a Bolívia e, por fim, cerca de 2,6% não

prestaram informações. Uma possível explicação para esta alta rotatividade no

interior da reserva, é que estes deslocamentos ocorrem pela busca constante de

melhores condições de produção. Quanto aos deslocamentos para a cidade,

apesar de não dispormos de dados precisos, é possível afirmar que a motivação é

a mesma, no entanto, os que se deslocam fazem parte do segmento mais jovem

da população, que busca novas oportunidades. Daí que os dados mostram um

acentuado decréscimo populacional, sem, contudo, expressar mudanças

significativas no numero de famílias no interior da reserva o que significa que, em

grande medida são apenas membros da família que se deslocam.

As áreas totais dos diversos seringais, considerando as informações

referentes ao ano de 1998, abrangem cerca de 1.104 colocações e 1.465 famílias,

o que significa que praticamente a cada colocação corresponde uma família. São

raros, mas existem casos em que mais de uma família ocupa uma colocação.

5.9766.400

9.000

1994 1995 1998

Figura 8 - Evolução da população da Resex Chico Mendes1994/1998

Fonte: ZEE/AC (2000, v.2, p. 103)

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Comparados com as informações referentes a 1991, os dados constantes

da tabela 11 mostram uma pequena variação no total de unidades produtivas, que

diminuiu de 1.444 para 1.104. Esta variação parece ser decorrência da crise da

borracha, não expressando necessariamente uma tendência.

Tabela 11 - Dados Gerais da RESEX Chico Mendes -1991/1998

Descrição 1991 1998 Total da área 970.570

970.570

Total de unidades (colocações) 1.444

1.104

Numero de famílias 1.838

1.465

Numero de moradores 12.017

5.976

Média de moradores p/ unidade 8,3

5,4

Total de estradas 6.498

5.740

Média das estradas por colocação 4,5

5,2

Fonte: CNS (1992), IBAMA/CNPT (1998)

A força de trabalho evidenciada na pesquisa é composta por 70% de

indivíduos do sexo masculino. A maioria, cerca de 62,4% é composta de adultos,

percebendo-se, assim, uma quantidade considerável de jovens já engajados nas

atividades produtivas.

Outro dado relevante, resultado da pesquisa diz respeito à forma de acesso

a terra, anterior, portanto à definição na portaria do IBAMA que cria a RESEX e

institui a “concessão de uso”. Segundo dados da pesquisa a forma de acesso a

terra na sua forma majoritária ocorreu através de compra, cerca de 62,3%. Em

segundo plano, não tão intensamente o acesso ocorreu na forma de posse,

19,5%. Através de concessão de uso 7,8%, por herança 5,2% e por fim o acesso

por meio de troca ocorreu em 3,9% dos casos.

A população de 1.465 famílias distribuídas em uma área de 970.570 ha,

representa uma área média de 662,5 ha por família, o que poderia ser

considerada uma área média alta. Contudo, se levarmos em conta a preservação

vê-se que este é um pré-requisito fundamental. Quanto maior a área mais

possibilidades das políticas de conservação apresentarem resultados positivos.

Por outro lado, se considerarmos as especificidades da economia extrativa,

observa-se que a colocação, como unidade produtiva requer grandes extensões

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137

de áreas, em torno de 300 ha conforme referido anteriormente. Esta área com

extensão superior a média das pequenas propriedades rurais acreanas, que giram

em torno da 100 ha, expressam na verdade a lógica da produção extrativista. Na

verdade, as grandes extensões representam uma garantia de preservação. Bem

diferentes de outros processos produtivos em que a ampliação da produção

implica em expansão e degradação de recursos naturais.

Na imagem da figura 9, onde estão acentuados os limites da reserva, vê-se

claramente que a área em volta da reserva encontra-se antropizada. A cor rosa

indica a intensidade de desmatamento, com uma área expressiva o que evidencia

que ao redor da reserva está altamente desmatada. Por outro lado, mostra

também que o índice de desmatamento na reserva é baixo expressando de certa

maneira que a RESEX está alcançando o seu objetivo preservacionista.

Figura 9 - Imagem da área desmatada ao redor da RESEX Chico Mendes - 1996

Fonte: IBAMA/CNPT

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138

6.3 Indicadores Econômicos da RESEX Chico Mendes

Ao se estudar os fatores que compõem a renda familiar dos extrativistas da

reserva Chico Mendes, principalmente quando se compara os dados com anos

anteriores, não só é possível apreender as mudanças relevantes que ocorrem no

interior das reservas, mas sobretudo derivar possibilidades em termos de trajetória

e tendências da produção. Convém, todavia, levar em conta para as estimativas

de renda e custos de produção, as especificidades da economia da floresta. De

início, há uma dificuldade natural em se estabelecer preços de mercado para

produtos como caça, pesca, produtos extrativos pouco ou quase desconhecidos

como açaí, patoá, pupunha, ervas medicinais e afins. De qualquer maneira, a

pesquisa considera os preços conforme os produtos são realizados no mercado

mesmo que, em muitas situações, o processo se reduza a uma situação de

escambo.

Para Costa Filho (1995), as unidades produtivas de um seringal - as

colocações - quando de sua pesquisa, em 1991, produziam basicamente borracha

e castanha, nesta ordem de importância. Estes dois produtos representavam o

maior percentual na composição da renda, enquanto a produção agrícola e a

criação de animais eram destinadas basicamente à subsistência.

A tabela 12, com dados da produção de 1991, mostra que a renda média

na unidade produtiva alcançava a cifra de 777,7 dólares55, enquanto os custos

médios da borracha foram estimados em 329,37 dólares, sendo que deste total

92% era proveniente da força de trabalho e transporte, portanto, valores não

desembolsáveis, já para o produto castanha estes itens implicavam em cerca de

88% do custo total calculado em 105,68 dólares. Esses valores transformados

pelo valor do salário mínimo (SM) da época correspondiam a um rendimento

55 Convém ressaltar que à época (1991), em decorrência da política cambial, o real estava equivalente ao dólar.

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139

médio mensal de 0,70 do SM e poderia atingir a cifra de 1,44 SM se a produção

considerada fosse a máxima.56

Tabela 12 - Estimativa da Renda por Familia Média Bruta Anual dos Seringueiros da Reserva Chico Mendes – 1991

ATIVIDADES PRODUTIVAS PROD. ANUAL PREÇO MÉDIO (US$) RENDA ANUAL(US$)

BORRACHA MÉD. 600 Kg 0,68 MÉD. 408,00

MAX. 1.300 Kg MAX. 884,00 CASTANHA MED. 127 latas 1,10 MÉD. 139,70

MAX. 680 latas MAX. 748,00 AGRICULTURA

MÉD. 230,00 TOTAL

MÉD. 777,70

MÁX. 1.632,00 Fonte: Costa Filho (1995)

Em geral a pesquisa de Costa Filho (1995) aponta acertadamente para uma

melhoria na qualidade de vida dos seringueiros, principalmente se levarmos em

conta as precárias condições de vida nos antigos seringais. Por outro lado,

percebe-se claramente a intenção do autor em mostrar as potencialidades de

crescimento e expansão econômica, sem comprometer a concepção

conservacionista das reservas. Apesar da precariedade das informações

provenientes do relatório final do CNS57, cujo objetivo visava à elaboração de um

cadastro, são procedentes as conclusões do autor. Os dados deste cadastro,

todavia, principalmente em função das metodologias de pesquisa distintas, não

permitem, no entanto, comparações com os dados da pesquisa ASPF como seria

desejável. Nem tampouco, analisar os componentes dos custos e sua importância

nos diferentes processos de formação da renda no interior da reserva.

56 O autor calcula os valores médios e projeta os cálculos para uma situação em que a colocação atinge a produção máxima do produto considerado, de forma a mostrar possibilidades concretas, em termos de renda, para os seringueiros. 57 A tabela 12 elaborada por Costa Filho (1995) foi baseada nos dados do “Relatório Final” do CNS (1992).

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140

Isto não impede de se afirmar, com base nos dados do relatório, que em

1991 o extrativismo, notadamente a borracha, era a principal atividade na

composição da renda auferida pelos seringueiros. Segundo o relatório, em 1991

as três principais atividades para a formação da renda do seringueiro eram o

extrativismo que contribuía com cerca de 62%, a agricultura58 com 29% e a

criação de animais59. com 9% (CNS, 1992). A tabela 13 acentua claramente uma

maior diversificação da produção ao expressar que cresceu o nível de participação

na formação da renda das unidades produtivas das atividades agricultura e

criação de animais Mostra que a atividade extrativista, que em 1991 participava

com 62% na composição da renda, em 1997 havia decaído para 41%, enquanto a

agricultura, que participava com 29%, evoluiu para 33%. A atividade que mais

cresceu em importância na composição da renda, contudo, foi a criação de

animais, que evoluiu de 9% para o expressivo montante de 26%.

Tabela 13 – Evolução percentual da participação das atividades produtivas na renda bruta total da RESEX “Chico Mendes” – 1991-1997 - Acre

Atividade 1991

1997

Extrativismo 62

41

Agricultura 29

33

Criação de animais 9

26

Total 100

100

Fonte CNS (1992), Projeto ASPF Departamento de Economia - UFAC

Esta análise, em certa medida, é referendada pelas informações constantes

da tabela 14, que mostra o percentual de unidades produtivas que se dedicavam à

exploração de diversos produtos. Se é verdade que a importância do extrativismo,

em termos de participação na renda, diminuiu, todavia os dados mostram que o

binômio borracha-castanha continua expressivo como atividade produtiva. Cerca

de 85% do total das unidades se dedicavam à extração do látex enquanto 63%

exploravam a coleta de castanha. Os dados mostram, também, que os

58 O termo agricultura, genericamente, diz respeito à pequena produção de alimentos. Assim, os principais produtos deste item são o arroz, feijão, mandioca e, em alguns lugares, o milho. 59 Quando nos referimos a “criação de animais”, estamos considerando a criação de bovinos suínos e aves. Estes, de um modo geral, são criados em precárias condições e, na maioria das vezes, não se destina ao mercado.

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141

seringueiros diversificaram a sua produção. Em 1996 já apresentavam um

expressivo percentual na produção de alimentos e, principalmente, na criação de

animais.

Contudo, se diminuiu a importância do extrativismo em termos de produção

e renda, isto parece ser uma decorrência da diminuição da extração do produto

borracha, haja vista os dados apontarem para um crescimento da produção e da

renda proveniente da exploração da castanha.

Tabela 14 - Quant. (%) de UPF's por produto explorado na RESEX Chico Mendes - 1996/1997

PRODUTO Quant. (%) de UPF's que exploram o produto

EXTRATIVISMO

Borracha 85

Castanha 63

AGRICULTURA

Arroz 39

Feijão 33

Farinha 25

CRIAÇÕES

Bovinos 23

Suínos 16

Aves 52

Fonte: Projeto ASPF/Depto Economia - UFAC

Após estas considerações convém analisar estas e outras informações para

se conformar uma idéia mais geral a respeito do conjunto das atividades

produtivas, o que deve ser feito a partir da avaliação da tabela 15, que contém os

dados sobre renda por atividade e a tabela 16 que resume os dados sobre

produção e renda média dos principais produtos da pauta de produção da reserva,

referentes ao ano de 1996.

O extrativismo ainda tem no binômio borracha – castanha, conforme

ressaltado anteriormente, os principais itens na formação da renda. Os produtos,

tais como mel de abelha, óleo de patoá e outros, ainda não tem participação

expressiva, seja pela inexistência de mercado ou por outro elemento característico

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142

do extrativismo, que é a incidência do produto por área. É muito comum, a renda

proveniente do extrativismo depender da densidade de existência de determinado

produto. Um exemplo ilustrativo desta situação é o caso da castanha. Trata-se de

um produto com um mark-up alto vis a vis aos outros produtos. No entanto, este

produto tem uma existência restrita em termos espaciais. Há uma forte

concentração de castanheiras na região do Alto e Baixo Acre. Por outro lado, a

renda proveniente deste produto no vale do Juruá é quase nula em virtude de se

tratar de uma área com pequena incidência destas árvores.

Tabela 15 - Participação na Renda Bruta por produto na RESEX Chico Mendes- 1996/1997

Atividade RB Total

% Total RESEX

Extrativismo 47.459,25

41%

Castanha 24.693,95

21%

Borracha 22.417,80

19%

Outros 347,50

1%

Agricultura 38.305,26

33%

Arroz consorciado 10.612,32

9%

Feijão 9.977,29

9%

Farinha de Mandioca

6.246,60

5%

Outros 11.469,05

10%

Criações 30.253,64

26%

Boi 14.853,00

13%

Porco 8.082,64

7%

Aves 6.423,44

6%

Total RESEX 116.018,15

100%

Obs.: 1. Considera-se como unidade de medida para os diversos produtos o padrão; 2. Valores em R$ Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia – UFAC

Outro dado importante que a tabela 15 evidencia é que, as dificuldades de

mercado por que passa a borracha, parecem ter contribuído de forma decisiva

para uma inversão de importância dos dois produtos básicos do extrativismo. A

castanha, apesar de ser uma atividade restrita a um período curto e determinado

do ano, apresenta uma participação na renda maior que a borracha. O

extrativismo participa de forma majoritária na formação da renda com 41%, sendo

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143

que deste total, a castanha é responsável por cerca de 21% e a borracha apenas

19%. Conforme a tabela 16, a produção média anual da castanha foi de 198 latas

ou o equivalente a 2.178 kg, que a um preço médio de 2,89 perfaz uma renda

média de 574,28 sendo que a renda máxima auferida com a castanha atingiu o

expressivo valor de 2.312,00. A borracha participa com um pouco menos, cerca de

19%, sendo que a média anual por unidade produtiva foi de 633 kg o que, a um

preço médio de 0,58, dá uma renda média de 367,50 e a sua renda máxima

chegou a 1.740,00. A explicação para isto deve ser buscada na análise de outros

dados, principalmente os custos e sua influência na definição da renda líquida. De

qualquer forma, convém ressaltar a importância dos preços, como já referido

anteriormente. A realidade atual, com o preço da borracha subsidiado, é diferente

deste cenário exposto, como se verá adiante.

Tabela 16 - Produção, Renda Média e Máxima dos Principais Produtos da RESEX Chico Mendes – 1996/1997

Produto Produção média Preço médio (R$) RB média (R$) RB máxima (R$) Castanha 198 Lts

2,89 574,28 2.312,00 Borracha 633 kg

0,58 367,50 1.740,00 Arroz 1.052,81kg

0,48 505,00 1.234,00 Boi 3,57 Und.

245,00 873,70 2.450,00 Obs.: RB – Renda Bruta

Fonte: projeto ASPF/Depto de Economia UFAC

A outra atividade importante no sistema de produção extrativista é a

pequena produção de alimentos. Com efeito, a agricultura participa de forma

expressiva com 33% na renda, como a segunda mais importante atividade para o

conjunto da RESEX. Isto em parte, é explicado pelo papel que esta atividade

desempenhou ao longo do tempo no sistema de produção. Trata-se de uma

atividade voltada prioritariamente para a subsistência e que, como tal, servia de

refúgio seguro quando da ocorrência, muito freqüente, das crises da borracha. Os

produtos mais importantes dentro deste segmento produtivo são o arroz

consorciado, feijão e farinha de mandioca. Se considerarmos o produto mais

importante, no caso o arroz que obteve uma produção média de 1.052,81 kg a um

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144

preço médio de 0,48, obtêm-se uma renda média de R$ 505,00 e a renda máxima

atinge R$1.234,00. Apesar de a parcela de produtos destinados ao mercado ainda

não ser expressiva, esta atividade produtiva se apresenta como a mais

diversificada em termos de produtos, o que evidencia que o mercado já influencia,

ainda que modestamente, a definição da exploração de alguns produtos.

A pecuária foi o setor que mais cresceu na reserva. Até os anos 90, tinha

uma participação na renda quase que inexpressiva. Porém, conforme os dados

do relatório CNS (1992) já em 1991 representava algo em torno de 9%, para

chegar em 1996, segundo informações provenientes da pesquisa, em torno de

26%, o que ressalta que a hipótese de uma trajetória crescente da pecuária estava

correta.

A produção média do item boi, considerando uma média entre os vendidos

por “cabeça” e a quilo, resultou em uma renda média de R$ 873,70 e a renda

máxima de R$ 2.450,00.

A criação de animais no interior da reserva ainda ocorre de uma forma

muito precária. Como já referido anteriormente, esta atividade se encontra em

pleno processo de crescimento, todavia, mesmo nas unidades que se dedicam á

criação para a venda da produção no mercado, esta ocorre de forma

desorganizada, com pouco uso de bens de capital. No caso especifico da criação

de gado, as unidades de produção na maioria sequer dispõem de infra-estrutura

mínima para a produção. Esta, quando existente, se limita a currais, cercas e o

uso de alguns produtos. Os currais e cercas, não raro, são feitos de forma

rudimentar com o aproveitamento de material da própria área. O pasto geralmente

é feito em áreas abandonadas – afinal, a agricultura é itinerante -, para o plantio

da grama, que é executado em muitas situações mesmo que o seringueiro ainda

não disponha de gado. O alimento principal é a grama, sendo que o tipo de sal

mais usado como alimentação é o grosso. Raramente a unidade dispõe de

recursos para a aquisição de sal mineral, que é considerado muito caro. A

aplicação de vacinas se resume, quando ocorre, às consideradas essenciais.

Muitos, por falta de recursos, sequer aplicam estas consideradas essenciais.

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145

Esta forma de criação, apesar da baixa produtividade, evidencia alguns

elementos fundamentais na dinâmica econômica da reserva. A pecuária, apesar

de conter uma série de problemas, tais como inadequação dos solos para a

implantação de pastagem devido à alta precipitação pluviométrica, apresenta para

o pequeno produtor extrativista – e para outros tantos –, alguns fatores que

explicam a ampliação elevada pela qual passa esta atividade. Em primeiro lugar,

representa uma poupança em razão de sua alta liquidez e ou pode se transformar

em alimento se for necessário; tem um mercado razoavelmente organizado, o que

facilita a compra e venda conforme o interesse, e por fim, comparado com a

agricultura e o extrativismo e, principalmente da forma como é desenvolvida no

interior da RESEX, sem grandes estruturas, sem grandes cuidados, não exige

muito trabalho e nem requer força de trabalho adicional.

Fica claro, portanto, uma distinção entre a pecuária desenvolvida no Estado

com a pecuária desenvolvida no interior da reserva. Isto posto, uma primeira

conclusão possível é sobre a total inviabilidade da pecuária extensiva, dado seu

caráter predatório, no interior da reserva. Por outro lado, é possível e adequado

uma política de incentivo à criação de gado em pequena escala, que não altere o

ambiente e ajude na subsistência dos extrativistas.

As atividades produtivas em seu conjunto, conforme a tabela 17, são

responsáveis pela geração de uma renda bruta média de R$ 1.706,15, o que por

sua vez, considerando o total de 1.104 unidades produtivas, implica em uma renda

bruta para o conjunto da reserva de R$ 1.883.589,60 (Um milhão, oitocentos e

oitenta e três mil e quinhentos e oitenta e nove reais e sessenta centavos).

Tabela 17 - Renda Total e por Atividade RESEX Chico Mendes - 1996/1997

Atividade Renda Total (R$)

%

RESEX 1.883.589,00

100

Extrativismo 772.271,52

41

Agricultura 621.584,40

33

Criações 489.733,14

26

Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia - UFAC

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146

Se levarmos em conta que, segundo informações do CNS (apud Castelo,

1999), o conjunto das atividades extrativistas no Acre, principalmente, castanha,

borracha, óleo de copaíba e açaí, movimentam cerca de 5 milhões60, vê-se que a

produção e renda no âmbito da reserva são expressivas, para o conjunto de

atividades extrativistas da economia acreana.

Essas mudanças já aludidas são confirmadas se considerarmos a produção

da castanha e da borracha isoladamente. A tabela 18 mostra que a borracha que

apresentava uma produção média anual de 624 kg em 1995 decresceu para 540

kg no ano de 1998. Por outro lado, mostrando uma performance totalmente

diferente, a castanha que em 1995 tinha sua média em 785 kg, em 1998 atingiu a

expressiva média de 1.292 kg. Essa variação da produção se expressa na

quantidade de unidades que se dedicavam à produção de castanha cuja média

aumentou de 55,3% para 61,2%. Este aumento da produção da castanha não

significa, porém, que os seringueiros estejam optando pela coleta da castanha em

detrimento da borracha, pelo simples fato de que a época de coleta da castanha,

que ocorre nos meses de dezembro/janeiro e fevereiro, corresponde ao período

de chuvas, coincidindo com o momento de descanso das seringueiras. A provável

explicação para esse aumento da produção é a seguinte: na verdade a castanha

não possui, no plano internacional, um mercado estruturado, participando de

forma complementar no mercado de amêndoas, o que contribui para uma alta

instabilidade, que se reflete numa alta variação do preço.

60 É claro que os dados do CNS, são uma estimativa não muito rigorosa, de forma que deve ser analisado com cautela. Todavia, mesmo que a informação não esteja rigorosamente correta, é possível que esteja bem próximo da realidade.

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147

Tabela 18 - Evolução da produção de Borracha e Castanha na RESEX Chico Mendes - 1995/1998

Descrição 1995 1998

Média de Produção de Borracha (kg) 624 540

% de Domicílios produtivos 69,9 60,70 Média de produção da castanha (kg*)

785 1.293,00 % de domicílios produtivos 55,30 61,20 Obs.: *A unidade de medida usual é a lata, que pode ser estimada entre 10 kg e 12 kg dependendo do grau de umidade. Para esta tabela considerou-se cada lata igual a 12 kg para efeitos de comparação com outros dados. Fonte: IBAMA/CNPT (1998)

Em sentido contrário, a atuação das cooperativas trouxe maior segurança e

estrutura de comercialização. Os seringueiros ficaram mais seguros; foi criada

uma usina de beneficiamento na Bolívia o que serviu de incentivo pelo fato de

garantir a compra da produção. O grande problema da castanha, segundo

informações dos técnicos da área é que o processo de coleta e estocagem precisa

melhorar para atender o padrão exigido pelo mercado. Acrescente-se a isto, que é

um mercado cujo preço varia muito, principalmente pelo fato de a comercialização

ser controlada por um numero restrito de exportadores.

A explicação para esse incremento da produção de castanha, segundo os

dados da pesquisa, portanto, devem ser buscados nos custos de produção desses

produtos. A castanha é um dos produtos, conforme se verá mais adiante, que

apresenta uma alta taxa de retorno positiva frente aos outros produtos da pauta de

produção das unidades de produção da reserva, principalmente pelos fatores já

referidos anteriormente.

Por outro lado, o decréscimo da produção da borracha parece comprovar

uma característica do sistema extrativista consolidado ao longo dos anos na

região acreana. O nível de produção está intimamente relacionado com a variação

dos preços, sendo que este, para o caso brasileiro, é mantido artificialmente mais

elevado que a borracha importada, de forma a estimular a produção. Quando

ocorre queda no preço da borracha há, conseqüentemente, uma queda da

produção, porque os seringueiros desestimulados abandonam temporariamente o

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148

extrativismo da borracha e, enquanto esperam preços melhores, dedicam-se a

outras atividades como a pecuária de animais de pequeno porte, a caça e a pesca

e, principalmente, à cultura de subsistência.

A figura 10 mostra o declínio paulatino da produção da borracha no Acre

que, só após 1999, começa a crescer, todavia, em médias insignificantes, se

comparadas com os volumes anteriores. A produção, que vinha em declínio, em

1997 atingiu 3.186 toneladas sendo que em 1998 caiu para 2.330 toneladas,

atingindo o seu mínimo em 1999, com somente 243 toneladas e, em 2000, subiu

para 1.399 toneladas.

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149

Este aumento, ainda gradativo da produção, é resultado, em primeiro plano,

da política de subsídios ao preço da borracha instituído pelos governos Federal e

Estadual. No âmbito estadual, o subsídio foi criado em 1999 no valor de R$ 0,40

pela denominada lei n. 1277 de 13/01/1999, também conhecida por lei Chico

Mendes, que visava a estimular a produção e elevou o preço do quilo da borracha

para aproximadamente R$1,20. Em segundo plano, pela presença das

cooperativas o que contribui em muito para o abastecimento dos seringueiros a

preços de mercado.

Apresentam-se, na tabela 19, a renda e os resultados obtidos na apuração

dos custos de produção. Percebe-se que o extrativismo, cujos custos são os mais

altos, participam com mais da metade, cerca de 57% dos custos totais, enquanto a

agricultura participa com 29% e a criação de animais com 14%. Estes dados na

verdade, são mais importantes quando comparados com outros indicadores.

Assim, se considerarmos as informações anteriores, pode-se apreender uma

característica fundamental da reserva. No conjunto os custos são bem superiores

à renda bruta gerada, sobretudo, em razão da apuração do custo que representa

0

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

12.000

14.000

16.000V

alo

res

(t)

1977

1979

1981

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

Evolução da produção de Borracha (t)

Figura 10 - Evolução da produção de Borracha - Acre - 1977/2000

Fonte: pesquisa UNICAMP/BID/CIRAD(2001)

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150

o uso da força de trabalho familiar. Estes custos, que geralmente são

desconsiderados, quando levados em conta, evidenciam que parcela considerável

dos extrativistas vive endividada e com dificuldades de repor parte dos

instrumentos de trabalho. Em decorrência, quando se apura esse resultado pode-

se afirmar que, no conjunto, os custos são superiores a renda bruta gerada, o que

resulta ao fim do ano produtivo em uma renda líquida total negativa.

Tabela 19 - Composição da Renda e Custo por Atividade Reserva Chico Mendes – 1996/1997

Atividade RB Total % da Renda Custo Total % Total RESEX EXTRATIVISMO 47.459,25

41%

72.658,28

57%

AGRICULTURA 38.305,26

33%

36.529,56

29%

CRIAÇÕES 30.253,64

26%

17.760,31

14%

TOTAL 116.018,15

100%

126.948,15

100%

Fonte: Projeto ASPF/Depto. Economia - UFAC

Dessa forma, o que se pode perceber ao verificar os dados da tabela 19, é

que a reserva, após o período produtivo, é deficitária. Neste cenário, a atividade

extrativista, apesar de gerar 41% da renda, no entanto, é responsável por mais da

metade dos custos, constituindo-se assim, na atividade que mais contribui para a

renda líquida negativa. A atividade agrícola, por seu turno, apresenta uma renda

líquida um pouco maior que os custos, enquanto que a criação de animais é a

atividade que mostra maiores retornos, gerando 26% a um custo equivalente a

14% do custo total.

A composição dos custos de produção, se observados a partir dos seus

componentes expostos na tabela 20, evidenciam alguns outros aspectos da

economia da RESEX. Com efeito, o que se observa inicialmente é uma grande

participação dos custos variáveis que correspondem a cerca de 63% dos custos

totais. Por outro lado, os custos fixos representam apenas 37%. Estes dados

vistos em conjunto, comprovam uma observação empírica, que é a expressiva

participação da força de trabalho familiar em detrimento do uso de bens de capital.

Isto em última instância, apenas evidencia uma característica do processo de

trabalho originário dos seringais que é a ausência de progresso técnico. Em

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151

decorrência, há um uso intensivo da força de trabalho familiar que representa

metade do custo total.

Tabela 20 - Composição dos Custos Totais, Fixos e Variáveis na Reserva Chico Mendes – 1996/1997

TIPO DE CUSTO VALOR (R$) % CT 126.948,15

100

CV 80.433,89

64

CFTF 61.810,88

49

CIM 7.024,35

6

Outros 11.598,66

9

CF 46.514,26

36

CFCR 35.253,62

27

CDP 7.690,03

6

Outros 3.570,61

3

Obs.: CT - Custo Total; CV - Custo Variável; CF - Custo Fixo; CFTF - Custo da Força de Trabalho Familiar; CIM - Custo de Insumos e Materiais; CFCR - Custo Fixo Comum Rateado; CDP - Custo específico de Depreciação para linhas de exploração. Fonte: ASPF/Depto.de Economia - UFAC

Quanto aos custos fixos, estes por seu lado, também expressam uma forma

peculiar do processo de trabalho na reserva. Trata-se do uso múltiplo do bem de

capital, de forma que a apuração dos custos fixos implicou em estabelecer um

rateio para captar a participação do capital que é comum a toda a unidade de

produção e diferenciar dos capitais fixos que são comuns a apenas algumas linhas

de exploração. Dessa forma, os custos fixos comuns rateados representam cerca

de 37% dos custos totais.

Se considerarmos a relação entre a renda gerada por produto e o custo

unitário desse produto com o índice de eficiência econômica, temos então as

seguintes possibilidades:

a) Situação 1 - IEE > 1 = lucro

b) Situação 2 - IEE < 1 = prejuízo

c) Situação 3 - IEE = 1 = equilíbrio.

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152

Uma análise dos quatro principais produtos do extrativismo, conforme

tabela 21, mostra a seguinte situação: a castanha com um índice de eficiência

econômica de 1,49 apresenta lucro, enquanto a borracha com IEE de 0,40 tem

uma situação de defasagem. Para cada real gasto recebe apenas quarenta

centavos. Não foi outra a intenção dos governos Federal e Estadual ao instituir o

subsídio ao preço da borracha, senão a de cobrir, mesmo que em parte, essa

diferença entre o preço no mercado e os custos unitários de produção.

Tabela 21 - Custo Unitário, Preço Médio e Índice de Eficiência Econômica na RESEX Chico Mendes – 1996/1997

Produto Custo Unitário (R$) Preço Médio (R$) IEE

Extrativismo

Castanha 1,94 2,89 1,49

Borracha 1,44 0,58 0,40

Agricultura

Arroz consorciado 0,50 0,48 0,97

Feijão 0,58 0,86 1,48

Farinha de Mandioca 1,11 0,87 0,78

Melancia 0,25 2,00 8,15

Criações

Boi 202,30 245,00 1,21

Porco 11,50 45,00 3,91

Aves 2,26 4,45 1,97

Obs.: IEE - Índice de Eficiência Econômica

Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia - UFAC

A situação da agricultura é de um cenário nada animador. Dos quatro

principais produtos só o feijão apresenta IEE positivo. Já o produto melancia

apresenta uma extraordinária eficiência econômica, em torno de 8,15, todavia

como outros produtos não tem relevância econômica na pauta de produção.

Por fim, na atividade “criações de animais”, o porco, o boi e aves são os

principais produtos e todos mostram um IEE positivo sendo que o porco tem o

maior IEE , no caso 3,91, o IEE das Aves é de 1,97 e o boi de 1,21.

Do exposto, é importante observar que, como as relações de troca no

interior da reserva são intensas, mas, envolvem pouca moeda, os termos das

trocas são trabalho, serviço e produtos, de forma que as mercadorias que são

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153

realizadas no mercado externo à reserva, como é o caso da borracha e da

castanha ganham maior relevância por viabilizar a circulação de dinheiro. Por

outro lado, deve ser também ressaltado que, como a força de trabalho do ponto de

vista do extrator não é contabilizada como custo, no sentido de que o mesmo não

desembolsa dinheiro, alguns produtos cujo IEE é baixo, ou seja é menor que 1,

nem sempre são percebidos como deficitários.

De mais a mais, é necessário não descurar que a simples produção não

implica realização do produto no mercado. Assim, um produto, como a melancia,

por exemplo, que tem um alto IEE, pode ter esse índice afetado por uma produção

expressiva por ocasião da safra. No caso, não basta ter uma produção expressiva,

é necessário uma série de fatores para a realização comercial do produto no

mercado, tais como: armazenamento, transporte, e mercado para o produto. Por

fim, deve-se levar em conta que as condições de produção na reserva. A maioria

dos produtos é explorada com um baixo índice de capital constante, o que

significa que as comparações em termos de lucratividade devem levar em conta

que a simples incorporação de pequenas inovações tecnológicas implicam em

grandes mudanças na estrutura de custos.

Esta situação, apesar de à primeira vista apresentar uma economia

baseada em processos produtivos econômicos com estrutura de custos muito

elevada, por outro lado aponta espaço amplo para a formulação de políticas

públicas, principalmente as de caráter modernizante que impliquem em redução

de custos nos processos produtivos.

Como a questão fundamental é viabilizar uma estrutura produtiva capaz de

ao tempo que conserva os recursos naturais seja capaz de gerar condições

econômicas compatíveis com os padrões do meio rural acreano, na prática o que

realmente importa é a renda auferida em termos monetários, que pode ser melhor

apreendida a partir do indicador Margem Bruta Familiar (MBF). Este indicador

mostra o valor monetário efetivamente apropriado e disponível para as despesas

das diversas unidades produtivas familiares. Este resultado é calculado a partir da

Renda Bruta deduzida os custos variáveis exclusive a força de trabalho familiar. É,

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154

portanto, o indicador mais adequado para se apreender a realidade das rendas

auferidas no interior das RESEX.

Na tabela 2261, que mostra uma série de indicadores, tem-se a situação da

reserva expressa através da MBF, cujo resultado médio de R$ 1.277,26 significa

que o resultado da produção medido em termos monetário atinge uma quantia

expressiva, principalmente se levarmos em conta que, na realidade dos antigos

seringais, os seringueiros, a rigor, não tinham acesso a valores monetários efetivo,

já que a apuração de sua renda restringia-se a um jogo contábil de débito e

crédito, em que o dinheiro pouco circulava.

61 Na apresentação e análise dos dados, principalmente nos casos em que se apresentam “medidas de posição”, optou-se por apresentar em conjunto as médias e medianas, embora, sempre que possível a opção para análise seja a mediana por se tratar de uma medida que ocupa a posição central da série de dados. A média, como se sabe, é sensível aos valores extremos.

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155

Tabela 22 - Composição da Renda Bruta (RB), Margem Bruta Familiar (MBF) e MBF/RB por atividade na RESEX “Chico Mendes” – 1996/1997

Atividade RB MBF MBF/RB

Total % Média

Mediana

Total % Média Mediana

Total Média

Mediana

Extrativismo 47.459,25

41% 443,54

346,80

41.069,76 41% 383,83 260,93

0,66 0,87

Castanha 24.693,95

21% 574,28

520,20

22.683,14 23% 527,51 514,73

0,92 0,52 0,96

Borracha 22.417,80

19% 367,50

290,00

18.042,01 18% 295,77 224,17

0,80 0,76 0,83

Outros 347,50

1% 344,61 1%

Agricultura 38.305,26

33% 399,01

286,50

31.382,91 31% 326,91 229,90

0,53 0,85

Arroz 13.009,92

11% 9.396,20 9%

Arroz consorciado 10.612,32

9% 505,35

489,60

7.184,03 7% 342,10 323,59

0,68 0,59 0,74

Arroz solteiro 2.397,60

2% 399,60

387,60

2.212,17 2% 368,70 345,15

0,92 0,91 0,95

Mandioca 9.101,60

8% 7.722,19 8%

Mandioca Solteira 6.578,60

6% 365,48

217,50

5.856,66 6% 325,37 182,86

0,89 0,61 0,87

Mandioca Consorciada 2.523,00

2% 504,60

435,00

1.865,53 2% 373,11 136,61

0,74 0,61 0,77

Feijão 9.977,29

9% 453,51

344,00

8.951,21 9% 406,87 276,81

0,90 0,81 0,89

Outros 6.216,45

4% 5.313,31 4%

Criações 30.253,64

26% 328,84

179,00

27.426,42 27% 298,11 176,32

0,85 0,98

Boi 14.853,00

13% 873,71

651,00

12.473,58 12% 733,74 631,30

0,84 0,66 0,90

Porco 8.082,64

7% 6,52 4,06

7.946,00 8% 5,84 3,57

0,98 0,90 0,88

Aves 6.423,44

6% 149,38

111,25

6.129,84 6% 142,55 88,70

0,95 0,84 0,98

Cabra/bode 804,40

1% 96,00 96,00

790,55 1% 96,00 96,00

0,98 1,00 1,00

Carneiro/ovelha 90,16

0% 90,16 90,16

86,45 0% 86,45 86,45

0,96 0,96 0,96

RESEX 116.018,15

100%

393,28

261,00

99.879,09 100%

338,57 220,55

0,68 0,91

Fonte: Projeto ASPF/Departamento de Economia (UFAC)

Na mesma linha, o índice MBF/RB, que equivale ao percentual monetário

expresso em cada unidade real, ao atingir na atividade extrativista o valor de 0,87

evidencia que, de cada 1 real apropriado pelo produtor em termos de renda,

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156

apenas 87% é efetivamente valor monetário, enquanto que o restante, 13% da

renda auferida, não se traduz como tal.

Entre as outras atividades, a agricultura apresenta o menor índice de

apropriação monetária, 0,85, enquanto a pecuária, com o índice de 0,98 mostra

que é nesta atividade que o produtor apreende o maior percentual em termos

monetário da renda auferida. Estes dados observados em conjunto assinalam que

o extrativismo e a criações de animais são responsáveis pelo aporte de recursos,

enquanto o item mais importante para o autoconsumo é a agricultura.

6 .4 A Dis t ribuiç ão da Re n da na Re s e rva Chic o Me nde s : Os

Três Estratos

Uma das informações mais importantes quanto à realidade do ponto de

vista econômico da reserva são os dados apresentados na Tabela 20, que mostra

a existência de uma acentuada diferenciação na geração de renda das diversas

unidades produtivas. Estas assimetrias possibilitam os equívocos que podem

ocorrer em análises que pressupõem as reservas como um espaço econômico

homogêneo. Contudo, a realidade é que a RESEX Chico Mendes possui uma

estrutura produtiva altamente diversificada e, em decorrência, uma estrutura

desigual de rendas e custos.

Para melhor evidenciar essas diferenciações, dividimos as unidades

produtivas em três estratos tendo como referência à renda líquida auferida,

transformada em salário mínimo (SM) da época62. Assim, o estrato 1 está

composto pelas unidades que apresentam renda líquida negativa; o estrato 2 é

formado pelas unidades que auferem uma renda líquida positiva, mas abaixo de 1

salário mínimo; enquanto que o estrato 3, apresenta uma renda líquida entre 1 e 2

SM. Convém ressaltar que, no conjunto, não existe nenhuma unidade que

apresente renda líquida acima de 2 SM. Dessa forma, a tabela 23, com os

respectivos estratos, mostra os principais indicadores de desempenho econômico

da reserva em estudo.

62 O salário mínimo da época,1996, era equivalente a R$ 120,00.

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157

Como se pode observar, o estrato 1, cujas unidades apresentam renda

líquida negativa63, é composto por cerca de 56% do total das unidades da reserva,

enquanto no estrato 2 existem cerca de 38%, e a minoria, em torno de 6%

apresenta renda líquida positiva entre 1 e 2 SM.

No estrato 1, apesar da Renda Bruta mediana alcançar R$ 978,80, o que

significa que do conjunto de Unidades produtivas desse estrato, 50% das

unidades ganham acima desse valor. No entanto, este estrato apresenta o custo

variável de R$ 1.223,86, mais que o dobro do custo fixo mediano de R$ 518,33 e

um nível de desembolso de R$ 1.513,15 o que é determinante para o estrato

apresentar uma renda líquida negativa mediana de R$ 547,61.

O estrato 2 cuja renda líquida, ao contrario do estrato 1, é positiva, ainda

assim apresenta o custo variável de R$ 878,04, mais que o dobro do custo fixo de

R$ 409,07. A renda bruta de R$ 1.751,80, no entanto, possibilita uma renda

líquida de R$ 608,83.

Já o estrato 3, composto de apenas 6%das UPFs, com uma renda líquida

de R$ 2.074, apresenta uma série de características, ausente nos outros estratos,

que apontam para um conjunto de possibilidades no sentido da consolidação e

viabilização da reserva. Neste estrato, o custo variável de R$ 855,56 é

ligeiramente superior ao custo fixo de R$ 627,57, o que implica que neste estrato

existe um equilíbrio entre o uso da mão - de -obra e os instrumentos de trabalho.

Tabela 23 - Indicadores de Desempenho Econômico da Reserva Chico Mendes – 1996/1997

Estratos

Qde UPFs

% RESEX

CF CV DE RB RL Estrato 1 39

57% 518,33

1.223,86

1.513,15

978,80

- 547,61

Estrato 2 25

37% 409,07

878,04

1.372,22

1.751,80

608,83

Estrato 3 4

6% 627,57

855,56

1.498,91

3.347,60

2.074,49

RESEX 68

100% 468,96

957,19

1.427,16

1.378,00

- 144,22

Obs.: 1. Estrato 1 – UPFs com RL negativa; Estrato 2 - UPFs com RL entre 0 e 1 SM; Estrato 3 - UPFs com RL entre 1 e 2 SM; CF - Custo Fixo; CV - Custo Variável; DE - Despesa Efetiva; RB - Renda Bruta; RL - Renda Líquida. 2. Valores medianos

Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia - UFAC

63 Esta situação de renda líquida negativa significa que os produtores, depois de deduzido de sua renda bruta a despesa efetiva, tiveram seu patrimônio reduzido. Por outro lado, significa também que esses produtores apresentam um nível elevado de autoconsumo.

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158

A tabela 24 mostra a formação da renda bruta, a média e mediana por

atividade produtiva no estrato 1. Pode-se verificar a importância do extrativismo,

que representa cerca de 49% da renda bruta total. A agricultura é a segunda

atividade em importância para esse estrato, participando com 27%, enquanto a

criação de animais representa 24% no cômputo geral da renda para esse estrato.

O que se pode afirmar, como característica geral, é a baixa diversificação

produtiva em termos de atividade econômica. Em decorrência, o extrativismo

ainda responde por mais da metade da renda bruta gerada e a borracha com 25%

ainda é o principal produto.

Em geral esse estrato, até por ter renda líquida negativa, apresenta custos

de produção bem mais altos que a média geral. Conforme ressaltado

anteriormente, a estrutura de custos é afetada pela intensidade do uso da força de

trabalho familiar que, neste caso, e dada a sua importância, define o perfil desse

estrato. A existência da renda líquida negativa nesse estrato impõe uma questão

sobre os elementos que contribuem para a manutenção dos seringueiros em suas

colocações. Dado que a produção para o autoconsumo nesse estrato, conforme

se verá adiante, é superior a media geral da reserva, é possível afirmar, então,

que é exatamente a existência desse componente que possibilita e contribui para

a fixação dos seringueiros em suas colocações.

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159

Tabela 24 - Composição da Renda Bruta por Produto do Estrato 1 - Reserva Chico Mendes – 1996/1997

Atividade RB Total

% Estrato 1

RB Média

RB Mediana

Extrativismo 23.633,81 49%

381,19 290,00

Castanha 11.451,97 23,84%

497,91 346,80

Borracha 12.159,34 25,32%

328,63 290,00

Outros 22,50 0,05%

11,25 11,25

Agricultura 19.492,80 27%

288,91 174,00

Feijão 4.824,60 10,05%

482,46 223,60

Arroz 4.377,60 9,11%

364,80 321,60

Arroz consorciado 3.552,00 7,40%

355,20 312,00

Arroz solteiro 825,60 1,72%

412,80 412,80

Mandioca 2.114,10 4,40%

192,19 174,00

Farinha consorciada

1.044,00 2,17%

348,00 435,00

Farinha solteira 1.070,10 2,23%

133,76 130,50

Outros 1.684,80 3,51%

140,40 113,60

Criações 11.392,08 24%

258,91 148,50

Bovinos 5.516,00 11,49%

612,89 434,00

Suínos 3.107,39 6,47%

258,95 194,25

Aves 2.768,69 5,76%

120,38 89,00

Total Estrato 1 48.026,99 100,00%

Obs.: RB - Renda Bruta

Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia – UFAC

O estrato 2, cujos dados são mostrados na tabela 25, apresenta a agricultura

como atividade principal, participando com 39% na formação da renda, sendo que

o extrativismo, apesar de não ser a principal atividade, não deixa de ter um papel

relevante participando com 37% da renda gerada. Na verdade, nesse estrato as

três atividades se mostram de forma equilibrada, sendo que já é possível perceber

uma incipiente diversificação da produção, que parece ser uma característica das

unidades cujas rendas líquidas são maiores.

.

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160

Tabela 25 - Composição da Renda Bruta por Produto do Estrato 2 - Reserva Chico Mendes – 1996/1997

Atividade RB total % Estrato 2 RB Média RB Mediana Extrativismo 20.262,94 37% 519,56 464,00 Castanha 11.941,48 22% 663,42 578,00 Borracha 7.996,46 15% 399,82 319,00 Outros 325,00 1% 325,00 325,00 Agricultura 21.378,30 39% 509,01 426,20 Arroz 7.637,76 14% 587,52 489,60 Arroz consorciado 6.065,76 11% 673,97 624,00 Arroz solteiro 1.572,00 3% 393,00 387,60 Mandioca 6.525,00 12% 725,00 870,00 Farinha solteira 5.046,00 9% 720,86 870,00 Farinha consorciada 1.479,00 3% 739,50 739,50 Feijão 4.636,69 9% 463,67 417,75 Outros 2.578,85 5% 257,89 57,40 Criações 12.804,76 24% 355,69 168,95 Bovinos 6.692,00 12% 1.115,33 857,50 Suínos 3.175,25 6% 288,66 174,40 Aves 2.525,35 5% 157,83 111,25 Outros 412,16 1% 137,39 128,80 Total Estrato 2 54.446,00 100% Obs.: RB - Renda Bruta Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia – UFAC

Os dados da tabela 26, referentes ao estrato 3, formado pelas unidades de

produção mais bem sucedidas, parecem confirmar uma relação direta positiva

entre a renda e a diversificação da produção. Por outro lado, mostra uma inversão

de importância das atividades no que se relaciona à participação na formação da

renda. As criações participam na formação da renda com expressivos 44%, a

agricultura com 36% e o extrativismo, basicamente borracha e castanha, com

26%. Esta estrutura, que implica um nível mais elevado de capitalização,

evidencia a importância do uso dos bens de capital, o que é ressaltado pelos

baixos custos variáveis e um maior custo fixo.

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161

Tabela 26 - Composição da Renda Bruta por Produto do Estrato 3 - Reserva Chico Mendes – 1996/1997

Atividade RB Total

% Estrato 3

RB Média

RB Mediana

Extrativismo 3.562,50 26%

593,75 637,00

Borracha 2.262,00 16,82%

565,50 522,00

Castanha 1.300,50 9,67%

650,25 650,25

Agricultura 4.810,66 36%

436,21 344,00

Melancia 1.400,00 10,41%

1.400,00 1.400,00

Arroz consorciado 994,56 7,39%

497,28 497,28

Milho 884,80 6,58%

294,93 273,60

Milho consorciado 611,20 4,54%

305,60 305,60

Milho solteiro 273,60 2,03%

273,60 273,60

Feijão 516,00 3,84%

258,00 258,00

Farinha de Mandioca 130,50 0,97%

130,50 130,50

Criações 5.960,80 44%

541,89 386,40

Boi 2.645,00 19,67%

1.322,50 1.322,50

Porco 1.800,00 13,38%

450,00 450,00

Aves 1.129,40 8,40%

282,35 222,50

Carneiro 386,40 2,87%

386,40 386,40

Total Estrato 3 13.449,16 100,00%

Obs.: RB - Renda Bruta

Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia – UFAC

A princípio, esses dados verificados em conjunto com a renda bruta e os

custos, conforme figura 11, confirmam uma característica das reservas: baixos

rendimentos associados a altos custos. Considerando-se que os CV expressam a

intensidade do uso da força de trabalho familiar e o CF mostra a intensidade do

uso de bens de capital 64, e a despesa efetiva (DE) a composição dos custos,

podemos inferir que, apesar do uso intensivo de mão-de-obra familiar ser uma

característica geral do sistema, há uma diferenciação no interior da reserva em

termos de intensidade de uso do fator trabalho e de bens de capital. São esses os

principais fatores de diferenciação dos diversos níveis de renda. Assim, os

estratos 1 e 2 apresentam um uso mais intensivo de mão de obra em detrimento

64 Considera-se bens de capital os instrumentos de trabalho tais como terçados, enxadas, boca de lobo, tigela de seringa, balde, forno, plantadeira manual, tacho, catitu, motor estacionário, além de animais de trabalho, construções com paiol, cercas, galinheiro, maquinas e equipamentos e ferramentas.

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162

do uso de bens de capital, enquanto que o estrato 3, ao contrário, apresenta maior

uso de capital constante e menos mão de obra.

As assimetrias no interior da reserva podem ser melhor compreendidas

quando se analisam os custos no interior dos estratos. Na figura 11, os dados

ressaltam que os custos de produção são muitos altos, tanto para a reserva como

um todo, quanto para os estratos, notadamente o estrato 1, onde os custos são

particularmente altos. Esta situação, em grande medida, é reflexo da estrutura dos

antigos seringais, em que a produção estava baseada em métodos produtivos

extremamente simples com pouca ou nenhuma tecnologia. Em decorrência, as

reservas herdaram esta estrutura fortemente marcada pela ausência de progresso

técnico, o que é compensado pela intensidade do uso da força de trabalho familiar

e um expressivo autoconsumo. Outro dado que parece confirmar estas inferências

é o valor do custo variável que representa cerca de dois terços do custo total.

Por outro lado, o custo fixo que mostra a intensidade do uso de bens de

capital se apresenta bem inferior aos outros custos, indicando que na reserva, não

apenas prevalece o uso da força de trabalho familiar, como existe um amplo

espaço para a inserção de capital constante e inovações tecnológicas de forma a

alterar a estrutura de custos e melhorar os índices de rentabilidade.

A figura 11 mostra a participação dos custos variáveis e fixos na formação

dos custos totais, principalmente, em seu movimento de inversão, em que os

custos fixos são crescentes à medida que a renda bruta aumenta como é o caso

do estrato 3.

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163

Após essas considerações, uma conclusão é que a falta ou o pouco uso de

tecnologia é responsável em grande medida por uma elevada estrutura de custos.

As Reservas Extrativistas não conseguiram ainda modernizar o processo de

trabalho, notadamente o extrativismo da borracha, o que resulta em elevada

participação da estrutura de custos, o que, por sua vez contribui decisivamente

para uma renda líquida negativa para o conjunto da reserva. A tecnologia e a força

de trabalho familiar combinado constituem os fatores fundamentais e

determinantes de uma forte diversificação de renda no interior da reserva. No

estrato 3 que contém as unidades produtivas bem sucedidas, apesar de o custo

variável continuar superior ao custo fixo, confirmando a intensidade do uso da

força de trabalho familiar – de resto uma característica geral da reserva -, a

diferença entre os dois custos é, contudo, pequena o que demonstra a importância

da intensidade do uso de capital constante. Em resumo, à medida que a renda

líquida cresce, os custos variáveis são menores vis a vis os custos fixos na

composição da estrutura de custos totais.

66%

60%

55%

63%45%

40%

34%37%

48%

50%

52%

54%

56%

58%

60%

62%

64%

66%

68%

RESEX Estrato 1 Estrato 2 Estrato 3

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

45%

50%

CV

CF

Figura 11 - Composição do Custo Total de Produção entre Custos Fixos (CF) e Variáveis (CV) - RESEX Chico

Mendes -

1996/1997.

Fonte: Projeto ASPF/Depto Economia

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164

A figura 12, resume o comportamento dos indicadores de desempenho

econômico da reserva. Vê-se que a renda líquida é negativa para o conjunto da

reserva e mais acentuada no estrato 1. A renda bruta é expressivamente mais

elevada no estrato 3, enquanto que a despesa efetiva parece mais homogênea,

sendo que os custos variáveis são maiores do que os custos fixos de uma maneira

geral.

A tabela 27 mostra outros dados da renda bruta auferida. No estrato 1, a

renda bruta mediana de 978,80 reais, mostra que metade dos 57% (o conjunto de

UPFs do estrato 1) ganha acima desse valor, enquanto no segundo estrato, a

renda de corte (mediana) é de 1.751,80 e, por fim, no terceiro estrato a renda

bruta mediana atinge o valor de 3.347,60. O que chama a atenção de imediato, é

que a renda bruta é expressiva comparada aos dados de 1991. Na reserva, a

renda bruta máxima é de 5.683,70 e se encontra no estrato 2, sendo que no

estrato 1 a renda máxima é de 5.249,25 e no estrato 3, a menor das máximas, de

3.998,50. Em compensação, a das RB mínima, no valor de 2.755,46 se encontra

exatamente no estrato 3, mostrando que esse estrato tem uma pequena diferença

entre as rendas máximas e mínimas. Mais significativa, contudo, é a RB mediana

Figura 12 - Indicadores de desempenho econômico da RESEX Chico Mendes -

1996/1997

Fonte: Projeto ASPF/Depto Economia - UFAC

(1.440,00) 0,00 1.440,00 2.880,00 4.320,00

CF

CV

DE

RB

RL

Ind

icad

ore

s

Valores anuais (R$)

RESEX

Classe 3

Classe 2

Classe 1

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165

que no estrato 3, em torno de 3.347,60, mostra que 50% das unidades deste

estrato auferem renda superior a este valor.

Tabela 27 - Composição da Renda Bruta por Estrato com Base na Renda Líquida - Reserva Chico Mendes – 1996/1997

Estrato

Renda Bruta - RB (R$)

RB total % RESEX

RB Máxima

RB Mínima

RB Média

RB Mediana

Estrato 1 48.026,99 41%

5.249,25 22,04 1.231,46 978,80 Estrato 2 54.542,00 47%

5.683,70 568,33 2.181,68 1.751,80 Estrato 3 13.449,16 12%

3.998,50 2.755,46 3.362,29 3.347,60

RESEX 116.018,15

100%

5.683,70

22,04

1.706,15

1.378,00

Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia - UFAC

Uma outra forma de se ter um quadro mais realístico é comparar a renda

bruta da reserva e dos estratos com os dados do IBGE, constantes da tabela 28,

que assinalam uma renda média para a região acreana de R$ 2.862. Na reserva,

a renda média é de R$ 1.706,15, bem inferior, portanto, à renda média assinalada.

Por outro lado, a renda bruta média de 3.362,29 do estrato 3, pode ser vista como

uma perspectiva positiva para o conjunto da reserva.

Por outro lado, sabe-se que o estrato 1 afeta em muito a média da reserva.

Quando estes valores são analisados a partir dos três estratos, vê-se que mais da

metade do conjunto das unidades produtivas que formam a reserva (estratos 2 e

3), cerca de 59%, apresentam uma renda bruta média considerável vis-a-vis a

média do Vale do Acre, espaço onde se situa a reserva Chico Mendes. Esta

informação aponta favoravelmente para o êxito da reserva e também para a

necessidade de formação de política pública voltada para a elevação da renda

principalmente para os produtores que pertencem ao estrato 1, de forma que a

distribuição de renda da forma heterogênea tal qual ocorre atualmente seja

atenuada conformando um quadro menos assimétrico levando ao objetivo maior

que consiste na superação da contradição entre o crescimento econômico –

expresso numa renda mais elevada -, e a conservação ambiental.

Em realidade, a renda bruta média de mais da metade da reserva, girando

em torno da média da realidade rural acreana, pode ser vista como um dado

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166

positivo, principalmente levando-se em conta que estas rendas são auferidas em

condições de conservação do ecossistema florestal.

Tabela 28 - Renda Média por Estabelecimento e por Categorias Familiar - Acre – 1995/1996

Tipo de Renda Total (R$) Monetária (R$) Não monetária (R$)

Estado do Acre 2.862,00 1.624,00 1.239,00

Familiar 2.451,00 1.339,00 1.112,00

Maiores rendas 15.663,00 9.952,00 5.712,00

Renda média 3.837,00 2.135,00 1.703,00

Renda baixa 1.773,00 919,00 854,00

Quase renda 522,00 144,00 378,00

Patronal 9.435,00 6.209,00 3.227,00

Vale do Acre 2.082,00 751,00 1.331,00

Familiar 2.111,00 828,00 1.283,00

Maiores rendas 11.783,00 4.247,00 7.535,00

Renda média 3.628,00 1.563,00 2.065,00

Renda baixa 1.754,00 701,00 1.053,00

Quase renda 744,00 298,00 446,00

Patronal 2.954,00 509,00 2.445,00 Fonte: Censo Agropecuário (1995/96), IBGE apud Pesquisa UNICAMP/BID/Cirad (2001)

Na figura 13 temos, então, um quadro visual da estrutura de renda, que

mostra a renda máxima com pequena diferença de valores para a reserva e os

estratos, enquanto a renda média é um pouco maior no estrato 3. Em geral, as

diferenciações no âmbito da reserva ficam acentuadas através da renda mínima e

média.

-

1.440,00

2.880,00

4.320,00

5.760,00

Val

ores

anu

ais

(R$)

Estrato 1 Estrato 2 Estrato 3 RESEX

RB Máxima

RB Mínima

RB Média

Figura 13 - Renda Bruta (RB): Máxima, Mínima e Média - RESEX Chico Mendes -

1996/1997

Fonte: Projeto ASPF/Depto. Economia - UFAC

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167

Após estas considerações, resta ainda analisar os indicadores MBF,

MBF/RB, autoconsumo e o nível de vida em cada estrato. Conforme tabela 29, no

estrato 1, considerando todas as medidas referidas expressas por sua mediana, o

valor monetário efetivamente apropriado pela unidade produtiva - A MBF - é de R$

750,66, cujo montante pode ser considerado inexpressivo, o que é compensado

por um elevado nível de autoconsumo, em torno de R$ 1.952,24. Esses valores

confirmam análises anteriores em que se percebe esse estrato como o que

apresenta o conjunto de produtores em piores condições. O nível de vida (NV),

como a totalidade do valor apropriado efetivamente pelos produtores, inclusive o

autoconsumo medido em valores monetários no montante de R$ 2.662,36,

ressalta que este estrato, mesmo sendo o que apresenta os piores indicadores,

ainda assim, vivem em condições dignas – apesar da falta de energia,

saneamento básico, escola e outros fatores que, apesar de deficientes, são

encontrados na periferia de Rio Branco.

O estrato 2 apresenta bons indicadores. A MBF de R$ 1.594,63 e o

autoconsumo de R$ 2.853,82 confirmam uma situação de um bom padrão de vida,

principalmente se considerado em termos das condições do meio rural acreano, o

que é confirmado pelo NV mediano que atinge o valor de R$ 4.806,84.

Por fim, os dados do estrato 3 apontam para a perspectiva de uma situação

de plena viabilidade da RESEX. A MBF de R$ 3.094,83, é superior ao

autoconsumo de R$ 2.508,91, o que assinala que este conjunto de Unidades

produtivas familiares estabelece relações mais amplas com o mercado. O Nível de

vida (NV) de R$ 5.716,83 confirma a situação de bons indicadores deste estrato

assinalando para um bom padrão de vida para os produtores deste estrato bem

superior á média do meio rural acreano.

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168

Tabela 29 – Margem Bruta Familiar, Autoconsumo e Nível de Vida em termos monetários da RESEX Chico Mendes – Acre- 1996/1997

Estratos MBF Mediana

MBF Máxima

MBF Mínima

AC Mediano AC Máximo

AC Mínimo

NV Mediano

NV Máximo

NV Mínimo

1 750,66 4.445,85

(202,06) 1.952,24

5.983,93

754,78

2.662,36

10.265,58

933,41

2 1.594,63

4.886,68

533,07

2.853,82

5.182,61

1.003,73

4.808,84

9.405,51

2.128,94

3 3.094,83

3.775,23

2.658,45

2.508,91

2.824,19

2.066,49

5.716,83

5.893,62

5.005,19

RESEX 1.252,16

4.886,68

-202,06

2.341,15

5.983,93

754,78

3.505,00

10.265,58

933,41

Obs.: MBF - Margem Bruta Familiar; AC - Autoconsumo; NV - Nível de Vida em termos monetários

Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia - UFAC

6 .5 Anális e do Im pac t o do Subs ídio nos Re ndim e nt os das

Famílias

Ainda persiste, no meio de parcela considerável da sociedade acreana, a

visão de que o extrativismo é uma atividade atrasada, cujo desempenho

econômico é inferior às demais atividades produtivas do meio rural acreano. Esta

visão, ainda que marcada pela ausência de rigor analítico, é corroborada por

diversos autores amazônidas. Nos dois casos, a conclusão inevitável é pela

inviabilidade desta atividade econômica.

Contudo, a emergência da questão ambiental, ao privilegiar a conservação

do ecossistema florestal, delineou um novo cenário e, principalmente, propiciou o

aparecimento de novas abordagens para estes velhos problemas. Assim, não é

despropositado o entendimento de que os seringueiros prestam serviços

relevantes à conservação ambiental, ainda que o mercado desconheça a

importância das suas ações. Esta nova visão, que aponta para a possibilidade de

perceber na atividade extrativista a prestação de serviços ambientais, reduz

sobremaneira as forças políticas que se opõem aos incentivos dedicados a esta

atividade econômica.

Em decorrência, o subsídio, incentivo que, de uma maneira geral, é visto

como privilégio concedido a pequenos grupos econômicos e, portanto, encarado

de uma maneira crítica pelo conjunto da sociedade, a partir desta nova

perspectiva estabelecida pela importância da preservação da floresta, passou a

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169

ser compreendido por um novo ângulo e mesmo justificado, dada à relevância

social em questão.

Ao propor o subsídio ao preço da borracha como proposta de incentivo ao

incremento da produção, através da lei Chico Mendes, o governo estadual se

deparou com um conjunto reduzido de oposição a esta proposta. Afora estas

posições, de resto marcadas pelas questões locais, o subsídio como estratégia

política no âmbito da conservação ambiental enseja novas questões. Uma delas

diz respeito ao impacto e importância deste tipo de política no sentido de

viabilização do extrativismo da borracha. Neste tópico, empreende-se uma

avaliação, de cunho restritivo, posto que circunscrita ao aumento do preço da

borracha, do impacto e mudanças decorrentes da implementação do subsídio.

A operacionalização é bastante simples: as associações de produtores são

responsáveis pelo gerenciamento e repasse do subsídio. Dessa forma, o

seringueiro vende sua produção à associação que, por sua vez, acrescenta ao

preço médio unitário de mercado, o valor de R$ 0,40 por quilo.

A figura 14 mostra o impacto do subsídio na renda bruta e na renda líquida

do conjunto de produtores da reserva Chico Mendes65. Apesar da projeção

mostrar apenas os impactos decorrentes do aumento de R$0,40 no preço do quilo

da borracha, supõe-se a ocorrência de outras mudanças decorrentes deste

evento. Neste sentido, além de restrita a análise é conservadora por não

considerar os efeitos amplos que certamente ocorrem na esteira deste incentivo.

Assim, nesta mesma figura vê-se que a renda bruta mediana, que antes do

subsídio era de R$1.378,00, com o incentivo atinge a quantia de R$1.707,50. O

impacto na renda líquida, todavia, é muito mais visível na medida em que passa

de uma situação deficitária de R$ -114,17 para um valor positivo de R$146,30.

65 Para se calcular os impactos do subsídio de R$ 0,40 por quilo na renda bruta e liquida do produtor, acrescentou-se este valor – 0,40 -, ao preço médio vigente na ocasião que era de R$0,58.

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170

Estes resultados, quando vistos a partir dos estratos, conforme tabela 30,

assumem contornos muito mais precisos. O primeiro estrato, que era composto de

57% dos produtores, diminui para 41%, significando que, com a elevação da renda

líquida, alguns produtores passaram do estrato 1 para o estrato imediatamente

superior. Apesar de o primeiro estrato apresentar uma renda líquida mediana

negativa, cerca de R$ -494,00, o conjunto de produtores com renda líquida

positiva aumentou de 41% para 59%, considerando a soma dos percentuais dos

estratos 2 e 3.

Figura 14 – Comparação do impacto do subsídio estadual na Renda Bruta e Líquida da RESEX Chico Mendes –

1996/1997

Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia -

UFAC

1.707,50

-144,22

168,56

1.378,00

-250

0

250

500

750

1.000

1.250

1.500

1.750

2.000

RB s/ subsídio

RB c/ subsídio

RL s/ subsídio

RL c/ subsídio

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171

Tabela 30 – Comparação dos resultados econômicos do subsídio estadual na Renda Bruta e Líquida da RESEX Chico Mendes – Acre-1996/1997

Estratos Resultados Sem Subsídio Resultados Com Subsídio

Qde UPF

% RESEX

RB RL Qde UPF

% RESEX

RB RL

1 39 57% 978,80 -547,61 28

41% 824,01 -494,00

2 25 37% 1.751,80 608,83 34

50% 1.850,16 507,87

3 4 6% 3.347,60 2.074,49 6

9% 3.683,60 2.184,70

RESEX 68 100% 1.378,00 -144,22 68

100% 1.707,50 168,56

Obs.: 1. Estrato 1 - UPFs com RL negativa; Estrato 2 - UPFs com RL entre 0 e 1 SM; Estrato 3 - UPFs com RL entre 1 e 2 SM. 2. RB - Renda Bruta; RL - Renda Líquida; UPF - Unidade de Produção Familiar

Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia - UFAC

Os dados da tabela 31, que mostra os resultados econômicos do subsídio na

margem bruta familiar (MBF), o MBF/RB e o nível de vida (NV), em cada estrato,

não diferem, em geral, dos resultados assinalados anteriormente. A exceção

ocorre no estrato 1, que assinala uma mudança na MBF, que decresce de R$

750,66 para R$ 520,86. A hipótese para este evento é que, como a produção

neste estrato é marcada pelos custos de produção – mais especificamente os

custos da força de trabalho familiar -, a projeção do aumento do preço da borracha

implica em elevação no mesmo percentual em todos os outros indicadores,

inclusive a força de trabalho familiar.

No estrato 2, a MBF passa de R$ 1.659,93 para R$ 1.671,54. O MBF/RL,

antes 0,90 cai para 0,89, enquanto que o nível de vida (NV) passa de 4.808,84

para 4.251,33. Já no estrato 3, a MBF passa de 3.069,63 para 3.441,56; a relação

de apropriação monetária de 0,93 para 0,94 e, por fim, o NV passa de 5.716,83

para 6.099,11.

Todos estes indicadores também evoluem positivamente para o conjunto da

RESEX. Assim, a MBF de 1.252,16 passa para 1.509,36; a relação MBF/RL de

0,85 para 0,87 e o NV de 3.505,00 para 3.777,80.

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Tabela 31 - Comparação dos resultados econômicos do subsídio estadual na Margem Bruta, MBF/RB e Nível de Vida em termos monetários da RESEX Chico

Mendes – Acre-1996/1997

Estratos Resultados sem Subsídio Resultados com Subsídio

MBF MBF/RB NV MBF MBF/RB NV 1 750,66

0,81

2.662,36

520,86

0,84

2.543,58

2 1.659,93

0,90

4.808,84

1.671,54

0,89

4.251,33

3 3.069,63

0,93

5.716,83

3.441,56

0,94

6.099,11

RESEX 1.252,16

0,85

3.505,00

1.509,36

0,87

3.777,80

Obs.: 1. Estrato 1 - UPFs com RL negativa; Estrato 2 - UPFs com RL entre 0 e 1 SM; Estrato 3 - UPFs com RL entre 1 e 2 SM. 2. MBF - Margem Bruta Familiar; RB - Renda Bruta; NV - Nível de Vida.

Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia - UFAC

Em suma, o impacto do subsídio, visto de uma forma geral, implica uma

melhoria dos índices da reserva. Apesar do impacto positivo, os dados apontam

também para a necessidade de modificar alguns itens dos custos de produção, no

caso os custos da exploração do produto borracha. Ao se perceber a existência

deste espaço de ampliação da eficiência econômica através da diminuição dos

custos e também da elevação da margem de lucro, de certa forma enfatiza-se a

perspectiva positiva que representará a implantação de inovações tecnológicas,

principalmente as Ilhas de Alta Produtividade.

De uma forma ampla, após esta análise a respeito dos componentes e da

estrutura econômica da reserva, pode-se afirmar, então, que as reservas

apresentam uma diversidade ampla de níveis de renda cuja base reside, de forma

considerável, na composição dos custos de produção. Em decorrência, na

perspectiva conceitual do desenvolvimento sustentável, parte considerável da

reserva, notadamente os componentes do estrato 1 que, em conjunto, perfazem

quase a metade das unidades produtivas, ainda se encontra em pleno processo

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173

de viabilização. Este conjunto de produtores, apesar de não degradar o meio

ambiente, apresenta indicadores sociais e econômicos em um nível que os torna

vulneráveis à lógica das forças de mercado. Dito de outra maneira, são suscetíveis

aos retornos econômicos que apresentam a pecuária e a extração da madeira66.

Estas duas atividades produtivas, pelos níveis de retorno econômico que

apresentam frente à sub-avaliação dos bens e serviços ambientais, podem se

constituir trajetórias inadequadas, do ponto de vista dos princípios da

sustentabilidade.

No outro grupo, estratos 1 e 2, pode-se afirmar que o extrativismo da

borracha e da castanha, gradativamente cedeu espaço à agricultura e à pequena

pecuária na composição de suas rendas o que expressa uma trajetória, ainda que

incipiente, em direção à diversificação da produção. O importante, neste

movimento de melhora do nível de renda, é que ocorreu sem implicar em maiores

taxas de desmatamento. Neste segmento a tecnologia desempenha um papel

crucial por implicar uma considerável redução dos custos de produção. De forma

resumida, os dados parecem ressaltar a importância de dois elementos: o primeiro

é que os custos de produção, que são expressivos em toda a reserva, são bem

mais altos no caso do estrato 1 do que no restante das unidades; e o segundo

fator é a importância da produção destinada ao autoconsumo. Parcela substancial

das unidades produtivas, principalmente as unidades do estrato 1, consomem

grande parte do que produzem – parcela substancial não vai para o mercado, é

consumida na própria unidade -, de forma que a economia da reserva apresenta

uma baixa monetarização, associada a uma economia ainda incipiente em termos

de presença no mercado.

A não percepção desta diversidade permite uma série de afirmações e

inferências a respeito da reserva que não condizem com a realidade ou, em última

instância, são condizentes com realidades parciais. A reserva, como já referido

anteriormente, apresenta uma formação de renda bastante diferenciada. Em

decorrência, apresenta segmentos com bom nível de renda e outros com padrões

66 A extração de madeira no âmbito da reserva é proibida, porém existem casos de contrabando e venda de forma isolada.

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174

de vida próximos da pobreza absoluta. Desta maneira, a discussão quanto à

viabilidade da reserva deve superar a discussão mercadológica, no sentido restrito

de elevação da renda, para perceber a proposta das reservas como uma obra em

construção.

Na verdade, isto não implica negar o relevante papel que o nível de renda

desempenha na consolidação desta proposta. Ao contrário, relevar este aspecto

constitui sério erro estratégico na formulação das políticas públicas referentes às

reservas tornando-se necessário enfatizar que a situação analisada apresenta um

amplo espaço à formulação das mesmas.

Na prática, o reconhecimento da existência desse espaço aludido se traduz

em experiências pontuais tal como a implantação do subsídio estadual - lei Chico

Mendes – cujos expressivos resultados apontam na direção da importância do

extrativismo da borracha como atividade fundamental articuladora da existência

das reservas. Uma projeção conservadora sobre o impacto do subsídio, mostra

que a viabilização da borracha implica mudanças no interior da reserva: o retorno

do seringueiro à atividade extrativista, o incentivo à fixação do mesmo em sua

colocação, a elevação da renda e, por fim, a elevação da produção nas atividades

de produção de alimentos e criação de animais, reforça a importância de políticas

que, mesmo de caráter pontual, conseguem dinamizar os elementos constitutivos

da reserva como proposta ambientalmente correta.

Nesta mesma linha de raciocínio, a implantação das “ilhas de alta

produtividade”, visando à introdução de tecnologias de forma a elevar a renda das

unidades produtivas sem degradar o meio ambiente, constitui uma das formas

possíveis de viabilizar a proposta RESEX.

Este projeto, já em fase avançada de estudos e experiência, é capaz de

mudar substancialmente a vida dos extrativistas, não apenas pela perspectiva de

elevação da renda, mas sobretudo pelo resultado amplo que a introdução destas

novas técnicas é capaz de trazer para a modificação do processo de trabalho da

atividade extrativista da borracha.

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175

CAPÍTULO 7: TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS

7.1 Introdução

Este capítulo tem o objetivo de conformar o quadro das questões mais

amplas que envolvem as RESEX, na perspectiva das possibilidades e

envolvimentos que estes elementos possuem na trajetória de consolidação da

proposta analisada. Trata-se da exposição de um processo em pleno andamento,

portanto difícil de se estabelecer indicações de caráter conclusivo.

Não é o caso de discutir o papel desses eventos na viabilização da RESEX,

em que pese que tais eventos podem certamente influir nos seus destinos. Parece

mais adequado assinalar a importância dos mesmos em termos de possibilidades

no fortalecimento da proposta. Sendo assim, a análise baseia-se, em grande

medida, na composição em termos de forças políticas e viabilidade das propostas

em discussão.

É claro que algumas dessas propostas repercutem mais ou menos

intensamente na composição da renda dos extrativistas, enquanto outras podem

ter seu papel mais restrito a arena política. No primeiro caso é emblemático o

papel das IAPs (Ilhas de Alta Produtividade), cuja base, ao ser definida como uma

inovação tecnológica, incide direta e indiretamente na elevação da renda, além de

outros benefícios que concorrem para a melhoria de vida das populações

extrativistas. Já o caso do manejo sustentado, em que pese a elevação da renda

decorrente da implantação da produção de madeira em condições sustentáveis, é

a mais polêmica das propostas, sendo que o discenso decorrente deste tom

resulta em um embate cujo resultado, em termos de implementação, envolve um

horizonte de tempo mais amplo. Por fim, a proposta dos sistemas agroflorestais,

dado o seu caráter embrionário no âmbito das reservas, parece exigir cautela e

estudos visando a sua implementação.

Já no segundo caso, o “protocolo de Kyoto” e o pagamento dos “serviços

ambientais”, parecem mais circunscritos à arena política, isto em decorrência do

caráter inovador e da falta de consenso por parte dos diversos agentes envolvidos

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176

na questão ambiental. De todo modo, não se pode ignorar este espaço legítimo de

oportunidades de fortalecimento das reservas.

7.2 O Manejo Florestal

Por ocasião do seminário sobre “As potencialidades do extrativismo”

realizado em Rio Branco, no início de julho de 2001, em seus pronunciamentos o

Governador do Estado do Acre, Jorge Viana e a senadora Marina Silva chamaram

a atenção para o problema da baixa renda dos seringueiros decorrente do

extrativismo e que era chegada a hora de se tentar novas experiências entre elas

a de se introduzir o manejo florestal comunitário nas RESEX .

Esse evento, a partir desses pronunciamentos parece apontar para uma

nova postura do governo estadual quanto à atividade extrativa da madeira. O

governo que até então, apesar de incentivar algumas experiências de manejo

florestal, como o projeto desenvolvido pela FUNTAC no Antimary e a experiência

no PAE Porto Dias, assumia posição contraria as atividades madeireiras,

encarando-as como predatórias e fora de uma proposta de desenvolvimento

sustentável.

Esta questão da extração de madeiras era vista no CNS com muita cautela

e reservas. É o que se pode depreender da entrevista concedida pelo presidente

na qual afirma o seguinte: “este assunto ainda é muito polêmico. Agora, eu

particularmente - não é a opinião do Conselho -, sou favorável desde que seja

com planejamento da extração de madeiras, porque é uma riqueza que se tem na

floresta. Não dá para tirar de forma desordenada, mas se fizer levantamento

florestal, com planejamento da retirada, com tração animal, aí sim ela é uma fonte

de renda também. Agora, se não fizer de forma ordenada, vão tirar de qualquer

forma”. O secretário do Conselho, José Maria Aquino, também concorda com os

argumentos, contudo chama atenção para um aspecto fundamental. Assinala que

o CNS como representante de uma classe que são os seringueiros tem a

obrigação de lutar pela manutenção da floresta em pé, porque é dela que o

seringueiro sobrevive. Segundo suas palavras, “para nós o importante é o homem,

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177

a floresta em pé é para a sobrevivência do homem que vive da natureza. No caso

da madeira, se sua retirada causar impacto ambiental, se for explorada como foi

até hoje de forma predatória, então somos contra e vamos ser sempre. Agora, se

for tirada de forma que não prejudique o meio ambiente, que não acabe com a

floresta e que o seringueiro tenha lucro com isto, então nós vamos defender

porque melhora a vida deles”.

O que fica claro, na opinião das lideranças, é que não existe ainda uma

posição do Conselho enquanto representantes do conjunto dos seringueiros. Até

porque esta discussão ainda não foi fomentada nos diversos núcleos de discussão

que fazem parte da organização do conselho e das reservas. Outra dedução, dado

o tom polêmico da questão, é que não haverá consenso, pelo menos no curto

prazo, em torno do tema. É o que se pode perceber do depoimento do Sr.

Raimundo Ferreira de Andrade, liderança da área do Antimary:

“eu sou contra e lá no Antimary todos são contra. Por incrível que pareça só teve dois que aceitou a proposta dele67. Aí eu falei p’ra ele que poderia até aceitar depois que eu visse o projeto do Porto Dias. Mas, pelas informações que eu tenho, que lá é um destruço. Inclusive o rapaz teve aqui conversando com nois e disse que tá se retirando de lá com raiva porque é uma bagunça, um estrago, é uma coisa horrível. Tem invasão de colono, tem até invasão de fazendeiro. Lá no Limoeiro o estrago está lá p’ra quem quiser ver. Depois que eles marcam o seringueiro não pode fazer mais roçar estrada, não pode tirar seringa, cortar um pau ...não pode fazer nada. Alí só com trinta anos , depois de retirar a madeira que tá em possibilidade de ser tirada é que vai ter produção de novo naquela área alí. Então na área de reserva extrativista que é p’ra preservar. Já nois somos enfezados com uma invasão que tem lá pro lado de Sena Madureira na mesma reserva, então porque não fazem essa retirada, essa pesquisa deles em área de colônia? Por que em área que tem seringa nois não vamos aceitar”.

O manejo florestal sustentado é definido por Viana (1991, p. 2) “como o

aproveitamento econômico e a conservação dos recursos das florestas naturais

visando a perpetuação da cobertura florestal, a conservação da biodiversidade e o

desenvolvimento Sócio-econômico”. Em linhas gerais, para o manejo da retirada

de madeiras, primeiro faz-se um levantamento botânico que corresponde a um

inventário florestal para identificar as espécies que existem naquele local. Uma

vez feito o inventário, faz-se a seleção das espécies definindo as que serão

67 O Sr. Raimundo se refere ao Eng. florestal Estênio Melo da ONG “Andiroba”, que levou a proposta de manejo florestal para a comunidade do Antimary. Após as discussões e a negativa da

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retiradas. Depois se parte para o planejamento das estradas, treinamento da

comunidade para derrubar as árvores de forma que ela ao cair cause baixo

impacto ambiental. E por fim, elabora-se o plano de manejo a ser apresentado ao

IBAMA que cuidará da fiscalização.

A retirada da madeira envolve pelo menos cinco fatores: a intensidade da

extração, que corresponde ao volume em metros cúbicos por hectare a ser

retirado; o ciclo de extração, que é o intervalo de tempo entre uma e outra

extração; a forma de extração, mecanizada ou a tração animal; o período de

extração, que é o tempo a ser considerado, e o mercado (Viana, 1991, p. 3). O

ordenamento desses fatores, em termos de definição de magnitude de valores,

corresponde ao plano de manejo.

Para Viana (1991), o manejo da floresta é justificável pela existência de

tecnologias apropriadas. Faz, no entanto, ressalvas no sentido de que o manejo

na América Latina deve ter um caráter experimental, em virtude da possibilidade

de incorporação de novas informações.

Ao propor o manejo nas RESEX como forma de melhorar os sistemas de

produção e a renda dos extrativistas, ressalta a importância das informações

básicas que podem ser adquiridas através de programas de pesquisas e a

participação e treinamento das comunidades envolvidas. No entanto, ressalta que

é necessário rever a abordagem tecnicista, argumentando que é necessária uma

profunda mudança, tanto das atitudes dos técnicos quanto das Universidades que

os formam.

Estas idéias de Viana estão sendo colocadas em prática em um projeto de

manejo florestal no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Chico

Mendes, em Xapuri, que recentemente conseguiu o selo verde. Trata-se do

primeiro projeto de manejo florestal comunitário do Brasil a conseguir a

certificação pelo FSC (Conselho de Manejo Florestal, na sigla em inglês) (Angelo,

2002). O argumento de Viana na defesa deste projeto que, afinal, desenvolve uma

atividade que os seringueiros ao longo do tempo combateram com vigor, que é a

comunidade foi feito um convite ao Sr. Raimundo para visitar uma experiência de manejo em fase de execução no PAE Porto Dias, na tentativa de faze-lo mudar de idéia.

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extração de madeira, é que os seringueiros, como toda comunidade de pequenos

produtores da Amazônia, desmatam para plantar roças que depois são

transformadas em pasto, principalmente em função da atratividade econômica da

Pecuária. O manejo inverte esta lógica de valorização, em que o mercado, ao não

expressar os valores de bens e serviços ambientais, permite que as atividades

tradicionais de uso dos produtos florestais obtenham retornos econômicos

inferiores à atividade pecuária.

Ao analisar a experiência de manejo no PAE Chico Mendes, afirma que a

receita do total da produção, que é formada basicamente de castanha, borracha,

madeira e de outros produtos, é bem inferior à receita obtida com a produção de

madeira de forma manejada. Por fim, acredita que a certificação resultará em

elevação da receita (Viana, 2002).

Segundo ainda Viana, “o resultado dessa experiência é expressivo: dos

nove seringueiros que iniciaram a produção de madeira, cinco já deixaram de

desmatar florestas para implantar roças e pastagens no primeiro ano de colheita

florestal. Os seringueiros são extremamente inteligentes (sic): ao serem

apresentados a uma alternativa concreta para evitar o desmatamento, tomaram o

caminho óbvio. Esse exemplo pode ser referência para milhares de outras

comunidades na Amazônia” (Viana, 2002).

Contra o perigo que representa a possibilidade de se auferir receita em uma

atividade que, fora do processo de produção manejada, é predatória do meio

ambiente, argumenta que esta é a melhor forma de se manter a floresta em pé. A

floresta não pode mais ser vista como algo intocável, nem como um grande

almoxarifado capaz de atender continuamente às demandas. É necessário regular

a intensidade, a freqüência e a forma de colheita. É esta idéia que constitui o

núcleo do conceito de “jardinagem florestal, que significa cuidar da floresta

utilizando o saber tradicional aliado aos conhecimentos da ciência e tecnologia

convencionais (Viana, 2002)”.

A partir de seus dados é possível estabelecer uma previsão de renda,

tabela 32, simulando um cenário cujos dados são os seguintes: considera-se uma

colocação média de 300 ha, supõe se a possibilidade de manejo em uma área de

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1 ha que corresponde ao que é permitido pelo IBAMA a ser explorado de mata

bruta por ano por colocação, supõe-se também um baixo ciclo de extração, no

caso 20 metros cúbico ou o equivalente a 4-5 árvores, a um preço estimado de R$

800,00 reais o m3, que é o preço médio conseguido com a madeira certificada.

Nesta simulação a renda bruta anual alcançaria o valor de 16.000 reais.

Tabela 32 - Simulação de Renda Anual Proveniente do Manejo Florestal (R$)

Tamanho médio da colocação (ha) 300

Área a ser explorada (ha) 1

Produção estimada (m3) 20

Preço médio do m3 (em R$) 800

Renda total (ha) (em R$) 16.000

Os dados gerais foram extraídos de Viana, (1991) e

o preço médio do m conforme dados do IBAMA

No caso da estimativa de renda para a RESEX Chico Mendes não se pode

relevar os custos de produção, que são muitos altos, como foi mostrado no

capítulo anterior. Estes custos, em virtude do caráter incipiente das experiências

envolvendo o manejo, ainda não foram devidamente apurados. Dessa forma, a

projeção deve ser encarada com muita cautela, sem contudo descartar a análise

desse tipo de discussão em torno da importância que esta atividade pode vir a

desenvolver junto às populações rurais do Acre. Segundo informações prestadas

pelos moradores do projeto Porto Dias, local onde foi desenvolvida uma

experiência deste tipo, os custos podem vir a ser reduzidos se houver negociação

prévia com os madeireiros compradores. Na experiência realizada naquele PAE o

custo foi baixo porque a árvore abatida era entregue no ramal, sendo que o

proprietário da serraria cedia o trator e o guincho para arrastar a árvore até o

ramal onde era embarcada no caminhão que efetuava o transporte até a serraria.

Segundo informações prestadas pelo engenheiro florestal que coordenava

o projeto pelo CTA Estênio Cordeiro de Melo, o segredo do trabalho está na

participação da comunidade. Se ela trabalhar de forma organizada, com apoio

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institucional, os resultados são excelentes. A renda do produtor aumenta e a

floresta continua de pé. Esta é uma forma de valorização, principalmente para os

projetos agrícolas senão eles transformam a floresta em milho e mandioca, conclui

Estênio Melo.

O fato é que de forma crescente vai aumentando os argumentos e apoios à

atividade madeireira. Apesar deste apoio cada vez maior, foi detectado na

pesquisa que na reserva ainda é muito grande a resistência à retirada de

madeiras. Este quadro poderá ser revertido mas envolverá um certo tempo para o

processo de discussão e persuasão das vantagens e dos baixos impactos

ambientais que esta atividade pode ser executada. Por outro lado, ainda restam

alguns eminentes cientistas como é o caso do Prof. Paulo Kageyama, que vêem

esta atividade com restrições. Diz ele: “a princípio sou contra. Sou favorável em

condições muito excepcionais, porque acho que os métodos de exploração e

manejo da floresta tropical existente até hoje são bastante predatórios, e

justamente por isso não está interessando muito ao CNS. A exploração tradicional

com certeza sou contra justamente porque a reserva perde seu grande trunfo, o

charme que é a preservação da biodiversidade”.

Esta importância crescente da discussão a respeito da atividade madeireira

tem sua justificativa, principalmente em função do crescente apoio que a atividade

tem conseguido, em grande medida respaldada em estudos científicos, como é o

caso da recente pesquisa efetuada pelo IMAZON (Scheneider, 2000) em conjunto

com o Banco Mundial, em que os autores afirmam categoricamente que as

atividades pecuária e agrícolas não são adequadas para cerca de 87% das terras

amazônicas em virtude da altas taxas de precipitação pluviométrica. O estudo

assinala que o uso da terra em condições normais, ou seja sob o sabor das forças

de mercado tenderiam a ser utilizadas pela pecuária e a exploração predatória da

madeira. Em ambos casos a floresta corre sérios riscos. Propõe então que a

política de cunho desenvolvimentista deve ser fortemente ancorada no manejo

florestal. (Scheneider, 2000). De qualquer maneira, há que se considerar nestes

estudos diferentes visões a respeito da questão ambiental, além de considerar,

para o caso da RESEX Chico Mendes as dificuldades imensas que o conjunto de

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moradores tem para desenvolver atividades consideradas simples, sobretudo

dado o nível de dificuldades que a atividade de extração da madeira exige.

Quadro 1 - Argumentos referentes à viabilidade do manejo florestal

ARGUMENTOS A FAVOR ARGUMENTOS CONTRARIOS A atividade é rentável A extração exige investimentos e infra-

estrutura

Causa baixo impacto ambiental Exige estudos e pesquisas

Aumenta a renda dos extrativistas O ciclo é longo

Fortalece a economia da floresta Exige conhecimentos inacessíveis ao seringueiro

O processo é irreversível Os custos são altos A pecuária e a agricultura degradam o solo

O lucro é concentrado para os madeireiros

Exige tecnologia e fiscalização.

7.3 Sistemas Agroflorestais

Uma das alternativas de ampliação de renda bastante discutidas pelos

diversos setores que tratam da questão das reservas são os denominados

sistemas agroflorestais, principalmente depois da experiência exitosa do projeto

Reca (Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado). Este projeto

localizado às margens da BR-364, na localidade Nova Califórnia, no estado de

Rondônia. De acordo com Carvalho (2000, p. 152) este projeto nasceu “sob o

signo da sustentabilidade econômica e ecológica, voltada para o mercado, sem

que cada unidade familiar perdesse sua dimensão básica de supridora das

necessidades essenciais de sobrevivência das famílias que formam a comunidade

que constitui Nova Califórnia”.

Segundo a avaliação de Carvalho (2000, p. 198) o projeto RECA

desenvolve uma agricultura que respeita as leis ecológicas, neste sentido, pode

ser considerado como uma forma alternativa de uso da terra. Apesar de

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reconhecer uma série de vantagens dos SAFs, como é o caso do RECA, no

entanto Carvalho é cauteloso quando se trata de pensar em alternativas de

desenvolvimento agrícola para o conjunto da Amazônia. Apresenta dois

argumentos: os sistemas ainda não foram suficientemente estudados e por outro

lado, são poucos os modelos com comprovação de viabilidade econômica.

De qualquer forma, quando a proposta é apresentada como alternativa para

as RESEX, os argumentos giram em torno de duas idéias centrais: A

sustentabilidade do uso da terra e a elevação da renda dos extrativistas.

Argumenta-se que os sistemas agroflorestais reduzem a pressão para os

desmatamentos, o uso da terra ocorre em condições sustentáveis, não degrada o

solo e há uma diversificação e integração da produção.

Uma visão crítica a respeito da forma como está sendo discutidos os SAFs

em toda a Amazônia é do Assessor do CNS, Mário Jorge da Silva Fadell, que

argumenta que o sistema agroflorestal está sendo discutido de uma forma errônea

segundo seu ponto de vista, porque visa a implantar culturas perenes de diversas

famílias para alcançar determinados mercados. E o mercado para um produto tem

limites, de forma que pode ocorrer o mesmo caso da castanha que tem imensa

quantidade de áreas plantadas e produzindo e não tem como vender o produto. O

SAF é importante porque diversifica a base produtiva do seringueiro e aproveita

melhor o seu tempo.

Segundo Costa Filho (1995), a CAEX e a Fundação Ford, firmaram

convênio para desenvolver um projeto de pesquisa a partir da idéias dos SAFs,

envolvendo o potencial produtivo de 15 produtos. Deste estudo resultou uma

proposta que pode ser representada através de um pequeno modelo de simulação

envolvendo preços e quantidades de quatro produtos ao longo de 10 anos. Ao

verificar na atualidade os preços, após longo período de tempo da projeção, vê-se

que os mesmos que estavam expressos em dólares podem ser convertidos para o

real.

O importante na simulação é apreender as diversas possibilidades de

geração de renda no âmbito da RESEX. Esta simulação, apresentada na tabela

33, mostra que a implantação do SAF envolvendo 4 produtos pode representar um

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ganho substancial a ser incorporada à renda dos extrativistas. Já no segundo ano

a renda pode alcançar R$ 1.166 reais e gradativamente ir se elevando ao longo do

tempo até atingir a quantia de R$ 2.341 no décimo ano. O estudo, no entanto,

peca ao não apresentar a estrutura dos custos de produção, o que não permite o

cálculo dos ganhos líquidos decorrentes da implantação do referido SAF.

Tabela 33 - Projeção da Renda Média Anual em R$ decorrente da Implantação de um SAF na RESEX Chico Mendes

Produtos do SAF R$/kg

Ano 2

Ano 3

Ano 4 Ano 5

Ano 6

Ano 7

Ano 8

Ano 9

Ano 10

Borracha 1,35

201

404

605

807

Castanha 0,45

102

203

243

284

Castanha de Caju 3,17

1.166

1.166

1.166

1.166

1.166

1.166

1.166

1.166

1.166

Palmito de Pupunha 0,07

84

84

84

84

84

84

84

84

Total

1.166

1.250

1.250

1.250

1.250

1.553

1.857

2.098

2.341

Obs.: Estimativa Ecotec e Costa Filho, adaptação minha

Fonte: Lafler, J. Planaforo (1989) Apud Costa Filho (1995)

Uma outra alternativa a considerar, fruto do desenvolvimento de um projeto

envolvendo cerca de 70 produtores da Reserva Chico Mendes na área de Xapuri,

é o plantio de um só produto, no caso a pupunha visando a extração de palmito. A

SEFE e as associações tratam de negociar o produto no mercado estabelecendo

contato com a BONAL empresa do ramo, além de outras providências como o

licenciamento no IBAMA. A empresa que comprou a produção propôs inicialmente

o preço de R$ 1,40 o quilo, mas aceitou o preço de 2 reais, desde que os filhos

dos produtores freqüentem a escola.

O Sr. Euvaldo, um desses produtores, após financiamento do Banco iniciou

a plantação de 14.000 pés de pupunha em 4 hectares. O primeiro corte foi feito

em 2000, após dois anos após o plantio. Desses 14 mil houve um aproveitamento

de 80% , alcançando o preço de 2 reais por quilo (2 a 3 hastes), sendo que o

retorno do investimento é esperado para o 2º corte devido à alta produtividade da

plantação de pupunha. O Sr. Euvaldo explica que o trabalho maior é no início,

quando da ocasião da broca do mato, depois vem a derrubada e a queimada.

Depois vem a preparação das mudas e só após a sua germinação, que depende

da qualidade da semente então é efetuado o plantio. A produtividade é alta em

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função de sua alta regeneração e produção de filhos, que chega a produzir cerca

de 3-4 brotos por pé68.

De acordo com o relato do produtor tem-se uma idéia geral do que ocorre

nas reservas. O produtor vivia da extração da borracha, todavia, com a queda nos

preços da borracha procurou outra alternativa. Quando surgiu a oportunidade do

financiamento, parte do dinheiro foi investido na produção de mudas e parte

economizada com o uso da força de trabalho familiar foi investida na pecuária.

Foi o investimento de parte do dinheiro na pecuária que permitiu ao

produtor ir vivendo enquanto o seu investimento na pupunha não apresenta

retorno. Ressalta que a pecuária apresenta a vantagem de possibilitar o acesso a

recursos de maneira rápida. Assim no caso de ficar inadimplente ou o caso de

doença na família a saída é a venda de gado, além disso produz queijo, leite e se

pode consumir eventualmente a carne. Parte do dinheiro usado no investimento

da pupunha já é decorrente do retorno da pecuária, sendo que o produtor já está

investindo também em piscicultura. Em resumo, o Sr. Euvaldo tem 4 ha de

pupunha , 20 ha para a pecuária, 3 ha para o plantio de frutas (banana, cana,

cupuaçú e graviola) e 2 ha para um roçado para a plantação de subsistência,

sendo que o resto de sua área de cerca de 300 ha ainda é mata bruta.

Este parece ser um caso paradigmático dos processos que estão ocorrendo

nas reservas. O crescimento da agricultura familiar e da pecuária, sendo que esta

última atividade desempenha papel fundamental como alternativa de renda. Por

fim, os produtores desenvolvem novas experiências com produtos florestais cuja

atividade apresenta boas perspectivas de rendimentos.

68 Deve-se atentar que muitos problemas, tais como transporte e armazenagem foram superados pela forma de negociação envolvendo o produtor e a empresa compradora.

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7.4 Ilhas de Alta Produtividade

As denominadas “Ilhas de Alta Produtividade” (IAPs), são uma inovação

tecnológica, ainda em fase de experimentação, que resultará em um incremento

de produtividade para a atividade extrativista da borracha.

Ao longo do tempo o extrativismo da borracha na Amazônia, conviveu com

uma praga que atacava as folhas e impedia o desenvolvimento natural das

árvores chamada de “mal das folhas”. Isto de certa maneira foi decisivo para que o

seringal em termos físicos se estruturasse dessa maneira. Amplo, com árvores

dispersas, longas distâncias e, sobretudo, contribuiu decisivamente impedindo a

trajetória tecnológica natural que seria a produção do seringal de cultivo. A floresta

por si mesma funciona como um protetor natural para a disseminação da praga,

na medida em que a dispersão natural e a cobertura vegetal não permitem a

propagação do mal, mas condenaram o extrativismo da borracha a baixos índices

de produtividade vis a vis os seringais de cultivo asiáticos e mais recentemente, os

seringais do sul do país.

A partir desta simples constatação e da necessidade de desenvolver a

borracha de cultivo para ampliar a produtividade foi que o CNS firmou convênio

com a USP/ESALQ para o desenvolvimento de pesquisa visando à resolução do

problema. Dessa forma, foi criado o projeto denominado de “Ilhas de Alta

Produtividade” coordenado pelo prof. Paulo Kageyama.

Segundo o prof. Kageyama a proposta das “Ilhas” partiu da observação de

que os seringueiros viviam um impasse econômico, já que o extrativismo vem

tendo cada vez mais problemas principalmente pelo sucesso da cultura intensiva

da seringa, o que torna evidente a falta de competitividade do extrativismo. Isto,

ressalta o prof. Kageyama, é o que a teoria mostra e o Homma e outros enfatizam

com razão. A saída que o prof. Kageyama vislumbrou, sem perder de vista o mais

importante que é a conservação da floresta, partiu da seguinte observação:

primeiro constatou a pouca presença de seringueiros em extensas áreas. Em uma

colocação média de 400 ha, ocorre de 400 a 500 árvores, o que dá uma média de

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1 arvore por hectare. É uma densidade muito baixa e isto faz com que o

extrativismo realmente seja de baixa produtividade por área. A proposta das ilhas

surgiu então com o objetivo de aumentar a densidade de árvores sem perder a

estrutura da floresta. Nas suas palavras: “a gente concentra então um número

muito alto de árvores, cerca de 200 em um hectare, usando uma tecnologia

bastante avançada – variedades melhoradas, adubação, fertilização mineral,

tratos culturais -, só que em pequenas áreas, que denominamos de “Ilhas de Alta

Produtividade”. O segredo é que as pequenas áreas não permitem que a doença,

nem a praga se propague porque são protegidas pela floresta que funciona como

um “tampão” às ilhas”. Essa proposta, continua o professor, tem um embasamento

científico e isso é verificável. Por outro lado, é uma das formas das RESEX

aumentar a produtividade sem perder de vista seu conteúdo preservacionista.

Quanto aos custos, o pesquisador alega que estes são menores do que

uma cultura qualquer, só que o extrativista terá uma colocação com 20 ha

manejados intensivamente e estes estarão separados em ilhas. O seringueiro, em

seu processo de trabalho, terá que percorrer pequenas distancias de uma ilha

para outra, o que é irrelevante, principalmente se considerarmos que os

seringueiros são acostumados a percorrerem grandes distancias no interior da

mata.

Além da produtividade a proposta apresenta um aspecto fundamental que é

ressaltar a importância da incorporação da tecnologia ao processo produtivo do

extrativismo. Esta é uma das muitas alternativas propostas, que afirma o conteúdo

preservacionista, mostrando as possibilidades de consolidação das RESEX na

direção que Sachs aponta de crescer sustentavelmente.

A tabela 34 elaborada por Batista (2000), com os mesmos dados

provenientes da pesquisa de campo do ASPF, mostra os resultados econômicos

de uma IAP em comparação com os dados do extrativismo tradicional. As

informações são referentes à colocação Boa Vista, onde já existem 5 ilhas

implantadas. Assim, os dados não só permitem uma comparação do resultado

econômico das “ilhas” com o extrativismo tradicional, como permite uma

apreensão do impacto na renda decorrente da implantação dessa inovação

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tecnológica. Conforme a tabela 31, enquanto no sistema tradicional a renda bruta

apurada foi de R$ 66,67 – incluído no preço da borracha o subsídio -, nas 5 ilhas a

renda bruta duplica atingindo o valor de R$ 132,44. A renda líquida que é

negativa de R$ -16,93 passa para R$ 75,60. A margem bruta familiar, indicador

que mostra a parcela da renda que é efetivamente embolsada pelo produtor,

evolui de R$ 62,08 para expressivos R$130,67. Por fim, a implantação das ilhas

impactam de forma positiva na eficiência econômica do processo de produção. Se

no extrativismo tradicional o IEE da borracha é de 0,78, o que significa que a

exploração é economicamente ineficiente, com as ilhas este índice passa para

2,21. Na situação anterior o índice menor que 1 apontava para um quadro de

prejuízo. Para cada real gasto o produtor recebia apenas 0,78 do valor

despendido. Já com as ilhas, o índice de 2,21 representa um quadro de lucro

expressivo. Para cada real gasto, o produtor ganha mais que o dobro. Esta

melhoria se expande para as próprias condições de trabalho do seringueiro. Se

antes a mão - de - obra - familiar média anual era de 257,25 homem /dia, com as

IAPs este resultado diminui para 240, o que, em última instância, representa não

só diminuição da força de trabalho, mas, uma significativa melhora nas condições

de trabalho, notadamente, na diminuição da extensão da área a ser percorrida no

processo de corte e coleta.

Tabela 34 - Comparação do sistema extrativista tradicional da borracha e as IAP's (colocação Boa Vista)

Indicadores Unidade

Extrat. Tradicional

1 IAP

5 IAPs

Renda Bruta (RB) R$/ano 66,67

29,49

132,44

Renda Líquida (RL) R$/ano -16,93

15,12

75,60

Margem Bruta Familiar (MBF) R$/ano 62,08

26,13

130,67

Índice de Eficiência Econômica (IEE) und. 0,78

2,21

2,21

Mão-de-obra H/D 257,25

48,00

240,00

Obs.: IAP - Ilha de Alta Produtividade; H/D - Homens/dia

Fonte: Batista (2000)

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7.5 Serviços Ambientais

Uma outra questão, situada no contexto da discussão provocada pelo

protocolo de Kyoto, é a referente à preservação dos estoques de carbono. O que

ocorre é que , como já enfatizado, o protocolo tem suas preocupações centradas

na emissão dos gases de efeito estufa. Da forma como é tratada, ao estipular

meta a serem atingidas pelos países emissores, a questão em termos de

responsabilidades quanto ao problema fica reduzida ao âmbito desses países.

Fearnside (1997, p. 42) acertadamente faz um alerta: “Todos os países vão sofrer

os impactos do aquecimento global. O problema é tão grande que todos precisam

colaborar para resolvê-lo. E o problema precisa ser resolvido, não existe a opção

de não se fazer nada”.

No que se refere ao Brasil ou mais especificadamente à Amazônia,

considerando o fato de que a floresta constitui-se num amplo reservatório de

carbono, fica evidente seu papel estratégico nesta questão, principalmente no

esforço de evitar o desmatamento, o que em última instância significa a

manutenção do estoque de carbono. Ocorre que não há crédito para projetos de

manutenção do estoque, o que implica em termos concretos, uma perda de

oportunidade de fortalecer as políticas ambientalmente corretas. De acordo com

Fearnside, se fossem atribuídos créditos, em forma de anuidades, para a

manutenção dos estoques de carbono em risco o que englobaria todas as

florestas tropicais, “Isto aumentaria em muito o crédito referente à floresta

amazônica, dando a oportunidade de que sejam criadas as estruturas

institucionais necessárias para tornar o fornecimento de serviços ambientais uma

base para o desenvolvimento sustentável para a população rural na região” (p.

42).

Este conjunto de considerações, particularmente, a visão de não atribuir

valores aos bens e serviços ambientais, parece ter sua explicação na forma como

a economia convencional considera o meio ambiente. Para esta corrente

econômica a natureza é uma supridora de insumos e receptora de dejetos da

produção. Esta dupla função tem seus limites ampliados em decorrência das

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inovações tecnológicas. Por outro lado, ao considerar a possibilidade de

substituição perfeita entre os fatores de produção, excluem por completo as

restrições ambientais, de forma que estas são superáveis ao longo do tempo.

O fundamental é que ao assim proceder, a economia convencional remete

as restrições ambientais, consideradas externalidades, ao âmbito do mercado.

Este como instância que é regulada pelos preços dos fatores, que expressa o grau

de escassez relativa dos produtos e serviços, não possui mecanismos de

valoração capazes de atribuir valores corretos aos produtos e aos serviços

florestais.

Fica claro portanto, a incapacidade do mercado de avaliar corretamente os

valores de uso da floresta bem como o serviço ambiental prestado pelos

extrativistas seja como mantenedor dos estoques de carbono, seja como

mantenedor dos recursos florestais. Contudo, vários estudos apontam para a

necessidade de se pagar pelos serviços ambientais como forma de gerar receitas

e remunerar aqueles que protegem a floresta e seus recursos como é o caso dos

seringueiros na Amazônia.

Um dos caminhos possíveis para o pagamento dos serviços ambientais, é a

atribuição de subsídios às atividades consideradas sustentáveis. Esta alternativa,

entre outras, representa uma forma prática de resolver um problema complexo

que é a conversão dos serviços ambientais da floresta em fluxo de renda

(Fearnside, 1997). Dessa forma, os extrativistas e outros povos poderiam ter uma

compensação pelos serviços de manutenção da biodiversidade, armazenamento

de carbono e ciclagem da água, cujo valor, segundo Fearnside (2000), é bem

superior á renda decorrente do uso da terra com as atividades tradicionais, como a

agricultura e a pecuária.

7 .6 O Protocolo de Kyoto

Diversos estudos, na área ambiental, têm alertado para variações

climáticas decorrentes da emissão em larga escala de dióxido de carbono e a

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concentração destes na atmosfera, ocasionados sobretudo pela queima de

energias fósseis e, ainda, pelas queimadas nas florestas.

Esta preocupação geral acabou por se constituir no eixo central do

protocolo de Kyoto que estabelece, dentre outras providências, que os países

desenvolvidos (pertencentes ao anexo 1) principais emissores dos gases de efeito

estufa, deveriam reduzir, a partir de 2008 até 2012, as emissões em 5% em

relação ao ano base de 1990.

O protocolo, assim, procura estabelecer um monitoramento permanente

com revisão, troca de informações e, sobretudo, com mecanismos efetivos de

controle das emissões.

Recentemente69, os jornais noticiaram que os EUA desistiram de assinar o

protocolo de Kyoto. A decisão, representava um retrocesso nas negociações que

visavam definir medidas para reduzir a emissão de gases de efeito estufa. A

decisão, por outro lado, suscitava uma questão: porque a dificuldade de se tomar

medidas efetivas visando a resolução de um problema tão sério? O argumento do

presidente George W. Bush, para a retirada da assinatura dos EUA do protocolo

era que o mesmo contrariava os interesses da economia americana, pois o corte

na emissão de gases provenientes da queima de energia fóssil implicaria uma

remodelação do padrão industrial americano, portanto, exigiria uma quantia

relevante para a adequação e certamente traria implicações em termos de

competitividade e mercados.

Não está explicitado no jornal, mas este tipo de argumento só se

estabelece em função de controvérsias cientificas. Em verdade, subjacente aos

argumentos prevalece a concepção de não se fazer nada enquanto houver

incertezas cientificas.

Foi exatamente baseado em riscos provenientes de casos como o exposto

que recentemente foi incorporado ao Direito Internacional o “princípio da

precaução”. Para Godard (1997, p. 119) é entendido que o princípio “pode exigir

ações que limitem as emissões de certas substâncias potencialmente perigosas,

69 Ver a este respeito, por exemplo, Folha de São Paulo de 29.03.01, sob o titulo “Bush desiste de protocolo de kyoto” .

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sem esperar que uma relação de causalidade seja estabelecida de maneira formal

sobre bases cientificas”

Como mostra Godard (1997), o princípio da precaução possui uma dupla

ligação com a noção de desenvolvimento sustentável. A primeira, é que ambos

conceitos emergem da tomada de consciência da irreversibilidade de diversos

processos, notadamente os que envolvem o uso de recursos naturais,

antecipando medidas apropriadas a fontes potenciais de danos, sem esperar que

os mesmos ocorram, ou que certezas cientificas esclareçam os papeis definindo o

causador e o efeito do dano ambiental. A outra ligação, é derivada da amplitude

crescente das complexidades e a presença no seu interior da incerteza. Tal como

adotar o princípio de desenvolvimento sustentável, adotar o princípio da

precaução implica compromissos de cunho solidário com as gerações futuras, ao

evitar a tomada de decisões que podem ser irreversível sob um cenário de

incertezas. Por outro lado assumir a regra da precaução absoluta aponta na

direção de uma paralisia intolerável pelo conjunto da sociedade o que implicaria

em transformar o conceito em um instrumento inviável.

A problemática das mudanças climáticas, numa perspectiva do conceito do

princípio da precaução, pode ser visto da seguinte maneira: não é necessário

demonstrar cientificamente ou esperar que ocorram catástrofes para que se

adotem medidas para redução dos gases de efeito estufa. A existência do

protocolo de Kyoto já é por se próprio uma demonstração inequívoca de que os

países industrializados em diferentes níveis já incorporaram esta noção. Mostra

também, a partir do exemplo americano, as dificuldades das tomadas de decisões

envolvendo o meio ambiente quando implica em mudanças profundas no cerne do

padrão de desenvolvimento capitalista. Como bem assinala Altvater (1995), não

há como enfrentar os desafios ambientais sem mudanças no padrão de produção

e consumo predominantes desde o pós-guerra.

Para o caso amazônico, não resta duvidas quanto à pertinência do

conceito. Não é necessário esperar obter certezas cientificas quanto ao papel que

a floresta exerce no ciclo do carbono. Neste sentido, é possível adotar desde logo,

não só o princípio da precaução, mas amplamente a noção de sustentabilidade

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como princípio básico e norteador e ter em vista a manutenção da floresta como

condição ex ante, para se pensar o desenvolvimento regional numa perspectiva

global.

A Amazônia, neste processo, tem papel relevante, na medida em que,

influencia o clima global através da emissão e retenção de gases e da evapo-

transpiração. Segundo dados recentes, este fenômeno na Amazônia é tão

relevante que chega a ser responsável por cerca de 50% das chuvas que a

floresta recebe, sendo que o restante é originário das águas do oceano Atlântico.

O fundamental, contudo, é que existe um quadro de imensas incertezas, do

ponto de vista científico, para estabelecer o exato papel que a floresta amazônica

desempenha nas mudanças climáticas. As queimadas, por exemplo, suscitam

controvérsias pela dificuldade de se determinar precisamente a quantidade de

liberação de carbono para a atmosfera quando da ocorrência de queima de sua

biomassa. Para se ter uma idéia, segundo Koskela (2000) se houvesse uma

interrupção em todo o desmatamento, a emissão de CO2 seria reduzida pelo

menos em 20%.

De qualquer maneira, em que pese a grande quantidade de dúvidas e

controvérsias, é possível afirmar que as florestas tropicais afetam o clima local e

globalmente, pelo menos de 4 maneiras:

i) – pela absorção de energia solar;

ii) – pela modificação de movimento dos ventos;

iii) - partilhando energia e água ;

iv) - pela troca de CO2 na fotossíntese (Koskela, 2000)

O fundamental do exposto é que a Amazônia, mesmo num ambiente de

incertezas, desempenha papel estratégico na questão ambiental e, por

conseqüência, no protocolo de Kyoto. Estas considerações implicam espaço para

o governo, seja federal ou estadual, desenvolver projetos na linha do

desenvolvimento sustentável, consolidando, portanto, um leque de possibilidades

em termos de conservação e gerenciamento sustentável das florestas visando,

sobretudo, a redução da emissão de gases.

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194

O principal mecanismo que pode ser acionado pelos governos é o chamado

“mecanismo de desenvolvimento limpo” (MDL), que visa a atender projetos que

têm por objetivo a redução da emissão de gases por países não incluídos no

anexo 1 (países em desenvolvimento) e, desta forma, ajudar os países emissores

a cumprir suas metas (Moreira e Schwartzman, 2000). A inclusão do MDL no

protocolo, em essência, abre a perspectiva de que os países desenvolvidos

financiem projetos na linha de sustentabilidade e transformem os resultados em

quotas a serem abatidas da sua meta.

A posição do governo brasileiro é de que as florestas não devem ser

consideradas para efeito de certificação do MDL. Esta visão do governo brasileiro

é resultado da idéia de que as florestas já existentes não contribuem para a

mitigação dos efeitos da liberação dos gases e argumentam que a conservação da

floresta não traria nenhuma compensação para o carbono emitido (MUNIZ, S/D).

Isto evidencia o quanto à questão amazônica é relevada, seja por argumentos cuja

base são cálculos econômicos de custos e benefícios, seja por desconhecimento

do papel que o ecossistema florestal desempenha nos processos macroecológicos

como os ciclos do carbono e hidrológicos que afetam o clima global.

A repercussão desta visão no âmbito da Amazônia não encontra

ressonância, na medida em que não se vislumbra perspectivas

desenvolvimentistas, pelo menos a curto e médio prazo, no padrão industrial

prevalecente no Brasil. Assim, o aproveitamento do MDL representa uma

alternativa estratégica de oportunidade de fortalecer projetos e ações de cunho

sustentável.

O Brasil deveria repensar seus conceitos a respeito da Amazônia, e poderia

aproveitar a manutenção do estoque de carbono, através da conservação da

floresta amazônica, como concepção básica de uma política desenvolvimentista e

transforma-la em fator estratégico de barganha a nível internacional.

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195

CONCLUSÕES

A importância das RESEX pode ser melhor apreendida a partir da

constatação do crescente interesse que os problemas ambientais têm despertado

em todo o mundo. A ocorrência de danos ambientais, muitas vezes em escala

planetária, bem como a perspectiva real de mudanças climáticas e a perda de

biodiversidade, colocaram a preservação da floresta amazônica como ponto

relevante na questão ambiental global.

A Amazônia passou, então, a fazer parte do conjunto das preocupações

ambientais internacionais, o que de certo modo se amplia na medida em que

pesquisas e estudos revelam a importância do ecossistema florestal amazônico

para o planeta.

Este quadro foi determinante na luta dos seringueiros para viabilizar as

Reservas Extrativistas. Estas, inicialmente criadas no contexto da luta pela terra,

incorporaram a questão ambiental, vindo a se constituir em alternativa ao

processo de devastação pelo qual passava a Amazônia no final dos anos setenta.

Como decorrência disto, as lideranças do CNS e diversos setores da sociedade a

consideraram uma espécie de reforma agrária ecológica, na medida em

contemplavam a resolução da questão fundiária e, ao mesmo tempo, preservavam

a floresta Amazônica.

A inserção da luta dos seringueiros em torno da posse da terra e de

melhores condições de vida, no movimento mais geral dos ambientalistas

internacionais constituiu-se, sem dúvidas, no elemento novo na questão ambiental

amazônica.

A atuação dos extrativistas da Amazônia e a pressão do Movimento Verde

resultaram na mobilização de amplos setores da sociedade, contribuindo para

legitimar as RESEX como proposta viável no âmbito da sustentabilidade. Há que

se considerar, ainda, o grande impacto produzido na Amazônia, resultante da forte

mobilização interna e da canalização das apreensões ambientais da comunidade

ambientalista internacional, que implicou o redirecionamento da política ambiental

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brasileira e, sobretudo, na redefinição da política de ocupação do espaço

amazônico.

Para o conjunto dos extrativistas, porém, a criação das RESEX ainda não

implicou mudanças significativas. Mesmo com a garantia da terra que, além de

proporcionar a segurança natural possibilita o acesso a financiamentos, ainda é

considerável o número de unidades produtivas excluídas dos benefícios

decorrentes da criação da RESEX. Persiste o problema que é representado pelos

diferenciais de renda no interior da reserva. Em alguns locais de difícil acesso

algumas famílias ainda vivem apenas do extrativismo da borracha. Para elas, o

estabelecimento da RESEX, ainda que garantindo a posse da terra, não

representou grandes mudanças, de forma que as antigas relações existentes nos

seringais são repostas em forma de pobreza e miséria. Assim, a garantia da terra,

o não pagamento de taxas e a não-obrigatoriedade de compra e venda exclusiva

no barracão, parecem não ter incidido substancialmente sobre as vidas dos

seringueiros, o que nos permite afirmar não ser suficiente, para a solução de seus

problemas.

De qualquer maneira, este estudo evidencia a pertinência e acerto da

política ambiental representada pela existência das RESEX. Sem dúvida, no plano

real, trata-se da melhor e mais adequada proposta de conservação da floresta

amazônica. Contribuiu em muito para o êxito da proposta a ampla mobilização do

conjunto de moradores da reserva. A adoção de um mix de políticas ambientais,

envolvendo políticas de comando e controle e uso de instrumentos econômicos,

na medida em que é resultado de um processo de discussão no interior das

RESEX, legitima e assegura a efetivação das medidas. Em decorrência os

controles e a fiscalização, em geral dispendiosos, tornam-se viáveis por conta do

envolvimento dos moradores.

Após esta exposição cabe retornar-se à questão levantada no início deste

trabalho, a saber, a noção bastante difundida de que as RESEX conformariam um

modelo de desenvolvimento sustentável ideal para a Amazônia. Considera-se um

equívoco esta dimensão atribuída às reservas devido a implicações que pouco

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contribuem para a compreensão desta proposta, cujo núcleo conceitual está

fundado na concepção de sustentabilidade.

Ao longo deste trabalho tentou-se demonstrar que este equívoco resultou, a

princípio, numa dificuldade de aceitação dessa proposta por muitos considerada

fruto de uma elaboração externa à região. Isto, em parte, tem sua explicação no

forte apoio que as reservas receberam do movimento ambientalista internacional.

Por outro lado, deve ser ressaltada a existência de um forte descrédito no

extrativismo por parte considerável do conjunto da população acreana, descrença

esta compreensível se for levado em consideração suas experiências com o velho

seringalismo, baseado na centralização e domínio das relações comerciais pelo

barracão.

Estas atitudes, frente às reservas, são decorrentes de uma confusão entre

a proposta das RESEX e a atividade extrativista da borracha. Além disso, parecem

desconsiderar que, por mais de um século, uma população pobre, não - indígena,

viveu na e da floresta, e que recentemente é ela que, ano após ano, impede os

desmatamentos na região. Como se isto não fosse suficiente, coube a esta

mesma população elaborar, de forma organizada, uma proposta inovadora e

alternativa visando à melhoria de condição de suas vidas, proposta esta que tem

como elementos nucleares à preservação e a valorização dos produtos da

floresta.

Isto na verdade mostra uma tendência a ignorar a amplitude da proposta,

descolando-a da questão ambiental. Como resultado cria-se um campo artificial de

debate em que filigranas e equívocos conceituais ganham relevo, obscurecendo a

questão vital que é a definição conceitual das reservas e sua viabilidade num

momento em que o desafio ambiental aponta para novo cenário

desenvolvimentista. Frente a este contexto, tratou-se então de delimitar o espaço

conceitual das reservas sem perder de vista seu núcleo fundamental, que é a

noção de sustentabilidade e a forma e uso da terra, a fim de escapar desse

quadro já referido de desvios conceituais.

Ao longo do presente estudo demonstrou-se que as RESEX representam

uma proposta ambiental de uso adequado das terras amazônicas. A hipótese de

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que o controle da ocupação e a garantia do acesso a terra constitui-se em

condição necessária, mas não suficiente, para o uso sustentável dos recursos do

ecossistema florestal, mostrou-se viável a partir da análise do desempenho

econômico da reserva Chico Mendes. Isto mostra o papel estratégico que as

reservas desempenham, na medida em estas se consolidaram como uma

experiência alternativa á criação de reservas preservacionistas. Dessa forma, é

razoável supor que, ao se constituírem como um novo paradigma de regulação

ambiental, a importância das reservas extrativistas transcende os estreitos limites

de uma experiência de regulação de caráter local, para se pôr, amplamente, como

uma estratégia de conservação de florestas tropicais.

Nesta mesma linha de raciocínio, a existência de estoque considerável de

terras não regularizadas na Amazônia e, portanto, sujeitas a uso não sustentável,

assinalam para a urgência de implementação de políticas que estabeleçam limites

à especulação com as terras, ao crescimento da pecuária e a outras formas de

uso da terra que impliquem elevação das taxas de desflorestamento da cobertura

vegetal amazônica.

Por outro lado, demonstrou-se também que a questão ambiental, ao

transcender os limites do mercado, aponta para um novo papel a ser

desempenhado pelas reservas. Isto não implica negar o mercado como instância

de realização das mercadorias. Ao contrário, ao se estabelecer a relevância da

agregação de valor como resultado do desenvolvimento das forças produtivas no

interior das RESEX, está-se exatamente definindo um novo contexto em que se

reconhece a importância em agregar valor aos produtos mas, também, a

incapacidade do mercado de valorar bens ambientais.

Reconhecer a importância das RESEX como parte essencial e estratégica

de uma inexistente, porém necessária, política global de desenvolvimento

sustentável para a região, como um todo, e em particular para o estado do Acre, é

muito diferente de pensar a RESEX como política capaz de produzir, por si só, os

mecanismos de geração de renda e emprego capazes de desencadear o

desenvolvimento da região. Reconhecer a incapacidade de as RESEX

alavancarem o desenvolvimento da região não implica desautorizá-la como

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proposta do ponto de vista ambiental nem, tampouco, desconsiderar seu mérito

inovador. Neste sentido, a RESEX deve ser vista como uma solução que, pelo seu

conteúdo ecológico e sócio-cultural, deve ser viabilizada. O problema a ser

pensado, portanto, passa a ser de outra ordem e poderia consubstanciar-se na

seguinte questão: dada a relevância das RESEX e de seu caráter

preservacionista, estaria a sociedade disposta a pagar pelos serviços ambientais

prestados pelos extrativistas ?

A essa questão que, para ser respondida, exige o uso de instrumentação

de valoração, partimos do suposto que a resposta é afirmativa, mesmo que não

seja consensual. Assim sendo, e se isto corresponde à verdade, os dilemas que

se apresentam são de outra natureza.

O primeiro deles diz respeito à própria ocupação humana. Na avaliação do

governo através do IBAMA, a proposta das RESEX é encarada como positiva e

mesmo audaciosa porque, “até então, todas as iniciativas de conservação do

ambiente por meio de unidades de conservação excluíam a presença humana.

Com este modelo, que prevê a co-gestão destas áreas protegidas entre governo e

sociedade, as populações locais deixaram de ser vistas como ameaça para se

tornarem aliadas do processo de conservação ambiental” (IBAMA, 1999, p. 7).

Outro aspecto a ser ressaltado e considerado o mais importante é a

conservação ambiental. O IBAMA investe nas áreas de reservas cerca de 10% do

total investido no conjunto de suas atividades normais, ou seja, quase nada se

levarmos em conta a tarefa gigantesca que é fiscalizar área tão grande. Isto só é

possível porque existem fiscais colaboradores das comunidades, com treinamento

sobre a legislação ambiental de forma que os mesmos desempenham o papel do

IBAMA nas reservas. O trabalho é voluntário e não – remunerado, com exceção

das operações especiais montadas pelo IBAMA. O resultado deste trabalho

conjunto é um índice de desmatamento dentro da reserva cada vez menor, fruto

do nível de consciência ecológica dos moradores. A autorização do IBAMA, no

que se refere a este item, é que os moradores das reservas podem desmatar até

dois ha de floresta por ano, sendo 1 ha de mata bruta e 1 ha de capoeira. Essa

liberalidade concedida pelo IBAMA, na prática é utilizada por pouquíssimos

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seringueiros. Estes em sua maioria utilizam cerca de 0,5 ou 0,75 ha para a

formação de seu roçado.

Neste particular, não há dúvida de que as RESEX são uma prova

inconteste de que é possível compatibilizar controle ambiental com a presença do

homem. São cerca de 1.500 famílias que em condições normais poderiam

desmatar até 3.000 ha por ano, contudo através de estimativas recentes não

atingem 500 ha/ano sendo que a maioria desse desmatamento ocorre em terras

de capoeira.

Se a melhor maneira de preservar é ocupando com a presença humana

através de processos produtivos extrativistas, isto resolve a questão da

sustentabilidade na sua dimensão ecológica. Resta então, analisar dois novos

dilemas derivados do extrativismo. Já se fez referência à força econômica da

pecuária e ao perigo da extração predatória da madeira. Em outros termos, são

necessárias políticas compensatórias, tipo subsídio, para tornar a atividade

extrativista competitiva de forma que as RESEX cumpram bem sua função

conservacionista. Por outro lado, o problema das assimetrias sociais, tão bem

colocadas por Browder (1992), em grande medida, está ainda por ser resolvida. É

de notar que a maioria dos projetos que visam à consolidação das RESEX não

atentam para uma questão da maior importância: a de que a reserva, fruto de um

processo histórico peculiar, representou uma ruptura com o velho seringal em

suas diversas dimensões. O novo modelo, portanto, não pode incorrer no erro de

repor os elementos constituidores do velho seringalismo. A nova economia, ao se

estruturar deve representar uma negação ao antigo processo de trabalho do

seringal e da agricultura tradicional, sob pena de reproduzir a situação de miséria

e fome.

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ANEXO 1 – MAPAS

Fonte: ZEE (1999, Vol. 1, p. 10)

Mapa 1 - Localização do Acre na Região Norte/Brasil

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Fonte: ZEE (1999, Vol. 1, p. 11)

Mapa 2 - Divisão Político Adminitrativo do Estado do Acre a partir de 1998

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ANEXO 2: GLOSSÁRIO

Aviamento: Sistema de crédito que pôs toda a economia da borracha em

funcionamento. As casas aviadoras abasteciam os seringalistas e estes

abasteciam os seringueiros vendendo seus produtos e comprando a borracha.

Barracão: Sede do seringal, local onde se concentravam todas as atividades de

controle de compra e venda da borracha e abastecimento dos seringueiros.

Casas aviadoras: Estabelecimentos comerciais encarregadas de financiar as

expedições e abastecer os seringais através de suas frotas e comprar a toda a

produção dos seringais.

Colocação: Local onde vive o seringueiro e corresponde à área onde o mesmo

desenvolve suas atividades extrativistas. Colônias: Pequenas propriedades que

variam de 2 a 100 ha, em que são exploradas as pequenas produções agrícolas e

pecuárias, em geral situadas ao redor dos centros urbanos. A maioria era

proveniente de antigos seringais comprados pelos governos estaduais e loteados.

Couro vegetal: Um dos produtos derivados da seringa assemelhados a um couro

normal, todavia impermeabilizado pelo látex.

Drogas do sertão: Denominação dada ao período na Amazônia de coleta e

extração vegetal de especiarias tais como; o cacau, a salsaparrilha, o cravo, a

canela e outras.

Empate: Denominação ao ato organizado por grupos de seringueiros de impedir

os desmatamentos.

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Estradas: Caminhos abertos na selva para a extração do látex das seringueiras.

Este trajeto era feito em função da incidência de seringueiras, de sua proximidade

e produtividade.

Folha fumada: Esta técnica transforma o látex em borracha eliminando várias

etapas do antigo processo. O resultado final vai direto para as indústrias de

borracha, sem ser necessário passar pela usina.

Madeira: O mesmo que seringueira. Ex: Quando se diz que uma estrada tem

muitas madeiras, significa que ela é rica em seringueiras.

Mal das folhas: Praga que ataca as folhas das seringueiras, tornando-as

improdutivas. Foi um fator determinante para o fiasco dos programas de plantio

racional.

Marreteiro: Comerciante que comprava e vendia borracha e tratava de aviar os

seringueiros. Esta figura apareceu e se fortaleceu a partir da crise da borracha.

Péla: Bola de borracha resultado do antigo processo de defumação.

Placa Bruta Defumada: Técnica moderna de transformação do látex em seu

produto final prescindindo da defumação e outras etapas como o corte da péla na

usina.

Regatão: O mesmo que marreteiro, sendo que o regatão estabelecia sua relação

comercial de compra de borracha e castanha e venda de produtos gerais através

do rio, para tanto dispunha de embarcações de médio e grande calado como

lanchas e batelões. Pelo fato do regatão negociar direto com os donos do seringal

ou com seringueiros arrendatários, isto dava um ar de legalidade que não existia

com o marreteiro.

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Seringa: O mesmo que o látex. Refere-se ao produto da seringueira.

Seringueiro: O trabalhador que explora as atividades extrativistas.

Seringalista: O patrão, dono do seringal.

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ANEXO 3: RELAÇÃO DOS ENTREVISTADOS

Judson Valentim: PhD em Agronomia, ex-presidente da EMBRAPA/AC.

Elson Martins: Jornalista, fundador com Silvio Martinello do Jornal “O

Varadouro”, ex -correspondente do jornal “O Estado de São Paulo” e

atualmente assessor do Governo do Amapá.

José Maria Barbosa de Aquino: Ex- seringueiro, dirigente do CNS.

Paulo Kageyama: Geneticicta Florestal, pesquisador da ESALQ/USP.

Juarez Leitão dos Santos: Presidente do CNS

Dionísio Barbosa: Secretário do sindicato dos trabalhadores de Xapuri

Mário Jorge da Silva Fadell: Economista, à época assessor da CAEX

Carlos Vicente :secretário executivo da SEFE

Zenóbio da Gama e Silva: Doutor em economia florestal, Técnico da

FUNTAC

Aldenor Fernandes de Souza: Superintendente regional do INCRA

Josemar Caminha: Coordenador do CNTP/IBAMA no Acre

Sr. Elias: Seringueiro do “Porto Rico” localizado em Xapuri

Sr. Euvaldo: Ex-seringueiro, atualmente produtor de palmito

Sr. Sebastião Mendes: Seringueiro do “Cachoeira”

Sr. Duda: Seringueiro do “Cachoeira”

Luiz Vasconcelos da Silva: Secretário regional do vale do Acre/CNS

Estênio Cordeiro de Melo : Engenheiro Florestal da ONG “Andiroba”

Raimundo Ferreira de Andrade, Seringueiro da área do humaitá.

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ANEXO 4: UNIDADES DE CONSERVAÇÃO AMBIENTAL

A) UNIDADES DE PROTEÇÃO INTEGRAL

ESTAÇÕES ECOLÓGICAS: São áreas representativas de ecossistemas brasileiros destinadas à realização de pesquisas básicas e aplicadas à ecológica. Consideram-se também outras áreas voltadas à proteção do ambiente natural e ao desenvolvimento da educação conservacionista. RESERVAS BIOLÓGICAS: São áreas destinadas à proteção integral da biota e demais atributos naturais nelas existentes sem interferência humana direta. PARQUE NACIONAL: Tem como objetivo a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica. Este item contempla os parques estaduais e municipais. MOMUMENTO NATURAL:Tem como objetivo preservar sítios naturais raros ou de grande beleza cênica. REFÚGIO DE VIDA SILVESTRE:São áreas com o objetivo de proteger ambientes naturais de forma a assegurar a existência e reprodução das espécies.

B) UNIDADES DE USO SUSTENTÁVEL ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL(APA): São criadas com o objetivo de assegurar o bem estar das populações humanas e conservar ou melhorar as condições ambientais da área. ÁREAS DE RELEVANTE INTERESSE ECOLÓGICO: Tem por finalidade manter os ecossistemas naturais de importância regional ou local através de regulação do seu uso. FLORESTAS NACIONAIS (FLONAS): Áreas de conservação ambiental destinadas a funcionar como laboratório natural para desenvolvimento de técnicas plantio e de reflorestamento. RESERVA EXTRATIVISTA: Área utilizada por populações extrativistas, visa assegurar os meios de vida dessas populações e o uso sustentável dos recursos naturais. RESERVA DE FAUNA: Área natural adequada para estudos sobre o manejo e uso sustentável dos recursos faunísticos. RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: O mesmo que reservas extrativistas. RESERVA PARTICULAR DO PATRIMÔNIO NATURAL: Área privada, tem o objetivo de conservar a diversidade biológica.

C) ESPAÇOS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS ÁREAS NATURAIS TOMBADAS (ANTs): O tombamento visa proteger o patrimônio natural, implicando em restrições de uso para garantir a proteção e manutenção das características das áreas. RESERVA DA BIOSFERA DA MATA ATLANTICA (RBMA): Esta área foi escolhida pela UNESCO em 1970, a área deveria ser representativa dos diferentes Biomas e das áreas não zonais. RESERVAS ESTADUAIS (REs): Categoria transitória de manejo, cujos recursos naturais devem ser conhecidos e preservados para uso futuro. SÍTIOS DO PATRIMONIO MUNDIAL (SPMN): São bens inestimáveis e insubstituíveis não apenas para uma nação mas para toda humanidade.

Os tópicos A e B, Conforme a Lei Federal nº 9985/00 que criou o Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza.

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ANEXO 5: TABELAS

Tabela 35 - Composição da Renda Bruta, Produção e Preços Médios por atividade na RESEX Chico Mendes - 1996/1997

Atividade RB Total % Total RESEX

RB Média

RB Mediana Prod. Média

Preço Médio

Extrativismo 47.459,25 41%

443,54 346,80

Castanha 24.693,95 21%

574,28 520,20 198,71 2,89

Borracha 22.417,80 19%

367,50 290,00 633,63 0,58

Mel de Abelha 344,50 0%

172,25 172,25 26,50 6,50

Óleo de Patoá 3,00 0%

3,00 3,00 1,50 2,00

Agricultura 38.305,26 33%

399,01 286,50

Arroz consorciado 10.612,32 9%

505,35 489,60 1.052,81 0,48

Feijão 9.977,29 9%

453,51 344,00 527,34 0,86

Farinha de Mandioca

6.246,60 5%

390,41 217,50 448,75 0,87

Melancia 2.900,00 2%

966,67 1.000,00 483,33 2,00

Farinha consorciada 2.523,00 2%

504,60 435,00 580,00 0,87

Arroz solteiro 2.397,60 2%

399,60 387,60 832,50 0,48

Milho consorciado 1.098,90 1%

137,36 96,00 858,52 0,16

Tabaco 910,00 1%

910,00 910,00 130,00 7,00

Mandioca 332,00 0%

166,00 166,00 415,00 0,40

Rapadura 285,00 0%

285,00 285,00 300,00 0,95

Milho 273,60 0%

273,60 273,60 1.710,00 0,16

Banana 263,00 0%

263,00 263,00 100,00 2,63

Abacate 186,00 0%

186,00 186,00 600,00 0,31

Limão 120,00 0%

120,00 120,00 2.000,00 0,06

Coloral 110,20 0%

36,73 34,80 6,33 5,80

Pepino 49,00 0%

24,50 24,50 49,00 0,50

Café 12,75 0%

12,75 12,75 15,00 0,85

Maxixe 8,00 0%

8,00 8,00 8,00 1,00

Criações 30.253,64 26%

328,84 179,00

Boi 14.853,00 13%

873,71 651,00 3,57 245,00

Porco 8.082,64 7%

299,36 225,00 6,65 45,00

Aves 6.423,44 6%

149,38 111,25 33,57 4,45

Carneiro 804,40 1%

201,10 161,00 15,61 12,88

Cabra/bode 90,16 0%

90,16 90,16 7,00 12,88

Total RESEX 116.018,15 100%

Obs.: 1. Considera-se como unidade de medida para os diversos produtos o padrão; 2. Valores em R$ Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia - UFAC

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Tabela 36 - Composição do custo, produção total e índice de desempenho econômico – RESEX Chico Mendes- 1996/1997

Produto CT Produção Total

Custo Unitário

Preço Médio

IEE

Extrativismo

Castanha 16.577,35 8.544,62 1,94 2,89 1,49

Borracha 55.786,12 38.651,38 1,44 0,58 0,40

Mel de Abelha 44,55 53,00 0,84 6,50 7,73

Óleo de Patoá 250,26 1,50 166,84 2,00 0,01

Agricultura

Arroz consorciado 10.944,06 22.109,00 0,50 0,48 0,97

Feijão 6.747,20 11.601,50 0,58 0,86 1,48

Farinha de Mandioca 8.004,75 7.180,00 1,11 0,87 0,78

Melancia 356,00 1.450,00 0,25 2,00 8,15

Farinha consorciada 3.680,80 2.900,00 1,27 0,87 0,69

Arroz solteiro 1.921,99 4.995,00 0,38 0,48 1,25

Milho consorciado 1.796,91 6.868,13 0,26 0,16 0,61

Tabaco 358,53 130,00 2,76 7,00 2,54

Mandioca 1.556,33 830,00 1,88 0,40 0,21

Rapadura 37,42 300,00 0,12 0,95 7,62

Milho 124,80 1.710,00 0,07 0,16 2,19

Banana 93,83 100,00 0,94 2,63 2,80

Abacate 27,58 600,00 0,05 0,31 6,74

Limão 6,43 2.000,00 0,00 0,06 18,66

Coloral 88,29 19,00 4,65 5,80 1,25

Pepino 441,54 98,00 4,51 0,50 0,11

Maxixe 343,10 8,00 42,89 1,00 0,02

Criações

-

Boi 12.264,39 60,62 202,30 245,00 1,21

Porco 2.066,02 179,61 11,50 45,00 3,91

Aves 3.257,17 1.443,47 2,26 4,45 1,97

Carneiro 16,07 62,45 0,26 12,88 50,06

Cabra/bode 54,81 7,00 7,83 12,88 1,64 Fonte: Projeto ASPF/Depto. de Economia - UFAC

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Tabela 37 Produção média, preço médio, RB média máxima e mínima – RESEX Chico Mendes – 1996/1997

Atividade/Produto Produção Média

Preço Médio

RB Média

RB Máxima

RB Mínima

Extrativismo

443,54

2.312,00 3,00

Castanha 198,71 2,89 574,28 2.312,00 11,56

Borracha 633,63 0,58 367,50 1.740,00 22,04

Mel de Abelha 26,50 6,50 172,25 325,00 19,50

Óleo de Patoá 1,50 2,00 3,00 3,00 3,00

Agricultura

399,01 1.740,00 8,00

Arroz consorciado 1.052,81 0,48 505,35 1.234,56 12,00

Feijão 527,34 0,86 453,51 1.523,06 43,00

Farinha de Mandioca 448,75 0,87 390,41 1.740,00 17,40

Melancia 483,33 2,00 966,67 1.400,00 500,00

Farinha consorciada 580,00 0,87 504,60 1.305,00 174,00

Arroz solteiro 832,50 0,48 399,60 518,40 307,20

Milho consorciado 858,52 0,16 137,36 547,20 32,00

Tabaco 130,00 7,00 910,00 910,00 910,00

Mandioca 415,00 0,40 166,00 320,00 12,00

Rapadura 300,00 0,95 285,00 285,00 285,00

Milho 1.710,00 0,16 273,60 273,60 273,60

Banana 100,00 2,63 263,00 263,00 263,00

Abacate 600,00 0,31 186,00 186,00 186,00

Limão 2.000,00 0,06 120,00 120,00 120,00

Coloral 6,33 5,80 36,73 58,00 17,40

Pepino 49,00 0,50 24,50 25,00 24,00

Café 15,00 0,85 12,75 12,75 12,75

Maxixe 8,00 1,00 8,00 8,00 8,00

Criações

328,84 2.450,00 4,45

Boi 3,57 245,00 873,71 2.450,00 217,00

Porco 6,65 45,00 299,36 855,00 32,70

Aves 33,57 4,45 149,38 667,50 4,45

Carneiro 15,61 12,88 201,10 386,40 96,00

Cabra/bode 7,00 12,88 90,16 90,16 90,16 Fonte: Projeto ASPF/Depto. de Economia - UFAC

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Tabela 38 - Composição da renda total, máxima, mínima, média e mediana – RESEX Chico Mendes – 1996/1997

Atividade RB Total % Total RESEX

RB Máxima RB Mínima

RB Média RB Mediana

Extrativismo 47.459,25 41%

2.312,00 3,00 443,54 346,80

Castanha 24.693,95

21%

2.312,00 11,56 574,28 520,20

Borracha 22.417,80 19%

1.740,00 22,04 367,50 290,00

Mel de Abelha 344,50 0%

325,00 19,50 172,25 172,25

Óleo de Patoá 3,00 0%

3,00 3,00 3,00 3,00

Agricultura 38.305,26 33%

1.740,00 8,00 399,01 286,50

Arroz consorciado 10.612,32 9%

1.234,56 12,00 505,35 489,60

Feijão 9.977,29 9%

1.523,06 43,00 453,51 344,00

Farinha de Mandioca 6.246,60 5%

1.740,00 17,40 390,41 217,50

Melancia 2.900,00 2%

1.400,00 500,00 966,67 1.000,00

Farinha consorciada

2.523,00 2%

1.305,00 174,00 504,60 435,00

Arroz solteiro 2.397,60 2%

518,40 307,20 399,60 387,60

Milho consorciado 1.098,90 1%

547,20 32,00 137,36 96,00

Tabaco 910,00 1%

910,00 910,00 910,00 910,00

Mandioca 332,00 0%

320,00 12,00 166,00 166,00

Rapadura 285,00 0%

285,00

285,00 285,00 285,00

Milho 273,60 0%

273,60 273,60 273,60 273,60

Banana 263,00 0%

263,00 263,00 263,00 263,00

Abacate 186,00 0%

186,00 186,00 186,00 186,00

Limão 120,00 0%

120,00 120,00 120,00 120,00

Coloral 110,20 0%

58,00 17,40 36,73 34,80

Pepino 49,00 0%

25,00 24,00 24,50 24,50

Café 12,75 0%

12,75 12,75 12,75 12,75

Maxixe 8,00 0%

8,00 8,00 8,00 8,00

Criações 30.253,64 26%

2.450,00 4,45 328,84 179,00

Boi 14.853,00 13%

2.450,00 217,00 873,71 651,00

Porco 8.082,64 7%

855,00 32,70 299,36 225,00

Aves 6.423,44 6%

667,50 4,45 149,38 111,25

Carneiro 804,40 1%

386,40 96,00 201,10 161,00

Cabra/bode 90,16 0%

90,16 90,16 90,16 90,16

Total RESEX 116.018,15 100%

Fonte: Projeto ASPF/Depto de Economia - UFAC