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A PROGRESSIVIDADE FISCAL DO IPTU: UMA QUESTÃO REPUBLICANA Revista Tributária e de Finanças Públicas | vol. 94 | p. 254 | Set / 2010 | DTR\2010\730 Robson de Oliveira Aguiar Especialista em Direito Fiscal. Assessor do TCE-RJ. Área do Direito: Tributário Resumo: O presente trabalho tem o objetivo de demonstrar que a progressividade fiscal é uma técnica plenamente afinada aos objetivos republicanos do Estado brasileiro podendo, desta forma, contribuir para a redução das desigualdades sociais, sem que isso represente aumento da carga tributária. Para ser isonômica, a instituição da técnica deve observar procedimentos adequados, bem como as alíquotas serem instituídas sob bases razoáveis evitando, assim, que acarretem efeito de confisco ou que prejudiquem a sobrevivência digna dos cidadãos. Ao final, este estudo opinará pela necessidade de adoção da progressividade fiscal do IPTU por todos os municípios brasileiros, para que se confira à tributação componentes de justiça fiscal, buscando transcender o plano meramente formal da igualdade. Palavras-chave: Objetivos republicanos - Princípio da igualdade - Capacidade contributiva - Progressividade fiscal - Justiça tributária Abstract: This paper aims to demonstrate that progressive taxation is a technique fully attuned to the republican goals of the Brazilian state and, thus, may contribute to reducing social inequalities, without representing an increase of tax burden. In order to be isonomic, the technical institution shall observe proper procedures, and the rates shall be imposed on reasonable grounds, thus avoiding a confiscation effect or adversely affect the survival of citizens. Finally, this study will opine for the need of adoption of a progressive taxation of property tax for all Brazilian municipalities, to give to the taxation components of tax justice, seeking to transcend the purely formal equality. Keywords: Republican goals - Equality principles - Tax capacity - Tax progressive - Fiscal justice Sumário: 1.Introdução - 2.Antecedentes - 3.A progressividade fiscal aplicada ao IPTU - 4.Conclusão - 5.Referências bibliográficas 1. Introdução Muito se comenta a respeito do impacto da carga tributária 1 sobre o orçamento das famílias brasileiras. O pacote tributário nacional, reunindo os tributos de competência de todos os entes federados, costuma ser qualificado de excessivo pela grande mídia que, contudo, não enfrenta seu severo aspecto: os contribuintes de menor renda, embora de reduzida capacidade contributiva, são mais onerados que aqueles que detêm maior riqueza. A esse fenômeno que, de forma geral, o sistema tributário nacional promove, dá-se o nome de regressividade. É relevante assinalar que a tributação regressiva também repercute nos chamados impostos imobiliários, em particular no que se refere ao IPTU, tributo de competência municipal. Essa ocorrência decorre de diversos fatores. O primeiro deles guarda relação com o método de avaliação dos imóveis urbanos adotado pelas Prefeituras que, comumente, faz com que os imóveis de menor valor venal, 2 em geral ocupados por famílias de menor poder aquisitivo, sejam avaliados de forma mais realista, enquanto os imóveis mais valorizados recebem avaliação menos confiável, gerando uma base de cálculo subestimada. A experiência pessoal do autor, adquirida em auditorias de receita realizadas a serviço do TCE-RJ, pôde identificar que a tributação regressiva do IPTU é favorecida pela baixa qualidade técnica das administrações tributárias que, no mais das vezes, não contam com profissionais habilitados em seus quadros nem tampouco empregam as práticas adequadas para a atividade avaliatória, fazendo com que os laudos fiquem mais suscetíveis a mudanças derivadas de pressões geradas por interesses pessoais de contribuintes. Por outro viés, o sistema federativo brasileiro estimula a inércia fiscal dos municípios, mormente os de menor porte que, em função das significativas transferências governamentais, não envidam maiores esforços para incrementar suas receitas próprias, efetuando uma cobrança apenas formal dos tributos de sua competência, evitando o desgaste político com seus contribuintes-eleitores (ou eleitores-contribuintes). Esse quadro não se alinha aos objetivos traçados na Constituição Federal ( Resultados da Pesquisa Página 1

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A PROGRESSIVIDADE FISCAL DO IPTU: UMA QUESTÃO REPUBLICANA

Revista Tributária e de Finanças Públicas | vol. 94 | p. 254 | Set / 2010 | DTR\2010\730

Robson de Oliveira AguiarEspecialista em Direito Fiscal. Assessor do TCE-RJ.

Área do Direito: TributárioResumo: O presente trabalho tem o objetivo de demonstrar que a progressividade fiscal é umatécnica plenamente afinada aos objetivos republicanos do Estado brasileiro podendo, desta forma,contribuir para a redução das desigualdades sociais, sem que isso represente aumento da cargatributária. Para ser isonômica, a instituição da técnica deve observar procedimentos adequados, bemcomo as alíquotas serem instituídas sob bases razoáveis evitando, assim, que acarretem efeito deconfisco ou que prejudiquem a sobrevivência digna dos cidadãos. Ao final, este estudo opinará pelanecessidade de adoção da progressividade fiscal do IPTU por todos os municípios brasileiros, paraque se confira à tributação componentes de justiça fiscal, buscando transcender o plano meramenteformal da igualdade.

Palavras-chave: Objetivos republicanos - Princípio da igualdade - Capacidade contributiva -Progressividade fiscal - Justiça tributáriaAbstract: This paper aims to demonstrate that progressive taxation is a technique fully attuned to therepublican goals of the Brazilian state and, thus, may contribute to reducing social inequalities,without representing an increase of tax burden. In order to be isonomic, the technical institution shallobserve proper procedures, and the rates shall be imposed on reasonable grounds, thus avoiding aconfiscation effect or adversely affect the survival of citizens. Finally, this study will opine for the needof adoption of a progressive taxation of property tax for all Brazilian municipalities, to give to thetaxation components of tax justice, seeking to transcend the purely formal equality.

Keywords: Republican goals - Equality principles - Tax capacity - Tax progressive - Fiscal justiceSumário: 1.Introdução - 2.Antecedentes - 3.A progressividade fiscal aplicada ao IPTU - 4.Conclusão -5.Referências bibliográficas1. Introdução

Muito se comenta a respeito do impacto da carga tributária 1 sobre o orçamento das famíliasbrasileiras. O pacote tributário nacional, reunindo os tributos de competência de todos os entesfederados, costuma ser qualificado de excessivo pela grande mídia que, contudo, não enfrenta seusevero aspecto: os contribuintes de menor renda, embora de reduzida capacidade contributiva, sãomais onerados que aqueles que detêm maior riqueza.

A esse fenômeno que, de forma geral, o sistema tributário nacional promove, dá-se o nome deregressividade. É relevante assinalar que a tributação regressiva também repercute nos chamadosimpostos imobiliários, em particular no que se refere ao IPTU, tributo de competência municipal.

Essa ocorrência decorre de diversos fatores. O primeiro deles guarda relação com o método deavaliação dos imóveis urbanos adotado pelas Prefeituras que, comumente, faz com que os imóveisde menor valor venal, 2 em geral ocupados por famílias de menor poder aquisitivo, sejam avaliadosde forma mais realista, enquanto os imóveis mais valorizados recebem avaliação menos confiável,gerando uma base de cálculo subestimada.

A experiência pessoal do autor, adquirida em auditorias de receita realizadas a serviço do TCE-RJ,pôde identificar que a tributação regressiva do IPTU é favorecida pela baixa qualidade técnica dasadministrações tributárias que, no mais das vezes, não contam com profissionais habilitados emseus quadros nem tampouco empregam as práticas adequadas para a atividade avaliatória, fazendocom que os laudos fiquem mais suscetíveis a mudanças derivadas de pressões geradas porinteresses pessoais de contribuintes.

Por outro viés, o sistema federativo brasileiro estimula a inércia fiscal dos municípios, mormente osde menor porte que, em função das significativas transferências governamentais, não envidammaiores esforços para incrementar suas receitas próprias, efetuando uma cobrança apenas formaldos tributos de sua competência, evitando o desgaste político com seus contribuintes-eleitores (oueleitores-contribuintes). Esse quadro não se alinha aos objetivos traçados na Constituição Federal (

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LGL 1988\3 ) para a República Federativa do Brasil, 3 e concorre para a manutenção de um sistematributário distorcido.

A república, como se sabe, é uma forma de governo baseada na igualdade formal entre as pessoas,devendo primar para que todas as pessoas em situação equivalente recebam tratamento igual. Omodelo de estado brasileiro, por sua vez, tem por finalidade a construção de uma sociedade justa e apromoção do bem de todos, sem distinções ou privilégios, contexto no qual a igualdade seestabelece como princípio geral.

Para o alcance desse ideal republicano, a igualdade tributária foi erigida à condição de princípioautônomo, vedando que contribuintes em situação equivalente sejam tratados de forma desigual.Nesse contexto, a tributação serve de instrumento para a concretização da igualdade, especialmenteem razão do princípio da capacidade contributiva, que busca exigir dos sujeitos passivos impostosmais adequados às suas possibilidades. 4

Para tanto, sobressai a técnica da progressividade fiscal, procedimento por meio do qual se elevamas alíquotas à medida que cresce a base tributária imponível, fazendo com que os contribuintes queexteriorizam maior riqueza sejam tributados de forma proporcionalmente mais onerosa que aquelesque demonstrem menor riqueza.

Mesmo após o advento da EC 29/2000, que expressamente autorizou sua adoção, e ainda queesteja associada à justiça fiscal, a aplicação da progressividade fiscal é tema de acaloradacontrovérsia, de forma que o debate do tema, para ser útil, requer lucidez e fundamentaçãocompetente, escopo que será perseguido neste estudo.

A exposição pretende evidenciar, ao final, que a aplicação da progressividade fiscal ao IPTU éprovidência afinada aos objetivos republicanos do Estado brasileiro, e não implica em aumento dacarga tributária - ideia que seus críticos têm por hábito invocar -, podendo contribuir para a reduçãodas desigualdades sendo preciso, para tanto, observar critérios e procedimentos adequados, sobpena de incorrer em inconstitucionalidade.2. Antecedentes

2.1 A tributação no Brasil é regressiva: quem pode menos, paga mais

No Brasil, a arrecadação tributária é cada vez mais responsável pelo custeio das despesas públicas.Estudando a relação Arrecadação Tributária/Produto Interno Bruto Nacional, Afonso (2007, p. 4)verificou sua tendência crescente no período de 1995 a 2007:

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Nota-se nesse breve intervalo que a representatividade da receita de tributos sobre o PIB nacionalcresceu de 27 para 36,5%, revelando que o distorcido sistema tributário brasileiro é virtuoso na suafinalidade fiscal: arrecada de maneira extremamente eficaz.

Simultaneamente, a iniquidade do sistema se acentuou. Ao examinar dados de 1996 e 2004, Zockunet alli (2007, p. 19) demonstrou quão regressiva é a carga tributária sobre a renda das famíliasbrasileiras:

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Verifica-se que no ano de 1996 a carga tributária se apresentava extremamente regressiva,comprometendo cerca de 28% da renda das famílias que ganhavam até 2 (dois) salários-mínimos, eaproximadamente 18% dos rendimentos das famílias com receita superior a 30 salários-mínimos.Não obstante, de 1996 a 2004 a situação se agravou. A pesquisa demonstra que a carga tributáriatotal aumentou 20,6 pontos percentuais para as famílias de menor faixa de renda (até 2 sm) esomente 8,4 pontos percentuais para as famílias de maior faixa de renda (superior a 30 sm),desigualando, ainda mais, o impacto da carga tributária sobre os rendimentos das famíliasbrasileiras. 5

Da forma que está estruturada, a tributação no Brasil contribui para agravar esse quadro,acentuando as desigualdades sociais e promovendo uma maior concentração da renda. Ao opinarsobre a distorcida distribuição da carga tributária no Brasil e na América Latina, Ferreira (2003, p.629) assinala a necessidade de "Analisar, mesmo que de passagem, como a carga tributária (...) noBrasil e em outros países latino-americanos é significativamente mal distribuída. Ora, são as classessociais e os setores menos favorecidos que têm a maior parte de seus rendimentos e recursosdestinados ao financiamento do Estado, enquanto as classes de renda mais elevada têm diversosbenefícios e reduções tributárias. (...) No equilíbrio de forças políticas, a tributação no Brasil - e não émuito diferente dos outros países da AL - tem sido usada como instrumento de concentração derenda, agravando o ônus fiscal dos mais pobres e aliviando o dos mais ricos.

(...)

Diante do paradoxo, o sistema tributário acaba por operar de maneira regressiva sobre a população,incidindo gravemente, em termos relativos à renda, nas famílias com menor poder aquisitivo,constituindo-se num dos fatores que contribui decisivamente para a manutenção dos níveis deconcentração de renda e de desigualdade social observados no País, muito embora, como é sabido,as origens destes problemas sejam bem mais complexos e estejam além da inequívoca tributaçãoregressiva praticada pelo Estado (...)" (grifos acrescidos).

Os dados apresentados comprovam a tendência da tributação brasileira à regressividade, o que fazdela instrumento que concorre para o aumento da concentração de renda e da injustiça social.2.1.1 A tributação imobiliária não foge à regra

A regressividade do sistema também se reflete no âmbito da tributação imobiliária. Estudo elaboradopor Carvalho Jr. (2006, p. 11) avaliou a participação do pagamento do IPTU 6 no gasto das famílias,tendo encontrado os seguintes resultados:

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Computadas somente as famílias que efetivamente realizaram o pagamento do IPTU, observou-se aexistência de um padrão regressivo entre as faixas de renda (CARVALHO JR., 2006, p. 12). Osnúmeros da planilha demonstram que quanto maior a faixa de renda, menor é a participação dopagamento de IPTU no orçamento das famílias pesquisadas, indo de 1,6% para as que ganham de 0a 2 salários-mínimos até 0,57% para as que possuem rendimentos superiores a 60 salários-mínimos.

Outro fator concorre para o agravamento da regressividade do IPTU. Trata-se do método deavaliação imobiliária adotado pela maioria dos municípios brasileiros para definir o valor venal 7 dosimóveis (base de cálculo do tributo), denominado Custo da Reprodução. 8 De acordo com CarvalhoJr. (2007), a adoção desse método ocasiona dois tipos de regressividade: a vertical e a horizontal.Na vertical, os imóveis de valor de mercado mais alto são avaliados pelo município com umadefasagem maior que os imóveis de valor mais baixo; 9 na horizontal, imóveis de mesmo valor demercado são avaliados com valores venais diferentes, o que se agrava quando o município nãorevisa periodicamente sua planta de valores, com o intuito de registrar as valorizações oudesvalorizações das regiões que o compõem. 10

Ademais, sabe-se que as avaliações, em virtude de sua natureza estritamente técnica, devem serelaboradas por profissionais habilitados e obedecer às boas práticas recomendadas para estaatividade, de maneira que a avaliação do imóvel esteja o mais próximo possível de seu valor demercado, deixando para a legislação municipal a atribuição de definir as alíquotas, reduções eisenções do imposto. Entretanto, a prática disseminada nos municípios não é exatamente essa. 11

2.1.2 A histórica inércia fiscal dos municípios brasileiros contribui para a manutenção dostatus quo

Contribui de forma relevante para o distorcido sistema tributário brasileiro, em especial para suaincidência regressiva, a histórica inércia fiscal dos municípios brasileiros. Desde 2000, a receita deIPTU no Brasil tem se mantido em cerca de 0,5% do PIB, nível muito inferior ao de paísesdesenvolvidos, 12 e representa aproximadamente 6,4% da receita corrente dos municípios(CARVALHO JR., 2006, p. 16). Neste caso, a importância do IPTU é maior em municípios maispopulosos, chegando a 9,4% da receita corrente nas cidades com mais de 200 mil habitantes, aomesmo tempo em que representa apenas 0,5% no caso dos municípios com até 5 mil habitantes. Deacordo com Carvalho Jr. (2006, p. 16):

"Há dois motivos principais para o fato de cidades mais populosas terem uma participação mais altado IPTU em seu orçamento. Em primeiro lugar o IPTU é um imposto que possui elevado custo

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administrativo, (...) o que só seria viável em cidades de maior porte e renda. Em segundo lugar,graças ao critério de rateio regressivo quanto à renda municipal do Fundo de Participação dosMunicípios (FPM), as cidades maiores tendem a possuir maior peso dos tributos próprios em suasreceitas."

Os estudiosos do federalismo fiscal brasileiro observam que as transferências governamentaisacostumam os municípios a não se esforçar para incrementar sua arrecadação própria. Por essarazão, muito embora quase todos os municípios brasileiros arrecadem IPTU, o valor de sua receitacostuma ser irrisório nas cidades pequenas, 13 não obstante a efetiva arrecadação de impostos tersido erigida à condição de imposição legal, conforme exige a LRF. 14

Furlan acrescenta ser muito cômodo para o fisco fixar uma alíquota única para o IPTU, "sem maiorespreocupações acerca do princípio constitucional da capacidade contributiva" (2004, p. 142) .Entretanto, conforme se buscará explicitar, a tributação deve ser utilizada como instrumento deredistribuição de renda, tendo em vista a possibilidade de os impostos serem progressivos (aexemplo do IPTU), de forma a reduzir o impacto da carga tributária sobre as classes menosfavorecidas economicamente.

Além disso, ressalva Carvalho Jr., o IPTU pode ser empregado como meio para capturar a "maisvalia" decorrente da valorização imobiliária, gerada fundamentalmente por investimentos públicos(2006, p. 7), tendo em vista que, a despeito do previsto no inciso III do art. 145 da CF ( LGL 1988\3 ), 15 não se cobra contribuição de melhoria no Brasil.2.2 Os objetivos da República Federativa do Brasil

A República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem por objetivosfundamentais (arts. 1.º e 3.º da CF ( LGL 1988\3 ) ):

"I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

(...)

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outrasformas de discriminação."

O texto constitucional explicita, portanto, que uma das principais razões do Estado Democrático deDireito - modelo adotado no Brasil - é a perseguição de uma sociedade justa, em que se busquemitigar as desigualdades sociais e promover o bem de todos.

A concretização desse estado social, instituído pela Carta de 1988, 16 está condicionada à busca deuma igualdade substancial (BUFFON, 2003, p. 55), que transcenda o paradigma neutro proclamadopelo modelo econômico liberal vigente. O próprio texto da Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) prevêmecanismos eficazes na persecução da igualdade substancial, dentre os quais se destaca atributação 17 sob a modalidade progressiva, 18 verdadeiro instrumento de justiça fiscal.2.3 Antes de tudo, os princípios

Sem maior delonga, tendo em vista que o estudo dos princípios não constitui o sumo deste trabalho,cabe alertar que os mesmos, estejam explícitos ou implícitos, serão aqui empregados comofundamentos do ordenamento jurídico, aos quais as demais normas deverão harmonicamente seadequar (Buffon, 2003, p. 21).

Passa-se a eles.2.3.1 O princípio republicano

O art. 1.º da CF ( LGL 1988\3 ) reconhece que o Brasil é uma República, forma de governo baseadana igualdade formal entre as pessoas, em que os detentores do poder político exercem mandatoseletivos e representativos de forma transitória, podendo ser responsabilizados em caso de condutasilegais ou ilegítimas.

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Tendo por base o princípio da igualdade, a República busca extinguir e afastar eventuais privilégios,admitindo que todos os cidadãos podem almejar os mesmos direitos políticos. O governo deveperseguir o bem-estar coletivo, uma vez que possui a atribuição de representar todos os segmentosdo povo, inexistindo espaço para o favorecimento de determinadas classes sociais.

Em relação ao aspecto tributário, o princípio republicano significa a ausência de privilégios paradeterminadas parcelas da sociedade, devendo a tributação alcançar a todos de maneira igual.Aqueles que estiverem na mesma situação, e realizarem o fato imponível a que a lei atribui o deverde pagar determinado tributo, assim deverão fazê-lo. A esse respeito, a opinião de Carrazza (2006,p. 77-78):

"Em suma, o princípio republicano exige que todos os que realizam o fato imponível tributáriovenham a ser tributados com igualdade. Do exposto, é intuitiva a inferência de que o princípiorepublicano leva à igualdade da tributação. Os dois princípios interligam-se e completam-se. De fato,o princípio republicano exige que os contribuintes (pessoas físicas ou jurídicas) recebam tratamentoisonômico."

O princípio republicano determina ainda que os tributos sejam exigidos somente em razão desuperior interesse, razão pela qual apenas poderão ser criados e cobrados por motivos de ordempública, que também deverão nortear a destinação do dinheiro arrecadado.2.3.2 O princípio da igualdade

Aristóteles, em enunciado disseminado entre nós por Rui Barbosa (1999, p. 26), apregoava oensinamento segundo o qual "a regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmenteaos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada àdesigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja,do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seriadesigualdade flagrante, e não igualdade real."

Nessa dimensão, a igualdade deve ser apreendida como princípio geral a informar todo oordenamento jurídico do Estado de Direito, devendo o poder público atuar para que asdesigualdades socioeconômicas sejam atacadas, uma vez que o enfrentamento de tais diferençastrilha o caminho da implementação da justiça fiscal - ideia intimamente associada à igualdade.

A Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) contempla a igualdade em diversos de seus artigos, oraimplícita, ora explicitamente. Para não enfastiar a leitura, transcrevem-se a seguir alguns dosprincipais dispositivos:

"Art. 3.º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

(...)

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outrasformas de discriminação."

"Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aosbrasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, àigualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; (...)"

"Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si."

No capítulo dedicado ao Sistema Tributário Nacional, a Constituição Federal ( LGL 1988\3 )especifica a igualdade no campo tributário, 19 previsão por sinal ociosa em face dos dispositivosanteriormente transcritos que, de forma esgotante, explicitam a igualdade como fundamento do

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Estado Democrático de Direito.

Ricardo Lobo Torres entende que a igualdade é o mais importante dos princípios jurídicosconstituindo, no direito constitucional pátrio, princípio fundamental para a própria legitimidade doEstado de Direito (apud FERNANDES, 2005, p. 115). Para Lacombe, é o princípio nuclear de todo onosso sistema constitucional: "sem ele não há República, não há Federação, não há democracia,não há justiça. É a cláusula pétrea por excelência" (apud Fernandes, 2005, p. 116). Não por outrarazão, o referido postulado sempre esteve presente em nossas constituições, sublinha Weiss (2006,p. 171).

Trata-se, pois, de princípio fundamental do nosso ordenamento, devendo inspirar todos os demaissubsistemas constitucionais, restando nítida a necessidade de que os tributos sejam instituídos paradar concreção à igualdade, transcendendo uma igualdade de aparência para alcançar uma igualdadesubstancial, vez que somente a igualdade material realiza o Estado Social Democrático de Direito(FERNANDES, 2005, p. 120). Nesse contexto, destaca-se a tributação sob a modalidadeprogressiva, na medida em que tende a exigir, dos cidadãos, tributos mais adequados a suacapacidade contributiva.

2.3.2.1 Ausente a equivalência, o afastamento da igualdade é legítimo

De acordo com o art. 150, II, da CF ( LGL 1988\3 ) , que traz o enunciado da igualdade tributária, évedado aos entes políticos instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem emsituação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função poreles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.

A isonomia prevista no art. 150, II, proíbe que haja diferenciação tributária entre contribuintes queestejam em situação equivalente, vedando-se, assim, qualquer espécie de discriminação arbitrária.Contudo, existindo situações concretamente distintas, o tratamento desigual justifica-se, desde que"se tenha em vista uma finalidade constitucionalmente amparada, e que o tratamento diferenciadoseja apto a alcançar o fim colimado" (PAULSEN, 2006, p. 223).

Dessa forma, para ser válido, o tratamento tributário desigual somente pode ser adotado se estiverharmonizado com os princípios que regem o Estado Democrático de Direito. Buffon evidencia essaperspectiva e salienta que as discriminações fundadas na manifestação de diversidade de riqueza,por meio da exigência mais elevada de tributos dos cidadãos mais capazes de contribuir, sãoperfeitamente compatíveis com o modelo de Estado vigente (2003, p. 68).

Conclui-se, deste modo, que a tributação sob a modalidade progressiva, em virtude de serinstrumento efetivo de busca da igualdade, ao assegurar tratamento desigual para desiguais, estáperfeitamente jungida aos objetivos republicanos do Estado Democrático de Direito.2.3.3 O princípio da capacidade contributiva

Inaugurando esta seção, deve-se anotar que, no campo tributário, o princípio que realiza o idealrepublicano da igualdade é o da capacidade contributiva (FERNANDES, 2005, p. 87), e suaaplicação implica no fato de que cada cidadão deverá contribuir para a coletividade de acordo comas suas possibilidades. Logo, a capacidade contributiva efetiva a igualdade no sistema constitucionaltributário, 20 sendo consectário da justiça fiscal. 21

Greco (2004, p. 185) assevera que, estando a tributação informada pelo princípio da capacidadecontributiva, "o pagamento de tributos não é um simples encargo que o contribuinte deve suportarpor força de lei (conceito ligado à noção de liberdade negativa do Estado de Direito)", vez que:

"Pagar impostos, numa sociedade formada por pessoas com distintas aptidões para contribuir paraas despesas públicas (cuja finalidade é reverter em serviços para todos e também para os que delesmais necessitam), corresponde a uma postura ligada à solidariedade com os que menos possuem,verdadeiro instrumento de compatibilização do convívio social."

Nesse contexto, a capacidade contributiva não deve somente servir para determinar o montante detributo a pagar, mas principalmente para aferir a aptidão dos contribuintes em colaborar para o rateiodas despesas públicas, verdadeiro "instrumento para a busca de uma sociedade mais justa esolidária ( CF/1988 ( LGL 1988\3 ) , art. 3.º, I), em que os que mais podem contribuem em dimensãomaior do que os que menos podem" (GRECO, ob. cit., p. 186).

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2.3.3.1 A teoria do sacrifício igual

De acordo com os economistas, a utilidade marginal da renda explica o fato de que, à medida que abase tributável cresce, a capacidade contributiva cresce mais do que proporcionalmente ao aumentoda riqueza.

Por essa razão, a aplicação da capacidade contributiva à tributação tem sido fundamentada nachamada teoria do sacrifício igual. Segundo esta teoria, é necessário que o sacrifício imposto a cadacontribuinte seja equivalente, adequado a sua possibilidade de colaborar para o custeio dasdespesas públicas. Ao examinar a técnica da progressividade, Rosa Junior (2005, p. 330-331) utilizaexemplo elucidativo para explicar a teoria do sacrifício igual:

"(...) Se uma pessoa ganha R$ 24.000,00 de renda por ano, esta soma vai ser destinada à comprade bens de primeira necessidade; se ganha R$ 50.000,00, os R$ 26.000,00 excedentes serãodestinados às despesas de necessidade secundária, como alimentação mais cuidadosa, roupasmelhores etc.; se ganha R$ 100.000,00, o excedente vai se destinar às despesas úteis mas nãonecessárias, como teatro, livros etc.; se ganha R$ 500.000,00, o excedente se destinará àsdespesas supérfluas, como presentes, viagens etc. Dessa forma, cada fração suplementar dasrendas auferidas por um cidadão representa para ele uma utilidade menor que a fração precedente.Em consequência, a capacidade contributiva do indivíduo aumenta mais que proporcionalmente,tendo em vista que a utilidade dos bens que ela proporciona decresce na medida em que aumenta oseu quantitativo. Assim, através da progressividade do imposto alcança-se a meta tão desejadapelos financistas, correspondente à igualdade de todos os cidadãos diante da carga tributária, demodo que haja um sacrifício igual para todos na medida de sua capacidade econômica" (grifosacrescidos).

O exemplo demonstra que, para implementar a teoria do sacrifício igual, há necessidade de graduaras alíquotas de acordo com as diferentes bases de incidência, por meio da adoção da técnica datributação progressiva, equiparando a exigência imposta aos contribuintes.

2.3.3.2 A capacidade contributiva na Constituição Federal ( LGL 1988\3 )

O princípio da igualdade tem como decorrência o princípio da capacidade contributiva 22 que, por serconsectário da igualdade, não necessitaria estar expresso (Lacombe, 2002, p. 32). Mas está,conforme prevê o § 1.º do art. 145 da CF ( LGL 1988\3 ) :

"§ 1.º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo acapacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente paraconferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos dalei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte."

Para Rosa Junior (2005, p. 323) e Sacha Calmon (1999, p. 77) este dispositivo contém doisprincípios: o da personalização dos impostos, em sua parte inicial; e o da capacidade contributiva,em sua segunda parte. Sob essa perspectiva, a expressão "sempre que possível", 23 para eles, dizrespeito tão somente à personalização dos impostos, uma vez que a capacidade contributiva 24 deveser obedecida na instituição de qualquer imposto. 25

Carrazza ressalta que, se for da índole constitucional do imposto, ele obrigatoriamente deverá tercaráter pessoal e ser graduado de acordo com a capacidade contributiva do sujeito passivo (2006, p.101-102) . Caso contrário, quando a natureza do imposto não permitir, não será possívelpersonalizá-lo e atender ao princípio da capacidade contributiva. É o caso do ICMS, por exemplo, noqual a carga tributária é repassada para os preços das mercadorias, sendo o valor das mesmasidêntico para quaisquer consumidores finais. 26

Carrazza (2003, p. 86) enfatiza, ainda, que o princípio da capacidade contributiva está intimamenteligado ao princípio da igualdade, sendo um dos mecanismos mais eficazes para que se atinja ajustiça fiscal:

" O princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda arealizar, no campo tributário, os ideais republicanos. Realmente, é justo e jurídico que quem, emtermos econômicos, tem muito pague, proporcionalmente, mais imposto do que quem tem pouco.Quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais imposto do que quem tem

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menor riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para a manutenção da coisa pública. Aspessoas, pois, devem pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus índices deriqueza" (grifos acrescidos).

Parece claro que o § 1.º do art. 145 quis destacar que, sempre que possível, os impostos - portanto,todos eles - terão caráter pessoal, sendo graduados de acordo com a capacidade contributiva docontribuinte.

2.3.3.3 Eficácia da capacidade contributiva

Conjugadas as lições precedentes, pode-se afirmar que a tributação deve ser estruturada paraimplementar os objetivos fundamentais da República. Para tanto, o princípio da capacidadecontributiva constitui importante instrumento, mormente quando se manifesta por intermédio datécnica da progressividade.

Para tanto, é preciso compreender que o enunciado do art. 145, § 1.º, da CF ( LGL 1988\3 ) nãocontém mera diretriz, devendo produzir efeitos junto aos seus destinatários, em todas as suasesferas de atuação e nos três níveis de governo. Sob esse aspecto, é obrigatório que se dêcumprimento às normas constitucionais "programáticas", 27 pois que possuem eficácia plena eemanam efeitos constitutivos "positivos" (se mandamentais) ou "negativos" (se proibitórias), 28

devendo as leis que as contrariarem serem declaradas inconstitucionais.

Na opinião de Carrazza (2006, p. 89), a capacidade contributiva prevista na Constituição Federal (LGL 1988\3 ) possui natureza objetiva, 29 pois se refere às manifestações evidentes de riqueza docontribuinte (possuir um imóvel, ser dono de um automóvel etc), e não às suas condiçõeseconômicas subjetivas, que requereriam aferição caso a caso. O presente estudo filia-se a esseentendimento, pois não se pode exigir que a administração tributária municipal conheça acapacidade contributiva efetiva de cada um dos contribuintes de IPTU.

No entanto, é razoável exigir que a aferição dessa capacidade contributiva se dê com fundamentonos valores venais dos imóveis, que constituem a base de cálculo do tributo (art. 33 do CTN ( LGL1966\26 ) ), uma vez que os mesmos exteriorizam parte da riqueza (imobilizada) desse universo decontribuintes, e se encontram registrados em cadastro próprio. 30

Ademais, mensurar a capacidade contributiva do contribuinte somente através da renda seria umamedida incompleta, vez que a posse de um bem pode representar um poder econômico superioràquele que é exteriorizado pela renda. "Uma pessoa com uma renda, digamos, de 5.000 dólares porano e um patrimônio líquido de 100.000 dólares está certamente melhor do que uma outra, com amesma renda, mas sem bens" (MACHADO, 2001, p. 79).

De acordo com Fernandes, a tributação em função do patrimônio não configura desrespeito aoprincípio da capacidade contributiva, ainda que o contribuinte não disponha de renda, "porquantoeste (o patrimônio) não se confunde com capacidade imediata de pagamento, ou liquidezpatrimonial" (2005, p. 148).

Por essa vertente, é indiferente que o sujeito passivo reúna condições pessoais de suportar a cargatributária. No caso do IPTU, se o proprietário do imóvel estiver desempregado, assim mesmo teráque recolher o tributo, uma vez que sua capacidade contributiva está revelada no bem que possui. Oproprietário que não reunir condições suficientes de pagar o IPTU incidente sobre seu imóvel deveráaliená-lo, pois não é possível, à luz do direito positivo, reduzir a exigência tributária em função de suasituação pessoal. 31 A rematar esta seção, a opinião de Marciano Seabra de Godoi:

"Quando um contribuinte alega que, apesar de ser proprietário de um valioso imóvel, não possuirenda para arcar com o IPTU devido, não julgamos estar o juiz possibilitado a dispensar-lhe opagamento do título, por força de uma suposta 'ausência in casu de capacidade contributivasubjetiva'. Na verdade, há sim capacidade contributiva subjetiva neste caso, bastando que ocontribuinte aceite a realidade de sua situação econômica e adquira um imóvel mais compatível comsuas condições - supondo, é claro, que o valor do IPTU não se mostre per se confiscatório, e oimóvel não seja de tal maneira simplório que exigir que o contribuinte se mude para outro maisacanhado implique em ferir sua dignidade ou impor-lhe ingentes sacrifícios" (apud FERNANDES,2005, p. 246-247).

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Logo, a aferição da capacidade contributiva no campo do IPTU, portanto, deve pautar-se no aspectoobjetivo quantitativo do imposto - sua base de cálculo, que é o valor venal do imóvel, devendo onerarmais pesadamente os que demonstrarem maior capacidade contributiva, por intermédio da aplicaçãode alíquotas progressivas.3. A progressividade fiscal aplicada ao IPTU

3.1 Preliminares necessárias (breve contextualização)

No século XIX, a progressividade enfrentou muita oposição, pois era associada a mecanismosarrecadatórios derivados do comunismo. 32 Para os marxistas, a implementação de impostosprogressivos sobre a fortuna amenizaria as desigualdades econômicas que a era industrial fizerasurgir. Nesse contexto, até meados do século passado, impostos progressivos eram vistos comoconfiscatórios. 33

Nos dias de hoje, contudo, os impostos progressivos se universalizaram, estando perfeitamenteadaptados aos sistemas econômicos, mesmo os capitalistas. Pode-se assegurar não existir nenhumpaís, em grau razoável de civilização, que não os empregue, havendo uma tendência de que suaaplicação se estenda cada vez mais a um maior número de impostos (BALEEIRO, 2003, p. 753). Arespeito, veja-se a observação de Mizabel Derzi e Sacha Calmon (apud MACHADO, 2001, p. 122):

"Por progressividade entende-se a majoração da alíquota à medida que cresce o valor da matériatributável. Não é incompatível com o princípio da igualdade e da proporcionalidade. Ao contrário, éhoje aceita (...) da Alemanha à Áustria, da França à Itália, da Holanda à Suíça, à Noruega, àEspanha, aos Estados Unidos, ao Canadá, ao México, à Austrália, ao Japão, pode-se dizer que nãoexistiu um estado onde no fim do século passado (XIX) ou no princípio do presente (XX), nãoexistissem impostos com alíquotas progressivas."

Verifica-se, pois, crescer a aceitação da ideia de que a progressividade é importante para promovera justiça fiscal, por intermédio da redistribuição de riqueza e da desconcentração da renda - no casodos impostos imobiliários, como é o IPTU, a desconcentração da propriedade imobiliária,desestimulando a reunião de muitos imóveis sob domínio de um mesmo sujeito passivo.3.2 Cimentando noções: progressividade x proporcionalidade. Apenas a primeira efetiva oprincípio da igualdade

A progressividade é, portanto, um método de aplicação da capacidade contributiva (WEISS, 2006, p.176), que consiste em graduar alíquotas para um mesmo objeto tributado, à medida que é majoradasua base imponível. 34 Segundo Machado (2002, p. 247-248), "a progressividade pode ser entendidacomo a qualidade do tributo que se eleva mais do que proporcionalmente em razão da elevação desua base de cálculo".

Para Ataliba, a progressividade dos impostos consiste em uma excelente maneira de efetivar oprincípio da capacidade contributiva informador dos impostos. Para ele, os impostos que não sejamprogressivos, e que tenham a pretensão da neutralidade, são, na verdade, regressivos, redundandoem injustiça e inconstitucionalidade (ATALIBA, 1990, p. 233).

A técnica da proporcionalidade, por sua vez, implica na adoção de alíquota invariável, o que resultano aumento uniforme do tributo, à medida que a base imponível cresça. Esse método não atende àsexigências da capacidade contributiva, porque seu emprego resulta em que o sujeito passivoeconomicamente mais fraco, assim como o economicamente mais forte, paguem proporcionalmenteo mesmo imposto (CARRAZZA, 2006, p. 88):

"(...) se alguém ganha 10, e paga 1, e outrem ganha 100 e paga 10, ambos estão pagando,proporcionalmente, o mesmo tributo (10% da base de cálculo). Apenas, o sacrifício econômico doprimeiro é incontendivelmente maior. De fato, para quem ganha 10, dispor de 1 encerra muitomaiores ônus econômicos do que para quem ganha 100 dispor de 10. O princípio da capacidadecontributiva só será atendido se o imposto for progressivo, de tal arte que, por exemplo, quem ganha10 pague 1, e quem ganha 100 pague 25."

Estudos de De Cesare (apud FERREIRA, 2003, p. 633), relativos aos impostos imobiliários,comprovaram que a adoção de alíquota única para essa categoria resulta em uma tendência à

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regressividade vez que, à medida que a renda aumenta, as despesas com habitação ocupam umaporcentagem menor da renda familiar. Citando Engels, Baleeiro anota que tanto menor o saláriotanto maior será a parcela destinada à satisfação das necessidades fundamentais (2003, p. 751).Para evidenciar a diferença entre impostos proporcionais e progressivos e seu vínculo com acapacidade contributiva, cabe destacar a lição de Amaro (2004, p. 139-140):

"A mera ideia de proporcionalidade, porém, expressa apenas uma relação matemática entre ocrescimento da base de cálculo e o do imposto (se a base de cálculo dobra, o imposto tambémdobra). A capacidade contributiva reclama mais do que isso, pois exige que se afira a justiça daincidência em cada relação isoladamente considerada e não apenas a justiça relativa entre uma eoutra das duas situações. O princípio da capacidade contributiva, conjugado com o princípio daigualdade, direciona os impostos para a proporcionalidade, mas não se esgota nessa.

(...)

Outro preceito que se aproxima do princípio da capacidade contributiva é o da progressividade (...) Aprogressividade não é uma decorrência necessária da capacidade contributiva, mas sim umrefinamento deste postulado. A proporcionalidade implica que riquezas maiores gerem impostosproporcionalmente maiores (na razão direta do aumento da riqueza). Já a progressividade faz comque a alíquota para as fatias mais altas seja maior."

Vê-se que a aplicação da progressividade encerra verdadeira justiça fiscal, em harmonia com osobjetivos traçados para o Estado Democrático de Direito. Diferentemente da proporcionalidade, aprogressividade é um instrumento eficaz para concretizar a capacidade contributiva e, nessaperspectiva, perseguir a igualdade substancial, objetivo maior da República.3.2.1 A progressividade pode ser fiscal ou extrafiscal

A progressividade é, portanto, uma das formas de graduar o tributo, por meio da instituição dealíquotas que aumentem simultaneamente ao crescimento da base de cálculo. Esta técnica, quandoaplicada ao IPTU, irá acompanhar o crescimento de sua base de cálculo - o valor venal dos imóveis-, tendo a função precípua não de arrecadar mais, como se poderia inferir apressadamente, mas simde refinar a tributação, atribuindo-lhe um componente de justiça fiscal.

A esta espécie de progressividade, estruturada para majorar as alíquotas conforme aumente a baseimponível do imposto, dá-se o nome de fiscal.

Entretanto, a progressividade pode ter outras funções, desde que estabelecidas em função deparâmetros distintos do crescimento da base tributável. Como exemplo pode-se citar aprogressividade em razão do tempo, estabelecida no art. 182, § 4.º, II, da CF ( LGL 1988\3 ) , 35

disciplinada como mecanismo para desestimular que os imóveis urbanos sejam utilizados emdesacordo com os planos de ordenação dos municípios.

A esta espécie de progressividade, que tem a finalidade de apontar diretrizes e condutas que oEstado julga importantes para o bem-estar coletivo, por meio da qual se aumenta a alíquota paraobjetivos específicos, independentemente de alteração da base de cálculo, dá-se o nome deextrafiscal. 36

3.2.2 Outra classificação: progressividade simples e graduada

A progressividade pode ser simples ou graduada. Na definição de Gomes de Souza, mencionada porMachado (2004, p. 22), a progressividade simples é "aquela em que cada alíquota maior se aplicapor inteiro a toda a matéria tributável", enquanto a progressividade graduada trata-se daquela "emque cada alíquota maior calcula-se apenas sobre a parcela de valor compreendida entre um limiteinferior e outro superior, de modo que é preciso aplicar tantas alíquotas quantas sejam as parcelasde valor e depois somar todos esses resultados parciais para obter o imposto total a pagar".

Portanto, na progressividade simples aplica-se uma alíquota única sobre a totalidade da base decálculo; na progressividade graduada, várias alíquotas são aplicadas, cada qual sobre uma parcelada base de cálculo. Mais adiante 37 será demonstrado que a progressividade simples implica emofensa aos princípios da igualdade (e, por conseguinte, da capacidade contributiva), da razoabilidadee da proporcionalidade, razão pela qual não deve ser admitida.

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3.3 A capacidade contributiva, por intermédio da progressividade fiscal, é aplicável a todas asespécies tributárias?

Rico é o debate acerca da aplicação da capacidade contributiva a todas as espécies tributárias.Alguns autores defendem que a capacidade contributiva não se aplica aos tributos ditos vinculados 38

(taxas, contribuições de melhoria etc.), mas deve ser empregada, obrigatoriamente, em relação aostributos não vinculados (impostos). 3940 Defendendo seu emprego generalizado, encontra-se aopinião de José Maurício Conti (apud PAULSEN, 2006, p. 74):

"(...) o princípio da capacidade contributiva é aplicável a todas as espécies tributárias. No tocante aosimpostos, o princípio é aplicável em toda a sua extensão e efetividade. Já no caso dos tributosvinculados, é aplicável restritivamente, devendo ser respeitados apenas os limites que lhe dão oscontornos inferior e superior, vedando a tributação do mínimo vital e a imposição tributária que tenhaefeitos confiscatórios."

Como exemplo de emprego da capacidade contributiva aos tributos vinculados, os tributaristascostumam apontar o caso das taxas, mencionando a hipótese de concessão de isenção de custasjudiciais para pessoas pobres. Nesse contexto, afirma Conti, os tributos vinculados deverão respeitaros limites impostos pela capacidade contributiva, representados pelo mínimo vital e pelo não confisco.

Ao arguir que o princípio da capacidade contributiva deve ser estendido a todos os tributos, osdefensores da tese alegam que, caso contrário, estar-se-ia concebendo um "sistema tributárioapenas parcialmente tutelado pela ordem constitucional", havendo desrespeito à isonomia, pois nãose observaria "a riqueza no plano individual, quando é precisamente de garantia individual ante aexação estatal que o princípio trata" (FERNANDES, 2005, p. 155-156).

Todavia, a doutrina majoritária opina no sentido de que a capacidade contributiva é cabível somenteem relação aos impostos e, nesse caso, sua imposição seria obrigatória. Para tanto, um de seusmais importantes veículos é a progressividade fiscal que, no caso de não ser instituída, acarretarádescumprimento ao princípio da isonomia. Indispensável relembrar os ensinamentos de Ataliba(1990, p. 233):

"Conforme sua natureza e características (...) alguns impostos são mais adequadamente passíveisde tratamento progressivo e outros menos. De toda maneira, como todos os impostos, sem nenhumaexceção, necessariamente são baseados no princípio da capacidade contributiva, todos sãopassíveis de tratamento progressivo. No Brasil, mais intensamente do que alhures, dado que aConstituição põe especial ênfase na necessidade de tratamento desigual às situações desiguais, namedida dessa desigualdade (art. 150, II), além de propor normativamente serem objetivosfundamentais da República, o 'construir uma sociedade (...) justa e solidária" (art. 3.º)."

Elizabeth Nazar Carrazza sustenta que a progressividade é admissível em todos os impostos,mesmo que não haja previsão expressa na Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) , por tratar-se deinstrumento que busca atender e materializar a isonomia (apud FURLAN, 2004, p. 121). Logo, élegítimo asseverar que todo imposto deve ser progressivo, tendo em vista que esta espécie tributáriaé informada pelo princípio da capacidade contributiva. 41

3.4 A progressividade fiscal se aplica aos impostos reais?

3.4.1 Resgatando o debate

Outra classificação aplicável aos impostos, que muito alude ao tema progressividade fiscal,separa-os em pessoais e reais. 42

Impostos pessoais seriam aqueles em que as características particulares dos contribuintes sãoconsideradas no momento da apuração, sendo seu maior exemplo o imposto sobre a renda daspessoas físicas ao ponderar, por exemplo, a situação do contribuinte que tem filhos, bem comooutras despesas pessoais passíveis de abatimento.

Quanto aos impostos reais, tratar-se-iam daqueles cuja apuração dependeria, exclusivamente, damatéria tributável, sendo irrelevantes os aspectos individuais dos contribuintes para suadeterminação. 43 Na qualidade de impostos reais, a doutrina clássica menciona não só o IPTU como,

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também, o ITR (federal) e o IPVA (estadual), nos quais a apuração da base imponível leva em contatão somente os bens considerados.

No sistema tributário atual, é muito improvável encontrar um imposto cuja hipótese de incidência sejainteiramente desvinculada das qualidades intrínsecas do sujeito passivo, 44 sendo difícil defender que

determinado imposto tenha natureza puramente real. 45

Dessa forma, todo imposto é, em certo grau, simultaneamente pessoal e real, pois sempre atinge umsujeito de direito e um patrimônio. A competência tributária estabelecida na Constituição Federal (LGL 1988\3 ) tomará por base uma das manifestações do patrimônio, seja em seu aspecto estático(imóveis, por exemplo), seja em seu aspecto dinâmico (consumo ou renda). Oportuna a ponderaçãofeita por Clève e Sehn (2003, p. 137) a respeito da questão:

"Não há (...) incompatibilidade entre impostos reais e a progressividade. O imposto não deixa de serpessoal e real ao mesmo tempo, porque sempre será devido por um sujeito de direito em razão deseu patrimônio. A diferenciação, na verdade, mostra-se relativa, razão pela qual tanto os impostospessoais, quanto os reais - como é o caso do IPTU - devem ser orientados pelos princípios dacapacidade contributiva e da progressividade."

Para Sacha Calmon, a classificação dos impostos em pessoais e reais é falha, pois os impostos,sejam quais forem, são sempre pagos por pessoas . Nessa linha, entende o autor que o IPTU éimposto pessoal, pois incide sobre o direito de propriedade do contribuinte medindo, pois, suacapacidade contributiva. De acordo com ele, "os impostos sobre a renda e o patrimônio são os quemais se prestam ao princípio da pessoalidade e da capacidade contributiva (renda ganha pelaspessoas e patrimônio das pessoas)" (1999, p. 79).

Em argumentação de mesma natureza, Weiss afirma que "a qualidade do veículo ou imóveldemonstra melhor a situação econômica do contribuinte do que a renda bruta de uma pessoa física,por exemplo, que tanto pode estar livre para gastos quanto inteiramente comprometida comdespesas essenciais" (2006, p. 178). 46

Furlan argumenta que juridicamente não existem impostos reais, uma vez que a relação jurídicasomente pode ocorrer entre duas pessoas e, dessa forma, o imposto, enquanto relação jurídica, serápessoal até porque, aduz, "o imóvel não paga imposto, quem paga imposto é o proprietário do imóvelou o seu possuidor, no caso do IPTU" (2004, p. 35). Mas, pondera, "ainda que acatássemos referidadistinção (entre impostos reais e pessoais) e situássemos o IPTU como um imposto de caráter real",deveria o princípio da capacidade contributiva ser atendido, pois o IPTU consiste em "impostoincidente sobre a propriedade imobiliária - signo incontestavelmente presuntivo de riqueza -, tendocomo sujeito passivo o próprio realizador do fato imponível" (2004, p. 37-38).

Fernandes salienta que o IPTU, apesar de sua classificação como imposto real, deve serpersonalizado, mas em momento algum deixará de ter esta conotação, sob pena de seremdesatendidos "o princípio da isonomia, e por decorrência direta, o princípio da capacidadecontributiva, o princípio da observância do mínimo vital e do não confisco" (2005, p. 245) .

Machado alerta para o fato de o § 1.º do art. 145 não vedar a aplicação do princípio da capacidadecontributiva aos impostos reais, não sendo coerente asseverar que tal postulado se enderecesomente aos impostos de caráter pessoal (2002, p. 58):

"(...) não é razoável admitir-se a inserção, no texto de uma Constituição, seja a nossa seja a dequalquer país civilizado, de um tal princípio vedando a utilização de técnicas que realizem o princípioda capacidade contributiva relativamente aos impostos reais. Entretanto, se um tal princípio pudesseser admitido, ele jamais poderia ser tido como um direito fundamental, pois seria sempre um princípioinjusto. Seria sempre um princípio excepcional, em permanente conflito com o princípio universal dejustiça."

Reconhece-se, assim, a possibilidade cada vez mais cristalina de que os impostos de natureza realsejam graduados, aplicando-se a eles o princípio da capacidade contributiva, por intermédio daexigência de alíquotas progressivas com finalidade fiscal.3.4.2 O entendimento do STF

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A seção anterior concluiu que a tradicional classificação de impostos em pessoais ou reais nãocondiz com o entendimento atual do tema. Deduziu ainda que, mesmo que se aceite a referidaclassificação, a progressividade fiscal deve ser aplicada aos impostos ditos reais e as característicaspessoais dos contribuintes podem ser consideradas para sua mensuração. Nesse sentido, cabemencionar a Súmula 539 ( MIX 2010\2262 ) 47 do STF, segundo a qual "é constitucional a lei doMunicípio que reduz o imposto predial urbano sobre imóvel ocupado pela residência do proprietário,que não possua outro".

O conteúdo da Súmula admite a utilização de aspectos pessoais do sujeito passivo como critériopara redução do IPTU, tradicionalmente classificado como imposto real. Contrariando essaorientação, o STF decidiu, posteriormente, que o IPTU não pode ter alíquotas progressivas parafinalidades fiscais, por se tratar de imposto real, 48 desvelando notável contrassenso.

Esse tema será explicitado adiante. 49

3.5 A progressividade fiscal aplicada ao IPTU

A ideia central deste estudo é de que a técnica da progressividade fiscal, decorrente da aplicação doprincípio da capacidade contributiva, é absolutamente constitucional e deve ser implementada pelosmunicípios, sob pena de ofensa à isonomia, ao princípio republicano e descumprimento dos objetivosdo Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, revestem-se de menor importância as idas e vindas da Jurisprudência sobre amatéria, assim como as alterações legislativas havidas sobre o tema, tendo em vista que a convicçãoora firmada haure-se diretamente de princípio geral informador de todo o ordenamento jurídico - aigualdade.

Não obstante, todos os pormenores que envolvem o tema serão analisados, buscando não sóestofar a opinião manifestada, como também enfrentar os argumentos contrários à progressividadefiscal para que, ao final, os motivos da opinião formada restem plenamente esclarecidos.3.5.1 A progressividade fiscal do IPTU na Constituição Federal

3.5.1.1 Cenário anterior à EC 29/2000

A redação original do § 1.º do art. 156 da CF ( LGL 1988\3 ) assim ditava:

"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

(...)

§ 1.º O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma aassegurar o cumprimento da função social da propriedade."

Essa redação dava azo a múltiplas controvérsias. Parte da doutrina 50 interpretava o texto no sentidode que a única progressividade então autorizada quanto ao IPTU deveria ter finalidade extrafiscal,voltada para a realização da função social da propriedade, nos termos do referido dispositivo e deseu comando específico, contido no art. 182, § 4.º, da CF ( LGL 1988\3 ) :

"Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conformediretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funçõessociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

(...)

§ 4.º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no planodiretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ounão utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - (...)

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II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - (...)."

Uma outra corrente afirmava a possibilidade de instituir uma segunda progressividade, de naturezafiscal, decorrente do princípio da capacidade contributiva, insculpido no art. 145, § 1.º, da CF ( LGL1988\3 ) . Nesse sentido Valéria Furlan, Sacha Calmon, Hugo de Brito Machado, Roque Carrazza,entre outros.

Na esteira desse argumento, diversos municípios brasileiros 51 editaram leis instituindo o IPTUprogressivo com finalidade fiscal, prevendo que quanto maior fosse o valor venal de seus imóveis,maiores seriam as alíquotas aplicadas. Tendo por base o texto constitucional então vigente e adiscussão doutrinária do assunto, muitos contribuintes contestaram judicialmente a exigência,questionando a constitucionalidade da progressividade fiscal instituída nos respectivos diplomaslegais.

Ao analisar a Lei Municipal de Belo Horizonte 5.641, de 22 de dezembro de 1989, o STF, nos autosdo Recurso Extraordinário 153.771-0-MG, 52 por nove votos a um, assim decidiu:

"Ementa: IPTU. Progressividade.

No sistema tributário nacional, o IPTU, inequivocamente, é um imposto real.

Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com baseexclusivamente no seu art. 145, § 1.º, porque esse imposto tem caráter real, que é incompatível coma progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo naconjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com arrimo no art. 156, § 1.º (específico).

A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTUcom finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4.º do art. 182 é a explicação especificada,inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no art. 156, I, § 1.º.

Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atendaexclusivamente ao disposto no art. 156, § 1.º, aplicado com as limitações expressamente constantesdos §§ 2.º e 4.º do art. 182, ambos da Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) ."

A relatoria do acórdão vencedor, inspirada no direito financeiro, que sempre advogou pela distinçãoentre impostos reais e pessoais, coube ao Ministro Moreira Alves, jurista de formação romanista, pormeio do qual o STF se posicionou no sentido que a progressividade fiscal seria inaplicável aosimpostos reais, 53 contrariando orientação anterior, que primava pela pessoalidade do imposto. Alémdisso, manifestou-se pela necessidade de a progressividade estar expressa no texto constitucionalpara ser admitida.54 55

Corroborando o teor do acórdão referido anteriormente ( leading case da questão), o STF aprovou,em sessão de 24.09.2003, a Súmula 668, 56 com o seguinte teor:

"É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000,alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função socialda propriedade urbana."

O panorama posterior à Emenda Constitucional 29/2000, mencionada no enunciado, será tratado nopróximo subitem. Por ora, cabe relembrar que, para este estudo, o entendimento do STF esposadono acórdão do RE 153.771-0-MG e na Súmula 668 é contrário à orientação republicana do modelode Estado instituído pela Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) , ofendendo o princípio da igualdade e,por via de consequência, da capacidade contributiva. 57 Nesse ramo do pensar, esse estudo filia-seao voto vencido do Ministro Carlos Mário Velloso, relator original do acórdão antes referido, paraquem a progressividade fiscal do IPTU poderia ser instituída, sem que se confundisse com afinalidade extrafiscal cunhada na Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) : 58

"O que está na Constituição, ao que me parece, é que é possível distinguir a progressividade fiscal -CF ( LGL 1988\3 ) , art. 145, § 1.º, e art. 156, § 1.º - da progressividade-sanção inscrita no art. 182, §4.º, II.

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A progressividade-sanção, inscrita no art. 182, § 4.º, II, da Constituição, constitui instrumento derealização da Política de Desenvolvimento Urbano (...)

Tem-se, no caso do art. 182, § 4.º, II, a progressividade extrafiscal, distinta da progressividade fiscal(art. 145, § 1.º, art. 156, § 1.º). Noutras palavras, a progressividade no tempo, extrafiscal, inscrita noart. 182, § 4.º, II, da Constituição, não impede a realização da progressividade fiscal (...).

De todo o exposto, ressai a conclusão no sentido de que, forte na Constituição, art. 145, § 1.º, asalíquotas do IPTU deverão ser progressivas, forma aliás de se emprestar a esse imposto caráter depessoalidade, dado que a progressividade, segundo M. Duverger, lembra Hugo de Brito Machado, 'constitui um dos meios mais eficazes de personalização do imposto'."

O voto vencido reconhece a desnecessidade de previsão expressa da progressividade fiscal, tendoem vista que a mesma decorre do princípio da capacidade contributiva que, por sua vez, realiza aigualdade, dando concreção aos objetivos republicanos do modelo de Estado vigente. Para aaplicabilidade da progressividade, é irrelevante:

"Que o texto constitucional expressamente a contemple, pois (...) a normatividade dos princípiosimplícitos é plenamente reconhecida no direito hodierno.

Enfim, é possível (...) discordar da decisão do STF, que declarou inconstitucional qualquerprogressividade no IPTU que não estivesse vinculada à finalidade extrafiscal (...), pelas duas razõesexpostas a seguir.

Primeiro, porque a distinção, quanto à natureza dos impostos, entre pessoal e real, conformesustentado, não tem razão de persistir, à medida que os impostos ditos reais passaram a abarcaruma série de elementos relacionados com as características pessoais do sujeito passivo, razão pelaqual tal distinção, atualmente, está desprovida de utilidade pública.

Segundo, porque a ausência de uma previsão constitucional expressa da progressividade com finsfiscais não constitui óbice (...), posto que tributar progressivamente é corolário lógico do princípio daigualdade" (BUFFON, 2003, p. 116).

Portanto, ainda que a progressividade não tenha sido expressamente autorizada na redação originaldo § 1.º do art. 156 da CF ( LGL 1988\3 ) e, também, malgrado o entendimento do STF quanto à suainaplicabilidade aos impostos reais, opina-se que a instituição da progressividade fiscal, comfundamento no princípio da capacidade contributiva, é legítima - no mínimo, repise-se - desde oadvento da Constituição Federal de 1988, sendo desnecessária sua previsão em dispositivoespecífico.

3.5.1.2 Cenário após o advento da EC 29/2000

Após criar o precedente para o tema no RE 153.771-0-MG, o STF manifestou-se no mesmo sentidoem diversos outros casos, 59 consolidando seu entendimento de que a progressividade para fins deIPTU somente se admitia, então, com a finalidade extrafiscal, para assegurar o cumprimento dafunção social da propriedade.

Esse cenário foi profundamente transformado com o advento da Emenda Constitucional 29, de13.09.2000, 60 que modificou a redação do § 1.º do art. 156 para, então, passar a autorizarexpressamente a instituição da progressividade fiscal voltada para o IPTU, conforme demonstra oquadro a seguir:

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Por meio dessa Emenda, o Poder Constituinte Derivado, ao menos aparentemente, pôs fim àceleuma que o tema provocava, positivando a progressividade como instrumento de materializaçãodo princípio da capacidade contributiva. A partir de então, nada obsta que os poderes públicosmunicipais instituam IPTU com alíquotas progressivas sob a modalidade fiscal, graduando a exaçãoconforme cresça a base imponível do imposto.

Contudo, reafirmando o entendimento aqui defendido, a inovação da EC 29/2000 é ociosa, uma vezque a progressividade já se encontrava autorizada pelo princípio da capacidade contributiva, 61 vezque "(...) em momento algum existiu inconstitucionalidade das alíquotas progressivas instituídaspelos Municípios em suas legislações", 62 tendo em vista que "a progressividade fiscal de alíquotassempre esteve respaldada objetivamente pela Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) , mesmo antes doadvento da Emenda Constitucional 29, de 13.09.2000" (FERNANDES, 2005, p. 370).

A EC 29/2000 não contém qualquer inovação quanto ao alcance do IPTU, mas tão somente umaexplicitação do que já estava contido na Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) , no sentido de queesse tributo deve ser graduado de acordo com a capacidade contributiva dos sujeitos passivos. Aemenda constitucional possui efeitos meramente declaratórios, à medida que "limitou-se a reforçar aideia, consagrada em nosso sistema tributário, de que, para fins de IPTU, quanto maior o valor doimóvel urbano, tanto maior haverá de ser sua alíquota" (CARRAZZA, 2006, p.114) .

Todavia, alguns autores ainda reputam inválida a EC 29/2000, considerando-a inconstitucional porofender direitos e garantias individuais protegidos pelas chamadas cláusulas pétreas, previstas noart. 60, § 4.º, da CF ( LGL 1988\3 ) . 63 Filia-se a essa corrente o renomado tributarista AiresFernandino Barreto (MARTINS et alli, 2008, p. 301), sustentando que:

"O Congresso Nacional possui apenas o denominado poder constituinte derivado. Em virtude doslimites desse poder, cabe-lhe introduzir emendas à Constituição, mas não de modo a invadir a áreaconstituída por cláusulas pétreas. Entre estas estão, sem dúvida, as que garantem aos contribuinteso direito de só serem submetidos à progressividade em face de impostos pessoais.

A Constituição veda a progressividade de impostos de caráter real, como o IPTU. Trata-se de áreaconstitucional intocável, por integrar o conjunto de direitos e garantias atribuídos ao contribuinte pelaConstituição."

Em que pese a notoriedade do professor Aires Barreto, a linha argumentativa por ele adotada éfrágil. Conforme se indicou anteriormente, a antiga segmentação dos impostos em reais e pessoais

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consiste em discussão juridicamente superada (Fernandes, 2005, p. 250). A possibilidade de que osimpostos de natureza real sejam graduados de acordo com as características pessoais docontribuinte é cada vez mais admitida, o que não faz deles - frise-se - impostos de caráter pessoal,sendo mantidas suas propriedades intrínsecas de cunho real (MACHADO, 2003, p. 372). Ademais,não há na Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) qualquer previsão que obste a aplicação daprogressividade aos impostos reais. 64 A respeito da opinião de Aires Barreto, a manifestação deMachado (2002, p. 57):

"A tese, não obstante seja respeitabilíssimo seu autor, é inconsistente, porque: a) não existe naConstituição Federal de 1988 qualquer vedação ao emprego do princípio da capacidade contributivaem relação aos impostos reais, mas, muito pelo contrário, nela existe norma expressa que opreconiza; b) se existisse tal vedação, ela não consubstanciaria cláusula pétrea, porque nãoconstituiria um direito fundamental, mas uma redobrada e flagrante injustiça; c) a progressividade,embora seja instrumento de realização do princípio da capacidade contributiva, pode ser utilizadatambém com a finalidade de desestimular a concentração da propriedade imobiliária, que é funçãodiversa da realizada pelo princípio da capacidade contributiva."

Da mesma forma que Machado, o presente estudo considera disparatada a opinião de que a EC29/2000 ofende direitos e deveres individuais dos contribuintes, 65 mesmo porque este texto defendea ideia de que a progressividade fiscal é exigência do modelo de Estado vigente para realizar osobjetivos republicanos e concretizar a igualdade, por intermédio da capacidade contributiva:

"O fato de o nosso Estado possuir um sistema aberto de normas constitucionais faz com que ainterpretação destas deva ser consentânea com a realidade nacional e, diante da prementenecessidade de uma melhor distribuição de rendas, em face da miséria e da desigualdade queassolam o país, estar-se-ia desatendendo ao sistema, se viesse a ser acatada ainconstitucionalidade de uma Emenda Constitucional que, com muita clareza, só veio a possibilitar ainstrumentalização dos fins maiores do Estado, calcados na concretização da igualdade materialentre os cidadãos" (FERNANDES, 2005, p. 376).

Isto posto, considerados os objetivos, fundamentos e princípios da República, a discussão sobre aconstitucionalidade ou não da EC 29/2000 resiste por mero academicismo, 66 motivo pelo qual seencerra aqui a digressão.3.5.2 O STF precisa rever seus conceitos (e está revendo...)

O entendimento do STF, segundo o qual a progressividade fiscal não pode ser aplicada aosimpostos reais, parece estar com seus dias contados. Isto porque, em junho de 2008, o Ministro ErosGrau, no Recurso Extraordinário 562.045-0-RS, que trata da possibilidade da progressividade dasalíquotas do ITCMD, imposto de competência estadual, incidente sobre a transmissão causa mortis edoação, lavrou voto-vista considerando os princípios da capacidade contributiva e igualdade,independentemente de o tributo ser real ou pessoal.

Embora a questão em debate seja de interesse dos Estados-membros, inegável é o seu reflexo notocante à progressividade do IPTU. O voto-vista abriu divergência com o voto do Relator, MinistroRicardo Lewandowski, tendo sido acompanhado pelos Ministros Carlos Alberto Direito, CarmemLucia e Joaquim Barbosa. O julgamento, contudo, foi interrompido com um pedido de vista doMinistro Carlos Britto, inspirado na ponderação da Ministra Carmem Lucia, para quem essejulgamento seria histórico, posto que implicaria em substancial modificação na orientação até entãoprevalecente na Corte (HASSELAMNN, 2009) .

Também externou sua posição o Ministro Marco Aurélio, na mesma linha do voto-vista do MinistroEros Grau, enfatizando que, quanto ao IPTU, já vinha nos julgamentos de turma adotandoentendimento contrário ao enunciado da Súmula 668, que admite a progressividade fiscal do IPTUapenas após a edição da EC 29/2000.

Ressalte-se que, em março de 2009, o STF, nos autos do Agravo de Instrumento 712.743-7-SP, darelatoria da Min. Ellen Gracie, reconheceu a repercussão geral da matéria, convertendo o AgIn emRecurso Extraordinário, cujo tema de fundo é justamente a possibilidade da progressividade fiscal doIPTU antes da EC 29/2000.

Espera-se 67 que o STF revise seu entendimento, para, enfim, reconhecer que a progressividade

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fiscal do IPTU não depende de previsão expressa e deve ser aplicada aos impostos, sejam elespessoais ou reais, vez que se haure diretamente do princípio da capacidade contributiva, consectárioda igualdade e promotor da justiça fiscal.3.5.3 A aplicação da progressividade fiscal ao IPTU requer a adoção de critérios razoáveis

Tema não muito debatido na doutrina é a forma de aplicação da progressividade fiscal ao IPTU. Comefeito, raros são os autores que se debruçam sobre a questão, fazendo crer que a instituição datécnica, sob qualquer modalidade, possa cumprir os objetivos republicanos. Entretanto, assim não oé. Deve o emprego da progressividade fiscal ser criterioso, para que não implique em ofensa àrazoabilidade, à isonomia e não acarrete efeito de confisco, nem tampouco invada os limites domínimo vital.

3.5.3.1 Somente a progressividade graduada assegura tratamento isonômico

A progressividade fiscal, em sua modalidade simples, não é suficiente para assegurar tratamentoisonômico aos contribuintes. Apesar disso, de acordo com Machado (2004, p. 20), a maioria dosmunicípios brasileiros que adotou a progressividade optou por essa forma de instituição, sendo rarasas exceções, a exemplo do Município de São Paulo, que optaram pela progressividade graduada.

Essa última modalidade significa que, quando da graduação de alíquotas, à medida que crescer abase de cálculo do tributo, faz-se necessário que a alíquota superior apenas incida sobre os valoresque ultrapassem a faixa da alíquota inferior, e assim sucessivamente.

No intuito de reforçar a ideia de que a progressividade fiscal, sob a modalidade simples, nãoimplementa o princípio da capacidade contributiva, é oportuno mencionar um breve exemplo,inspirado em Dantas Filho (2004, p. 67):

Não é preciso aprofundar a digressão para perceber que, se assim for aplicada a progressividadefiscal, o proprietário de um imóvel de R$ 100.000,00 recolherá R$ 1.000,00 a título de IPTU(100.000,00 x 1%), enquanto o proprietário de um imóvel que valha R$ 100.001,00 terá que recolherR$ 2.000,02 para os mesmos fins (R$ 100.001,00 x 2%). Isto é: enquanto a base imponível dosegundo imóvel cresceu apenas R$ 1,00, o valor do imposto foi majorado em R$ 1.000,02 o que, sedúvida, consiste em absoluto tratamento desigual a contribuintes em situação equivalente, uma vezque não é possível diferir a capacidade contributiva de quem possui um imóvel de R$100.000,00daquele que é dono de um imóvel que valha R$ 100.001,00. 68

A distorção acima indicada também pode acarretar práticas arbitrárias na avaliação dos imóveis:

"Como essa avaliação é geralmente fruto de atividade unilateral, desenvolvida por agentes do Fiscomunicipal, é previsível que tais agentes elevem a avaliação de alguns imóveis, ou reduzam de outrostantos, em poucos reais, apenas com o propósito de os incluir em diferentes faixas para fins decálculo do imposto" (MACHADO, 2004, p. 25).

Para endossar a ideia de progressividade fiscal graduada, aplicada ao IPTU, cabe mencionar oexemplo da legislação adotada pela capital paulista (idem, p. 23):

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"A legislação pertinente ao IPTU do Município de São Paulo, por exemplo adota uma alíquota básicaque é de 1,0% para imóveis utilizados exclusiva ou predominantemente como residência, aplicadasobre o valor venal do imóvel, do qual é reduzido, ou acrescentado, o percentual correspondente acada faixa da seguinte tabela:

Os descontos, ou acréscimos, são calculados sobre a porção do valor venal do imóvel compreendidaem cada uma das faixas de valor venal dessa tabela."

Na opinião de Machado, a progressividade do IPTU na forma graduada é constitucional, mas naforma simples não é, 69 porque contraria o princípio da isonomia, além de não condizer com osprincípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Assim, a aplicação da progressividade fiscal ao IPTU deve ocorrer sob a modalidade graduadaporque, do contrário, não se estará respeitando os objetivos republicanos do modelo estatal instituídopela Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) . 70

3.5.3.2 Para ser isonômica, a progressividade deve incidir sobre a soma dos valores venais dosimóveis de um mesmo sujeito passivo

O entendimento corriqueiro sobre a progressividade fiscal induz à ideia de que o seu emprego devase dar sobre o valor venal dos imóveis individualmente considerados. Assim, as alíquotas irão variarde acordo com os valores venais de cada imóvel, tomando-se por base os registros constantes docadastro imobiliário municipal. A cada relação de propriedade, de domínio útil ou de posse de bensimóveis, a base de cálculo adotada seria o valor venal atribuído àquele imóvel, tomado isoladamente.

Este procedimento, contudo, é outro aspecto questionável da aplicação da progressividade fiscal aoIPTU, sob a ótica da isonomia. Considere o exemplo de um município em que a alíquota de imóveiscom valor venal inferior a R$ 200.000,00 seja de 0,5% por cento, e com valor igual ou superior aesse quantum seja de 1%. O proprietário de imóvel único de R$ 200.000,00, que provavelmente outiliza para residir, teria que recolher R$ 2.000,00 a título de IPTU (R$ 200.000,00 x 1%), enquantoum outro proprietário, dono de 4 (quatro) imóveis avaliados, cada qual, em R$50.000,00, que osutiliza para outros fins (locação ou especulação imobiliária), teria que arcar com a exigência domontante de R$ 1.000,00 [(R$ 50.000,00 x 4) x 0,5%]. Embora ambos exteriorizem a mesmacapacidade contributiva, a exação para o primeiro contribuinte seria 100% mais onerosa.

Neste caso, por ofensa à igualdade, a aplicação da progressividade enseja críticas, uma vez que nãose pode admitir que o proprietário de um único imóvel, mais valioso, possa ser mais onerado queaquele que possua diversos imóveis, menos valiosos, cujo valor venal total, contudo, sejaequiparável, resultando em injustificado tratamento distinto para contribuintes em situaçãoequivalente. Barreto (MARTINS et alli, 2008, p. 303) é um dos críticos da progressividade acomungar dessa opinião. É dele o argumento abaixo, que avigora o entendimento:

"(...) o emprego da progressividade, no caso do IPTU, (...) também implica inconstitucionalidade, porofensa ao princípio da isonomia. Deveras, se o discrímen se der pelo valor de cada imóvel, ficarãoem condição altamente privilegiada (infringindo a Constituição) os inúmeros proprietários (...) cujosimóveis, de per si considerados, tenham valor venal baixo, em confronto com os titulares de um sóimóvel, de valor expressivo. Figuremos um exemplo: se o titular de único imóvel de R$ 150.000,00ficar sujeito ao IPTU, em razão de uma alíquota de 1,8%, e outro, titular de centenas de imóveis depequeno valor, for submetido ao imposto com base em alíquota de 0,5%, ter-se-á, nesse caso,

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flagrante ofensa ao princípio da igualdade. Na verdade, estar-se-á a pôr às avessas as diretrizesdesse princípio. Mais flagrante fica essa inversão em legislações que isentam os proprietários deimóveis, cujo valor seja de pouca expressão relativamente ao dono de inúmeras propriedades."

A enfrentá-lo, mais uma vez, encontra-se a opinião de Machado. A respeito da isenção relativa aosimóveis de pequeno valor, o notável tributarista cearense aduz que "as leis municipais geralmentecondicionam a isenção ao fato de o proprietário não possuir outro imóvel no Município, de sorte queo argumento fica total e definitivamente afastado" (2003, p. 375).

Quanto ao argumento que compara o proprietário de um só imóvel mais valioso e o proprietário devários imóveis de valor baixo, Machado também entende não ser possível aceitar tal raciocínio, sobos seguintes fundamentos (2002, p. 61):

"(...) não tem consistência o argumento que parte da comparação entre o proprietário de um únicoimóvel de valor elevado e o proprietário de vários imóveis cada um deles de pequeno valor. Oproprietário do imóvel de valor elevado geralmente dele desfruta, ocupando-se como residência. Equando o aluga, e assim transfere, mediante cláusula contratual, o ônus do imposto ao locatário, esteé pessoa de elevada capacidade contributiva. Já o proprietário de vários imóveis, sejam casas, lojas,unidades autônomas destinadas à locação, geralmente consegue transferir, mediante cláusulacontratual, o ônus do imposto para o respectivo locatário. Assim, em face da repercussão jurídica, viacontrato de locação, o imposto termina sendo suportado pelos locatários que, em se tratando deimóveis de pequeno valor, geralmente têm menor capacidade contributiva do que o proprietário, e doque o locatário de imóveis de elevado valor."

Em que pese a arguta observação de Machado, deve-se assinalar que o fundamento de sua tesenão é consistente para o caso, tendo em vista o teor do art. 123 do CTN ( LGL 1966\26 ) , 71 segundoo qual as convenções entre particulares, relativas ao pagamento de tributos, não podem ser opostasà Fazenda Pública. Significa dizer que a cláusula de um contrato de locação que repasse aresponsabilidade sobre o pagamento do IPTU ao locatário de nada vale para a Fazenda Pública,uma vez que, em caso de inadimplência, a cobrança irá recair sobre o contribuinte do imóvelregistrado nos cadastros do município (no caso, o locador/proprietário). Em última análise, a tese deMachado somente teria validade para os casos em que o imposto fosse devidamente quitado, daí asua precariedade. 72

Para evitar que a progressividade seja tida por anti-isonômica, a solução para o caso repousa naaplicação das alíquotas progressivas não sobre cada imóvel, de forma isolada, e sim sobre oconjunto dos imóveis de um mesmo contribuinte, 73 de forma a permitir que se afira adequadamentea capacidade contributiva. Nesse sentido, a opinião de Teixeira (2006, p. 188), para quem apropriedade predial e territorial urbana "há de considerar o universo formado pelo conjunto dos bensprediais e territoriais de um mesmo sujeito passivo, dentro da zona urbana de um mesmoordenamento de competência tributária municipal", sendo a base de cálculo do IPTU "a soma dosvalores venais dos imóveis desse sujeito passivo".

Para o autor gaúcho, instituir a progressividade e aplicá-la sobre o valor venal individual de cada bemconstitui infringência ao princípio constitucional da igualdade tributária:

"(...) Com efeito, ofende a igualdade tributária impor, no âmbito de um mesmo ordenamento decompetência municipal, alíquotas menores a quem possui muitos imóveis e alíquotas maiores aquem possui número menor de imóveis, cuja soma de seus valores seja inferior à soma dos valoresdos imóveis do primeiro, mas cujos valores unitários, entretanto, sejam superiores" (2006, p. 189).

Machado também é defensor dessa tese, cuja adoção, para ele, serviria de desestímulo àconcentração da propriedade imobiliária, função distinta da que realiza a capacidade contributiva.Assim, melhor seria se a EC 29/2000 tivesse permitido "a progressividade do IPTU em relação aovalor total dos imóveis de um mesmo contribuinte, pois assim seria mais eficaz esse imposto comoinstrumento para o combate da concentração da riqueza imobiliária" (2002, p. 60).

Este estudo filia-se ao entendimento de que a progressividade fiscal, para estar afinada aos objetivosrepublicanos de busca da igualdade, deva ser instituída de modo a considerar o total dos valoresvenais dos imóveis de cada sujeito passivo, propiciando uma mensuração justa da capacidadecontributiva para fins de IPTU.

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3.5.3.3 Sob pena de invadir o mínimo vital e incidir em confisco, as alíquotas progressivas precisamser razoáveis 74

A legislação municipal deve observar limites ponderados para a exigência tributária progressiva,evitando que a mesma possa caracte-

rizar ofensa ao princípio disposto no art. 150, IV, da CF ( LGL 1988\3 ) . 75

Há na doutrina defensores da tese de que o princípio da não confiscatoriedade deriva do princípio dacapacidade contributiva, razão pela qual as leis instituidoras dos tributos não poderão compelir oscontribuintes a colaborar com as despesas públicas além de suas possibilidades (CARRAZZA, 2006,p. 99). O imposto que exaurir a riqueza passível de tributação das pessoas será confiscatório, poisnão estará considerando suas respectivas capacidades econômicas. 76

No caso do IPTU, o princípio que veda utilizar a tributação com efeito de confisco revigora o direitode propriedade quando assegura ao cidadão o direito de não ter seu bem irrazoavelmente atingidopelo Estado tributante. 77

Ademais, os recursos econômicos necessários à satisfação das necessidades básicas das pessoas(mínimo vital), garantidas pela Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) , mormente em seus arts. 6.º e 7.º(educação, moradia, saúde, vestuário, lazer, alimentação, transporte etc.), não podem ser objeto deincidência tributária.

Não é tarefa fácil examinar se um tributo está ou não ostentando efeitos de confisco, devendo oPoder Judiciário ser provocado para, de acordo com os princípios da igualdade, da capacidadecontributiva, da função social da propriedade e da dignidade da pessoa humana, avaliar o caso econcluir se a exação atingiu ou não as raias do confisco (CARRAZZA, 2006, p. 101). Em razão daausência de critérios precisos para a aferição do conceito de não confisco, o STF recomenda que sebusque inspiração no princípio da razoabilidade, evitando afetar o patrimônio do contribuinte demaneira insensata. 78

3.5.4 A progressividade fiscal aumenta a carga tributária?

Há na doutrina quem critique a progressividade fiscal sob o argumento de que a mesma concorrepara o aumento da carga tributária e, consequentemente, estimula a inadimplência, o que podeacarretar a redução da arrecadação. 79 Entretanto, analisando a questão com olhos despidos depreconceitos, não é difícil concluir que tal opinião não passa de mero açodamento.

Comparando a participação do pagamento do IPTU na renda mensal por unidade familiar, emcapitais brasileiras que aplicam e que não aplicam alíquotas progressivas, Carvalho Jr. obteve dadosesclarecedores a respeito da questão:

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De um modo geral, verifica-se naqueles municípios que adotaram a progressividade fiscal que opagamento do imposto tende a comprometer mais suavemente o orçamento das camadas de maisbaixa renda, ao passo em que as classes de maior renda tendem a comprometer uma parcela maiorde seus rendimentos, o que denota que a progressividade fiscal é um eficiente instrumento noaprimoramento da equidade tributária. Após analisar os dados coletados, Carvalho Jr. concluiu que(2006, p. 33):

"A introdução de alíquotas progressivas pelas administrações municipais (...) não elevou a

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arrecadação do imposto nas (...) capitais brasileiras analisadas, porém tornou sua distribuição maisuniforme pelas classes de renda, perdendo seu elevado caráter regressivo" (grifos acrescidos).

Portanto, a ideia de que a progressividade fiscal eleva a carga tributária 80 não é real, uma vez quesua finalidade, inspirada no princípio da capacidade contributiva, é muito mais de atribuir, àtributação, critérios de igualdade e de justiça, refinando seus reflexos sobre os contribuintes, do quepropriamente estimular a atividade arrecadatória dos entes tributantes. 81

4. Conclusão

Ao afirmar que a República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito, aConstituição Federal ( LGL 1988\3 ) consagrou um modelo estatal que tem o objetivo principal deconstruir uma sociedade justa e solidária, em que se busque reduzir as desigualdades sociais epromover o bem de todos, sem discriminações ou privilégios arbitrários.

Na perseguição de uma igualdade efetiva, a tributação pode exercer importante papel vez que, emfunção do princípio da capacidade contributiva, o ato de pagar tributos não pode ser visto como meraimposição legal destinada a carrear recursos, mas como iniciativa intrinsecamente relacionada àsolidariedade com os menos favorecidos, oportunidade de mitigação das distorções da sociedadebrasileira.

Para tal finalidade, a progressividade fiscal poderá ser aplicada ao IPTU, de maneira que, porintermédio da elevação das alíquotas, os imóveis de maior valor venal sejam mais tributados que osimóveis menos valorizados, dando efetividade ao princípio da capacidade contributiva.

Contudo, mesmo estando a progressividade fiscal alinhada à ideia de justiça fiscal e aos objetivosrepublicanos, muita polêmica circunda o tema. No campo da doutrina, autores criticam a técnicaafirmando que a mesma não pode recair sobre impostos reais ou que sua adoção pode acarretarofensa à isonomia. Defendem que a mera proporcionalidade, decorrente da aplicação de alíquotaúnica sobre base de cálculo variável, é suficiente para atender as exigências do Estado social.

No campo jurisprudencial, o STF, embora dê sinais de que esteja disposto a rever sua posição,mantém-se extremamente conservador, permanecendo contrário à adoção de alíquotas progressivaspara impostos reais, bem como não admitindo a progressividade fiscal instituída anteriormente à EC29/2000.

As conclusões do presente estudo, entretanto, apontam noutra direção, tendo ficado claro quesomente a progressividade fiscal pode efetivar, no âmbito do IPTU, o princípio da capacidadecontributiva, fazendo com que o sujeito passivo economicamente mais fraco pague,proporcionalmente, menos imposto que o sujeito passivo economicamente mais forte, em harmoniacom os fundamentos da República.

Além disso, firmou-se a opinião de que a progressividade fiscal deve ser estendida a todos osimpostos, sejam pessoais ou reais, mesmo que não haja expressa previsão na Constituição Federal (LGL 1988\3 ) , desde que a natureza do tributo assim permita, por consistir em efetivação dacapacidade contributiva.

Portanto, embora a Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) faculte a adoção da progressividade fiscalcom relação ao IPTU, este trabalho se posiciona pela imperatividade de sua aplicação pelosmunicípios brasileiros, tendo em vista que somente nesse caso se atribuirá, à exigência tributária,componentes de efetiva justiça fiscal e isonomia, valores que buscam transcender o plano formal daigualdade.

Para tanto, há de ser critério na instituição da progressividade fiscal, razão pela qual este trabalhodedicou atenção aos procedimentos que devem ser observados quando de sua implementação.Nessa esteira verificou-se que somente a modalidade graduada da progressividade fiscal é legítima.Concluiu-se, também, que a aferição da capacidade contributiva, para efeito de IPTU, devecontemplar o conjunto de bens imóveis de um mesmo sujeito passivo - situados na zona urbana domunicípio considerado. Dessa forma, as alíquotas progressivas seriam aplicadas sobre a soma dosvalores venais de todos os imóveis pertencentes ao mesmo contribuinte, visando retratar, com maiorjustiça, a riqueza que o seu patrimônio imobilizado exterioriza.

Esta providência serviria, também, para promover a desconcentração da riqueza imobiliária, bem

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como permitiria que se capturasse eventual valorização imobiliária decorrente de obras públicas, vezque não faz parte da cultura tributária brasileira a cobrança de contribuições de melhoria.

Não menos importante é salientar que as alíquotas progressivas devem ser razoáveis, de modo aevitar que tenham efeitos confiscatórios e alcancem o patrimônio dos contribuintes de formaexcessiva. Com isso, evita-se também que as pessoas tenham suas necessidades básicas,verdadeiras garantias constitucionais, prejudicadas pelo fisco.

Por fim, fez-se questão de demonstrar que a aplicação de alíquotas progressivas não tem o condãode aumentar a carga tributária, mas sim de aprimorar a justiça da tributação, refinando os reflexos desua incidência, de sorte a assegurar que os contribuintes sejam exigidos de acordo com suasrespectivas capacidades contributivas, na tentativa de atenuar os históricos índices de desigualdadeque a sociedade brasileira ostenta.5. Referências bibliográficas

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54. Para Furlan (2004, p. 136), esse argumento desvela uma hermenêutica sofrivelmente tacanhaporque, para ela, utilizar a interpretação literal para compreender o sentido de preceito constitucional,diante do atual estágio de desenvolvimento do debate jurídico, é técnica deveras rudimentar.

55. Também nesse sentido conferir j. referente à ADIn 2.010-2-DF, rel. Min. Celso de Mello, set/99,DJ 12.04.2002, p. 51).

1. De acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), a carga tributária brasileiraao final de 2009 foi de 35,02% do PIB, a maior da América Latina.

2. Base de cálculo do IPTU (art. 33 do CTN ( LGL 1966\26 ) ) representa o valor que o imóvelalcançará para compra e venda, à vista, segundo as condições usuais do mercado imobiliário, sendoaceita uma variação de até 10% (dez por cento).

3. "Art. 3.º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir umasociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e amarginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sempreconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."

4. Pagar tributos não é, para Greco (ob. cit., p. 185-186), mera imposição a que o sujeito passivo sesujeita por força de lei, mas postura ligada à solidariedade com os contribuintes de menor renda.

5. De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2009, o Brasil possui uma dasmaiores concentrações de renda do planeta: a renda controlada pela parcela 1% mais rica dapopulação é equivalente à da parcela representada pelos 50% mais pobres. Ademais, as diferençasse aprofundam quando se considera, além da renda, o patrimônio acumulado. Maiores informaçõesem www.pnud.org.br/rdh.

6. Tributo de competência municipal, tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a possede bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zonaurbana do município. Seus contribuintes são o proprietário, o titular do domínio útil ou o possuidor aqualquer título de bem imóvel, e sua base de cálculo é o valor venal do bem considerado (arts. 32 a34, do CTN ( LGL 1966\26 ) ).

7. O art. 33 do CTN ( LGL 1966\26 ) determina que a base de cálculo do IPTU é o valor venal doimóvel. A doutrina majoritária explica que valor venal é aquele que o imóvel alcançaria para compra evenda à vista, verificadas as condições do mercado imobiliário, aceitando-se uma variação de 10%,para cima ou para baixo. O valor venal deve ser apurado pelas administrações tributárias municipais,por intermédio das informações constantes do cadastro imobiliário e da planta genérica de valores,instrumento por meio do qual se faz a avaliação em massa dos imóveis urbanos existentes em ummunicípio, a partir de critérios técnicos estabelecidos, nos quais se fixa um valor padrão para o metroquadrado e se determina o valor do imóvel, tendo-se em vista sua área e sua classificação. Deacordo com o STF, para ser válida a planta de valores precisa ser instituída por lei, posiçãocontestada por parte da doutrina tributarista.

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8. Este método obedece, basicamente, às seguintes etapas: a) mensura-se o valor do solo urbanopara determinada zona fiscal ou quadra, considerando fatores como acesso a serviços públicos,distância do centro etc.; b) estipula-se o valor da edificação, tendo em vista idade do imóvel,profundidade, testada, tipologia construtiva etc.; c) após a aplicação de fatores, tanto para o terrenoquanto para a edificação, calcula-se o valor venal e emprega-se a alíquota vigente.

9. Por outro lado, "os imóveis de valores de mercado mais baixos costumam ser avaliados com umadefasagem menor (às vezes até mesmo acima do valor de mercado), porque os municípios nãocostumam desconsiderar aspectos subjetivos, porém determinantes, do preço do imóvel. Além disso,o baixo valor do imposto cobrado e o baixo nível de contestação judicial das classes de renda maisbaixa dão fortes incentivos à perpetuação dessa regressividade" (grifos acrescidos) (CARVALHOJR., 2007, p. 11).

10. Estudo elaborado por técnicos do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), apartir da experiência das auditorias de receita realizadas em municípios fluminenses, demonstra queas plantas de valores, instrumentos de avaliação em massa dos imóveis urbanos, para fins deincidência do IPTU, não são revisadas com a periodicidade adequada, acarretando longos períodosde defasagem (superiores a 20 anos, em alguns casos), fazendo com que as modificações urbanasocorridas ao longo dos anos não sejam consideradas. Além disso, foram verificadas localidades emque sequer havia planta de valores instituída. Também se apurou que "as Prefeituras não dispõem,em seus quadros, de profissionais (...) especializados em engenharia de avaliações, sendo asavaliações imobiliárias, para fins de tributação, realizadas, em regra, por corretores de imóveis",prática imprópria, uma vez que os laudos emitidos por tais profissionais se baseiam exclusivamentena "experiência pessoal adquirida, sem empregar metodologias baseadas em normas técnicas elegais, bem como critérios objetivos de cálculo" (AGUIAR et alli, 2006, p. 14-15).

11. "No Brasil, é comum a administração municipal adotar critérios políticos ou grosseiros paraavaliação de imóveis, principalmente em pequenas cidades. Em muitas dessas cidades é criada umacomissão de vereadores para atualizar a Planta Genérica de Valores sem nenhum critério técnico.Mesmo em cidades maiores, que têm diretrizes mais técnicas para a avaliação imobiliária, variáveisrelevantes, comumente de natureza subjetiva, costumam estar excluídas do processo de avaliação.(...) Os municípios costumam usar apenas variáveis de natureza mais objetiva, como proximidade deescola e posto de saúde, distância do centro urbano, existência de abastecimento de água eesgotamento sanitário, acesso a transportes públicos, entre outras" (CARVALHO JR., 2006, p.22-23).

12. De acordo com Fernandes, a carga tributária do IPTU residencial não supera 0,12% do PIB, oque equivale apenas à oitava parte do que os países desenvolvidos arrecadam (2005, p. 25).

13. Nas 10 (dez) cidades fluminenses de até 10 mil habitantes (Macuco, São José do Ubá, Rio dasFlores, Varre-Sai, Laje do Muriaé, Comendador Levy Gasparian, Aperibé, São Sebastião do Alto,Carapebus e Areal), a arrecadação de IPTU representou, em 2007, 0,53% da receita total, enquantoas transferências representaram em média 70,29%. O quadro nas 10 (dez) cidades com populaçãosuperior a 200 mil habitantes (Magé, Volta Redonda, Petrópolis, Campos dos Goytacazes, BelfordRoxo, São João de Meriti, Niterói, Nova Iguaçu, Duque de Caxias e São Gonçalo) é, contudo,diferente: enquanto o IPTU representou em média 5,61% da receita total, as transferênciasresponderam por 59,86%. Vê-se nas maiores cidades uma tendência de que a dependência dosrecursos transferidos seja menor, havendo maior ênfase na arrecadação das receitas decompetência própria dos municípios (Fontes: 1) população: censo de 2000 [IBGE]; 2) dados sobre aarrecadação: Secretaria Geral de Planejamento do TCE-RJ, disponíveis em www.tce.rj.gov.br .Dados compilados pelo autor).

14. "Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição,previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente daFederação."

15. "Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintestributos: (...) III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas."

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16. Greco (2004, p. 43) ressalta que a Constituição Federal de 1988 resultou de grande embate entreforças conservadoras e progressistas. "O produto final deste confronto ideológico não foi nem umEstado de Direito meramente protetivo, nem um Estado Social meramente intervencionista. Oproduto final deste confronto ideológico está retratado no art. 1.º que estabelece ser o Brasil umEstado Democrático (=social), de Direito (=protetivo). Isto significa que a Assembleia NacionalConstituinte não optou entre linhas ideológicas opostas; ao contrário, assumiu uma decisão decompromisso no sentido de acolher ambas as visões. Isto fez com que o texto aprovado (aConstituição de 1988) resultasse de uma fusão de duas linhas ideológicas dando vida a essa figurahíbrida que é o Estado Democrático de Direito".

17. De acordo com Weiss (2008), a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais ea promoção da igualdade são valores - expectativas e anseios sociais - associados à tributação,devendo nortear a elaboração de todas as normas e a interpretação dos princípios.

18. Ataliba ressalta que o cunho nitidamente social de nossa Constituição obriga que os impostosbusquem promover a redistribuição de renda por intermédio do método da progressividade (1990, p.237), cuja aplicação serve às democracias que se dizem compromissadas com a igualdade e ajustiça social (BALEEIRO, 2003, p. 8).

19. "Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aosEstados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) II - instituir tratamento desigual entre contribuintesque se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupaçãoprofissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dosrendimentos, títulos ou direitos; (...)."

20. Muito embora a maioria dos autores sustente que a capacidade contributiva é absorvida pelaigualdade, Amaro (2004, p. 138), na companhia de Marco Aurélio Greco e Hugo de Brito Machado,alerta que a capacidade contributiva não se esgota na realização do princípio da igualdade: "Doiscontribuintes em idêntica situação têm direito a tratamento igual; todavia, além disso, têm também(ambos e cada um deles) o direito de não ser tributados além de sua capacidade econômica. Se deambos fosse exigido idêntico imposto abusivo, não os ampararia a invocação da igualdade (queestaria sendo aplicada), mas a da capacidade contributiva".

21. Machado chega mesmo a afirmar que, independentemente de previsão constitucional explícita, oprincípio da capacidade contributiva "deve ser visto como um princípio de justiça, e assim deve serseguido pelo intérprete das normas tributárias em geral", sendo "universal a consciência do princípioda capacidade contributiva como norma de Justiça" (2001, p. 65-66).

22. Baleeiro anota que a capacidade contributiva surgiu expressamente prevista na CF ( LGL 1988\3) /1946 (art. 202), mas teve seu embrião no art. 179, n. 15, da Carta Constitucional de 1824, queprevia : "Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tempor base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição doImperio, pela maneira seguinte. (...) XV. Ninguem será exempto de contribuir pera as despezas doEstado em proporção dos seus haveres" (2003, p. 687).

23. Rosa Jr. (2005, p. 325), na companhia de Sacha Calmon (1999, p. 75-76), ressalta que maisprecisa era a redação do art. 202 da CF ( LGL 1988\3 ) /1946, que não ensejava maiores dúvidaspara o intérprete: "Os tributos terão caráter pessoal sempre que possível e serão graduadosconforme a capacidade econômica do contribuinte".

24. Rosa Jr. afirma preferir, em lugar da expressão "capacidade econômica", adotada pelo legisladorconstituinte originário, a expressão "capacidade contributiva", uma vez que "significa a capacidadeeconômica do contribuinte relacionada com a imposição específica ou global, sendo, portanto,dimensão econômica particular de sua vinculação ao poder tributante". Nesse mesmo sentido, Weissanota que quase toda a doutrina prefere capacidade contributiva, e salienta: "Não há oposição entreelas, sendo razoável afirmar que capacidade contributiva é a capacidade econômica que interessa àtributação" (2006, p. 176).

25. Agudo como de hábito, Paulo de Barros Carvalho critica a inutilidade da expressão sempre quepossível, afirmando que o direito somente incorre no campo do possível (2000, p. 202):

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"Redundância tosca, que podemos relevar da parte do político, mas inadmissível quando recebe achancela descritiva do cientista. A cláusula sempre que possível está pressuposta em toda equalquer regulamentação da conduta, por um motivo muito simples: as normas jurídicas incidem,exclusivamente, no campo dos comportamentos possíveis, representando inusitado absurdodeôntico regular a conduta necessária (é permitido respirar; é obrigatório respirar; ou é proibidorespirar) ou a conduta impossível (é proibido, permitido ou obrigatório ir ao planeta Marte no próximofim de semana). A região material sobre que incide o Direito para governar as relações deinterpessoalidade, orientando-as no caminho da realização dos conteúdos axiológicos que asociedade persegue, é uma e somente uma: a região da conduta possível. Tanto assim que asupressão radical da cláusula em nada prejudica o produto legislado" (grifos do autor).

26. Carrazza (2006, p. 102) alerta não ser da índole do ICMS ser graduado de acordo com acapacidade contributiva dos contribuintes, "nem dos impostos que, como ele, são chamados, pelaCiência Econômica, de indiretos (v.g., o IPI)", uma vez que se tratam de tributos que, "por injunçãoconstitucional, devem ter seu encargo financeiro repassado a terceiros (em geral, o consumidorfinal)".

27. Sacha Calmon é da opinião que o princípio da capacidade contributiva não é dispositivoprogramático, noção segundo ele superada pelo moderno constitucionalismo, mas sim princípioconstitucional de eficácia plena, que confere ao cidadão-contribuinte direito público subjetivo,oponível ao legislador.

28. Concepção de José Souto Maior Borges (apud CARRAZZA, 2006, p. 93).

29. A opinião de Fernandes aponta a mesma direção: "No campo tributário, o princípio que realiza oideal republicano é o da capacidade contributiva e este se manifestará no IPTU tanto na sua facetaobjetiva como fato-signo presuntivo de riqueza, como na sua faceta relativa, por meio da aplicaçãode alíquotas progressivas com finalidades fiscais" (2005, p. 87).

30. "(...) a só propriedade do imóvel luxuoso constitui-se numa presunção iuris et de iure deexistência de capacidade contributiva (pelo menos para fins de tributação por via de IPTU). Estariainaugurado o império da incerteza se a situação econômica individual do contribuinte tivesse que serconsiderada na hora do lançamento deste imposto" (grifos em negrito acrescidos) (CARRAZZA,2006, p. 107).

31. De Carrazza também é o seguinte exemplo (idem, p. 90): "Todos haverão de concordar comigoque não tem sentido dizer que alguém que ganhou de presente um automóvel da marcaMercedez-Bens, modelo do ano, tem que pagar menos IPVA porque é pobre. Não. Se esta pessoanão tem como pagar o IPVA incidente sobre seu veículo de luxo, deve, na pior das hipóteses,vendê-lo".

32. O Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, não deixa dúvidas ao mencionar asprovidências necessárias para romper as relações de produção burguesas, quando o proletariadotomasse o poder: "(...) nos países mais adiantados, as seguintes medidas poderão geralmente serpostas em prática: 1. expropriação da propriedade latifundiária e emprego da renda da terra emproveito do Estado; 2. imposto fortemente progressivo; 3. abolição do direito de herança; (...)" (grifosacrescidos).

33. McCulloch comparava o fisco progressivo aos selvagens que (...) abatiam as árvores para acolheita dos frutos. Para outros, era o abutre a devorar as próprias entranhas ou o roubo graduado(Baleeiro, 2003, p. 752).

34. "Com isso, transcende-se o mecanismo singelo da proporcionalidade, alcançando-se umaprojeção de maior penetração sobre a parcela de patrimônio imobiliário de maior valor" (Santos,2009, p. 200).

35. "Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal,conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento dasfunções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. (...) § 4.º É facultado ao PoderPúblico municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da

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lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promovaseu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - (...) II - imposto sobre apropriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; (...)."

36. Extrafiscalidade é, portanto, o emprego da tributação para fins ordinatórios - não fiscais (no casodo IPTU, urbanísticos) -, isto é, para induzir virtuais contribuintes a fazerem ou absterem-se de fazeralguma coisa (FURLAN, 2004, p. 144).

37. Vide subitem 3.5.3.1.

38. Buffon alerta não ser razoável admitir que a progressividade fiscal seja aplicável somente aostributos não vinculados em função da redação do § 1.º do art. 145 da CF ( LGL 1988\3 ) apenasmencionar a espécie tributária imposto, tendo em vista que tal entendimento, baseado nainterpretação literal do texto constitucional, é muito tacanho para ser aceito no atual estágio dedesenvolvimento dos debates jurídicos no Brasil (2003, p. 97).

39. Além de Ataliba, filiam-se a esse entendimento Hugo de Brito, Roque Carrazza e Sacha Calmon.

40. A classificação dos tributos em vinculados e não vinculados refere-se a uma atuação do PoderPúblico, cujo substrato é eminentemente jurídico, "pois repousa na observação fiel das hipóteses deincidência dos vários tributos, em confronto com as respectivas bases de cálculo" (CARVALHO,2000, p. 35). Assim, toda vez que estiver expressa uma ocorrência que implique em atuação doEstado, o tributo será vinculado, podendo esta vinculação dar-se de forma direta ou indireta. Modelosde vinculação direta são as taxas, previstas no art. 77 do CTN ( LGL 1966\26 ) , tributo associado auma atuação estatal diretamente vinculada ao contribuinte, enquanto a vinculação indireta érepresentada, por exemplo, pela contribuição de melhoria, cujo fato gerador deriva da realização deuma obra pública que provoque a valorização dos imóveis adjacentes, conforme estabelece o art. 81do CTN ( LGL 1966\26 ) . Os tributos não vinculados, por seu turno, têm por hipótese de incidênciaum fato alheio a qualquer atuação do Poder Público. São exemplos, por excelência, desta categoriaos impostos.

41. Com a ressalva de que alguns impostos, em razão de sua natureza, não serão adequados àaplicação da progressividade, tendo em vista que seu encargo financeiro é repassado para os preçosdas mercadorias, sendo seu valor final igual para todos os consumidores, sejam ricos ou pobres -casos do ICMS e do IPI.

42. Na opinião de Machado (2004, p.19), tal divisão deriva da classificação mais antiga dos impostosque se tem notícia, posto que tem origem nos jurisconsultos romanos (DIGESTO, 50,4,I).

43. "Os impostos reais, como a própria etimologia da palavra explica, assentam sobre amaterialidade da coisa, com abstração da pessoa do contribuinte. Paga, por exemplo, o solo,imposto territorial a tantos cruzeiros por hectare ou a 1% sobre o seu valor venal, pouco importandoque o proprietário seja celibatário, ausente, rico, que o conserve na expectativa de valorização oupara caçadas (...)" (BALEEIRO, 2003, 746).

44. Ataliba (1990, p. 238), lembrando lição de Misabel Derzi e Sacha Calmon, ressalta que "todos osimpostos, a rigor, são pessoais, pois não há tributo que incida sobre coisa em si, e a norma jurídicasó regula comportamento de pessoas" e, referindo-se ao IPTU, que o "imposto sobre a propriedadeimobiliária urbana tem como pressuposto o direito de propriedade, noção jurídica que inclui,necessariamente, a pessoa titular do direito".

45. Harada (1999) assim esclarece a questão, particularizando-a para o IPTU: "Hoje, não é maispossível classificar os impostos, a priori, em reais ou pessoais, impondo-se o exame do fato geradora cada caso concreto. Para se ter uma ideia, só em relação aos aposentados foram apresentadas,dentre outras, as seguintes proposituras visando isenção ou redução do IPTU: aposentado com maisde 65 anos que possua um único imóvel; aposentado enfermo; aposentado que tenha participado daFEB; aposentado que ganhe até cinco salários mínimos; aposentado que tenha plantado árvorefrutífera no quintal do prédio etc. À toda evidência, a divisão dos impostos em reais e pessoais,segundo a doutrina clássica, já perdeu a nitidez. Só o exame do fato gerador do imposto, em todosos seus aspectos, possibilitará a sua classificação". Fernandes esclarece que benefícios como esses

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(isenção para hipossuficientes) vão de encontro à proteção do mínimo vital a ser assegurada pelosistema constitucional tributário, ainda que para isto tenha que se dar caráter subjetivo ao IPTU(2005, p. 204-205).

46. Ideia expressa também por Machado (2001, p. 69): "Na verdade existem certos produtos,mercadorias e serviços, cujo consumo constitui verdadeira demonstração de capacidade contributiva.Automóveis de luxo, sofisticados aparelhos eletrodomésticos, iates, jóias, casacos de peles, bebidasimportadas, bem como a comunicação através de aparelhos sofisticados, evidenciam por seu uso,ou consumo elevada capacidade contributiva. (...) É certo que eventualmente uma pessoa nãodotada de capacidade contributiva muito elevada pode utilizar, ou consumir, um daqueles bens, ouserviços, ou pode fazê-lo em proporções maiores do que alguma outra pessoa, avarenta, dotada decapacidade contributiva muito elevada. Tal ocorrência, porém, se bem que possível, constituiexceção que de modo nenhum compromete a regra geral, segundo a qual o uso ou consumo decertos bens, ou serviços, presta-se como excelente índice de capacidade contributiva".

47. Aprovada em sessão plenária de 03.12.1969 e publicada nos DJ 10.12.1969, p. 5934; DJ11.12.1969, p. 5950; DJ 12.12.1969, p. 5998.

48. Nesse sentido, os RE 153.771 ( leading case do tema), 175.535-1 (RS), 179.273-6 (RS),193.997, 199.281-6 (SP), 204.666 (SP), 204.827, 229.164 (SP), 225.132 (RS), dentre outros.

49. Vide subitem 3.5.1.1.

50. Nesse sentido ressaem Marco Aurélio Greco, Bernardo Ribeiro de Moraes, Ives Gandra Martins eAires F. Barreto (CLèVE, 2003, p. 134).

51. Porto Alegre, Belo Horizonte e São Paulo.

52. Acórdão publicado no DJU, Seção 1, em 05.09.1997.

53. Súmula 589: "É inconstitucional a fixação de adicional progressivo do Imposto Predial e TerritorialUrbano em função do número de imóveis do contribuinte" (aprovada em sessão plenária de15.12.1976 e publicada no DJ 03.01.1977, p. 6; DJ 04.01.1977, p. 38; DJ 05.01.1977, p. 62).

56. Publicação: DJ 09.10.2003, p. 4; DJ 10.10.2003, p. 4; DJ 13.10.2003, p. 4.

57. "No caso, a citada súmula do STF, ao albergar a progressividade apenas depois da EC 29/2000,acabou por prestigiar uma regra, a que estabelece a distinção entre tributos reais e pessoais, emdetrimento do princípio da capacidade contributiva e, diretamente ou por arrastamento, dos princípiosda igualdade, do pacto federativo, da proporcionalidade (nas suas três vertentes: em sentido estrito,adequação e necessidade), bem assim em desfavor da justiça distributiva (...)" (HASSELAMNN,2009, p. 7).

58. As palavras de Rui Barbosa, lembradas por Ataliba (1990, p. 236), ensinam que aquilo "que aConstituição dá com a mão direita, não retira com a esquerda".

59. Nesse sentido, os RE 175.535-1 (RS), 179.273-6 (RS), 193.997, 199.281-6 (SP), 204.666 (SP),204.827, 225.132 (RS) e 229.164 (SP).

60. Publicada no DOU eletrônico de 14.09.2000.

61. "Na verdade, a tributação conforme a capacidade contributiva constitui uma exigência dosprincípios republicano e da isonomia tributária, razão pela qual sequer precisaria estar expressa notexto constitucional. E o mesmo pode-se dizer de seu corolário: o princípio da progressividade. Aexigência de majoração das alíquotas conforme o aumento da base de cálculo do imposto buscaevitar que a carga tributária permaneça a mesma para contribuintes com capacidades econômicasdistintas. A progressividade, antes de mera técnica legislativa, constitui um dos princípiosfundamentais do sistema constitucional tributário, verdadeiro corolário do princípio da igualdade nocampo da tributação. (...)" (CLèVE E SEHN, 2003, p. 137).

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62. Quanto às leis municipais anteriores à EC 29/2000, que previam a progressividade fiscal para asalíquotas do IPTU, Fernandes aponta a conveniência de que "os Municípios editem leis novas,posteriores à Emenda, para dar continuidade à respectiva exigência, eis que, tanto o STF, nostermos das decisões supracitadas, quanto à própria doutrina dominante, entendem que a EmendaConstitucional não tem o condão de constitucionalizar leis originalmente inconstitucionais" (2005, p.374-375).

63. "Art. 60 (...) § 4.º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - aforma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dosPoderes; IV - os direitos e garantias individuais."

64. "Não há, portanto, no texto constitucional, um princípio absoluto que vede a subjetivação, poremenda constitucional, de um imposto real, como é o caso do IPTU, ou que confira a quem quer queseja o direito subjetivo de somente ser tributado com alíquotas progressivas diante de impostospessoais. (...) As cláusulas pétreas, antes de violadas, estão sendo concretizadas e realizadas pelaalteração no regime jurídico de cobrança do IPTU" (CLèVE E SEHN, 2003, p. 138).

65. Para Clève e Sehn (idem, p. 136), "o reconhecimento das cláusulas imutáveis não pode tolher acapacidade de aprendizagem das normas constitucionais para captação das mudanças na realidadesocial e nas concepções de verdade e justiça. Do contrário, a própria textura aberta dos princípiosconstitucionais perderia sentido, cessando o necessário diálogo entre constituição formal e material".

66. A respeito, Furlan (2004, p. 139-140) apregoa: "A progressividade fiscal do IPTU sempre nospareceu admitida e, até mesmo, implicitamente exigida pela nossa Carta Republicana. Com efeito,diante de duas interpretações possíveis, afigura-se melhor aquela que não excepciona os princípiosconstitucionais. Assim, rechaçamos a interpretação que restringe demasiadamente o alcance doprincípio da capacidade contributiva, e consequentemente o da isonomia, no que concerne aosimpostos reais".

67. Seja no sentido de aguardar, seja no sentido de ter esperança.

68. A respeito, Machado apresenta exemplo fundamentado na legislação tributária do Município deFortaleza (2004, p. 24): "Consideremos dois imóveis residenciais. O primeiro avaliado em R$180.000,00 (cento e oitenta mil reais) e o segundo avaliado em R$ 181.000,00 (cento e oitenta e ummil reais). O IPTU do primeiro será de 0,8%, ou seja, será de R$ 1.440,00 (um mil quatrocentos equarenta reais), enquanto o IPTU do segundo será de 1,4%, ou seja, será de R$ 2.534,00 (dois milquinhentos e trinta e quatro reais). O segundo imóvel tem valor superior ao do primeiro em apenasmil reais. Seu IPTU, todavia, será superior ao do primeiro em nada menos do que um mil e noventa equatro reais".

69. Aliomar Baleeiro sequer faz menção à possibilidade de a progressividade ser instituída namodalidade simples, entendendo que a expressão "imposto graduado" é sinônima de "impostoprogressivo": "Tributos graduados são os progressivos, ou seja, aqueles cuja alíquota cresce àmedida que se eleva a quantidade ou valor da coisa tributada, em contraste com a relação constantedos impostos simplesmente proporcionais" (2003, p. 751).

70. Para Volkweiss somente a progressividade gradual é autorizada, "não havendo hoje, naconstituição Federal (...) nenhuma autorização para a utilização da progressividade do tipo simples"(apud PAULSEN, 2006, p. 73).

71. "Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas àresponsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, paramodificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes."

72. O próprio Machado, em outro momento, admite: "Em face da norma do art. 123 do CódigoTributário Nacional ( LGL 1966\26 ) , o contribuinte do IPTU segue sendo o proprietário do imóvelalugado, que não se pode furtar da responsabilidade pelo respectivo pagamento, pois a convençãoque fez com o inquilino não é oponível ao Fisco" (2003, p. 386-387).

73. Ao interpretar a questão, analisando o contexto da edição da Súmula 589 ( MIX 2010\2312 ) do

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STF, segundo a qual a fixação de adicional progressivo do Imposto Predial e Territorial Urbano emfunção do número de imóveis do contribuinteé inconstitucional, Carlos Renato Silva e Souzaassevera que considerar "o valor total dos imóveis de propriedade de um mesmo sujeito é não sóconstitucional, como atende ao princípio da isonomia tributária, no caso da aplicação de alíquotasprogressivas" (apud FERNANDES, 2005, p. 377).

74. Weiss explica que a maioria da doutrina considera a razoabilidade um princípio com conteúdopróprio, o que não é adequado, uma vez que não é identificável uma base valorativa própriaassociada a ela. Conjugando os ensinamentos de Humberto Ávila e Eros Roberto Grau, Weissprefere considerar a razoabilidade como sendo um postulado normativo, por ser um mandamentosuperior a normas e destinado a orientar sua interpretação e aplicação. "A razoabilidade é uma metade permanente adequação das condutas públicas (leis, decisões judiciais e administrativas) àsfinalidades que as justificam. Serão razoáveis as precedidas de uma adequada ponderação deprincípios e consequências. Reflete a necessidade de sempre agir com bom senso, evitando o abusoda situação de preponderância pública e o sacrifício dos particulares ou da sociedade além doestritamente necessário à obtenção dos resultados legal ou constitucionalmente estabelecidos"(2006, p. 205-206).

75. "Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aosEstados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) IV - utilizar tributo com efeito de confisco; (...)."

76. "'Capacidade econômica' há de entender-se como real possibilidade de diminuir-sepatrimonialmente o contribuinte, sem destruir-se e sem perder a possibilidade de persistir gerando ariqueza como lastro à tributação. A violação dessa - pelos excessos tributários - configura confisco,constitucionalmente vedado, além de suprema irracionalidade" (Ataliba, 1990, p. 233).

77. Para Weiss o princípio da vedação ao confisco, por se tratar de limite constitucional ao poder detributar, não precisaria estar expresso na Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) , "pois decorrediretamente da preservação do direito de propriedade, tratado em diversos dispositivos como osincisos XXIII e XXIV, do art. 5.º, e 170, II. A CF ( LGL 1988\3 ) só admite o confisco, ou expropriaçãode bens, na hipótese prevista no art. 243" (2006, p. 180).

78. "Faltará justa causa para a cobrança dos tributos patrimoniais se for aplicada uma alíquotadesproporcionalmente alta, ainda que o bem em questão possua pequeno valor e o contribuintegrande disponibilidade financeira. (...) Por outro lado, o imposto não será confiscatório se a alíquotafor razoável, ainda que algum contribuinte específico não tenha nenhuma disponibilidade financeirapara arcar com seus débitos" (WEISS, 2006, p. 180).

79. Nesse sentido a manifestação de Lima (2000), para quem "a tributação tem um ponto ótimo,acima do qual o aumento das alíquotas gera sempre um efeito negativo".

80. Furlan classifica como errônea a ideia de que o imposto progressivo equivale a aumento doencargo tributário ou a de que a progressividade implica em majoração de alíquota (2004, p. 141).

81. "A principal função da progressividade dos tributos é a redistribuição da riqueza. Com o tributoprogressivo, o que tem mais paga não apenas proporcionalmente mais, porém mais do que isto,paga progressivamente mais" (MACHADO, 2001, p. 123).

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A PROGRESSIVIDADE FISCAL DO IPTU: UMA QUESTÃO REPUBLICANA

Revista Tributária e de Finanças Públicas | vol. 94 | p. 254 | Set / 2010 | DTR\2010\730

Robson de Oliveira AguiarEspecialista em Direito Fiscal. Assessor do TCE-RJ.

Área do Direito: TributárioResumo: O presente trabalho tem o objetivo de demonstrar que a progressividade fiscal é umatécnica plenamente afinada aos objetivos republicanos do Estado brasileiro podendo, desta forma,contribuir para a redução das desigualdades sociais, sem que isso represente aumento da cargatributária. Para ser isonômica, a instituição da técnica deve observar procedimentos adequados, bemcomo as alíquotas serem instituídas sob bases razoáveis evitando, assim, que acarretem efeito deconfisco ou que prejudiquem a sobrevivência digna dos cidadãos. Ao final, este estudo opinará pelanecessidade de adoção da progressividade fiscal do IPTU por todos os municípios brasileiros, paraque se confira à tributação componentes de justiça fiscal, buscando transcender o plano meramenteformal da igualdade.

Palavras-chave: Objetivos republicanos - Princípio da igualdade - Capacidade contributiva -Progressividade fiscal - Justiça tributáriaAbstract: This paper aims to demonstrate that progressive taxation is a technique fully attuned to therepublican goals of the Brazilian state and, thus, may contribute to reducing social inequalities,without representing an increase of tax burden. In order to be isonomic, the technical institution shallobserve proper procedures, and the rates shall be imposed on reasonable grounds, thus avoiding aconfiscation effect or adversely affect the survival of citizens. Finally, this study will opine for the needof adoption of a progressive taxation of property tax for all Brazilian municipalities, to give to thetaxation components of tax justice, seeking to transcend the purely formal equality.

Keywords: Republican goals - Equality principles - Tax capacity - Tax progressive - Fiscal justiceSumário: 1.Introdução - 2.Antecedentes - 3.A progressividade fiscal aplicada ao IPTU - 4.Conclusão -5.Referências bibliográficas1. Introdução

Muito se comenta a respeito do impacto da carga tributária 1 sobre o orçamento das famíliasbrasileiras. O pacote tributário nacional, reunindo os tributos de competência de todos os entesfederados, costuma ser qualificado de excessivo pela grande mídia que, contudo, não enfrenta seusevero aspecto: os contribuintes de menor renda, embora de reduzida capacidade contributiva, sãomais onerados que aqueles que detêm maior riqueza.

A esse fenômeno que, de forma geral, o sistema tributário nacional promove, dá-se o nome deregressividade. É relevante assinalar que a tributação regressiva também repercute nos chamadosimpostos imobiliários, em particular no que se refere ao IPTU, tributo de competência municipal.

Essa ocorrência decorre de diversos fatores. O primeiro deles guarda relação com o método deavaliação dos imóveis urbanos adotado pelas Prefeituras que, comumente, faz com que os imóveisde menor valor venal, 2 em geral ocupados por famílias de menor poder aquisitivo, sejam avaliadosde forma mais realista, enquanto os imóveis mais valorizados recebem avaliação menos confiável,gerando uma base de cálculo subestimada.

A experiência pessoal do autor, adquirida em auditorias de receita realizadas a serviço do TCE-RJ,pôde identificar que a tributação regressiva do IPTU é favorecida pela baixa qualidade técnica dasadministrações tributárias que, no mais das vezes, não contam com profissionais habilitados emseus quadros nem tampouco empregam as práticas adequadas para a atividade avaliatória, fazendocom que os laudos fiquem mais suscetíveis a mudanças derivadas de pressões geradas porinteresses pessoais de contribuintes.

Por outro viés, o sistema federativo brasileiro estimula a inércia fiscal dos municípios, mormente osde menor porte que, em função das significativas transferências governamentais, não envidammaiores esforços para incrementar suas receitas próprias, efetuando uma cobrança apenas formaldos tributos de sua competência, evitando o desgaste político com seus contribuintes-eleitores (oueleitores-contribuintes). Esse quadro não se alinha aos objetivos traçados na Constituição Federal (

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LGL 1988\3 ) para a República Federativa do Brasil, 3 e concorre para a manutenção de um sistematributário distorcido.

A república, como se sabe, é uma forma de governo baseada na igualdade formal entre as pessoas,devendo primar para que todas as pessoas em situação equivalente recebam tratamento igual. Omodelo de estado brasileiro, por sua vez, tem por finalidade a construção de uma sociedade justa e apromoção do bem de todos, sem distinções ou privilégios, contexto no qual a igualdade seestabelece como princípio geral.

Para o alcance desse ideal republicano, a igualdade tributária foi erigida à condição de princípioautônomo, vedando que contribuintes em situação equivalente sejam tratados de forma desigual.Nesse contexto, a tributação serve de instrumento para a concretização da igualdade, especialmenteem razão do princípio da capacidade contributiva, que busca exigir dos sujeitos passivos impostosmais adequados às suas possibilidades. 4

Para tanto, sobressai a técnica da progressividade fiscal, procedimento por meio do qual se elevamas alíquotas à medida que cresce a base tributária imponível, fazendo com que os contribuintes queexteriorizam maior riqueza sejam tributados de forma proporcionalmente mais onerosa que aquelesque demonstrem menor riqueza.

Mesmo após o advento da EC 29/2000, que expressamente autorizou sua adoção, e ainda queesteja associada à justiça fiscal, a aplicação da progressividade fiscal é tema de acaloradacontrovérsia, de forma que o debate do tema, para ser útil, requer lucidez e fundamentaçãocompetente, escopo que será perseguido neste estudo.

A exposição pretende evidenciar, ao final, que a aplicação da progressividade fiscal ao IPTU éprovidência afinada aos objetivos republicanos do Estado brasileiro, e não implica em aumento dacarga tributária - ideia que seus críticos têm por hábito invocar -, podendo contribuir para a reduçãodas desigualdades sendo preciso, para tanto, observar critérios e procedimentos adequados, sobpena de incorrer em inconstitucionalidade.2. Antecedentes

2.1 A tributação no Brasil é regressiva: quem pode menos, paga mais

No Brasil, a arrecadação tributária é cada vez mais responsável pelo custeio das despesas públicas.Estudando a relação Arrecadação Tributária/Produto Interno Bruto Nacional, Afonso (2007, p. 4)verificou sua tendência crescente no período de 1995 a 2007:

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Nota-se nesse breve intervalo que a representatividade da receita de tributos sobre o PIB nacionalcresceu de 27 para 36,5%, revelando que o distorcido sistema tributário brasileiro é virtuoso na suafinalidade fiscal: arrecada de maneira extremamente eficaz.

Simultaneamente, a iniquidade do sistema se acentuou. Ao examinar dados de 1996 e 2004, Zockunet alli (2007, p. 19) demonstrou quão regressiva é a carga tributária sobre a renda das famíliasbrasileiras:

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Verifica-se que no ano de 1996 a carga tributária se apresentava extremamente regressiva,comprometendo cerca de 28% da renda das famílias que ganhavam até 2 (dois) salários-mínimos, eaproximadamente 18% dos rendimentos das famílias com receita superior a 30 salários-mínimos.Não obstante, de 1996 a 2004 a situação se agravou. A pesquisa demonstra que a carga tributáriatotal aumentou 20,6 pontos percentuais para as famílias de menor faixa de renda (até 2 sm) esomente 8,4 pontos percentuais para as famílias de maior faixa de renda (superior a 30 sm),desigualando, ainda mais, o impacto da carga tributária sobre os rendimentos das famíliasbrasileiras. 5

Da forma que está estruturada, a tributação no Brasil contribui para agravar esse quadro,acentuando as desigualdades sociais e promovendo uma maior concentração da renda. Ao opinarsobre a distorcida distribuição da carga tributária no Brasil e na América Latina, Ferreira (2003, p.629) assinala a necessidade de "Analisar, mesmo que de passagem, como a carga tributária (...) noBrasil e em outros países latino-americanos é significativamente mal distribuída. Ora, são as classessociais e os setores menos favorecidos que têm a maior parte de seus rendimentos e recursosdestinados ao financiamento do Estado, enquanto as classes de renda mais elevada têm diversosbenefícios e reduções tributárias. (...) No equilíbrio de forças políticas, a tributação no Brasil - e não émuito diferente dos outros países da AL - tem sido usada como instrumento de concentração derenda, agravando o ônus fiscal dos mais pobres e aliviando o dos mais ricos.

(...)

Diante do paradoxo, o sistema tributário acaba por operar de maneira regressiva sobre a população,incidindo gravemente, em termos relativos à renda, nas famílias com menor poder aquisitivo,constituindo-se num dos fatores que contribui decisivamente para a manutenção dos níveis deconcentração de renda e de desigualdade social observados no País, muito embora, como é sabido,as origens destes problemas sejam bem mais complexos e estejam além da inequívoca tributaçãoregressiva praticada pelo Estado (...)" (grifos acrescidos).

Os dados apresentados comprovam a tendência da tributação brasileira à regressividade, o que fazdela instrumento que concorre para o aumento da concentração de renda e da injustiça social.2.1.1 A tributação imobiliária não foge à regra

A regressividade do sistema também se reflete no âmbito da tributação imobiliária. Estudo elaboradopor Carvalho Jr. (2006, p. 11) avaliou a participação do pagamento do IPTU 6 no gasto das famílias,tendo encontrado os seguintes resultados:

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Computadas somente as famílias que efetivamente realizaram o pagamento do IPTU, observou-se aexistência de um padrão regressivo entre as faixas de renda (CARVALHO JR., 2006, p. 12). Osnúmeros da planilha demonstram que quanto maior a faixa de renda, menor é a participação dopagamento de IPTU no orçamento das famílias pesquisadas, indo de 1,6% para as que ganham de 0a 2 salários-mínimos até 0,57% para as que possuem rendimentos superiores a 60 salários-mínimos.

Outro fator concorre para o agravamento da regressividade do IPTU. Trata-se do método deavaliação imobiliária adotado pela maioria dos municípios brasileiros para definir o valor venal 7 dosimóveis (base de cálculo do tributo), denominado Custo da Reprodução. 8 De acordo com CarvalhoJr. (2007), a adoção desse método ocasiona dois tipos de regressividade: a vertical e a horizontal.Na vertical, os imóveis de valor de mercado mais alto são avaliados pelo município com umadefasagem maior que os imóveis de valor mais baixo; 9 na horizontal, imóveis de mesmo valor demercado são avaliados com valores venais diferentes, o que se agrava quando o município nãorevisa periodicamente sua planta de valores, com o intuito de registrar as valorizações oudesvalorizações das regiões que o compõem. 10

Ademais, sabe-se que as avaliações, em virtude de sua natureza estritamente técnica, devem serelaboradas por profissionais habilitados e obedecer às boas práticas recomendadas para estaatividade, de maneira que a avaliação do imóvel esteja o mais próximo possível de seu valor demercado, deixando para a legislação municipal a atribuição de definir as alíquotas, reduções eisenções do imposto. Entretanto, a prática disseminada nos municípios não é exatamente essa. 11

2.1.2 A histórica inércia fiscal dos municípios brasileiros contribui para a manutenção dostatus quo

Contribui de forma relevante para o distorcido sistema tributário brasileiro, em especial para suaincidência regressiva, a histórica inércia fiscal dos municípios brasileiros. Desde 2000, a receita deIPTU no Brasil tem se mantido em cerca de 0,5% do PIB, nível muito inferior ao de paísesdesenvolvidos, 12 e representa aproximadamente 6,4% da receita corrente dos municípios(CARVALHO JR., 2006, p. 16). Neste caso, a importância do IPTU é maior em municípios maispopulosos, chegando a 9,4% da receita corrente nas cidades com mais de 200 mil habitantes, aomesmo tempo em que representa apenas 0,5% no caso dos municípios com até 5 mil habitantes. Deacordo com Carvalho Jr. (2006, p. 16):

"Há dois motivos principais para o fato de cidades mais populosas terem uma participação mais altado IPTU em seu orçamento. Em primeiro lugar o IPTU é um imposto que possui elevado custo

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administrativo, (...) o que só seria viável em cidades de maior porte e renda. Em segundo lugar,graças ao critério de rateio regressivo quanto à renda municipal do Fundo de Participação dosMunicípios (FPM), as cidades maiores tendem a possuir maior peso dos tributos próprios em suasreceitas."

Os estudiosos do federalismo fiscal brasileiro observam que as transferências governamentaisacostumam os municípios a não se esforçar para incrementar sua arrecadação própria. Por essarazão, muito embora quase todos os municípios brasileiros arrecadem IPTU, o valor de sua receitacostuma ser irrisório nas cidades pequenas, 13 não obstante a efetiva arrecadação de impostos tersido erigida à condição de imposição legal, conforme exige a LRF. 14

Furlan acrescenta ser muito cômodo para o fisco fixar uma alíquota única para o IPTU, "sem maiorespreocupações acerca do princípio constitucional da capacidade contributiva" (2004, p. 142) .Entretanto, conforme se buscará explicitar, a tributação deve ser utilizada como instrumento deredistribuição de renda, tendo em vista a possibilidade de os impostos serem progressivos (aexemplo do IPTU), de forma a reduzir o impacto da carga tributária sobre as classes menosfavorecidas economicamente.

Além disso, ressalva Carvalho Jr., o IPTU pode ser empregado como meio para capturar a "maisvalia" decorrente da valorização imobiliária, gerada fundamentalmente por investimentos públicos(2006, p. 7), tendo em vista que, a despeito do previsto no inciso III do art. 145 da CF ( LGL 1988\3 ), 15 não se cobra contribuição de melhoria no Brasil.2.2 Os objetivos da República Federativa do Brasil

A República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem por objetivosfundamentais (arts. 1.º e 3.º da CF ( LGL 1988\3 ) ):

"I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

(...)

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outrasformas de discriminação."

O texto constitucional explicita, portanto, que uma das principais razões do Estado Democrático deDireito - modelo adotado no Brasil - é a perseguição de uma sociedade justa, em que se busquemitigar as desigualdades sociais e promover o bem de todos.

A concretização desse estado social, instituído pela Carta de 1988, 16 está condicionada à busca deuma igualdade substancial (BUFFON, 2003, p. 55), que transcenda o paradigma neutro proclamadopelo modelo econômico liberal vigente. O próprio texto da Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) prevêmecanismos eficazes na persecução da igualdade substancial, dentre os quais se destaca atributação 17 sob a modalidade progressiva, 18 verdadeiro instrumento de justiça fiscal.2.3 Antes de tudo, os princípios

Sem maior delonga, tendo em vista que o estudo dos princípios não constitui o sumo deste trabalho,cabe alertar que os mesmos, estejam explícitos ou implícitos, serão aqui empregados comofundamentos do ordenamento jurídico, aos quais as demais normas deverão harmonicamente seadequar (Buffon, 2003, p. 21).

Passa-se a eles.2.3.1 O princípio republicano

O art. 1.º da CF ( LGL 1988\3 ) reconhece que o Brasil é uma República, forma de governo baseadana igualdade formal entre as pessoas, em que os detentores do poder político exercem mandatoseletivos e representativos de forma transitória, podendo ser responsabilizados em caso de condutasilegais ou ilegítimas.

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Tendo por base o princípio da igualdade, a República busca extinguir e afastar eventuais privilégios,admitindo que todos os cidadãos podem almejar os mesmos direitos políticos. O governo deveperseguir o bem-estar coletivo, uma vez que possui a atribuição de representar todos os segmentosdo povo, inexistindo espaço para o favorecimento de determinadas classes sociais.

Em relação ao aspecto tributário, o princípio republicano significa a ausência de privilégios paradeterminadas parcelas da sociedade, devendo a tributação alcançar a todos de maneira igual.Aqueles que estiverem na mesma situação, e realizarem o fato imponível a que a lei atribui o deverde pagar determinado tributo, assim deverão fazê-lo. A esse respeito, a opinião de Carrazza (2006,p. 77-78):

"Em suma, o princípio republicano exige que todos os que realizam o fato imponível tributáriovenham a ser tributados com igualdade. Do exposto, é intuitiva a inferência de que o princípiorepublicano leva à igualdade da tributação. Os dois princípios interligam-se e completam-se. De fato,o princípio republicano exige que os contribuintes (pessoas físicas ou jurídicas) recebam tratamentoisonômico."

O princípio republicano determina ainda que os tributos sejam exigidos somente em razão desuperior interesse, razão pela qual apenas poderão ser criados e cobrados por motivos de ordempública, que também deverão nortear a destinação do dinheiro arrecadado.2.3.2 O princípio da igualdade

Aristóteles, em enunciado disseminado entre nós por Rui Barbosa (1999, p. 26), apregoava oensinamento segundo o qual "a regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmenteaos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada àdesigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja,do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seriadesigualdade flagrante, e não igualdade real."

Nessa dimensão, a igualdade deve ser apreendida como princípio geral a informar todo oordenamento jurídico do Estado de Direito, devendo o poder público atuar para que asdesigualdades socioeconômicas sejam atacadas, uma vez que o enfrentamento de tais diferençastrilha o caminho da implementação da justiça fiscal - ideia intimamente associada à igualdade.

A Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) contempla a igualdade em diversos de seus artigos, oraimplícita, ora explicitamente. Para não enfastiar a leitura, transcrevem-se a seguir alguns dosprincipais dispositivos:

"Art. 3.º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

(...)

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outrasformas de discriminação."

"Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aosbrasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, àigualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; (...)"

"Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si."

No capítulo dedicado ao Sistema Tributário Nacional, a Constituição Federal ( LGL 1988\3 )especifica a igualdade no campo tributário, 19 previsão por sinal ociosa em face dos dispositivosanteriormente transcritos que, de forma esgotante, explicitam a igualdade como fundamento do

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Estado Democrático de Direito.

Ricardo Lobo Torres entende que a igualdade é o mais importante dos princípios jurídicosconstituindo, no direito constitucional pátrio, princípio fundamental para a própria legitimidade doEstado de Direito (apud FERNANDES, 2005, p. 115). Para Lacombe, é o princípio nuclear de todo onosso sistema constitucional: "sem ele não há República, não há Federação, não há democracia,não há justiça. É a cláusula pétrea por excelência" (apud Fernandes, 2005, p. 116). Não por outrarazão, o referido postulado sempre esteve presente em nossas constituições, sublinha Weiss (2006,p. 171).

Trata-se, pois, de princípio fundamental do nosso ordenamento, devendo inspirar todos os demaissubsistemas constitucionais, restando nítida a necessidade de que os tributos sejam instituídos paradar concreção à igualdade, transcendendo uma igualdade de aparência para alcançar uma igualdadesubstancial, vez que somente a igualdade material realiza o Estado Social Democrático de Direito(FERNANDES, 2005, p. 120). Nesse contexto, destaca-se a tributação sob a modalidadeprogressiva, na medida em que tende a exigir, dos cidadãos, tributos mais adequados a suacapacidade contributiva.

2.3.2.1 Ausente a equivalência, o afastamento da igualdade é legítimo

De acordo com o art. 150, II, da CF ( LGL 1988\3 ) , que traz o enunciado da igualdade tributária, évedado aos entes políticos instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem emsituação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função poreles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.

A isonomia prevista no art. 150, II, proíbe que haja diferenciação tributária entre contribuintes queestejam em situação equivalente, vedando-se, assim, qualquer espécie de discriminação arbitrária.Contudo, existindo situações concretamente distintas, o tratamento desigual justifica-se, desde que"se tenha em vista uma finalidade constitucionalmente amparada, e que o tratamento diferenciadoseja apto a alcançar o fim colimado" (PAULSEN, 2006, p. 223).

Dessa forma, para ser válido, o tratamento tributário desigual somente pode ser adotado se estiverharmonizado com os princípios que regem o Estado Democrático de Direito. Buffon evidencia essaperspectiva e salienta que as discriminações fundadas na manifestação de diversidade de riqueza,por meio da exigência mais elevada de tributos dos cidadãos mais capazes de contribuir, sãoperfeitamente compatíveis com o modelo de Estado vigente (2003, p. 68).

Conclui-se, deste modo, que a tributação sob a modalidade progressiva, em virtude de serinstrumento efetivo de busca da igualdade, ao assegurar tratamento desigual para desiguais, estáperfeitamente jungida aos objetivos republicanos do Estado Democrático de Direito.2.3.3 O princípio da capacidade contributiva

Inaugurando esta seção, deve-se anotar que, no campo tributário, o princípio que realiza o idealrepublicano da igualdade é o da capacidade contributiva (FERNANDES, 2005, p. 87), e suaaplicação implica no fato de que cada cidadão deverá contribuir para a coletividade de acordo comas suas possibilidades. Logo, a capacidade contributiva efetiva a igualdade no sistema constitucionaltributário, 20 sendo consectário da justiça fiscal. 21

Greco (2004, p. 185) assevera que, estando a tributação informada pelo princípio da capacidadecontributiva, "o pagamento de tributos não é um simples encargo que o contribuinte deve suportarpor força de lei (conceito ligado à noção de liberdade negativa do Estado de Direito)", vez que:

"Pagar impostos, numa sociedade formada por pessoas com distintas aptidões para contribuir paraas despesas públicas (cuja finalidade é reverter em serviços para todos e também para os que delesmais necessitam), corresponde a uma postura ligada à solidariedade com os que menos possuem,verdadeiro instrumento de compatibilização do convívio social."

Nesse contexto, a capacidade contributiva não deve somente servir para determinar o montante detributo a pagar, mas principalmente para aferir a aptidão dos contribuintes em colaborar para o rateiodas despesas públicas, verdadeiro "instrumento para a busca de uma sociedade mais justa esolidária ( CF/1988 ( LGL 1988\3 ) , art. 3.º, I), em que os que mais podem contribuem em dimensãomaior do que os que menos podem" (GRECO, ob. cit., p. 186).

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2.3.3.1 A teoria do sacrifício igual

De acordo com os economistas, a utilidade marginal da renda explica o fato de que, à medida que abase tributável cresce, a capacidade contributiva cresce mais do que proporcionalmente ao aumentoda riqueza.

Por essa razão, a aplicação da capacidade contributiva à tributação tem sido fundamentada nachamada teoria do sacrifício igual. Segundo esta teoria, é necessário que o sacrifício imposto a cadacontribuinte seja equivalente, adequado a sua possibilidade de colaborar para o custeio dasdespesas públicas. Ao examinar a técnica da progressividade, Rosa Junior (2005, p. 330-331) utilizaexemplo elucidativo para explicar a teoria do sacrifício igual:

"(...) Se uma pessoa ganha R$ 24.000,00 de renda por ano, esta soma vai ser destinada à comprade bens de primeira necessidade; se ganha R$ 50.000,00, os R$ 26.000,00 excedentes serãodestinados às despesas de necessidade secundária, como alimentação mais cuidadosa, roupasmelhores etc.; se ganha R$ 100.000,00, o excedente vai se destinar às despesas úteis mas nãonecessárias, como teatro, livros etc.; se ganha R$ 500.000,00, o excedente se destinará àsdespesas supérfluas, como presentes, viagens etc. Dessa forma, cada fração suplementar dasrendas auferidas por um cidadão representa para ele uma utilidade menor que a fração precedente.Em consequência, a capacidade contributiva do indivíduo aumenta mais que proporcionalmente,tendo em vista que a utilidade dos bens que ela proporciona decresce na medida em que aumenta oseu quantitativo. Assim, através da progressividade do imposto alcança-se a meta tão desejadapelos financistas, correspondente à igualdade de todos os cidadãos diante da carga tributária, demodo que haja um sacrifício igual para todos na medida de sua capacidade econômica" (grifosacrescidos).

O exemplo demonstra que, para implementar a teoria do sacrifício igual, há necessidade de graduaras alíquotas de acordo com as diferentes bases de incidência, por meio da adoção da técnica datributação progressiva, equiparando a exigência imposta aos contribuintes.

2.3.3.2 A capacidade contributiva na Constituição Federal ( LGL 1988\3 )

O princípio da igualdade tem como decorrência o princípio da capacidade contributiva 22 que, por serconsectário da igualdade, não necessitaria estar expresso (Lacombe, 2002, p. 32). Mas está,conforme prevê o § 1.º do art. 145 da CF ( LGL 1988\3 ) :

"§ 1.º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo acapacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente paraconferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos dalei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte."

Para Rosa Junior (2005, p. 323) e Sacha Calmon (1999, p. 77) este dispositivo contém doisprincípios: o da personalização dos impostos, em sua parte inicial; e o da capacidade contributiva,em sua segunda parte. Sob essa perspectiva, a expressão "sempre que possível", 23 para eles, dizrespeito tão somente à personalização dos impostos, uma vez que a capacidade contributiva 24 deveser obedecida na instituição de qualquer imposto. 25

Carrazza ressalta que, se for da índole constitucional do imposto, ele obrigatoriamente deverá tercaráter pessoal e ser graduado de acordo com a capacidade contributiva do sujeito passivo (2006, p.101-102) . Caso contrário, quando a natureza do imposto não permitir, não será possívelpersonalizá-lo e atender ao princípio da capacidade contributiva. É o caso do ICMS, por exemplo, noqual a carga tributária é repassada para os preços das mercadorias, sendo o valor das mesmasidêntico para quaisquer consumidores finais. 26

Carrazza (2003, p. 86) enfatiza, ainda, que o princípio da capacidade contributiva está intimamenteligado ao princípio da igualdade, sendo um dos mecanismos mais eficazes para que se atinja ajustiça fiscal:

" O princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda arealizar, no campo tributário, os ideais republicanos. Realmente, é justo e jurídico que quem, emtermos econômicos, tem muito pague, proporcionalmente, mais imposto do que quem tem pouco.Quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais imposto do que quem tem

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menor riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para a manutenção da coisa pública. Aspessoas, pois, devem pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus índices deriqueza" (grifos acrescidos).

Parece claro que o § 1.º do art. 145 quis destacar que, sempre que possível, os impostos - portanto,todos eles - terão caráter pessoal, sendo graduados de acordo com a capacidade contributiva docontribuinte.

2.3.3.3 Eficácia da capacidade contributiva

Conjugadas as lições precedentes, pode-se afirmar que a tributação deve ser estruturada paraimplementar os objetivos fundamentais da República. Para tanto, o princípio da capacidadecontributiva constitui importante instrumento, mormente quando se manifesta por intermédio datécnica da progressividade.

Para tanto, é preciso compreender que o enunciado do art. 145, § 1.º, da CF ( LGL 1988\3 ) nãocontém mera diretriz, devendo produzir efeitos junto aos seus destinatários, em todas as suasesferas de atuação e nos três níveis de governo. Sob esse aspecto, é obrigatório que se dêcumprimento às normas constitucionais "programáticas", 27 pois que possuem eficácia plena eemanam efeitos constitutivos "positivos" (se mandamentais) ou "negativos" (se proibitórias), 28

devendo as leis que as contrariarem serem declaradas inconstitucionais.

Na opinião de Carrazza (2006, p. 89), a capacidade contributiva prevista na Constituição Federal (LGL 1988\3 ) possui natureza objetiva, 29 pois se refere às manifestações evidentes de riqueza docontribuinte (possuir um imóvel, ser dono de um automóvel etc), e não às suas condiçõeseconômicas subjetivas, que requereriam aferição caso a caso. O presente estudo filia-se a esseentendimento, pois não se pode exigir que a administração tributária municipal conheça acapacidade contributiva efetiva de cada um dos contribuintes de IPTU.

No entanto, é razoável exigir que a aferição dessa capacidade contributiva se dê com fundamentonos valores venais dos imóveis, que constituem a base de cálculo do tributo (art. 33 do CTN ( LGL1966\26 ) ), uma vez que os mesmos exteriorizam parte da riqueza (imobilizada) desse universo decontribuintes, e se encontram registrados em cadastro próprio. 30

Ademais, mensurar a capacidade contributiva do contribuinte somente através da renda seria umamedida incompleta, vez que a posse de um bem pode representar um poder econômico superioràquele que é exteriorizado pela renda. "Uma pessoa com uma renda, digamos, de 5.000 dólares porano e um patrimônio líquido de 100.000 dólares está certamente melhor do que uma outra, com amesma renda, mas sem bens" (MACHADO, 2001, p. 79).

De acordo com Fernandes, a tributação em função do patrimônio não configura desrespeito aoprincípio da capacidade contributiva, ainda que o contribuinte não disponha de renda, "porquantoeste (o patrimônio) não se confunde com capacidade imediata de pagamento, ou liquidezpatrimonial" (2005, p. 148).

Por essa vertente, é indiferente que o sujeito passivo reúna condições pessoais de suportar a cargatributária. No caso do IPTU, se o proprietário do imóvel estiver desempregado, assim mesmo teráque recolher o tributo, uma vez que sua capacidade contributiva está revelada no bem que possui. Oproprietário que não reunir condições suficientes de pagar o IPTU incidente sobre seu imóvel deveráaliená-lo, pois não é possível, à luz do direito positivo, reduzir a exigência tributária em função de suasituação pessoal. 31 A rematar esta seção, a opinião de Marciano Seabra de Godoi:

"Quando um contribuinte alega que, apesar de ser proprietário de um valioso imóvel, não possuirenda para arcar com o IPTU devido, não julgamos estar o juiz possibilitado a dispensar-lhe opagamento do título, por força de uma suposta 'ausência in casu de capacidade contributivasubjetiva'. Na verdade, há sim capacidade contributiva subjetiva neste caso, bastando que ocontribuinte aceite a realidade de sua situação econômica e adquira um imóvel mais compatível comsuas condições - supondo, é claro, que o valor do IPTU não se mostre per se confiscatório, e oimóvel não seja de tal maneira simplório que exigir que o contribuinte se mude para outro maisacanhado implique em ferir sua dignidade ou impor-lhe ingentes sacrifícios" (apud FERNANDES,2005, p. 246-247).

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Logo, a aferição da capacidade contributiva no campo do IPTU, portanto, deve pautar-se no aspectoobjetivo quantitativo do imposto - sua base de cálculo, que é o valor venal do imóvel, devendo onerarmais pesadamente os que demonstrarem maior capacidade contributiva, por intermédio da aplicaçãode alíquotas progressivas.3. A progressividade fiscal aplicada ao IPTU

3.1 Preliminares necessárias (breve contextualização)

No século XIX, a progressividade enfrentou muita oposição, pois era associada a mecanismosarrecadatórios derivados do comunismo. 32 Para os marxistas, a implementação de impostosprogressivos sobre a fortuna amenizaria as desigualdades econômicas que a era industrial fizerasurgir. Nesse contexto, até meados do século passado, impostos progressivos eram vistos comoconfiscatórios. 33

Nos dias de hoje, contudo, os impostos progressivos se universalizaram, estando perfeitamenteadaptados aos sistemas econômicos, mesmo os capitalistas. Pode-se assegurar não existir nenhumpaís, em grau razoável de civilização, que não os empregue, havendo uma tendência de que suaaplicação se estenda cada vez mais a um maior número de impostos (BALEEIRO, 2003, p. 753). Arespeito, veja-se a observação de Mizabel Derzi e Sacha Calmon (apud MACHADO, 2001, p. 122):

"Por progressividade entende-se a majoração da alíquota à medida que cresce o valor da matériatributável. Não é incompatível com o princípio da igualdade e da proporcionalidade. Ao contrário, éhoje aceita (...) da Alemanha à Áustria, da França à Itália, da Holanda à Suíça, à Noruega, àEspanha, aos Estados Unidos, ao Canadá, ao México, à Austrália, ao Japão, pode-se dizer que nãoexistiu um estado onde no fim do século passado (XIX) ou no princípio do presente (XX), nãoexistissem impostos com alíquotas progressivas."

Verifica-se, pois, crescer a aceitação da ideia de que a progressividade é importante para promovera justiça fiscal, por intermédio da redistribuição de riqueza e da desconcentração da renda - no casodos impostos imobiliários, como é o IPTU, a desconcentração da propriedade imobiliária,desestimulando a reunião de muitos imóveis sob domínio de um mesmo sujeito passivo.3.2 Cimentando noções: progressividade x proporcionalidade. Apenas a primeira efetiva oprincípio da igualdade

A progressividade é, portanto, um método de aplicação da capacidade contributiva (WEISS, 2006, p.176), que consiste em graduar alíquotas para um mesmo objeto tributado, à medida que é majoradasua base imponível. 34 Segundo Machado (2002, p. 247-248), "a progressividade pode ser entendidacomo a qualidade do tributo que se eleva mais do que proporcionalmente em razão da elevação desua base de cálculo".

Para Ataliba, a progressividade dos impostos consiste em uma excelente maneira de efetivar oprincípio da capacidade contributiva informador dos impostos. Para ele, os impostos que não sejamprogressivos, e que tenham a pretensão da neutralidade, são, na verdade, regressivos, redundandoem injustiça e inconstitucionalidade (ATALIBA, 1990, p. 233).

A técnica da proporcionalidade, por sua vez, implica na adoção de alíquota invariável, o que resultano aumento uniforme do tributo, à medida que a base imponível cresça. Esse método não atende àsexigências da capacidade contributiva, porque seu emprego resulta em que o sujeito passivoeconomicamente mais fraco, assim como o economicamente mais forte, paguem proporcionalmenteo mesmo imposto (CARRAZZA, 2006, p. 88):

"(...) se alguém ganha 10, e paga 1, e outrem ganha 100 e paga 10, ambos estão pagando,proporcionalmente, o mesmo tributo (10% da base de cálculo). Apenas, o sacrifício econômico doprimeiro é incontendivelmente maior. De fato, para quem ganha 10, dispor de 1 encerra muitomaiores ônus econômicos do que para quem ganha 100 dispor de 10. O princípio da capacidadecontributiva só será atendido se o imposto for progressivo, de tal arte que, por exemplo, quem ganha10 pague 1, e quem ganha 100 pague 25."

Estudos de De Cesare (apud FERREIRA, 2003, p. 633), relativos aos impostos imobiliários,comprovaram que a adoção de alíquota única para essa categoria resulta em uma tendência à

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regressividade vez que, à medida que a renda aumenta, as despesas com habitação ocupam umaporcentagem menor da renda familiar. Citando Engels, Baleeiro anota que tanto menor o saláriotanto maior será a parcela destinada à satisfação das necessidades fundamentais (2003, p. 751).Para evidenciar a diferença entre impostos proporcionais e progressivos e seu vínculo com acapacidade contributiva, cabe destacar a lição de Amaro (2004, p. 139-140):

"A mera ideia de proporcionalidade, porém, expressa apenas uma relação matemática entre ocrescimento da base de cálculo e o do imposto (se a base de cálculo dobra, o imposto tambémdobra). A capacidade contributiva reclama mais do que isso, pois exige que se afira a justiça daincidência em cada relação isoladamente considerada e não apenas a justiça relativa entre uma eoutra das duas situações. O princípio da capacidade contributiva, conjugado com o princípio daigualdade, direciona os impostos para a proporcionalidade, mas não se esgota nessa.

(...)

Outro preceito que se aproxima do princípio da capacidade contributiva é o da progressividade (...) Aprogressividade não é uma decorrência necessária da capacidade contributiva, mas sim umrefinamento deste postulado. A proporcionalidade implica que riquezas maiores gerem impostosproporcionalmente maiores (na razão direta do aumento da riqueza). Já a progressividade faz comque a alíquota para as fatias mais altas seja maior."

Vê-se que a aplicação da progressividade encerra verdadeira justiça fiscal, em harmonia com osobjetivos traçados para o Estado Democrático de Direito. Diferentemente da proporcionalidade, aprogressividade é um instrumento eficaz para concretizar a capacidade contributiva e, nessaperspectiva, perseguir a igualdade substancial, objetivo maior da República.3.2.1 A progressividade pode ser fiscal ou extrafiscal

A progressividade é, portanto, uma das formas de graduar o tributo, por meio da instituição dealíquotas que aumentem simultaneamente ao crescimento da base de cálculo. Esta técnica, quandoaplicada ao IPTU, irá acompanhar o crescimento de sua base de cálculo - o valor venal dos imóveis-, tendo a função precípua não de arrecadar mais, como se poderia inferir apressadamente, mas simde refinar a tributação, atribuindo-lhe um componente de justiça fiscal.

A esta espécie de progressividade, estruturada para majorar as alíquotas conforme aumente a baseimponível do imposto, dá-se o nome de fiscal.

Entretanto, a progressividade pode ter outras funções, desde que estabelecidas em função deparâmetros distintos do crescimento da base tributável. Como exemplo pode-se citar aprogressividade em razão do tempo, estabelecida no art. 182, § 4.º, II, da CF ( LGL 1988\3 ) , 35

disciplinada como mecanismo para desestimular que os imóveis urbanos sejam utilizados emdesacordo com os planos de ordenação dos municípios.

A esta espécie de progressividade, que tem a finalidade de apontar diretrizes e condutas que oEstado julga importantes para o bem-estar coletivo, por meio da qual se aumenta a alíquota paraobjetivos específicos, independentemente de alteração da base de cálculo, dá-se o nome deextrafiscal. 36

3.2.2 Outra classificação: progressividade simples e graduada

A progressividade pode ser simples ou graduada. Na definição de Gomes de Souza, mencionada porMachado (2004, p. 22), a progressividade simples é "aquela em que cada alíquota maior se aplicapor inteiro a toda a matéria tributável", enquanto a progressividade graduada trata-se daquela "emque cada alíquota maior calcula-se apenas sobre a parcela de valor compreendida entre um limiteinferior e outro superior, de modo que é preciso aplicar tantas alíquotas quantas sejam as parcelasde valor e depois somar todos esses resultados parciais para obter o imposto total a pagar".

Portanto, na progressividade simples aplica-se uma alíquota única sobre a totalidade da base decálculo; na progressividade graduada, várias alíquotas são aplicadas, cada qual sobre uma parcelada base de cálculo. Mais adiante 37 será demonstrado que a progressividade simples implica emofensa aos princípios da igualdade (e, por conseguinte, da capacidade contributiva), da razoabilidadee da proporcionalidade, razão pela qual não deve ser admitida.

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3.3 A capacidade contributiva, por intermédio da progressividade fiscal, é aplicável a todas asespécies tributárias?

Rico é o debate acerca da aplicação da capacidade contributiva a todas as espécies tributárias.Alguns autores defendem que a capacidade contributiva não se aplica aos tributos ditos vinculados 38

(taxas, contribuições de melhoria etc.), mas deve ser empregada, obrigatoriamente, em relação aostributos não vinculados (impostos). 3940 Defendendo seu emprego generalizado, encontra-se aopinião de José Maurício Conti (apud PAULSEN, 2006, p. 74):

"(...) o princípio da capacidade contributiva é aplicável a todas as espécies tributárias. No tocante aosimpostos, o princípio é aplicável em toda a sua extensão e efetividade. Já no caso dos tributosvinculados, é aplicável restritivamente, devendo ser respeitados apenas os limites que lhe dão oscontornos inferior e superior, vedando a tributação do mínimo vital e a imposição tributária que tenhaefeitos confiscatórios."

Como exemplo de emprego da capacidade contributiva aos tributos vinculados, os tributaristascostumam apontar o caso das taxas, mencionando a hipótese de concessão de isenção de custasjudiciais para pessoas pobres. Nesse contexto, afirma Conti, os tributos vinculados deverão respeitaros limites impostos pela capacidade contributiva, representados pelo mínimo vital e pelo não confisco.

Ao arguir que o princípio da capacidade contributiva deve ser estendido a todos os tributos, osdefensores da tese alegam que, caso contrário, estar-se-ia concebendo um "sistema tributárioapenas parcialmente tutelado pela ordem constitucional", havendo desrespeito à isonomia, pois nãose observaria "a riqueza no plano individual, quando é precisamente de garantia individual ante aexação estatal que o princípio trata" (FERNANDES, 2005, p. 155-156).

Todavia, a doutrina majoritária opina no sentido de que a capacidade contributiva é cabível somenteem relação aos impostos e, nesse caso, sua imposição seria obrigatória. Para tanto, um de seusmais importantes veículos é a progressividade fiscal que, no caso de não ser instituída, acarretarádescumprimento ao princípio da isonomia. Indispensável relembrar os ensinamentos de Ataliba(1990, p. 233):

"Conforme sua natureza e características (...) alguns impostos são mais adequadamente passíveisde tratamento progressivo e outros menos. De toda maneira, como todos os impostos, sem nenhumaexceção, necessariamente são baseados no princípio da capacidade contributiva, todos sãopassíveis de tratamento progressivo. No Brasil, mais intensamente do que alhures, dado que aConstituição põe especial ênfase na necessidade de tratamento desigual às situações desiguais, namedida dessa desigualdade (art. 150, II), além de propor normativamente serem objetivosfundamentais da República, o 'construir uma sociedade (...) justa e solidária" (art. 3.º)."

Elizabeth Nazar Carrazza sustenta que a progressividade é admissível em todos os impostos,mesmo que não haja previsão expressa na Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) , por tratar-se deinstrumento que busca atender e materializar a isonomia (apud FURLAN, 2004, p. 121). Logo, élegítimo asseverar que todo imposto deve ser progressivo, tendo em vista que esta espécie tributáriaé informada pelo princípio da capacidade contributiva. 41

3.4 A progressividade fiscal se aplica aos impostos reais?

3.4.1 Resgatando o debate

Outra classificação aplicável aos impostos, que muito alude ao tema progressividade fiscal,separa-os em pessoais e reais. 42

Impostos pessoais seriam aqueles em que as características particulares dos contribuintes sãoconsideradas no momento da apuração, sendo seu maior exemplo o imposto sobre a renda daspessoas físicas ao ponderar, por exemplo, a situação do contribuinte que tem filhos, bem comooutras despesas pessoais passíveis de abatimento.

Quanto aos impostos reais, tratar-se-iam daqueles cuja apuração dependeria, exclusivamente, damatéria tributável, sendo irrelevantes os aspectos individuais dos contribuintes para suadeterminação. 43 Na qualidade de impostos reais, a doutrina clássica menciona não só o IPTU como,

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também, o ITR (federal) e o IPVA (estadual), nos quais a apuração da base imponível leva em contatão somente os bens considerados.

No sistema tributário atual, é muito improvável encontrar um imposto cuja hipótese de incidência sejainteiramente desvinculada das qualidades intrínsecas do sujeito passivo, 44 sendo difícil defender que

determinado imposto tenha natureza puramente real. 45

Dessa forma, todo imposto é, em certo grau, simultaneamente pessoal e real, pois sempre atinge umsujeito de direito e um patrimônio. A competência tributária estabelecida na Constituição Federal (LGL 1988\3 ) tomará por base uma das manifestações do patrimônio, seja em seu aspecto estático(imóveis, por exemplo), seja em seu aspecto dinâmico (consumo ou renda). Oportuna a ponderaçãofeita por Clève e Sehn (2003, p. 137) a respeito da questão:

"Não há (...) incompatibilidade entre impostos reais e a progressividade. O imposto não deixa de serpessoal e real ao mesmo tempo, porque sempre será devido por um sujeito de direito em razão deseu patrimônio. A diferenciação, na verdade, mostra-se relativa, razão pela qual tanto os impostospessoais, quanto os reais - como é o caso do IPTU - devem ser orientados pelos princípios dacapacidade contributiva e da progressividade."

Para Sacha Calmon, a classificação dos impostos em pessoais e reais é falha, pois os impostos,sejam quais forem, são sempre pagos por pessoas . Nessa linha, entende o autor que o IPTU éimposto pessoal, pois incide sobre o direito de propriedade do contribuinte medindo, pois, suacapacidade contributiva. De acordo com ele, "os impostos sobre a renda e o patrimônio são os quemais se prestam ao princípio da pessoalidade e da capacidade contributiva (renda ganha pelaspessoas e patrimônio das pessoas)" (1999, p. 79).

Em argumentação de mesma natureza, Weiss afirma que "a qualidade do veículo ou imóveldemonstra melhor a situação econômica do contribuinte do que a renda bruta de uma pessoa física,por exemplo, que tanto pode estar livre para gastos quanto inteiramente comprometida comdespesas essenciais" (2006, p. 178). 46

Furlan argumenta que juridicamente não existem impostos reais, uma vez que a relação jurídicasomente pode ocorrer entre duas pessoas e, dessa forma, o imposto, enquanto relação jurídica, serápessoal até porque, aduz, "o imóvel não paga imposto, quem paga imposto é o proprietário do imóvelou o seu possuidor, no caso do IPTU" (2004, p. 35). Mas, pondera, "ainda que acatássemos referidadistinção (entre impostos reais e pessoais) e situássemos o IPTU como um imposto de caráter real",deveria o princípio da capacidade contributiva ser atendido, pois o IPTU consiste em "impostoincidente sobre a propriedade imobiliária - signo incontestavelmente presuntivo de riqueza -, tendocomo sujeito passivo o próprio realizador do fato imponível" (2004, p. 37-38).

Fernandes salienta que o IPTU, apesar de sua classificação como imposto real, deve serpersonalizado, mas em momento algum deixará de ter esta conotação, sob pena de seremdesatendidos "o princípio da isonomia, e por decorrência direta, o princípio da capacidadecontributiva, o princípio da observância do mínimo vital e do não confisco" (2005, p. 245) .

Machado alerta para o fato de o § 1.º do art. 145 não vedar a aplicação do princípio da capacidadecontributiva aos impostos reais, não sendo coerente asseverar que tal postulado se enderecesomente aos impostos de caráter pessoal (2002, p. 58):

"(...) não é razoável admitir-se a inserção, no texto de uma Constituição, seja a nossa seja a dequalquer país civilizado, de um tal princípio vedando a utilização de técnicas que realizem o princípioda capacidade contributiva relativamente aos impostos reais. Entretanto, se um tal princípio pudesseser admitido, ele jamais poderia ser tido como um direito fundamental, pois seria sempre um princípioinjusto. Seria sempre um princípio excepcional, em permanente conflito com o princípio universal dejustiça."

Reconhece-se, assim, a possibilidade cada vez mais cristalina de que os impostos de natureza realsejam graduados, aplicando-se a eles o princípio da capacidade contributiva, por intermédio daexigência de alíquotas progressivas com finalidade fiscal.3.4.2 O entendimento do STF

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A seção anterior concluiu que a tradicional classificação de impostos em pessoais ou reais nãocondiz com o entendimento atual do tema. Deduziu ainda que, mesmo que se aceite a referidaclassificação, a progressividade fiscal deve ser aplicada aos impostos ditos reais e as característicaspessoais dos contribuintes podem ser consideradas para sua mensuração. Nesse sentido, cabemencionar a Súmula 539 ( MIX 2010\2262 ) 47 do STF, segundo a qual "é constitucional a lei doMunicípio que reduz o imposto predial urbano sobre imóvel ocupado pela residência do proprietário,que não possua outro".

O conteúdo da Súmula admite a utilização de aspectos pessoais do sujeito passivo como critériopara redução do IPTU, tradicionalmente classificado como imposto real. Contrariando essaorientação, o STF decidiu, posteriormente, que o IPTU não pode ter alíquotas progressivas parafinalidades fiscais, por se tratar de imposto real, 48 desvelando notável contrassenso.

Esse tema será explicitado adiante. 49

3.5 A progressividade fiscal aplicada ao IPTU

A ideia central deste estudo é de que a técnica da progressividade fiscal, decorrente da aplicação doprincípio da capacidade contributiva, é absolutamente constitucional e deve ser implementada pelosmunicípios, sob pena de ofensa à isonomia, ao princípio republicano e descumprimento dos objetivosdo Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, revestem-se de menor importância as idas e vindas da Jurisprudência sobre amatéria, assim como as alterações legislativas havidas sobre o tema, tendo em vista que a convicçãoora firmada haure-se diretamente de princípio geral informador de todo o ordenamento jurídico - aigualdade.

Não obstante, todos os pormenores que envolvem o tema serão analisados, buscando não sóestofar a opinião manifestada, como também enfrentar os argumentos contrários à progressividadefiscal para que, ao final, os motivos da opinião formada restem plenamente esclarecidos.3.5.1 A progressividade fiscal do IPTU na Constituição Federal

3.5.1.1 Cenário anterior à EC 29/2000

A redação original do § 1.º do art. 156 da CF ( LGL 1988\3 ) assim ditava:

"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

(...)

§ 1.º O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma aassegurar o cumprimento da função social da propriedade."

Essa redação dava azo a múltiplas controvérsias. Parte da doutrina 50 interpretava o texto no sentidode que a única progressividade então autorizada quanto ao IPTU deveria ter finalidade extrafiscal,voltada para a realização da função social da propriedade, nos termos do referido dispositivo e deseu comando específico, contido no art. 182, § 4.º, da CF ( LGL 1988\3 ) :

"Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conformediretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funçõessociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

(...)

§ 4.º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no planodiretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ounão utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - (...)

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II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - (...)."

Uma outra corrente afirmava a possibilidade de instituir uma segunda progressividade, de naturezafiscal, decorrente do princípio da capacidade contributiva, insculpido no art. 145, § 1.º, da CF ( LGL1988\3 ) . Nesse sentido Valéria Furlan, Sacha Calmon, Hugo de Brito Machado, Roque Carrazza,entre outros.

Na esteira desse argumento, diversos municípios brasileiros 51 editaram leis instituindo o IPTUprogressivo com finalidade fiscal, prevendo que quanto maior fosse o valor venal de seus imóveis,maiores seriam as alíquotas aplicadas. Tendo por base o texto constitucional então vigente e adiscussão doutrinária do assunto, muitos contribuintes contestaram judicialmente a exigência,questionando a constitucionalidade da progressividade fiscal instituída nos respectivos diplomaslegais.

Ao analisar a Lei Municipal de Belo Horizonte 5.641, de 22 de dezembro de 1989, o STF, nos autosdo Recurso Extraordinário 153.771-0-MG, 52 por nove votos a um, assim decidiu:

"Ementa: IPTU. Progressividade.

No sistema tributário nacional, o IPTU, inequivocamente, é um imposto real.

Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com baseexclusivamente no seu art. 145, § 1.º, porque esse imposto tem caráter real, que é incompatível coma progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo naconjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com arrimo no art. 156, § 1.º (específico).

A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTUcom finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4.º do art. 182 é a explicação especificada,inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no art. 156, I, § 1.º.

Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atendaexclusivamente ao disposto no art. 156, § 1.º, aplicado com as limitações expressamente constantesdos §§ 2.º e 4.º do art. 182, ambos da Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) ."

A relatoria do acórdão vencedor, inspirada no direito financeiro, que sempre advogou pela distinçãoentre impostos reais e pessoais, coube ao Ministro Moreira Alves, jurista de formação romanista, pormeio do qual o STF se posicionou no sentido que a progressividade fiscal seria inaplicável aosimpostos reais, 53 contrariando orientação anterior, que primava pela pessoalidade do imposto. Alémdisso, manifestou-se pela necessidade de a progressividade estar expressa no texto constitucionalpara ser admitida.54 55

Corroborando o teor do acórdão referido anteriormente ( leading case da questão), o STF aprovou,em sessão de 24.09.2003, a Súmula 668, 56 com o seguinte teor:

"É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000,alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função socialda propriedade urbana."

O panorama posterior à Emenda Constitucional 29/2000, mencionada no enunciado, será tratado nopróximo subitem. Por ora, cabe relembrar que, para este estudo, o entendimento do STF esposadono acórdão do RE 153.771-0-MG e na Súmula 668 é contrário à orientação republicana do modelode Estado instituído pela Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) , ofendendo o princípio da igualdade e,por via de consequência, da capacidade contributiva. 57 Nesse ramo do pensar, esse estudo filia-seao voto vencido do Ministro Carlos Mário Velloso, relator original do acórdão antes referido, paraquem a progressividade fiscal do IPTU poderia ser instituída, sem que se confundisse com afinalidade extrafiscal cunhada na Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) : 58

"O que está na Constituição, ao que me parece, é que é possível distinguir a progressividade fiscal -CF ( LGL 1988\3 ) , art. 145, § 1.º, e art. 156, § 1.º - da progressividade-sanção inscrita no art. 182, §4.º, II.

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A progressividade-sanção, inscrita no art. 182, § 4.º, II, da Constituição, constitui instrumento derealização da Política de Desenvolvimento Urbano (...)

Tem-se, no caso do art. 182, § 4.º, II, a progressividade extrafiscal, distinta da progressividade fiscal(art. 145, § 1.º, art. 156, § 1.º). Noutras palavras, a progressividade no tempo, extrafiscal, inscrita noart. 182, § 4.º, II, da Constituição, não impede a realização da progressividade fiscal (...).

De todo o exposto, ressai a conclusão no sentido de que, forte na Constituição, art. 145, § 1.º, asalíquotas do IPTU deverão ser progressivas, forma aliás de se emprestar a esse imposto caráter depessoalidade, dado que a progressividade, segundo M. Duverger, lembra Hugo de Brito Machado, 'constitui um dos meios mais eficazes de personalização do imposto'."

O voto vencido reconhece a desnecessidade de previsão expressa da progressividade fiscal, tendoem vista que a mesma decorre do princípio da capacidade contributiva que, por sua vez, realiza aigualdade, dando concreção aos objetivos republicanos do modelo de Estado vigente. Para aaplicabilidade da progressividade, é irrelevante:

"Que o texto constitucional expressamente a contemple, pois (...) a normatividade dos princípiosimplícitos é plenamente reconhecida no direito hodierno.

Enfim, é possível (...) discordar da decisão do STF, que declarou inconstitucional qualquerprogressividade no IPTU que não estivesse vinculada à finalidade extrafiscal (...), pelas duas razõesexpostas a seguir.

Primeiro, porque a distinção, quanto à natureza dos impostos, entre pessoal e real, conformesustentado, não tem razão de persistir, à medida que os impostos ditos reais passaram a abarcaruma série de elementos relacionados com as características pessoais do sujeito passivo, razão pelaqual tal distinção, atualmente, está desprovida de utilidade pública.

Segundo, porque a ausência de uma previsão constitucional expressa da progressividade com finsfiscais não constitui óbice (...), posto que tributar progressivamente é corolário lógico do princípio daigualdade" (BUFFON, 2003, p. 116).

Portanto, ainda que a progressividade não tenha sido expressamente autorizada na redação originaldo § 1.º do art. 156 da CF ( LGL 1988\3 ) e, também, malgrado o entendimento do STF quanto à suainaplicabilidade aos impostos reais, opina-se que a instituição da progressividade fiscal, comfundamento no princípio da capacidade contributiva, é legítima - no mínimo, repise-se - desde oadvento da Constituição Federal de 1988, sendo desnecessária sua previsão em dispositivoespecífico.

3.5.1.2 Cenário após o advento da EC 29/2000

Após criar o precedente para o tema no RE 153.771-0-MG, o STF manifestou-se no mesmo sentidoem diversos outros casos, 59 consolidando seu entendimento de que a progressividade para fins deIPTU somente se admitia, então, com a finalidade extrafiscal, para assegurar o cumprimento dafunção social da propriedade.

Esse cenário foi profundamente transformado com o advento da Emenda Constitucional 29, de13.09.2000, 60 que modificou a redação do § 1.º do art. 156 para, então, passar a autorizarexpressamente a instituição da progressividade fiscal voltada para o IPTU, conforme demonstra oquadro a seguir:

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Por meio dessa Emenda, o Poder Constituinte Derivado, ao menos aparentemente, pôs fim àceleuma que o tema provocava, positivando a progressividade como instrumento de materializaçãodo princípio da capacidade contributiva. A partir de então, nada obsta que os poderes públicosmunicipais instituam IPTU com alíquotas progressivas sob a modalidade fiscal, graduando a exaçãoconforme cresça a base imponível do imposto.

Contudo, reafirmando o entendimento aqui defendido, a inovação da EC 29/2000 é ociosa, uma vezque a progressividade já se encontrava autorizada pelo princípio da capacidade contributiva, 61 vezque "(...) em momento algum existiu inconstitucionalidade das alíquotas progressivas instituídaspelos Municípios em suas legislações", 62 tendo em vista que "a progressividade fiscal de alíquotassempre esteve respaldada objetivamente pela Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) , mesmo antes doadvento da Emenda Constitucional 29, de 13.09.2000" (FERNANDES, 2005, p. 370).

A EC 29/2000 não contém qualquer inovação quanto ao alcance do IPTU, mas tão somente umaexplicitação do que já estava contido na Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) , no sentido de queesse tributo deve ser graduado de acordo com a capacidade contributiva dos sujeitos passivos. Aemenda constitucional possui efeitos meramente declaratórios, à medida que "limitou-se a reforçar aideia, consagrada em nosso sistema tributário, de que, para fins de IPTU, quanto maior o valor doimóvel urbano, tanto maior haverá de ser sua alíquota" (CARRAZZA, 2006, p.114) .

Todavia, alguns autores ainda reputam inválida a EC 29/2000, considerando-a inconstitucional porofender direitos e garantias individuais protegidos pelas chamadas cláusulas pétreas, previstas noart. 60, § 4.º, da CF ( LGL 1988\3 ) . 63 Filia-se a essa corrente o renomado tributarista AiresFernandino Barreto (MARTINS et alli, 2008, p. 301), sustentando que:

"O Congresso Nacional possui apenas o denominado poder constituinte derivado. Em virtude doslimites desse poder, cabe-lhe introduzir emendas à Constituição, mas não de modo a invadir a áreaconstituída por cláusulas pétreas. Entre estas estão, sem dúvida, as que garantem aos contribuinteso direito de só serem submetidos à progressividade em face de impostos pessoais.

A Constituição veda a progressividade de impostos de caráter real, como o IPTU. Trata-se de áreaconstitucional intocável, por integrar o conjunto de direitos e garantias atribuídos ao contribuinte pelaConstituição."

Em que pese a notoriedade do professor Aires Barreto, a linha argumentativa por ele adotada éfrágil. Conforme se indicou anteriormente, a antiga segmentação dos impostos em reais e pessoais

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consiste em discussão juridicamente superada (Fernandes, 2005, p. 250). A possibilidade de que osimpostos de natureza real sejam graduados de acordo com as características pessoais docontribuinte é cada vez mais admitida, o que não faz deles - frise-se - impostos de caráter pessoal,sendo mantidas suas propriedades intrínsecas de cunho real (MACHADO, 2003, p. 372). Ademais,não há na Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) qualquer previsão que obste a aplicação daprogressividade aos impostos reais. 64 A respeito da opinião de Aires Barreto, a manifestação deMachado (2002, p. 57):

"A tese, não obstante seja respeitabilíssimo seu autor, é inconsistente, porque: a) não existe naConstituição Federal de 1988 qualquer vedação ao emprego do princípio da capacidade contributivaem relação aos impostos reais, mas, muito pelo contrário, nela existe norma expressa que opreconiza; b) se existisse tal vedação, ela não consubstanciaria cláusula pétrea, porque nãoconstituiria um direito fundamental, mas uma redobrada e flagrante injustiça; c) a progressividade,embora seja instrumento de realização do princípio da capacidade contributiva, pode ser utilizadatambém com a finalidade de desestimular a concentração da propriedade imobiliária, que é funçãodiversa da realizada pelo princípio da capacidade contributiva."

Da mesma forma que Machado, o presente estudo considera disparatada a opinião de que a EC29/2000 ofende direitos e deveres individuais dos contribuintes, 65 mesmo porque este texto defendea ideia de que a progressividade fiscal é exigência do modelo de Estado vigente para realizar osobjetivos republicanos e concretizar a igualdade, por intermédio da capacidade contributiva:

"O fato de o nosso Estado possuir um sistema aberto de normas constitucionais faz com que ainterpretação destas deva ser consentânea com a realidade nacional e, diante da prementenecessidade de uma melhor distribuição de rendas, em face da miséria e da desigualdade queassolam o país, estar-se-ia desatendendo ao sistema, se viesse a ser acatada ainconstitucionalidade de uma Emenda Constitucional que, com muita clareza, só veio a possibilitar ainstrumentalização dos fins maiores do Estado, calcados na concretização da igualdade materialentre os cidadãos" (FERNANDES, 2005, p. 376).

Isto posto, considerados os objetivos, fundamentos e princípios da República, a discussão sobre aconstitucionalidade ou não da EC 29/2000 resiste por mero academicismo, 66 motivo pelo qual seencerra aqui a digressão.3.5.2 O STF precisa rever seus conceitos (e está revendo...)

O entendimento do STF, segundo o qual a progressividade fiscal não pode ser aplicada aosimpostos reais, parece estar com seus dias contados. Isto porque, em junho de 2008, o Ministro ErosGrau, no Recurso Extraordinário 562.045-0-RS, que trata da possibilidade da progressividade dasalíquotas do ITCMD, imposto de competência estadual, incidente sobre a transmissão causa mortis edoação, lavrou voto-vista considerando os princípios da capacidade contributiva e igualdade,independentemente de o tributo ser real ou pessoal.

Embora a questão em debate seja de interesse dos Estados-membros, inegável é o seu reflexo notocante à progressividade do IPTU. O voto-vista abriu divergência com o voto do Relator, MinistroRicardo Lewandowski, tendo sido acompanhado pelos Ministros Carlos Alberto Direito, CarmemLucia e Joaquim Barbosa. O julgamento, contudo, foi interrompido com um pedido de vista doMinistro Carlos Britto, inspirado na ponderação da Ministra Carmem Lucia, para quem essejulgamento seria histórico, posto que implicaria em substancial modificação na orientação até entãoprevalecente na Corte (HASSELAMNN, 2009) .

Também externou sua posição o Ministro Marco Aurélio, na mesma linha do voto-vista do MinistroEros Grau, enfatizando que, quanto ao IPTU, já vinha nos julgamentos de turma adotandoentendimento contrário ao enunciado da Súmula 668, que admite a progressividade fiscal do IPTUapenas após a edição da EC 29/2000.

Ressalte-se que, em março de 2009, o STF, nos autos do Agravo de Instrumento 712.743-7-SP, darelatoria da Min. Ellen Gracie, reconheceu a repercussão geral da matéria, convertendo o AgIn emRecurso Extraordinário, cujo tema de fundo é justamente a possibilidade da progressividade fiscal doIPTU antes da EC 29/2000.

Espera-se 67 que o STF revise seu entendimento, para, enfim, reconhecer que a progressividade

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fiscal do IPTU não depende de previsão expressa e deve ser aplicada aos impostos, sejam elespessoais ou reais, vez que se haure diretamente do princípio da capacidade contributiva, consectárioda igualdade e promotor da justiça fiscal.3.5.3 A aplicação da progressividade fiscal ao IPTU requer a adoção de critérios razoáveis

Tema não muito debatido na doutrina é a forma de aplicação da progressividade fiscal ao IPTU. Comefeito, raros são os autores que se debruçam sobre a questão, fazendo crer que a instituição datécnica, sob qualquer modalidade, possa cumprir os objetivos republicanos. Entretanto, assim não oé. Deve o emprego da progressividade fiscal ser criterioso, para que não implique em ofensa àrazoabilidade, à isonomia e não acarrete efeito de confisco, nem tampouco invada os limites domínimo vital.

3.5.3.1 Somente a progressividade graduada assegura tratamento isonômico

A progressividade fiscal, em sua modalidade simples, não é suficiente para assegurar tratamentoisonômico aos contribuintes. Apesar disso, de acordo com Machado (2004, p. 20), a maioria dosmunicípios brasileiros que adotou a progressividade optou por essa forma de instituição, sendo rarasas exceções, a exemplo do Município de São Paulo, que optaram pela progressividade graduada.

Essa última modalidade significa que, quando da graduação de alíquotas, à medida que crescer abase de cálculo do tributo, faz-se necessário que a alíquota superior apenas incida sobre os valoresque ultrapassem a faixa da alíquota inferior, e assim sucessivamente.

No intuito de reforçar a ideia de que a progressividade fiscal, sob a modalidade simples, nãoimplementa o princípio da capacidade contributiva, é oportuno mencionar um breve exemplo,inspirado em Dantas Filho (2004, p. 67):

Não é preciso aprofundar a digressão para perceber que, se assim for aplicada a progressividadefiscal, o proprietário de um imóvel de R$ 100.000,00 recolherá R$ 1.000,00 a título de IPTU(100.000,00 x 1%), enquanto o proprietário de um imóvel que valha R$ 100.001,00 terá que recolherR$ 2.000,02 para os mesmos fins (R$ 100.001,00 x 2%). Isto é: enquanto a base imponível dosegundo imóvel cresceu apenas R$ 1,00, o valor do imposto foi majorado em R$ 1.000,02 o que, sedúvida, consiste em absoluto tratamento desigual a contribuintes em situação equivalente, uma vezque não é possível diferir a capacidade contributiva de quem possui um imóvel de R$100.000,00daquele que é dono de um imóvel que valha R$ 100.001,00. 68

A distorção acima indicada também pode acarretar práticas arbitrárias na avaliação dos imóveis:

"Como essa avaliação é geralmente fruto de atividade unilateral, desenvolvida por agentes do Fiscomunicipal, é previsível que tais agentes elevem a avaliação de alguns imóveis, ou reduzam de outrostantos, em poucos reais, apenas com o propósito de os incluir em diferentes faixas para fins decálculo do imposto" (MACHADO, 2004, p. 25).

Para endossar a ideia de progressividade fiscal graduada, aplicada ao IPTU, cabe mencionar oexemplo da legislação adotada pela capital paulista (idem, p. 23):

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"A legislação pertinente ao IPTU do Município de São Paulo, por exemplo adota uma alíquota básicaque é de 1,0% para imóveis utilizados exclusiva ou predominantemente como residência, aplicadasobre o valor venal do imóvel, do qual é reduzido, ou acrescentado, o percentual correspondente acada faixa da seguinte tabela:

Os descontos, ou acréscimos, são calculados sobre a porção do valor venal do imóvel compreendidaem cada uma das faixas de valor venal dessa tabela."

Na opinião de Machado, a progressividade do IPTU na forma graduada é constitucional, mas naforma simples não é, 69 porque contraria o princípio da isonomia, além de não condizer com osprincípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Assim, a aplicação da progressividade fiscal ao IPTU deve ocorrer sob a modalidade graduadaporque, do contrário, não se estará respeitando os objetivos republicanos do modelo estatal instituídopela Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) . 70

3.5.3.2 Para ser isonômica, a progressividade deve incidir sobre a soma dos valores venais dosimóveis de um mesmo sujeito passivo

O entendimento corriqueiro sobre a progressividade fiscal induz à ideia de que o seu emprego devase dar sobre o valor venal dos imóveis individualmente considerados. Assim, as alíquotas irão variarde acordo com os valores venais de cada imóvel, tomando-se por base os registros constantes docadastro imobiliário municipal. A cada relação de propriedade, de domínio útil ou de posse de bensimóveis, a base de cálculo adotada seria o valor venal atribuído àquele imóvel, tomado isoladamente.

Este procedimento, contudo, é outro aspecto questionável da aplicação da progressividade fiscal aoIPTU, sob a ótica da isonomia. Considere o exemplo de um município em que a alíquota de imóveiscom valor venal inferior a R$ 200.000,00 seja de 0,5% por cento, e com valor igual ou superior aesse quantum seja de 1%. O proprietário de imóvel único de R$ 200.000,00, que provavelmente outiliza para residir, teria que recolher R$ 2.000,00 a título de IPTU (R$ 200.000,00 x 1%), enquantoum outro proprietário, dono de 4 (quatro) imóveis avaliados, cada qual, em R$50.000,00, que osutiliza para outros fins (locação ou especulação imobiliária), teria que arcar com a exigência domontante de R$ 1.000,00 [(R$ 50.000,00 x 4) x 0,5%]. Embora ambos exteriorizem a mesmacapacidade contributiva, a exação para o primeiro contribuinte seria 100% mais onerosa.

Neste caso, por ofensa à igualdade, a aplicação da progressividade enseja críticas, uma vez que nãose pode admitir que o proprietário de um único imóvel, mais valioso, possa ser mais onerado queaquele que possua diversos imóveis, menos valiosos, cujo valor venal total, contudo, sejaequiparável, resultando em injustificado tratamento distinto para contribuintes em situaçãoequivalente. Barreto (MARTINS et alli, 2008, p. 303) é um dos críticos da progressividade acomungar dessa opinião. É dele o argumento abaixo, que avigora o entendimento:

"(...) o emprego da progressividade, no caso do IPTU, (...) também implica inconstitucionalidade, porofensa ao princípio da isonomia. Deveras, se o discrímen se der pelo valor de cada imóvel, ficarãoem condição altamente privilegiada (infringindo a Constituição) os inúmeros proprietários (...) cujosimóveis, de per si considerados, tenham valor venal baixo, em confronto com os titulares de um sóimóvel, de valor expressivo. Figuremos um exemplo: se o titular de único imóvel de R$ 150.000,00ficar sujeito ao IPTU, em razão de uma alíquota de 1,8%, e outro, titular de centenas de imóveis depequeno valor, for submetido ao imposto com base em alíquota de 0,5%, ter-se-á, nesse caso,

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flagrante ofensa ao princípio da igualdade. Na verdade, estar-se-á a pôr às avessas as diretrizesdesse princípio. Mais flagrante fica essa inversão em legislações que isentam os proprietários deimóveis, cujo valor seja de pouca expressão relativamente ao dono de inúmeras propriedades."

A enfrentá-lo, mais uma vez, encontra-se a opinião de Machado. A respeito da isenção relativa aosimóveis de pequeno valor, o notável tributarista cearense aduz que "as leis municipais geralmentecondicionam a isenção ao fato de o proprietário não possuir outro imóvel no Município, de sorte queo argumento fica total e definitivamente afastado" (2003, p. 375).

Quanto ao argumento que compara o proprietário de um só imóvel mais valioso e o proprietário devários imóveis de valor baixo, Machado também entende não ser possível aceitar tal raciocínio, sobos seguintes fundamentos (2002, p. 61):

"(...) não tem consistência o argumento que parte da comparação entre o proprietário de um únicoimóvel de valor elevado e o proprietário de vários imóveis cada um deles de pequeno valor. Oproprietário do imóvel de valor elevado geralmente dele desfruta, ocupando-se como residência. Equando o aluga, e assim transfere, mediante cláusula contratual, o ônus do imposto ao locatário, esteé pessoa de elevada capacidade contributiva. Já o proprietário de vários imóveis, sejam casas, lojas,unidades autônomas destinadas à locação, geralmente consegue transferir, mediante cláusulacontratual, o ônus do imposto para o respectivo locatário. Assim, em face da repercussão jurídica, viacontrato de locação, o imposto termina sendo suportado pelos locatários que, em se tratando deimóveis de pequeno valor, geralmente têm menor capacidade contributiva do que o proprietário, e doque o locatário de imóveis de elevado valor."

Em que pese a arguta observação de Machado, deve-se assinalar que o fundamento de sua tesenão é consistente para o caso, tendo em vista o teor do art. 123 do CTN ( LGL 1966\26 ) , 71 segundoo qual as convenções entre particulares, relativas ao pagamento de tributos, não podem ser opostasà Fazenda Pública. Significa dizer que a cláusula de um contrato de locação que repasse aresponsabilidade sobre o pagamento do IPTU ao locatário de nada vale para a Fazenda Pública,uma vez que, em caso de inadimplência, a cobrança irá recair sobre o contribuinte do imóvelregistrado nos cadastros do município (no caso, o locador/proprietário). Em última análise, a tese deMachado somente teria validade para os casos em que o imposto fosse devidamente quitado, daí asua precariedade. 72

Para evitar que a progressividade seja tida por anti-isonômica, a solução para o caso repousa naaplicação das alíquotas progressivas não sobre cada imóvel, de forma isolada, e sim sobre oconjunto dos imóveis de um mesmo contribuinte, 73 de forma a permitir que se afira adequadamentea capacidade contributiva. Nesse sentido, a opinião de Teixeira (2006, p. 188), para quem apropriedade predial e territorial urbana "há de considerar o universo formado pelo conjunto dos bensprediais e territoriais de um mesmo sujeito passivo, dentro da zona urbana de um mesmoordenamento de competência tributária municipal", sendo a base de cálculo do IPTU "a soma dosvalores venais dos imóveis desse sujeito passivo".

Para o autor gaúcho, instituir a progressividade e aplicá-la sobre o valor venal individual de cada bemconstitui infringência ao princípio constitucional da igualdade tributária:

"(...) Com efeito, ofende a igualdade tributária impor, no âmbito de um mesmo ordenamento decompetência municipal, alíquotas menores a quem possui muitos imóveis e alíquotas maiores aquem possui número menor de imóveis, cuja soma de seus valores seja inferior à soma dos valoresdos imóveis do primeiro, mas cujos valores unitários, entretanto, sejam superiores" (2006, p. 189).

Machado também é defensor dessa tese, cuja adoção, para ele, serviria de desestímulo àconcentração da propriedade imobiliária, função distinta da que realiza a capacidade contributiva.Assim, melhor seria se a EC 29/2000 tivesse permitido "a progressividade do IPTU em relação aovalor total dos imóveis de um mesmo contribuinte, pois assim seria mais eficaz esse imposto comoinstrumento para o combate da concentração da riqueza imobiliária" (2002, p. 60).

Este estudo filia-se ao entendimento de que a progressividade fiscal, para estar afinada aos objetivosrepublicanos de busca da igualdade, deva ser instituída de modo a considerar o total dos valoresvenais dos imóveis de cada sujeito passivo, propiciando uma mensuração justa da capacidadecontributiva para fins de IPTU.

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3.5.3.3 Sob pena de invadir o mínimo vital e incidir em confisco, as alíquotas progressivas precisamser razoáveis 74

A legislação municipal deve observar limites ponderados para a exigência tributária progressiva,evitando que a mesma possa caracte-

rizar ofensa ao princípio disposto no art. 150, IV, da CF ( LGL 1988\3 ) . 75

Há na doutrina defensores da tese de que o princípio da não confiscatoriedade deriva do princípio dacapacidade contributiva, razão pela qual as leis instituidoras dos tributos não poderão compelir oscontribuintes a colaborar com as despesas públicas além de suas possibilidades (CARRAZZA, 2006,p. 99). O imposto que exaurir a riqueza passível de tributação das pessoas será confiscatório, poisnão estará considerando suas respectivas capacidades econômicas. 76

No caso do IPTU, o princípio que veda utilizar a tributação com efeito de confisco revigora o direitode propriedade quando assegura ao cidadão o direito de não ter seu bem irrazoavelmente atingidopelo Estado tributante. 77

Ademais, os recursos econômicos necessários à satisfação das necessidades básicas das pessoas(mínimo vital), garantidas pela Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) , mormente em seus arts. 6.º e 7.º(educação, moradia, saúde, vestuário, lazer, alimentação, transporte etc.), não podem ser objeto deincidência tributária.

Não é tarefa fácil examinar se um tributo está ou não ostentando efeitos de confisco, devendo oPoder Judiciário ser provocado para, de acordo com os princípios da igualdade, da capacidadecontributiva, da função social da propriedade e da dignidade da pessoa humana, avaliar o caso econcluir se a exação atingiu ou não as raias do confisco (CARRAZZA, 2006, p. 101). Em razão daausência de critérios precisos para a aferição do conceito de não confisco, o STF recomenda que sebusque inspiração no princípio da razoabilidade, evitando afetar o patrimônio do contribuinte demaneira insensata. 78

3.5.4 A progressividade fiscal aumenta a carga tributária?

Há na doutrina quem critique a progressividade fiscal sob o argumento de que a mesma concorrepara o aumento da carga tributária e, consequentemente, estimula a inadimplência, o que podeacarretar a redução da arrecadação. 79 Entretanto, analisando a questão com olhos despidos depreconceitos, não é difícil concluir que tal opinião não passa de mero açodamento.

Comparando a participação do pagamento do IPTU na renda mensal por unidade familiar, emcapitais brasileiras que aplicam e que não aplicam alíquotas progressivas, Carvalho Jr. obteve dadosesclarecedores a respeito da questão:

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De um modo geral, verifica-se naqueles municípios que adotaram a progressividade fiscal que opagamento do imposto tende a comprometer mais suavemente o orçamento das camadas de maisbaixa renda, ao passo em que as classes de maior renda tendem a comprometer uma parcela maiorde seus rendimentos, o que denota que a progressividade fiscal é um eficiente instrumento noaprimoramento da equidade tributária. Após analisar os dados coletados, Carvalho Jr. concluiu que(2006, p. 33):

"A introdução de alíquotas progressivas pelas administrações municipais (...) não elevou a

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arrecadação do imposto nas (...) capitais brasileiras analisadas, porém tornou sua distribuição maisuniforme pelas classes de renda, perdendo seu elevado caráter regressivo" (grifos acrescidos).

Portanto, a ideia de que a progressividade fiscal eleva a carga tributária 80 não é real, uma vez quesua finalidade, inspirada no princípio da capacidade contributiva, é muito mais de atribuir, àtributação, critérios de igualdade e de justiça, refinando seus reflexos sobre os contribuintes, do quepropriamente estimular a atividade arrecadatória dos entes tributantes. 81

4. Conclusão

Ao afirmar que a República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito, aConstituição Federal ( LGL 1988\3 ) consagrou um modelo estatal que tem o objetivo principal deconstruir uma sociedade justa e solidária, em que se busque reduzir as desigualdades sociais epromover o bem de todos, sem discriminações ou privilégios arbitrários.

Na perseguição de uma igualdade efetiva, a tributação pode exercer importante papel vez que, emfunção do princípio da capacidade contributiva, o ato de pagar tributos não pode ser visto como meraimposição legal destinada a carrear recursos, mas como iniciativa intrinsecamente relacionada àsolidariedade com os menos favorecidos, oportunidade de mitigação das distorções da sociedadebrasileira.

Para tal finalidade, a progressividade fiscal poderá ser aplicada ao IPTU, de maneira que, porintermédio da elevação das alíquotas, os imóveis de maior valor venal sejam mais tributados que osimóveis menos valorizados, dando efetividade ao princípio da capacidade contributiva.

Contudo, mesmo estando a progressividade fiscal alinhada à ideia de justiça fiscal e aos objetivosrepublicanos, muita polêmica circunda o tema. No campo da doutrina, autores criticam a técnicaafirmando que a mesma não pode recair sobre impostos reais ou que sua adoção pode acarretarofensa à isonomia. Defendem que a mera proporcionalidade, decorrente da aplicação de alíquotaúnica sobre base de cálculo variável, é suficiente para atender as exigências do Estado social.

No campo jurisprudencial, o STF, embora dê sinais de que esteja disposto a rever sua posição,mantém-se extremamente conservador, permanecendo contrário à adoção de alíquotas progressivaspara impostos reais, bem como não admitindo a progressividade fiscal instituída anteriormente à EC29/2000.

As conclusões do presente estudo, entretanto, apontam noutra direção, tendo ficado claro quesomente a progressividade fiscal pode efetivar, no âmbito do IPTU, o princípio da capacidadecontributiva, fazendo com que o sujeito passivo economicamente mais fraco pague,proporcionalmente, menos imposto que o sujeito passivo economicamente mais forte, em harmoniacom os fundamentos da República.

Além disso, firmou-se a opinião de que a progressividade fiscal deve ser estendida a todos osimpostos, sejam pessoais ou reais, mesmo que não haja expressa previsão na Constituição Federal (LGL 1988\3 ) , desde que a natureza do tributo assim permita, por consistir em efetivação dacapacidade contributiva.

Portanto, embora a Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) faculte a adoção da progressividade fiscalcom relação ao IPTU, este trabalho se posiciona pela imperatividade de sua aplicação pelosmunicípios brasileiros, tendo em vista que somente nesse caso se atribuirá, à exigência tributária,componentes de efetiva justiça fiscal e isonomia, valores que buscam transcender o plano formal daigualdade.

Para tanto, há de ser critério na instituição da progressividade fiscal, razão pela qual este trabalhodedicou atenção aos procedimentos que devem ser observados quando de sua implementação.Nessa esteira verificou-se que somente a modalidade graduada da progressividade fiscal é legítima.Concluiu-se, também, que a aferição da capacidade contributiva, para efeito de IPTU, devecontemplar o conjunto de bens imóveis de um mesmo sujeito passivo - situados na zona urbana domunicípio considerado. Dessa forma, as alíquotas progressivas seriam aplicadas sobre a soma dosvalores venais de todos os imóveis pertencentes ao mesmo contribuinte, visando retratar, com maiorjustiça, a riqueza que o seu patrimônio imobilizado exterioriza.

Esta providência serviria, também, para promover a desconcentração da riqueza imobiliária, bem

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como permitiria que se capturasse eventual valorização imobiliária decorrente de obras públicas, vezque não faz parte da cultura tributária brasileira a cobrança de contribuições de melhoria.

Não menos importante é salientar que as alíquotas progressivas devem ser razoáveis, de modo aevitar que tenham efeitos confiscatórios e alcancem o patrimônio dos contribuintes de formaexcessiva. Com isso, evita-se também que as pessoas tenham suas necessidades básicas,verdadeiras garantias constitucionais, prejudicadas pelo fisco.

Por fim, fez-se questão de demonstrar que a aplicação de alíquotas progressivas não tem o condãode aumentar a carga tributária, mas sim de aprimorar a justiça da tributação, refinando os reflexos desua incidência, de sorte a assegurar que os contribuintes sejam exigidos de acordo com suasrespectivas capacidades contributivas, na tentativa de atenuar os históricos índices de desigualdadeque a sociedade brasileira ostenta.5. Referências bibliográficas

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54. Para Furlan (2004, p. 136), esse argumento desvela uma hermenêutica sofrivelmente tacanhaporque, para ela, utilizar a interpretação literal para compreender o sentido de preceito constitucional,diante do atual estágio de desenvolvimento do debate jurídico, é técnica deveras rudimentar.

55. Também nesse sentido conferir j. referente à ADIn 2.010-2-DF, rel. Min. Celso de Mello, set/99,DJ 12.04.2002, p. 51).

1. De acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), a carga tributária brasileiraao final de 2009 foi de 35,02% do PIB, a maior da América Latina.

2. Base de cálculo do IPTU (art. 33 do CTN ( LGL 1966\26 ) ) representa o valor que o imóvelalcançará para compra e venda, à vista, segundo as condições usuais do mercado imobiliário, sendoaceita uma variação de até 10% (dez por cento).

3. "Art. 3.º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir umasociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e amarginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sempreconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."

4. Pagar tributos não é, para Greco (ob. cit., p. 185-186), mera imposição a que o sujeito passivo sesujeita por força de lei, mas postura ligada à solidariedade com os contribuintes de menor renda.

5. De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2009, o Brasil possui uma dasmaiores concentrações de renda do planeta: a renda controlada pela parcela 1% mais rica dapopulação é equivalente à da parcela representada pelos 50% mais pobres. Ademais, as diferençasse aprofundam quando se considera, além da renda, o patrimônio acumulado. Maiores informaçõesem www.pnud.org.br/rdh.

6. Tributo de competência municipal, tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a possede bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zonaurbana do município. Seus contribuintes são o proprietário, o titular do domínio útil ou o possuidor aqualquer título de bem imóvel, e sua base de cálculo é o valor venal do bem considerado (arts. 32 a34, do CTN ( LGL 1966\26 ) ).

7. O art. 33 do CTN ( LGL 1966\26 ) determina que a base de cálculo do IPTU é o valor venal doimóvel. A doutrina majoritária explica que valor venal é aquele que o imóvel alcançaria para compra evenda à vista, verificadas as condições do mercado imobiliário, aceitando-se uma variação de 10%,para cima ou para baixo. O valor venal deve ser apurado pelas administrações tributárias municipais,por intermédio das informações constantes do cadastro imobiliário e da planta genérica de valores,instrumento por meio do qual se faz a avaliação em massa dos imóveis urbanos existentes em ummunicípio, a partir de critérios técnicos estabelecidos, nos quais se fixa um valor padrão para o metroquadrado e se determina o valor do imóvel, tendo-se em vista sua área e sua classificação. Deacordo com o STF, para ser válida a planta de valores precisa ser instituída por lei, posiçãocontestada por parte da doutrina tributarista.

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8. Este método obedece, basicamente, às seguintes etapas: a) mensura-se o valor do solo urbanopara determinada zona fiscal ou quadra, considerando fatores como acesso a serviços públicos,distância do centro etc.; b) estipula-se o valor da edificação, tendo em vista idade do imóvel,profundidade, testada, tipologia construtiva etc.; c) após a aplicação de fatores, tanto para o terrenoquanto para a edificação, calcula-se o valor venal e emprega-se a alíquota vigente.

9. Por outro lado, "os imóveis de valores de mercado mais baixos costumam ser avaliados com umadefasagem menor (às vezes até mesmo acima do valor de mercado), porque os municípios nãocostumam desconsiderar aspectos subjetivos, porém determinantes, do preço do imóvel. Além disso,o baixo valor do imposto cobrado e o baixo nível de contestação judicial das classes de renda maisbaixa dão fortes incentivos à perpetuação dessa regressividade" (grifos acrescidos) (CARVALHOJR., 2007, p. 11).

10. Estudo elaborado por técnicos do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), apartir da experiência das auditorias de receita realizadas em municípios fluminenses, demonstra queas plantas de valores, instrumentos de avaliação em massa dos imóveis urbanos, para fins deincidência do IPTU, não são revisadas com a periodicidade adequada, acarretando longos períodosde defasagem (superiores a 20 anos, em alguns casos), fazendo com que as modificações urbanasocorridas ao longo dos anos não sejam consideradas. Além disso, foram verificadas localidades emque sequer havia planta de valores instituída. Também se apurou que "as Prefeituras não dispõem,em seus quadros, de profissionais (...) especializados em engenharia de avaliações, sendo asavaliações imobiliárias, para fins de tributação, realizadas, em regra, por corretores de imóveis",prática imprópria, uma vez que os laudos emitidos por tais profissionais se baseiam exclusivamentena "experiência pessoal adquirida, sem empregar metodologias baseadas em normas técnicas elegais, bem como critérios objetivos de cálculo" (AGUIAR et alli, 2006, p. 14-15).

11. "No Brasil, é comum a administração municipal adotar critérios políticos ou grosseiros paraavaliação de imóveis, principalmente em pequenas cidades. Em muitas dessas cidades é criada umacomissão de vereadores para atualizar a Planta Genérica de Valores sem nenhum critério técnico.Mesmo em cidades maiores, que têm diretrizes mais técnicas para a avaliação imobiliária, variáveisrelevantes, comumente de natureza subjetiva, costumam estar excluídas do processo de avaliação.(...) Os municípios costumam usar apenas variáveis de natureza mais objetiva, como proximidade deescola e posto de saúde, distância do centro urbano, existência de abastecimento de água eesgotamento sanitário, acesso a transportes públicos, entre outras" (CARVALHO JR., 2006, p.22-23).

12. De acordo com Fernandes, a carga tributária do IPTU residencial não supera 0,12% do PIB, oque equivale apenas à oitava parte do que os países desenvolvidos arrecadam (2005, p. 25).

13. Nas 10 (dez) cidades fluminenses de até 10 mil habitantes (Macuco, São José do Ubá, Rio dasFlores, Varre-Sai, Laje do Muriaé, Comendador Levy Gasparian, Aperibé, São Sebastião do Alto,Carapebus e Areal), a arrecadação de IPTU representou, em 2007, 0,53% da receita total, enquantoas transferências representaram em média 70,29%. O quadro nas 10 (dez) cidades com populaçãosuperior a 200 mil habitantes (Magé, Volta Redonda, Petrópolis, Campos dos Goytacazes, BelfordRoxo, São João de Meriti, Niterói, Nova Iguaçu, Duque de Caxias e São Gonçalo) é, contudo,diferente: enquanto o IPTU representou em média 5,61% da receita total, as transferênciasresponderam por 59,86%. Vê-se nas maiores cidades uma tendência de que a dependência dosrecursos transferidos seja menor, havendo maior ênfase na arrecadação das receitas decompetência própria dos municípios (Fontes: 1) população: censo de 2000 [IBGE]; 2) dados sobre aarrecadação: Secretaria Geral de Planejamento do TCE-RJ, disponíveis em www.tce.rj.gov.br .Dados compilados pelo autor).

14. "Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição,previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente daFederação."

15. "Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintestributos: (...) III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas."

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16. Greco (2004, p. 43) ressalta que a Constituição Federal de 1988 resultou de grande embate entreforças conservadoras e progressistas. "O produto final deste confronto ideológico não foi nem umEstado de Direito meramente protetivo, nem um Estado Social meramente intervencionista. Oproduto final deste confronto ideológico está retratado no art. 1.º que estabelece ser o Brasil umEstado Democrático (=social), de Direito (=protetivo). Isto significa que a Assembleia NacionalConstituinte não optou entre linhas ideológicas opostas; ao contrário, assumiu uma decisão decompromisso no sentido de acolher ambas as visões. Isto fez com que o texto aprovado (aConstituição de 1988) resultasse de uma fusão de duas linhas ideológicas dando vida a essa figurahíbrida que é o Estado Democrático de Direito".

17. De acordo com Weiss (2008), a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais ea promoção da igualdade são valores - expectativas e anseios sociais - associados à tributação,devendo nortear a elaboração de todas as normas e a interpretação dos princípios.

18. Ataliba ressalta que o cunho nitidamente social de nossa Constituição obriga que os impostosbusquem promover a redistribuição de renda por intermédio do método da progressividade (1990, p.237), cuja aplicação serve às democracias que se dizem compromissadas com a igualdade e ajustiça social (BALEEIRO, 2003, p. 8).

19. "Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aosEstados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) II - instituir tratamento desigual entre contribuintesque se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupaçãoprofissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dosrendimentos, títulos ou direitos; (...)."

20. Muito embora a maioria dos autores sustente que a capacidade contributiva é absorvida pelaigualdade, Amaro (2004, p. 138), na companhia de Marco Aurélio Greco e Hugo de Brito Machado,alerta que a capacidade contributiva não se esgota na realização do princípio da igualdade: "Doiscontribuintes em idêntica situação têm direito a tratamento igual; todavia, além disso, têm também(ambos e cada um deles) o direito de não ser tributados além de sua capacidade econômica. Se deambos fosse exigido idêntico imposto abusivo, não os ampararia a invocação da igualdade (queestaria sendo aplicada), mas a da capacidade contributiva".

21. Machado chega mesmo a afirmar que, independentemente de previsão constitucional explícita, oprincípio da capacidade contributiva "deve ser visto como um princípio de justiça, e assim deve serseguido pelo intérprete das normas tributárias em geral", sendo "universal a consciência do princípioda capacidade contributiva como norma de Justiça" (2001, p. 65-66).

22. Baleeiro anota que a capacidade contributiva surgiu expressamente prevista na CF ( LGL 1988\3) /1946 (art. 202), mas teve seu embrião no art. 179, n. 15, da Carta Constitucional de 1824, queprevia : "Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tempor base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição doImperio, pela maneira seguinte. (...) XV. Ninguem será exempto de contribuir pera as despezas doEstado em proporção dos seus haveres" (2003, p. 687).

23. Rosa Jr. (2005, p. 325), na companhia de Sacha Calmon (1999, p. 75-76), ressalta que maisprecisa era a redação do art. 202 da CF ( LGL 1988\3 ) /1946, que não ensejava maiores dúvidaspara o intérprete: "Os tributos terão caráter pessoal sempre que possível e serão graduadosconforme a capacidade econômica do contribuinte".

24. Rosa Jr. afirma preferir, em lugar da expressão "capacidade econômica", adotada pelo legisladorconstituinte originário, a expressão "capacidade contributiva", uma vez que "significa a capacidadeeconômica do contribuinte relacionada com a imposição específica ou global, sendo, portanto,dimensão econômica particular de sua vinculação ao poder tributante". Nesse mesmo sentido, Weissanota que quase toda a doutrina prefere capacidade contributiva, e salienta: "Não há oposição entreelas, sendo razoável afirmar que capacidade contributiva é a capacidade econômica que interessa àtributação" (2006, p. 176).

25. Agudo como de hábito, Paulo de Barros Carvalho critica a inutilidade da expressão sempre quepossível, afirmando que o direito somente incorre no campo do possível (2000, p. 202):

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"Redundância tosca, que podemos relevar da parte do político, mas inadmissível quando recebe achancela descritiva do cientista. A cláusula sempre que possível está pressuposta em toda equalquer regulamentação da conduta, por um motivo muito simples: as normas jurídicas incidem,exclusivamente, no campo dos comportamentos possíveis, representando inusitado absurdodeôntico regular a conduta necessária (é permitido respirar; é obrigatório respirar; ou é proibidorespirar) ou a conduta impossível (é proibido, permitido ou obrigatório ir ao planeta Marte no próximofim de semana). A região material sobre que incide o Direito para governar as relações deinterpessoalidade, orientando-as no caminho da realização dos conteúdos axiológicos que asociedade persegue, é uma e somente uma: a região da conduta possível. Tanto assim que asupressão radical da cláusula em nada prejudica o produto legislado" (grifos do autor).

26. Carrazza (2006, p. 102) alerta não ser da índole do ICMS ser graduado de acordo com acapacidade contributiva dos contribuintes, "nem dos impostos que, como ele, são chamados, pelaCiência Econômica, de indiretos (v.g., o IPI)", uma vez que se tratam de tributos que, "por injunçãoconstitucional, devem ter seu encargo financeiro repassado a terceiros (em geral, o consumidorfinal)".

27. Sacha Calmon é da opinião que o princípio da capacidade contributiva não é dispositivoprogramático, noção segundo ele superada pelo moderno constitucionalismo, mas sim princípioconstitucional de eficácia plena, que confere ao cidadão-contribuinte direito público subjetivo,oponível ao legislador.

28. Concepção de José Souto Maior Borges (apud CARRAZZA, 2006, p. 93).

29. A opinião de Fernandes aponta a mesma direção: "No campo tributário, o princípio que realiza oideal republicano é o da capacidade contributiva e este se manifestará no IPTU tanto na sua facetaobjetiva como fato-signo presuntivo de riqueza, como na sua faceta relativa, por meio da aplicaçãode alíquotas progressivas com finalidades fiscais" (2005, p. 87).

30. "(...) a só propriedade do imóvel luxuoso constitui-se numa presunção iuris et de iure deexistência de capacidade contributiva (pelo menos para fins de tributação por via de IPTU). Estariainaugurado o império da incerteza se a situação econômica individual do contribuinte tivesse que serconsiderada na hora do lançamento deste imposto" (grifos em negrito acrescidos) (CARRAZZA,2006, p. 107).

31. De Carrazza também é o seguinte exemplo (idem, p. 90): "Todos haverão de concordar comigoque não tem sentido dizer que alguém que ganhou de presente um automóvel da marcaMercedez-Bens, modelo do ano, tem que pagar menos IPVA porque é pobre. Não. Se esta pessoanão tem como pagar o IPVA incidente sobre seu veículo de luxo, deve, na pior das hipóteses,vendê-lo".

32. O Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, não deixa dúvidas ao mencionar asprovidências necessárias para romper as relações de produção burguesas, quando o proletariadotomasse o poder: "(...) nos países mais adiantados, as seguintes medidas poderão geralmente serpostas em prática: 1. expropriação da propriedade latifundiária e emprego da renda da terra emproveito do Estado; 2. imposto fortemente progressivo; 3. abolição do direito de herança; (...)" (grifosacrescidos).

33. McCulloch comparava o fisco progressivo aos selvagens que (...) abatiam as árvores para acolheita dos frutos. Para outros, era o abutre a devorar as próprias entranhas ou o roubo graduado(Baleeiro, 2003, p. 752).

34. "Com isso, transcende-se o mecanismo singelo da proporcionalidade, alcançando-se umaprojeção de maior penetração sobre a parcela de patrimônio imobiliário de maior valor" (Santos,2009, p. 200).

35. "Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal,conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento dasfunções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. (...) § 4.º É facultado ao PoderPúblico municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da

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lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promovaseu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - (...) II - imposto sobre apropriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; (...)."

36. Extrafiscalidade é, portanto, o emprego da tributação para fins ordinatórios - não fiscais (no casodo IPTU, urbanísticos) -, isto é, para induzir virtuais contribuintes a fazerem ou absterem-se de fazeralguma coisa (FURLAN, 2004, p. 144).

37. Vide subitem 3.5.3.1.

38. Buffon alerta não ser razoável admitir que a progressividade fiscal seja aplicável somente aostributos não vinculados em função da redação do § 1.º do art. 145 da CF ( LGL 1988\3 ) apenasmencionar a espécie tributária imposto, tendo em vista que tal entendimento, baseado nainterpretação literal do texto constitucional, é muito tacanho para ser aceito no atual estágio dedesenvolvimento dos debates jurídicos no Brasil (2003, p. 97).

39. Além de Ataliba, filiam-se a esse entendimento Hugo de Brito, Roque Carrazza e Sacha Calmon.

40. A classificação dos tributos em vinculados e não vinculados refere-se a uma atuação do PoderPúblico, cujo substrato é eminentemente jurídico, "pois repousa na observação fiel das hipóteses deincidência dos vários tributos, em confronto com as respectivas bases de cálculo" (CARVALHO,2000, p. 35). Assim, toda vez que estiver expressa uma ocorrência que implique em atuação doEstado, o tributo será vinculado, podendo esta vinculação dar-se de forma direta ou indireta. Modelosde vinculação direta são as taxas, previstas no art. 77 do CTN ( LGL 1966\26 ) , tributo associado auma atuação estatal diretamente vinculada ao contribuinte, enquanto a vinculação indireta érepresentada, por exemplo, pela contribuição de melhoria, cujo fato gerador deriva da realização deuma obra pública que provoque a valorização dos imóveis adjacentes, conforme estabelece o art. 81do CTN ( LGL 1966\26 ) . Os tributos não vinculados, por seu turno, têm por hipótese de incidênciaum fato alheio a qualquer atuação do Poder Público. São exemplos, por excelência, desta categoriaos impostos.

41. Com a ressalva de que alguns impostos, em razão de sua natureza, não serão adequados àaplicação da progressividade, tendo em vista que seu encargo financeiro é repassado para os preçosdas mercadorias, sendo seu valor final igual para todos os consumidores, sejam ricos ou pobres -casos do ICMS e do IPI.

42. Na opinião de Machado (2004, p.19), tal divisão deriva da classificação mais antiga dos impostosque se tem notícia, posto que tem origem nos jurisconsultos romanos (DIGESTO, 50,4,I).

43. "Os impostos reais, como a própria etimologia da palavra explica, assentam sobre amaterialidade da coisa, com abstração da pessoa do contribuinte. Paga, por exemplo, o solo,imposto territorial a tantos cruzeiros por hectare ou a 1% sobre o seu valor venal, pouco importandoque o proprietário seja celibatário, ausente, rico, que o conserve na expectativa de valorização oupara caçadas (...)" (BALEEIRO, 2003, 746).

44. Ataliba (1990, p. 238), lembrando lição de Misabel Derzi e Sacha Calmon, ressalta que "todos osimpostos, a rigor, são pessoais, pois não há tributo que incida sobre coisa em si, e a norma jurídicasó regula comportamento de pessoas" e, referindo-se ao IPTU, que o "imposto sobre a propriedadeimobiliária urbana tem como pressuposto o direito de propriedade, noção jurídica que inclui,necessariamente, a pessoa titular do direito".

45. Harada (1999) assim esclarece a questão, particularizando-a para o IPTU: "Hoje, não é maispossível classificar os impostos, a priori, em reais ou pessoais, impondo-se o exame do fato geradora cada caso concreto. Para se ter uma ideia, só em relação aos aposentados foram apresentadas,dentre outras, as seguintes proposituras visando isenção ou redução do IPTU: aposentado com maisde 65 anos que possua um único imóvel; aposentado enfermo; aposentado que tenha participado daFEB; aposentado que ganhe até cinco salários mínimos; aposentado que tenha plantado árvorefrutífera no quintal do prédio etc. À toda evidência, a divisão dos impostos em reais e pessoais,segundo a doutrina clássica, já perdeu a nitidez. Só o exame do fato gerador do imposto, em todosos seus aspectos, possibilitará a sua classificação". Fernandes esclarece que benefícios como esses

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(isenção para hipossuficientes) vão de encontro à proteção do mínimo vital a ser assegurada pelosistema constitucional tributário, ainda que para isto tenha que se dar caráter subjetivo ao IPTU(2005, p. 204-205).

46. Ideia expressa também por Machado (2001, p. 69): "Na verdade existem certos produtos,mercadorias e serviços, cujo consumo constitui verdadeira demonstração de capacidade contributiva.Automóveis de luxo, sofisticados aparelhos eletrodomésticos, iates, jóias, casacos de peles, bebidasimportadas, bem como a comunicação através de aparelhos sofisticados, evidenciam por seu uso,ou consumo elevada capacidade contributiva. (...) É certo que eventualmente uma pessoa nãodotada de capacidade contributiva muito elevada pode utilizar, ou consumir, um daqueles bens, ouserviços, ou pode fazê-lo em proporções maiores do que alguma outra pessoa, avarenta, dotada decapacidade contributiva muito elevada. Tal ocorrência, porém, se bem que possível, constituiexceção que de modo nenhum compromete a regra geral, segundo a qual o uso ou consumo decertos bens, ou serviços, presta-se como excelente índice de capacidade contributiva".

47. Aprovada em sessão plenária de 03.12.1969 e publicada nos DJ 10.12.1969, p. 5934; DJ11.12.1969, p. 5950; DJ 12.12.1969, p. 5998.

48. Nesse sentido, os RE 153.771 ( leading case do tema), 175.535-1 (RS), 179.273-6 (RS),193.997, 199.281-6 (SP), 204.666 (SP), 204.827, 229.164 (SP), 225.132 (RS), dentre outros.

49. Vide subitem 3.5.1.1.

50. Nesse sentido ressaem Marco Aurélio Greco, Bernardo Ribeiro de Moraes, Ives Gandra Martins eAires F. Barreto (CLèVE, 2003, p. 134).

51. Porto Alegre, Belo Horizonte e São Paulo.

52. Acórdão publicado no DJU, Seção 1, em 05.09.1997.

53. Súmula 589: "É inconstitucional a fixação de adicional progressivo do Imposto Predial e TerritorialUrbano em função do número de imóveis do contribuinte" (aprovada em sessão plenária de15.12.1976 e publicada no DJ 03.01.1977, p. 6; DJ 04.01.1977, p. 38; DJ 05.01.1977, p. 62).

56. Publicação: DJ 09.10.2003, p. 4; DJ 10.10.2003, p. 4; DJ 13.10.2003, p. 4.

57. "No caso, a citada súmula do STF, ao albergar a progressividade apenas depois da EC 29/2000,acabou por prestigiar uma regra, a que estabelece a distinção entre tributos reais e pessoais, emdetrimento do princípio da capacidade contributiva e, diretamente ou por arrastamento, dos princípiosda igualdade, do pacto federativo, da proporcionalidade (nas suas três vertentes: em sentido estrito,adequação e necessidade), bem assim em desfavor da justiça distributiva (...)" (HASSELAMNN,2009, p. 7).

58. As palavras de Rui Barbosa, lembradas por Ataliba (1990, p. 236), ensinam que aquilo "que aConstituição dá com a mão direita, não retira com a esquerda".

59. Nesse sentido, os RE 175.535-1 (RS), 179.273-6 (RS), 193.997, 199.281-6 (SP), 204.666 (SP),204.827, 225.132 (RS) e 229.164 (SP).

60. Publicada no DOU eletrônico de 14.09.2000.

61. "Na verdade, a tributação conforme a capacidade contributiva constitui uma exigência dosprincípios republicano e da isonomia tributária, razão pela qual sequer precisaria estar expressa notexto constitucional. E o mesmo pode-se dizer de seu corolário: o princípio da progressividade. Aexigência de majoração das alíquotas conforme o aumento da base de cálculo do imposto buscaevitar que a carga tributária permaneça a mesma para contribuintes com capacidades econômicasdistintas. A progressividade, antes de mera técnica legislativa, constitui um dos princípiosfundamentais do sistema constitucional tributário, verdadeiro corolário do princípio da igualdade nocampo da tributação. (...)" (CLèVE E SEHN, 2003, p. 137).

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62. Quanto às leis municipais anteriores à EC 29/2000, que previam a progressividade fiscal para asalíquotas do IPTU, Fernandes aponta a conveniência de que "os Municípios editem leis novas,posteriores à Emenda, para dar continuidade à respectiva exigência, eis que, tanto o STF, nostermos das decisões supracitadas, quanto à própria doutrina dominante, entendem que a EmendaConstitucional não tem o condão de constitucionalizar leis originalmente inconstitucionais" (2005, p.374-375).

63. "Art. 60 (...) § 4.º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - aforma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dosPoderes; IV - os direitos e garantias individuais."

64. "Não há, portanto, no texto constitucional, um princípio absoluto que vede a subjetivação, poremenda constitucional, de um imposto real, como é o caso do IPTU, ou que confira a quem quer queseja o direito subjetivo de somente ser tributado com alíquotas progressivas diante de impostospessoais. (...) As cláusulas pétreas, antes de violadas, estão sendo concretizadas e realizadas pelaalteração no regime jurídico de cobrança do IPTU" (CLèVE E SEHN, 2003, p. 138).

65. Para Clève e Sehn (idem, p. 136), "o reconhecimento das cláusulas imutáveis não pode tolher acapacidade de aprendizagem das normas constitucionais para captação das mudanças na realidadesocial e nas concepções de verdade e justiça. Do contrário, a própria textura aberta dos princípiosconstitucionais perderia sentido, cessando o necessário diálogo entre constituição formal e material".

66. A respeito, Furlan (2004, p. 139-140) apregoa: "A progressividade fiscal do IPTU sempre nospareceu admitida e, até mesmo, implicitamente exigida pela nossa Carta Republicana. Com efeito,diante de duas interpretações possíveis, afigura-se melhor aquela que não excepciona os princípiosconstitucionais. Assim, rechaçamos a interpretação que restringe demasiadamente o alcance doprincípio da capacidade contributiva, e consequentemente o da isonomia, no que concerne aosimpostos reais".

67. Seja no sentido de aguardar, seja no sentido de ter esperança.

68. A respeito, Machado apresenta exemplo fundamentado na legislação tributária do Município deFortaleza (2004, p. 24): "Consideremos dois imóveis residenciais. O primeiro avaliado em R$180.000,00 (cento e oitenta mil reais) e o segundo avaliado em R$ 181.000,00 (cento e oitenta e ummil reais). O IPTU do primeiro será de 0,8%, ou seja, será de R$ 1.440,00 (um mil quatrocentos equarenta reais), enquanto o IPTU do segundo será de 1,4%, ou seja, será de R$ 2.534,00 (dois milquinhentos e trinta e quatro reais). O segundo imóvel tem valor superior ao do primeiro em apenasmil reais. Seu IPTU, todavia, será superior ao do primeiro em nada menos do que um mil e noventa equatro reais".

69. Aliomar Baleeiro sequer faz menção à possibilidade de a progressividade ser instituída namodalidade simples, entendendo que a expressão "imposto graduado" é sinônima de "impostoprogressivo": "Tributos graduados são os progressivos, ou seja, aqueles cuja alíquota cresce àmedida que se eleva a quantidade ou valor da coisa tributada, em contraste com a relação constantedos impostos simplesmente proporcionais" (2003, p. 751).

70. Para Volkweiss somente a progressividade gradual é autorizada, "não havendo hoje, naconstituição Federal (...) nenhuma autorização para a utilização da progressividade do tipo simples"(apud PAULSEN, 2006, p. 73).

71. "Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas àresponsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, paramodificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes."

72. O próprio Machado, em outro momento, admite: "Em face da norma do art. 123 do CódigoTributário Nacional ( LGL 1966\26 ) , o contribuinte do IPTU segue sendo o proprietário do imóvelalugado, que não se pode furtar da responsabilidade pelo respectivo pagamento, pois a convençãoque fez com o inquilino não é oponível ao Fisco" (2003, p. 386-387).

73. Ao interpretar a questão, analisando o contexto da edição da Súmula 589 ( MIX 2010\2312 ) do

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Page 70: A PROGRESSIVIDADE FISCAL DO IPTU: UMA QUESTÃO …tribcast-midia.s3-sa-east-1.amazonaws.com/wp-content/uploads/2015... · seus quadros nem tampouco empregam as práticas adequadas

STF, segundo a qual a fixação de adicional progressivo do Imposto Predial e Territorial Urbano emfunção do número de imóveis do contribuinteé inconstitucional, Carlos Renato Silva e Souzaassevera que considerar "o valor total dos imóveis de propriedade de um mesmo sujeito é não sóconstitucional, como atende ao princípio da isonomia tributária, no caso da aplicação de alíquotasprogressivas" (apud FERNANDES, 2005, p. 377).

74. Weiss explica que a maioria da doutrina considera a razoabilidade um princípio com conteúdopróprio, o que não é adequado, uma vez que não é identificável uma base valorativa própriaassociada a ela. Conjugando os ensinamentos de Humberto Ávila e Eros Roberto Grau, Weissprefere considerar a razoabilidade como sendo um postulado normativo, por ser um mandamentosuperior a normas e destinado a orientar sua interpretação e aplicação. "A razoabilidade é uma metade permanente adequação das condutas públicas (leis, decisões judiciais e administrativas) àsfinalidades que as justificam. Serão razoáveis as precedidas de uma adequada ponderação deprincípios e consequências. Reflete a necessidade de sempre agir com bom senso, evitando o abusoda situação de preponderância pública e o sacrifício dos particulares ou da sociedade além doestritamente necessário à obtenção dos resultados legal ou constitucionalmente estabelecidos"(2006, p. 205-206).

75. "Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aosEstados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) IV - utilizar tributo com efeito de confisco; (...)."

76. "'Capacidade econômica' há de entender-se como real possibilidade de diminuir-sepatrimonialmente o contribuinte, sem destruir-se e sem perder a possibilidade de persistir gerando ariqueza como lastro à tributação. A violação dessa - pelos excessos tributários - configura confisco,constitucionalmente vedado, além de suprema irracionalidade" (Ataliba, 1990, p. 233).

77. Para Weiss o princípio da vedação ao confisco, por se tratar de limite constitucional ao poder detributar, não precisaria estar expresso na Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) , "pois decorrediretamente da preservação do direito de propriedade, tratado em diversos dispositivos como osincisos XXIII e XXIV, do art. 5.º, e 170, II. A CF ( LGL 1988\3 ) só admite o confisco, ou expropriaçãode bens, na hipótese prevista no art. 243" (2006, p. 180).

78. "Faltará justa causa para a cobrança dos tributos patrimoniais se for aplicada uma alíquotadesproporcionalmente alta, ainda que o bem em questão possua pequeno valor e o contribuintegrande disponibilidade financeira. (...) Por outro lado, o imposto não será confiscatório se a alíquotafor razoável, ainda que algum contribuinte específico não tenha nenhuma disponibilidade financeirapara arcar com seus débitos" (WEISS, 2006, p. 180).

79. Nesse sentido a manifestação de Lima (2000), para quem "a tributação tem um ponto ótimo,acima do qual o aumento das alíquotas gera sempre um efeito negativo".

80. Furlan classifica como errônea a ideia de que o imposto progressivo equivale a aumento doencargo tributário ou a de que a progressividade implica em majoração de alíquota (2004, p. 141).

81. "A principal função da progressividade dos tributos é a redistribuição da riqueza. Com o tributoprogressivo, o que tem mais paga não apenas proporcionalmente mais, porém mais do que isto,paga progressivamente mais" (MACHADO, 2001, p. 123).

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