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A PRODUÇÃO HABITACIONAL DO PLANO MAIS IDH E SUAS IM PLICAÇÕES NO
MODO DE MORAR DOS BENEFICIÁRIOS EM PEQUIZEIRO, BELÁ GUA – MA
Clara Raissa Pereira de Souza 1 Frederico Lago Burnett 2
Aldrey Malheiros Neves de Oliveira 3
Resumo Este artigo busca analisar a produção habitacional do Plano Mais IDH e suas implicações no modo de vida dos beneficiários, tomando como campo empírico o povoado de Pequizeiro, localizado no município de Belágua-MA. Os procedimentos metodológicos utilizados foram: pesquisa bibliográfica e documental, levantamento fotográfico e arquitetônico, e aplicação de entrevistas semiestruturadas aos beneficiários. Os resultados, ainda preliminares, demonstram que os beneficiários encaram com entusiasmo a produção da nova casa de alvenaria cerâmica, associando-a a conceitos de segurança e estabilidade Contudo, questionam critérios relacionados ao programa, como as dimensões da nova casa e a exigência de demolição da casa anterior. Palavras-chave: camponeses; política de habitação rural; modo de vida camponês
Abstract This paper aims to analyze the Mais IDH’s housing production plan and its developments on beneficiaries’ lives, taking as empirical field the village of Pequizeiro, located in Belágua’s municipality – MA. The procedures adopted were: bibliographic research on data bases, architectural and photographic surveys, and application of semi structured interviews to the house receivers. The preliminary findings show that the beneficiaries are enthusiastic about the new house, made on masonry, and they associate it with ideals of safety and stability. However, they also wonder about the policy criteria, such as the new house’s size, and the demands on previous house’s demolition.
Keywords: Peasants; rural housing policy; peasant’s way of life
1 Arquiteta e Urbanista. Mestranda em Desenvolvimento Socioespacial e Regional na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Email: [email protected] 2 Arquiteto e Urbanista. Doutor em Políticas Públicas e Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Socioespacial e Regional, da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Email: [email protected] 3 Arquiteta e Urbanista. Mestranda em Desenvolvimento Socioespacial e Regional na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Email: [email protected]
I. INTRODUÇÃO
Os indicadores sociais elaborados pelo PNUD (2013) mostram que, no que se
refere às condições de longevidade, educação e renda, o Maranhão apresenta um IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano) de 0,639, angariando para si a ingrata notoriedade de
ser um dos Estados com o pior IDH do Brasil. Em relação ao déficit habitacional do país, o
Maranhão também se apresenta em posição vulnerável, sendo o Estado brasileiro com o
maior índice. A demanda por moradias se expressa em mais de 400.000 unidades, estando
166.558 concentradas no meio urbano, e 241.407, no meio rural. (IBGE, 2013)
No intuito de combater esse cenário, o governo estadual tem elaborado um
conjunto de ações políticas direcionadas ao desenvolvimento e gestão do território. Em
2015, como meta de combate à pobreza, o governo do Estado do Maranhão lançou o Plano
Mais IDH, um programa piloto que pretende melhorar os índices sociais dos municípios com
o IDH mais baixo do Maranhão, por meio de medidas nas áreas da Saúde, Educação,
Habitação, Saneamento Básico e Assistência Social.
Visando alternativas para reduzir o déficit habitacional, o programa Minha Casa,
Meu Maranhão, um dos subprogramas previstos pelo Mais IDH, pretende produzir habitação
rural nos povoados dos 30 municípios inicialmente contemplados pelo programa, operando
com um fundo próprio do Estado (o FUMACOP – Fundo Maranhense de Combate à
Pobreza). E como se trata de um projeto piloto, é importante acompanhar se a sua
execução atende às demandas da população beneficiária e se há uma adequação da
política às especificidades dos municípios contemplados.
Este artigo é fruto de uma pesquisa iniciada em setembro de 2015, pelo IMESC
(Instituto Maranhense de Estudos Cartográficos e Socioeconômicos), em parceria com a
Universidade Estadual do Maranhão e o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao
Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA), com o objetivo de
acompanhar a execução do programa habitacional do Plano Mais IDH – o Programa Minha
Casa, Meu Maranhão - e suas implicações no modo de vida dos beneficiários. O campo
empírico escolhido foi o povoado de Pequizeiro, no município de Belágua, MA; um dos 30
municípios do Estado com menor IDH. A relativa proximidade do município em relação à
capital, possibilitando visitas de campo mais frequentes, norteou a escolha do povoado para
a pesquisa de campo.
Para uma melhor compreensão do campo empírico, julgou-se necessário
empreender leituras sobre o conceito de campesinato, de morada camponesa e sobre como
os camponeses se organizam produtivamente. Em seguida, buscou-se apresentar, de modo
sintético, os resultados obtidos até o momento. As obras ainda estão em processo de
conclusão, motivo pelo qual a pesquisa ainda não está finalizada; contudo, é possível
observar resultados preliminares quanto à recepção da nova casa pelos beneficiários, que
serão descritos adiante.
II. CAMPESINATO E MORADA CAMPONESA NO BRASIL
Existem diferentes concepções teóricas sobre o campesinato; cada área de
conhecimento ressalta perspectivas específicas. Estes problemas conceituais existem
porque não é fácil estabelecer aquilo que constitui o campesinato (SEYFERTH, 2011). A
dificuldade em estabelecer uma adequação conceitual talvez resida na infinidade de
identidades sociais possíveis dentro do campesinato: agricultores, extrativistas, ribeirinhos,
quilombolas, cada um desses arranjos guarda suas particularidades. Contudo, a despeito
dessas variações possíveis, os camponeses partilham em comum o fato de serem
trabalhadores rurais integrados, ainda que em diferentes níveis de integração, à sociedade
contemporânea.
A perspectiva aqui adotada para compreender o campesinato será a de Marques
(2004), que o entende enquanto uma categoria social pautada num modo de vida peculiar, e
que organiza a sua permanência dentro de um sistema que oferece poucas chances para
sua reprodução.
(...) um conjunto de práticas e valores que remetem a uma ordem moral que tem como valores nucleantes a família, o trabalho e a terra. Trata-se de um modo de vida tradicional, constituído a partir de relações pessoais e imediatas, estruturadas em torno da família e de vínculos de solidariedade, informados pela linguagem de parentesco, tendo como unidade social básica a comunidade. (MARQUES, 2004, p.145)
É importante mencionar também que o campesinato se organiza sob um modo
de produção singular, baseado em um relativo controle sobre o próprio trabalho e sobre os
meios de produção, conferindo aos camponeses a capacidade de reprodução dos seus
próprios meios de vida. (OLIVEIRA, 2006). Como desempenham atividades de agricultura e
cultivo, “tributárias da natureza e dependentes de elementos biológicos sobre cujo ritmo e
sequencia o controle humano é limitado” (ABRAMOVAY, 2007, p.246), camponeses
conservam certa autonomia na produção. No campesinato, o trabalho empenhado na
unidade de produção (casa-roçado4) visa ao aprovisionamento familiar, e a geração de
eventuais excedentes é utilizada como valor de troca para obtenção de itens e artigos 4 Termo usado por Heredia (2013) para se referir à morada camponesa, que costuma ser, ao mesmo tempo, unidade de trabalho e de moradia.
necessários à família, num esquema de reprodução simples do capital 5 . Desta forma,
camponeses estão inseridos no modo de produção capitalista, ainda que estejam situados
em uma posição periférica.
É sob o mesmo signo da autonomia na produção que os camponeses constroem
suas moradas. Em inventário produzido pelo IBGE (1978) sobre os principais tipos de
habitação rural do país, nota-se que as casas são construídas com os recursos disponíveis
na natureza. Através do trabalho concreto6, muitos camponeses, impossibilitados de adquirir
materiais construtivos disponíveis no mercado, empenham-se na construção de suas
próprias moradas, utilizando-se do barro molhado, da cobertura de fibra vegetal, e adotando
um saber popular, herdado de gerações, na construção de suas moradas. O inventário
permite concluir também que a produção da morada rural brasileira costuma estar vinculada
a um “mínimo habitável”7 , onde a casa reproduz tanto a situação econômica de seus
ocupantes, quanto as suas práticas de trabalho e cultivo.
Para esta pesquisa, decidiu-se compreender a morada camponesa de acordo
com os pressupostos adotados por Kapp (2012), que a conceitua como uma unidade agrária
famíliar, onde
(...) predominam atividades agropecuárias, extrativistas e/ou agroindustriais de base familiar, e a família é o núcleo da força de trabalho; são empreendimentos produtivos individuais ou coletivos de pequeno porte (assentamentos, acampamentos, vilas rurais, quilombos rurais, cooperativas rurais); o trabalho é autônomo, ainda que apresente situação de vulnerabilidade (proprietários, posseiros ou comodatários) ou com remuneração do proprietário (meeiros, parceiros, arrendatários) (KAPP, 2012, p.14)
Ainda existem poucas pesquisas orientadas para o estudo da habitação rural.
Razões para isso podem estar na tendência à ênfase ao meio urbano, tanto na produção
5 Para Marx (2013), “considerado do ponto de vista de uma interdependência contínua e do fluxo contínuo de sua renovação, todo processo social de produção é simultaneamente processo de reprodução.” (2013, p.780). Logo, a necessidade de produzir e consumir alimentos, de adquirir vestuário e demais artigos é algo inserido numa lógica de reprodução constante. Esta reprodução se distingue em dois tipos diferentes: reprodução simples e ampliada. No primeiro tipo, a produção de itens visa a mera reposição de alimentos e objetos que já foram consumidos; o modo de vida camponês, baseado no aprovisionamento familiar, estaria inserido neste tipo. No segundo, relativo à reprodução ampliada, os processos de produção de um determinado item sofrem uma ampliação de escala, pois visam, além da reposição do que já foi consumido, a geração de itens excedentes, que serão utilizados como valor de troca. 6 Na concepção de Marx (2013), trabalho concreto é aquele que produz valores de uso (gebrauchswert), que visam à satisfação das necessidades físicas e espirituais do ser humano. É através do trabalho concreto que o indivíduo se apropria dos recursos da natureza, modificando-a para seu uso. Partindo para o emprego do conceito de trabalho concreto à unidade de produção camponesa, é possível compreender o trabalho camponês como um trabalho que cria valores de uso; as atividades estão pautadas numa relação de troca com a natureza para fins de aprovisionamento familiar. 7 Adaptação do conceito de Antonio Candido, que propõe que a sociedade camponesa do interior de São Paulo (denominados caipiras) se organiza de acordo com um “mínimo social” (resumido na satisfação das necessidades orgânicas fundamentais, como alimentação e abrigo) sem o qual a reprodução dessa sociedade seria impossível. O mínimo habitável corresponderia, portanto, à produção da morada de acordo com os componentes considerados fundamentais por seus moradores.
acadêmica da arquitetura, quanto na produção de políticas públicas, além do estigma do
atraso que costuma ser associado ao meio rural.
Para Weimer (2012), autor que se dedicou a estudar habitações rurais de várias
regiões do país, a arquitetura popular brasileira é fruto de suas raízes culturais. As
influências indígenas, africanas e portuguesas são predominantes e se manifestam em
diversos espaços urbanos e rurais do país. Ao analisar os diversos tipos de moradas rurais
existentes no Brasil, Weimer percebe que a casa desempenha mais do que a função de
abrigo; nela, camponeses, pescadores, seringueiros se organizam, se reproduzem e
atribuem diferentes significados aos espaços da habitação. O modo de construir casas, por
sua vez, está ancorado em experiências transferidas de geração em geração.
Desta forma, quaisquer iniciativas de política habitacional precisam levar em
conta estas especificidades: o fato de que a casa rural exerce mais do que a função de
abrigo, ela possui também um valor de uso. Seus habitantes, não raro, são também os seus
construtores. Existe um saber popular empenhado na construção de suas casas que deve
ser respeitado e encorajado, quando na produção de novas casas. Só é possível produzir
habitação de qualidade quando as demandas e singularidades de seus usuários forem
respeitadas.
III. O PROGRAMA MINHA CASA, MEU MARANHÃO NO POVOADO DE PEQUIZEIRO-
BELÁGUA/MA
O Plano Mais IDH foi instituído formalmente pelo Governo do Estado do
Maranhão pelo Decreto nº 30.612, de 02 de janeiro de 2015. Seu objetivo principal é
promover, através de estratégias de desenvolvimento territorial sustentável, a superação de
extrema pobreza e desigualdade sociais presentes no meio urbano e rural do Estado.
As diretrizes propostas no Plano de Ações visam:
I - integração de políticas públicas com base no planejamento territorial; II - ampliação dos mecanismos de participação popular na gestão das políticas públicas de interesse do desenvolvimento dos municípios; III - ampliação da oferta dos programas básicos de cidadania; IV - inclusão e integração produtiva das populações pobres e dos segmentos sociais mais vulneráveis, tais como trabalhadores rurais, quilombolas, indígenas e populações tradicionais, calcado em um modelo de desenvolvimento que atenda às especificidades de cada um deles; V - valorização da diversidade social, cultural, econômica, política, institucional e ambiental das regiões e das populações (IMESC, 2015)
Uma das frentes de trabalho do PMI é a produção de habitação rural nos
municípios previstos pelo Plano Piloto. Conduzido pela SECID (Secretaria de Estado das
Cidades e Desenvolvimento Urbano), o PMCMM (Programa Minha Casa, Meu Maranhão),
um dos subprogramas do PMI, tem como objetivo a melhoria das condições de habitação
em povoados rurais, com a execução integrada de programas organizados por outras
secretarias, que prezam pela inclusão produtiva e melhoria das condições de saúde e
educação.
Os critérios para seleção dos beneficiários definem que sejam agricultores
familiares e trabalhadores rurais com renda bruta anual de até R$15.000,00 e residentes em
moradias com poucas condições de habitabilidade. O custo na produção de cada unidade
foi estipulado em R$28.500,00, além de R$500,00, destinados ao trabalho técnico social. O
programa destaca a preocupação com a geração de renda no povoado, e se compromete a
priorizar na contratação de trabalhadores locais.
Torna-se imprescindível que a condução de uma política de habitação não perca
de vista as ruralidades encontradas no mundo rural, ou seja, a compreensão de que o
espaço rural é um lugar de vida e de trabalho e não apenas um campo de investimento ou
de reserva de valor (WANDERLEY, 2001). É sob essa perspectiva que a pesquisa de
campo buscou analisar a execução do programa de Pequizeiro.
O povoado de Pequizeiro está situado no município de Belágua, a sete
quilômetros da sede. São cerca de 230 famílias camponesas, que se organizam em torno da
produção de uma agricultura de aprovisionamento familiar e da pesca, em menor
frequência. Suas relações pessoais estão estruturadas em torno de vínculos familiares. De
acordo com José Raimundo Nascimento, ex-presidente da Associação de Moradores, a
maioria dos habitantes tem um vínculo familiar com o fundador do povoado, configurando
assim, um território de parentesco, onde predominam relações de reciprocidade e alianças
entre parentes.
O trabalho de campo foi iniciado em setembro de 2015, e está em execução até
o momento. Das 49 famílias beneficiadas pelo programa no povoado, 10 foram selecionadas
como amostra para a pesquisa. As técnicas adotadas na pesquisa de campo priorizaram a
observação direta, em entrevistas informais e semiestruturadas com as famílias
beneficiadas pelo PMCMM, realizadas em vários momentos, antes e durante a execução da
obra. Foram realizados também levantamentos arquitetônicos e fotográficos das habitações
anteriores à casa recebida de alvenaria cerâmica, para observar quais os materiais
utilizados, a configuração interna e externa da casa, a quantidade e a distribuição dos
cômodos, a iluminação e ventilação naturais, bem como a oferta ou não de serviços de
abastecimento de água, energia e saneamento. As soluções encontradas pelos moradores
revelam o uso de taipa e de adobe como métodos construtivos, além da cobertura, que pode
se revezar entre palha e telha cerâmica. (figuras 2 e 3)
O levantamento arquitetônico das habitações anteriores (figura 1) revela
moradas com dimensões diferentes, contudo de configurações semelhantes: a sala costuma
ser o primeiro cômodo da casa, seguida pelos quartos, cuja quantidade varia em função do
número de integrantes na família, ou de acordo com a possibilidade dos recursos familiares.
A cozinha é o último cômodo da casa, sempre situada aos fundos, contígua à roça; a
aproximação entre ambas sugere a necessidade, por conta dos moradores, de facilitar o
fluxo entre a produção de alimentos na roça e o seu preparo na cozinha.
Sobre o uso desses espaços, foi possível perceber que a sala costuma ser de
domínio heterogêneo; marido, esposa e filhos se revezam na sua ocupação. Em habitações
com existência de apenas um quarto, a sala converte-se em dormitório, onde as mulheres
costumam ocupar o único quarto, e os homens ocupam a sala, com uso de redes. A
cozinha, entretanto, costuma ser de domínio feminino. Frequentemente transformada em
uma “meia-água”8, a partir da cozinha pode-se realizar o preparo dos alimentos, a cria de
pequenos animais e a lavagem dos pratos e roupas.
8 Termo utilizado pelos moradores para se referir à parte da casa que corresponde a uma ampliação da cozinha. Trata-se de uma área coberta, com fogão a carvão, para o preparo de alimentos. Também costuma ser o local da casa onde se armazena a produção da roça.
Fonte: Autores, 2015
Figura 1 – Variações das plantas baixas no Povoado de Pequizeiro
Figura 2 – Casa de adobe com cobertura cerâmica
Fonte: Autores, 2015
Figura 3 – Casa de taipa com cobertura de palha
Fonte: Autores, 2015
A produção da nova casa de alvenaria cerâmica revela um padrão homogêneo
(figura 4), que não leva em consideração a composição familiar. Seja em famílias menores
ou maiores, a mesma planta-baixa é executada: dois quartos, com a cozinha interna à casa,
e banheiro com acesso externo, uma iniciativa projetual que busca respeitar o hábito dos
moradores em construir as sentinas externas à morada.
As figuras 5 a 8 mostram a evolução da construção das novas habitações; caso
não fossem identificadas nas imagens pelos nomes das beneficiárias, não haveria nenhuma
possibilidade de estabelecer distinções entre as casas.
Figura 4 – Planta baixa do PMCMM
Fonte: SECID, 2013
Figura 8 – Casa nova de Leanilce
Fonte: Autores, 2016
Figura 7 – Casa nova de Orizinha
Fonte: Autores, 2016
Figura 5 – Casa nova de Vanderlane
Fonte: Autores, 2016
Figura 6 – Casa nova de Ana Cláudia
Fonte: Autores, 2016
Além do levantamento arquitetônico e fotográfico, buscou-se sondar as
atividades produtivas das famílias beneficiárias, a estrutura familiar, a rotina de trabalho e de
lazer, como se deu a mediação entre técnicos do programa e beneficiários, quais as
percepções dos beneficiários sobre as casas adquiridas, e como a nova casa é apropriada
pelos seus moradores.
A maioria dos beneficiários entrevistados produz roça de aprovisionamento
familiar, situada dentro do terreno da casa. Todos os integrantes da família se envolvem na
produção da roça e na capina do terreno (com exceção de crianças de até 12 anos)
reforçando a leitura de que no campesinato, a terra não pode ser pensada dissociada da
família e do trabalho, e o trabalho não pode ser pensado dissociado da família e da terra.
(WOORTMANN, 1990). A produção familiar está vinculada a um mínimo social e um mínimo
vital, termos que definem os limites para a sobrevivência física e social do grupo; onde
abaixo deles estariam a fome e a anomia. (CANDIDO, 2010). As famílias apresentam
composição heterogênea, variando de 2 a 8 integrantes por unidade familiar; são casais cuja
composição familiar varia de nenhum filho até 6 filhos por família. As rotinas de lazer
incluem jogos de bola, reuniões em família nos finais de semana, cultos domésticos e
programas de tv.
Quanto ao processo de execução do programa, os questionários aplicados antes
da construção das novas casas demonstram que a maioria dos beneficiários da amostra
desconheciam as características físicas da casa, como o tamanho, o número de ambientes
e a área construída. Quando perguntados sobre a exigência da demolição da casa anterior
após o recebimento da nova casa, demonstraram surpresa e incredulidade. Contudo,
quando questionados se aceitariam tal imposição para o recebimento da casa, a maioria,
com a exceção de um, demonstrou assentir com a condição. José Alves de Oliveira,
morador nascido e criado em Pequizeiro e construtor de sua própria morada, uma casa de
adobe com reboco de cal e cobertura em telha cerâmica, foi o único a afirmar que desistiria
do benefício, caso a demolição de sua casa atual fosse uma exigência. Um dos fatores
problemáticos do programa é o alojamento dos beneficiários no momento de transição entre
a casa anterior e a casa nova. A maioria deles possui terreno com dimensões suficientes
para a construção de uma nova casa sem a necessidade imediata de demolição da anterior.
Contudo, José Raimundo Nascimento, um dos beneficiários, morador de uma casa de
adobe, situada em um terreno pequeno, teve que demolir sua casa para ter espaço para
construção da nova casa em alvenaria cerâmica. Enquanto aguarda, improvisou um barraco
de lona nos fundos do terreno para alocar a sua família. “Aqui a situação tá complicada.
Quando chove, nós fica numa condição difícil. Esse barraco mal dá de cobrir a gente.
Enquanto isso, já tem três meses que tamo nessa situação e nada de terminarem a casa”.
Quando questionados se conheciam todos os beneficiários do programa
habitacional, os entrevistados afirmavam conhecer, contudo não compreendiam porque
alguns beneficiários haviam sido selecionados. Lucenilde Rodrigues afirma que “tem uns
que tem a casa boa... aí tem uns que não tem família e tem casa... Vão ganhar essa casa, e
tem muita gente que tá precisando, que precisa também e não foi beneficiada.”
Durante a construção da nova casa, a maioria dos usuários demonstrou estar
satisfeita com os materiais utilizados. De acordo com Orizinha Sousa, uma das
beneficiárias, “Essa casa nova é melhor, porque olha, ela tem a telha, ela é de segurança,
né. É mais organizada. E uma casa dessa aí (aponta para a de taipa) não tem segurança de
nada. Aí eu não poderia ficar com essa casa (de taipa) e deixando essa (de alvenaria).”
Quando questionados se modificariam algo da casa nova, a maioria demonstra estar
satisfeita, enquanto outros questionam as dimensões. “O tamanho vai dificultar um pouco de
eu botar as coisas de casa, mas nós dá um jeito”, afirma Maria de Jesus Nascimento.
Todas estas observações apontam que o programa habitacional conduzido pelo
Estado apresenta potencialidades para melhorar as condições de vida da população rural,
apesar de suas limitações. Nota-se que a improvisação e precariedade das casas existentes
têm relação com a posse da terra, com um padrão de vida nômade, com a falta de recursos
até para alimentação; apesar de contarem com fogão a gás e luz elétrica, não há dinheiro
para o uso cotidiano desses bens. A casa de taipa representa solução habitacional para
milhares de maranhenses pobres, contudo, substituí-la por alvenaria não é viável
quantitativamente, nem resolverá a penúria de seus moradores; pelo contrário, reduzirá sua
autonomia9 e seus valores culturais. Seria necessário construir uma política de habitação
que preservasse os métodos construtivos da arquitetura vernacular, dando aos beneficiários
a possibilidade de preservarem sua autonomia na construção.
IV. CONCLUSÃO
No PMCMM, integrante do Plano Mais IDH, a inserção de uma única tipologia
construtiva nas novas moradias, que é comumente percebida nas habitações de interesse
social do meio urbano, evidencia que o programa tende a generalizar seus beneficiários,
presumindo que suas demandas e modos de vida são todos iguais. E a realidade da vida
camponesa maranhense é que existem diferentes formas de morar e de utilizar os recursos
naturais disponíveis para a produção da casa rural; que os moradores têm um saber popular
relacionado à construção de suas próprias casas, e que tende a ser ignorado nos programas
9 O termo “autonomia” aqui está relacionado à capacidade dos moradores de produzirem suas próprias moradas utilizando o saber popular e os recursos naturais disponíveis no ambiente.
de habitação, quando poderia ser mais valorizado e utilizado na execução de políticas que
ofereçam mais autonomia aos beneficiários.
Faz-se necessário, portanto, a formulação de políticas públicas mais compatíveis
com a realidade dos processos de autoprodução da moradia popular em nosso Estado que,
com suas relações entre modos de vida e trabalho, expressam valores culturais e canais de
autonomia próprios de seus ocupantes.
Entende-se que, o conhecimento, a divulgação e o debate em torno de tais
questões podem oferecer novos subsídios para pensar e planejar não apenas a solução do
déficit habitacional maranhense em termos quantitativos, mas principalmente provocar o
surgimento de novas linhas de pesquisa e novas propostas de intervenção em favor da
melhoria das condições de vida e trabalho da maioria de nossa população, possibilitando a
análise crítica dos processos construtivos padronizados impostos aos mais pobres.
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