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A PRESENÇA DA MINIMAL ART NA 8ª BIENAL DE SÃO PAULO THE PRESENCE OF MINIMAL ART ON THE 8th SÃO PAULO BIENAL Guilherme Santos / UnB RESUMO Este artigo analisa a presença da Minimal Art estadunidense na 8ª Bienal de São Paulo, em 1965, discutindo as relações entre suas premissas teóricas e plásticas e as questões em torno do cenário artístico, político e cultural em que a 8ª Bienal estava inserida. Considerando, pois, as ressonâncias do programa anti-comunista Aliança Para o Progresso na década de 1960 no Brasil e na América Latina, destaca-se a política de Diplomacia Cultural adotada pelos EUA em relação à bienal de 1965. Deste modo, a proposta deste artigo é chamar a atenção para a presença anômala da abstração geométrica da Minimal neste contexto particular da história da arte brasileira, buscando contribuir para o debate maior sobre o contexto artístico brasileiro na década de 1960. PALAVRAS-CHAVE: Minimal Art; 8ª Bienal de São Paulo; década de 1960; diplomacia cultural ABSTRACT This paper analises the presence of U.S. Minimal Art on the 8th São Paulo Bienal, in 1965, discussing the relations between its theoretical and artistic premisses and the issues around the artistic, political and cultural scenario in which the 8th Bienal was inserted. Considering the resonances of the 1960's anti-communist program Alliance for the Progress in Brazil, the U.S politics of Cultural Diplomacy towards 1965’s São Paulo bienal is highlighted. Thus, this article sheds light to the anomaly that was the minimalist geometric abstraction presence in this particular context in Brazilian history of art, aiming to contribute to the bigger debate around Brazilian artistic context in 1960’s. KEYWORDS: Minimal Art; 8th São Paulo Bienal; 1960’s; cultural diplomacy

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A PRESENÇA DA MINIMAL ART NA 8ª BIENAL DE SÃO PAULO

THE PRESENCE OF MINIMAL ART ON THE 8th SÃO PAULO BIENAL

Guilherme Santos / UnB

RESUMO Este artigo analisa a presença da Minimal Art estadunidense na 8ª Bienal de São Paulo, em 1965, discutindo as relações entre suas premissas teóricas e plásticas e as questões em torno do cenário artístico, político e cultural em que a 8ª Bienal estava inserida. Considerando, pois, as ressonâncias do programa anti-comunista Aliança Para o Progresso na década de 1960 no Brasil e na América Latina, destaca-se a política de Diplomacia Cultural adotada pelos EUA em relação à bienal de 1965. Deste modo, a proposta deste artigo é chamar a atenção para a presença anômala da abstração geométrica da Minimal neste contexto particular da história da arte brasileira, buscando contribuir para o debate maior sobre o contexto artístico brasileiro na década de 1960. PALAVRAS-CHAVE: Minimal Art; 8ª Bienal de São Paulo; década de 1960; diplomacia cultural ABSTRACT This paper analises the presence of U.S. Minimal Art on the 8th São Paulo Bienal, in 1965, discussing the relations between its theoretical and artistic premisses and the issues around the artistic, political and cultural scenario in which the 8th Bienal was inserted. Considering the resonances of the 1960's anti-communist program Alliance for the Progress in Brazil, the U.S politics of Cultural Diplomacy towards 1965’s São Paulo bienal is highlighted. Thus, this article sheds light to the anomaly that was the minimalist geometric abstraction presence in this particular context in Brazilian history of art, aiming to contribute to the bigger debate around Brazilian artistic context in 1960’s. KEYWORDS: Minimal Art; 8th São Paulo Bienal; 1960’s; cultural diplomacy

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SANTOS, Guilherme. A presença da Mininal Art na 8ª Bienal de São Paulo, In Anais do 27o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 27o, 2018, São Paulo. Anais do 27o Encontro da Anpap. São Paulo: Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Artes, 2018. p.2723-2737.

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A 8ª Bienal Internacional de São Paulo A 8ª Bienal Internacional de São Paulo foi palco de um grandioso e megalômano

evento, reunindo mais de 4 mil obras de artistas de 59 países. A expografia contava

com “a possibilidade de uma circulação atordoante por obras, escolas, contextos,

texturas e percepções distintas” (ALAMBERT; CANHÊTE, 2004, p. 110). A mostra

reuniu desde consolidados artistas brasileiros e estrangeiros, em salas especiais

dedicadas à Yolanda Mohalyi (1909-1978), Cícero Dias (1907-2003) e Barnett

Newman (1905-1970), a jovens artistas emergentes como Frank Stella (1936) e

Hélio Oiticica (1937-1980). Foi a primeira Bienal realizada após a deflagração do

Golpe civil-militar, em abril de 1964, e a realidade política do país já se fazia sentir

nos corredores do pavilhão.

Dentre os grandes debates críticos que acompanharam essa bienal, as discussões

em volta da premiação ocuparam lugar de destaque. Como se sabe, a 8ª Bienal foi a

última Bienal de São Paulo a dividir a premiação entre artistas brasileiros e

estrangeiros, e este fato pode estar direta ou indiretamente relacionado à discussões

a respeito da controversa maneira de premiar os artistas participantes da mostra. O

júri de premiação de artes plásticas fora constituído por 24 membros, entre críticos,

comissários dos países participantes e artistas hours concours que integravam a

mostra. Os premiados brasileiros foram Sérgio Camargo com o prêmio de escultura,

Maria Bonomi com o de gravura, Danilo di Prete com o de pintura e Fernando

Odrizola com o de desenho. Os premiados internacionais foram o italiano Alberto

Burri (1915-1995) e o francês Victor Vasarely (1906-1997), ambos dividindo o

Grande Prêmio e o de Conjunto da Obra.

Como nos chamou atenção o crítico de arte Mario Pedrosa (1900-1981), em seu

texto de 1970, A Bienal de Cá para Lá, os conchavos políticos e a influência direta

dos marchands tendiam a enfraquecer a cada edição do evento os próprios objetivos

e critérios da premiação. Com a 8ª Bienal isso não foi diferente. Em carta enviada à

organização da mostra, críticos e comissários estrangeiros encabeçados pelo

influente curador sueco Pontus Hultén (1924-2006), então diretor do Museu de Arte

Moderna de Estocolmo e também membro do júri de premiação, chamaram atenção

para o fato de que “de maneira alguma o júri internacional de premiação poderia ser

constituído de comissários”, aludindo à questão da presença inoportuna de

representantes das delegações estrangeiras participantes da mostra, “cuja missão,

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nos júris, não iria além de defender interesses de galerias de arte que, veladamente,

representavam”1.

O juri internacional, presidido pelo comissário da delegação francesa o crítico de arte

Jacques Lassaigne (1911-1983), estava claramente dividido entre um bloco de

jurados europeus, que apoiavam a vitória de Vasarely, e um bloco de jurados latino-

americanos que, por sua vez, ofereciam total apoio à Burri, ambos artistas com

produções bastante divergentes. O prêmio foi, então, partilhado entre os dois artistas

e os protestos começaram a surgir na impressa nacional e internacional. A carta de

Hultén endereçada à Francisco Matarazzo Sobrinho (1898-1977) propunha uma

redução significativa do número de componentes do juri de 24 para 7 especialistas,

todos obrigatoriamente críticos de arte, representantes dos cinco continentes, de

reconhecida e sólida carreira.

O curador estadunidense Walter Hopps (1932-2005) parecia preencher todos os

requisitos da carta supracitada: era membro do júri internacional ao mesmo tempo

em que atuava como comissário da delegação dos Estados Unidos, era ele mesmo

sócio-fundador de uma galeria, a Ferus Gallery, localizada no sul da Califórnia, cujas

obras do acervo estavam presentes na 8ª Bienal de São Paulo, e sem dúvida

atendia a interesses artísticos, econômicos e políticos bem específicos. A atuação

de Hopps no júri foi tida como neutra uma vez que não fazia parte nem do bloco

europeu e nem do latino-americano. No entanto suas ambições estavam longe da

neutralidade, e mais adiante veremos como.

Walter Hopps e a delegação estadunidense na 8ª Bienal Para entendermos a presença de obras seminais da Minimal Art estadunidense na

8ª Bienal de São Paulo é necessário percorrermos, brevemente, alguns pontos da

trajetória do curador Walter Hopps que possibilitaram seu envolvimento com este

evento. Hopps era de fato uma personagem bastante controversa no cenário

artístico estadunidense, sobretudo nas décadas de 1950 e 1960. Sua atitute

visionária e empreendedora o ajudou a percorrer e traçar novos caminhos nesse

período de ebulição artística das neovanguardas estadunidenses, articulando novas

frentes no mercado artístico, que logo o posicionou como uma das figuras de ponta

da nova configuração do sistema das artes na segunda metade do século XX nos

Estados Unidos.

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Após frequentar as disciplinas de história da arte na Universidade da Califórnia e

graduar-se, em 1957, Walter Hopps logo transformou sua paixão pela organização

de exposições de arte em negócios, fundando, neste mesmo ano, a Ferus Gallery

em parceria com o artista estadunidense Ed Keinholz (1927-1994). Notabilizando-se

pela exposição e colecionamento de obras de artistas contemporâneos, Hopps logo

viu-se intimamente envolvido na constituição de um movimento que visava fomentar

uma nova cena artística californiana na década de 1960 e que desejava competir em

pé de igualdade com a forte e expressiva produção novaiorquina. Em artigo ao New

York Times, o crítico estadunidense Alan Solomon descreveu Hopps como

Uma figura crítica no sudeste californiano. O único nativo entre as mais importantes figuras dentro dos museus, sua orientação é nacional e internacional, mas ao mesmo tempo tem sido um persistente campeão com a arte da Califórnia. (SOLOMON, 1965, p.10X)2

De 1951 à 1961, o Museu de Arte Moderna de Nova York era o principal

responsável pelas representações dos Estados Unidos nas bienais de São Paulo e

Veneza. A contribuição direta do governo estadunidense começou em 1962, quando

o MoMA anunciou sua retirada do programa das bienais. Assim, em 1963, a United

States Information Agency (USIA), agência de relações públicas ligada diretamente

ao governo e devotada a questões diplomáticas, assumiu a coordenação das

representações do país nas mostras bienais. Hopps, que em 1963 deixara sua

galeria para assumir a diretoria do Pasadena Art Museum3, construindo ali uma

prestigiada reputação como curador, logo foi contactado por agentes da USIA e, em

março de 1965, o anúncio de sua convocação como comissário da delegação

estadunidense para a 8ª Bienal de São Paulo tomou conta dos jornais causando

certa expectativa na crítica e no público.

Organizada por Hopps em nome do Pasadena Art Museum, a exposição

estadunidense contava com 42 obras de seis jovens artistas, encabeçados pela

figura sênior de Barnett Newman como artista hours concours. A curadoria dividiu-se

entre trinta trabalhos de pintura de Billy Al Bengston (1934), Robert Irwin (1928),

Barnett Newman (1905-1970), Larry Poons (1937), Frank Stella, e doze trabalhos de

escultura, de Larry Bell (1939) e Donald Judd (1928-1994). Os representantes da

Califórnia eram Bengston, Irwin e Bell, e a representação novaiorquina contava com

Judd, Stella e Poons, além de Newman.

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Em seu texto de abertura, Hopps ratifica a ambição de apresentar a Nova Pintura

Formal Americana (New American Formal Painting)4, chamando atenção para uma

ideia particular que ele tinha sobre essa nova arte:

Nos Estados Unidos da América do Norte, nas duas últimas décadas, a arte floresceu extraordinariamente rica e complexa. Podemos agora aceitar como realidade que, dentro dessa nova arte está a maior contribuição da nossa pátria para a cultura universal. […] As atividades artísticas, na maioria das vezes, atravessam as fronteiras das categorias artificiais (que se presumem lógicas ou convenientes), mais ideadas por nós que pelos artistas. Pode-se dizer que não há escolas, movimentos ou estilos homogêneos (termos que poderíamos aplicar à arte do passado) em nossa nova arte. Na maioria das discussões sobre o assunto, permanece esse grande dilema: não há um estilo único ou central que possa ser derivado do padrão básico desta atividade. (HOPPS, 1965, p.206)

Fica evidente que Hopps estava muito preocupado em apresentar no seu argumento

curatorial as novidades artísticas que sua pátria tinha a oferecer ao mundo. Em

entrevista ao New York Times, na semana em que foi anunciado comissário dos

Estados Unidos para a 8ª Bienal de São Paulo, Hopps afirmou que essa nova

pintura formal americana “oposta à noção de arte narrativa ou simbólica”, englobava

as pinturas ópticas, as de hard-edge, as de color field e toda uma nova área de

'pinturas emblemáticas’5. Não deixemos, aqui, de notar a presença de dois grandes

jargões artísticos prementes à época da fala de Hopps, prefigurados em seu texto.

Um deles estava associado à crescente necessidade do ‘artista atual’ de construir

atravessamentos entre as linguagens artísticas, já assimiladas por todo um

complexo discursivo da crítica institucional como artifícios da própria história da arte

em categorizar a produção artística. Muito desse trabalho crítico veio da atividade

tenaz dos próprios artistas nas década de 1960. Por exemplo, o argumento da

diluição das fronteiras entre as modalidades artísticas, sobretudo pintura e escultura,

é a chave de leitura do paradigmático Objetos Específicos (1965), de Donald Judd,

artista nascido no estado do Missouri e radicado em Nova York, e um dos grandes

expoentes da Minimal Art estadunidense. Judd abre seu texto anunciando que

A metade, ou mais, dos melhores novos trabalhos que se têm produzido nos últimos anos não tem sido nem pintura e nem escultura. Frequentemente, eles têm se relacionado, de maneira próxima ou distante, a uma ou a outra. Os trabalhos são variados, e dentre eles muito do que não é nem pintura nem escultura também é

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variado. Mas há algumas coisas que ocorrem quase em comum. (JUDD, 2006, p.96)

Essa qualidade cambiante da nova produção tridimensional na arte atravessava os

discursos e posicionamentos artísticos nos Estados Unidos na década de 1960 —

sobretudo se analisarmos a compilação de artistas mencionados por Judd em seu

texto —, mas essa operação não era exclusiva desse país. No Brasil as

experimentações já caminhavam rumo à diluição das fronteiras entre as linguagens

artísticas desde finais da década de 1950, sobretudo com os artistas do grupo

neoconcreto carioca que, desde a fundação do Movimento Neoconcreto, em 1959,

construíam obras cuja forma e conceito ‘escreviam’ uma nova gramática visual das

operações escultóricas. Ao longo da década de 1960, algumas das obras seminais

de Lygia Clark (1920-1988), Amilcar de Castro (1920-2002), Frans Weissmann

(1911-2005), Lygia Pape (1927-2004) e Hélio Oiticica, lançavam profundas

discussões a respeito das qualidades escultóricas e objetuais da pintura, bem como

das características pictóricas que compunham o próprio objeto escultórico

De igual modo, a crítica de arte no Brasil estava atenta a essas transformações

ontológicas que a arte vinha sofrendo. Walter Zanini chamou atenção para os

problemas da tridimensionalidade em suas considerações a respeito do conjunto de

obras que constituiu a mostra da 8ª Bienal de São Paulo, reconhecendo que

O momento é de excepcional vitalidade para as formas de criação realizadas na matéria tangível. Há cinco ou seis anos era frequente na crônica especializada e nas discussões em museus e galerias a referência ao estado de prostração do objeto esculpido que depois de devorar o pão da miséria por mais de dois séculos continuava sendo subalterno à pintura desde as origens da arte moderna. […] O que estamos assistindo é a mutua interferência crescente das artes, é um comércio vertiginoso em que as permutas técnicas e expressivas se realizam livremente, confundindo as antigas distinções classificatórias. (ZANINI, 1965, p.2)

Olhando para a história da Bienal de São Paulo ao longo da década de 1960, Mário

Pedrosa levantou essa mesma questão quando da qualidade da premiação de 1965,

cujos prêmios obedeciam a lógica das categorias artísticas, afirmando que

Em face do desenvolvimento vertiginoso de tendências e da dissolução cada vez mais radical das categorias tradicionais de arte, pintura, escultura, gravura e desenho, e sobretudo em face do caráter cada vez mais experimental do próprio processo criativo, a quem premiar? Como premiar? (PEDROSA, 2015, p.496)

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Observando os três fragmentos acima, não se sabe o quanto a fala de Hopps possa

ter contaminado as considerações de Zanini, nem se pode mensurar o quanto a

colocação de Zanini afetou as elucubrações de Pedrosa, já no início da década de

1970. O fato é que esse vocabulário crítico estava presente nos mais variados

posicionamentos, fossem eles a favor dessa nova arte, ou mesmo contrários a ela.

O segundo jargão artístico premente na fala de Hopps refere-se ao fato de que os

novos artistas não se filiavam a estilos ou movimentos programáticos, muito menos

derivavam conscientemente de “um padrão básico”, ou uma matriz estilística,

estabelecendo, assim, uma clara distância entre essa nova produção e àquelas

associadas às vanguardas modernas. Esse argumento vinha da exigência dos

próprios artistas, sobretudo a partir do conflito entre Hopps e Barnett Newman, em

não conceber a arte que produziam derivada de modelos artísticos e teóricos

institucionalizados e historicizantes.

A estratégia de Hopps de apresentar essa nova arte para o mundo sem incorrer no

risco de expor uma produção muito insipiente, foi construir um elo entre essa recente

produção e a obra monumental de Newman, e tal escolha mostrou-se bastante

acertada. Logo a crítica assimilou este fato e passou a corroborar a ideia de que a

presença dessa nova arte estadunidense ali exposta era justificada por meio da

autoridade da obra e da pessoa de Newman, e o veredito quase sempre atestava a

coerência e a maturidade dessa jovem arte proposta por esse jovem curador.

Mas nem todos se agradaram dessa visão de Hopps. O próprio Newman, que já

havia recusado desde o inicio concorrer ao grande prêmio internacional, mostrou

sua indignação com as escolhas curatoriais e terminológicas de Hopps, em carta

endereçada ao curador, dizendo:

… Foi minha impressão de que você honraria a mim pelo meu trabalho, e de que também incluiria mais seis jovens artistas porque estava comprometido com os trabalhos deles. Eu não fazia ideia, e de modo algum você deixou isso expresso em nenhuma conversa, de que havia escolhido a mim e aos outros porque éramos praticantes, em menor ou maior grau é irrelevante, de uma ideia estilística … Foi impressão minha de que você organizou uma espécie de trem, cheio de obras de jovens artistas de alta estima, os quais, não sendo muito conhecidos, precisavam de mim como locomotiva. No entanto, ao invés de locomotiva, transformei-me apenas na engrenagem de uma máquina formalista. (NEWMAN 1990, p.186)6

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Revisado meses antes da mostra, sob os protestos de Newman, o texto final de

Hopps incluía novas considerações a respeito de seu posicionamento quanto à

declaração feita ao New York Times sobre a New American Formal Painting, termo

que Newman claramente se opunha, bem como reforçava a ideia de que não se

tratava da apresentação de uma escola ou movimento artístico, de modo algum

liderado por Newman. Não obstante a essa retratação pública, Hopps manteve-se

fiel à sua proposta inicial de apresentar uma grandiosa contribuição da sua pátria

para o mundo.

Essa ‘contribuição’ generosa não viria, contudo, sem um preço. Hopps atendia às

mais diversas expectativas, sejam elas dos financiadores da mostra (nesse caso a

verba era estatal), da crítica e do público e, obviamente, às suas próprias

expectativas. Anunciados os nomes dos artistas, a exposição de Hopps teve

substancial apoio da crítica estadunidense e significativa divulgação em seu país de

origem, mas o fato de que nenhum de seus artistas tenha sido premiado tornou

quase impossível a não comparação com a edição anterior da Bienal, de 1963, que

laureou o pintor novaiorquino Adolph Gottlieb (1903-1974).

Mas o que nos chama atenção aqui é o fato das obras representantes da Minimal Art

estadunidense ter tido pouca aderência, sobretudo na crítica de arte brasileira, e sua

repercussão pouco substancial nos meios artísticos tenha causado mínima

comoção, algo que nos soa estranho se considerarmos o contexto de alianças e

articulações que o Brasil, e a América Latina de um modo geral, estabeleciam com

os Estados Unidos nesse período. Deste modo, analisaremos, a seguir, o fenômeno

da presença dos representantes da Minimal na 8ª Bienal de São Paulo dentro de um

contexto político-cultural bastante específico.

“Diplomacia Cultural” e a Presença da Minimal Art As Bienais de São Paulo e de Veneza eram as principais mostras internacionais que

dinamizavam o mundo das artes visuais em escala global nesse período. Num

contexto geopolítico da Guerra Fria, o mundo encontrava-se cada vez mais

polarizado e a necessidade do estabelecimento de alianças entre nações e

territórios era iminente. Com a Revolução Cubana ‘ameaçando’ o progresso

capitalista no continente americano desde 1959, a corrida anti-comunista

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intensificou-se e a avidez estadunidense em liderar essa disputa político-econômica

produziu efeitos de grande escala no continente e no mundo.

As relações entre os Estados Unidos e a América Latina ganharam especial atenção

ao longo da década de 1960 quando os países latino-americanos entraram na mira

da política externa estadunidense no período da Guerra Fria. A estratégia primordial

consistia em identificar os interesses dos aliados do chamado “bloco ocidental”,

onde países da América Latina estavam incluídos, emparelhando-os com seus

próprios interesses por meio de uma política da generosidade e da boa vizinhança.

A ideia oficial era manter o bem-estar da nação à medida em que mantinha-se o

bem-estar das nações vizinhas. Veladamente, a política visava uma conquista ainda

maior se considerarmos o ambiente de disputas e tensões.

O grande programa estadunidense que propunha o fortalecimento de uma coligação

interamericana, de viés explicitamente anti-comunista, ficou conhecido como Aliança

Para o Progresso. Desenvolvido desde o início do mandato de John F. Kennedy, em

1960, o programa voltava-se especificamente para a América Latina, a partir de “um

plano de cooperação de dez anos, com o objetivo declarado de fomentar o

desenvolvimento econômico, social e político” (RIBEIRO, 2006, p.152) dos países

aliados. Quaisquer relações entre Brasil e Estados Unidos durante a década de

1960 podem ser melhor compreendidas e analisadas se consideramos a magnitude

desse programa.

O programa despontou no Brasil em 1961 sob fortes críticas e encontrou um

ambiente pouco favorável de aclimatação: de um lado os nacionalistas defendiam

um maior protecionismo econômico e de outro os desenvolvimentistas, que “não

constituíam um grupo coeso ou homogêneo” (RIBEIRO, 2006, p.152), encorajavam

um investimento externo mais ostensivo. Além disso, o Brasil enfrentava uma forte

instabilidade política com o governo de Jânio Quadros, o que acabou resultando em

sua renúncia em 25 agosto de 1961 — uma semana após o acordo de Punta del

Este realizado pelos países signatários da Aliança para o Progresso8. Os grupos de

esquerda do país eram contrários ao avanço do programa reconhecendo nesse

investimento os interesses expansivos e imperialistas do capital estadunidense

sobre a região, num período em que os países da América Latina lutavam por

manter sua soberania política e econômica.

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Diante deste cenário, uma das frentes de atuação do programa foi a presença

maciça dos valores culturais e artísticos estadunidenses a partir de uma política de

Diplomacia Cultural. Essa política forneceu um sentido — e ratificou — à própria

noção de auxilio econômico e cooperação entre os países, ao passo que divulgou os

ideais progressistas estadunidenses, claramente opostos ao ‘atraso cultural’

comunista. Para isso, era necessário eleger quais elementos dessa cultura deveriam

ser exportados, por assim dizer, considerando onde e como eles seriam

apresentados. Como nos lembra a professora Dária Jaremtchuk, “as participações

nas bienais de Veneza e de São Paulo transformaram-se em verdadeiras vitrines

políticas no cenário da Guerra Fria.” (JAREMTCHUK, 2012, p.1593).

O programa Arte nas Embaixadas (Art in Embassies), que teve início em 1960 e era

coordenado pelo Departamento de Estado em parceria com o MoMA/NY e a

Woodward Foundation, criada em 1960 em Washington D.C., tinha o claro objetivo

de enviar obras de artistas contemporâneos para as 110 residências de embaixadas

e chancelarias ao redor o mundo. Em um artigo de capa publicado no New York

Times em julho de 1965, a crítica de arte Grace Glueck chama atenção para o papel

da arte e da cultura em missões oficiais do estado, afirmando ser este um programa

que

fez da arte Americana o rigor nas missões dos Estados Unidos no exterior. “Você pode chamá-lo de diplomacia cultural”, disse a Sra. Estes Kefauver, consultora de belas artes do Departamento de Estado e coordenadora das atividades do programa Arte nas Embaixadas. “Ao oferecer evidencia concreta da arte produzida nos EUA, o programa fortalece nossa imagem cultural”. Graças ao programa, artistas Americanos estão representados em quase 40 das 110 embaixadas dos EUA, e esse número têm crescido rapidamente. (GLUECK, 1965, p.1)7

A especificidade dessa diplomacia cultural, como bem cita Estes Kefauver no trecho

acima, era a exigência da presença efetiva da produção artística recente nos

Estados Unidos, que como bem sabemos era caracterizada em grande maioria por

trabalhos da Pop, da Op Art e de tendências abstratas. Andy Warhol, Ad Reinhardt,

Josef Albers, Willem de Kooning, Jasper Johns e Edward Hopper eram alguns dos

artistas cujas obras adornavam as paredes das embaixadas ao redor do mundo. As

obras tornaram-se verdadeiros dispositivos de poder nas mãos do Estado, e

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representavam o progresso, a criatividade, a inventividade e, acima de tudo, a

vanguarda intelectual e artística dos Estados Unidos.

Nesse contexto, a entrada da USIA na coordenação das bienais e mostras

internacionais, em 1963, não foi de modo algum isenta de interesses políticos. A

união dos interesses diplomáticos da USIA aos interesses econômicos do programa

Aliança Para o Progresso, que atuava no Brasil através das missões da United

States Agency for International Development (USAID), transformou a Bienal de São

Paulo em uma grande arena de disputas políticas e ideológicas bastante pontuais e,

por isso, a presença da arte estadunidense definitivamente não deve ser tomada sob

o ponto de vista da neutralidade.

Deste modo a escolha de Hopps para o comissariado da delegação estadunidense

na 8ª Bienal de São Paulo era mais que propícia. Essa escolha obedecia os

mesmos critérios da política de diplomacia cultural do programa Arte nas

Embaixadas, visto que Hopps tornara-se um grande articulador de peças e obras de

artistas de vanguarda da década de 1960, sobretudo de obras abstratas e da Pop

Art estadunidense. Tão importante quanto isso foi o fato de Hopps não ter sido uma

figura reconhecida por sua forte militança intelectual, apesar de sua posição

declaradamente centro-esquerdista, visto que seu interesse com a Bienal estava na

consolidação de um mercado simbólico e econômico para essa nova arte. Como o

historiador da arte estadunidense Francis Frascina elucidou,

Walter Hopps, escolhido para organizar a exposição de 1965, lembra que na época a verba girava normalmente em torno de meio milhão de dólares; no caso de São Paulo foram $ 400.000. Hopps relembra o alto teor político dessas exposições e as posiciona à luz das complexidades de seus próprios interesses centro-esquerdistas e sua história de atividade vanguardista na Ferus Gallery […]. De acordo com Hopps, na administração de [Lyndon] Johnson, grandes quantias de dinheiro eram colocadas à disposição da USIA permitindo a participação do país nas bienais de Veneza, em anos pares, e nas de São Paulo, em anos ímpares. (FRASCINA, 1999, p.41-42)9

As escolhas curatoriais de Hopps foram bastante pontuais e precisas. Dentre as

obras selecionadas para essa exposição, encontravam-se trabalhos de dois grandes

artistas expoentes do que ficaria conhecido posteriormente como a Minimal Art.

Eram eles Donald Judd e Frank Stella. Poderíamos descrever a Minimal como uma

conjuntura de eventos artísticos que ocorreram ao longo da década de 1960 quase

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que exclusivamente em Nova York. A criação de obras de arte cada vez mais

paradigmáticas; a abertura sucessiva de exposições seminais num rápido

acionamento do sistema expográfico para a divulgação e circulação dessas obras; a

publicação de escritos teóricos de autoria dos próprios artistas, que praticamente

acompanhavam o surgimento dessas obras; e a crescente crítica institucional que

trazia consigo a iminente crise da crítica de arte, ensejaram a formação do que

atualmente entendemos constituir a Minimal Art.

Chamo atenção para o fato de que esses artistas não se enxergavam como

partícipes de um movimento programático, uma vez que seus discursos

enfatizavam, sobretudo, a noção de que trabalhavam em um campo da diferença. O

anacronismo que adotamos aqui, para o bem ou para o mal, refere-se à noção de

que algumas das obras apresentadas na 8ª Bienal de São Paulo estão

posicionadas, pelo cânone da história da arte contemporânea, nos primórdios da

experimentação artística que definiu a Minimal Art estadunidense.

Figura 1: Donald Judd. Sem Título, 1963.

Madeira pintada. 49,5 cm x 114,3 cm x 77,4 cm. Coleção da Fundação Judd (NY).

Observando o objeto específico de Judd na figura 1 é possível depreender algumas

das características que “ocorrem que em comum” (JUDD, 2006, p.96) em grande

parte das obras da Minimal. Essa obra esteve presente nos pavilhões da 8ª Bienal

de São Paulo na categoria de escultura e, apesar de Judd não citá-la explicitamente

em seu texto, ela apresenta o claro emprego do vocabulário geométrico, com suas

formas elementares; estabelece um diálogo específico com a pintura e a escultura,

trabalhando com a diluição de fronteiras entre as linguagens artísticas, o que

determina sua especificidade; fixa uma relação inexorável com o espaço ao redor; e

distancia-se da subjetividade do artista à medida em que utiliza um material com

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acabamento industrial. Portanto, geometrização, especificidade, espacialização e

objetividade são as principais chaves de inteligibilidade de muitas das obras da

Minimal Art estadunidense.

Figura 2: Frank Stella. Mas o Menos, 1964.

Pó metálico em emulsão acrílica sobre tela. 243,8 x 355,6 cm. Musée National d’Art Moderne, Centre Georges Pompidou, Paris.

Outra figura seminal da Minimal presente na 8ª Bienal de São Paulo foi o

novaiorquino Frank Stella. Com seis trabalhos incluídos na categoria de pintura, a

presença de Stella de igual modo reforçava o discurso da abstração pressuposto na

curadoria de Hopps, sobretudo no que tange à arte produzida em Nova York. Em

Mas o Menos, figura 2, as características minimalistas enumeradas acima aparecem

de maneira mais sutil se compararmos ao objeto de Judd. Mas ao desvencilhar-se

do formato retangular tradicional da pintura de cavalete e aplicar um vocabulário

geométrico específico na superfície da tela, o artista cria um volumetria que parece

jogar com a própria condição tridimensional da pintura, sem, contudo, abandonar

efetivamente a bidimensionalidade pictórica. Stella de fato constrói uma pintura

quase-objeto.

Para os propósitos deste artigo, essas duas obras aqui mencionadas representam o

escopo da Minimal Art na 8ª Bienal de São Paulo. A presença desses artistas, com o

carimbo da monumental obra de Newman, teve uma recepção positiva na crítica

brasileira, com citações exaltando a criatividade e o vanguardismo dessas obras.

Destacamos a crítica de Walter Zanini, publicada no jornal O Estado de São Paulo,

em outubro de 1965:

A representação norte-americana foi preparada pelo jovem e competente diretor do Museu de Pasadena, Walter Hopps. À

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exuberância, ao grito mesmo das esculturas enviadas pelos Estados Unidos na outra Bienal [de 1963], ele soube opor uma nova problemática de criação no seu país, ou sejam, essas obras de frialdade temperamental por ele definidas em termos de pintura mas sem perder de vista a concreticidade aliás não referencial dos objetos. […] Donald Judd é todavia a mais valiosa dessas novas sensibilidades inevitavelmente prisioneiras da beleza tecnológica. No empiricismo formal de suas estruturas de cálculo rigoroso ele parece um mensageiro do silêncio. (ZANINI, 1965, p.2)

Essa fala de Zanini revela o sentimento diante dos objetos específicos de Judd, esse

porta-voz da iconoclastia. O silêncio aludido por Zanini, que nessas obras vem de

uma devoção à geometrização e da utilização de materiais de fatura e/ou

acabamento industrial, pode nos indicar o quão hostil teria sido a presença da

abstração geométrica da Minimal Art no Pavilhão da 8ª Bienal de São Paulo. A

especificidade e a aparente — mas eficiente — aridez dessas obras minimalistas,

por mais polidas e elegantes que fossem, demonstravam o quão agressivo e

ensurdecedor poderia ter sido esse silêncio face à produção artística que o Brasil

experimentava no mesmo ano, sobretudo se considerarmos a ebulição de obras

ligadas à nova figuração apresentadas na exposições Opinião 65, no Museu de Arte

Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ) e Propostas 65, realizada na Fundação

Armando Álvares Penteado, em São Paulo (FAAP/SP).

A partir desse ponto, a pesquisa de mestrado, da qual o presente artigo é apenas

um recorte, analisa as relações entre entre as premissas teóricas e plásticas da

Minimal Art estadunidense e a produção artística brasileira de vanguarda da década

de 1960, observando o contexto político e cultural em que estava inserida a 8ª

Bienal. Ao apresentarmos aqui as condições culturais e, sobretudo políticas, que

ensejaram a presença da Minimal no Brasil em 1965, buscamos contribuir para o

debate acerca do contexto artístico brasileiro na década de 1960 a partir dos

acontecimentos que circundaram a 8ª Bienal de São Paulo.

Notas 1 Até o presente momento da pesquisa não obtivemos acesso à carta supracitada. O texto que citamos aqui é de Ivo Zanini em nota publicada na Folha de São Paulo no dia 09 de setembro de 1965 sob o título de “Críticos e estrangeiros: restrições à Bienal”. Ver também nota do New York Times “Rift over judging imperils art show”, publicada em 09 de setembro de 1965. 2 “ […] is a critical figure in Southern California. The only native among the top personnel in the museums, his orientation is national and international, but at the same time he has been a persistent champion of California art"

3 Atual Norton Simon Museum of Art, o Pasadena Art Museum organizou a mostra da 8ª Bienal enquanto estava sob a direção de Walter Hopps (de 1962 a 1967). Essa mesma mostra fora exibida nas galerias da National Collection of Fine Arts, uma divisão do Smithsonian Institution, em janeiro de 1966, em Washington D.C..

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4 Entrevista de W. Hopps concedida à Grace Glueck para o artigo do New York Times, “An Eye Toward São Paulo”, publicado em 07 de março de 1965. 5 Idem. 6 “… It was my impression that you were honoring me for my work and that you were including six younger people because you were also committed to their work. I had no idea, and somehow you never expressed it in conversation, that you had chosen me and the others because you felt that we were practitioners, whether in major or minor is irrelevant, of a stylistic idea … It was my impression that you were organizing a kind of train, full of the work of young man of high purpose, who, not being too well known, needed me as a locomotive. However, instead of a locomotive, I have become a cog in a formalist machine.” Tradução livre. 7 “[…] that has made the american art de rigueur in United States missions abroad. “You can call it cultural diplomacy”, says Mrs Estes Kefauver, adviser os fine artes to the State Department, who coordinates all Art in Embassies activities. “By giving concrete evidence of what’s doing in U.S. art, the program is strengthening our cultural image”. Thanks to the program, American artists are represented at almost 40 of the 110 United States embassies and the number is rapidly increasing.” Tradução livre 8 A conferência que firmava o acordo da Aliança para o Progresso entre os países da América Latina, exceto Cuba, ocorreu entre 5 a 27 de agosto na cidade uruguaia de Punta del Este, e o acordo pormenorizado da aliança ficou conhecido como a Carta de Punta del Este. 9 “ Walter Hopps, chosen to organize the exhibition in 1965, remembers that it was normally around half a million dollars; at least $ 400.000 for São Paulo. Hopps recalls the highly charged political context of this exhibitions and places them in the light of the complexities of his own left-of-center commitments and his history of avant-gardist activity at the Ferus Gallery […]. According to Hopps, under Johnson’s administration huge amounts of money were put at the disposal of the USIA to allow participation in the various biennials, including Venice in even years, and São Paulo in odd years.” Tradução livre

Referências FRASCINA, Francis. Art, politcs and dissent: aspects of the art left in the sixties America. Nova York: Manchester University Press, 1999. FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO. Catálogo Bienal 50 anos—1951-2001. São Paulo, 2001. 352 p. HOPPS, Walter. Estados Unidos da América. FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO. Catálogo da 8ª Bienal de São Paulo - 1965. São Paulo, 1965. p.205-210. JUDD, Donald. Objetos específicos In COTRIM, Cecilia; FERREIRA, Glória [orgs.]. Escritos de artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. NEWMAN, Barnett. Barnett Newman: selected writings and interviews. Editado por John P. O’Neill; notas e comentários por Mollie McNickle; introdução de Richard Shiff. New York: Alfred A. Knopf, 1990. PEDROSA, Mário. Arte, ensaios: Mario Pedrosa. São Paulo: Cosac Naify, 2015. RIBEIRO, Ricardo A.. Teoria da modernização, a aliança para o progresso e as relações Brasil-Estados Unidos. Perspectivas, São Paulo, v.30, p.151-175, jul./dez. 2006. SOLOMON, Alan. Making like competition in L.A.. New York Times, Nova York, 11 jul. 1965. Sessão 2, p.10X. ZANINI, Walter. A escultura, relevos e objetos da VIII Bienal. O Estado de São Paulo, São Paulo, 02 out. 1965. Suplemento Literário, p.2.