A presença de Bernardo Pereira de Vasconcelos no Parlamento do Primeiro Reinado

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Universidade Estadual de Campinas

A presena de Bernardo Pereira de Vasconcelos no Parlamento do Primeiro Reinado: Suas Idias Polticas, Econmicas e Sociais

Reginaldo Mattar Nasser

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Reginaldo Mattar Nasser

A presena de Bernardo Pereira de Vasconcelos no Parlamento do Primeiro Reinado: Suas Idias Polticas, Econmicas e SociaisDissertao de Mestrado apresentada ao Departamento de Cincias Polticas do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade Estadual de Campinas, sob a orientao da Profa. Dra Argelina Maria Cheibub Figueiredo

Este exemplar correspondente redao final da tese defendida e aprovada pela Comisso Julgadora em ______/____/_____

Banca : ______________________________________Profa. Dra Argelina Maria Cheibub Figueiredo

____________________________________________Profa. Dra Walquria Gertrudes Domingues Leo Rego

_________________________________________Prof. Dr. Ricardo Frota de Albuquerque Maranho

_________________________________Eliezer Rizzo de Oliveira (suplente)

Junho/1997

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Agradecimentos

Andr Gide dizia que uma idia genial era, na verdade, uma banalidade superior, algo to evidente que se tinha a impresso de que qualquer homem sensato poderia encontr-lo. Era o que o nosso bom Nelson Rodrigues costumava chamar de bvio ululante. No entanto, deve-se acrescentar que necessrio ter uma intuio toda especial para que esta idia nos aparea em toda sua plenitude. E foi, precisamente, isso que o professor Galvo, em suas famosas prelees, sempre fez, chamando a nossa ateno para existncia da idia de Brasil. A ele toda a minha

gratido, sobretudo, pelo rigor intelectual e a paixo com que abraa a sua causa. No poderia deixar aqui de reconhecer, tambm, o apoio que tive no Departamento de Poltica da PUC (S.P.) bem como dos meus alunos que, de uma certa forma, contriburam para aprimorar o meu trabalho. Sem a presena da professora Argelina todo este esforo teria sido em vo. Compreensiva e sensata soube, no momento preciso, fazer com que este trabalho pudesse ser apresentado. J se disse alguma vez que nunca terminamos uma obra, mas sim que a abandonamos.

Aos pais minhas meninas e

meus s

4O homem est, de certa forma, todo contido nos cueiros que o envolvem no bero. Nas naes d-se algo semelhante. Os povos padecem sempre de suas prprias origens. As circunstncias que presidiram ao nascimento e serviram ao seu desenvolvimento influem sobre todo o resto da carreira. (Tocqueville) O Brasil se interessa pouco pelo seu prprio passado. Essa atitude saudvel exprime a vontade de escapar a uma maldio de atraso e misria. (Paulo Emlio) Cada pas tem suas instituies, cada instituio seus problemas, e cada problema sua soluo. (Cormenin) Para que havemos de questionar sobre o que melhor fazer-se, se o aperto das nossas atuais circunstncias s nos faculta indagar o que se pode fazer? (Vasconcelos)

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INTRODUO ..................................................................................................................................7 CAPTULO I - O ESTILO POLTICO ......................................................................................... 16 1.1 - A FORMAO JURDICA .........................................................................................................17 1.2 - RAZO E EVOLUO .............................................................................................................24 1.3- REALISMO ............................................................................................................................... 27 1.4 - PARTIDOS POLTICOS ..............................................................................................................30 CAPTULO 2 : A ATIVIDADE LEGISLATIVA ..........................................................................42 2.1 - RESPONSABILIDADE MINISTERIAL .......................................................................................... 47 2.1.1 - A Doutrina .....................................................................................................................51 2.2.2 - A Regulamentao da Lei de Responsabilidade .......................................................... 52 2.2.3 - Apreciao da Lei .........................................................................................................63 2.2 - LIBERDADE DE IMPRENSA ......................................................................................................69 2. 2.1 - A Imprensa no Primeiro Reinado .................................................................................69 2.2.2 - O Projeto de Lei ............................................................................................................71 2.3 - ORDEM JURDICA ...................................................................................................................78 2.3.1 - Foros Privilegiados .......................................................................................................78 2.3.2 - Supremo Tribunal de Justia ....................................................................................... 79 2.3.3 - Cdigo Criminal ............................................................................................................80 2.3.4 - Polcia ........................................................................................................................... 82 2.4 - ORDEM ECONMICA ..............................................................................................................84 2.4.1 - Economia Poltica .........................................................................................................86 2.4.2 - Comrcio Internacional ................................................................................................ 91 2.4.3 - Intervencionismo ...........................................................................................................93 2.4.4 - As Companhias ..............................................................................................................95 2.4.5 - Impostos ........................................................................................................................ 96 2.5 - BANCO DO BRASIL ...............................................................................................................108 2.6 - ESCRAVATURA .................................................................................................................... 119 CAPTULO 3 : A PARLAMENTARIZAO DA MONARQUIA ..........................................122 4.1 - FALA DO TRONO E VOTO DE GRAAS...................................................................................124 4.1.1 - Ano de 1826 ................................................................................................................127 4.1.2 - Ano de 1827 ................................................................................................................128 4.1.3 - Ano de 1829 ................................................................................................................132 4.2 - CMARA DOS DEPUTADOS...................................................................................................139 4.3.1 - Verificao de Diplomas ............................................................................................. 139 4.3.2 - Conflitos com o Senado ............................................................................................... 141 4.3.2 - Reunio das Cmaras .................................................................................................142

64.3 - MINISTROS X CMARA.........................................................................................................143 4.3.1 - Deputado e Ministro ....................................................................................................144 4.3.2 Integrao Executivo e Legislativo ................................................................................145 4.3.2 - Acusao dos ministros ............................................................................................... 154 4.3.3 - O Gabinete Barbacena: um experincia parlamentarista..........................................159 CAPTULO 4 : PODER MODERADOR ..................................................................................... 168 4.1 - A FORMAO DA DOUTRINA NO BRASIL ..............................................................................170 4.2 - A MONARQUIA REPRESENTATIVA ........................................................................................ 175 4.3 - A QUESTO DA RESPONSABILIDADE MINISTERIAL ............................................................... 177 4.4 - - ABERTURA DA ASSEMBLIA .............................................................................................. 180 4.5 - GUARDA DA CONSTITUIO ................................................................................................ 186 CAPTULO 5 - LEGITIMIDADE E PODER .............................................................................201 5.1 - HISTRIA DA IDIA DE LEGITIMIDADE ..................................................................................201 5.2 - OS DEBATES NA ASSEMBLIA CONSTITUINTE .......................................................................205 5.3 - A FALA DO TRONO EM 1828 ................................................................................................ 208 5.4 - A ABDICAO ...................................................................................................................... 213 CONCLUSO ................................................................................................................................ 225 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................ 228 FONTES PRIMRIAS ...................................................................................................................... 233

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Introduo

Enquanto a haver dirios eu sustento que deve haver mesmo porque, no tendo ns uma folha em que nossos discursos sejam, eles podem ser publicados por algum inimigo que inverta o sentido de nossas oraes.( Vasconcelos)

No h quem discorde da importncia de Bernardo Pereira de Vasconcelos para a histria do Brasil. Os mais eminentes historiadores, publicistas e polticos no economizam adjetivos para destacar o papel que teve este mineiro de Vila Rica1 na evoluo poltica do principais acontecimentos na primeira metade do sculo XIX. Vejamos alguns deles: Mirabeau do Brasil(Armitage); Franklin ou Adams do Brasil (Wash); Gigante Intelectual (Joaquim Nabuco); Fundador do regime parlamentar no Brasil (Tobias Monteiro); Mestre do Parlamentarismo (Baro do Rio Branco). Jornalista, Deputado, Senador, Ministro e Conselheiro de Estado considerado no s um dos maiores estadistas que o Brasil j teve mas tambm um doutrinrio, Vasconcelos exerceu profunda influncia sobre toda uma gerao, embora nunca tivesse se dedicado s atividades puramente tericas ao longo de toda a sua vida poltica (1826-1850), no nos legando nenhum texto, propriamente, doutrinrio.2As suas idias encontram-se, portanto, dispersas em artigos de jornais, discursos parlamentares, relatrios ministeriais e pareceres de conselheiro de Estado. O primeiro grande estudo3 sobre a sua figura poltica aparece como parte integrante de uma monumental obra em dez volumes de autoria do historiador O.Tarqunio: Histria dos Fundadores do Imprio do Brasil., onde o eminente historiador nos mostra que as idias de Vasconcelos no nasceram ao acaso, muito menos como resultado de uma divagao filosfica, mas eram, fundamentalmente, elaboradas durante a sua intensa atividade poltica. De suas pesquisas resultaram preciosas informaes sobre

8 as contribuies do grande estadista para o processo de formao das instituies no Brasil.4 No entanto, os seus discursos permanecem inditos sendo, portanto, essencial a sua apresentao, sobretudo por ser uma condio preliminar e fundamental de qualquer trabalho cientfico, pois como nos adverte Raymond Aron(Dimensiones de La Conciencia Histrica,p.112) o conhecimento histrico, na medida em que busca reconstruir o passado, s adquire valor fundando suas afirmaes sobre documentos5

. Assim, dediquei-me a

empreender uma minuciosa pesquisa sobre os Anais da Cmara dos Deputados, tendo como fio condutor os discursos de B. P. de Vasconcelos. 6 Feita a investigao, faltaria encontrarmos o mtodo de exposio do material pesquisado. Neste momento precisaria determinar, antes de mais nada, o ponto decisivo que permitiria diferenciar o historiador do politlogo, que se dedica Histria das Idias. Marcel Prlot em suas reflexes sobre a constituio da Cincia Poltica e os seus objetos de pesquisa, aborda a questo com rara preciso. Todas as idias Devem ser estudadas em seu tempo, em seu lugar de elaborao e em relao com a vida de seu autor. Mas o ponto histrico de partida no pode permanecer preponderante. Na expresso histria das idias polticas, o termo poltico nos parece mais importante do que a palavra histria. A data de publicao, o meio de formao tm sua importncia, mas essas circunstncias so menos interessantes que as concepes polticas como tais. So elas que devemos elevar ao primeiro plano. ( A Cincia Poltica, p.70) Assim pode-se dizer que o trabalho de O.Tarqunio se insere dentro do ramo da historiografia, biografias polticas e, embora por vezes o autor ultrapasse este propsito, no constituiu objetivo da obra procurar sistematizar as idias de Vasconcelos.7 O fato que os fenmenos histricos s se tornam inteligveis atravs de interpretaes baseadas em um mtodo especfico; justamente neste ponto que se abre a perspectiva para o desenvolvimento de nosso trabalho. Portanto, aquele que lida com a Historia das Idias seleciona os fatos que

9 considera mais relevantes e ordena-os de acordo com a concepo das idias subjacentes sua descrio. Ao investigarmos os discursos do personagem em questo deparamonos com um conjunto de idias dispersas que refletiam de algum modo o seu pensamento acerca da realidade em que vivia. Mas, alm de nos descrever as formas das instituies existentes, fornece-nos tambm a sua explicao filosfica, isto , d-nos a chave do problema de sua origem e da razo de suas transformaes contribuindo de modo categrico para a formao e o desenvolvimento de novas instituies. Neste sentido que Marcel Prelt nos fala da existncia de uma fora criadora8 das idias, distinguindo

aquelas que deram origem s doutrinas apologticas, isto , aquelas que aparecem como justificao de um acontecimento aps este j ter sido concretizado, das doutrinas preparatrias, que antecederam ou mesmo influenciaram de maneira direta uma srie de transformaes na vida poltica: como seria o caso das idias de Vasconcelos. Nas poucas vezes em que lembrado, aparece-nos muito mais a figura do saquarema Vasconcelos, associado a idia de centralizao das instituies monrquicas no Brasil( o que se d a parti do ano de 1837), do que a do Vasconcelos liberal do Primeiro Reinado, perdendo com isto uma importante dimenso de sua vida poltica, o que contribuiria ainda mais para compreender a famosa virada, de liberal que era passou para o campo conservador. Deve-se registrar, por sua vez, a relevncia do perodo para a histria da idias, pois foi, nas palavras de um especialista no assunto, uma revoluo jurdica - em certos casos de precedncia internacional - o direito absolutista foi, em grande parte, substitudo por um direito moderno. Praticamente ficaria, das Ordenaes, o Direito Civil , bem fundado no Direito Romano e no Cristianismo - e esse iria at quase um sculo depois da Independncia. (Joo C. Brasil, p.266 ) Vasconcelos foi uma figura de destaque nestes anos que foram marcados pela presena ativa que teve a Cmara dos Deputados, durante o primeiro Reinado9. Foi um batalhador na regulamentao da lei da responsabilidade dos Ministros e Conselheiros de Estado, que foi sancionada de Oliveira Torres - A Idia Revolucionria no

10 em 15 de Outubro de 1827. de sua autoria o projeto do primeiro Cdigo Criminal que afinal, depois de vrias emendas, foi aprovado em 1830. Apresentou vrios projetos de reestruturao do aparelho jurdico, entre eles o da instituio do Supremo Tribunal da Justia juntamente com dois outros; um para a abolio do tribunal do conselho da fazenda e o outro para a extino dos tribunais do desembargo do pao e mesa da conscincia. Tomou parte ainda nas discusses sobre a regulamentao da Lei de Imprensa, Naturalizao dos estrangeiros e nos debates sobre os mais variados assuntos de ordem econmica e financeira. Ao mesmo tempo em que ia dando nova configurao ao quadro institucional, realizava tambm a hermenutica da carta constitucional. Queria ver adotado o princpio de que a Fala do Trono, embora no constasse nos regimentos, devia ser considerada uma pea ministerial e, nesse sentido, pedia a presena dos ministros na cmara a fim de que pudessem dar os esclarecimentos necessrios nao para o bom andamento dos negcios de estado. Se durante os debates se mostrassem convincentes, adquiriam a confiana da nao, caso contrrio, deveriam ser demitidos. Ao mesmo tempo em que criticava asperamente os ministros; procurava sempre desvencilhar a imagem do Imperador dos ataques ao governo, iniciando as primeiras reflexes em torno da doutrina poder moderador. Aos poucos ia lanando as bases para a fundao do governo de gabinete em nosso meio. A nossa investigao dar-se- portanto, sobre os discursos

parlamentares de Vasconcelos, durante o primeiro reinado tendo como preocupao mostrar as vrias facetas que modelavam a sua figura: intelectual, legislador, poltico e doutrinador. As estratgias adotadas para se apreender cada um destes aspectos em particular, em que teoria e doutrina 10 se entrecruzavam constantemente, iro diferenciar-se em decorrncia da maneira pela qual aparecem em seu discurso. Mais especificamente no tocante s consideraes sobre o intelectual e doutrinador, seremos obrigados a fazer muito mais uma deduo dos seus arrazoados do que propriamente uma demonstrao baseada na evidncia de suas prprias palavras, j que em alguns trechos selecionados as suas idias refletem

11 apenas uma viso preliminar sobre o assunto que, por vezes, aparecia de maneira circunstancial nas mais diversas ocasies. Procurei estabelecer as possveis analogias ou oposies existentes, no s entre as concepes polticas, mas tambm entre estas e as concepes econmicas, sociais e jurdicas a fim de que se pudesse apreender a existncia de um sistema de idias que concorreu, por assim dizer, para a formao de um estilo poltico. 11 Afirmaramos, enfim, com O.Tarqunio que Vasconcelos foi: Um dos fundadores do governo representativo entre ns, talvez o mais lcido doutrinador poltico dentre quantos quiseram instituies livres neste pas. (Vasconcelos, op.cit.p.210) Com as idias esparsas em seus discursos, possvel reconstruir as linhas fundamentais da monarquia constitucional no Brasil. A origem de tal sistema poltico, portanto, no deve ser buscada em uma especulao metafsica, mas sim atravs de uma srie de solues concretas relativas a problemas vivos estabelecidos pela realidade poltica.12 Num certo sentido pode-se mesmo dizer que a sua vida se confunde, em parte, com a histria do Parlamento e do pensamento poltico brasileiro. 13

Nosso trabalho est dividido em cinco captulos. No mbito da disciplina da Histria das Idias no Brasil comum apontar para a grande virada que houve na trajetria poltica de Vasconcelos, durante a Regncia, e que acabou por redefinir os rumos da poltica imperial quando abandona as hostes liberais para se tornar um lder conservador. Procurarei, pois, problematizar tal assertiva discutindo em primeiro lugar o significado que encerra o uso dos termos liberal e conservador situando-os numa perspectiva que leva em conta o modo como se interpreta a realidade, isto , procurando apreender a existncia de um estilo de se pensar, que acabaria por proporcionar um modo de agir. Para isto, procedi uma investigao sobre a formao intelectual de Vasconcelos tentando aprender influncias que o levaram a assumir uma posio poltica cada vez mais identificada com o liberalismo.

12 As idias de Vasconcelos apareciam, por usa vez, com uma preocupao fundamentalmente prtica, isto , visavam sobretudo dotar o estado brasileiro de uma nova configurao, mais adequada s novas conquistas constitucionais nos mais diversos mbitos: imprensa, cdigo criminal, responsabilidade dos ministros chegando at ao nvel econmico ao apregoar a liberdade do comrcio como objetivo supremo. Assim estaremos mapeando as idias criadoras de instituies de Vasconcelos que propiciaram a remodelao do Estado no Brasil. Destacaremos os debates que acompanharam os vrios projetos de lei apresentados procurando estabelecer uma correlao entre os seus

discursos e os princpios tericos propagados pelos pensadores que mais o influenciaram( Bentham, Constant, A.Smith, J.B.Say entre outros). A bem da verdade no se trata de destacar nenhuma originalidade em sua teoria mas de verificar como os conceitos adquiriam vida em sua fala ao explicitar a sua aplicabilidade na situao poltica brasileira. (captulo 2) Apesar de reconhecer avanos significativos atravs das leis

regulamentares que colocavam em funcionamento a Constituio de 1824, Vasconcelos percebia algumas barreiras no seu intento de se ter efetivamente um sistema poltico nos moldes ingleses. Estamos falando, portanto, de seu projeto de parlamentarizao do governo e que pode ser percebido atravs de inmeras estratgias parlamentares e de doutrinas que ir manejar com maestria. (captulo 3) Vasconcelos, ao realizar a hermenutica da carta, ensaiava as primeiras tentativas de interpretao do regime poltico que se iniciava. O que ns pretendemos mostrar que o texto constitucional permitia, e a ao poltica de alguns lderes parlamentares, Vasconcelos como um dos maiores, fez com que alguns estilos e praxes parlamentaristas adotados permitiam instituir gradativamente , o parlamentarismo em nosso governo, para alm da letra da constituio. O captulo 4, na verdade, aparece como um desdobramento do anterior ganhando todavia uma importncia maior, na medida em que apareciam as primeiros interpretaes daquele que era considerado como a chave de toda organizao poltica: o poder moderador. Ausente da bibliografia sobre o

13 tema, os debates sobre a questo do poder moderador, no primeiro reinado, propicia-nos uma melhor compreenso sobre a sua importncia posterior. Procurei inser-lo, por sua vez, dentro das reflexes sobre a idia de legitimidade monrquica no Brasil ampliando o foco de anlise restrito teoria constitucional stritu sensu. No ltimo captulo abordamos um tema que, apesar de pouco mencionado, constituiu-se, a nosso ver, no coroamento de todas as reflexes anteriores. A questo da legitimidade leva s ltimas conseqncias os debates sobre a fundao de um sistema poltico pois se refere, em ltima instncia, s justificativas sobre o direito dos governantes exercerem o poder. Notas1

Bernardo Pereira de Vasconcelos nasceu em Vila Rica no dia 27 de Agosto de 1795. Seu

pai Diogo Pereira de Vasconcelos, jurista e historiador foi amigo de Cludio Manuel da Costa, sendo acusado de participar da Inconfidncia Mineira. Do lado materno, Bernardo, era descendente dos Sousa Barradas, famlia que teve importante presena nos meios polticos e intelectuais de Portugal, destacando-se Lus Pereira de Sousa Barradas, conselheiro de Estado; Bernardo de Sousa Barradas, reitor da Universidade de Coimbra. Vasconcelos ingressou no curso de Direito e de Filosofia a 3 de outubro de 1814. Mais informaes sobre a vida de B.P. Vasconcelos ver : A.Vallado - Vultos Nacionais,Freitas Bastos, R.J.,1974; Otvio Tarqunio de Souza - Histria dos Fundadores do Imprio do Brasil, Itatiaia-Edusp, B. Horizonte- S.Paulo; Manifesto Poltico e Exposio de Princpios, UNB, Braslia, 1978 onde constam as biografias atribudas J.Justiniano da Rocha e J.P.Xavier da Veiga2

Publicou isto sim, no incio de 1828, um folheto dando conta aos seus eleitores de seus

feitos de parlamentar. Manifesto Poltico e Exposio de Princpios, Senado Federal e UNB, Braslia, 19783

Ver tambm - Alfredo Vallado: Da Aclamao Maioridade. Apesar de no ter como

objetivo principal a vida de Vasconcelos, acaba por fornecer importantes informaes sobre a sua presena durante o perodo. A obra de Nestor Massena - Direito Parlamentar do Brasil, B.P.Vasconcelos, um excelente trabalho de compilao dos mais importantes estudiosos do Imprio a respeito da atuao de Vasconcelos no que concerne instituio do parlamentarismo no Brasil.

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Diz o autor O resultado conseguido no levantamento biogrfico de Vasconcelos continuou a

ser a maior contribuio para o conhecimento desse grande homem, e isto se tornou patente por ocasio do primeiro centenrio de sua morte, no ano de 1950, em que nada praticamente se aduziu de novo nos discursos e escritos comemorativos, j na imprensa, j nas sociedade sbias, j no parlamento, salvo o esclarecimento trazido pelo professor Jos do Nascimento Brito, no tocante posio de B.P.Vasconcelos na tentativa de construo das primeiras estradas de ferro do Brasil (Nestor Massena, p.50)5

Ou ainda Oliveira Marques para quem as regras de citao devem obedecer ao princpio

fundamental de que em Histria nada se afirma sem base documental ( no sentido mais lato da palavra documento). Num livro rigoroso de histria, tudo o que no estiver escorado em citaes deve entender-se como concluso lgica ou como hiptese de trabalho ( cit. Por Darcy de Carvalho, p.17 E, por ltimo, fazendo minhas as palavras de Darcy Carvalho, diria que as citaes devem ser consideradas...como tendo valor em si mesmas, quer como amostra do documento de que foram extradas, quer como comprovao de afirmaes feitas anteriormente, quer como desmentindo a informaes equivocadas sobre determinado ponto.(Darcy de Carvalho p.16)6

A Cmara dos Deputados comeou a editar a partir de 1979 a srie Perfis Parlamentares ;

seleo dos discursos dos principais representantes do Poder Legislativo no Brasil. O de B.P.Vasconcelos, porm, ainda no foi publicado. Como observava, apropriadamente, Jos Honrio : A publicao de textos selecionados de cincias sociais e humanas tornou-se, modernamente, um dos mais importantes instrumentos de ensino e divulgao. H colees de textos originais de atores e autores da poca, fontes diretas, as mais importantes, e srie de textos secundrios, de autores indiretos, que analisaram os acontecimentos posteriores. P.IX. (O Parlamento e a Evoluo Nacional (1826-1840), Senado Federal, Braslia, 1972)7

Todos os volumes - referindo sua obra Histria dos Fundadores - pem em foco fatos e

personagens de uma mesma poca. Mais do que isso, os homens e os acontecimentos se entrelaam, os primeiros testemunhando as influncias das idias e das necessidades polticas e econmicas do momento, os segundos ora marcados pela ao dos indivduos que assumiram a liderana poltica, ora excedendo-os, submergindo-os, vencendo-os. Mas no se trata de obra sistemtica, adstrita a uma seriao cronolgica dos fatos, numa assentada expostos e interpretados. ( Histria dos Fundadores - Jos Bonifcio, p.30)8

M.Prelt cita tambm a classificao adotada por Julien Benda que diferencia o estudo

aristocrtico das idias da histria democrtica das idias. Na perspectiva da primeira, as idias so consideradas o verdadeiro objeto, como resultado do trabalho intelectual de um homem enquanto a ltima polticos.9

tem como finalidade o estudo das doutrinas sobre os fatos

Armitage definia resumidamente a atuao da Cmara dos Deputados da seguinte forma:

...fraca e vacilante em 1826, inquieta em 1827, exigente em 1828, e finalmente aventurandose a opor uma barreira contra as agresses do poder em 1829. (Armitage.p.194)

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M.Prelt acha extremamente til fazer a distino, do ponto de vista metodolgico, entre

teoria e doutrina . A primeira comportaria a constatao dos fatos, o seu agrupamento e sua explicao. A doutrina realizaria, por sua vez, um julgamento de valor sobre os fatos vislumbrando um projeto para modific-los.11

Mannheim usa a palavra estilo para apontar as diferenas existentes entre o conservadores

e liberais na forma de se pensar uma srie de temas relevantes poltica: liberdade, direitos individuais, nao etc. Na verdade existe mesmo, segundo o autor, um estilo metodolgico que , em ltima instncia, diferenciaria de modo mais preciso os conservadores dos liberais.(O Significado do Conservantismo).12

, para ns, bastante atraente fazer uma comparao com a obra de F.Guizot - Histria do

Governo Representativo na Frana - que composta por um conjunto dos seus mais expressivos discursos, refletindo a sua participao no Parlamento Francs.13

Vasconcelos, significativamente, influenciou a mentalidade de toda uma gerao: Visconde

de Uruguai, Marqus do Paran, Nabuco de Arajo, entre outros. A figura de Vasconcelos, sobretudo, grava-se para sempre na imaginao de Nabuco. Do meio para o fim da sua carreira parlamentar este ltimo falou sempre sentado, e os que o ouviram sabem que essa postura, em vez de privar o orador dos seus meios de ao sobre o auditrio, aumentava a solenidade do gesto, a repercusso da palavra, a animao do discurso. Nesses dias, sempre de ansiedade para ele, o modelo que lhe vinha lembrana era o busto do grande Vasconcelos, chumbado pela paralisia na sua curul, mas dominando dela com um sarcasmo, uma pausa, um lampejo de olhar, a cmara suspensa e maravilhada. Estadista. vol.I p.09) Em sesso do Senado no ano de 1868, Nabuco de Arajo explicava por que havia deixado de ser conservador, tornando-se um liberal: - Sr presidente, lembro-me que um dos luzeiros do partido conservador o finado senador Vasconcelos, acusado de versatilidade poltica, assim se exprimia: A sociedade varia; o vento das tempestades no sempre o mesmo, e como h de o poltico, cego e imutvel, servir ao seu pas?... idem vol.II.p.103 Nabuco - Um

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Captulo I - O Estilo PolticoTornou-se algo consensual entre os estudiosos do pensamento poltico brasileiro observar que, Vasconcelos, o grande Liberal do primeiro reinado, foi progressivamente se convertendo para uma posio conservadora, durante o perodo regencial, que culminar com o incio da poltica do regresso1, onde o mesmo explicitou no seu famoso discurso: Fui liberal; ento a liberdade era nova no pas, estava nas aspiraes de todos,mas no nas leis,no nas idias prticas; o poder era tudo; fui liberal. Hoje, porm, diverso o aspecto da sociedade: os princpios democrticos tudo ganharam e muito comprometeram; a sociedade que ento corria risco pelo poder, corre agora risco pela desorganizao e anarquia. Como ento quis, quero hoje serv-la, quero salv-la, e por isso sou regressista. No sou trnsfuga, no abandono a causa que defendi, no dia do seu perigo,de sua fraqueza:deixo-a no dia que to seguro o seu triunfo que at o excesso a compromete. Quem sabe se, como hoje defendo o pas contra a desorganizao, depois de o haver defendido contra o despotismo e as comisses militares, no terei algum dia de dar outra vez a minha voz ao apoio e defesa da liberdade? Os perigos de sociedade variam: o vento das tempestades nem sempre o mesmo: como h de o poltico, cego e imutvel servir o seu pas?(grifos meus)2 Antes de prosseguirmos devemos dar algum esclarecimento sobre os termos: Liberal e Conservador (regressista). No se trata aqui de uma simples guerra entre as palavras, em que uma definio etimolgica nos pudesse esclarecer definitivamente a questo. Sabemos que neste caso a substncia precedeu as palavras, isto , muito antes de aparecerem na linguagem poltica, as palavras liberal e conservador, j havia um modo de pensar prprio, manifesto em vrios momentos histricos. Embora a guerra certamente no seja entre palavras, ela travada por meio de palavras.3

As idias se expressam atravs das palavras que se articulam, por sua vez, com os atos polticos que delas resultam, sendo assim veculos de

17 experincias histricas e, portanto, s se tornando compreensveis quando situadas no contexto dos problemas em que so colocados os homens.4

Vamos, pois, apreender o real significado dos termos empregados investigando a maneira pela qual Vasconcelos organizava o seu pensamento no curso de sua atuao poltica. Pode-se mesmo apontar para a existncia de um estilo metodolgico que se constitui, no nosso entender, o ncleo terico fundamental de qualquer pensamento. Guerreiro Ramos, ao se propor a estudar a histria do pensamento poltico no Brasil, dizia mesmo que esta era a sua grande pretenso, j que a interpretao de uma determinada realidade social, por mais objetiva que seja, nunca poderia ser definitiva, por ser esta mesma realidade eminentemente histrica. Portanto, conclua, o domnio do mtodo cientfico de interpretao sociolgica, em ltima anlise, que garante a compreenso e assenhoreamento dos fatos.(O Tema da Transplantao e as Entelquias na Interpretao Sociolgica no Brasil , p.73) Antes, porm, caberia inquirirmos sobre as influncias intelectuais que Vasconcelos recebeu durante a sua estada em Coimbra.

1.1 - A Formao JurdicaB.P.Vasconcelos matriculou-se em 1814 no curso de Direito e de Filosofia na Universidade de Coimbra, concluindo-o em 1819.Todavia, de acordo com O.Tarqunio Coimbra em nada concorreria para a formao liberal de que Bernardo de Vasconcelos daria provas muito cedo como deputado durante o primeiro Reinado ( Hist. dos Fundadores - Vasconcelos, p.26) Para Alfredo Vallado o liberalismo de Vasconcelos viria exclusivamente dos tericos das revolues francesa e americana e: S depois da Revoluo do Porto de 1820, de fato, a Congregao da Faculdade de Leis providenciaria para que se ensinassem ali os princpios de direito constitucional, oriundos da Revoluo Francesa e da Revoluo Americana, e que luz dos mesmos se explicassem as matrias do curso.( Vultos Nacionais, p.131)

18 Chamou-nos a ateno, no entanto, um trabalho de Guilherme Braga Cruz, sobre a formao intelectual de Jos Bonifcio, onde procurou

determinar uma estreita relao entre o pensamento e a ao do patriarca, afirmando categoricamente que: (...) nunca poderia ter realizado a obra que realizou, nem prestar ao Brasil e, indiretamente, a Portugal - o servio que prestou, garantindo-lhe a unidade, ao lado da independncia, se no fora a formao jurdica que um dia adquiriu na Universidade de Coimbra.(Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. LVIII, Coimbra, p.87) Diz ainda que depois da grande reforma do Marqus de Pombal em 1772 5 havia, no curso jurdico em Coimbra, (...)um ensino remoado e atualizado, cheio de sugestes e aberturas para as mais modernas correntes de pensamento, no domnio da filosofia jurdica, do direito poltico, do direito internacional, e da prpria hermenutica do direito romano e do direito ptrio; um ensino de direito, numa palavra, que vazava inteiramente em novos moldes a formao do esprito dos escolares conimbricenses. Isto nos levou a fazer ento uma apreciao mais ampla sobre o curso jurdico em Coimbra a fim de que pudssemos avaliar devidamente a possvel influncia que teve no pensamento poltico de Vasconcelos. O discurso que sempre lembrado para demonstrar o seu desprezo por aquela faculdade, o que proferiu na sesso de 7-8-1826: Estudei direito pblico naquela universidade e por fim sa um brbaro: foime preciso at desaprender. Ensinaram-me que o reino de Portugal e acessrios era patrimonial(...) Que Vasconcelos, aps o trmino do curso tenha se aprofundado em outras leituras no h dvida6, mas poderamos indagar se foram apenas essas leituras que o nortearam na elaborao do projeto do primeiro cdigo criminal do Brasil, considerado um dos mais avanados da poca ou ainda discorrer com desenvoltura sobre princpios de filosofia de direito com especial ateno para o direito natural clssico e o direito romano, nas mais diversas situaes.7 Isto s j seria suficiente para percebermos alguma

19 influncia da Faculdade de Direito de Coimbra, mas queremos ir alm, mostrando o prprio Vasconcelos fazendo meno ao seu curso e requerendo sua adoo no Brasil. Para isto utilizaremos os discursos sobre a criao dos cursos jurdicos no Brasil, quando ento ele manifestou sua viso sobre o contedo das matrias. Comearamos por observar que a discusso se deu, basicamente, em torno de dois temas principais: o local da Faculdade a ser estabelecida e as disciplinas a serem ministradas.8 Vasconcelos achava mais conveniente o estabelecimento no Rio de Janeiro, onde haveria uma maior infra-estrutura, livros, mestres, tipografias, bibliotecas e o mais importante: uma opinio pblica muito mais bem formada que nas outras provncias. Portanto um conjunto de elementos materiais com condies polticas muito mais adequadas ao exerccio da livre reflexo. Pois H tambm aqui uma proteo muito mais decidida do que nas provncias, onde ainda no pode raiar a liberdade, e onde o despotismo est em seu maior furor do que aqui. Quem que se atreveria a explicar a constituio em qualquer das nossas provncias?... L se faz o que o presidente quer, e aqui no estamos nas mesmas circunstncias, porque uma cidade mais iluminada os dspotas daqui no esto to livres, e senhores como nas provncias, onde pode-se dizer sem medo de errar que os presidentes so os herdeiros dos capites gerais (apoiado geralmente). Contrapunha, assim, aqueles que queriam uma certa interiorizao das letras e da difuso educacional chamando-os de senhores, que gostam das cincias do serto...9 Afirmava ainda a necessidade de se pensar, em primeiro lugar, no Brasil e no na provncia de cada deputado, recriminando os que assim se manifestavam.10 E, por ltimo, para corroborar o que dizia a respeito da importncia do local na constituio de um curso, recorria ao exemplo negativo da Universidade de Coimbra que, no seu entender, ao se colocar inteiramente

20 incomunicvel com o resto do mundo cientfico, acabava por adotar doutrinas anacrnicas Estudei direito pblico naquela universidade e por fim sa um brbaro: foime preciso at desaprender. Ensinaram-me que o reino de Portugal e acessrios era patrimonial; umas vezes sustentavam que os portugueses foram dados em dote ao senhor D.Afonso I, como se do escravos ou lote de bestas, outras vezes diziam que Deus, no campo do Ourique, lhe dera todos os poderes e sua descendncia; umas vezes negava-se a existncia das Cortes de Lamego, outras confessava a existncia, mas negava-se a soberania que os povos nelas exerceram... Foram destas palavras que Otvio Tarqunio inferiu o desapreo que tinha Vasconcelos por aquela instituio. Ora, convenhamos que seria, no mnimo, precipitado desprezar toda uma formao jurdica a partir de algumas apressadas interpretaes histricas sobre a constituio do Reino de Portugal. Antes de tudo, preciso lembrar que neste perodo existia uma forte dose de nativismo nas palavras dos jovens deputado liberais, o que os levava a repudiar tudo que viesse de Portugal.11 Entrando no mrito da questo diramos que, provavelmente, as invectivas de Vasconcelos a respeito do alardeado patrimonialismo portugus e da idia de legitimidade divina, eram contra Melo Freire, jurisconsulto e professor de Coimbra cuja obra passou a ser adotada na Faculdade de Direito a partir de 1805, e que pode ser considerado o verdadeiro fundador do direito ptrio como cincia a ser ensinada naquele curso. O jurista e historiador Vtor Faveiro nos faz ver, em seu trabalho(Melo Freire e a Formao do Direito Pblico Nacional), que a Melo Freire tambm estava reservado o papel de reformador do regime jurdico vigente em Portugal, poca de D.Maria I e, portanto, ao lado das preocupaes filosficas do professor apareciam tambm preocupaes de ordem pragmtica, do reformador. Devendo-se ter em vista ento que havia circunstncias histricas bastante significativas que o levaram a enaltecer a preponderncia do poder Real na Portugal.12

formao histrica do Estado em

Quanto a questo da legitimidade, observa que apesar de

21 M.Freire em alguns momentos, atribuir ao poder real uma origem divina, entendia que este poder se constitua num encargo, um ofcio que lhe era transmitido para que pudesse realizar o bem da coletividade em que reinava. Ao soberano poder e majestade, que recebemos de Deus todo poderoso, de reger e governar nossos reinos e Estados, esto inerentes certos Direitos Reais, ou majestticos, necessrios para procurar e manter a felicidade e segurana pblica dos mesmos reinos, Estado e vassalos deles, que Deus Senhor Nosso confiou ao nosso cuidado e direo, de que lhe havemos de dar estreita conta. (idem p.61) Nas Institutuiones, M.Freire explicava que o fim do poder do governante no j um fim reportado prpria pessoa do Rei e sua fruio pessoal; (...)em que esto contidas todas as coisas necessrias,para que a Nao possa e deva estar segura e fazer tudo aquilo , sem o qual no se pode obter, facilmente ,a segurana quer interna externa,dos cidados e a salvao do Povo, que a lei Suprema.(idem p. 57) 13 Em outros momentos, a questo da legitimidade era mais de ordem histrica do que propriamente filosfica (..)os nossos Reis nunca receberam sua Majestade e o Supremo poder, do povo; todavia o Conde D.Henrique e Afonso I, j eram senhores de Portugal e supremos governantes, muito antes das Cortes de Lamego. (idem p.59 ) Ainda que no se concorde com a interpretao de Faveiro14, caberia lembrar uma histrica polmica que M.Freire travou com um famoso jurisconsulto portugus, Ribeiro dos Santos, e que retratada no livro de Joo Pereira Esteves (O Pensamento Poltico em Portugal no Sculo XVIII) De acordo com o autor, R.dos Santos, ancorando-se em doutrinas de Vattel15, criticava a suposta idia patrimonialista de M.Freire. O direito de dispor dos bens dos vassalos para as necessidades urgentes da repblica s provm do imprio da soberania, que no uma propriedade ou um domnio; porque hoje regra geral em Direito Pblico que o Prncipe em todas as coisas pertencentes ao Estado obra sempre jure imperii, e no jureproprietatis et domini, pois o que no est no domnio e propriedade do Prncipe,

mas sim e to somente no seu imprio. (in Esteves, op.cit. p.320.)16

22 Citando mais uma vez Vattel, R. Dos Santos argumentava contra as razes de legitimidade histrica aduzidas por Freire Se um Rei sbio e justiceiro e cheio de amor pelo seu povo havendo refletido que o poder absoluto em certas coisas, que lhe foi transmitido pelos seus antepassados, pode vir a ser perigoso e prejudicial ao Estado, propusesse ao seu povo o mudar, nesta parte, a lei fundamental, e substituir-lhe outra lei , que coarctasse o poder dos prncipes em limites mais estreitos; e se o povo consentisse unanimemente nesta mudana, ousaria algum dizer que o sucessor deste excelente prncipe no ficava obrigado a esta lei, porque ele tinha o direito do primeiro instituidor.( idem pg311) E procurava introduzir a idia de que, mesmo sendo o monarca o soberano legislador, isto no significaria que seu poder devesse ser ilimitado A lei toda emana dele (prncipe) como de sua nica fonte ; ele o que a faz, o que publica e o que a manda executar em seu nome. Mas esse poder, assim mesmo supremo como , em si, no incompatvel com a limitao que as leis ou costumes fundamentais do Estado possam ter posto a seu uso e exerccio. ( idem p.328) 17 Assim as Cortes poderiam ser vistas como um poder que coadjuvava o Rei na elaborao legislativa, ou em outras palavras, comeava a advogar a idia de que o poder legislativo deveria ser entendido como uma composio das Cortes e o Rei e, que em ltima instncia, caberia a ele(Rei) sancionar ou no a lei. Se os senhores reis algumas vezes rejeitavam as propostas e consultas dos povos(de que se costuma tirar argumento a favor dos prncipes nas operaes de legislao), isto no prova que eles tivessem este direito de fazer lei com tal independncia do conselho das Cortes, mas s prova que nas Cortes no residia o poder legislatrio, e que seus artigos e captulos no podiam passar a ser leis sem o concurso da vontade e consentimento do prncipe, que era o nico em residia o poder efetivo de legislar.(idem p329) Estendemo-nos um pouco sobre o assunto porque achamos que alm de demonstrar ser improcedente a idia de que reinava uma nica forma de pensar em Coimbra, quisemos indicar algumas proposies, presentes no

23 debate entre os juristas, que estavam perfeitamente consentneas com as idias constitucionalistas que se propagavam na Europa no incio do sculo XIX e, portanto, nada estranhas ao chamado pensamento liberal de ento. Notem o quanto havia de equvoco, ou de exacerbado nativismo, em afirmar simplesmente que o curso de Coimbra professava idias barbarizadoras.18

Vejamos agora o prprio Vasconcelos refletindo sobre as disciplinas do curso: (...) o direito natural aqui toma-se no seu sentido o mais restrito, e s tem por objetivo o homem considerado tal qual saiu das mos da natureza, por outra, o direito natural absoluto, muito distinto do direito natural hipottico, que considera o homem constitudo j no estado social. Portanto no haja confuso nesta distino, e sendo assim distribudas estas duas partes do direito natural, parece que mais se facilita o seu estudo, e mais se conformam os seus princpios aos teoremas do sistema constitucional, evitando-se por este modo o mtodo seguido em Coimbra, que s tinha por confundir as idias dos direitos dos homens, e demonstr-los de modo tal, que favorecesse todos os erros propagados pelo mais brbaro despotismo." (...) Eu quereria, alm disso, que no 1o ano se estudasse to somente o direito natural absoluto e hipottico, e que no houvesse mais do que uma cadeira...Quereria que no 2o ano se estudasse o direito pblico, e o direito das gentes... o direito cannico J a respeito do estudo da histria da legislao ptria manifestava o intuito de apresentar uma emenda pois no se pode negar que a histria de qualquer legislao favorece sua inteligncia. Conhecendo os motivos que deram origem s leis fica claro o conhecimento da mente do legislador e por conseqncia o esprito das leis e, por isso, reconhecia que na Universidade de Coimbra, com muita razo, se ensina a histria da jurisprudncia ptria, cannica e romana. Entretanto decorridos apenas 16 dias do incio dos trabalhos parlamentares, na sesso de 23-8-1826, ele mudava a sua avaliao. Observa-se, no entanto, que a distino entre direito natural absoluto e o hipottico, apregoada pelo deputado, no era nada estranha orientao doutrinria em Coimbra, como veremos o prprio Vasconcelos reconhecer.

24 Parece-me que o melhor era seguir o mtodo adotado na universidade de Coimbra, que de ensinar-se, primeiramente direito natural, depois direito pblico, e depois direito das gentes, porque depois de estudar os direitos dos homens tal qual saiu das mos da natureza, segue-se o estudar os seus direitos como homem social, que o direito pblico, e depois que se deve tratar dos direitos, que tm as naes entre si(...) Quanto outra parte desta cadeira - histria da legislao nacional - que histria de legislao nacional temos ns para que se possa ocupar esse tempo? De quando principia? De 1820 - pois j temos matria para ocupar uma cadeira? Creio que no. Vimos, ento, que na seqncia daquele to citado discurso em que criticava a formao recebida em Coimbra, Vasconcelos, queria que se adotasse o mtodo daquela Faculdade de Direito (veja tambm a preocupao com a histria da legislao nacional , que foi um curso introduzido por M.Freire em Coimbra). No cometeramos o exagero de dizer que o curso jurdico de Coimbra se assentava sobre idias de cunho liberal mas poderamos avaliar que as doutrinas sobre direito natural, por exemplo, propiciaram uma receptividade maior para as novas teorias que ganhavam corpo no primeiro quartel do sculo XIX.19

1.2 - Razo e Evoluo 20Como Vasconcelos avaliava a existncia das instituies, qual a sua razo de ser? De que modo se daria a sua eventual transformao? Enfim, qual o processo de constituio e evoluo das instituies durante a histria e, neste sentido, qual o papel a ser desempenhado pelo legislador no processo de transformao? Evidentemente estas questes dizem respeito a uma forma de pensar, a um mtodo de ordenar o pensamento para melhor apreender a realidade e, como conseqncia, a configurao de um determinado projeto poltico.21 Em primeiro lugar, era a utilidade da lei, antes de tudo, que o legislador deveria ter em vista em sua atividade:

25 As instituies humanas nunca so perfeitas. O legislador deve fazer receita e despesa dos bens e dos males, quando faz qualquer lei. o clculo do legislador combinar todos os bens e todos os males, e conforme o resultado que se decide. Todas as vezes que uma instituio se considera s por um lado no se pode fazer um juzo perfeito dela; no h instituio que no tenha imperfeio: as circunstncias em que ns nos achamos devem guiar-nos. (Sesso de 23-6-1827 ) Em matria de legislao a utilidade pblica o princpio a que todos os outros princpios devem estar subordinados e - advertia Vasconcelos desgraado do estado que tomar outro princpio por norte. 22 Alm da utilidade, deveriam ser apreciados outros critrios. Aps a independncia e, mesmo depois de promulgada a Constituio de 1823, os homens daquela poca encontraram-se frente a dois grandes problemas concretos. O primeiro dizia respeito ao governo antigo: todas as instituies deveriam ser abolidas? Se no, o que, alm da utilidade pblica, justificaria a sua manuteno? De que forma seriam substitudas? Ao responder estas questes, Vasconcelos, explicitava a sua concepo sobre a constituio da sociedade bem como o processo de sua transformao. No conveniente que os estatutos do governo absoluto se destruam de um jato...Quando disse que no respeitava os abusos do governo absoluto, mas que temia destru-los de chofre sem os substituir, com providncias acertadas, creio que falei firmado na experincia. Para destruir no basta ter a fora necessria; para edificar, preciso ter mais alguma; no abolindo abusos sem dar providncias para substituir esse meio de renda, que a assemblia geral conseguir melhorar a sorte dos brasileiros.23 E para corroborar seus argumentos alertava aos desavisados, que no tm o hbito de consultar a histria, sobre os desvarios das assemblias francesas, nos seus princpios sobre impostos, ho de conhecer a verdade do que acabo de enunciar.24 O sentido de sua fala parecia dirigir-se idia apregoada pelos revolucionrios franceses, de se fazer tbula rasa do passado. 25 Vasconcelos acreditava, por outro lado, num progresso compassado, lento; guiado pela experincia poderia melhor avaliar o significado que tinham as antigas

26 instituies dentro de uma nova sociedade. Assim, pedia moderao na destruio das instituies herdadas (...)posto que eu no seja muito amigo das antigas instituies, tenho, contudo, o maior cuidado, quando se trata de revogar uma delas, porque logo trato de ver se h razo boa,( porque eu admito a hiptese de o governo antigo em ocasio de engano ter razes boas para admitir uma lei) porque no cascalho onde se acham diamantes; por isso, quero-me inteirar das razes que assistiram ao legislador para fazer esta ou aquela instituio. (Sesso 27-8-1827) Um outro problema decorrente do primeiro relaciona-se

transplantao das instituies estrangeiras no Brasil. Qual era o expediente a ser adotado, qual o devido peso que teriam as instituies estrangeiras para que pudssemos utiliz-las como modelo de inspirao em nosso meio? Enfim, o que adotar? o que rejeitar dos exemplos de fora? Teramos, sim, que observar os exemplos de outras naes. De acordo com Vasconcelos, a analogia era mesmo um recurso que deveria ser sempre utilizado, mas caberia alguma precauo para que se pudesse ter as instituies estrangeiras como modelo (...)Quando se citarem os exemplos dessas naes, devem-se descrever logo as suas circunstncias, as sua leis, os seus costumes, e a sua constituio. No basta dizer-se: Roma, Frana, Inglaterra, e os Estado Unidos assim o praticaram. Olhem s para as nossas circunstncias: no vamos perder a nossa causa. (sesso de 30 de julho de 1826)26 Discutindo projeto de naturalizao mostrava que os exemplos histricos deveriam ser melhor examinados. fundamental que se entenda a origem e a finalidade da lei em seu processo de elaborao, porque somente assim compreenderemos o seu sentido. (...) eu no gosto de citar exemplos de naes; sou pouco amigo de argumentar com a histria. Estou nesta opinio: talvez seja errada, mas tenho para segu-la algum fundamento. No h uma s nao, que esteja para com a outra em idntica circunstncias; todas tm sua variedade... Isto acontece a respeito do estado das naes comparadas entre si, e por isto os argumentos de analogia so sempre muito falveis. preciso pois, que quando se citam

27 exemplos de naes estrangeiras, no nos deixamos iludir com a aparncia, antes procuremos examinar com madureza, se tais exemplos quadram as nossas verdadeiras circunstncias. E aconselhava no acolher tudo o histria nos transmite, indispensvel, portanto, a crtica e a hermenutica quele que se prope a ler a histria, e deduzir dela argumentos para os nossos tempos. (Sesso dia 22-8-1826) Como conseqncia tirava a lio de que as leis deveriam ter um grau de flexibilidade tal que permitisse a sua assimilao s situaes sociais, sempre variveis. ...as leis no devem ser fixas, e permanentes, e sempre devem ser acomodadas s circunstncias, em que nos podemos achar(...) (sesso 137-1826). 27 Embora bastante esparsas, ainda que rudimentares, pode-se deduzir dos discursos supracitados, que as idias de Vasconcelos apontavam para o fato de que o legislador prudente deveria ter sempre em mente adaptar as instituies polticas s condies sociais de nosso meio; portanto, uma ao sempre dependente de um conjunto de circunstncias dadas.

1.3- RealismoO realismo poltico no Brasil adquiriu um colorido especial na figura de Vasconcelos. De modo conciso, enunciava, em 1841 no senado quando ento j era o lder saquarema, uma mxima poltica bem ao estilo de um Burke (aproveito para sugerir mais uma denominao: - Burke brasileiro!) Eu julgo que o homem poltico deve satisfazer as exigncias do tempo, dos lugares; deve obedecer ao imprio das circunstncias, circunstncias legtimas, e que justifiquem esta obedincia. O homem poltico no deve ser inflexvel: quem quer servir ao pas deve acomodar-se ao estado social, ressalvando sempre sua lealdade ptria. ( Senado 1o Julho de 1841) 28 Ora, como muito bem observou Otvio Tarqunio, desde os primeiros anos no parlamento,Vasconcelos j manifestava um realismo implacvel

28 que o levaria a fundamentar, anos aps, a reao conservadora com a poltica do regresso. Assim, neste tpico, mencionaremos alguns discursos de Vasconcelos que nos levam a pensar que houve, durante a sua vida poltica, muito mais uma evoluo do que propriamente uma ruptura no seu modo de pensar, como poderiam sugerir, primeira vista, as suas palavras no seu famoso discurso. Discutindo a Lei de Responsabilidade dos Ministros dizia Os escritores franceses, que se tem citado, trataram de interpretar a sua constituio, e ns devemos interpretar a nossa, que muito diversa daquela(...) (sesso de 20 de Junho de 1826) E na seqncia da argumentao discorria sobre os exemplos citados de Roma Habilitar um homem, que est to pouco tempo no Imprio, para gozar de tantos direitos, como aqueles que nele nasceram, com a nica diferena de no poder ser senador, deputado, ministro, ou conselheiro de estado, ser liberal demais. (Sesso dia 22-8-1826) Reparava que a legislao, as reformas polticas, estavam indo alm de nossa realidade social, causando um descompasso entre as expectativas de uma idia e as reais possibilidades de sua efetivao. Revelava-se um incondicional anti-utopista ao colocar que a ao poltica se encontrava limitada por um estado de coisas tal que o desejvel deveria ceder ao possvel: No se v que o princpio, a que agora devemos atender, to somente a fora das circunstncias? Para que havemos de questionar, sobre o que melhor fazer-se, se o aperto das nossas circunstncias s nos faculta indagar o que se pode fazer? sesso de 8 de Agosto de 1826 ) O coroamento de todos esses discursos a respeito do tema pode ser encontrado na sesso de 6 de julho de 1829. Discutia-se a acusao do ministro da guerra, Oliveira Alvares, por haver criado as comisses militares em Pernambuco, quando ento Vasconcelos, rememorando a situao poltica em 1826, quando foi instalada a primeira legislatura, avaliava que

29 Nossa ptria estava coberta de luto pelo sangue brasileiro, brbara e atrozmente derramado; assemblia soberana tinha sido dissolvida a por criminosa violenta prepotncia(...) - E nesse momento - tudo contribua a convencer-nos no s da inutilidade de sacrifcios, mas de que eles podiam piorar nossa crtica posio. Os homens imparciais de todos os pases, e a posteridade muito mais imparcial abenoaram os que conduzindo-se com nmia moderao sem fraqueza conseguiram pela brandura o que hoje no se pode obter de um ministrio refratrio a despeito das penas estabelecidas na lei; sim , senhores, por meio de simples recomendaes muitos erros foram emendados, e muitos crimes prevenidos. Entretanto a situao havia mudado, eram outras as condies e portanto Hoje indispensvel o rigor, se amamos a constituio e a ptria, se a ns e a nossas famlias amamos, cumpre desembainhar a espada da justia contra um ministro... A lei me circunscreve, hoje, ao exame da denncia dada contra este ministro, por haver criado uma comisso militar em Pernambuco, pelo decreto de 27 de fevereiro do corrente ano. Infere-se da que, para Vasconcelos, o imprio das circunstncias que condiciona o modo de agir do homem poltico, ora a moderao, ora o rigor. Deste modo, a forma de argumentar contida nessa passagem, em nada difere daquela do famoso discurso Um momento decisivo aquele em que diz - Hoje, porm, diverso o aspecto da sociedade - que serve de explicao para sua converso , de liberal a regressista. Tanto assim, que no final adverte Quem sabe

se...no terei algum dia de dar outra vez a minha voz ao apoio e defesa da liberdade? No descartando a possibilidade de algum dia voltar a ser liberal, desde que as circunstncias mudassem novamente. Nesse sentido, caberia observar que as denominaes liberal e regressista no tm um sentido estritamente doutrinal, pelo contrrio, aparecem como atitudes polticas a serem tomadas de acordo com as circunstncias do momento histrico em questo.29

30 Evidentemente estamos diante de um estilo metodolgico conservador que, segundo Nisbet, - emprico, histrico e ligado observao do que podia ser de fato, ns, visto que e descrito.(Conservantismo, resulta numa ao p.119) e,

acrescentaramos conservadora.30

eminentemente

J Oliveira Viana vai mais alm: para ele, no teve o Brasil, nem no Imprio nem na Repblica, algum que se assemelhasse a Vasconcelos no que se refere ao seu senso prtico. Aps citar o clebre discurso arremata Esta que a maneira justa de falar e de pensar de um poltico realista, no verdadeiro sentido moderno - no sentido da verdadeira cincia poltica, no p em que esta cincia est sendo colocada hoje. Estas palavras deviam ser inscritas - como uma epgrafe ou um dstico - no prtico ou fronto de todos os edifcios pblicos do Brasil...( Instituies Polticas p.23) Resta-nos, entretanto, uma outra indagao: at que ponto o seu realismo, no o tornava um escravo das circunstncias, levando- o a subordinar todo e qualquer preceito de direito e de justia fora dos fatos? Reparemos que no final daquela mxima enunciada acima, Vasconcelos terminava fazendo uma observao: - ressalvando sempre a sua lealdade ptria. Mas a j um saquarema em toda a sua plenitude e que dever ser analisado em momento oportuno. O que podemos deduzir de sua trajetria poltica nesses cinco anos (1826-1830), que o seu pragmatismo no era um cego determinismo. Havia algo que o orientava em ltima instncia: a manuteno da monarquia constitucional ...ningum deseja mais do que eu a consolidao da monarquia constitucional costumava dizer Vasconcelos. Entretanto, este tema necessitaria de mais algum desenvolvimento, pois faltaria compreender qual era, no seu entender, o princpio legitimador, por excelncia, da instituio monrquica no Brasil. Encontramos algumas poucas passagens a respeito e que sero posteriormente analisadas no captulo 5.

1.4 - Partidos PolticosFizemos anteriormente algumas reflexes em torno dos problemas decorrentes dos conceitos liberal e conservador, onde tentei introduzir, como

31 critrio diferenciador, o mtodo de anlise utilizado para se compreender a histria das instituies, falando ento em um certo estilo de pensamento. Nesta seo, estaremos mais preocupados em focalizar o uso que se fazia dos termos liberal e conservador i em torno dos partidos que se constituam, se que se pode falar em partido com o rigor da palavra. Na sesso de 20 de maio de 1829, Vasconcelos fazia duras crticas ao governo que, segundo o seu entendimento, no gozava da confiana da nao, entre outras coisas por no reprimir os projetos de absolutismo que, constantemente, apareciam nas provncias, notadamente em Pernambuco. Observava ainda que o mesmo assim no procedia quando se tratava de manifestaes liberais, mandando suspender as garantias ao instituir as comisses militares. Clemente Pereira repudiava Vasconcelos e seus companheiros por serem bastante imprecisos no uso do conceito liberal, pois o governo, j que o ministro o representava no Parlamento, entendia que estes eram unicamente os amigos da monarquia constitucional representativa, j aqueles que querem alguma coisa mais do que isto, no so liberais, so ultras. Nesse sentido, explicava, como homem de Estado, que o governo s deveria empregar homens que meream a sua confiana. No devendo aceitar aqueles que colocam em questo o rigor do princpio da inviolabilidade do trono, por exemplo, e finalizava preconizando que o governo desejava ver nos empregos homens que faam manter a ordem e conservar os sditos no respeito devido autoridade, e no pode empregar sem risco aqueles que, longe de professarem estes princpios, advogam os da insubordinao e resistncia s ordens emanadas do poder. 31 Vasconcelos repeliu o ministro com o seu habitual sarcasmo sem, no entanto, aclarar as denominaes empregadas. Ah!- exclamou- Talvez que o Sr. Ministro do imprio esteja persuadido de que mandonismo e constitucionalismo so sinnimos, e que no pode cessar o arbtrio no imprio sem que haja uma revoluo(...)

i

Na exposio do trabalho procurei diferenciar os significados dos termos, utilizando a grafia liberais

32 Na sesso do dia 17 de Junho de 1829, Vasconcelos respondendo a um discurso do deputado May, que no foi apanhado pelo taqugrafo, mas que por sua resposta infere-se que se referia inexperincia dos parlamentares brasileiros, apontava para a inexistncia de partidos devido s inconstantes atitudes dos deputados a respeito da atuao dos sucessivos gabinetes. No Brasil, avaliava Vasconcelos, no h partido de oposio, e a cada passo vemos que aqueles mesmos senhores que apiam as medidas do governo, esses mesmos combatem o governo Sem dvida, apenas um ou outro membro da assemblia censurava, isoladamente, o governo atribuindo-lhe tudo quanto havia de funesto na sociedade. Por outro lado, eram os ministros que freqentemente, subiam tribuna para sustentar e defender o governo das oposies retribuindo as acusaes no mesmo tom. Vasconcelos apontava, assim, para a ausncia de um conjunto de princpios logicamente ordenados que pudesse configurar um programa de partido. Deve-se, contudo, observar que o prprio Vasconcelos, apesar de comear a esboar uma linha de ao poltica definida, no estava, de todo, imune a um certo tipo de comportamento poltico bem caracterstico dos liberais, levando-os a sempre desconfiar de tudo o que viesse do governo. Segundo Jos Justiniano da Rocha, contava-se que Vasconcelos, havia sido chamado por D.Pedro para o ministrio, declinando do convite. De acordo com o grande historiador e jornalista do imprio: o regime parlamentar no era ainda compreendido; entendia-se que o deputado liberal devia condenarse eternamente posio de adversrio do governo, nunca aceitar o poder. (Biografia de B.P.de Vascocellos in Manifesto Poltico e Exposio de Princpios, p.13 ) Contudo, observando os debates na Assemblia pode-se, a grosso

modo, constatar a presena de dois grupos distintos: o dos portugueses, que participavam ativamente do governo e privilegiavam, em suas proposies, princpios que fortaleciam o poder do Imperador e o grupo dos liberais; no aceitando o poder, agiam como demolidor, no querendo tomar parte na reconstruo do Estado. No decorrer dos captulos seguintes perceberemosquando se tratar de referncia partidria.

33 tambm que Liberais eram aqueles que lutavam por uma maior presena do parlamento no processo de deciso poltica, em detrimento dos poderes da coroa; atravs de Vasconcelos, o seu destacado lder, a doutrina do parlamentarismo era introduzida com extrema sutileza em nosso sistema poltico. (Aurelino Leal , p.161)

Notas1

Eis como o prprio Vasconcelos definia o regresso ...eu tenho a presuno de que mais

liberal do que eu ningum se senta nesta casa, mas eu quero um progresso compassado, progresso que medre, que no degenere em desordem. Eis porque desde 1834 proclamo o Regresso, no para retrogradarmos para a barbaridade, mas para darmos seno depois de muito exame, depois de termos estudado bem nossas coisas." (Senado- agosto de 1843)2

No h nenhuma informao sobre o local e a data em que foi pronunciado esse discurso.

Em nossa pesquisa constatamos que apareceu pela primeira vez em Joaquim Nabuco( Um Estadista, p.31)3

No seu sentido poltico, foi usado pela primeira vez na Frana, por volta do ano de 1820, no peridico

de Chateaubriand, enquanto que na Inglaterra o partido Tory assumir oficialmente a denominao de conservador apenas em 1835.(ver Cecil, Lord Hugh - Conservatismo, p.45)

H um consenso a respeito de ser Burke aquele que formulou pela primeira vez e de modo claro os principais temas do conservadorismo em sua obra Reflexes sobre a Revoluo em Frana: "os temas essenciais do conservadorismo , durante os dois ltimos sculos ,no so mais do que a continuao dos temas enunciados por Burke com referncia especfica Frana revolucionria." R.Nisbet, R - O Conservadorismo p.15) J Liberal ...enquanto termo poltico, foi cunhado na Espanha em 1810-11 e comeou a circular na Europa ( na forma francesa liberaux ou na forma espanhola liberales) na dcada de 1820 num sentido um pouco pejorativo, isto , com referncia aos rebeldes espanhis da poca. Foi s em meados do sculo XIX que o termo foi aceito na Inglaterra como ingls e como elogioso. Liberalismo veio depois ainda. Sartori, Teoria Democrtica, p.1504

A maior parte de nossas idias so... abreviaes e resduos do pensamento do passado...

Portanto, se desejamos aclarar as idias polticas que herdamos devemos atualizar as suas implicaes... e isso pode ser feito apenas por meio da histria das idias polticas. (Leo Strauss in Sartori - Teoria Democrtica p.243)5

O Marqus de Pombal, estimulado pelas crticas formuladas por Lus Antnio Verney(

Verdadeiro Mtodo de Estudar), nomeou uma ' Junta de Providncia Literria', em 1770 com o encargo de examinar as causas da runa universitria e os remdios a adotar. As crticas levantadas pela Junta apareciam num extenso relatrio, publicado com o ttulo de

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Compndio Histrico do estado da Universidade de Coimbra, em 1771; em que se percebe vrias das idias de Verney. Um ano depois, por carta de 28 de agosto de 1772, eram aprovados os novos estatutos da Universidade. Uma verdadeira revoluo, na verdade, atingiu as duas Faculdades jurdicas da Universidade de Coimbra, a partir de 1772: - observa Braga da Cruz - uma revoluo no professorado e na sua mentalidade; uma revoluo na estrutura dos cursos e no elenco das cadeiras ensinadas; uma revoluo nos mtodos de ensino e de exposio de matrias; e uma revoluo, sobretudo de orientao doutrinal das diversas cadeiras, imposta atravs da fixao estaturia de certos programas ou da adoo obrigatria de determinados compndios." (Braga da Cruz, op.cit.p.105)6

Veremos ao longo do trabalho que Benjamim Constant, J.Bentham e Adam Smith, por

exemplo, eram freqentemente citados. Na sesso de 27-6-1828 ele falava a respeito da necessidade de se estabelecer uma pena contra o promotor manifestamente doloso: - Esta minha opinio a mesma opinio dos escritores mais liberais, como seja Filagieri, Benjamim Constant, e outros muitos escritores... e portanto pelo mesmo direito romano e pelo mesmo direito cannico assento que o promotor deve ser punido. Expressando assim as suas vrias influncias. Em 1828 dizia no Universal (Jornal de Vila Rica) que no queria perder tempo discutindo com o Marqus de Baependi pois - Os amigos com quem estou em contato so os Says, Ganils, os Benjamins Constants, os Benthans e os Henets.. (in O.Tarqunio op.cit.p.76)7

Na sesso de 18-05-1829, por exemplo, fazia suas consideraes baseando-se no cdigo

de Justiniano, ao discutir uma proposta do governo sobre a reduo dos juros da dvida do Banco do Brasil.8

Sobre a criao dos cursos jurdicos no Brasil Imprio existe o livro de Aurlio Wander

Bastos, Evoluo do Ensino Jurdico no Brasil Imprio. O autor no aborda, no entanto, nenhum dos debates ocorridos no perodo do primeiro reinado e no se detm tambm na anlise das disciplinas.9

Alis, esta questo foi extensamente debatida na constituinte em 1823, Projeto de Lei n.26,

de 19.08.1823, sobre a criao de universidades. Notem que as concepes de Vasconcelos coincidem com a do Visconde de Cair: Infelizmente tem havido nas provncias partidos dissidentes da causa do Imprio constitucional. Importa, pois, que os que devem influir nas classes menos instrudas, venham fazer estudos, e firmar o esprito do nosso sistema na Roma Americana."(sesso de 27.08)10

Vasconcelos assim discursou Sr. Presidente, por eu desejar que se esquecesse o amor

da provncia, quando se trata do bem geral, que proponho e defendo que se estabelea o primeiro curso de cincias jurdicas nesta corte: e se o ilustre deputado praticasse o que aconselha, certamente o no quereria em S.Paulo, de cuja provncia representante {Vergueiro}...

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Na sesso do dia 15-6-1830, Vasconcelos, discutia a respeito dos ordenados dos

professores, voltando-se contra o ensino da lngua latina: Se mister aumentar o ordenado dos mestres de Filosofia Racional, faa-se uma resoluo. Enquanto aumentar-se o ordenado dos mestres de Gramtica Latina, coisa desnecessria. Eu sou inimigo da Gramtica Latina, no sei que proveito se tira deste estudo; quem quiser ter esses conhecimentos de luxo aprenda sua custa; deixemos estas coisas do antigo temor das trevas em que no se podia salvar o cristo sem saber Gramtica Latina; temos coisa de mais estima; para que dar tanta estima a esta lngua. Em 27-9-1830 Lino Coutinho falava a propsito de um projeto que mandava ensinar a lngua brasileira: A lngua que se chama brasileira, creio que tupim (sic).... esses barbadinhos que tm mandado vir com o ttulo de domesticar ndios, que aprendam a lngua dos tupins ; porque eles esto comendo o nosso dinheiro...12

Diz o comentarista que o objetivo primordial das reformas preconizadas pelo professor de

Coimbra, no perodo de centralizao poltica e consolidao das instituies nacionais era o de : - ... acabar com as causas de disperso ou de verdadeira carncia da ordem jurdica nacional objetivadas na pluralidade infinda e imprecisa de fontes normativas de que mais se destacava o predomnio das classes,a autoridade do direito romano e do cannico, a jurisdio temporal da Igreja e os costumes. Vtor Faveiro, op.cit.p.60-6113

A idia de absolutismo em Portugal guarda uma profunda diferena da que foi difundida em

Inglaterra e Frana. Podemos lembrar que Francisco Suarez, lente na Universidade de Coimbra(1548-1617), foi o encarregado de refutar a teoria do direito divino, sustentada por Barclay e Jaime I, segundo a qual os reis seriam imediatamente investidos por Deus de sua autoridade. Para Suarez, dizer que o poder de origem divina a mesma coisa que dizer que de direito natural e que tem como fundamento uma natureza racional. Paulo Merea entende ento que contra a doutrina de Jaime I, Suarez, seguindo a tradio escolstica. ..desenvolve a idia de que o poder reside inicialmente no povo, por outras palavras, de que a prpria comunidade, uma vez formada, que necessariamente e por fora da razo natural fica titular do poder civil. Este poder no se origina pois nas vontades dos homens como causa eficiente, mas sim numa causa objetiva e transcendente, que afinal Deus, mas Deus obrando atravs das criaturas racionais. (Paulo Merea - Surez, Grcio, Hobbes, p.27)14

Cabral de Moncada tem tambm uma avaliao positiva de M.Freire, principalmente no

que se refere ao direito criminal: - ...Ningum ignora o particular significado de sua obra em matria de direito criminal, revelado sobretudo no projeto do livro V do Novo Cdigo, onde se tornou eco das idias humanitrias do sculo, representadas por Beccaria e Filangieri. C.Moncada, O Sculo XVIII na Legislao de Pombal, Estudos de Histria do Direito, vol.I p.103. Neste livro o estudioso da histria do direito nos fornece preciosas informaes sobre a influncia que tiveram as Escola Alem (Grcio e Pufendorf) e a Holandesa (Heincius e Wolf) em Portugal..

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O visconde de Cair em discurso na Assemblia Constituinte:( Sesso de 18-10-1823)

realava as qualidades do clebre jurista: - Quando a Amrica do Norte proclamou a sua independncia, consta das obras de Franklin, que o primeiro cuidado dos homens de estado do pas, foi o mandarem vir da Europa as obras de Vattel, e de outros escritores sobre o direito pblico, e as leis das naes. O Brasil carece muito de tais estudos, que na Universidade de Coimbra mal se ensinavam superficialmente no primeiro ano do curso jurdico na aula de direito natural. Vattel foi comentador de Wolf e um discpulo de Leibniz. Publicou uma obra fundamental em 1758 - Le droit ds gens ou prncipes de la Loi Naturelle. C.Friedrich em sua esplndida obra: Perspectiva Histrica da Filosofia do Direito - destaca, no captulo intitulado o Direito como expresso da Razo Pura, a importncia que teve um determinado grupo de filsofos no final do sculo XVIII: Grcio, Pufendorf, Leibnitz, Tomasius e Cristian Wolf. Suas idias contriburam decisivamente para profundas modificaes nas concepes das instituies legais; as grandes codificaes foram, sem dvida, as mais importantes. C.Friedrich enumera a criao dos Cdigos da Baviera(1756), Prssia(1794), ustria(1811) e o Cdigo Civil de Napoleo(1804), esquecendo-se, no entanto, de mencionar as Ordenaes: Afonsinas, Manuelinas e as Filipinas que foram elaboradas muito antes . Avalia C.Friedrich que o impacto maior que essas doutrinas provocaram foi mais de natureza prtica do que propriamente terica pois : Ofereceram um mtodo para limitao do absolutismo reinante, bem como para a sua racionalizao. A relao entre esses sistemas e a caracterstica espcie de sistema poltico na Prssia e na ustria tem sido freqentemente comentada. Os governantes desses grandes Estados, que de incio possuam apenas unidade dinstica, encontraram em tal racionalismo um instrumento para a unificao e para suplantarem o feudalismo e aristocracia, as guildas e os estados. Op.cit. p.13916

Inicialmente diz que O supremo senhorio e imprio , para o autor, supremo poder civil. E

com esta noo, exclua-se, mais uma vez, a do estado patrimonial, que M.Freire herdara do pombalismo. P.19 para depois reconhecer que O Tratamento do tema visava, certo, uma correo pontual e imediata ao articulado de Freire, mesmo que este at conviesse em que, no caso dos bens da Coroa, estes no estivessem no domnio, mas sim no imprio do prncipe.p.32017

V. Faveiro mostra, por outro lado, que: O Padre Antnio Pereira de Figueiredo acusava

M.Freire de defensor das teorias subversivas, no reconhecer a soberania rgia ilimitada. (op.cit.p.46) A respeito de Ribeiro dos Santos diz o autor que ao defender a supremacia das cortes queria - ...naturalmente, o tradicional privilgio das duas classes predominantes: o clero e a nobreza... idem18

Deve-se apontar tambm a importncia que teve, Martni na formao de vrias geraes

de juristas da Faculdade de Coimbra; Carlos Antnio Martni (1726-1800) foi professor de direito natural na Universidade Catlica de Viena. Foi com Joseph Sonnenfels quem forneceu

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os fundamentos tericos ao reinado de Jos II, de ustria, exercendo sobretudo grande influncia sobre as doutrinas deste monarca em matria de poltica. Apesar de discpulo de Wolf, Martni no se limitou contudo a reproduzir a doutrina do mestre. .. procurou combinar o sistema wolfiano com as idias de Grcio e Pufendorf, tornando-os mais acessveis aos espritos de seu tempo atravs de uma exposio didtica mais simples... (Moncada, Subsdios para uma Hist. P.12) Escreveu Vicente Ferrer Neto Paiva em sua obra Curso de Direito Natural (Publicada em 1843 e que substituiu o compndio de Martni que vigorou na faculdade de Coimbra por setenta anos.) ... mais de uma vez temos admirado o valor com que este grande homem, arrostando os prejuzos do seu tempo, se atreveu a proclamar no seu compndio de direito natural princpios eminentemente liberais e por sem dvida temos que estas sementes lanadas h muitos anos no esprito da mocidade...concorreram poderosamente para propagar em nossa terra as idias de liberdade. idem p.13 A respeito das idias de Martni sobre os direitos dos homens, explica Cabral de Moncada que estes viriam ...sempre associados s respectivas obrigaes, que classifica em absolutos ou conatos, se resultam da prpria natureza, e hipotticos, adventcios ou relativos, se resultam, no s da natureza, mas de algum fato do homem. Entre os primeiros enumera: o da conservao, o de apropriao, segurana, defesa, e o direito de guerra; direitos estes que, em vista da sua provenincia, so iguais e conformes em todos os homens. Desta igualdade, resultante da natureza humana comum em todos os homens, decorre porm ainda, no mesmo aspecto de referncia sua origem, o direito de liberdade, como resultado da igualdade. Ao lado de todos estes direitos que se chamam determinados a respeito de cada homem, constituindo a sua esfera jurdica prpria (direitos perfeitos), que todos devem abster-se de violar, h ainda alm disso a dos outros direitos menos determinados (direitos imperfeitos) que se impem apenas benevolncia dos outros. Idem p.1419

Vejamos, em linhas gerais, como era estruturado o Curso da Faculdade de Direito em

Coimbra. At a poca da reforma, o ensino de direito na faculdade de leis, incidia exclusivamente sobre o direito romano e no antigo direito cannico.; depois passou a ser estruturado da seguinte maneira No 1 ano, legistas e canonistas, cursavam uma Cadeira de Direito Natural, que tinha por objeto o Direito Natural em sentido estrito, o direito pblico universal e o direito das gentes; uma cadeira de Histria do Direito Romano e do Direito Ptrio; e duas cadeiras de introduo ao direito romano, denominadas de Instituta. 2 ano - Canonistas e legistas eram iniciados no conhecimento do direito cannico e da sua histria, cadeira de Histria da Igreja e do Direito Cannico e uma cadeira de Instituies de Direito Cannico. 3 ano e 4 ano- Os cursos passavam a se diferenciar; os estudantes de leis freqentavam cadeiras desenvolvidas no Digesto. 5 ano - cadeira analtica de leis e Direito Ptrioo o o o o

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Mas ainda, nos diz Braga Cruz, que a mais revolucionria de todas estas modificaes foi a profunda renovao introduzida pela Reforma Pombalina na orientao doutrinal das diversas cadeiras, cujo ensino passava agora a ser pautado obrigatoriamente pela corrente de pensamento ao tempo dominantes na Europa entre os especialistas de ambas jurisprudncias" Por outro lado a Reforma foi tambm um duro golpe na autonomia universitria', foram substitudos todos os professores de Leis e de Cnones por puro arbtrio rgio.. Os Estatutos ordenavam que o professor de Direito Natural, nas prelees referentes ao direito pblico universal, ensinasse aos discpulos, acerca dos "Direitos, que competem aos Soberanos conhecidos, e indicados pelo nome de Direitos de Majestade". Era a universidade servio do estado dentro de orientao preconizada pelo despotismo esclarecido. Contedo das matrias Direito Natural - compndios de Martni, primeiro que tinha uma feio nitidamente iluminista, reformadora e pr-liberal; e o segundo que tratava do direito pblico universal e das gentes, uma formao poltica de transio que, embora, apegada ainda a algumas concepes tradicionais, como a da supremacia da forma monrquica e absoluta do governo, no deixava de manifestar simpatia por certas limitaes tendentes a salvaguardar as liberdades pblicas e a cercear o risco de despotismo no exerccio do poder. (p..122) Quanto ao direito romano eram utilizados os comentrios de Boehmer e Heinecius: "dois dos maiores expoentes da corrente doutrinria conhecida por usus modernus pandectarum, que nos sculos XVII e XVIII revolucionou por completo os estudos de direito romano, subordinando a interpretao e utilizao das respectivas fontes aos critrios do Jusnaturalismo racionalista de Grcius e Pufendorf."(ibid. p.125) As doutrinas dos compndios de Martni tinham uma certa familiaridade com as teorias liberais do final do sculo XVIII: "Tal o caso, designadamente, da sua teoria sobre direitos individuais, que considera sempre associados s correlativas obrigaes e que classifica em naturais ou absolutos e adventcios ou relativos, afirmando, quanto aos primeiros, a inteira igualdade entre os homens e construindo a partir da a idia de liberdade, que considera um direito derivado dessa mesma igualdade e com ela assente na comum natureza de todos os homens." Cabral de Moncada, Subsdios para uma Histria da Filosofia do Direito p.124 J o Direito Ptrio ensinado pelos compndios de Mello Freire tinha preocupao emancipar o direito ptrio , libertando-o das formas de ensino corrente, base do direito romano justinianeu e das glosas,do direito cannico, do labirinto dos usos e costumes,das praxes forenses. E assim o fez de acordo com mtodo prprio seguindo dois caminhos fundamentais e originrios:a histria, e a substncia e forma do direito portugus como instituio. As Institutiones juris civilis et criminalis Lusitani e a Histria juris civilis lusitani, constituem a primeira e basilar pedra da criao de um direito autenticamente portugus, cientfico, sistemtico, nacional e adequado poca." (Faveiro,Vtor - op.cit. p. 34-35). So esses os livros que de 1772 a 1843 exerceram influncia decisiva na mentalidade conimbricences.

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Tomo emprestado este ttulo de um captulo da memorvel obra de F. Hayek - Direito,

Legislao e Liberdade. Para o autor existem, basicamente, na histria do pensamento duas maneiras de se conceber a ao humana. Uma o Racionalismo Construtivista, fundamentalmente, de influncia cartesiana que concebe ser racional apenas a ao determinada por uma verdade conhecida e demonstrvel: "A razo do homem por si s desconsiderando a tradio , os costumes e a histria - , torn-lo-ia capaz de construir a sociedade em novos moldes." (p.04) Portanto, as instituies e as prticas humanas teriam um propsito, somente, na medida em que tiverem sido criadas intencionalmente para este fim. J o Racionalismo Evolucionista entende que as instituies existentes na sociedade, para a realizao de nossos objetivos conscientes, resultaram, basicamente, de um processo evolutivo de costumes, hbitos ou prticas que no foram inventados nem so observados com vistas a qualquer propsito semelhante. Adota a idia de que a ordenao da sociedade, resultou basicamente de um processo denominado 'crescimento' ou 'evoluo', no qual prticas a princpio adotadas pelas mais diversas razes, ou mesmo por mero acaso, foram preservadas e incorporadas em um sistema terico habilitando os homens a us-lo.21

No ensaio O Tema da Transplantao e as Entelquias na Interpretao Sociolgica no

Brasil, Guerreiro Ramos focalizar, sobretudo, as contribuies que deram nfase chamada Teoria Critico-Assimilativa, que se caracterizaria, fundamentalmente, por ser contrria transplantao mecnica das instituies estrangeiras em solo nacionalError! Bookmark not defined.. A seu ver esta tradio se iniciou com Visconde do Uruguai e se prolongou atravs de Slvio Romero, Alberto Torres e Oliveira Viana. O que os mantm unidos, enquanto corpo doutrinrio, ainda que persistam algumas diferenas entre si, o mtodo de anlise da realidade social. Para ns, como ficar claro durante a exposio, esta tradio se inicia com Vasconcelos; Visconde de Uruguai aperfeiou o mestre.22

interessante notar que Rodrigues de Brito (1753-1831) professor de leis em Coimbra,

tinha uma curiosa concepo acerca do direito natural revelando uma forte influncia utilitarista. Resumindo as suas idias diz Cabral de Moncada : O direito natural determina-se por meio de um anlise em que deve pesar-se a massa dos bens e dos males e o tempo de sua durao, que das diferentes aes podem provir para a sociedade e para os indivduos, referidos sempre esses bens e males, em ltima instncia, a um critrio eudemonista de utilidade e felicidade. (Subsdios p/ Um Hist., p.29) Elie Halev entende que para Bentham le principe de lutilit a toujours t par essence un prcepte, le fondemente dun systme dobligations. Il faut travailler en vue dutilit gnerale, il faut raliser lidentit de lintrt priv et de lintrt public. Tel est lart du legislateur, dont une des branches constitue leconomie politique.vol II p.22623

Exps o seu ponto de vista a respeito colocando em prtica estas idias, que assim relatou:

Sr. Presidente, quando ofereci a esta augusta cmara o projeto de lei para a instituio do

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supremo tribunal da justia, tencionei apresentar logo que ele entrasse em discusso, dois outros projetos de lei; um para a abolio do tribunal do conselho da fazenda, e o outro para o dos tribunais do desembargo do pao e mesa da conscincia, que no devem existir vista da constituio do imprio e das reformas, que em virtude dela se devem fazer em a nossa administrao. sesso de 20-6-182724

Na sesso de 20 de julho de 1830 falando a respeito de um projeto de lei sobre gneros e taxa de 10% sobre gneros de

mercadorias da indstria brasileira, que estabelecia

exportao para fora do imprio, Vasconcelos iria manifestar-se do mesmo modo em 1834 quando se discutia o Ato Adicional: ..Estou que se deve diminuir os laos da centralizao, mas no de um jato, que faa dar um grande salto... Em tais matrias o mais conveniente seguir a experincia(...) Sou amigo das reformas necessrias ao Brasil, operadas pela razo e com calma e no reformas que em dois dias tornem este nome odioso ao Brasil. (tomo I p.198) E depois, em 1844, explicando a sua postura anti-revolucionria naquele momento."Quando apareceu o Ato Adicional houve alguns representantes da nao que entendiam que a agitao devia acabar , que se tinham feito reformas talvez superiores s necessidades do pas, que era necessrio parar o movimento revolucionrio (porque eu chamo revoluo a mudana rpida das instituies de um pas ou de parte delas) no foram ouvidos estes homens." (Anais do Senado Maio de 1844, p.274)25

Burke criticava as aes dos revolucionrios na Assemblia Nacional Francesa, pois

..preferiam agir como se nunca tivessem sido moldados em uma sociedade civil, como se pudessem tudo refazer a partir do nada. op.cit.p.7126

- No Ensaio sobre Direito Administrativo, Visconde de Uruguai, no captulo que trata da

centralizao dizia que - Para julgar as instituies preciosa atender aos tempos e s circunstncias, continuava citando Cormenin - que todas as instituies humanas, tm somente uma utilidade temporria e relativa..p.17527

Em sesso no Senado (6-7-1841) Vasconcelos dizia que - "Eu conheo que nenhuma

instituio, em qualquer pas, pode ser imutvel; todas as instituies humanas esto sujeitas ao imprio da necessidade. As idias, os sentimentos e os interesses mudam as instituies; elas devem acomodar-se ao estado social.28

Burke, o fundador do pensamento conservador, assim se expressava: "So as

circunstncias - circunstncias que alguns julgam desprezveis - que , na realidade do a todo princpio poltico sua cor prpria e seu efeito particular. So as circunstncias que fazem os sistemas polticos bons ou nocivos humanidade" (op.cit. p.50) Observemos o que nos diz Cabral de Moncada a respeito dos escritos de Verney, afim de que percebamos as semelhanas com as idias de Vasconcelos: "A primeira coisa que, lendo esses fragmentos dos relatrios, nos salta vista, mais uma vez o lado poltico concreto, objetivo, realista, mais que o filosfico abstrato, do pensamento verneiano. sobretudo a, ainda mais do que nas suas idias de poltica religiosa, que se revela o seu

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realismo poltico, a sua desconfiana pelas construes abstratas dos cartesianos e a sua preferncia pelo esprito experimentalista mais prprio dos newtonianos." ( Um "Iluminista" Portugus do Sculo XVIII : Luiz Antnio Verney, p.90)29

Nisbet ao realar o realismo como caracterstica do conservadorismo cita Disraeli: A

verdade meus senhores, que um estadista o produto de sua poca, um filho das circunstncias, a criao do seu tempo. Um estadista , essencialmente uma personagem prtica... tem que averiguar o necessrio e o til e a medida mais exeqvel a ser tomada. (op.cit.p.11) ou Churchill para quem o verdadeiro patriotismo exige s ve