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À PROCURA DA POESIA - Operação de migração … · estudantes com dificuldades em leitura e interpretação de textos de gêneros variados. Não são ... buscando levá-los a

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À PROCURA DA POESIA: Caminhando em busca do prazer poético

Autor: Cleide Maria Jagher 1

Orientadora : Profª Dra. Níncia Cecília Borges Teixeira 2

RESUMO

Este artigo é resultado da intervenção pedagógica, implementada nas aulas de literatura, com alunos de Ensino Médio. O trabalho foi direcionado ao letramento literário dos alunos do 2º ano do Ensino Médio, com ênfase à poesia. O objetivo foi propiciar aos alunos mecanismos de leitura que lhes proporcionassem prazer pelo texto poético e compreensão deste, por meio de leitura de diferentes textos poéticos e o seu entendimento; condução do aluno à apreensão dos recursos linguísticos, da linguagem simbólica, das metáforas, sinestesias, ambiguidades, entre outras figuras presentes no texto, explorando os recursos sonoros do poema, como aliterações; associando a poesia à música, ampliando o gosto dos alunos pela música de qualidade, com conteúdo poético; propiciando o canto, a declamação do texto poético, bem como estabelecendo o diálogo do texto com outros textos e com outras artes. O trabalho seguiu a metodologia do letramento literário de Rildo Cosson, cuja proposta apresenta duas sequências de abordagem do material literário em sala de aula: a básica e a expandida. Como o público alvo foi alunos do Ensino Médio, a sequência utilizada foi a expandida que estabeleceu os seguintes passos para a leitura: motivação, introdução, leitura, primeira interpretação, contextualização, segunda interpretação e por último, a expansão, ultrapassando os limites do texto para outros textos. A leitura literária foi privilegiada, principalmente, a leitura de poesia, por ser mais complexa, ter um universo discursivo mais metafórico, carregado de sentidos, os quais são inferidos no ato de ler. Textos que estimularam o adolescente a ler por prazer, proporcionando-lhe a fruição do texto literário, com situações didáticas em que ele pôde experienciar as interfaces da literatura com outras manifestações artísticas, como a música, as artes plásticas, o texto midiático, o teatro e o cinema.

Palavras- chave: Letramento literário; poesia; leitura prazerosa; ensino

1 Pós-graduada em linguagem e literatura pela Universidade de Palmas-PR. Graduada em Letras/Anglo pela Universidade Estadual do Centro-Oeste- UNICENTRO, de Irati-PR. Professora de Língua Portuguesa no Colégio Estadual Professora Izabel F. Siqueira, em Reserva do Iguaçu- PR.

2 Pós-doutora em Ciência da Literatura. Doutora em Letras. Professora Adjunta do departamento de

Letras da Universidade Estadual do Centro Oeste -UNICENTRO

1. INTRODUÇÃO

O trabalho efetivo com a literatura nas turmas de Ensino Médio, na maioria

das vezes, vem sendo negligenciado, pois geralmente os professores de Língua

Portuguesa preocupam-se apenas em abordar os períodos literários, cobrando a

leitura das obras que vão cair no vestibular. O aluno, por sua vez, já que não tem o

gosto pela leitura, acaba lendo o resumo pela internet e o objetivo principal da leitura

da obra literária fica vago. Conforme afirma William Cereja:

Ao nosso ver, uma metodologia consequente de ensino de literatura deve estar comprometida com a formação de leitores de textos literários. Nesse sentido, o texto literário deve ser não só o objeto central das aulas, mas também abordado com base em pelo menos duas dimensões: as de suas relações com as situações de produção e de recepção__ nas quais se incluem elementos do contexto social, do movimento literário, do público, da ideologia, etc., conforme a visão de Antonio Cândido __e as de suas relações dialógicas com outros textos, verbais e não verbais, literários e não literários, da mesma época ou de outras épocas, conforme o conceito de dialogismo de Mikhail Bakhtin. (CEREJA, 2005)

Essa prática pedagógica nos inquieta, uma vez que a obra literária não está

sendo valorizada como deveria pela escola, que não está sabendo motivar o seu

aluno a ser um leitor, negando a ele o contato com a arte literária que tem grande

importância para a formação da subjetividade do indivíduo, para o desenvolvimento

de sua sensibilidade, de sua formação humanística.

Muitas vezes, damos ênfase ao estudo do período literário, aos autores, não

que isso não seja importante, mas disponibilizamos menos tempo à leitura de textos

poéticos, de proporcionar aos alunos o acesso à poesia, à simbologia da linguagem

literária, aos múltiplos significados que a obra literária nos apresenta e às

discussões proporcionadas por ela. É papel da escola proporcionar ao jovem a

escolarização da literatura, como afirma Cosson (2006). Na verdade, essa

problemática que envolve a leitura, a formação do aluno - leitor é enfrentada pela

escola há muito tempo, mas hoje com todos os recursos tecnológicos ao alcance da

maioria dos nossos jovens, dificulta mais ainda o trabalho do professor que se sente

inseguro, com dificuldade para levar o aluno a adquirir o gosto pela leitura,

principalmente, da obra literária.

Segundo dados do relatório publicado pelo SAEB/INEP (apud CEREJA, 2005,

p.196) a maioria dos estudantes que concluem o Ensino Médio não tem

competência na leitura, conforme o trecho abaixo: [...] Os dados indicam que 42%

dos alunos da 3ª série do ensino médio estão nos estágios “muito crítico” e “crítico”

de desenvolvimento das habilidades e competências em Língua Portuguesa. São

estudantes com dificuldades em leitura e interpretação de textos de gêneros

variados. Não são leitores competentes e estão muito aquém do esperado para o

final do ensino médio. Os denominados “adequados” somam 5%. São os que

demonstram habilidades de leitura de textos argumentativos mais complexos. (MEC,

2004, p.7)

Isso demonstra que é preciso rever as práticas de leitura em sala de aula. Não

podemos delegar a culpa somente aos estudantes, alegando que eles não gostam

de ler, mas a um conjunto de elementos que contribuem para isso, principalmente à

metodologia utilizada pelo professor em suas aulas de leitura dos diferentes gêneros

textuais, enfatizando aqui o texto literário por ser mais complexo. Conforme afirma

Cosson (2006, p.47).

As práticas de sala de aula precisam contemplar o processo de letramento literário e não apenas a mera leitura de obras. A literatura é uma prática e um discurso, cujo funcionamento deve ser compreendido criticamente pelo aluno. Cabe ao professor fortalecer essa disposição crítica, levando seus alunos a ultrapassar o simples consumo de textos literários.

Portanto, como fazer com que nossos alunos se tornem leitores competentes?

A resposta para essa pergunta é o grande desafio dos professores de Língua

Portuguesa, pois formar leitores proficientes não é uma tarefa fácil, mas é preciso

buscar meios para que nosso jovem seja atraído pela leitura e se torne efetivamente

um leitor.

Para responder a esse questionamento, o projeto de intervenção pedagógica

foi direcionado ao letramento literário dos alunos do Ensino Médio, com ênfase à

poesia, levando o aluno a ler e a gostar de poesia, uma vez que esse gênero textual

é muitas vezes deixado de lado pela maioria dos professores, em suas aulas de

literatura, que preferem a narrativa em prosa à poesia. O objetivo foi propiciar aos

alunos mecanismos de leitura que proporcionassem prazer pelo texto poético e

compreensão deste, por meio de leitura de diferentes textos poéticos e o seu

entendimento; Condução do aluno à apreensão dos recursos linguísticos, da

linguagem simbólica, das metáforas, sinestesias, ambiguidades, entre outras figuras

presentes no texto, explorando os recursos sonoros do poema, como aliterações;

associando a poesia à música, ampliando o gosto dos alunos pela música de

qualidade, com conteúdo poético; propiciando o canto, a declamação do texto

poético. bem como estabelecendo o diálogo do texto com outros textos e com outras

artes.

Miriam Mermelstein (2004, p.2), em seu artigo “Leitura e Literatura” diz que a

poesia virou mito em nossas salas de aula e que de modo geral observamos

resistência em ler, interpretar, criar e recriar poemas.

Não é uma tarefa fácil, mas o professor precisa romper com o preconceito de

que é difícil trabalhar poesia e criar possibilidades para que seu aluno aprenda a

gostar de ler, de pensar, de interpretar, de ter contato com o texto literário que nos

encanta, que nos humaniza e sensibiliza.

Levamos aos alunos textos poéticos de diferentes formas, desde a poesia

medieval à contemporânea, o poema de forma fixa, os poemas de versos livres, a

poesia concreta, os haicais, assim como de diferentes temáticas, incluindo temas

que mais agradam ao público jovem, como o amor e a morte. Também, não

deixamos de lado poemas de cunho social, aqueles que remetem a

questionamentos sobre o ser humano e o mundo. Enfatizando que a narrativa em

prosa também teve seu espaço uma vez que procuramos contrapor vários aspectos

entre esses gêneros textuais, observando como os discursos se manifestam nos

dois gêneros.

Por meio da fruição da leitura do texto literário, os alunos puderam tecer

comparações e relação de intertextualidade com outros textos de outros autores,

como também com outros gêneros, como a música, as artes plásticas e os textos

midiáticos.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 Rumo ao letramento literário

Este artigo é resultado do projeto de intervenção pedagógica, direcionado

ao letramento literário do Ensino Médio, fundamentado na obra de Rildo Cosson que

afirma:

O processo de letramento literário que se faz via textos literários compreende não apenas uma dimensão diferenciada, do uso social da escrita, mas também, e, sobretudo, uma forma de assegurar seu efetivo domínio. Daí a importância na escola, ou melhor, sua importância em qualquer processo de letramento, seja aquele oferecido pela escola, seja aquele que se encontra difuso na sociedade. (COSSON, 2006, p.12)

Também recorremos a outros autores como William Cereja (2005), Glória

Kirinus (1998), Lajolo (1995), Alice Penteado (2005), entre outros, na busca por

embasamento teórico que subsidiassem as atividades pedagógicas para o

letramento literário dos alunos, buscando levá-los a interagir com o texto. Essa

interação entre a leitura e o leitor tem como característica principal a formação

humanística do discente, através da aquisição do conhecimento, da cultura, do

prazer estético, proporcionado pelo texto, bem como a fruição do pensamento, da

formulação de questionamentos a cerca da produção do texto, havendo, portanto,

uma relação dialógica entre o leitor e a obra.

Esse letramento fez-se necessário uma vez que a reclamação por parte da

maioria dos professores ainda é grande no diz respeito à falta de interesse dos

alunos pela leitura. Muitas vezes, eles leem quando são pressionados pelo professor

para adquirir nota, mas essa leitura não é prazerosa, sem falar que às vezes, nem

entendem o que leem. Mas como queremos alunos leitores se não proporcionamos

a eles o letramento literário, se não envolvemos nossos jovens nas atividades de

leitura? É isso que Cosson propõe em sua obra, que é o letramento literário no que

se refere ao processo de escolarização da literatura, oferecendo uma proposta de

ensino com sugestões de atividades de ensino - aprendizagem de leitura na escola

básica. Somando-se a essa proposta de Cosson, temos William Cereja que diz:

O ensino de literatura no ensino médio deve, ao nosso ver, estar comprometido, primeiramente, com o desenvolvimento de habilidades de leitura, a fim de que o aluno, se transforme num leitor de textos literários competente. Além disso, como é a um só tempo linguagem, discurso e objeto artístico, a literatura deve ser tomada tanto em sua dimensão

comunicativo-interativa, dialógica e estética, quanto em sua dimensão histórica, social e ideológica. (CEREJA, 2005, p.198)

Este trabalho proporcionou que nossos alunos fossem inseridos no contexto

literário e que passassem a gostar de ler poesia, e não somente de ler textos

funcionais, de leitura mais rápida e informativa, uma vez que nossos jovens, hoje,

estão acostumados a buscar informações na internet, a ler somente o que interessa

a eles naquele momento, a buscar resumos de livros para o vestibular, além dos

textos do Orkut, MSN, que apresentam uma linguagem mais simples e direta.

A literatura quase não faz parte da vida da maioria dos nossos jovens, por ter

uma linguagem carregada de significados, de imagens, que exige mais de nossos

alunos, como a concentração e o raciocínio, que para eles é difícil, pois muitas

vezes o ato de pensar ou de debruçar-se sobre o texto e deixar se envolver por ele

não faz parte de seu cotidiano. Observando as palavras de Cosson (2006, p.120).”A

formação do leitor cuja competência ultrapasse a mera decodificação dos textos, de

um leitor que se aproprie de forma autônoma das obras e do próprio processo da

leitura, de um leitor literário, enfim.”

Vale salientar que a escola, muitas vezes, deixa de lado o trabalho com a obra

poética, porque encontra essa dificuldade em sala de aula e isso faz com que muitos

professores priorizem o estudo da língua, da gramática em detrimento da literatura,

como afirma Kirinus:

O repasse da teoria da língua, ou “gramatiquês”, é o espaço onde o professor sente-se talvez mais seguro, por se apoiar em modelos externos mais rígidos, que podem ser decorados e repassados aos alunos sem necessidade de compreender, e muito menos de sentir, e sem o perigo de ter de se expor ao risco da própria expressão e ao exercício da imaginação. (KIRINUS, 1998, p.86)

Percebemos em nosso dia a dia escolar que, principalmente, os professores

de Língua Portuguesa que estão iniciando não se sentem seguros para trabalhar

textos que exigem um enfoque maior, um conhecimento mais abrangente, uma

competência literária dele como leitor. Então se apoiam em textos claros,

referenciais, instrumentais, denotativos, deixando de lado os textos poéticos. Não

queremos insinuar com isso que as escolas não estão ensinando literatura, ou não

estão propiciando a leitura de obras poéticas, mas há muitos casos em que as aulas

de Língua Portuguesa se resumem em leituras apenas dos textos do livro didático e

resolução de exercícios estruturais.

Na verdade, o contato com a linguagem literária deveria começar efetivamente

nas primeiras séries do Ensino Fundamental, uma vez que nesse período a fantasia

e a imaginação estão mais presentes na vida da criança. É o momento do

encantamento e o professor deveria aproveitar para levá-la ao letramento literário,

proporcionar em suas aulas o contato dos alunos com o texto literário, com a leitura

e a interação com o texto, com a musicalidade da poesia. Seguindo as palavras de

Glória Kirinus:

O professor re-encantamento, aquele que irá facilitar a re-união entre criança e poesia, saberá, de maneira intuitiva ou de maneira re-adquirida, prestar atenção também à função poética da linguagem. Função há tanto temo relegada pelo professor do desencanto. (KIRINUS, 1998, p. 93)

No entanto, parece que essa função não está sendo priorizada pelos

professores das séries iniciais, visto que grande parte de nossos alunos que chegam

à 5ª série estão sem a apropriação efetiva da leitura própria dessa série, muitos até

com dificuldade na decodificação da palavra. E essa dificuldade, por vezes, se

estende, se o professor das séries seguintes não estiver preparado para recuperar

essa lacuna, agravando ainda mais essa inserção ao letramento literário, as turmas

das 5ª séries, geralmente, são numerosas. Tudo isso prejudica a formação do aluno-

leitor, principalmente do texto literário que implica uma interatividade bem maior, um

contato mais estreito entre professor e aluno. Como diz Alice Penteado:

Como realizar o trabalho com o objeto de natureza extremamente livre, no caso, a literatura, em uma instituição marcada por normas e exigências que, por mais democrática que se propõe a ser, não consegue se desvencilhar de questões de caráter burocrático e suas ligações com a ordem estabelecida? (PENTEADO, 2005, p.2)

Essa é uma questão que precisa ser enfrentada pelo professor. Ele precisa

encontrar maneiras de planejar suas atividades pedagógicas que envolvam o texto

literário de modo efetivo, permitindo a participação ativa do aluno no processo da

leitura. Se não proporcionarmos o acesso à literatura na escola estamos negando ao

indivíduo o conhecimento de uma das formas de arte imprescindíveis ao ser humano

para sua formação intelectual e social. Isso pode ser exemplificado pelas palavras

de Antonio Candido (1995, p.3) que diz que a fruição da arte e, consequentemente,

da literatura, como bem incompreensível, é um direito que não pode ser negado a

ninguém, sob pena de “desorganização pessoal ou pelo menos de frustração

mutiladora”.

2.2 O professor e a formação do leitor

Como explicar essa não apropriação da leitura pela maioria de nossos jovens

ao término do ensino médio?

Cereja (2005) afirma que depois de anos de estudo de literatura, os jovens

brasileiros deixam o ensino médio sem terem desenvolvido suficientemente certas

habilidades básicas de análise e interpretação de textos literários, tais como

levantamento de hipóteses interpretativas; rastreamento de pistas ou marcas

textuais, reconhecimento de recursos estilísticos, entre outros elementos

importantes que subjazem ao entendimento do texto. Como explicar, então, essa

não competência dos nossos jovens em relação à leitura? O mesmo autor diz que

para compreendermos esse fracasso, devemos observar como tem sido as práticas

escolares de ensino de literatura nas ultimas décadas. Para isso ele realizou uma

pesquisa com alunos e professores das redes pública e particular de ensino e o

resultado dessa pesquisa o levou a apresentar a professores de literatura uma

proposta de ensino de literatura para estudantes do ensino médio. Entre as causas

apontadas por Cereja está o material didático,

[...] se por um lado, esses manuais facilitam as atividades pedagógicas e didáticas desse professor sobrecarregado e malpreparado, conforme observa o documento da Câmara Brasileira do Livro, por outro lado subtraem-lhe a identidade e a autonomia no processo de ensino-aprendizagem. [...] (CEREJA, 2005,p.59)

Esse professor não extrapola o livro didático, que deveria ser apenas um

suporte, torna-se o único, e o professor deveria ir além, trazer para a sala de aula

diferentes textos que proporcionem uma discussão mais ampla, mas não o fazem,

principalmente aquele professor inexperiente, como também aquele com uma carga

horária grande. Embora, pode-se observar uma melhora na qualidade dos livros

didáticos, desde que começaram a ser avaliados pelo PNLD (Plano Nacional do

Livro Didático) por iniciativa o MEC. Essa avaliação é feita por um grupo de

pesquisadores vinculados a universidades. Mas, ainda em relação ao trabalho com o

texto literário, continuam deixando muito a desejar. Também o vestibular contribui

para esse fracasso, embora esse exame tenha mudado bastante, conforme enfatiza

o autor, mas dada a sua importância, ele ainda influencia na seleção de conteúdos e

na metodologia adotada pelos professores que, muitas vezes, precisam seguir a lista

de obras, e os alunos acabam lendo por obrigação e não por prazer.

Cereja (2005) também afirma que , embora haja um conjunto de documentos,

publicados a partir da lei 9.394/96 que inclui os pareceres, as Diretrizes Curriculares

Nacionais para o Ensino Médio, os Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino

Médio e os Parâmetros Curriculares Nacionais + Ensino Médio, os quais enfatizam o

conhecimento significativo para o aluno, estimulando uma abordagem intertextual e

dialógica da literatura, falta aos documentos, na área específica de Língua

Portuguesa, fomentar o debate sobre a reforma na disciplina e um maior

desenvolvimento das propostas ou maior clareza sobre conteúdos e metodologia a

serem adotados. Salientando também que é reduzidíssimo o número de professores

que conhecem a existência dos PCN+, mesmo já decorridos vários anos de sua

divulgação no site do MEC. (CEREJA, 2005)

Isso reflete nas aulas de Língua Portuguesa, pois o professor fica preso ao

livro didático com seus conteúdos e a metodologia adotados por esse manual, sem

questioná-lo, sem buscar outras práticas de ensino condizentes com seus alunos,

não ampliando o universo da leitura, não inserindo esse aluno no mundo da

literatura, pois se o professor não o fizer, o jovem, dificilmente, vai adquirir o hábito

da leitura, principalmente, do texto literário. Como já citamos, o jovem, hoje, tem

outras prioridades, que não a leitura. Lembrando as palavras de Bartolomeu

Campos de Queirós:

Como seria bom viver em um país de leitores literários. Pode ser apenas um sonho, mas estaríamos em um lugar em que a tolerância seria melhor exercida. Praticar a tolerância é abrigar, com respeito, as divergências; atitude só viável quando estamos em liberdade. (Carta do Bartolomeu, 2010, p.1)

Vivemos em um mundo tão conturbado, com tantas coisas que nos afligem e

o jovem é a principal vítima desse cenário em que há muitas coisas negativas que o

cercam. A arte, em especial a literatura, pode ser o caminho para que esse jovem se

torne mais humano, sensível, livre de preconceitos, abrindo-lhe outros caminhos e

possibilitando-lhe entender melhor as pessoas e o mundo em que vive.

2.3 MUDANÇAS DE PRÁTICAS: uma nova abordagem metodológica

Para transformar o nosso aluno em leitor competente, mudamos nossa prática

de ensino da literatura em sala de aula. Para isso seguimos os passos do letramento

literário de Rildo Cosson. Nesse contexto, o professor precisa direcionar e

acompanhar as obras que vão ser lidas, dependendo da apreciação de seus alunos.

Elas não podem ser reduzidas apenas ao sistema canônico, é preciso contemplar as

várias manifestações literárias, como afirma Cosson (2006, p.47)

[...] trata-se, pois, de um polissistema, que compreende as várias manifestações literárias. Esses sistemas, em conjunto com o sistema canônico, precisam ser contemplados na escola, assim como as ligações que mantêm com outras artes e saberes. É essa visão mais ampla da literatura que deve guiar o professor na seleção das obras. [...]

Além disso, leitura literária precisa ser significativa tanto para o aluno quanto

para o professor, que proporcione a eles uma reflexão sobre o mundo e sobre a sua

capacidade de ver o mundo e a si próprio.

Nesse sentido a literatura é uma linguagem que compreende três tipos de

aprendizagem: a aprendizagem da literatura, que consiste fundamentalmente em

experienciar o mundo por meio da palavra; a aprendizagem sobre a literatura, que

envolve conhecimentos de história, teoria e critica; e aprendizagem por meio da

literatura, nesse caso os saberes e as habilidades que a prática da literatura

proporciona aos seus usuários. As aulas de literatura tradicionais,como já vimos,

oscilam entre essas duas últimas aprendizagens e, praticamente, ignoram a primeira

que deveria ser o ponto central das atividades envolvendo literatura na escola.

(COSSON, 2006, p.47)

Essa citação de Cosson reafirma o que já foi registrado sobre as práticas do

professor em suas aulas de literatura, ou seja, ele deixa de lado o objeto da

literatura, que é o texto, deixando de propiciar ao aluno o contato com a palavra

metafórica do texto literário, com a sua profusão de imagens, com o seu dizer do

mundo e se preocupa em abordar aspectos relacionados aos movimentos históricos,

a teoria literária.

Lembrando que o professor precisa convencer o seu aluno, passar um

encantamento pela literatura, do contrário ele não motivará esse jovem da

importância da leitura literária. Além disso, ele precisa ser leitor, porque um

professor que não lê dificilmente convencerá o seu aluno a se tornar leitor.

Rildo Cosson propõe duas sequências exemplares: uma básica e outra

expandida para sistematizar as atividades de literatura em sala de aula. Essas

sequências procuram sistematizar a abordagem do material literário em sala de aula

integrando, fundamentalmente, três perspectivas metodológicas. A primeira,

chamada por Cosson de aprender a fazer fazendo:

A primeira [...] é a técnica bem conhecida da oficina. Sob a máxima do aprender a fazer fazendo, ela consiste em levar o aluno a construir pela prática o seu conhecimento [...] uma alternância leitura é preciso fazer corresponder uma atividade de escrita. Também é a base onde se projetam as atividades lúdicas ou associadas á criatividade verbal que unem as sequências. (2006, p.48)

Essa abordagem mostra que o professor atua como mediador do processo

de leitura, conduzindo a atividade com entusiasmo, propondo estratégias de leitura e

escrita, levando o aluno a buscar pistas no texto e o registro é uma maneira de fazer

com que o aluno use sua criatividade.

A segunda perspectiva, chamada por Cosson de técnica do andaime:

[...] trata-se de dividir com o aluno ou transferir para ele a edificação do conhecimento. Ao professor, cabe atuar como um andaime, sustentando as atividades a serem desenvolvidas pelos alunos [...] o andaime está ligado às atividades de reconstrução do saber literário, que envolvem pesquisa e desenvolvimento de projetos por parte dos alunos. (2006,p.48)

O professor vai interagindo com os alunos durante o processo de leitura e na

produção de sentidos do texto como também a busca por conhecimento a cerca do

texto lido, como contexto de produção, a historicidade, os diálogos com os textos.

A terceira perspectiva é a do portfólio, em que Cosson (2006) diz que o uso do

portfólio oferece ao aluno e ao professor a possibilidade de registrar as diversas

atividades realizadas em um curso, ao mesmo tempo em que permite a visualização

do crescimento alcançado pela comparação dos resultados iniciais com os últimos,

quer seja do aluno, quer seja da turma.

Em seguida, Cosson (2006) apresenta o funcionamento dessas sequências

(a básica e expandida) passo a passo, lembrando que cabe ao professor determinar

o que pode ser efetivamente usado em sua turma e em sua escola, desde que

cumpra os princípios teóricos e metodológicos da proposta do letramento. Ele coloca

a sequência básica direcionada ao Ensino Fundamental e a expandida destinada ao

Ensino Médio.

Para a sequência básica do letramento literário, Cosson propõe quatro

passos: motivação, introdução, leitura e interpretação. A motivação (p.51) consiste

em preparar o espaço com atividades que abram o caminho para receber o texto

que vai ser lido, chamada pelo autor de “rito de passagem”. Essa preparação é

importante para que o aluno se posicione diante da temática da obra que vai ser lida

posteriormente. “Ao denominar motivação a esse primeiro passo da sequência

básica do letramento literário, indicamos que o seu núcleo consiste exatamente em

preparar o aluno para entrar no texto. O sucesso inicial do encontro do leitor com a

obra depende de boa motivação.” (2006, p.54). Essa motivação pode ser um diálogo

com os alunos referente ao tema do texto que vai ser lido depois, pode ser a leitura

de outro texto com a mesma temática, mas de outro gênero textual, um texto lúdico,

enfim cabe ao professor usar de sua criatividade.

Após a motivação, vem a introdução, que é a apresentação do autor e da

obra, ou do texto, no caso da poesia. Neste momento, o professor deve ter alguns

cuidados em relação à apresentação da obra, como não se estender muito na

apresentação do autor, também evitar de fazer uma síntese da obra porque elimina

o prazer da descoberta, em alguns casos isso pode ser feito para despertar a

curiosidade do aluno, mas não contando a obra inteira.Como observa Cosson “é

preciso que o professor tenha sempre em mente que a introdução não pode se

estender muito, uma vez que sua função é apenas permitir que o aluno receba a

obra de maneira positiva [...]” ( 2006,p.61)

Em seguida vem o momento da leitura. Aqui o autor (p.62) coloca que:

[..] a leitura escolar precisa de acompanhamento porque tem uma direção, um objetivo a cumprir e esse objetivo não deve ser perdido de vista. Não se pode confundir, contudo, acompanhamento com policiamento. O professor não deve vigiar o aluno para ver se ele está lendo , mas sim acompanhar o processo de leitura para auxiliá-lo em suas dificuldades, inclusive aquelas relativas ao ritmo da leitura.[...] (2006)

O professor, no caso de leituras longas, livros inteiros, ele pode proporcionar

os intervalos, que são momentos pré-determinados por ele junto com os alunos para

conversarem sobre a obra, sobre o que já foi lido, sanar as possíveis dúvidas.

Para finalizar a sequência básica vem a interpretação “[...] que parte do

entretecimento dos enunciados, que constituem as inferências, para chegar à

construção do sentido do texto, dentro de um diálogo que envolve autor, leitor e

comunidade [...].”( 2006,p.64) Cosson propõe “[...] dois momentos para a

interpretação, dada a sua complexidade: um interior e outro exterior. O momento

interior é aquele que acompanha a decifração, palavra por palavra, página por

página, capítulo por capítulo, e tem seu ápice na apreensão global da obra que

realizamos logo após terminar a leitura. É o que gostamos de chamar de encontro

do leitor com a obra [...].” (2006) Cosson também coloca que para essa construção

de sentidos vários fatores vão contribuir de forma favorável ou desfavorável, como a

história do leitor aluno, as relações familiares e tudo mais que constitui o contexto da

leitura.

Já o momento externo “é a concretização, a materialização da interpretação

como ato de construção de sentido em uma determinada comunidade. É aqui que o

letramento literário feito na escola se distingue com clareza da leitura literária que

fazemos independentemente dela.” (p.65). Essa interpretação precisa ser

compartilhada para se ampliar os sentidos construídos individualmente e com isso

os leitores tonam-se conscientes de que são membros de uma coletividade e que

esse coletivo fortalece e amplia seus horizontes de leitura. Cosson (2006) também

chama a atenção que esse trabalho requer do professor uma condução organizada,

mas sem imposição, ou seja, não cabe supor que exista uma única interpretação ou

que toda interpretação vale a pena. Se for preciso colocar limites, sempre buscados

na coerência da leitura. Lembrando que a interpretação é o que o texto nos autoriza

a dizer dele.

Após a interpretação, ele sugere que o professor aproveite para que os alunos

externalizem essa leitura, através do seu registro. Esse registro vai variar de acordo

com o tipo de texto, com a idade do aluno e a série escolar, entre outros aspectos

relevantes. Esse registro pode se uma resenha, uma música, um varal de poesia,

desenho, dramatização, júri simulado, feiras culturais ou feiras do livro, entre outras

formas de apresentação.

Na sequência expandida, (p.75) seguem-se os mesmos passos, com a

motivação, ou seja, uma atividade de preparação, ligada ao universo do livro a ser

lido ou do poema; depois vem a introdução, como já foi colocado, é apresentação da

obra “[...] qualquer que seja a introdução desenhada pelo professor, não é adequado

que ela ultrapasse o limite de uma aula e convém que seja logo seguida das

negociações de prazos de leitura extraclasse.”(COSSON, 2006,p.81). No caso do

poema, a leitura será durante a aula.

Depois segue-se com a leitura, como já foi colocado, o professor pode

estabelecer os intervalos que buscam dialogar com a obra em diferentes

enfoques.Nesses intervalos o professor pode trazer música que aborde o mesmo

tema da obra, contos, leitura de imagens. Como afirma Cosson (p.83) “[...] é preciso

compreender que o literário dialoga com os outros textos e é esse diálogo que tece a

nossa cultura. Por essa razão, é papel da escola ampliar essas relações e não

constrangê-las [...].”

Aqui difere um pouco da sequência básica, pois o teórico coloca como

primeira interpretação, ou seja, ela destina-se a uma apreensão global da obra e tem

como objetivo levar o aluno a traduzir a impressão geral do título, o impacto que ele

teve sobre sua sensibilidade de leitor. O professor precisa dispor um tempo para que

seus alunos falem sobre suas impressões, e também registrem. Assim “a primeira

interpretação deve ser vista, por alunos e professor, como o momento de resposta à

obra, o momento em que, tendo sido concluída a leitura física, o leitor sente a

necessidade de dizer algo a respeito do que leu, de expressar o que sentiu em

relação às personagens e àquele mundo feito de papel.” (p.84, 2006)

Agora é a vez da contextualização (p.85, 2006) “a contextualização como o

movimento de ler a obra dentro do seu contexto, ou melhor, que o contexto da obra

é aquilo que ele traz consigo, que a torna intelegível para mim enquanto leitor.”

(COSSON, p.86, 2006). É preciso que o aluno reconheça o contexto de produção da

obra ou do texto, seu aspecto histórico, a ideologia, entre outros aspectos presentes

numa obra literária, é o aprofundamento da leitura. Cosson apresenta sete

contextualizações: teórica, histórica, estilística, poética, crítica, presentificadora e

temática (2006).

Na contextualização teórica ele coloca as ideias que sustentam ou estão

encenadas na obra, como o determinismo biológico, no caso das obras do

Naturalismo; a contextualização histórica abre a obra para a época que ela encena

ou o período de publicação, está ligada à sociedade que gerou o texto, também essa

contextualização pode desdobrar-se em outras, como a biográfica, ligada à vida do

autor, à editorial que abordará as condições de publicação da obra na época e o

estudo do cotidiano das pessoas naquele período; já a contextualização estilística

está ligada aos estilos de época ou períodos literários, mas o professor precisa

atentar que nenhuma obra se identifica inteiramente com o período, a

contextualização estilística deverá buscar analisar o diálogo entre a obra e o

período, mostrando como uma alimenta o outro.

Em seguida, temos a contextualização poética que responde pela

estruturação ou composição da obra, observando a economia da obra, como ela

está estruturada, quais os princípios de sua organização. Na contextualização

crítica, Cosson assegura que a análise de outras leituras tem por objetivo contribuir

para a ampliação do horizonte de leitura da turma e que para além da crítica

acadêmica uma fonte interessante para essa contextualização pode ser encontrada

nos textos escritos especialmente para os alunos, os manuais didáticos que trazem

informações sobre aquele livro específico ou roteiros de leitura. A contextualização

presentificadora é a correspondência da obra com o presente da leitura, chamando a

atenção do aluno sobre o tema e a relação dele com o presente. Por última a

contextualização temática, abordada aqui por Cosson (p.90) como parte do processo

de letramento literário e que precisa fugir das soluções fáceis e buscar mais rigor na

sua execução, é preciso não fugir da obra em favor do tema, isto é, muitas vezes o

estudo daquele tema é tão interessante que a obra fica para trás e o que deveria ser

um estudo literário passa a ser um estudo deste ou daquele assunto. Cosson (2006)

alerta que a contextualização não se resume a essas sete propostas, mas que elas

podem ser ampliadas, divididas e reconfiguradas de acordo com o trabalho a ser

realizado.

O autor também propõe a segunda interpretação que tem por objetivo a leitura

aprofundada de um dos aspectos da obra. Ela pode estar centrada sobre uma

personagem, um tema, um traço estilístico, uma correspondência com questões

contemporâneas, questões históricas, outra leitura, e assim por diante, conforme a

contextualização realizada. (2006). É uma atividade importante porque pode unir a

contextualização e a segunda interpretação que podem ser realizadas juntas, por um

grupo de alunos, através de projetos ou outros caminhos que o professor achar

interessante. No caso da poesia, pode se buscar um outro viés, transformar a poesia

em prosa, numa música ou em outros gêneros textuais.

Depois da segunda interpretação, que é o encerramento do trabalho de leitura

centrada na obra, o autor sugere a expansão (p.94) que é o momento de investir nas

relações textuais, é a ultrapassagem do limite do texto para outros textos, a

extrapolação, visto como intertextualidade no campo literário, destacando as

possibilidades de diálogo que toda obra articula com os textos que a precederam ou

que lhes são contemporâneos ou posteriores.

A expansão é a comparação, colocando as duas obras ou mais de uma em

confronto, a partir de seus pontos de ligação. Essa relação pode ser feita com outra

obra, com um filme, com uma música ou uma minissérie televisiva, entre outros. É

importante que o resultado seja também registrado pelos alunos, que pode ser uma

feira literária, apresentada para toda a escola. Como o escritor coloca “pode ser a

melhor atividade a ser desenvolvida.” Ele também lembra que a expansão pode ser

utilizada ainda para reiniciar a sequência expandida ou a básica, funcionando como

motivação.

2.4 O diálogo entre o texto literário e as outras artes

A literatura é arte e com tal exige de seus leitores uma atenção maior, assim

como as outras artes como a pintura, a escultura, a música, pois toda arte se liga ao

nosso emocional, ao nosso eu e por isso ela admite o sugestivo a imagem

carregada de sentidos, a ambiguidade. Proença Filho diz (2007, p.7):

A fala comum se caracteriza pela transparência. O mesmo não acontece com o discurso literário. Este se encontra a serviço da criação artística. O texto da literatura é um objeto de linguagem ao qual se associa uma representação de realidades físicas, sociais e emocionais mediatizadas

pelas palavras da língua na configuração de um objeto estético.

Atualmente, as formas de arte se misturam. Há quadros, esculturas, poemas

para se apalpar, cheirar, fazendo uso do tato e do olfato, também da experiência

artística. A poesia tem explorado recursos visuais das artes plásticas, assim como o

ritmo e o som da música. As novas tecnologias, como o cinema, o vídeo, a internet

vêm proporcionando um novo campo para a poesia e para as outras artes a partir da

interação entre as diferentes formas de arte. O texto literário, que é o nosso objeto

de estudo, estabelece uma relação de intertextualidade, ou seja, dialoga com a

música, com as artes plásticas, com os textos midiáticos, com o cinema. Essa

intertextualidade se dá, principalmente, através da paráfrase e da paródia. Barthes

defende que (apud FIORIN, 2006, p. 13) “[...] todo texto é um intertexto; outros

textos estão presentes neles, em níveis mais ou menos reconhecíveis [...] a

intertextualidade é a maneira real de construção do texto”.

Diante desse enfoque, para tornar nosso aluno leitor é preciso abarcar todas

essas possibilidades de leitura, levando-o ao letramento dos diferentes gêneros

textuais para que efetivamente ele possa estabelecer e reconhecer essa relação

dialógica entre os textos.

A literatura, hoje, também entra na era do hipertexto, os personagens literários

se tornaram flexíveis graças a uma literatura inventiva, capaz de alterar os destinos

dos personagens, tornando-os móveis, através da nossa criação e fantasia. Umberto

Eco (2003, p. 18, 21) defende “Graças ao hipertexto nasceu também a prática de

uma escritura inventiva livre. Na internet encontram-se programas com os quais se

pode escrever histórias coletivamente, participando de narrativas cujo andamento

pode ser modificado ao infinito [...] A narrativa hipertextual pode nos educar para a

liberdade e para a criatividade [...]”.

A literatura é um caminho fantástico que precisa ser percorrido por nossos

jovens, basta, apenas, que penetrem no reino das palavras, como disse Drummond.

2.5 Ações desenvolvidas

Foi selecionada, previamente, uma antologia de textos poéticos, organizados

por eixos temáticos (amor, erotismo e morte, vida), ligados a diferentes períodos

literários e de vários autores, bem como outros textos, como narrativas em prosa,

romances, contos, crônicas, que estavam de acordo com a turma, 2ª série do Ensino

Médio, do Colégio Estadual Professora Izabel Fonseca Siqueira.

Em seguida, outros gêneros discursivos para a relação de intertextualidade,

como músicas, textos midiáticos, vídeos, pinturas, entre outros, esses materiais

foram impressos e também em áudio e vídeo. Essa coletânea de textos faz parte do

caderno pedagógico, utilizado durante o processo de implementação na escola, e

também está disponibilizado a outros professores da área. Esses gêneros textuais

foram a base para o trabalho do letramento literário, proposto por Cosson, cuja

sequência didática utilizada, em sala de aula, foi a expandida.

Dividimos em três unidades didáticas, cada uma com um tema. E cada

unidade foi dividida em oficinas com os passos determinados por Cosson.

Iniciamos a Unidade 1 com a temática do AMOR, seguindo os passos de

Cosson:

Oficina 1

Motivação: fizemos um diálogo rápido sobre o texto poético, se costumavam

ler poesias, se gostavam, entre outros aspectos relevantes;

Em seguida assistiram a um vídeo em que Paulo Autran declama o poema

AMAR, de Carlos Drummond de Andrade.

Após esse vídeo, ouviram a música O que eu também não entendo, de Jota

Quest.

Após esse momento de motivação, apresentamos o texto aos alunos:

“Cantiga de amor”, de D. Dinis, poesia medieval. Fizemos a leitura,

observando a empostação de voz, a pontuação.

Depois da leitura veio a primeira interpretação, pedi que escrevessem o

sentido geral do texto, o que entenderam, a interação leitor-texto. Não houve

dificuldade nessa atividade. Leram para a classe e o professor avaliou,

complementando o assunto.

Então veio o momento do intervalo em que ouviram a música Queixa de

Caetano Veloso, com características da poesia medieval. Perceberam

facilmente a ligação da música com o estilo medieval.

É interessante ressaltar que esse tipo de música não faz parte do repertório

musical deles, mas foi um momento de quebrar o preconceito e reconhecer que

precisam ampliar o seu gosto musical e valorizar outros estilos de música.

Após a primeira interpretação, chegou o momento da contextualização do

texto, utilizamos a sugestão de Cosson (teórica, histórica, poética, estilística,

crítica, presentificadora e temática). Os alunos puderam ler o poema dentro

de contexto em que foi escrito, no momento histórico medieval, o estilo da

poesia desse período, suas características temáticas, a posição do homem

medieval, como também trazê-la para o momento presente e observar a suas

particularidades atuais. Após essa análise, veio o momento do intervalo, com

a música Atrás da porta, de Chico Buarque, em que o eu lírico é uma voz

feminina, lembrando as cantigas de amigo da poesia medieval.

O momento da contextualização é muito importante para que o aluno

realmente atribua sentidos ao texto, e a intervenção do professor é essencial,

porque percebemos que nosso aluno sente dificuldade em buscar informações,

então aqui foi preciso rever com eles o período medieval e auxiliá-los a inserir o

texto nesse período para que pudessem compreendê-lo.

A Oficina 2 seguiu ainda a mesma temática do AMOR, seguindo os passos

propostos pelo autor:

Leitura do poema de Camões “Amor é um fogo que arde sem se ver”

Fizeram a primeira interpretação, ou seja, o sentido global do texto e

partilharam com os colegas as suas posições, com o fechamento do

professor, avaliando.

Em seguida ouviram a música Monte castelo, de Renato Russo, em que ele

cita o poema de Camões e também um trecho retirado da Bíblia, Coríntios

13.

Depois realizaram a contextualização, observando o momento em que a

poesia clássica está inserida, o autor e suas características, também com a

ajuda do professor.

No momento do intervalo, fizeram a leitura do episódio da Morte de Inês de

Castro, no canto 3, do poema épico Os Lusíadas, de Camões. Abordamos

aqui a poesia lírica e épica. Houve um grande interesse pela personagem

Inês, por sua história. Também ouviram a música Pela luz dos olhos teus, de

Vinicius de Moraes.

Após a contextualização, fizemos a segunda interpretação, com o objetivo de

uma leitura mais aprofundada da temática do amor, se ele é visto hoje da

mesma maneira como foi colocado por Camões, também vimos a questão da

mulher, se hoje ela é tratada como na poesia medieval. Houve uma boa

discussão por parte dos alunos.

Também exploramos um outro viés, formamos três grupos e cada grupo ficou

encarregado de transformar o poema lido em outro gênero textual: uma

música, outro poema com o mesmo tema e um conto. O resultado foi muito

bom. O trabalho foi compartilhado com a classe, fizeram a leitura na aula

seguinte.

Novamente fizemos o momento do intervalo, ouviram a música Amor maior,

de Jota Quest.

Oficina 3

Momento da expansão, sugerida por Cosson (2006) que é a ultrapassagem

do limite do texto para outros textos, a extrapolação, visto como

intertextualidade no campo literário. Como expansão, proporcionamos a

leitura de uma das mais famosas histórias de Canterbury: o conto da

comadre de Bath (a dama repugnante), em que o autor comenta, do ponto de

vista feminino, o relacionamento entre homens e mulheres da Idade Média.

Além dessa leitura, fizeram outras leituras com a mesma temática: As sem-

razões do amor, de Carlos D. de Andrade; O amor, de Fernando Pessoa;

Soneto de amor total, de Vinicius de Moraes e ouviram o poema Soneto de

Fidelidade, declamado pelo próprio Vinicius, acompanhado do Tom Jobim.

Um aspecto a ser lembrado que todas as leituras foram feitas durante as

aulas. No caso do conto, a proposta era que lessem em casa, mas não

aconteceu. Percebemos que a maioria dos alunos não realiza tarefa de casa.

Iniciamos, então, a Unidade 2, com a temática do EROTISMO e MORTE.

Oficina 1:

Motivação: ouviram a música Love in the afternoon,de Renato Russo, cuja

letra fala de amor e morte. Em seguida, apresentamos o poema erótico

Música, de Ovídio, poeta romano da antiguidade.

Realizaram a leitura e fizeram a primeira interpretação.

Na contextualização, obsevaram o momento em que foi escrito, o estilo, a

linguagem, a temática, fazendo um paralelo com o momento atual.

Pesquisaram também a biografia do autor.

Como intervalo, ouviram a música Rapte-me, Camaleoa, de Caetano Veloso,

que tem uma temática semelhante.

Oficina 2

Audição do poema Se eu morresse amanhã, de Álvares de Azevedo,

declamado por Paulo Autran. Em seguida fizeram a leitura dos poemas;

Lembrança de morrer e O poeta moribundo, também de Álvares de Azevedo,

ambos com a temática da morte. Como contextualização, abordamos o

Ultrarromantismo, o mal do século dos poetas românticos, a morte como

solução para o tédio da vida; a boemia; a doença; a morte prematura.

Também exploramos a linguagem carregada de figuras, como as metáforas.

Oficina 3

Analisamos o erotismo sutil na poesia de Álvares de Azevedo comparando

com o poema de Ovídio. Leitura do poema Seio de virgem, Álvares de

Azevedo. Os sonhos de um poeta adolescente com sua virgem idealizada; a

presença da mulher idealizada do período romântico.

Ouros poemas lidos: Quando, à noite, no leito perfumado; Minha amante, de

Álvares de Azevedo.

O interesse pela temática do erotismo e morte foi maior. É um assunto que

prende a atenção deles, principalmente pelo poeta Álvares de Azevedo.

Intervalo: analisamos a pintura A liberdade guiando o povo, de Delacroix, que

faz parte do período romântico, observaram as características do período,

como o idealismo. Também falamos sobre o poeta inglês Lord Byron que

influenciou Álvares de Azevedo, com a temática da morte.

Ainda na Oficina 3, trabalhamos com a poesia carregada de metáforas,

metonímias que revelam os sentidos do texto, através de uma linguagem

probabilística, o olhar do leitor vai desvendando os seus sentidos, carregados

de erotismo, como o poema Serenata, de Carlos Drummond de Andrade, lido

e analisado.

Foi necessário rever com eles as figuras de linguagem.

Oficina 4

Momento do intervalo: ouviram a música Amor e sexo, de Rita Lee.

Como segunda interpretação, fizemos a leitura de dois contos do livro Noite

na Taverna, de Álvares de Azevedo: Claudius Herman e O Último beijo de

amor. Exploramos a linguagem carregada de figuras, a temática da morte e

do erotismo.

A intenção era de que lessem em casa, mas não aconteceu. Então lemos em

sala. Houve muita dificuldade na compreensão dos textos, pois há intertextualidade,

o narrador dialoga com outros autores, como Vitor Hugo, Goethe, Musset, Lord

Byron, entre outros, e eles não têm essa leitura, o entendimento do texto ficou

comprometido. Daí a importância da intervenção do professor.

Como expansão, os alunos fizeram a leitura de outros poetas, como Florbela

Espanca, Manuel Bandeira, Martha Medeiros, com temas eróticos.

Percebemos que esse tema agradou a todos. O gosto por temas

melancólicos, mórbidos é comum entre os adolescentes.

Na Unidade 3, exploramos a temática da VIDA.

Como motivação, assistiram ao vídeo com a declamação do poema O

guardador de rebanhos, de Fernando Pessoa.

Em seguida, fizeram a leitura. Falamos sobre os heterônimos de Fernando

Pessoa, como Alberto Caeiro e as características de sua poesia. Depois

disso, registraram o sentido global do texto.

Na contextualização teórica, histórica, estilística, poética, crítica,

presentificadora e temática, eles observaram as ideias que estão encenadas

no poema, a época em que o poema foi escrito, os acontecimentos daquele

momento, o estilo do autor, a linguagem, a estruturação do texto, as figuras

de linguagem, a relação do tema como momento presente, e como o tema foi

abordado pelo autor, entre outros aspectos relevantes.

Como intervalo, ouviram a música Tocando em frente, de Almir Sater, cuja

temática é a vida.

Oficina 2

Leitura de dois textos, um de Álvaro de Campos e outro de Ricardo Reis,

também heterônimos de Fernando Pessoa. Relacionaram a temática de cada

texto com a biografia dos autores, inferiram os sentidos de cada um,

observando como o eu lírico se posicionou em relação ao mundo em cada

poema. É importante salientar que os alunos conseguiram identificar bem a

posição do sujeito na obra, a subjetividade e o assunto abordado por eles.

Oficina 3

Abordamos outros poemas reflexivos sobre a vida, como Seiscentos e

sessenta e seis e Evolução, de Mário Quintana. Os alunos fizeram a leitura e

a interpretação.

Oficina 4

Momento do intervalo: música Quando o sol bater na janela do meu quarto,

do grupo Legião Urbana.

Após a música, eles realizaram a segunda interpretação, em que cada um

produziu um poema falando sobre si mesmo, sobre o que pensa do mundo.

E o resultado foi muito bom.

Oficina 5

Expansão: leitura de outros poemas de Carlos Drummond de Andrade e de

Mário Quintana: Se eu fosse um padre, Simultaneidade e Um dia.

Um aspecto relevante observado durante as oficinas é que nosso aluno ainda

sente muita dificuldade em ler sozinho, principalmente os textos em que há a relação

de intertextualidade, devido à falta de leituras anteriores, de não estabelecer as

relações dialógicas entre um texto e outro. Essa falta de conhecimento prévio limita

nosso aluno e ele não consegue ter uma boa compreensão da obra. Por isso, tão

importante é a escolarização da literatura, como disse Cosson (2006). Ela precisa

ser ensinada, valorizada desde as séries iniciais.

No entanto, quando o professor propicia a leitura, demonstrando ao aluno o

valor da obra literária, desvelando a sua complexidade, tornando-a acessível ao

aluno, ele passa a gostar de ler. Isso foi percebido durante a implementação do

projeto, houve um crescimento visível nos alunos em relação ao processo da leitura,

entre uma oficina e outra.

Outro aspecto positivo é a escolha da música, pois ela é uma grande aliada no

trabalho com o texto literário.

Depois que fechamos as Unidades, escolhemos alguns dos poemas

trabalhados e também outros não vistos nas unidades, mas que abordavam as

mesmas temáticas para que apreendessem e ensaiassem a declamação. Assim

como algumas músicas foram escolhidas, não só aquelas ouvidas durante as

oficinas, mas também outras cujas letras fossem poesias. Então, durante alguns

dias, eles ensaiaram e a apresentação foi o Sarau literário, realizado na escola e

visto por toda a comunidade escolar. O resultado desse trabalho foi muito bom. Eles

demonstraram interesse, motivação pelo texto literário, como pelas músicas. Muitos,

mesmo sem ter nunca cantado, quiseram cantar e fizeram bonito. Tivemos o

privilégio de ter nessa turma dois meninos que são músicos e isso ajudou a todos.

3. CONCLUSÃO

Neste artigo, expusemos o resultado do nosso trabalho com o texto literário,

nas aulas de literatura, embasado na proposta do letramento literário de Rildo

Cosson. Foi uma experiência positiva, uma vez que essa abordagem propiciou aos

alunos a apreensão efetiva do texto poético, pois a cada etapa realizada nesse

trabalho, percebemos o crescimento literário desses alunos, em relação à percepção

dos sentidos do texto, da linguagem simbólica e da relação intertextual dos textos.

Além disso, esse letramento possibilitou as atividades de leitura, escrita e oralidade,

como também o contato do aluno com os diversos gêneros textuais, Seguindo as

palavras de Cosson (2006;120) “ a formação de um leitor cuja competência

ultrapasse a mera decodificação dos textos, de um leitor que se apropria de forma

autônoma das obras e do próprio processo da leitura, de um leitor literário, enfim.”

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