82
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NUMA MICRORREALIDADE DA EDUCAÇÃO PÚBLICA FLUMINENSE AMANDA MOREIRA DA SILVA RIO DE JANEIRO 2012

A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

Embed Size (px)

DESCRIPTION

O presente trabalho fará uma discussão a respeito da precarização do trabalho docente, utilizando autores que problematizam conceitualmente se os professores e professoras podem (ou não) se enquadrar numa categoria de trabalhadores proletarizados. Com uma nova dinâmica educacional imposta nas últimas décadas, esses profissionais vêm passando por um grande processo de mudança perceptual de seu trabalho e ao longo do tempo passaram por profundas modificações do que diz respeito à perda de prestígio, status social e perda do controle sobre o próprio trabalho. Com o objetivo de entender como se dá esse processo na Rede Estadual do Rio de Janeiro, a análise terá como base uma microrealidade da educação pública fluminense, uma escola localizada na periferia do município de São Gonçalo, que nos serviu de campo empírico. Por fim, para entender a realidade da educação vivenciada pelos sujeitos envolvidos na pesquisa, será exposto um breve estudo da dinâmica educacional fluminense nas últimas três décadas.

Citation preview

Page 1: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NUMA MICRORREALIDADE DA EDUCAÇÃO

PÚBLICA FLUMINENSE

AMANDA MOREIRA DA SILVA

RIO DE JANEIRO

2012

Page 2: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

A meus pais Adelmo e Genilde

Ao meu irmão Alexandre, ao companheiro Victor, aos demais familiares e amigos

Que ao longo desses 26 anos, contribuíram para minha formação

E estiveram presentes nas conquistas pessoais, acadêmicas e profissionais

Aos companheiros e companheiras de militância estudantil e sindical que convivi nos últimos

anos,

Que dedicam suas forças e vidas

Para possibilitar a efetiva transformação da sociedade em que vivemos

Dedico.

Page 3: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

AGRADECIMENTOS

A conclusão desse curso de especialização, em 2012, certamente significa uma

importante vitória pessoal. Uma superação acadêmica, política e profissional que me

proporcionou novos saberes, experiências e indagações.

Para ingressar no Curso de Especialização Saberes e Práticas da Educação Básica

(CESPEB), o requisito era atuar na rede pública de ensino, uma coerente opção política da

coordenação. Enquanto professora da Rede Estadual do Rio de Janeiro, ingressei no curso a

fim de obter um maior entendimento das políticas públicas educacionais na busca de intervir

na realidade vista e vivenciada.

A turma de políticas públicas, certamente refletiu a realidade educacional do nosso

estado. A presença de professores (as), coordenadores (as) e gestores (as) dos mais diversos

municípios, foi de fundamental importância para o engrandecimento de todos os pontos

discutidos nas aulas, proporcionando o confronto entre teoria e prática cotidiana, vivenciado

na dura realidade educacional do estado do Rio de Janeiro.

Portanto, agradeço também:

Ao orientadora da monografia Libânia Nacif Xavier, por cada discussão, incentivo e

principalmente pela forma atenciosa com que observou cada capítulo deste trabalho.

A professora Sonia Lopes que em suas aulas me incentivou e transmitiu confiança

para que eu tentasse a prova do mestrado, dando prosseguimento à pesquisa e aos estudos.

Aos colegas de turma, pelas animadas e enriquecedoras aulas das noites de terça e

quinta e manhãs e tardes de sábados.

Aos meus alunos e colegas professores e professoras do Colégio Estadual Dr.

Rodolpho Siqueira que contribuíram muito para as análises aqui expostas.

Page 4: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

Primavera nos dentes

João Apolinário

Quem tem consciência pra ter coragem Quem tem a força de saber que existe

E no centro da própria engrenagem Inventa a contra mola que resiste

Quem não vacila mesmo derrotado Quem já perdido nunca desespera

E envolto em tempestade decepado Entre os dentes segura a primavera

Page 5: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

RESUMO

O presente trabalho fará uma discussão a respeito da precarização do trabalho docente,

utilizando autores que problematizam conceitualmente se os professores e professoras podem

(ou não) se enquadrar numa categoria de trabalhadores proletarizados. Com uma nova

dinâmica educacional imposta nas últimas décadas, esses profissionais vêm passando por um

grande processo de mudança perceptual de seu trabalho e ao longo do tempo passaram por

profundas modificações do que diz respeito à perda de prestígio, status social e perda do

controle sobre o próprio trabalho. Com o objetivo de entender como se dá esse processo na

Rede Estadual do Rio de Janeiro, a análise terá como base uma microrealidade da educação

pública fluminense, uma escola localizada na periferia do município de São Gonçalo, que nos

serviu de campo empírico. Por fim, para entender a realidade da educação vivenciada pelos

sujeitos envolvidos na pesquisa, será exposto um breve estudo da dinâmica educacional

fluminense nas últimas três décadas.

ABSTRACT

The current assignment will make a discussion on the teachers’ precarious working

conditions, using authors who problematize conceptually whether teachers could (or not) fit

into a category of proletariat. Being imposed by a educational dynamic in the last decades,

these professionals are going through a great process of perceptual change of their work and

over time they have undergone profound shifts regarding the loss of prestige, social status,

and (loss of) control on their own work. Aiming at understanding how this process happens in

the state (education) network of Rio de Janeiro, the analysis will be based upon a micro reality

of the fluminense public education, a school located in São Gonçalo city, which served us as

empirical field. Eventually, to understand the education reality experienced by the persons

who are involved in the reaserch, it will be shown a brief study of the fluminense educational

dynamic in the last three decades.

Page 6: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

SUMÁRIO

Apresentação.................................................................................................................. 9

Capítulo 1: A precarização do trabalho docente....................................................... 12

1.1 Os professores estão se proletarizando?....................................................... 12

1.2 O professor nos dias de hoje......................................................................... 17

1.3 Precarização do trabalho docente: necessidade de observar elementos

de uma realidade empírica............................................................................ 22

Capítulo 2: Uma microrrealidade da educação pública fluminense.........................25

2.1 A comunidade local e a escola..................................................................... 25

2.2 O “Clima escolar” e as relações intra-escolares........................................... 30

2.3 A escola e os professores.............................................................................. 33

Capítulo 3: A percepção dos professores sobre as políticas educacionais e o

processo de precarização do trabalho docente.......................................................... 36

3.1 O grupo pesquisado...................................................................................... 36

3.2 O “mal-estar” docente.................................................................................. 40

3.3 A relação com os alunos............................................................................... 42

3.4 O controle sobre o próprio trabalho.............................................................. 44

3.5 A percepção dos professores sobre as políticas governamentais ................. 47

Capítulo 4: Políticas educacionais fluminenses nas últimas três décadas............... 50

4.1 Da abertura democrática ao neoliberalismo: conseqüências no mundo do

trabalho e na educação.................................................................................. 52

4.2 A marca da descontinuidade na política educacional do estado do Rio de Janeiro................................................................................................................ 57

4.3 A precarização do trabalho docente no estado do Rio de Janeiro e a

meritocracia na educação............................................................................. 61

4.4 Condições do trabalho docente nos últimos decênios.................................. 64

4.5 Organização sindical e resistência do professorado..................................... 67

Considerações finais..................................................................................................... 70

Referências.................................................................................................................... 72

Anexos.............................................................................................................................76

Page 7: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

78

SILVA, Amanda Moreira da. A precarização do trabalho docente numa microrrealidade da educação pública fluminense/Rio de Janeiro: UFRJ/CFCH, 2012. p.81 Orientadora: Libânia Nacif Xavier Monografia (especialização) – UFRJ/CFCH/Curso de Especialização Saberes e Práticas na Educação Básica em Políticas Públicas e Projetos Socioculturais em Espaços Escolares, 2009. Palavras-chave:

1. Precarização - Trabalho docente - Proletarização. 2. 3. Professores – Professoras – Educadores – Professorado. 4. Rede Estadual do Rio de Janeiro – Educação Estadual – Educação Pública Fluminense. 5. Escola - Políticas públicas educacionais – Políticas governamentais - Meritocracia. 6. Década de 90 – Neoliberalismo – Sindicalismo – Resistência. I. SILVA, Amanda Moreira da. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Faculdade de Educação, Curso de Especialização Saberes e Práticas na Educação Básica. III. A precarização do trabalho docente numa microrrealidade da educação pública fluminense.

Page 8: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Faculdade de Educação

Pós-Graduação Lato Sensu

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO

SABERES E PRÁTICAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA

MONOGRAFIA DE CONCLUSÃO

A Precarização do Trabalho Docente

numa microrrealidade da Educação Pública Fluminense

Aluna: Amanda Moreira da Silva

Orientadora: Libânia Nacif Xavier

ABRIL 2012

Page 9: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

Nome da aluna: Amanda Moreira da Silva

Título do trabalho: A Precarização do Trabalho Docente

numa microrrealidade da Educação Pública Fluminense

AVALIAÇÃO

_________________________________________________________

_________________________________________________________

_________________________________________________________

_________________________________________________________

_________________________________________________________

_________________________________________________________

_________________________________________________________

Grau conferido: ______________

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

Profª Libânia Nacif Xavier

________________________________________

Profª Sonia Maria de Castro Nogueira Lopes

________________________________________

Profª Vânia Cardoso da Motta

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Faculdade de Educação

Curso de Especialização Saberes e Práticas na Educação Básica - CESPEB

Políticas Públicas e Projetos Sócio Culturais em Espaços Escolares

Page 10: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

9

APRESENTAÇÃO

O tema de pesquisa foi motivado por minha própria experiência que, enquanto

trabalhadora/professora de escolas da rede pública estadual, posso observar uma profunda

insatisfação cotidianamente manifestada por professores e professoras destes

estabelecimentos de ensino, por meio de queixas de esgotamento que acarretam em

absenteísmo, pedido de transferências, licenças médicas e vontade de abandonar do

magistério.

A análise da realidade próxima é o que costuma nos incomodar com mais relevância.

Portanto, a curiosidade que motiva a presente pesquisa se deve à insatisfação presente não só

com as minhas próprias condições de trabalho, mas, principalmente, com as condições às

quais a categoria está submetida. Estas se evidenciam na escola em que atuo, onde o corpo

docente em sua maioria é composto por profissionais com mais de uma ou mesmo duas

décadas de atuação na Rede Estadual.

As condições de trabalho e a realidade da escola pública no estado do Rio de Janeiro

são temas sobre os quais eu venho refletindo há algum tempo. Sem esquecer que cada escola

possui uma realidade que se difere das demais, é certo, também, que cada professor, além de

trabalhar da maneira que acredita ser a melhor, percebe ao seu modo os acontecimentos em

seu entorno. Parece que quanto mais o tempo passa, mais o exercício da profissão se torna

menos gratificante e o que me intriga bastante é o fato de que em todas as conversas com

professores mais antigos da escola, ocorra um incentivo para que nós, os mais novos,

deixemos a profissão, que procuremos algo melhor enquanto há tempo e que não nos

acomodemos no magistério. Este é um discurso que presencio todos os dias na sala de

professores em diálogo com os colegas.

Este discurso está muito presente na fala da maioria dos professores com significativo

tempo de magistério estadual, e posso perceber que, uma pessoa que ensina durante vinte,

trinta anos, ela não faz simplesmente alguma coisa, ela faz também alguma coisa de si

mesma: sua identidade carrega as marcas de sua própria atividade, e uma boa parte de sua

existência será caracterizada por sua atuação profissional.

Tenho percebido no meu tempo de atuação que a sala de professores é um local rico de

diversidades e de reclamações, funciona quase como uma terapia para os professores, onde

eles expressam suas angústias e insatisfações. Nem sempre essas insatisfações resultam em

Page 11: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

10

resistência ou revolta por parte dos mesmos professores. A esse respeito, o que eu percebo é

uma falta de perspectiva de mudança ao lado de acomodação e fatalismo.

Tendo em vista a importância de se chegar até o chão da escola para compreender as

mudanças que de fato ocorrem no cotidiano docente, um dos objetivos desta pesquisa será

analisar os efeitos das políticas públicas sobre o cotidiano de trabalho desses professores,

tendo como ponto de partida o discurso do professor com longo tempo de trabalho no

magistério estadual.

Um projeto que tinha em mente quando de sua elaboração, era a realização de

entrevistas. Porém, a escassez de tempo devido ao término do ano letivo, não permitiram

concluir esta etapa, ficando para estudos posteriores, possivelmente no mestrado, no qual

ingressei este ano, nesta mesma instituição. Na etapa presente, o material utilizado para a

pesquisa foi composto por questionários com perguntas semi-estruturadas que tiveram por

objetivo entender como estes profissionais encaram o processo de precarização do trabalho,

dentro dos sucessivos planos estipulados pelo governo estadual, e perceber como isso

interfere diretamente em seu trabalho e em sua concepção de educação.

Uma microrealidade da educação do estado do rio de janeiro, o C.E. Dr. Rodolpho

Siqueira, localizado na periferia do município de São Gonçalo, nos servirá de base para

analise de um processo que atinge toda a rede, sem exceções. A partir daí, termos elementos

localizados que não impedem uma análise mais generalizante.

O que se expõe no presente trabalho é o resultado das análises efetuadas a partir dos

dados obtidos. A natureza da pesquisa realizada recomenda que se adote um tom

marcadamente descritivo da apresentação dos resultados, todavia não se trata de uma pretensa

neutralidade que se sabe impossível de ser alcançada. Por mais descritiva que a pesquisa

possa se apresentar, ela não deixa nunca de ser interpretativa. Neste caso, enquanto

pesquisadora, não me anulei completamente e a subjetividade se fez presente desde o primeiro

momento, quer na seleção do conteúdo considerado relevante, quer na necessária

problematização que adotei na tentativa de levar os pesquisados a melhor compreender os

fenômenos apresentados.

Em relação à representatividade é preciso uma consideração, pois o que torna

relevante um estudo de caso não é, necessariamente, a representatividade estatística dos

Page 12: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

11

fenômenos considerados. Assim, por menor que seja a representatividade de um indivíduo em

relação ao conjunto, o importante é que ele valha pela sua exemplaridade.

A monografia compõe-se de quatro capítulos. No primeiro capítulo faremos uma

análise mais conceitual, buscando entender em que categoria podemos incluir os professores e

professoras, considerando que estes trabalhadores vêm sofrendo ao longo do tempo um

profundo processo de mudança do que diz respeito a perda de prestígio, status social e perda

do controle sobre o próprio trabalho. O objetivo neste capítulo será fazer um debate teórico

elencando alguns autores clássicos e outros que vêm discutindo, mais recentemente, a

temática da proletarização e da precarização do trabalho docente.

Buscando fazer o debate a partir da base, ou seja, o chão da escola, o segundo capítulo

tem por objetivo descrever uma microrealidade da educação pública fluminense. O Colégio

Estadual Dr. Rodolpho Siqueira, escola na qual trabalhava no momento da pesquisa e que

possui um corpo docente amplo com longo tempo de atuação no magistério estadual, foi

escolhida como campo empírico do presente trabalho.

No terceiro capítulo, que é o cerne da monografia, será apresentado os resultados da

pesquisa realizada com os professores do Colégio Estadual Dr. Rodolpho Siqueira. Aqui,

traremos reflexões e formularemos hipóteses a partir dos dados coletados, que venham a

contribuir para o entendimento de como o professor enxerga o processo de perda de controle

do seu trabalho e como identificam os diferentes planos de governo que possam ter acentuado

o processo de precarização do trabalho docente ao longo do seu tempo de atuação.

Por fim, no quarto capítulo, faremos uma breve discussão acerca das políticas

educacionais do estado do Rio de Janeiro nas últimas três décadas, onde faremos um

levantamento das principais características que influenciaram o campo educacional a partir da

abertura democrática, chegando aos tempos neoliberais, na busca por entender a conjuntura

do período vivenciado pelos sujeitos entrevistados.

Page 13: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

12

Capítulo 1: A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE

1.1 Os professores estão se proletarizando?

“Se nós comparássemos o professor ao proletário, que preocupou as reflexões de Marx naqueles

célebres manuscritos de 44, diríamos que o professor foi objetificado e ainda o é na sociedade brasileira.

Isso é curioso, porque se ele não trabalha com as mãos, ele é um intelectual.”

(FERNANDES, Florestan. 1989, p.157)

A reflexão inicial baseada em Florestan Fernandes nos remete a uma indagação

importante. Antes de qualquer análise sobre a precarização do trabalho docente, é preciso

entender em que categoria incluiríamos estes trabalhadores, que sofreram ao longo do tempo

um profundo processo de mudança do que diz respeito a perda de prestígio, status social,

perda do controle sobre o próprio trabalho, mas que apesar desses fatores, esses trabalhadores

têm como atividade fim o ensino, que por si carrega uma série de características peculiares e

de certa forma delimita ainda uma autonomia sobre sua atividade, embora seja cada vez mais

difícil.

Tendo isso em vista, traremos o debate colocado entre alguns autores clássicos e

autores que tem problematizado o tema mais recentemente, que de acordo com suas

respectivas visões enxergam o trabalho docente de formas diferenciadas e contribuem para a

análise que se seguirá no presente trabalho.

Há diversos autores que buscam analisar a discussão sobre a adequação (ou não) do

emprego das mesmas categorias utilizadas na análise do processo de trabalho na fábrica para

uma interpretação das relações de trabalho na escola. Estas diferentes formas existentes de

análise do trabalho escolar são baseadas muito em conceitos desenvolvidos por Marx na

questão do trabalho produtivo/improdutivo, para afirmar se há uma proletarização da

categoria docente. Saviani lança mão da perspectiva de análise aberta por Marx para

aprofundar o exame da natureza do processo pedagógico e conclui que, em virtude da

natureza do fenômeno do processo educativo, a teoria do modo de produção capitalista e os

Page 14: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

13

conceitos de mais-valia, alienação, proletários, etc., não podem aplicar-se de forma plena à

escola.

A escola, em razão da natureza do seu trabalho, do seu “produto” subjetivo e da

matéria-prima com que trabalha, apresenta muitas especificidades que nos dão meios para

uma valorosa investigação. Neste sentido, podemos partir do seguinte pressuposto: A fábrica

situa-se ao nível da produção, logo, o trabalho realizado no seu interior é produtivo e gera

mais-valia, enquanto que a escola não gera mais-valia e seu trabalho é considerado

improdutivo.

Quanto a essa questão, surge uma enorme polêmica, pois há quem considere o

trabalho realizado na escola como produtivo, desde que seja uma escola privada ou em vias de

privatização e organizada sob os princípios capitalistas. Porém, do ponto de vista da definição

de Marx sobre trabalho produtivo, o trabalho do servidor público não pode ser relacionado a

trabalho produtivo.

Muitos teóricos fazem uma relação linear quando da análise da organização do

processo do trabalho na fábrica e na escola. Portanto, o presente trabalho não tem como

objetivo responder às questões levantadas no seu interior, nem tampouco de solver a polêmica

quanto à relação linear, assumida nas analogias entre Fábrica e Escola. Mas sim, contribuir na

discussão do problema, apontando alguns pontos para a reflexão.

Enguita (1991) afirma que os professores no Brasil sofrem um processo de

proletarização acelerado, apresentam algumas características que podem situá-los, mesmo

levando-se em conta a situação ambivalente que vivem, mais num campo de constituição

como classe trabalhadora do que como uma categoria de profissionais liberais. O autor

destaca que as condições de trabalho têm imposto uma situação extremamente precária que os

distancia, em termos de renda e prestígio, do profissionalismo; e as conquistas, quando

ocorrem, se dão através de lutas sindicais – em entidades que estão organizadas muito mais

segundo os moldes dos sindicatos de trabalhadores do que de associações profissionais.

Em primeiro lugar o autor destaca a importância de se entender o termo

“proletarização” livre das conotações que o associam unilateralmente ao trabalho fabril, ao

mesmo tempo explica o que é o profissional liberal e a classe operária em sentido estrito.

Segundo Enguita, não se pode entender a proletarização como um salto ou uma mudança

drástica de condição, mas como um processo prolongado, desigual e marcado por conflitos,

Page 15: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

14

pelo qual um grupo de trabalhadores perde o controle sobre os seus meios de produção, o

objetivo de seu trabalho e a organização de sua atividade. Afirma ainda que o docente perdeu

progressivamente a capacidade de decidir qual será o resultado de seu trabalho, pois este já

lhe chega previamente estabelecido em forma de disciplinas, horários, programas, livros

didáticos, normas de avaliação, etc.

A proletarização pode incluir tomada do tempo de ensino por tarefas administrativas

de rotina: preenchimento de boletins escolares, de diários de classe, de formulários de

encaminhamento de alunos para serviços especializados, do acréscimo de outras tarefas ao

trabalho original do professor (o ensino), algumas das quais se revestem de sentido

assistencialista: distribuição de merenda, encaminhamento para atendimento médico,

participação em eventos da comunidade, realização de concursos de interesse da comunidade

etc.

A proletarização é o processo pelo qual o trabalhador não tem controle sobre o

trabalho que executa: muitas vezes não participa da sua concepção e avaliação e desenvolve o

que outros estabeleceram para ele apenas cumprir. Além disso, o trabalho se realiza sem as

condições necessárias e o trabalhador não recebe a remuneração devida. Na proletarização, o

professor não domina o processo de trabalho, isto é, apenas cumpre ordens, como é o caso da

simples aplicação de “pacotes” de ensino, controlando mais as crianças e cada vez instruindo

menos.

Apple (1991) contribui para esta discussão e afirma que, em relação aos currículos,

estes são feitos de cima para baixo, dentro de uma lógica de proletarização, onde a integração

de sistemas de gerenciamento, de currículos reducionistas de base comportamental e

procedimentos tecnicistas leva a uma perda de controle e a uma separação entre os que

concebem e os que executam.

Uns acreditam que há uma especificidade do trabalho escolar que é relevante e impõe,

portanto, uma análise diferenciada; outros dizem que apesar das diferenças – consideradas de

certa maneira secundárias – a natureza das relações de trabalho na escola é capitalista e as

principais características do trabalho fabril podem ser encontradas na escola. Autores como

Kreutz (1986) e Wenzel, (1994), alegam que este fator está diretamente relacionado com o

capitalismo e com a divisão do trabalho no interior da escola.

Page 16: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

15

Hypólito (1991) afirma que é fundamental considerar aspectos mais antropológicos,

para que a análise não se reduza a uma interpretação economicista/determinista da escola.

Para ele, a escola está perpassada pela lógica capitalista de maneira profunda, isto significa

dizer que, por um lado, ela não está “imune” a esta lógica e, por outro lado, o modelo fabril

não pode ser utilizado mecanicamente para a análise da escola. E dentro disso, o trabalhador

do ensino está, por vários aspectos, numa situação de ambivalência, apresentando

características de proletarização e profissionalismo, revelando sua identidade social

contraditória.

O autor também inclui a questão de gênero em seu artigo, afirmando que a análise de

classe é insuficiente para interpretar o trabalho de ensinar e utiliza de citações de Apple e

Enguita para afirmar que a composição feminina da força de trabalho na educação tem

contribuído para a proletarização da categoria e dificultado a profissionalização. Neste ponto,

o autor dialoga com Ozga e Lawn (1991), que em trabalhos mais recentes, também têm

destacado a importância do gênero na análise do processo de trabalho.

Apple e Teitelbaun (1991) destacam a separação entre concepção e execução, onde a

pessoa que está realizando o trabalho perde a visão do processo global e perde o controle

sobre seu próprio trabalho, uma vez que alguém fora da situação imediata tem agora maior

controle tanto sobre o planejamento quanto sobre o que deve ser realmente realizado.

Afirmam ainda que esta perda de autonomia direta ou indiretamente, acaba refletindo em

alienação do trabalho, e diz que não há nenhuma fórmula melhor para a alienação e o

desânimo que a perda de controle do próprio trabalho. Os autores destacam que é bastante

infeliz que termos como “desânimo” tenham tanta circulação, uma vez que o torna um

problema psicológico ao invés de um problema realmente estrutural relacionado ao controle

do trabalho do professor. E apontam que, mesmo com as pressões exercidas sobre os

professores, estes têm claramente tentado manter o controle de suas práticas, embora esteja

cada vez mais difícil fazer isso.

Um interessante estudo sobre esta temática está contido no trabalho de Lessard et al. (2010),

que busca analisar como o rendimento do trabalho dos educadores está associado de modo

significativo à carga de trabalho e às condições de trabalho , mas também igualmente às

relações sociais que cercam o exercício cotidiano da profissão. O exame atento dos resultados

de sua pesquisa levou o autor a concluir que a influência das relações sociais é mais

importante que aquela das condições de trabalho. Ou seja, as relações com os alunos exercem

Page 17: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

16

uma influência claramente tão ou mais significativa que outros fatores estudados: quanto mais

as relações são gratificantes, ao menos segundo a percepção dos educadores, mais os

professores tem a tendência de atribuir um desempenho positivo à profissão. E, por outro

lado, as relações difíceis com os alunos têm um efeito nefasto sobre a experiência profissional

dos educadores. O mesmo se dá, ainda que em menor grau, no que se refere à qualidade das

relações com os outros membros da equipe pedagógica.

No mesmo nível, Tardif e Lessard (1999) afirmam que o caráter central da relação

com os alunos no desempenho dos educadores, o que é típico das profissões de relações

humanas que só se realizam em, com e para os seres humanos, é tão importante quanto às

condições de trabalho, para a satisfação dos docentes com o trabalho.

O clima na escola, a relação entre os próprios professores, entre a direção e os

professores, e entre os professores e os pais de alunos, também influenciam na satisfação com

o trabalho e no desempenho profissional. Embora isso não possa ser ignorado, não podemos

esquecer que essas mesmas relações estão perpassadas por dinâmicas de trabalho,

provenientes de políticas públicas educacionais, que levam a um relacionamento interpessoal

pouco satisfatório, competitivo e ameaçador que acabam acarretando num mal-estar no

ambiente de trabalho.

Esteve et al (2004) desenvolveram um programa de combate ao mal estar docente e

em seus estudos afirmam que as atividades profissionais em que há relações interpessoais

intensas podem ser mais susceptíveis de causar sintomas que traduzem burnout e exaustão

profissional, isto é, o sujeito empenha-se, mas percebe falta de reconhecimento do seu esforço

e sente incapacidade para fazer face às exigências, o que pode provocar exaustão emocional,

despersonalização e falta de realização pessoal.

Por outro lado, em pesquisa realizada com professoras da rede pública de ensino,

diferentemente daquilo que vinha afirmando a teoria da proletarização, Vieira (1992)

encontrou uma série de contradições entre as demandas das políticas educacionais e

curriculares oficiais e as práticas e concepções desenvolvidas pelas professoras no seu

cotidiano de trabalho. As professoras não se viam totalmente apartadas das funções

conceptuais do seu trabalho, garantindo um relativo controle sobre o ensino que

desenvolviam, limitando as tentativas do Estado e do capital em conformar o trabalho escolar

às suas demandas. Sobre a autonomia, afirma que o “simples” fato de que o estado deseja

encontrar formas “mais eficientes” de organizar o ensino não garante que isto será efetivado

sobre um professorado que tem uma longa história de práticas de trabalho e de auto-

Page 18: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

17

organização assim que as portas de suas salas se fecham. Os efeitos reais dessas tentativas

para reter o controle do trabalho pedagógico podem levar a resultados ideológicos bastante

contraditórios.

Os estudos elencados até aqui listam certo número de fatores associados ao “mal-

estar” no ensino, o aumento da carga de trabalho, à insatisfação no trabalho devido a sua

precarização, a perda de autonomia, entre outros, que podem refletir na vontade de deixar a

profissão ou em sua manutenção sem satisfação profissional.

Segundo Nóvoa (1999), o excesso dos discursos esconde a pobreza das práticas

políticas. Neste fim de século, não se vêm surgir propostas coerentes sobre a profissão

docente. Bem pelo contrário, as ambiguidades são permanentes e a partir dos diversos autores

verificamos os diferentes enfoques e diferentes perspectivas encontradas.

Neste sentido, o estudo do trabalho docente para Ozga e Lawn (1991) deve ser

histórico; deve ser reconhecido o movimento dos professores; a entrada no ensino e de

afastamento dele; a mudança nas escolas, nas autoridades e nas políticas educacionais centrais

e locais; e ao mesmo tempo deve ser desconstruída a idéia de proletarização como inexorável

e passar a enxergar o problema como político e não só econômico.

1.2 O professor nos dias de hoje

Embora haja a importância de uma análise conceitual, é importante analisar quem é o

professor nos dias de hoje, e começar por afirmar que a figura do professor como um

profissional autônomo, dono de um saber e com um reconhecimento público, deu lugar a um

professor assalariado, participante de sindicatos fortes, com pouca qualificação e pouco

controle sobre o seu trabalho.

Levando em consideração a possível ambiguidade em afirmar se o professor pode ser

considerado ou não integrante da classe trabalhadora, podemos concluir que análises sobre a

temática da proletarização foram feitas, contestadas e reelaboradas devido ao consenso de

buscar entender a precarização do trabalho docente em suas diferentes vertentes. Porém esta

análise está longe do esgotamento e as polêmicas permanecem devido a toda a natureza

particularmente complexa que o ensino possui.

O mais importante é que a partir desta análise teórica, podemos incluir elementos

concretos e presentes na realidade vista e vivenciada na educação, afinal as políticas públicas

Page 19: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

18

desenvolvidas no contexto da globalização e do neoliberalismo têm orientado as ações do

Estado no campo educacional, como forma de regulação social. Essas políticas produzem

efeitos importantes para o campo educacional, com ênfase no currículo, na gestão e no

trabalho docente. Por meio de estratégias de avaliação, tipicamente gerencialistas, o Estado

tem obtido êxito na padronização curricular, na implantação de políticas de formação docente

e na submissão da escola e da educação aos interesses do mercado. Os modos de gestão,

insistentemente mostrados como a solução para a educação, chegam às escolas como formas

estranhas de administração e a cada dia mais se mostram ineficientes diante dos problemas

escolares. Contudo, essas políticas de regulação continuam sendo a tônica das políticas de

Estado para a educação.

As políticas que têm definido o desenho curricular para a educação brasileira vêm

sendo delineadas e implementadas desde o final dos anos de 1980, marcadamente como

políticas educativas de caráter neoliberal. A introdução de sistemas de avaliação da educação

e do desempenho docente é crucial para essa regulação por parte do Estado, que passa a

controlar e a avaliar desde longe, por meio da contratação de terceiros para realizar a

avaliação externa. Tais modelos gerenciais são baseados na qualidade e no mérito e os

problemas da educação ficam reduzidos a problemas técnico-gerenciais.

Os efeitos dessas políticas são inúmeros, e em escala, atingem desde aspectos

relacionados à pressão emocional e ao estresse, com o aumento do ritmo e da intensificação

no trabalho, até aspectos que ocasionam mudanças nas relações sociais, tais como a maior

competição entre docentes, a redução da sociabilidade na vida escolar, as ações profissionais

mais individualizadas, o distanciamento das comunidades e o aumento da carga de trabalho

burocrático (produção de relatórios, avaliações externas e seus usos para comparações que

contribuem com o aumento do terror).

Ademais, indica Ball (2005), observa-se maior vigilância sobre o trabalho docente e os

resultados escolares, o que é obtido por intermédio de uma amenização das relações sociais

que são redefinidas como uma espécie de “contrato”. Dessa forma, o Estado obtém uma

separação maior entre os valores, projetos educacionais e perspectivas, colocando, de um

lado, a administração – orçamento, recrutamento e gestão – e, de outro, o professorado, com

implicações sérias para o currículo, para as necessidades dos estudantes, o trabalho em classe

e os registros escolares.

Page 20: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

19

A partir de um censo realizado em 1997 – o Censo do Professor – pelo Instituto de

Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), Pedro Demo (2000) analisou, ainda que de forma

rudimentar, o perfil do professor básico brasileiro e as relações que o rodeavam. A partir deste

estudo, pudemos perceber que a educação no estado do Rio de Janeiro vem piorando a cada

dia. Sendo este estado a “mostra viva” do descaso estadual com a educação e os professores

que, comparando-se com os salários médios municipais e particulares, o estadual era o mais

baixo, ocupando um dos últimos lugares em termos de salários médios em âmbito nacional.

Nos dizeres de Demo (2000) o Rio de Janeiro, apesar de sua rica história cultural, política e

econômica no país é “um caso espantoso [...] no nível estadual, pratica uma política absurda

com respeito aos docentes” (p.45). Chegando a mencionar que “o descaso pela educação

básica torna-se aqui patético” (p. 39). Além dos salários, o autor também chama a atenção

para “a precariedade da aprendizagem no Rio de Janeiro, o pior Estado da Região Sudeste”

(p.57). Revelando “o descaso clássico das estruturas políticas ligadas ao setor” (p.49).

Professores foram, talvez, mais intensamente afetados pela proletarização do que

qualquer outra categoria de trabalhadores urbanos no Brasil, processo que se intensifica desde

a ditadura militar. Segundo Cunha (1991), o professor primário da rede estadual de São Paulo

tinha o salário médio por hora equivalente a 8,7 vezes o salário mínimo, em 1967. Já em

1979, esta média havia baixado para 5,7 vezes (...). No Rio de Janeiro, de onde se dispõe de

séries mais longas, o salário equivalia (no Distrito Federal ou na rede estadual situada no

município da capital) a 9,8 vezes o salário mínimo em 1950, despencando para 4 vezes em

1960 e atingindo 2,8 vezes em 1977 (...). Treze anos depois, desceu ainda mais: 2,2 salários

mínimos.

A despeito das teses de desvalorização e desqualificação do trabalho docente serem

amplamente aceitas como um processo que tem se agravado nos últimos anos, pouco se tem

discutido tais fenômenos à luz das mudanças mais recentes nas escolas. Oliveira (2004), diz

que na realidade os estudos mais significativos a esse respeito datam de duas décadas atrás e

ressalta a importância de se chegar até o chão da escola para compreender as mudanças que

de fato ocorrem no cotidiano docente.

A autora destaca as reformas educacionais a partir da década de 90 como elementos

chave desta mudança estrutural no trabalho docente e diz que são necessários esforços que

vão além da interpretação do texto das reformas, abarcando o contexto em que se

desenvolvem. Afirma que a literatura sobre o tema não tem oferecido aportes seguros para a

Page 21: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

20

análise dos processos mais recentes de mudança, o que justifica a necessidade imperiosa de

investigações que procurem contemplar a difícil equação entre a macrorrealidade dos sistemas

educacionais e o cotidiano escolar.

A autora faz o recorte temporal do período das reformas executadas a nível federal, do

governo FHC em diante, inspiradas pela política educacional implementada pela Conferência

Mundial sobre Educação Para Todos de 1990, que trouxe a idéia de educação para a equidade

social. Este período trouxe certamente profundas mudanças nas políticas educacionais,

mudanças que tiveram seus precedentes, mas que aqui se acentuam de forma avassaladora.

Aspectos vinculados ao excesso de atribuições provocam importantes conseqüências

aos professores, pois, perante a necessidade de dar conta das tarefas imediatas, inviabilizam as

possibilidades de desenvolver a contento o seu trabalho: dar boas aulas. A sobrecarga advinda

dessa multiplicidade de funções, a quantidade de turmas, o número de alunos a atender, o

número de horas dedicadas à prática docente ou, até mesmo, a falta de tempo para a

qualificação desejada, podem ser considerados fatores de precarização do trabalho docente,

principalmente quando acarretam prejuízo à qualidade de vida desses professores, que acabam

levando a uma insatisfação com o trabalho e mesmo um afastamento da profissão. Em casos

extremos, muitos professores poderão vir a abandonar a própria função docente por causa do

desgaste experimentado durante seu ciclo profissional. Porém, muitos permanecem, mas

trabalhando muito abaixo de seu potencial. Como forma de manter o emprego, o professor vê-

se obrigado a adotar mecanismos defensivos, de modo a garantir sua subsistência.

Se o trabalho modifica o trabalhador e sua identidade, modifica também, sempre com

o passar do tempo, o seu “saber trabalhar”, portanto, dentro das atuais políticas públicas para

a educação, dentro dos respectivos planos governamentais que só escamoteiam os problemas

e sucateiam ainda mais a educação pública, é de crucial importância olhar também para o

professor enquanto sujeito neste processo, observar como que com o passar do tempo, os

professores aprendem a conhecer e a aceitar seus próprios limites dentro deste sistema. Se o

conhecimento prático torna-os mais flexíveis, se eles se distanciam mais dos programas, das

diretrizes e das rotinas, se os respeitam em termos gerais ou os ignora, e até que ponto as

preocupações essenciais trazidas pelos docentes e que caracterizam o método de ensinar:

manter a ordem na aula, fazer trabalhar os alunos, fazer aprender, são de fato considerados.

Portanto, é interessante levar em conta os saberes experienciais e perceber os momentos da

carreira nos quais ocorrem as mudanças de atitude do professorado.

Page 22: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

21

Os professores podem aparecer invisíveis em descrições dos sistemas educativos, ou

surgirem apenas como “elementos neutros”, uma massa imutável e indiferenciada que

permanece constante ao longo do tempo e do espaço. O professor é agora um trabalhador da

escola, com deveres para além da sala de aula, sobre os quais serão inspecionados e o novo

aspecto da identidade, promovido através do novo discurso de trabalho da escola e do

discurso nacional da competição, é o de que os professores têm de ser disciplinados,

obedientes, motivados, responsáveis e comprometidos socialmente.

De acordo com Lawn (2001), a “massa” de professores, num sistema de “massas”, é

agora distinguida pela sua aquisição gradual do modelo empresarial dominante. Hoje, os

professores transformaram-se numa “massa” de empregados de organizações pseudo-

privadas, homogeneizadas por este processo, ao mesmo tempo que, pela competição entre

elas, se diferenciam. Segundo Anadon e Garcia (2004), na última década, esses discursos

educacionais de responsabilização do professor pelo fracasso da escola pública e o insucesso

dos alunos, interpelaram e vem interpelando os docentes da escola pública dos ensinos

fundamental e médio.

As políticas educativas atuais, baseadas na autonomia dos estabelecimentos e na

profissionalização do ensino, visam aumentar a eficácia da escola; são valores de forte

conotação econômica, valorizando a perfomance e a eficiência. Esses são os valores que

fundamentam estas políticas, que tendem a responsabilizar e culpar os docentes pelos

fracassos dos sistemas educativos.

Isso se reflete em vários aspectos: trabalho, currículo, avaliação. Em relação a esta

última, o Estado do Rio de Janeiro possui vários programas de avaliação da educação básica,

que incluem provas e avaliações em larga escala, como o SAERJ E O SAERJINHO1, as quais

visam fornecer elementos para as soluções gerenciais indicadas. Antes o programa Nova

Escola, concebido e implantado pelo governo do Estado do Rio de Janeiro em 2000, também

tinha este objetivo, e ainda garantia aos professores gratificações proporcionais

às suas realizações educacionais. Isto nos remete à Hypolito (2010), quando afirma que a

“performatividade” é a que gera os efeitos de terror sobre as professoras e os professores,

equipes diretivas e sociedade, por meio da neurose da accountability (prestação de contas ou, 1 O SAERJ (Sistema de Avaliação de Educação do Estado do Rio de Janeiro) e o SAERJINHO consistem em proporcionar um diagnóstico da rede estadual de ensino, avaliando conhecimentos de Português e Matemática e premiando os alunos com base no desempenho nas provas. Com o resultado do SAERJ, a Secretaria de Estado de Educação pode avaliar individualmente cada escola, identificando os pontos positivos e o que precisa ser melhorado. (Fonte: www.educacao.rj.gov.br, visitado em janeiro de 2012)

Page 23: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

22

ainda, responsabilização). É uma performatividade baseada na qualidade, na padronização e

na avaliação, principalmente externa e em larga escala.

A gestão da identidade profissional dos docentes é uma tarefa central no governo e na

condução do sistema educacional e escolar de uma nação. Definir pelo discurso que categoria

é essa, como deve agir, quais suas dificuldades e problemas é produzir uma parcela das

condições necessárias à fabricação e à regulação da conduta desse tipo de sujeito.

Um dos argumentos centrais de Lawn (2001) traduz-se na ideia que a gestão da

identidade dos professores é crucial para a compreensão, quer de sistemas educativos

democráticos, ou totalitários. O autor defende que as alterações na identidade são manobradas

pelo Estado, através do discurso, traduzindo-se num método sofisticado de controle e numa

forma eficaz de gerir a mudança: pretende-se argumentar que ideias acerca da governação

através do discurso, da construção de identidades oficiais e do policiamento das fronteiras da

identidade (associando a identidade dos professores à identidade nacional e de trabalho) são

úteis à compreensão de determinadas fases de desenvolvimento do ensino público e estatal,

em qualquer nação.

O fracasso dos planos educacionais implementados veio acompanhado da

culpabilização do professor. No entanto, por um lado, os professores são olhados com

desconfiança, acusados de serem profissionais medíocres e de terem uma formação deficiente;

por outro lado, são bombardeados com uma retórica cada vez mais abundante que os

considera elementos essenciais para a melhoria da qualidade do ensino e para o progresso

social e cultural. Ninguém pode carregar aos ombros missões tão vastas como aquelas que são

cometidas aos professores e que eles próprios, por vezes, se atribuem.

1.3 Precarização do trabalho docente: necessidade de observar

elementos de uma realidade empírica

Estudos sobre a precarização do trabalho docente nos trazem elementos fundamentais

que são um reflexo da realidade educacional e de sua influência direta no trabalho do

professor. Fatores como as mudanças no processo de trabalho nas escolas, a realocação, o

treinamento, a flexibilidade, as perspectivas declinantes da carreira, a perda da capacidade de

determinar os fins de seu trabalho, e contraditoriamente a manutenção de sua autonomia de

Page 24: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

23

forma resistente por parte do professorado, são elementos que exigem muita clareza de análise

devido à especificidade e complexidade que envolvem a tarefa de ensinar.

Neste sentido, com a experiência e atuação na rede estadual, certamente os próprios

profissionais podem acrescentar diversos outros aspectos da realidade cotidiana para as

“teorias de proletarização”, pois na Rede Estadual do Rio de Janeiro fica evidente dentre os

profissionais da educação, a insatisfação devido às condições de trabalho, salário e com a

própria autonomia pedagógica, embora este último fator não seja tão evidenciado nos

discursos. Estes profissionais podem contribuir significativamente para entender o processo

de precarização do trabalho dos professores da Rede Estadual do Rio de Janeiro, que não

deixa de ser um reflexo da crise estrutural da educação pública no país, e da necessidade dos

governantes de adequar a escola às mudanças na economia.

Tendo como pano de fundo um contexto de reestruturação do trabalho pedagógico em

face das mudanças ocorridas no mundo trabalho e que as alterações na dinâmica da educação

se dá dentro de um processo de mudanças no sistema econômico, é possível partir da

identificação de que esse cenário influencia o processo de precarização do trabalho docente e

a alteração de suas identidades profissionais.

A remuneração dos professores da rede estadual do Rio de Janeiro, segundo os estudos

de Demo (2000), uma das mais baixas do país, tem sido um dos pontos mais discutidos nos

últimos anos. Tornando-se uma preocupação constante no cotidiano dos professores, pois

interfere na carga horária de trabalho, na quantidade de empregos, no tempo que possuem

para continuar sua qualificação (formação continuada), o que reflete diretamente em sua

motivação para o trabalho.

A dinâmica de sobrecarga de trabalho, os baixos salários, a cobrança e a precarização

do trabalho no cotidiano escolar, refletem em desilusão, reclamações e ao mesmo tempo em

conformismo, vontade de sair da área, de procurar outra carreira, de fazer outros concursos e

abandonar o magistério. No entanto, estes mesmos profissionais acabam revelando estratégias

de sobrevivência neste sistema escolar que apesar de precarizados, muitos se mantêm

trabalhando nestas condições por necessidade ou falta de opção, já que a estabilidade no

emprego possui maior peso sobre a situação de desemprego estrutural pela qual passa a

sociedade.

Page 25: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

24

Os professores com maior tempo de atuação no magistério estadual tornam-se sujeitos

importantes para o entendimento do processo de precarização do trabalho docente, pois

passaram por diversas tentativas de implementação de “planos de metas” para a educação e

todo o processo que o acompanha, como as avaliações externas realizadas, que tem como

objetivo a utilização de indicadores de eficiência, e que buscam sempre associar a

remuneração do professorado e demais integrantes da equipe escolar ao rendimento dos

alunos em testes de aprendizagem. Coloca-se, então, a necessidade de entender o processo de

precarização, acentuados nas últimas décadas, assim como ver percepção desses profissionais

sobre sua própria atuação e seus interesses coletivos.

Page 26: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

25

Capítulo 2: UMA MICROREALIDADE DA EDUCAÇÃO PÚBLICA

FLUMINENSE

Neste capítulo, nossa atenção se voltará, especialmente, para a descrição de uma

microrealidade da educação pública fluminense, onde haverá a exposição de características de

uma escola da Rede Estadual.

O objetivo neste ponto será partir de um estudo de caso, para entender o fenômeno

pesquisado, sem deixar de ter compreensões mais generalizantes. Inicialmente, haverá uma

breve exposição da escola escolhida e como ela se constitui, também serão levantadas

características do bairro no qual ela se localiza e como esta escola tem sofrido os efeitos das

políticas públicas educacionais.

Será demonstrado, no presente capítulo, o reflexo das políticas educacionais no

cotidiano da escola pública, refletindo na estrutura física, no “clima escolar” e nas relações

intra-escolares. E por fim, levantaremos a relação do professorado com as atuais políticas

públicas, assim como alguns problemas que estariam ocasionando a falta de mobilização da

categoria profissional docente em meio a todo esse processo.

O Colégio Estadual Dr. Rodolpho Siqueira (CEDROS) nos serve de campo empírico

para a temática estudada devido a vários aspectos. Dentre eles, o fato de ser a primeira escola

que tive atuação como professora, ter ocasionado a minha primeira adesão à greve dos

profissionais da educação e de ter sido palco de inúmeros e constantes desafios ocasionados

pelas atuais políticas.

Soma-se a isso, o fato de ser uma escola localizada na periferia, de evidenciar todo o

processo de precarização existente na Rede Pública do Rio de Janeiro e ter um corpo docente

com significativo tempo de atuação no magistério estadual, que passou por um período de

nova significação da escola e do trabalho docente. Um período onde acompanhou-se um

processo de progressiva degenerescência da educação pública e onde impõe-se que o

professor enfrente na sala de aula as conseqüências da falta de investimento na educação, que

tem contribuído para a deterioração da escola pública e sua homeopática privatização, baseada

nos princípios neoliberais que sustentam as políticas educacionais nas últimas décadas.

2.1 A comunidade local e a escola

Page 27: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

26

“Colubandê” é o bairro onde se localiza a escola, que fica situado no distrito sede do

município de São Gonçalo. Pela sua localização, a atividade comercial ganha destaque devido

aos diversos estabelecimentos comerciais: supermercados, farmácias e principalmente os

atacadistas; abrigando boa parte da juventude e dos trabalhadores em geral. O ramo industrial

também ganha destaque, pois no bairro também encontramos algumas fábricas têxteis e

atualmente encontra-se um setor imobiliário em expansão, com a presença de construtoras na

inicialização de obras dos condomínios residenciais.

O bairro Colubandê apresenta uma densidade demográfica alta, com cerca de 100000

habitantes2. O transporte coletivo é explorado no bairro por diversas empresas de ônibus e

transporte alternativo, sendo estes, utilizados pela comunidade escolar. A escola se situa

paralelamente a Rodovia Amaral Peixoto, via expressa com grande circulação de veículos. É

percorrendo esta estrada ou uma das ruas paralelas mal iluminadas ou sem asfalto que se

atinge o Colégio Estadual Dr. Rodolpho Siqueira.

O atendimento médico na região é feito através de uma Unidade de Pronto

Atendimento e pelo “Hospital Geral de São Gonçalo” (Hospital Geral Alberto Torres).

Quanto ao atendimento educacional, o bairro dispõe de Creche Comunitária, uma escola

municipal, três colégios privados, um CIEP, o Colégio Comendador Valentim dos Santos

Diniz, sede do projeto NATA (Núcleo Avançado de Educação em Tecnologia de Alimentos e

Gestão de Cooperativismo) e uma universidade privada. Sua taxa de alfabetização vem

crescendo em comparação aos bairros do entorno.

As características negativas levantadas pelos moradores se localizam na questão da

falta de segurança, iluminação, ruas sem asfalto e esgoto a céu aberto que acarretam em

muitos mosquitos e doenças. Outro problema muito presente na comunidade é a falta de

estrutura e investimento na contenção dos efeitos das chuvas, há no bairro grandes áreas de

risco por enchentes.

A região citada possui poucas atividades de lazer para a população. Os locais

restringem-se a uma praça em revitalização e ao Batalhão de Polícia Florestal e do Meio

Ambiente, onde as pessoas, principalmente os jovens frequentam para a prática de atividades

físicas e esportivas. 2 O que nos serve de base para o levantamento dos dados citados a seguir referentes ao bairro e à instituição, foram informações e documentos coletados junto à secretaria da escola, bem como um plano de gestão oferecido pela direção que preencheu o espaço de informações que deveriam estar contidas no Projeto Político Pedagógico, que até a conclusão desta pesquisa, encontrava-se em construção.

Page 28: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

27

O índice de criminalidade é alto, os assaltos são freqüentes nas proximidades da

escola, porém o bairro em si não é caracterizado pelos moradores como uma favela ou

composto por favelas, porém, “ao redor” do bairro existem no mínimo quatro comunidades

onde há a presença do tráfico de drogas. Grande parte dos alunos do CEDROS é formado por

habitantes da própria localidade e também das quatro favelas existentes no entorno.

Através do decreto 1343 de 11/04/45 houve a criação do Grupo Escolar de Colubandê,

posteriormente, através do decreto 11820 de 14/06/65 há a transformação do grupo escolar em

Escola Dr. Rodolpho Siqueira, somente em 2001, com a criação do ensino médio, houve a

transformação de escola para Colégio Estadual Dr. Rodolpho Siqueira. A escola pertence à

Coordenadoria Regional Metropolitana II, que engloba o município de São Gonçalo, no Rio

de Janeiro.

As modalidades de ensino oferecidas pela escola são: ensino fundamental (6º ao 9º

ano) e ensino médio (regular). Seu quadro funcional é composto por professores e

funcionários. Dentre os professores, temos 65 efetivos, sendo duas professoras compondo o

núcleo de direção, seis no técnico-pedagógico e um no núcleo administrativo; além desses

temos três professores contratados, três afastados por motivo de licença médica e dois em

licença especial.

Dentre os funcionários, incluindo o núcleo administrativo e o núcleo operacional,

temos oito efetivos e sete terceirizados, ficando evidente aqui a grande quantidade de

funcionários contratados por empresas e uma ausência de novos concursos para funcionários

administrativos, uma característica muito presente na política estadual nos últimos anos.

A diretora geral junto à adjunta e aos funcionários da secretaria compõem na verdade

uma espécie de corpo técnico-administrativo da escola. Todos têm jornada de 40 horas

semanais de trabalho em turnos alternados, de modo a garantir a presença de alguém

responsável pela escola durante todo o horário de funcionamento, o que nem sempre acontece,

principalmente no período noturno. Sendo este fato passível de críticas constantes pela

comunidade escolar.

O Colégio Estadual Dr. Rodolpho Siqueira está instalado em uma área de 2598,52m²

composta por 11 salas de aula, um pequeno pátio central, refeitório, cozinha, quadra esportiva

com uma pequena arquibancada, sala de leitura, secretaria, uma pequena cantina, sala de

coordenação e orientação educacional, laboratório de informática, laboratório de ciências, sala

Page 29: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

28

de professores e dois banheiros para alunos. A escola possui uma estrutura pouco adequada,

os espaços estão em estado de conservação ruim, as paredes das salas de aula estão

constantemente imundas, sem nenhuma movimentação para modificar esses aspectos. A

escola fica situada em uma superfície não plana e não possui entrada para cadeirantes, embora

não haja alunos com necessidades especiais na escola, sua estrutura impediria até mesmo o

acesso de portadores.

O Colégio possui uma topografia bastante irregular. O edifício localiza-se sobre um

terreno em desnível e se constitui de quatro módulos interligados. Para ter acesso a escola é

preciso subir uma rua bastante elevada, onde os alunos têm acesso a um pequeno portão

situado na parte lateral da escola. Há outro acesso, geralmente utilizado pelo corpo docente e

funcionários que se situa na frente da escola, onde há uma rampa. Após ultrapassar o portão,

encontra-se o primeiro módulo, onde se localizam as dependências administrativas da escola,

e também a sala de leitura e biblioteca, esta muito bem equipada e organizada. Os livros

colocados à disposição dos alunos são em sua maioria de literatura infanto-juvenil, literatura

brasileira, best-sellers ou didáticos.

Após esse espaço, somente há escadas de acesso, sendo três lances de escadas que

levam ao segundo andar. Nele encontram-se o refeitório, a cozinha, a sala de professores e o

pátio que se situa no centro, com as salas de aula ao redor. As salas de aula são pequenas,

num total de onze. São mal conservadas no que tange a limpeza e manutenção estrutural, ou

seja, estão pichadas, com muitas carteiras e vidros quebrados, portas e janelas quebradas e

sem fechaduras, além de quadros negros em estado precário ou mesmo ausência de mesas

para os professores. Com o processo de climatização das escolas da rede, todas as salas de

aula foram equipadas com dois aparelhos de ar condicionado, porém poucos funcionam, ou

funcionam abaixo do seu potencial.

Mais acima, o que seria uma terceira dependência, localiza-se uma quadra que

pretende poliesportiva, cimentada, pequena e em mau estado de conservação e limpeza, que

apesar de todos os percalços, constitui-se no único equipamento utilizado pela escola para

recreação e desporto dos alunos, além das aulas de educação física. Iluminada, para garantir

sua utilização pelas classes noturnas, tem em sua lateral uma pequena arquibancada de

cimento. Os laboratórios de informática e de ciências são utilizados muito limitadamente,

devido à burocracia intra-escolar, que fazem dos seus usos algo não tão presente no cotidiano

dos alunos e professores.

Page 30: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

29

Em termos de equipamentos e material didático, o que existe na escola vai pouco além

do quadro e do pilot. Restringem-se eles a um projetor de slides, um televisor e um DVD, que

podem ser utilizados por todos os professores mediante agendamento, todavia todos os

equipamentos têm pouca utilização devido à própria burocracia intra-escolar. Por vezes há o

equipamento e não há um notebook, ou uma extensão de tomada, o que inviabiliza a

utilização ou mesmo desmotiva a utilização dos recursos didáticos.

Os materiais de trabalho para o professor têm sido cada vez mais escassos, sendo alvo

de críticas cada vez mais presentes, em especial dos professores de artes e educação física, por

possuírem pouco ou mesmo nenhum material para trabalhar em sala de aula. Os professores

de arte possuem pouquíssimo material para trabalho, resumindo-se muitas vezes ao lápis de

cor, e a educação física só possui uma bola de futebol, disponibilizada para cada professor,

responsabilizando-o pela manutenção da mesma.

A escola possui 1100 alunos que na sua grande maioria reside na própria comunidade.

Estes são divididos nos três turnos, ficando onze turmas no turno na manhã, dez turmas à

tarde e seis pertencentes ao período noturno. Além dessas turmas regulares, há desde 2009,

uma turma do Projeto Autonomia (modalidade de ensino que utiliza a metodologia de vídeo-

aulas, numa parceria entre a Secretaria de Estado de Educação e a Fundação Roberto

Marinho).

Além das modalidades de ensino em turnos regulares, há desde 2010, o projeto Mais

Educação3, que oferece atividades esportivas, e reforço de matemática e português no contra-

turno. Uma iniciativa coordenada pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e

Diversidade (SECAD/MEC), em parceria com a Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC) e

com as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação. Sua operacionalização é feita por

meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), do Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação (FNDE).

3 Segundo o site do MEC, visitado em 04 de janeiro de 2012 (portal.mec.gov.br), o programa Mais Educação visa fomentar atividades para melhorar o ambiente escolar, tendo como base estudos desenvolvidos pelo Fundo das Nações Unidas para a infância (UNICEF), utilizando os resultados da Prova Brasil de 2005. Nesses estudos destacou-se o uso do “Índice de Efeito Escola – IEE”, indicador do impacto que a escola pode ter na vida e no aprendizado do estudante, cruzando-se informações socioeconômicas do município no qual a escola esta localizada. Por esse motivo, a área de atuação do programa foi demarcada inicialmente para atender, em caráter prioritário, as escolas que apresentam baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), situadas em capitais e regiões metropolitanas.

Page 31: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

30

O CEDROS não possui uma qualidade de ensino ressaltada, a escola não possui bons

índices de desenvolvimento, apresenta níveis muito baixos em exames que dão acesso ao

ensino superior e apresenta um alto grau de evasão, principalmente no período noturno. Entre

os professores, uma opinião muito presente é que o ensino oferecido pelo CEDROS é de

muito baixo nível. Em conversa informal com os professores, um deles diz que “esta escola

está entregue às moscas, a pior do bairro.” Nesta e em outras manifestações, pôde-se perceber,

aliado à crítica irreverente, certa inconformidade por a escola não ter a qualidade e o prestígio

que gostariam que tivesse.

2.2 O “Clima escolar” e as relações intra-escolares

Para podermos determinar as causas do comportamento de um indivíduo em situação

de trabalho, neste caso a situação dos professores, precisamos considerar as suas

características pessoais, o contexto econômico e político, mas também o seu ambiente ou

clima de trabalho, pois isso certamente influencia a sua prática.

Fernandes (1989) afirma que se o professor quer mudança ele não pode estar alheio a

dimensão interna a escola e cair num extremismo pedagógico que falha quando acredita que

as mudanças só podem se dar de fora pra dentro, ou seja, modificando a sociedade para

modificar a escola. Ele afirma que a mudança deve acontecer nos dois níveis – dentro da

escola e fora dela e conclui neste ponto que há mudanças antecipadas, que ocorrem em

primeiro nível de uma instituição e podem avançar em relação às transformações da

sociedade.

“Não se trata de colocar o educador naquela perspectiva de ódio às instituições. Vamos acabar com

todas as escolas, elas são prisões. Todas as prisões precisam ser destruídas. Não se trata disso.

Instituições e valores são sempre redefinidos na marcha das civilizações. O homem nunca se livrou de

certas instituições.” (FERNANDES, 1989, p.173)

Além disso, ele diz que o professor está numa tensão política permanente com a

realidade e só pode atuar sobre essa realidade se for capaz de perceber isso politicamente.

“Se o professor pensa em mudança, tem que pensar politicamente. Não basta que disponha de uma

pitada de sociologia, uma outra de psicologia, ou de biologia educacional, muitas de didática, para que

se torne um agente de mudança. E nesse caso, por exemplo, Dewey e sua escola deram uma prova

muito rica do que o pragmatismo norte-americano conseguiu fazer, usando a escola como instrumento

Page 32: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

31

de transformação do meio social ambiente. É muito importante estudar o que foi feito nos Estados

Unidos, tentando aproveitar os recursos materiais e culturais do ambiente, para modificar a relação do

estudante com a sociedade.” (Ibid.; p.167)

O autor diz que não se trata de proclamar uma utopia e dizer – “nós temos uma

fórmula, graças a esta fórmula vamos produzir a nova escola, e esta vai gerar a nova

sociedade, que, por sua vez, formará a nova geração”. Já se pensou nisso, não só no Brasil,

como também na Europa e nos Estados Unidos. “A realidade é que as transformações são

conquistadas a duras penas. Os professores entram, agora, nas mais difíceis condições de uma

nova era, tal como está acontecendo com os proletários.” (p.175)

Fernandes agrega ainda outros dados, como o clima de violência e diz que isto tem

desabado nas escolas primárias, secundárias, e até nas escolas superiores, em termos de

destruição de equipamentos, de salas de aulas, de brutalização de estudantes, de professores e

diretores.

Segundo Brunet (1995), cada escola tem um clima específico e o clima de uma

organização resulta dos comportamentos e das políticas dos membros que a integram,

especialmente da direção. O autor afirma que o clima determina a qualidade de vida e a

produtividade dos docentes e dos alunos, atuando como catalizador dos comportamentos

observados nos atores de uma organização. O autor afirma que o clima organizacional diz

respeito às percepções dos atores escolares em relação às práticas existentes numa dada

organização.

No entanto, isso deve nos servir de referência para ajudar a interpretar uma situação e

o próprio comportamento do indivíduo. Neste caso, observar como os membros que integram

determinado estabelecimento de ensino percebem o clima escolar pode nos dar instrumentos

de interpretação que visam compreender como o professor enxerga o processo de

precarização do seu trabalho, objetivo a ser alcançado aqui.

No Colégio Estadual Dr. Rodolpho Siqueira, alunos e professores reclamam da

direção, que se encontra bem ausente do cotidiano pedagógico. Em resumo, os professores se

sentem desvalorizados pela direção da escola, que reflete uma relação gerencial e onde os

atritos têm sido constantes. Uma das principais reclamações feitas pelos docentes nos últimos

tempos tem sido o trato da direção, a ausência de informações e a não valorização dentro da

escola.

Page 33: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

32

Poderíamos caracterizar o CEDROS como possuidor de um clima fechado, ou seja,

um ambiente de trabalho considerado pelos seus membros como autocrático, rígido,

constrangedor, onde os indivíduos não são considerados nem consultados.

A relação entre os professores é amigável e os atritos existentes entre os próprios

colegas no contexto do CEDROS são pouco presentes e parecem se dar em momentos

delimitados. Como exemplo clássico, temos o final/inicio de ano letivo, na montagem dos

horários, onde os professores antigos fazem-se valer de seus direitos sobre os professores

novos em relação as prioridades de horários, dias e turmas. Mas não há aqui nenhuma

polarização evidente, somente nos bastidores.

Outro conflito evidenciado aconteceu durante a greve da rede estadual de 2011, onde a

grande maioria dos profissionais da escola não aderiu ao movimento. Tivemos apenas cinco

professores grevistas, o que acabou gerando um mal estar dentre aqueles que fizeram greve,

que estiveram na luta econômica por mais conquistas para a categoria e foram pouco

valorizados por isso. No geral, temos um corpo docente marasmático e pouco mobilizado no

CEDROS, o que dificulta as discussões políticas e acarreta apatia e desmobilização.

A relação entre os alunos e os professores parece refletir as mesmas características

levantadas por quem discute o problema educacional nos dias de hoje. O conflito de

perspectivas, a ausência de objetivos claros do papel da escola e um amplo acesso de uma

parcela da população que não parece se adequar aos moldes da escola, refletem nas relações

entre os principais atores desse contexto. Essa situação nova conduz a alterar o quadro de vida

da juventude, assim como o modo como é percebida a escola, o mundo do trabalho e a relação

entre ambos. O sentido do trabalho realizado na escola por professores e alunos passa a ser

dificultado por uma perda de legitimidade que decorre do fosso cada vez maior entre as

expectativas sociais depositadas na escola e as possibilidades de sua concretização, tal como

expressa o trecho abaixo:

“O défice de sentido é algo de comum a professores e a alunos, prisioneiros, ambos e em conjunto, dos

mesmos problemas e dos mesmos constrangimentos. [...] O problema da escola pode ser sintetizado em

três facetas: a escola, na configuração histórica que conhecemos (baseada num saber cumulativo e

revelado) é obsoleta, padece de um déficit de sentido para os que nela trabalham (professores e alunos)

e é marcada, ainda, por um défice de legitimidade social, na medida em que faz o contrário do que diz

(reproduz e acentua desigualdades, fabrica exclusão relativa).” (CANÁRIO, 2008, p.79)

Page 34: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

33

Nessa crise de paradigma acerca do papel da escola encontram-se sujeitos com papéis

delimitados, porém, com chances irrisórias de alcançar os papéis propostos. Nesse meio,

ficam os professores, dilapidados moralmente e ao mesmo tempo recebendo a atribuição de

uma missão redentora.

2.3 A escola e os professores

Levando em consideração todos os aspectos levantados, as condições materiais,

estruturais e o clima presente nas relações intra-escolares; o CEDROS não parece se

diferenciar da grande maioria das escolas públicas localizadas nas periferias dos grandes

centros urbanos. No item anterior já foi apresentado alguns problemas relacionados ao espaço

físico escolar, onde se observou que a escola apresenta-se num despojamento quase total: fora

sua força de trabalho e a sala de aula com quadro, nem sempre com pilot e apagador, o

professor pode contar com pouca coisa mais para desempenhar o seu papel.

A falta de professores é uma característica generalizada na rede pública

estadual. Segundo o SEPE (Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação) cerca de 20

professores por dia útil saem das escolas estaduais, entre exonerados e aposentados.4 Além

disso, o sindicato afirma que há uma carência de mais de 10 mil professores na rede, mas que

os baixos salários não atraem novos professores. O baixo salário oferecido, as péssimas

condições de trabalho, o desprestígio da profissão, a falta de segurança, a longa distância entre

a escola e a residência do professor e a formação deficitária são causas desse claro

movimento.

Florestan Fernandes (1989) afirma que, em relação aos professores, haveria ainda

muitos problemas a salientar. Afirma que se há um desnivelamento profissional e econômico,

há também o cultural, pois o professor que perde prestígio como profissional, perde renda e

também perde tempo para adquirir cultura e melhorá-la, a fim de ser um cidadão ativo e

exigente.

4 Segundo dados do governo, explicitados pelo secretário de Educação Wilson Risolia, durante a greve do magistério em 2011, o número de aposentadorias superaria o número de exonerações. Porém, o sindicato desmentiu essas afirmações, comprovando através dos números obtidos no Diário Oficial do Rio de Janeiro, que o número de exonerações supera e muito o número de aposentadorias, demonstrando a alta rotatividade de profissionais do magistério estadual devido às condições de trabalho e desvalorização.

Page 35: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

34

“Seria impossível, por exemplo, quando me tornei assistente na faculdade, ouvir algum professor dizer

que ganhava salário. Um professor não dizia isso. Ele tinha proventos. A concepção estamental era tão

forte, que ele se sentiria degradado se fosse considerado (ou se se considerasse) (sic) um assalariado.

Hoje, não só quer ser assalariado, mas quer lutar como assalariado, até quer imitar os operários na luta

econômica e política.” (FERNANDES, 1989, p.170)

Em relação à organização dos professores, o autor afirma que no final da década de 80,

o processo de mobilização não atingia a massa dos professores, e sim uma minoria, mas que

era essa minoria que estava levando à frente um processo novo.

“Eu fiz uma conferência, ainda este semestre, no último congresso organizado pela APEOESP. Foi uma

surpresa para mim. Havia mais de seis mil pessoas no auditório. Vê-se por aí o grau de mobilização. O

que isso representa? Não eram mais de seis mil pessoas pleiteando, do governo Sarney, nomeações para

os escalões intermediários. Eram mais de seis mil pessoas que estavam ali preocupadas com a relação

do educador com a sociedade, com a humanização do homem que nessa sociedade é despojado da sua

humanidade.” (FERNANDES, 1989, p.173)

Hoje isso se confirma ainda com bastante intensidade, onde temos sindicatos imensos

e combativos como o SEPE-RJ, a APEOESP em São Paulo e diversos outros pelo país que

impulsionaram grandes greves nos últimos anos.

Florestan Fernandes elenca esses problemas com o objetivo de mostrar a necessidade

de o professor, no seu cotidiano, ter uma consciência política aguda e aguçada, firme e

exemplar. “Não que ele deva se tornar um Quixote ou um espadachim. Mas ele precisa ter

instrumentos intelectuais para ser crítico diante dessa realidade e para, nessa realidade,

desenvolver uma nova prática, que vá além da escola.” (p.170)

Afirma ainda que a educação do educador é um processo complexo e difícil e

destacava a importância que se percebesse o que estava acontecendo na sociedade brasileira

naquela época.

Page 36: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

35

“O educador está se reeducando em grande parte por sua ação militante, à medida que aceita a condição

de assalariado, que proletariza sua consciência, portanto seus modos de ação. Isto apesar de ser uma

pessoa da pequena burguesia ou da classe média. Ele rompe com seus padrões ou então passa por um

complicado processo de marginalidade cultural, porque compartilha de duas formas de avaliação: uma,

que é mais ou menos elitista; a outra, que é mais ou menos democrática e divergente. Nessa situação-

limite, o professor se vê obrigado a redefinir sua relação com a escola, com o conteúdo da educação, sua

relação com o estudante, com os pais dos estudantes e com a comunidade em que vivem os estudantes.”

(p.172)

O autor conclui neste ponto que se assistiu a um processo novo, um processo em que o

desnivelamento econômico, social e político criaram a possibilidade de que o professor defina

a sua humanidade em confronto com a tradição cultural e com a opressão política. Porém, este

destaque de Florestan Fernandes, visível à época, acaba dando lugar a outro tipo de relação

nos dias de hoje.

Como destaca Áurea Costa (2009), hoje em dia dá-se uma relação professores/alunos

distorcida, em que os segundos passam a imputar aos professores o tratamento que deveriam

dar aos reais representantes do Estado, que os tem prejudicado durante a sua trajetória escolar.

E os professores passam a ver os alunos como aqueles que materializam a falta de respeito e

desprestígio da categoria profissional na sociedade, nas manifestações de falta de respeito e,

até mesmo, a violência. Ou seja, mutuamente as culpas são atribuídas às vítimas.

Em suma, o professor passa por um processo de perda de prestígio social generalizado,

dentro e fora da escola. Seu tempo de trabalho é cada vez mais ocupado por tarefas que não

lhe dizem respeito diretamente, a atividade prazerosa de ensinar vira um enfado no atual

contexto da escola pública, e isso acaba gerando um grande desconforto, ocasionado em

grande parte pela desvalorização, pelos baixos salários, e também pela perda do controle

sobre o próprio trabalho. Portanto, conforme sugere Canário (2008) se faz necessário

desalienar o trabalho escolar, passando do enfado ao prazer; e pensar a escola a partir de um

projeto de sociedade, pois não será possível uma escola promover a realização da pessoa

humana, numa sociedade baseada em tirania e exploração.

Page 37: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

36

Capítulo 3: A PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES SOBRE AS

POLÍTICAS EDUCACIONAIS E O PROCESSO DE PRECARIZAÇÃO

DO TRABALHO DOCENTE

O presente capítulo apresenta os dados referentes à pesquisa realizada com os

professores do Colégio Estadual Dr. Rodolpho Siqueira, escola detalhada no segundo

capítulo. Aqui, traremos reflexões e formularemos hipóteses a partir dos dados coletados, que

venham a contribuir para o entendimento de como o professor enxerga o processo de perda de

controle do seu trabalho e como identificam os diferentes planos de governo que possam ter

levado a um maior processo de precarização do trabalho docente ao longo do seu tempo de

atuação.

Num segundo momento, utilizando o conceito de Manoel Esteve, identificamos o que

caracterizaria o “mal estar docente” a partir dos professores desta escola, observando a

relação dos mesmos com a profissão, o grau de satisfação pessoal e a relação de tudo isso com

a alienação e perda de controle sobre o próprio trabalho. Ainda será destacada aqui, a relação

dos professores com os alunos, revelando neste ponto uma relação contraditória entre o

discurso e o fato declarado.

Por fim, ganhará destaque a percepção do professor em relação à perda do controle

sobre o próprio trabalho e a relação com o período histórico que isso se deu mais fortemente.

Além disso, será destacado como o processo de aumento de trabalho burocrático tem

interferido no cotidiano do professor e como este identifica essas mudanças dentro das

políticas governamentais das últimas décadas.

3.1 O grupo pesquisado

Com o objetivo de realizar uma pesquisa qualitativa sobre o processo de precarização

do trabalho dos professores da Rede Estadual do Rio de Janeiro, foi delimitado como campo

empírico o Colégio Estadual Dr. Rodolpho Siqueira, localizado no município de São Gonçalo.

A escolha da escola foi feita por esta possuir em seu quadro um grande número de professores

com longa carreira no magistério estadual.

Page 38: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

37

O conjunto de informações foi coletado de diversas maneiras, incluindo aquelas que

possibilitavam o confronto entre o discurso e a prática do professor. Durante a pesquisa,

alguns questionamentos eram feitos após a conclusão de determinado assunto ou da entrega

do questionário 5 e tinham o objetivo não de discordar das respostas fornecidas pelos

professores, mas de problematizar alguns temas por eles abordados, de modo a aprofundar

com eles a reflexão a respeito do tema e verificar suas opiniões frente a pontos de vista

divergentes.

Os (as) professores (as) pesquisados (as) passaram pelo processo de mudanças na

educação orientadas pelas sucessivas políticas de intervenção no ensino e nas escolas. Para a

observação da relação entre intervenção das políticas educacionais e as percepções dos

professores a respeito dessas políticas, nós estabelecemos como recorte temporal o período

que se inicia na década de 90 e se estende até a atualidade. Período permeado pela lógica

neoliberal, na qual o (a) professor (a) vem sofrendo uma intensificação, sobrecarga e perda de

controle do trabalho, que tem ocasionado diversas implicações visíveis.

Desde os primórdios da vida republicana brasileira, tem ocorrido uma sucessão de

reformas de ensino, seja em nível nacional, com as LDB (1961 e 1996), seja em nível estadual

ou municipal. Contudo, se, aparentemente, as primeiras reformas tinham como foco

prioritário a organização administrativa dos sistemas de ensino, incluindo a própria legislação,

ao longo do tempo, foram se estreitando os mecanismos de controle, assim como as

estratégias de intervenção estatal no trabalho dos professores.

Nas últimas décadas, percebemos que os objetivos do ensino estão cada vez mais

determinados por secretarias e governos; diversos planos e metas tem sido implementados por

diferentes políticas públicas que variam de governo para governo; e surgem limitações cada

vez maiores para a prática do magistério. Esses fatores vêm tornando o ensino uma tarefa

cada vez mais árdua, minimamente reconhecida, cada vez menos requisitada, nada

incentivada e pouco gratificante.

Os dados da pesquisa foram obtidos durante o mês de novembro de 2011 através de

questionários entregues aos professores com mais de dez anos de magistério estadual, com o

objetivo de entender como esses (as) professores (as) enxergam o processo de perda de

controle do seu trabalho e como identificam os diferentes planos de governo que possam ter

5 Em anexo (1).

Page 39: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

38

levado a um maior processo de precarização do trabalho docente ao longo de seu tempo de

atuação.

Foram entregues vinte questionários, desses retornaram quatorze. Alguns

questionários foram entregues pessoalmente, outros foram deixados nas respectivas pastas,

desta última forma seis questionários permaneceram nas pastas dos professores durante três

semanas e não foram respondidos. A entrega dos questionários pessoalmente foi interessante,

pois permitiu um esclarecimento do que consiste a pesquisa, neste caso a pesquisadora

precisou fazer uma explicação da pesquisa que não influenciasse as respostas dos professores.

Alguns professores responderam no mesmo momento da entrega contribuindo para um

diálogo onde a pesquisadora, sem deixar de ser interlocutora, se colocou mais na condição de

ouvinte.

Outros (as) professores (as) preferiram levar os questionários para responder “com

calma” e entregar em outro momento, desses, boa parte dialogou posteriormente, elogiando a

pesquisa e dizendo ser interessante alguém ouvi-los, contribuindo inclusive com outros

assuntos pertinentes que não estiveram contidos no questionário. Alguns inclusive

demonstraram interesse em saber os resultados da pesquisa.

O questionário foi composto por vinte e três perguntas: vinte e uma de múltipla

escolha e duas questões abertas. As perguntas abertas tiveram o objetivo de fazer uma

investigação mais profunda e precisa da temática central da monografia. A primeira consistiu

em perguntar ao (a) professor (a) se ele (a) se recordava de alguma política

educacional/proposta pedagógica do governo que tenha tido influências no seu exercício

profissional, neste caso a pergunta foi importante para entender o processo de precarização do

trabalho docente dentro dos planos governamentais sob o olhar dos (as) professores (as).

A segunda questão discursiva, localizada ao final do questionário, não teve o objetivo

de ser tão decisiva e importante quanto a primeira, porém ela foi fundamental ao questionário,

pois nela o professor pôde oferecer uma saída para os problemas elencados nas questões

respondidas, afirmando com suas palavras o que os fariam ficar mais satisfeitos com o

trabalho no magistério. Esse foi um cuidado presente na pesquisa, onde buscou-se perguntar

pela positiva, a fim de não cair sempre na questão da insatisfação com o trabalho, a fim de

não tornar o questionário massante, monótono ou negativista para o professor.

Page 40: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

39

O processo de precarização do trabalho tem uma forte ligação com a questão de

gênero, profissões com grande presença de mulheres, geralmente, são as que possuem as

remunerações mais baixas, são menos reconhecidas e possuem um menor status dentro da

sociedade que vivemos. Neste caso, podemos observar com base em alguns estudos e na

própria experiência que o magistério tem passado por um processo de feminização acentuado,

com grande parte de seu corpo docente composto por mulheres, estas que geralmente

permanecem por mais tempo na profissão, geralmente contribuindo com o segundo salário da

família, fato que geralmente não acontece com os homens, que com salários cada vez mais

rebaixados, buscam outra ocupação ou mesmo mudança de profissão ao longo de sua carreira.

Embora não possamos ignorar este aspecto de gênero na análise do processo de

trabalho, não será o objetivo desta pesquisa fazer uma análise de gênero ou ter como premissa

uma separação por gênero. Na coleta de dados, procurei balancear o número de professores do

sexo masculino e feminino, porém, neste caso, mesmo com uma amostra pequena,

evidenciou-se que a maior parte dos respondentes foram mulheres, contribuindo para a

confirmação da feminização do magistério como mais um meio de precarização do trabalho

docente. Como não será o objetivo da monografia fazer uma análise de gênero, a pesquisadora

não levará esta questão a fundo, porém isso não deixou de ser um dado importante e se

levássemos esta questão mais a fundo, nos permitiria observar como se dão os

questionamentos e as respostas entre homens e mulheres e mesmo se há uma mudança de

percepção em relação a gênero.

Os questionários foram entregues respeitando apenas o corte de “tempo do magistério

acima de dez anos”, porém, mesmo assim, não deixou de ficar evidenciada uma presença

maior de mulheres. Dos vinte questionários entregues, treze foram professoras e sete

professores. Para a análise dos dados, com base nos questionários que retornaram, nove

professoras e cinco professores foram considerados.

Durante a exposição dos dados, em alguns momentos ficará claro a diferença de

gênero, outros não. Portanto, quando houver referência a professores, estará sendo incluído

também as mulheres professoras, obedecendo a um critério da língua portuguesa que não

prejudique a leitura.

As perguntas que iniciam o questionário tiveram o objetivo de traçar o perfil dos

professores. Os quatorze professores entrevistados têm idades de 32 a 61 anos, destes a faixa

Page 41: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

40

etária de maior concentração foi de 40 a 50 anos, com nove professores nesta faixa de idade.

Este corte etário nos permitiria fazer uma relação entre idade/tempo de serviço e sua relação

com a percepção sobre o processo de precarização do trabalho ao longo do seu tempo de

atuação. Na pesquisa isso não se tornou tão evidente, a insatisfação com o trabalho não teve

uma relação direta com a idade, professores na faixa etária dos 30 anos demonstraram a

mesma insatisfação de professores na faixa etária dos 60 anos.

Com o objetivo de obter uma ampla perspectiva e olhares diversos, não houve critério

seletivo por disciplinas, portanto houve dentre os professores pesquisados uma grande

variedade de áreas do conhecimento, abrangendo diversas disciplinas: língua portuguesa,

inglês, ciências, biologia, filosofia, sociologia, matemática, educação física, educação

artística, geografia, química e orientação educacional. Ficou evidenciado que alguns

professores lecionam mais de uma disciplina, como uma professora de 47 anos, que leciona

biologia, química, ciências e ainda cumpre tarefas de administração escolar.

Os professores trabalham em todos os turnos ou em apenas um. Não houve critérios de

seleção neste sentido, porém apenas duas professoras e um professor trabalham somente em

um turno, neste caso o turno da manhã, considerado o menos desgastante. Em contrapartida

três professores e uma professora trabalham em todos os turnos e seis professoras e um

professor trabalham em dois turnos.

Dentre os 14 professores, apenas dois, ambos com 41 anos, não possuem pós-

graduação. Os outros 12 professores possuem, porém todos em nível de especialização,

demonstrando aqui que os professores que buscam fazer um mestrado já não permanecem na

rede. Em relação ao tempo de trabalho no magistério estadual, cinco professores possuem

mais de 20 anos de carreira, três possuem mais de 15 anos de magistério e seis professores

possuem entre 10 e 15 anos de atuação na rede estadual.

3.2 O “mal estar docente”

A maioria dos professores não se considera um profissional realizado. Na pergunta

que trouxe esse questionamento, oito professores responderam negativamente, enquanto

apenas quatro disseram estar realizados na profissão. Outros dois professores anularam a

questão, marcando as duas alternativas ou deixando a questão sem resposta, demonstrando até

Page 42: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

41

mesmo uma falta de clareza pessoal ou dificuldade de assumir, em determinada altura da vida,

uma falta de realização na profissão que se dedicou por tanto tempo.

A escolha pela carreira do magistério é um fator importante a ser considerado, pois

nos permite caracterizar e fazer uma relação do grau de satisfação do professor em

determinada fase, com suas aspirações iniciais. Isso nos permite fazer um balanço com a sua

opção pela carreira, podendo haver, ou não, uma relação direta com a satisfação. Neste caso,

foi bem diversificado a forma de escolha pela carreira no magistério: alguns professores

disseram que a docência foi uma escolha pessoal e que sempre desejaram ser professores;

outros afirmaram que não queriam ser professores, mas as circunstâncias da vida os levaram a

tal escolha; e minoritariamente outros professores afirmaram que entraram para o magistério

pretendendo mudar de profissão, mas acabaram ficando por fatores diversos.

Evidenciou-se aqui uma grande diversificação e heterogeneidade no que diz respeito

ao magistério como vocação como se costuma colocar o senso comum, demonstrando que não

é necessariamente por prazer ou por identificação que os professores se tornam professores e

permanecem no magistério, este fato muitas vezes ocorre por circunstâncias diversas, muitas

vezes por origem sócio-econômica, onde a opção pela licenciatura pode ter sido a única

alternativa palpável durante a formação do professor e pode ainda ter significado uma

ascensão social para algumas famílias depois do ingresso no magistério. Além disso, há o

fator estabilidade no serviço público, que dentro de um mercado de trabalho com trabalhos

cada vez mais precarizados, acaba sendo uma saída viável e conformativa. O que contribui

para a permanência de pessoas insatisfeitas, mas que ainda vêem o magistério como uma

alternativa, como um emprego seguro, apesar dos percalços.

A ampla maioria dos professores afirmou que estiveram mais satisfeitos em atuar no

magistério estadual nos tempos iniciais de sua carreira, apenas um professor disse que esteve

sempre satisfeito e outros dois professores afirmaram que os últimos anos tem sido mais

satisfatórios para se trabalhar. Este fator não nos dá muita clareza se houve uma identificação

com os planos governamentais implementados à época, visto que as idades dos professores

variaram e não foi possível estabelecer um tempo histórico homogêneo neste aspecto.

Portanto, pudemos identificar que esta satisfação em atuar no magistério não se deu

exatamente por uma política de governo ou pela ausência de uma política como a atual que

agudiza a precarização do trabalho docente. Neste caso, a satisfação pareceu estar mais

associada à euforia inicial de carreira.

Page 43: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

42

Apenas um professor declarou que sempre esteve motivado com o trabalho, todos os

demais disseram que já sentiu desmotivação algumas vezes. Esta desmotivação se deu,

majoritariamente, após os dez anos de atuação, ficando evidenciado aqui uma relação da

desmotivação com a perda do controle do trabalho e o aumento do processo de burocratização

do trabalho evidenciado nos últimos anos. Outros professores afirmaram que esse processo de

desmotivação se deu antes dos dez anos de magistério, outros que isso se deu nos primeiros

anos e alguns disseram ainda que a desmotivação esteve presente em todos os momentos.

O número de professores que pensou em desistir do magistério não ficou muito

distante daqueles que nunca pensaram em desistir, havendo um equilíbrio dentre os

respondentes. Dos que pensaram em desistir, a maioria afirmou que esta vontade de

abandonar o magistério estadual se deu depois dos dez anos de exercício profissional e outra

pequena parte disse que isso aconteceu antes dos dez anos. Nenhum professor disse que esta

vontade de desistir tenha se dado no primeiro ano de carreira, ou mesmo em todos os

momentos, ficando evidente aqui uma localização da crise com o trabalho nos últimos anos de

exercício profissional.

A ampla maioria dos (as) professores (as) afirmou que o momento mais difícil de atuar

na rede estadual tem sido o atual, ou nos últimos cinco anos. Apenas uma professora

considerou que há vinte anos foi o momento mais difícil. Talvez nesse caso, tenha feito uma

relação mais aproximada com a fase inicial, as dificuldades de iniciante, do que uma relação

direta com as relações de trabalho.

Em relação ao mal estar docente, fato muito presente e evidenciado no cotidiano das

escolas, onde os pedidos de afastamento, licenças ou mesmo faltas são cada vez mais comuns,

dentre os professores pesquisados, apenas duas professoras e um professor disseram nunca ter

passado por problemas de saúde ocasionados por sua atividade profissional, todos os demais

afirmaram já ter vivenciado momentos de tédio, crise, desgaste, ou mesmo doença

proveniente do trabalho.

3.3 A relação com os alunos

No que diz respeito à relação do professor com os alunos, a contrariedade pareceu

estar colocada. Todos os professores afirmaram nos questionários, que têm relações muito

Page 44: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

43

boas, boas ou razoáveis com seus alunos. Nenhum professor disse ter uma relação ruim ou

péssima com os discentes. No caso específico desta pergunta, pude observar um paradoxo,

pois a grande maioria dos professores que participaram da pesquisa, em diálogo em outros

momentos, dizem que a relação com os alunos tem estado cada vez mais difícil, que os alunos

não são interessados, que não querem ver os alunos, que as turmas são muito cheias e não

conseguem dar aula, enfim, demonstram muitas vezes, inclusive, uma relação hostil com

alguns fatos e com alguns alunos isoladamente, na maioria das vezes culpabilizando o próprio

aluno pelo fracasso escolar.

Portanto, nos dados da questão que buscou classificar a relação dos professores com os

alunos, evidenciou-se o contrário. Todos os professores, sem exceção, declararam ter boas

relações com seus alunos. Demonstrando uma incoerência do discurso com o fato declarado.

Essa contradição pode ter se evidenciado devido à forma de coleta dos dados, talvez não

ficasse tão latente essa contradição em uma entrevista, por exemplo, onde o discurso

evidenciado cotidianamente poderia ser repetido.

Outra contradição aparente, na relação discurso e resposta no questionário, se deu na

pergunta que se refere ao insucesso dos alunos. Durante a maior parte do tempo em que é

possível observar os comentários e discussões entre os docentes, estão sempre presentes na

fala dos professores argumentos fatalistas, de culpabilização dos alunos, como sendo estes os

responsáveis pelo fracasso escolar, pela repetência, pela falta de comportamento e disciplina.

Dificilmente observa-se algum professor da escola, numa conversa informal, que afirme que o

sistema educacional é que favorece o fracasso escolar, ou que os governos e as políticas

públicas é que são culpadas por não oferecer situações reais para um ensino de qualidade e

uma aprendizagem significativa.

Porém, nas respostas, a maioria dos professores afirmou que o sistema educacional é

que tem favorecido o fracasso escolar, ou que a culpa é dos governos que não dá condições de

trabalho e ensino que proporcione uma situação de melhor ensino/aprendizagem. Apenas duas

professoras disseram que a culpa do fracasso escolar é dos próprios alunos que estão cada vez

mais indisciplinados.

Esta pergunta foi a que gerou maior discussão durante a entrega dos questionários, e

mesmo manifestações por escrito ao lado da resposta objetiva, no sentido de esclarecer o

porquê de sua resposta dupla ou tripla, ou mesmo criando mais uma opção de resposta,

Page 45: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

44

colocando a necessidade de afirmar que todas as alternativas estariam corretas. Alguns

professores disseram que precisaram responder a mais de uma alternativa, pois ao mesmo

tempo em que há culpa dos governos com o sistema educacional, há também uma falta de

interesse dos alunos e também uma parcela de culpa do professor que tem apresentado cada

vez mais dificuldades em fazer os alunos aprender.

Um aspecto de particular importância observado entre os professores questionados é a

maneira como se sentem progressivamente deslocados em sua função de professor diante de

se insucesso em transmitir aos alunos os conteúdos curriculares. Muito embora haja uma

tendência dos professores em culpar os alunos pelo fracasso escolar, não é verdade que a

origem do problema esteja exclusivamente na falta de competência dos professores, já

advindo desde os cursos de formação. Nas declarações da maioria dos docentes, observa-se

com freqüência um componente de decepção com a realidade de trabalho na escola, em

especial com seu alunado. As grandes mudanças que se operaram na composição do alunado

da escola pública também ressaltam a inadequação de objetivar os mesmos êxitos de

antigamente.

Em algumas vezes percebemos que o professor em vez de enxergar o aluno como um

dado da questão, ele é tido como obstáculo a sua solução. Esse pensamento de que tudo

depende do aluno parece estar ainda bastante disseminado. Além disso, alguns professores

não escaparam do discurso que atribui à família “desestruturada” das classes desfavorecidas, a

culpa pelo fracasso escolar.

3.4 O controle sobre o próprio trabalho

A maior parte dos professores afirmou que o momento que sente maior sobrecarga de

trabalho é o atual, porém aqui houve uma variação, alguns disseram sentir maior sobrecarga

há cinco anos, outros há dez anos, outros há 20 anos, porém ninguém afirmou nunca ter tido

sobrecarga de trabalho. Em diálogo com os professores, ficou evidenciado diferentes

perspectivas em relação a esse questionamento. A compreensão aqui é que alguns professores

possam ter respondido a esta questão com base a uma sobrecarga de tempo de trabalho,

Page 46: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

45

quando possuíram mais de uma matrícula, ou fizeram GLP6, uma forma de dobrar o trabalho

para dobrar o salário.

Em diálogo com uma professora, esta afirmou que a sobrecarga se deu quando ela

precisou ajudar mais no sustento da casa, quando seu marido ficou desempregado. A

professora claramente relacionou a sobrecarga de trabalho com o seu tempo de trabalho

individual que passou a ser maior. Neste caso, a professora não fez nenhuma relação direta

com o excesso de trabalhos burocráticos (que também possui uma relação temporal, pois o

professor precisa de mais tempo para cumpri-las), e sim com o dobro do tempo de trabalho

que em determinado momento da sua vida, por necessidade material, precisou ser maior.

Porém, o questionamento não teve o objetivo de entender o excesso de trabalho baseado em

horas-extras e sim ao tempo habitual de trabalho.

Em algumas perguntas, especificamente as que encerram o questionário, busquei fazer

questionamentos que favorecessem o objetivo inicial de observar como o professor enxerga a

precarização do seu trabalho. Em perguntas diretas a respeito da temática, 71,4% dos

professores disseram que consideram ter controle sobre seu trabalho, 21,4% disseram não ter

controle sobre o seu trabalho e uma professora respondeu duplamente, dizendo ter e não ter

controle.

Neste ponto, pareceu haver contrariedade com as respostas que seguiram, pois ao

mesmo tempo em que o professor afirmou ter controle sobre seu trabalho ele evidenciou

aspectos que retiram o controle do trabalho, o que pode evidenciar, neste caso, uma perda do

controle do trabalho não percebida. Nas perguntas onde foram questionados sobre como é o

seu trabalho em sala de aula, evidenciou-se que 28% dos professores disseram que conseguem

controlar bem os alunos e dar aulas tranquilamente. Outros evidenciaram aspectos mais reais,

de situações cotidianamente manifestadas em diálogo na sala de professores, tais como: passar

grande parte do tempo pedindo silêncio aos alunos; não conseguir fazer metade do que se

planeja; ou não conseguir dar boas aulas devido à superlotação das turmas.

Na busca de compreender como o professor enxerga o processo de burocratização de

seu trabalho, foi questionado como eles vêem as atribuições de preenchimento de diários,

6 Criada pelo Decreto nº 25959 de 12/01/2000, a GLP (Gratificação por Lotação Prioritária) é uma hora-extra mantida pelo estado. Diferentemente do RET (Regime Especial de Trabalho), a GLP não pode ser incorporada aos salários na aposentadoria. Além disso, a GLP mascara a falta de professores na rede e faz o estado economizar às custas de uma maior exploração da categoria docente.

Page 47: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

46

relatórios e lançamentos de notas online. Neste aspecto, duas professoras disseram que é um

trabalho necessário e que deve sempre ser feito pelo professor. Os demais afirmaram que

vêem com algo necessário, mas que deveriam ser feitos por outras pessoas, não pelo

professor. Outros ainda disseram achar desnecessário, vendo apenas como mais um

mecanismo de controle do trabalho do professor, ou como mais um trabalho atribuído ao

professor.

No que diz respeito ao livro didático, duas professoras disseram que consideram um

bom instrumento de trabalho e que devem ser sempre utilizados, os demais professores

disseram que o livro didático pode ser um bom instrumento de trabalho, desde que sejam

utilizados como mais um instrumento didático pelo professor e não o único.

A Rede Estadual do Rio de Janeiro utiliza as avaliações em larga escala como objetos

do desenvolvimento da educação no estado. Tendo como objetivo alcançar as metas no IDEB

(Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), a Secretaria de Educação cria o IDERJ

(Índice de Desenvolvimento Escolar do Rio de Janeiro), através do qual busca avaliar não só

os alunos, mas também os professores. A explicação que consta do decreto publicado pelo

governo no D.O de 07 de janeiro de 2011, para o ano de 2011, é que o resultado do IDERJ é

uma das formas de avaliar os professores para definir o valor do bônus que receberão ao final

do ano letivo. Os alunos é que fazem a prova, e por meio dos resultados obtidos pelos

estudantes será avaliado o trabalho do professor.

Observa-se que avaliações externas são pontos cruciais da questão da autonomia

pedagógica e perda do controle sobre o próprio trabalho, entender como o professor vê estas

avaliações e até que ponto está disposto a aceitá-las ou questioná-las parece ser um ponto

fundamental. Neste aspecto, a grande maioria dos professores pareceu ter um posicionamento

crítico em relação a elas dizendo que estas avaliações são apenas mais uma atribuição a fim

de controlar o trabalho do professor, outras respostas foram no sentido de afirmar a ausência

de utilidade prática dessas avaliações, enxergando-as como algo desnecessário, ou apenas um

trabalho extra.

A visão das avaliações externas como um trabalho extra foi levantada por um

professor de matemática (lembrando que estas avaliações externas na rede estadual só avaliam

os conhecimentos de português e matemática), demonstrando insatisfação ao ter que corrigir

provas que não são elaboradas por ele mesmo. Ainda neste ponto, três professoras disseram

Page 48: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

47

que vêem estas avaliações como algo necessário e sempre consideram as notas em suas

avaliações, não por mero acaso, duas dessas professoras cumprem ou já cumpriram funções

de coordenação pedagógica.

As condições insatisfatórias de trabalho na escola, mencionadas como fator

desestimulante para o professor, não se relacionam apenas às conhecidas carências de material

didático, o baixo salário e às precárias condições materiais nas escolas. Uma questão em

destaque na consideração das más condições de trabalho do professor refere-se à grande carga

de trabalho deste e à falta de assessoramento de outros profissionais.

Os baixos salários, articulados com outros fatores inibidores da oferta de pessoal

docente, parecem acabar por atrair para a escola pública, especialmente as de periferia,

somente pessoas com pouca qualificação, recém-formados, ou que vêem o magistério como

um bico temporário, agarrando-se a questão da estabilidade do setor público.

A redução do salário real do professor nas últimas décadas correspondeu também uma

queda da escala social de prestígio em relação à posição que ele desfrutava quando a escola

pública atendia a uma minoria provinda das classes proprietárias ou das camadas médias da

população às quais ele também pertencia. Hoje os professores sentem o desprestígio de sua

condição docente e alguns relatam que se sentem até envergonhados quando têm de

mencionar sua ocupação profissional e se vêem obrigados a justificar sua situação para não se

sentirem inferiorizados socialmente diante do interlocutor. O mais grave é quando o professor

passa a sentir constrangimento diante de seus alunos em sala de aula, o que agrava ainda mais

o desânimo que sentem em seu trabalho.

3.5 A percepção dos professores sobre as políticas governamentais

A primeira pergunta aberta do questionário teve o objetivo de identificar as políticas

educacionais/propostas pedagógicas que tenham tido maiores influências no exercício

profissional do professor. Ao serem questionados sobre isso, a grande maioria disse não se

recordar de nenhum plano governamental, apenas duas professoras e dois professores citaram

as políticas ou propostas pedagógicas que mais lhes influenciaram, respondendo de forma

generalista, citando a política atual como desfavorável, o incentivo a promoção dos alunos, a

Page 49: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

48

redução da carga horária ou mesmo resgatando políticas públicas marcantes como os CIEP’s,

as escolas de tempo integral.

O questionário utilizado encerra com mais uma pergunta aberta, que o compôs pelo

motivo de oferecer um espaço para que o professor após responder tantas perguntas, pudesse

colocar sua opinião para a saída dos problemas evidenciados na educação. Nesse sentido, a

pergunta deu-lhes a oportunidade de dizer o que os fariam ficar mais satisfeitos com o

trabalho no magistério.

Neste caso, apareceram inúmeros fatores, os mais presentes foram os aspectos

relacionados a melhores condições de trabalho, melhoria no sistema educacional e melhores

salários, com destaque para esse último aspecto, que esteve mais presente nas respostas.

Foram levantados aspectos relacionados à valorização do magistério, a diminuição da jornada

de trabalho, plano de carreira, diminuição da rotatividade de professores na escola e na rede, a

necessidade de mais cursos de atualização e capacitação que tenham realmente qualidade,

uma equipe pedagógica que efetivamente auxilie o trabalho do professor e menos atribuições

dadas ao professor.

Alguns professores citaram como aspectos necessários, os de cunho mais legislativo

como a reforma da LBD (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e do ECA

(Estatuto da Criança e do Adolescente). Outros aspectos de ordem mais estrutural também

foram levantados. Mais investimentos em materiais, funcionários, infra-estrutura da escola,

ganharam destaque. Aspectos ligados a disciplina e a participação da família, também foram

bastante lembrados. Um trabalho de conscientização de pais e alunos na questão disciplinar,

de interesse e participação na vida escolar no que se refere ao controle de freqüência,

rendimento e disciplina, também foram destacados como um meio de fazer com que o

professor tivesse mais satisfação com o seu trabalho.

Por fim, chega-se ao entendimento de que há toda uma movimentação ideológica no

sentido de atribuir um novo papel à escola, onde há uma crescente desresponsabilização do

Estado com a educação, investimentos longe do necessário e onde atribui-se papéis

inalcançáveis à comunidade escolar. Entender de que forma estes enunciados construtores da

Escola pública do Rio de Janeiro habitam o imaginário da comunidade escolar é de

fundamental importância, pois assim podemos ver até que ponto o discurso governamental

esconde a realidade das práticas cotidianas. Mais uma vez o que se percebe é um

Page 50: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

49

distanciamento entre os discursos oficiais das estruturas governamentais e, as práticas

escolares executadas e internalizadas efetivamente pelos professores, que muitas vezes

resistem às pressões externas e procuram manter sua autonomia pedagógica. Percebemos que,

mesmo de formas disfórmicas, enxerga-se a resistência.

Page 51: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

50

Capítulo 4: POLÍTICAS EDUCACIONAIS FLUMINENSES NAS

ÚLTIMAS TRÊS DÉCADAS

Neste último capítulo faremos uma breve discussão a respeito das políticas

educacionais do estado do Rio de Janeiro nas últimas três décadas. Este período foi marcado

por um forte pragmatismo político-econômico, no sentido de ser uma política de Estado que

significou subordinação a organismos internacionais, privatização, retirada de direitos dos

trabalhadores, dentro na onda neoliberal, que trouxe grandes consequências no mundo do

trabalho, seja ele no setor privado ou público. Faremos um levantamento das principais

características que influenciaram o campo educacional a partir da abertura democrática,

chegando aos tempos neoliberais, na busca por entender a conjuntura do período vivenciado

pelos sujeitos entrevistados, que já tiveram parte de suas memórias expostas no capítulo

anterior.

Será abordado um aspecto recorrente da política educacional fluminense, a

descontinuidade, marca presente em todo o período estudado, onde as políticas acabam

refletindo posicionamentos político-partidários em que a cada nova dinâmica eleitoral,

transforma-se e na maioria das vezes se desconstrói. Dentro dessa dinâmica de crises,

rupturas, projetos inacabados, encontram-se sujeitos, professores e professoras, que tem sua

capacidade de trabalho pressionada a ser transformada a cada novo projeto defendido pelos

novos governantes, tendo que se adaptar a novas regras, novos paradigmas e novas dinâmicas,

refletindo em condições de trabalho cada vez mais desfavoráveis e desconcertantes.

No capítulo anterior, ficou evidenciado que o período atual é o que acarreta maior

insatisfação entre os professores com mais de 20 anos de carreira no magistério estadual7. Por

isso, foi dado um espaço neste capítulo para exemplificar a dinâmica da política educacional

nos anos mais recentes, onde a desvalorização do magistério se torna mais evidente, na qual

implementam-se programas e projetos baseados na meritocracia e no desempenho individual.

Nesta nova dinâmica, os docentes tornam-se responsáveis por atingir determinadas

metas, inalcançáveis na atual dinâmica do sistema educacional; além da questão salarial que

7 Isso não quer dizer, necessariamente, que o período atual é o mais importante, mas este fato demonstra que os professores não tem relacionado suas práticas pedagógicas aos projetos de governo, já que na pesquisa, eles não destacaram nenhum projeto de gestões anteriores.

Page 52: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

51

tem sido bastante desfavorecedora, acarretando em desmotivação com trabalho. Somado a

isso uma realidade de violência e alterações profundas no cotidiano escolar dentro de um

contexto de expansão do sistema público de educação. De acordo com Algebaile (2004), esta

expansão não deve ser entendida propriamente como expressão direta de uma política de

Estado, mas como fenômeno formado pela convergência, fusão ou choque entre uma

multiplicidade de processos; a “expansão escolar” se mostra irredutível aos elementos

comumente listados na sua caracterização.

A política educacional, especialmente no que diz respeito à ampliação da oferta de

vagas, à diferenciação de níveis, ramos e modalidades de ensino e às ampliações do tempo e

do currículo escolar, mostra-se uma fonte insuficiente para o esclarecimento dos novos

alcances da escola – o tipo de alcance que resulta da expansão das funções realizadas por

meio da escola, o que só começa a se revelar mais claramente quando se leva em conta a

atuação do Estado nos campos econômico e social. Política econômica e política social,

portanto, são âmbitos nos quais se forma parte dos sentidos da escola. Daí a necessidade de

considerá-las na análise de sua formação.

Segundo a autora, a escola pública elementar, quanto mais incorporou os pobres, tanto

mais se tornou pobre. Uma pobreza, por certo, material. Mas essa pobreza material é apenas a

forma mais visível de uma pobreza mais ampla, de objetivos. O principal empobrecimento da

escola pública elementar se deu nesse sentido: seus objetivos tornaram-se mais restritos e sua

utilização para responder tópica e seletivamente aos problemas sociais tornou inevitável sua

desqualificação para o ensino.

A partir da reforma empreendida ao longo dos dois mandatos de Fernando Henrique

Cardoso (1995 a 1998 e 1999 a 2002), coordenada pelo ministro Paulo Renato de Souza, o

discurso governamental centrou-se na eficiência da gestão do setor educacional e do ensino,

enfatizando questões administrativas e pedagógicas. Não penetrou na problematização das

relações que efetivamente produziam uma “escola que não ensina” e dos limites de uma

escola assim configurada frente o agravamento do quadro social. A eficiência do ensino

dependia da modernização da administração pública, da escola e do professor.

Segundo Algebaile (2004), as referências sócio-culturais e as expectativas que esses

segmentos levam para a escola são bastante distantes dos valores que fundamentam as

funções convencionadas como “próprias” da educação escolar, o que resulta em

Page 53: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

52

estranhamentos e dificuldades de interlocução que, muitas vezes, têm sido simplesmente

interpretados como resultado do despreparo dos professores para a nova “clientela” ou da

incapacidade dos novos segmentos para a empreitada da formação escolar. Em diferentes

contextos, o “fracasso escolar” foi interpretado, por muitos, desse modo, ou seja, abordado

pela sua superfície, sem que as relações que produzem a distância entre instituição escolar e

vida social fossem de fato analisadas.

É nesse sentido que a expansão da oferta vem atingindo a escola e consequentemente o

trabalho docente. Portanto, ao fim deste capítulo, levantaremos as condições de trabalho dos

professores, no sentido de localizá-los como uma categoria que sofre fortes consequências de

um cotidiano desgastante, onde há o incentivo a individualização do trabalho, mas que,

mesmo assim, têm seus espaços coletivos de resistência, construindo ao longo do tempo um

sindicato forte, protagonizando longas greves e resistindo, dentro das possibilidades, a um

projeto educacional com forte viés privatizante que tem sido imposto na rede.

4.1 Da abertura democrática ao neoliberalismo: consequências no mundo

do trabalho e na educação

Antes de buscar compreender como se deram as mudanças nas políticas educacionais

das últimas décadas e, consequentemente, as suas implicações no trabalho docente, é preciso

mapear a política econômica nacional neste período, que trouxe fortes influências ao mundo

do trabalho.

Em sua tese de doutorado, Carvalho Filho (2002) exemplifica que a participação das

três esferas de governo no emprego público possui um movimento que evidencia as mudanças

na concepção de Estado, desde o pós-guerra. Na década de 50, o principal empregador do

trabalhador no setor público era o governo federal; na década de setenta os estados da

federação são os maiores empregadores (há um alargamento dos serviços públicos na esfera

estadual) e nos anos noventa, os municípios já começam a se apresentar com os maiores

geradores de emprego na esfera pública (entre 1992 e 2002, o emprego na esfera municipal

cresceu 54,5%, enquanto caiu 1,2% na esfera federal e na estadual 1,7%).

A Constituição Federal de 1988 apresentou uma nova estrutura de competências das

três esferas de poder que conduziu a um processo de descentralização da administração e do

Page 54: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

53

financiamento das políticas sociais. Simultaneamente, as concepções de produtividade e

eficiência conduziram a uma redefinição da concepção de políticas sociais e da ação do

Estado; e das relações de trabalho no emprego público, que segundo Carvalho Filho (2002),

se aproximaram daquelas construídas no âmbito do setor privado.

A estrutura do emprego no setor público mudou significativamente com a emenda

constitucional 19/19984, principalmente na esfera federal. A emenda permitiu o fim do

regime jurídico único para os contratos de trabalho, o fim da isonomia salarial, o fim da

estabilidade, supressão da garantia de irredutibilidade de salários, entre outros.

Os anos 90 foram marcados, fortemente, pela a adoção de políticas liberais (ou

neoliberais) de ajustes macroeconômicos que provocaram reflexos significativos no setor

público. O Programa Nacional de Desestatização, ‘peça chave do ajuste fiscal pretendido’,

criado na gestão do governo Fernando Collor de Mello, permitiu que, no período

compreendido entre 1991 e 1999, diversas empresas fossem privatizadas.

A privatização faz parte da agenda nacional há muitos anos, tendo passado por fases

distintas. Segundo fontes do BNDES 8 , a primeira (1981-1989) caracterizou-se pela

reprivatização de empresas que haviam sido absorvidas por estarem em situação falimentar.

Não havia, ainda, por parte do Governo, intenção de implementar um programa de larga

escala. Essa fase abrangeu empresas de pequeno porte e seus resultados econômicos foram

modestos. Neste período, arrecadaram-se apenas US$ 700 milhões, com a privatização de 38

empresas. Na realidade, o principal objetivo era evitar que o Governo ampliasse ainda mais

sua presença no setor produtivo e não gerasse receitas para o Tesouro.

Em 1990, o Governo Collor fez da privatização parte integrante e fundamental das

reformas estruturais a serem implementadas na sua gestão, iniciando a segunda fase do

programa com a criação do Programa Nacional de Desestatização (PND). Assim, em 1991-93,

o PND concentrou esforços na venda de estatais consideradas estratégicas no modelo

nacional-desenvolvimentista dos anos setenta, o que explica a grande participação dos setores

siderúrgico, petroquímico e de fertilizantes. Neste período, as moedas de privatização - títulos

representativos da dívida pública federal - foram quase que exclusivamente utilizadas. Assim,

o Governo Collor conseguiu arrecadar, ao privatizar 15 empresas, US$ 3,5 bilhões, sendo

apenas US$ 16 milhões em moeda corrente. 8 Histórico da privatização, em “A nova fase da privatização”, encontrado em www.planalto.gov.br, visitado em janeiro de 2012

Page 55: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

54

Um histórico de privatização e retirada do Estado de setores fundamentais da

economia, vieram acompanhados de uma forte precarização do trabalho visando uma nova

lógica de produtividade, gerando profundas mudanças tanto no setor privado quanto no

público, fatores esses que se agudizam na década de 90, com o avanço do neoliberalismo.

O Censo sindical de 2002, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE), indica mudanças significativas no mundo do trabalho na década de 1990. Dentre as

mudanças, destacam-se a construção de um novo trabalhador (não mais o operário que

trabalha na indústria com carteira assinada) e a diminuição dos trabalhadores em setores mais

sensíveis às inovações tecnológicas (indústria e bancos). O novo trabalhador se move entre a

prestação de serviços e o trabalho informal; não trabalha mais em um local determinado, pode

trabalhar em casa; produz tanto bens materiais como imateriais. A década de 90 pode ser

compreendida, no contexto do Censo, como um marco para a história das relações de

trabalho, em conseqüência do aumento do desemprego e dos contratos precários de trabalho.

A década de 1990, segundo Ricardo Antunes, pode ser considerada a “década da

desertificação neoliberal”, marcada pela fragmentação, individualização, informalidade,

precarização do trabalho, além da privatização dos serviços públicos, que nos anos 2000,

manteve a subordinação ao pragmatismo neoliberal.

“Para aqueles que esperavam pelo principiar da mudança profunda da política econômica, contraditando

os interesses do Fundo Monetário Internacional (FMI), dos organismos multilaterais, das finanças e das

transnacionais; pela contenção do fluxo de capitais que migram para o sistema financeiro internacional

esgotando a produção da nossa riqueza; pelo combate ao nefasto projeto da Área de Livre Comércio das

Américas (ALCA); pela recuperação da dignidade do salário mínimo, contra a política de arrocho

salarial; (...) enfim, pelo início de um programa efetivo de mudanças, com prazos e caminhos

construídos com sólida impulsão social, foi pesaroso ver que a primeira “reforma” do Governo Lula foi

agendada pelo FMI, imposição que o governo aceitou sem resistência, desestruturando um setor

importante da classe trabalhadora brasileira, composta pelos funcionários públicos, e que sempre foi um

dos pilares de sustentação do Partido dos Trabalhadores (PT), particularmente no dificílimo período da

Ditadura Militar.” (ANTUNES, 2004. p. 2-3)

O autor denomina a contextualidade vivenciada nos anos 90, como a década da

desertificação social e política neoliberal, antecedida pelo período da aventura bonapartista

Page 56: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

55

de Collor9 à racionalidade exacerbada de FHC10 , demonstrando como nesse período, o

pragmatismo erigido após o Consenso de Washington se enraizou no solo brasileiro, desde

Collor, passando por FHC, até o governo Lula.

Contrariando as expectativas de parte majoritária da população, que elegeu o governo

Lula, não se observou um rompimento à política subordinada aos organismos internacionais.

Do contrário, houve um processo de continuação do plano de ajuste neoliberal aplicado por

FHC durante os oito anos de seu mandato. Dentro disso, a política educacional, sofrendo

dessa lógica, precisou se adequar às leis do mercado, à privatização e ao conseqüente conflito

público-privado, às transformações da economia brasileira e à globalização econômica. Isso

significa que a tônica é o predomínio da aplicação das diretrizes educacionais do BID e do

Banco Mundial expressas no PNE e na legislação educacional vigente.

A política educacional brasileira, nas últimas décadas, caracteriza-se por um padrão de

racionalidade informado pelas noções de calculabilidade, administração, desempenho e

produtividade, com base em uma orientação reformista, pautada nas idéias propaladas pelas

agências multilaterais, compreendida como indispensável ao projeto de modernização do país

para incluí-lo no rol das economias capitalistas mais desenvolvidas.

Um exemplo de conflito no campo público-privado se deu fortemente na discussão da

educação na Constituinte brasileira, onde houve um verdadeiro confronto público-privado

manifesto através de uma disputa entre a escola pública e a escola privada pela hegemonia no

campo do ensino na constituinte. Pinheiro (2011) destaca que após a década de 1930,

concomitantemente ao processo de intervenção do Estado na esfera econômica, como

principal agente de desenvolvimento, ocorreu uma tendência de privatização da esfera

pública. O que acarretou um duplo prejuízo na esfera pública, pois tanto a intervenção do

Estado na esfera econômica quanto do setor privado na esfera pública favoreceram

primordialmente interesses privados e não públicos. O Estado abdicou de ter uma atuação

decisiva no campo educacional, em função de outras prioridades na área econômica, deixando

espaço aberto para o desenvolvimento do ensino privado.

9 Ricardo Antunes (2004), não se refere, naturalmente, aqueles traços que remetem ao primeiro Bonaparte, o Napoleão. Collor, neste caso, é comparado pelo autor, ao segundo Bonaparte, O Luiz Bonaparte, o sobrinho, que se celebrizou na França por ter sido responsável por um golpe de Estado. 10 No primeiro ano do governo FHC, houve um plano de governo chamado “Mãos à Obra Brasil”. Seu objetivo era consolidar um novo modelo de desenvolvimento fundado nas novas formas de articulação do Estado com a sociedade civil e o setor privado.

Page 57: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

56

“Por conter tendências conflitantes, a Constituição pode ser reforçada pelos governantes tanto pelo seu

lado conservador quanto pelo seu lado progressista. Na parte da educação encontrou, como as

Constituições passadas, uma solução conciliatória para o conflito entre o público e o privado. Com isso,

não resolveu o conflito, mas incorporou-o.” (PINHEIRO, p.284)

A legislação deixa claro uma forte imbricação entre o setor público e privado, com

delimitações de papéis definidos e ao mesmo tempo interdependentes. Seguindo a

Constituição, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9394/96) expressa

em seu artigo 77, que os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser

dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas que comprovem finalidade não

lucrativa e não distribuam resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcela de

seu patrimônio sob nenhuma forma ou pretexto; que apliquem seus excedentes financeiros em

educação; que assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária,

filantrópica ou confessional, ou ao poder público, no caso de encerramento de suas atividades;

e que prestem contas ao poder público dos recursos recebidos.

Além disso, os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de

estudo para a educação básica, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de

recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública de domicílio do

educando, ficando o poder público obrigado a investir prioritariamente na expansão da sua

rede local.

Com todas essas modificações na estrutura econômica, política e educacional, o

diagnóstico brasileiro das últimas décadas é marcado por um desempenho educacional

insatisfatório e um índice de desenvolvimento humano que só supera cinco países, dentre eles,

os três países mais pobres da América Central. A evolução educacional esteve sempre a

reboque do crescimento econômico. Ainda hoje o Brasil mostra indicadores educacionais que

apenas superam os dos países mais pobres da América Latina.

Hasenbalg et al (2000) evidencia que, a lenta, mas contínua, expansão educacional das

últimas duas décadas elevou o nível de instrução da população e diminuiu a desigualdade

educacional entre regiões, grupos de cor, gênero e estratos de renda. O exercício de

decomposição dos fatores explicativos da melhoria educacional proposto em seu trabalho

Page 58: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

57

sugere, como estimativa conservadora, que aproximadamente 60% dessa melhoria é devido à

mudança nas condições de vida e à distribuição geográfica das famílias, decorrente da

urbanização e da transição demográfica, devendo-se os 40% restantes às melhorias efetivas no

desempenho do sistema educacional. Destaca-se, finalmente, que nestas duas décadas finais

do século a elevação do patamar educacional, junto com a diminuição das desigualdades

educacionais, não foram acompanhadas por uma elevação do nível de renda e uma melhoria

na sua distribuição.

4.2 A marca da descontinuidade na política educacional do estado do Rio de

Janeiro

Da abertura democrática aos tempos do neoliberalismo, observamos que o Estado

passa a cumprir um papel cada vez mais limitado, onde passamos a assistir a uma nova

dinâmica das políticas educacionais, ditados em grande parte pelos organismos internacionais.

É possível perceber que, historicamente, a política educacional fluminense carrega a

marca da descontinuidade. Na história da educação do estado do Rio de Janeiro, observamos

políticas governamentais que, majoritariamente, não refletem em políticas de Estado, ou seja,

a cada nova periodicidade dos governos eleitos, há novas ideias, novos projetos, geralmente

defendidos por novos secretários, que em geral, não permanecem muito tempo em suas

pastas. Há um caráter descontínuo das políticas públicas para a educação, refletidas, até

mesmo, na constante rotatividade dos ocupantes da pasta da Educação Fluminense, fatores

que tornam as políticas públicas educacionais, algo carregado por transformações constantes

que afetam o andamento eficaz do sistema de ensino.

Os projetos educacionais desenvolvidos e as sucessivas dificuldades de sucesso,

devido, em grande parte, pela falta de prosseguimento dos projetos, contribuem para o

estabelecimento de uma cultura política marcada pela descontinuidade das práticas e ações da

Secretaria de Educação, e que tal situação lamentavelmente vêm se perpetuando até os dias de

hoje, ocasionando um quadro de extrema fragilização do sistema público de ensino.

Na Rede Estadual de ensino, em especial, temos políticas isoladas, ações pontuais não

interligadas por uma finalidade comum, na direção de construção de um valor social

profissional, políticas que não conseguem impacto suficiente para a melhoria das

Page 59: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

58

aprendizagens nos sistemas escolares. As análises do pequeno impacto de iniciativas pontuais

ou de seu fracasso nos últimos 30 anos deixam entrever claramente a necessidade de políticas

integradas e duradouras.

Um exemplo evidente dessa política, que trouxe uma forte marca de governo e até

mesmo um nome diretamente ligado a seu idealizador, foram os CIEP’s (Centros Integrados

de Educação Pública), popularmente apelidados de “Brizolões”. Os CIEPs, foram implantados

inicialmente no estado do Rio de Janeiro ao longo dos dois governos de Leonel Brizola

(1983-1987 e 1991-1994). Este projeto educacional, de autoria de Darcy Ribeiro (que

pessoalmente considerava o projeto como uma revolução na educação pública do país) deixou

uma forte marca na educação estadual durante o governo Leonel Brizola. Em entrevista

concedida em 199011, Darcy Ribeiro diz que os CIEPS foram sim outdoors do Brizola, e

afirmou: “Tomara que os outros governadores fizessem um ‘outdoor’ desses.” (sic), dizendo

que isso salvaria o país. A idéia exposta por Darcy na entrevista é de que seria preciso fazer

três governos sucessivos para que o Rio tivesse todos os CIEPS planejados, demonstrando

assim, o reconhecimento de que o caráter de continuidade das políticas educacionais só seria

alcançado com a eleição de governos ligados ao mesmo programa partidário.

O projeto de implantação da proposta pedagógica dos CIEPs foi praticamente

desativado durante a gestão do governador Moreira Franco, sendo retomado apenas em 1991,

com o retorno de Leonel Brizola ao governo do estado, juntamente com Darcy Ribeiro, que

reassumiu a direção do programa, agora denominado Segundo Programa Especial de

Educação (II PEE). Este programa foi pautado, entre outras tarefas, pela preparação de

materiais didáticos e a capacitação do magistério para atuar naquele projeto específico. A

despeito das contradições e dos avanços alcançados no curso dessa experiência, o PEE

sofreria novo revés com a eleição do candidato do Partido da Social Democracia Brasileira

(PSDB), Marcello Alencar para o governo do estado do Rio de Janeiro no pleito de 1994.

Marca-se assim novamente o estigma da descontinuidade e ruptura, com base em Cunha

(2005), onde cada secretário de educação orienta segundo um programa próprio (pessoal ou

partidário) de gestão do sistema de ensino.

No que tange ao relacionamento com os professores, Darcy Ribeiro pintou o quadro da

educação escolar no estado sem poupá-los, qualificando-os como atores ativos na construção

11 Entrevista feita por Maria Cristina Leal, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, para a pesquisa de doutoramento sobre práticas clientelistas e recursos públicos para a educação de 1º e 2º graus, defendida em 1991, na UFRJ.

Page 60: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

59

e manutenção do que ele denominou uma escola desonesta. Darcy declarava haver práticas

clientelistas entre políticos profissionais e a “professora” e afirmava que a escola que fornecia

um mínimo de horas e dias letivos para suas crianças, desconhecia as reais necessidades de

sua clientela. Darcy Ribeiro definiu a educação como a “maior máquina de serviço público

brasileiro”, ou seja, a maior massa de emprego do país, na qual o Estado atuava como

empregador e “onde há uma corrupção clientelística intrínseca, que é da natureza mesma da

sociedade”. Darcy condenou ainda o fato de a professora ter o menor regime de trabalho no

Brasil, podendo aposentar-se com 25 anos, protegida pelo político profissional, que, a

despeito de a ela dirigir-se com carinho filial, na realidade a via como cabo eleitoral. Com

isso, observamos um trato diferenciado sendo direcionado ao professor. Um discurso que o

culpabiliza se faz cada vez mais presente, partindo do governo ou de seus representantes.

O programa dos CIEPs imprimiu uma forte marca na memória dos professores. Na

presente pesquisa, ficou evidenciado no capítulo anterior que ao serem questionados a

respeito de um programa de governo do qual se recordavam nos últimos anos, pareceu não

haver muita clareza em relação aos planos, onde não houve nenhuma citação direta a alguma

política educacional, exceto o programa dos CIEPS, que foi bastante lembrado por alguns

professores, sem mencioná-lo de uma forma positiva ou negativa e sim como uma política

educacional da qual se recordavam.

Em 1998, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partidos dos Trabalhadores

(PT) fazem uma aliança nacional na disputa pela presidência da República (Luis Inácio Lula

da Silva e Leonel Brizola). No Estado do Rio, esta aliança é representada por Antony

Garotinho (PDT) e Benedita da Silva (PT). Em nível nacional esta aliança não obteve sucesso,

mas no Estado do Rio de Janeiro Garotinho e Benedita vencem as eleições de 1998.

Nesse período, percebe-se a tentativa de revitalização dos CIEPs com as características

e programas originais, de escolas em tempo integral e de defesa de uma escola pública de

qualidade. Os eixos integradores foram discutidos e apresentados em forma de tópicos

demonstrando a preocupação da I Conferência Estadual de Educação 12 em garantir uma

escola democrática, autônoma, apostando na valorização da escola e dos seus profissionais,

combatendo a baixa escolaridade e o analfabetismo. Todo este esforço visava de forma clara,

alcançar a qualidade social da educação. Entretanto, depois de toda esta mobilização, a

discussão foi abandonada devido a quebra da aliança PDT/PT. Com a saída do Governador 12 Ocorrida no mês de dezembro de 1999.

Page 61: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

60

Garotinho do PDT, estas propostas foram postas de lado e, no ano de 2000, foi aprovado o

Projeto Nova Escola como um substituto das decisões da Conferência.

O Programa Estadual de Reestruturação da Educação Pública – Programa Nova Escola

- foi instituído pelo Decreto Estadual nº. 25.959/200013 , de 12 de Janeiro de 2000. Foi

implantado de maneira arbitrária e contraditória, pois foi elaborado por profissionais que

estavam fora das realidades em que a Educação do Estado do Rio de Janeiro estava inserida e

não estavam presentes no cotidiano da sala de aula. Este projeto visava estabelecer critérios de

avaliação das escolas com o objetivo de tornar mais eficiente o processo pelo qual as escolas

da rede estadual de ensino são submetidas para atingir um padrão de excelência na educação

publica do Rio de Janeiro e por fim modernizar a gestão da rede estadual. A partir destes

resultados, o programa concederia aos professores e demais profissionais gratificações

proporcionais às suas realizações educacionais.

O Programa Estadual de Reestruturação da Educação Pública – Programa Nova

Escola, sob a coordenação da Secretaria de Estado de Educação, foi instituído com o objetivo

de “melhorar de forma contínua a qualidade da educação com a racionalização de recursos

financeiros, materiais e humanos envolvidos no desenvolvimento do processo educacional”.

Para fins do Decreto, o Programa Nova Escola deveria compreender o Sistema Permanente de

Avaliação das Escolas da Rede Pública Estadual de Educação, devendo abranger a gestão

escolar e o processo educativo.

Os servidores em efetivo exercício em qualquer das unidades da Rede Pública

Estadual de Educação fariam jus à gratificação específica de desempenho da escola

classificada pelo Grau de Desempenho. Os Professores, que preenchessem todos os requisitos

previstos perceberiam uma gratificação no valor de 370 reais mensais. Não fariam jus à

gratificação os professores que não cumprissem a carga horária estabelecida no Decreto ou

que estivessem em licença médica por período superior a 15 (quinze) dias. Além disso, as

gratificações previstas no Decreto não se incorporariam, para qualquer efeito, aos

vencimentos do servidor.

Ressalte-se que, a avaliação externa realizada, tem como objetivos a utilização de

indicadores de eficiência e de associar a remuneração do professorado e demais integrantes da

equipe escolar ao rendimento dos alunos em testes de aprendizagem. Nestes moldes, a

13 Em anexo (2).

Page 62: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

61

avaliação (de desempenho com gratificação por produtividade) baseia-se num sistema

punitivo com máscara de estimulante e incentivador. Infelizmente, este modelo não pretende

acabar com os problemas, pretende apenas responsabilizar a equipe escolar pelo insucesso.

Como se observa, durante os últimos tempos, o trabalho docente sofre fortes

interferências em diversos campos. Foram feitas propostas pedagógicas de reformulação

curricular e de difusão de novas metodologias didáticas para o magistério estadual, para

adequar o currículo e os métodos de ensino à realidade do aluno. Assim como, foram

implementadas mais recentemente, o critério meritocrático, onde alcançar metas tem sido a

tônica e as condições para tal alcance não são cabíveis.

4.3 A precarização do trabalho docente no estado do Rio de janeiro e a

meritocracia na educação

Somado ao processo de precarização, outra característica do trabalho na rede estadual,

contidos nos últimos planos, é a individualização sistemática da gestão do trabalho dos

profissionais da educação, mediante a vinculação entre salários e performances. Trata-se de

remunerar os professores em função dos resultados obtidos pelos seus alunos, onde se

introduz uma nova concepção de trabalho docente. A competição e os valores empresariais

constituem referências para a organização e gestão do trabalho, numa visão pragmática e

utilitarista. A individualização dos aumentos salariais mediante remuneração por bônus, não

somente encoraja a competição entre os professores, como também enfraquece as ações

coletivas, atomizando os professores.

A escola pública do Rio de Janeiro, mediante políticas que valorizam o engajamento

individual, coloca o mérito como centro das relações de trabalho docente, onde os professores

são submetidos à competição por bônus salariais, colocando em disputa as noções de

igualdade na função pública. O trabalho dos profissionais da educação pode ser valorizado,

segundo o poder público, na medida em que pode explicar o sucesso ou fracasso dos alunos

nas provas públicas, denominadas de avaliação. A introdução de bônus salarial anual para os

professores públicos tem como objetivo aumentar a produtividade e a competitividade do

sistema educacional, atribuindo, exclusivamente, aos professores a responsabilidade pela

qualidade do ensino.

Page 63: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

62

No início do ano de 2011, o Secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro,

Wilson Risolia anunciou, em entrevista ao jornal Folha Dirigida14, as cinco frentes de trabalho

para a educação pública ao longo de quatro anos. As cinco frentes de trabalho apresentadas

teriam como objetivo atacar as questões pedagógicas, o remanejamento de gastos, a rede

física, o diagnóstico de problemas e os cuidados com os alunos. As medidas mais destacadas,

porém, foram: a implantação de um regime meritocrático para a seleção de gestores; a

realização de avaliações periódicas; o estabelecimento de metas de desempenho para balizar a

concessão diferenciada de gratificações aos docentes; e a revisão das licenças dos oito mil

professores em tratamento de saúde.

Frigotto et al (2011), defendem que estas medidas, reforçam a ideia de que, no fim das

contas, os profissionais da educação são os responsáveis pelos problemas educacionais,

resumidos, por sua vez, aos baixos índices obtidos pela rede estadual no Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Trata-se, portanto, de uma proposta que não

vai ao fundamental e pega o pior atalho: premiar quem chega às metas, metas imediatistas, de

lógica produtivista, que não incorporam medidas efetivas voltadas para uma educação pública

de qualidade. A lógica subjacente à proposta, que já está sendo chamada de choque de gestão

de administração, apenas trabalha com dois conceitos fundamentais: forçar o professorado

a produzir um IDEB elevado, sem efetivamente melhorar as suas condições de trabalho, e

baratear o custo da educação adotando, de imediato, a meta conservadora de economizar R$

111 milhões dos gastos.

Segundo os autores, esse novo PEE (Plano Estadual de Educação)15, imprime uma

lógica tecnocrata que reconhece somente cálculos de custos e de benefícios, que vê as pessoas

apenas como dados, destituídos de vontade e voz, indo de encontro às próprias bases

ideológicas liberais e neoliberais que ainda consideravam o homem dotado de livre iniciativa,

mesmo em sua forma de indivíduo. Nesse quadro, os docentes são tidos como meros

entregadores dos pacotes de conteúdos previamente preparados por economistas,

administradores e empresários que se assumem como autoridades em educação.

14 Publicado em 07 de janeiro de 2011 15 O novo Programa de Educação do Estado foi lançado pelo secretário Wilson Risolia no dia 07 de janeiro de 2010. Em 07/02/10, data de volta às aulas na rede estadual de ensino, foram publicados no Diário Oficial, decretos e resoluções que estruturam o plano, criam o IDERJ (Índice da Educação Básica do Rio de Janeiro), além de cálculos de metas específicas para cada unidade escolar.

Page 64: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

63

Farão jus à bonificação por resultado o diretor-geral, diretor-adjunto, coordenador

pedagógico, professor regente e demais servidores efetivos do quadro da Secretaria de Estado

de Educação lotados em unidade escolar a qual: cumprir 100% do currículo mínimo;

participar de todas as avaliações internas e externas; efetuar o lançamento das notas do

alunado na forma e prazo estabelecidos; alcançar, no mínimo, 95% de resultado de cada meta

do IDERJ da unidade escolar. Além desses requisitos estabelecidos, somente receberão a

bonificação os servidores que tiverem, pelo menos, 70% de freqüência presencial no período

de avaliação, que corresponde ao ano letivo16.

Observamos assim que os professores são pressionados permanentemente para

melhorar sua performance e conseqüentemente da escola, onde há uma tensão entre as

responsabilidades e o aumento do ritmo de trabalho. De um lado, o valor do trabalho parece

estar sendo atacado, onde trabalhar mais para ganhar mais é o discurso da mídia que acusa os

trabalhadores no setor público de privilegiados e indolentes.

O trabalho docente tem sido caracterizado por uma implantação progressiva da

individualização dos aumentos salariais, mediante bônus ou pagamento por mérito e onde se

espera a disposição dos trabalhadores em educação, o tempo todo, para realizar os objetivos e

metas que lhe são solicitados, em condições de trabalho desfavoráveis.

O primeiro exemplo, já citado anteriormente, foi o Programa Estadual de

Reestruturação da Educação Pública – Programa Nova Escola – implementado durante o

governo de Anthony Garotinho. Em 05 de abril de 2002 a então vice-governadora Benedita da

Silva (PT) assume o governo do Estado, por conta da renúncia do governador Antony

Garotinho que almejava a presidência da República. E uma de suas primeiras atitudes no

governo foi a suspensão do programa Nova Escola, naquele ano; no ano seguinte, com a

Eleição de Rosinha Garotinho, esta não paga as gratificações do programa alegando que por

não ter ocorrido a avaliação não haveria porque fazer tal pagamento. Se em 2000 e 2001 o

sindicato dos professores já reprovava o programa afirmando que ele não passava de uma

prova, que o projeto propiciava a competitividade entre as escolas, economia de dinheiro

através do congelamento do piso salarial. Esta reprovação é muito mais forte neste ano de

2003, pois o não pagamento do 13º salário e os 1/3 das férias e das gratificações provocou

uma greve de 64 dias do professorado. 16 Fonte: SEEDUC. www.educacao.rj.gov.br visitado em janeiro de 2012

Page 65: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

64

Após doze anos sem reajuste salarial em detrimento de uma política de gratificações

implementadas por Anthony Garotinho, Benedita da Silva e Rosinha Garotinho, em 2007,

iniciou-se a gestão de Sérgio Cabral, que durante sua campanha havia se comprometido com

uma série de mudanças para o sistema educacional do estado, o qual seria a prioridade para

seu governo.

Durante o governo de Sergio Cabral, a Secretaria Estadual de Educação teve três

representantes. Inicialmente, a pasta foi representada por Nelson Maculan, professor da UFRJ,

que saiu em fevereiro de 2008, discordando dos rumos da política do órgão. Após isso,

assume Tereza Porto, ex-presidente do Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação

do Estado (PRODERJ), que ao tomar posse, comprometeu-se em priorizar a função gerencial

da secretaria, dando ênfase a informatização. Em 2012 a secretaria passa a ser representada

pelo economista Wilson Risolia que foi responsável pela modernização do RioPrevidência.

Os dois últimos representantes assumiram o cargo orientados pelo discurso de produtividade e

eficiência exigidos pelas novas demandas da sociedade.

Ao assumir o cargo, Risolia anunciou um “plano de metas” que pretende colocar o Rio

de Janeiro “numa posição relevante na Educação”. Entre tais medidas, está a premiação em

dinheiro para professores e diretores. Tratando assim, a educação como um “negócio”,

anunciou que pretende estabelecer planos de metas para diretores, professores e alunos com a

bonificação para os méritos alcançados e adequando o ensino das escolas estaduais às

demandas do estado.

4.4 Condições do trabalho docente nos últimos decênios

As décadas destacadas no presente estudo trouxeram inúmeras influências diretas no

mundo do trabalho de forma geral, o que consequentemente afetou o serviço público,

passando este a imprimir uma lógica mais competitiva, meritocrática e mercadológica.

Neri (2001) organiza uma exposição sobre as relações de trabalho nas instituições

educacionais públicas com dois focos: o primeiro analisa as proposições governamentais

sobre o trabalho e os trabalhadores em educação, e o segundo as relações de trabalho

vivenciadas por aqueles que constroem a educação escolar nas instituições públicas.

Page 66: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

65

A hipótese que orienta a comunicação da autora é de que a modernização dos sistemas

educacionais públicos, no Brasil (estados e municípios), instala um processo de precarização

que reforça continuamente a subjugação dos trabalhadores em educação às necessidades de

competitividade e produtividade. Neri (2011), afirma que as políticas de gestão do trabalho no

setor público conduzem à individualização das relações e da organização do trabalho de

professores. Para a autora, essas políticas se concretizam não somente sob a gestão de

competências e de avaliação de performances, como também incide sobre a remuneração do

trabalho, sob a forma de bônus ou prêmios diferenciados, segundo critérios baseados na lógica

produtivista. Assim, as mudanças nas formas de emprego, a intensificação e a

complexificação das relações de trabalho, tornam evidentes os processos crescentes de

individualização dos trabalhadores em instituições educacionais, que os fragiliza socialmente.

A autora compreende a noção de precarização como um processo de

institucionalização da instabilidade no emprego e no trabalho. Segundo ela, no plano do

emprego se caracteriza, principalmente, pelo desemprego e pelo trabalho temporário ou

eventual; e no plano do trabalho, a precariedade se traduz não somente no questionamento da

formação e qualificação profissional, mas também na ausência do reconhecimento e de

perspectiva do trabalho dos trabalhadores em educação.

Linhart (2009) denomina como “precariedade subjetiva” esse processo de

instabilidade a nível subjetivo. A autora fala da precarização dos empregos na França e nos

países europeus e analisa a precarização que afeta os empregos estáveis. Aborda a fragilização

dos salários que exprime aos trabalhadores um forte sentimento de precarização, mesmo se o

trabalho é estável.

A autora utiliza o termo “precarização subjetiva” e diz que isso é um elemento do

trabalho moderno, funcionando como uma estratégia gerencial. É o sentimento de não se

sentir bem no seu trabalho, de não controlá-lo, de ter necessidades constantes de esforços para

se adaptar, de atingir objetivos fixos, é o sentimento de não ter nenhum recurso em caso de

problemas no trabalho. Além disso, o lado coletivo do trabalho é afetado pela

individualização dos trabalhadores, colocando-os em concorrência e trazendo o sentimento de

isolamento e abandono. Diz ainda que, o sentimento de precarização subjetiva pode alimentar

também a dificuldade de reconhecer certos valores importantes em relação à sociedade.

Page 67: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

66

“O que se deve entender por precariedade subjetiva? É o sentimento de não estar “em casa” no trabalho,

de não poder se fiar nas suas rotinas profissionais, em suas redes, nos saberes e habilidades acumuladas

graças à experiência (...) é o sentimento de não dominar seu trabalho e de precisar permanentemente

desenvolver esforços para se adaptar, para cumprir objetivos, para não se arriscar, nem fisicamente nem

moralmente. É o sentimento de não ter ajuda em caso de problemas graves de trabalho, nem do lado dos

superiores hierárquicos (...) nem do lado dos coletivos de trabalho que se esgarçaram com a

individualização sistemática da gestão dos assalariados e o estímulo à concorrência entre eles. É um

sentimento de isolamento e abandono.” (LINHART, 2009)

Dialogando com Linhart, Neri (2001) questiona qual é o sentido social da precariedade

no trabalho, nas dimensões objetivas e subjetivas. Os estudos sociológicos evidenciam que as

incertezas que pesam sobre os trabalhadores são inúmeras e mostram o quanto é difícil a

organização de suas próprias vidas. Nada está efetivamente adquirido em termos de direitos

sociais agregados ao trabalho, nem mesmo para os trabalhadores estáveis no setor público. A

tensa organização do trabalho expressa numerosas incertezas e contradições, as avaliações

freqüentes, e por vezes, arbitrárias pela falta de legitimidade, são dois elementos que

fundamentam, entre outros, o sentimento de precariedade vivenciado pelos trabalhadores no

campo da educação escolar.

Neri (2001) destaca que este movimento de mudanças e modernização dos sistemas

escolares, no Brasil, nas últimas décadas, conduz a um processo de racionalização técnica

submetida aos critérios de eficácia e rentabilidade, traduzidos, constantemente, por um

movimento de individualização e enfraquecimento das ações coletivas. Professores,

funcionários e alunos são responsabilizados pelos processos e resultados do sistema

educacional e expostos pela mídia nos elementos que checam a legitimidade de seu trabalho.

Realmente, é desconcertante observar a difusão do discurso que acusa o professor de

privilegiado, como aquele que falta muito ao emprego, não ensina, trabalha pouco, e em geral

é considerado desqualificado. Além da imagem construída socialmente, os professores

passam por um processo, em que, geralmente, não são ouvidos em suas reivindicações, nem

mesmo reconhecidos (ou valorizados) pelos governantes, e são ainda colocados todo o tempo

à prova, num processo que envolve muita tensão, baseada nas constantes cobranças; e muita

frustração, geralmente ocasionada por não alcançar os objetivos propostos. Tudo isso,

contribui para gerar sofrimento e o chamado “mal estar” docente de que nos fala Manuel

Esteve (1999).

Page 68: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

67

4.5 Organização sindical e resistência do professorado

A primeira greve dos professores públicos estaduais se deu nos anos 70, onde

observou-se uma intensa atividade dos movimentos sociais, levando ao fortalecimento do

atual Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE). Esta entidade sindical que

liderou o movimento dos professores, inclusive recorrendo à greve, em 1979, apresentou

diversas reivindicações, dentre elas, a redução da carga horária semanal para 12 horas; a

gradual efetivação dos professores recém-contratados; reajuste do piso salarial em torno de

300%; adicionais por difícil acesso e equiparação dos inativos.

A greve foi duramente reprimida, mas o seu saldo foi o fortalecimento da organização

sindical do magistério, comprovado pela deflagração de greves posteriores. Era um momento

de consolidação da organização sindical do magistério e de reafirmação de sua identidade

profissional calcada na politização da categoria e no contraste entre a antiga representação do

mestre missionário de vocação sagrada para a imagem do profissional da educação, um

trabalhador comum que vem reclamar publicamente o direito a um tratamento profissional.

(XAVIER, 2005)

O ano de 1979 foi um marco na história do SEPE, quando se conseguiu conquistar um

piso salarial equivalente a cinco salários mínimos, numa greve considerada histórica para o

movimento. Nesse período, o governador Chagas Freitas mandou fechar a entidade, mas não

conseguiu calar a voz nem frear a ação do movimento.

O fim do governo Brizola, a eleição de Moreira Franco e a prioridade dada pelo novo

governo ao desenvolvimento econômico, acarretaram na diminuição dos gastos nas áreas

sociais e a conseqüente municipalização da educação. Neste período os profissionais do

ensino saíram à luta pela recomposição de seu status profissional, o que pressupunha a

reposição das perdas salariais e a consolidação de sua organização política. Ocasionando em

fevereiro de 1987 uma greve de 69 dias e outra grande greve em 1988 que paralisou cerca de

140 mil professores e 60 mil empregados de apoio, tendo três meses de duração, com grandes

manifestações públicas e forte repressão do aparato policial. (XAVIER, 2005)

Observamos a cada ano que passa, uma conjuntura dificultada pelo descaso com a

educação e com investimentos longe no que realmente se faz necessário para uma educação

Page 69: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

68

de qualidade. Com isso, a reinvenção do trabalho docente tem sido baseada numa lógica

meritocrática que tem tratado alunos e professores como parte de uma produção fabril, onde o

conhecimento e a transmissão de saberes vem tomando rumos completamente mecanizados.

Muitos problemas continuam assolando os trabalhadores da educação nestes últimos

anos, que têm sido caracterizados por fortes desgastes entre profissionais de educação e

governo estadual, pois as promessas de campanha que visavam valorizar os profissionais da

educação têm vindo por água abaixo. Enquanto candidato ao governo do estado, Cabral

enviou uma carta aos professores das escolas estaduais com suas promessas de campanha,

entre elas: a reposição das perdas salariais dos últimos anos; manutenção do atual plano de

carreira com a inclusão dos professores de 40 horas; descongelamento do plano de carreira

dos funcionários administrativos; fim da política de gratificação do Nova Escola e

incorporação do valor da gratificação ao piso salarial; fim da política de abono; abono das

greves e paralisações; fim das terceirizações e contratos precários; e abertura imediata de

concurso público para professores e funcionários.

Em 2011, houve um momento de forte desgaste do governo estadual, onde diversas

categorias se mobilizaram, protagonizando duros embates. Profissionais da segurança pública,

saúde e da educação se mobilizaram conjuntamente para o enfrentamento à política de

arrocho salarial e desvalorização de setores fundamentais, levada pelo governo.

Os profissionais da educação iniciaram campanha salarial e fizeram uma greve de 67

dias , atos e passeatas foram realizados e uma pauta de reivindicação que incluía, reajuste

emergencial de 26%; incorporação imediata da totalidade da gratificação do Nova Escola

(prevista para terminar somente em 2015); descongelamento do Plano de Carreira dos

Funcionários Administrativos da educação estadual; eleição direta para diretores de escolas; o

não fechamento de 22 escolas; aplicação da Lei n.º 11738/2008, que garante1/3 da carga

horária dos professores para planejamento, entre outros.

Observa-se, no entanto, que nas últimas décadas vem ocorrendo um avanço das

políticas que desfavorecem a autonomia pedagógica, retém o controle do trabalho e acentua a

desvalorização dos professores, criando um sistema educacional descontínuo, com pouco

incentivo aos profissionais que nele atuam. Porém, por maior que seja a desumanização a que

as estruturas sociais e políticas submetem os professores e, por mais que descaracterizem os

Page 70: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

69

docentes, podemos encontrar sinais de procura da sua humanidade e dignidade, na luta por

seus direitos.

Embora nos últimos anos, estejamos presenciando uma lógica fabril na educação, os

professores e professoras têm construído seus mecanismos de luta e participação política,

protagonizando greves, resistindo à precarização e ao controle de mecanismos externos, à

perda de autonomia, à desvalorização e ao descaso com a educação. Embora existam

problemas de mobilização na categoria, a resistência tem sido presente e parafraseando o

poeta João Apolinário, no centro da própria engranagem inventa a contra-mola que resiste.

Page 71: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

70

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Complexa é a trama que nos oferece este estudo. Entender o processo pelo qual passa

o mundo do trabalho, a educação e os sujeitos envolvidos nesse meio, não têm sido tarefa

fácil, nem tampouco carente de investigações. Estudos sobre a temática da precarização do

trabalho docente têm se tornado cada vez mais presente, oferecendo-nos a necessidade de

aprofundamento teórico e sobretudo o entendimento de como os sujeitos diretamente

envolvidos, em especial os professores, têm observado e enfrentado essa nova dinâmica

educacional, imposta nas últimas décadas.

A categoria docente vem passando por um processo de mudanças estruturais que

vieram a lhe impor novas formas de lidar com o cotidiano escolar, com o seu trabalho e

também com a resistência, pois as condições alvitantes, constantemente impostas, têm

proporcionado mudanças pretensiosamente negativas na categoria. Ficaram expostos no

presente trabalho, alguns dos problemas encontrados pelos professores entrevistados da rede

estadual de ensino do Rio de Janeiro que se sentem desmotivados pelos baixos salários,

sobrecarga de trabalho e pelas condições precárias com as quais se deparam no cotidiano

escolar. No entanto, estes também nos revelam estratégias de resistência e sobrevivência neste

sistema escolar que apesar de precarizados, muitos mantêm-se trabalhando nestas condições

por necessidade ou falta de opção, já que a estabilidade no emprego possui maior peso sobre a

situação de desemprego estrutural pela qual passa a sociedade.

Observamos que a educação no estado do Rio de Janeiro, nas últimas décadas, tem

sido marcada por uma forte descontinuidade nas políticas, o que certamente contribui para o

caos gerado no estado, aprofundando o aspecto da precariedade educacional presente em todo

o país. Não são poucos os desafios a superar nessa direção, sinalizados pelas análises

realizadas e expostas no presente estudo.

As diversas políticas públicas, as mudanças no sistema de ensino e no cotidiano

escolar, consequentemente deixam marcas nos sujeitos que compõem a base desse trajeto.

Além das marcas oficialmente visíveis, buscamos também desocultar o não-dito, ouvindo as

representações de sujeitos que vivenciaram esses momentos de inconstância e que através de

suas memórias puderam contribuir significativamente para análise de todo esse processo,

Page 72: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

71

ajudando a identificar e decodificar os enunciados representativos da década de 2000 e das

que imediatamente as antecedem, os anos 80/90.

O presente trabalho buscou oferecer novos subsídios para a compreensão dos sujeitos

envolvidos na educação estadual do Rio de Janeiro, buscando um avanço nas discussões do

tema, investigando o cotidiano das práticas e experiências sem abandonar as questões de

produção e reprodução material da vida em uma sociedade dividida em classes sociais. Afinal,

como pesquisadores e como seres humanos, não somos neutros e devemos saber com quem

caminhamos e que lado defendemos, valendo com coerência tanto para nossas investigações

quanto para nossas práticas pedagógicas.

Page 73: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

72

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALGEBAILE, Eveline Bertino. Escola pública e pobreza: expansão escolar e formação da

escola dos pobres no Brasil. 2004. Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro de Estudos

Sociais aplicados da Universidade Federal Fluminense.

ANADON, S.; GARCIA, M. M. A. Trabalho e identidade docente nos discursos educacionais

oficiais da Revista "Nova Escola". Seminário de pesquisa em educação da região sul –

ANPED-SUL, nº 5, Curitiba: PUC-PR, 2004.

ANTUNES, Ricardo. A desertificação neoliberal no Brasil (Collor, FHC e Lula). Campinas:

Autores Associados, 2004.

APPLE, Michael; TEITELBAUN, Kenneth. Está o professorado perdendo o controle de suas

qualificações e do currículo? Teoria & Educação. PortoAlegre, nº.4, p.62-73, 1991.

BALL, S. Profissionalismo, gerencialismo e performatividade. Cadernos de Pesquisa, São

Paulo, v. 35, n. 126, p. 539-564, set./dez. 2005.

BRUNET, L. Clima de trabalho e eficácia da escola. In: NÓVOA, A. (Coord.). As

organizações escolares em análise. 2.ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995, p.123-140.

CANÁRIO, Rui. A escola das “promessas” às “incertezas”. Educação Unisinos. p.73-81,

maio/agosto 2008.

COSTA, Áurea. Entre a dilapidação moral e a missão redentorista: o processo de alienação no

trabalho dos professores do ensino básico brasileiro. In: COSTA, Aúrea; NETO, Edgard;

SOUZA Gilberto. A proletarização do professor: neoliberalismo na educação. São Paulo.

Sundermann. 2009, p.59-100.

CUNHA, Luiz Antônio. Movimentos sociais, sindicais e acadêmicos. In: ____. Educação,

Estado e democracia no Brasil. São Paulo: Cortez; Niterói: UFF; Brasília, DF: FLACSO do

Brasil, 1991.

DEMO, Pedro. Vida de professor. Brasília: UNB, 2000.

Page 74: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

73

ENGUITA, M.F. A ambiguidade da docência: entre o profissionalismo e a proletarização.

Teoria & Educação, n.4, 1991.

ESTEVE, J.M. O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde do professores. Bauru: EDUSC, 1999.

ESTEVE, J.M.; JESUS, S.N.; SANTOS, J.C.V.; STOBÄUS C.D. Formação em gestão do

stresse. Revista mal-estar e subjetividade. Fotaleza.N. 2 / P. 358 - 371 / Set. 2004.

FERNANDES, Florestan. O desafio educacional. São Paulo: Autores Associados, p.157-75,

1989.

FILHO, Eneuton Dornellas Pessoa de Carvalho. Evolução do emprego público no Brasil nos

anos 90. 2002. Tese (Doutorado em Ciências Econômicas) - Instituto de Economia da

UNICAMP.

FRIGOTTO, Gaudêncio; MOTTA, Vânia da; GAMA, Zacarias; ALGEBAILE, Eveline.

Plano de Metas da Educação do Rio de Janeiro: do economismo ao cinismo. Folha dirigida.

Rio de Janeiro. 11.01.2011, Caderno Educação, p.4

HASENBALG, Carlos; SILVA, Nelson do Valle. Tendências da Desigualdade Educacional

no Brasil. Dados v.43 n.3 Rio de Janeiro 2000.

HYPOLITO, A.M. Políticas curriculares, estado e regulação. Educação e Sociedade,

Campinas, v. 31, n. 113, p. 1337-1354, out.-dez. 2010.

____. HYPOLITO, Álvaro Moreira. Processo de trabalho na escola: algumas categorias para

análise. Teoria & Educação, Porto Alegre, nº.4, p.3-21, 1991

KREUTZ, L. Magistério: vocação ou profissão? Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 3,

jun. 1986.

LAWN, M. Os professores e a fabricação de identidades. Currículo Sem Fronteiras, v. 1, n. 2,

pp. 117-130, jul./dez. 2001.

LESSARD, Claude; KAMANZI, Pierre Canisius; LAROCHELLE, Mylène. O desempenho

do trabalho dos educadores canadenses: o peso relativo da tarefa, as condições de ensino e as

relações entre alunos e equipe pedagógica. Dossiê: Trabalho docente: condições, conjuntura

e contexto.EDU Vol. 1 (2010): Número Especial1, 2010.

Page 75: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

74

LINHART, Danilèle. Modernisation et précarisation de la vie au travail. Papeles del CEIC, n.

43, Volumen 2009/1. marzo 2009

MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2001.

___; Trabalho assalariado e capital. São Paulo: Expressão popular.2006.

NÓVOA, A. Os professores na virada do milênio: do excesso dos discursos à pobreza das

práticas. Revista espanhola Cuadernos de Pedagogía, n. 286, Dezembro de 1999.

OLIVEIRA, D. A. A reestruturação do trabalho docente: precarização e flexibilização.

Educação e Sociedade, Campinas, vol. 25, n. 89, p. 1127-1144, Set./Dez. 2004.

OZGA, Jenny; LAWN, Martin. O trabalho docente: Interpretando o processo de trabalho do

ensino. Teoria & Educação, Porto Alegre, nº 4, p.140-158, 1991.

PINHEIRO. Maria Francisca. O público e o privado na educação: um conflito fora de moda?

In: FÁVERO, Osmar (Org.) A educação nas constituintes brasileiras 1823-1988. 2ºed.

Campinas, SP: Autores Associados, 2001, p.255-291.

SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 3ed. São Paulo:Cortez/ Autores Associados,

1984.

SOUZA, Aparecida Neri de. Professores e Mercado de Trabalho VI Seminário – Regulação

Educacional e Trabalho Docente. U E R J. 2006.

TARDIF, M.; LESSARD, C. Le travail enseignant au quotidian, contribution à l’étude du

travail dans les métiers et les professions d’interactions humaines, Québec: Presses de

l’université Laval, 1999.

VIEIRA, J. S. Limites da racionalização do processo de trabalho docente. 1992.

Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do

Sul.

WENZEL, R. L. Professor: Agente da educação? Campinas, SP: Papirus, 1994.

XAVIER, Libânia Nacif. Inovações e (Des) Continuidades na política educacional fluminense

(1975-95) In: Um estado em questão: os 25 anos do Rio de Janeiro. FREIRE, Américo;

SARMENTO, Carlos Eduardo. MOTTA, Marly Silva da. (Orgs.) FGV. 2005 p. 115- 155.

Page 76: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

75

Leis e decretos:

BRASIL, LDB. Lei 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível

em: www.planalto.gov.br Acesso em: 12 de fevereiro de 2012.

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

www.planalto.gov.br Acesso em: 12 de fevereiro de 2012.

RIO DE JANEIRO. DECRETO N.º 25959 DE 12 DE JANEIRO DE 2000. Disponível em:

www.jusbrasil.com.br Acesso em: em 15 de janeiro de 2012.

Page 77: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

76

ANEXO 1

Caro(a) professor(a),

Sou professora do Colégio Estadual Dr. Rodolpho Siqueira e, no momento, estou cursando a pós graduação em Políticas Públicas na UFRJ.

O questionário abaixo é referente a minha pesquisa sobre o trabalho docente. Gostaria de contar com a colaboração dos colegas do Colégio na obtenção dos dados.

Agradeço desde já a colaboração de todos e informo que o resultado da pesquisa será divulgado em 2012 para os interessados.

Professora Amanda Moreira

Questionário de pesquisa

1. Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino

2. Idade: __________

3. Disciplina que leciona: ____________________

4. Turno que trabalha: ( ) Manhã ( ) Tarde ( )Noite

5. Possui pós-graduação? ( ) Sim ( ) Não Nível de: ( ) Especialização ( ) Mestrado ( ) Doutorado

6. Tempo de trabalho no magistério estadual: ( ) Entre 10 e 15 anos ( ) Mais de 15 anos ( ) Mais de 20 anos

7. Você se considera um profissional realizado? ( )Sim ( )Não

8. Como ocorreu a sua escolha pela carreira no magistério? ( ) Influência da família ( ) Escolha pessoal / Sempre quis ser professor(a) ( ) Por circunstâncias da vida, pois não queria ser professor(a) ( ) Entrei para o magistério pretendendo mudar de profissão, mas acabei ficando

9. Em alguma época específica você teve mais satisfação em atuar no magistério estadual? ( ) Sempre estive satisfeito ( ) No início da carreira ( ) Nos últimos anos, principalmente

Page 78: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

77

( ) Nunca estive satisfeito

10. Durante seu tempo de atuação você sentiu desmotivação com o trabalho? ( ) Sim, sempre ( ) Sim, algumas vezes ( ) Não, sempre estive bastante motivado Se sim, essa desmotivação se deu em qual etapa de sua carreira? ( ) Nos primeiros anos de atuação ( ) Antes dos 10 anos de atuação ( ) Após 10 anos de atuação ( ) Em todos os momentos

11. Em algum momento você pensou em desistir do magistério? ( ) Sim ( ) Não Se sim, a quanto tempo do exercício da profissão? ( ) Antes de 1 ano ( ) Antes dos 10 anos ( ) Depois dos 10 anos ( ) Em todos os momentos

12. Qual momento você considera/considerou o mais difícil de atuar na rede estadual? ( ) Há 20 anos ( ) Há 10 anos ( ) Há 5 anos ( ) Atualmente

13. Em qual momento de sua carreira, você sentiu maior sobrecarga de trabalho? ( ) Nunca tive sobrecarga de trabalho ( ) Há 20 anos ( ) Há 10 anos ( ) Há 5 anos ( ) Atualmente

14. Você já vivenciou um momento de tédio, crise, desgaste, ou mesmo doença, proveniente de sua atividade profissional? ( ) Sim ( )Não

15. Como você classifica a sua relação com os alunos? ( ) Muito boa ( ) Boa ( ) Razoável ( ) Ruim ( ) Péssima

16. Como você avalia o insucesso dos alunos? ( ) Os alunos estão cada vez mais indisciplinados, a culpa do insucesso é deles mesmos ( ) Considero que parte da culpa é do professor, pois é muito difícil lidar com os

Page 79: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

78

alunos e fazê-los aprender ( ) A culpa é dos governos que não dão condições de trabalho e ensino que proporcione uma situação de melhor ensino/aprendizagem ( ) O sistema educacional está favorecendo o fracasso escolar

17. Você recorda de alguma política educacional / proposta pedagógica do governo que tenha tido influências no seu exercício profissional? ( )Sim ( )Não Se sim, qual? ________________________________________________

18. Você considera ter controle sobre seu trabalho? ( ) Sim ( ) Não

19. Em sala de aula: ( ) Consigo controlar bem os alunos e dar as aulas tranquilamente ( ) Passo grande parte do tempo pedindo silêncio aos alunos ( ) Não consigo dar boas aulas, pois as turmas são muito cheias ( ) Não consigo fazer metade do que planejo

20. Como você vê as atribuições de preenchimento de diários, relatórios e lançamentos de notas online? ( ) Necessário e deve ser feito pelo professor ( ) Vejo como algo necessário, mas que deveriam ser feitos por outras pessoas, não pelo professor ( ) Desnecessário, apenas um mecanismo de controle do trabalho do professor ( ) Vejo como mais um trabalho atribuído ao professor, somente

21. Você considera o livro didático um bom instrumento de trabalho? ( ) Sim, devem ser sempre utilizados ( ) Sim, mas não devem ser sempre utilizados ( ) Não. Nunca deveriam ser utilizados ( ) Deveriam ser utilizados como mais um instrumento didático pelo professor e não o único

22. Como você vê as avaliações externas que têm sido utilizadas para medir a qualidade do ensino? ( ) Vejo como algo necessário, e sempre considero as notas em minhas avaliações ( ) Desnecessário. Não consigo enxergar uma utilidade prática ( ) Mais uma atribuição a fim de controlar o trabalho do professor ( ) Um trabalho extra para o professor

23. O que faria você ficar mais satisfeito com o trabalho no magistério?

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Page 80: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

79

ANEXO 2

DECRETO N.º 25959 DE 12 DE JANEIRO DE 2000 INSTITUI O PROGRAMA ESTADUAL DE REESTRUTURAÇÃO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA – PROGRAMA NOVA ESCOLA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. O GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO , no uso de suas atribuições constitucionais e legais, em especial tendo em vista o disposto no Decreto – lei n.º 220, de 18 de julho de 1975, art. 24, inciso VIII, CONSIDERANDO que a Escola Pública de qualidade capaz de promover o desenvolvimento da cidadania e a qualificação para o trabalho é direito de todos e sua implementação é dever do Estado; CONSIDERANDO a necessidade imperiosa de se implantarem mecanismos de gestão democrática do ensino público em articulação com as famílias e comunidades; CONSIDERANDO que a concretização do ideal de escola está ligada à capacidade técnica e financeira do setor educacional, o que justifica a integração de esforços das diversas esferas governamentais; CONSIDERANDO que o reconhecimento das diversidades locais gera a necessidade de tratamento diferenciado por parte do poder público estadual que vise a redução das desigualdades e a universalização da Educação; e CONSIDERANDO que o processo de implementação de políticas públicas de educação implica o compromisso com a valorização do magistério público, especialmente, no que se refere aos aspectos de remuneração, aperfeiçoamento, período de dedicação e organização administrativa, DECRETA: Art. 1° - Fica instituído o Programa Estadual de Reestruturação da Educação Pública – Programa Nova Escola, sob a coordenação da Secretaria de Estado de Educação, com os seguintes objetivos: I – melhorar de forma contínua a qualidade da educação com a racionalização de recursos financeiros, materiais e humanos envolvidos no desenvolvimento do processo educacional; II – universalizar o atendimento em todos os níveis de ensino garantindo o acesso de todos ao Sistema de Ensino Público; III – implementar mecanismos eficazes de valorização do magistério público, especialmente no que refere aos aspectos de remuneração, aperfeiçoamento, período de dedicação e organização administrativa; e IV – fortalecer a articulação entre as esferas de governo Estadual e Municipal, tendo por referência a unidade básica de ensino público no Estado. Art. 2º - Para os fins deste Decreto, o Programa Nova Escola compreenderá o Sistema

Page 81: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

80

Permanente de Avaliação das Escolas da Rede Pública Estadual de Educação o qual deverá abranger, principalmente, os seguintes aspectos: I – Gestão Escolar, compreendendo: a) Gerenciamento dos Recursos Humanos; b) Aplicação dos recursos financeiros; c) Infra-estrutura física d) Programa Nutrição Escolar; e e) Integração da Escola com a Comunidade. II – Processo Educativo, abrangendo: a) Evasão escolar; b) Aproveitamento escolar e repetência; c) Distorção idade - série; d) Universalização do acesso; e) f) Atendimento aos portadores de necessidades especiais; g) Política de leitura; h) Inovações pedagógicas; i) Uso de novas tecnologias educacionais; j) Tempo de permanência do aluno e do Professor na escola; k) Formação continuada; l) Participação dos pais no processo educativo; e m) Articulação da escola com os equipamentos de saúde, lazer e cultura do Bairro ou da Cidade. Art. 3º - Os servidores em efetivo exercício em qualquer das unidades da Rede Pública Estadual de Educação farão jus à gratificação específica de desempenho da escola classificada pelo Grau de Desempenho nos níveis de I a V, conforme Anexo ao presente Decreto. Parágrafo Único – A partir da publicação deste Decreto, todas as unidades escolares da Rede Pública Estadual de Educação serão classificadas, automaticamente, no nível I do Sistema Permanente de Avaliação de que trata o artigo anterior, passando os servidores, que nelas estiverem em efetivo exercício, a perceberem as respectivas gratificações. Art. 4º - A gratificação mensal, instituída na forma do disposto no Decreto n.º 17.301, de 28.02.92, relativa à retribuição pelo exercício das funções de Diretor, Diretor – Adjunto e secretário de unidades escolares da Rede Estadual de Ensino, será acrescida dos valores e na forma estabelecidos no Anexo ao presente Decreto. Parágrafo Único – Fica mantida em quarenta horas semanais a carga horária dos Diretores, Diretores – Adjuntos e Secretários de Escola. Art. 5º - Independentemente do disposto no art. 3º, os Professores, que preencherem todos os requisitos previstos no artigo seguinte, perceberão uma gratificação no valor de R$ 370,00 (trezentos e setenta reais) mensais. § 1º - Não farão jus à gratificação de que trata o caput deste artigo os professores que:

Page 82: A Precarização do Trabalho Docente numa Microrrealidade da Educação Pública Fluminense

81

I – não cumprirem a carga horária estabelecida neste Decreto; II – estiverem licença médica por período superior a 15 (quinze) dias. § 2º - A gratificação prevista neste artigo não será extensiva àqueles que exercem cargos em comissão ou funções de Diretor, Diretor – Adjunto e Secretário de Escola. Art. 6º - aos servidores enquadrados, nos termos da Lei n.º 1614, de 24.01.90, na categoria funcional de Professor, nas Classes Docente II, Docente I, Assistente de Administração Educacional Il e , Assistente de Administração Educacional I, será admitida a opção pela ampliação de jornada de trabalho, em regime de lotação prioritária, desde que atendidos os seguintes requisitos: I – lotação funcional em unidades escolares d rede Pública Estadual, no cumprimento de atividades de regência de turma, obedecidas as cargas horárias abaixo especificadas: a) aos Docentes II e aos Assistentes de Administração Educacional II, ampliação para 44 (quarenta e quatro) horas semanais, cumprindo 04 (quatro) horas em atividades complementares à regência; b) aos Docentes I e aos Assistentes de Administração Educacional I, ampliação para 30 (trinta) horas semanais, cumprindo 06 (seis) horas em atividades complementares à regência; II – não estejam exercendo as funções previstas no item I em regime de acumulação de cargos, na atividade. Art. 7º - A opção pela ampliação da jornada de trabalho em regime de lotação prioritária a que se reporta o art. 6º será operacionalizada por concorrência a vagas que correspondam às carências de professores da Rede Estadual de Ensino. Art. 8º - Em conseqüência do disposto neste Decreto e com base o art. 47, § 1º e § 2º, da Lei 1614/90, fica suspensa, no interesse da administração, a percepção da gratificação de encargos especiais denominada, para efeito de pagamento, de regime Especial de Trabalho (RET). Art. 9 º - As gratificações previstas neste Decreto não se incorporarão, para qualquer efeito, os vencimentos do servidor. Art. 10 º - As Secretarias de Estado de Educação e de Administração e Reestruturação do Estado expedirão os atos necessários ao cumprimento das normas e diretrizes deste Decreto. Art. 11 º - As despesas decorrentes deste Decreto correrão à conta das dotações orçamentárias próprias, ficando a Secretaria de Estado de Fazenda e Controle Geral autorizada a adotar as providências pertinentes. Art. 12 º - Este Decreto entrara em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Rio de Janeiro, 12 de janeiro de 2000. ANTHONY GAROTINHO