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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ RAFAELA CONTADOR A PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS NO PROCESSO CIVIL CURITIBA 2014

A PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS NO PROCESSO CIVIL · ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, ... O ordenamento jurídico brasileiro

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

RAFAELA CONTADOR

A PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS NO PROCESSO CIVIL

CURITIBA 2014

RAFAELA CONTADOR

A PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS NO PROCESSO CIVIL Monografia de Conclusão de Curso apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Rafael Knnor Lippmann

CURITIBA 2014

TERMO DE APROVAÇÃO

RAFAELA CONTADOR

A PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS

Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do titulo de Bacharel no Curso de Bacharelado em Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ____de _______ de 2014.

____________________________________

Bacharelado em Direito

Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador:__________________________________

Prof. Rafael Knorr Lippmann UTP – Universidade Tuiuti do Paraná

Examinador 1: ________________________________ Prof._____________________________ UTP – Universidade Tuiuti do Paraná

Examinador 2: ________________________________

Prof.____________________________ UTP – Universidade Tuiuti do Paraná

Núcleo de Monografias: ________________________

Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite UTP – Universidade Tuiuti do Paraná

AGRADECIMENTOS

Meus sinceros agradecimentos a todas as pessoas que de alguma forma me

ajudaram durante essa longa jornada, que fizeram eu me arriscar, apostar em mim

mesma, a superar os obstáculos e seguir em frente. Nunca os esquecerei.

A minha família , que acreditou, investiu, e incentivou.

A Deus que me guiou para essa conquista.

Aos meus colegas de trabalho que sempre me motivaram, e contribuíram

com seu conhecimento, com suas experiências, ensinando pacientemente dia a dia.

Aos colegas do curso, por fazerem parte dessa história e proporcionarem

momentos que serão guardados para sempre.

E finalmente aos professores que com maestria lecionaram durante o curso

e que além de lições acadêmicas transmitiram lições de vida.

Dedico esta conquista aos meus pais, que

dedicaram a mim a sua vida, me

educando, me amando, me ensinando os

verdadeiros valores da vida. A eles que se

esforçaram para me proporcionar essa

oportunidade, que muitas vezes

abdicaram de si por mim, que fizeram do

meu sonho o sonho deles também, e que

sem a sua ajuda não seria realidade.

“Os temas mais difíceis podem ser explicados para o

homem de raciocínio mais lento, se ele ainda não

formulou qualquer ideia sobre eles, mas a coisa mais

simples não pode ser esclarecida para o homem mais

inteligente, se ele está firmemente convencido de que ele

já sabe, sem uma sombra de dúvida, o que é colocado

diante dele.”

Leon Tolstoi

RESUMO

O presente trabalho tem como tema a Proibição da Reformatio in Pejus, com o

objetivo de analisar a atuação dos magistrados pautada nos princípios processuais

civis, bem como os princípios recursais. Como problemática utilizou-se a seguinte

indagação: quanto à reformatio in pejus, será que ela dever ser aplicada ou

realmente ha necessidade de sua proibição? Para responder essa pergunta,

apresenta-se um estudo à luz dos princípios do processo civil, e em especial dos

princípios recursais, verificando as hipóteses de cabimento, a estrita observância

dos pedidos formulados pela parte autora e principalmente a atuação dos

magistrados dentro dos limites da demanda. Foi realizada pesquisa qualitativa

exploratória por meio de doutrinas, dispositivos legais como a Constituição Federal e

o Código de Processo Civil.

Palavras Chave: Proibição da Reformatio in Pejus, Princípio Dispositivo, Efeito

Devolutivo.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................08 2 CONCEITO.............................................................................................................09 3 HISTÓRICO............................................................................................................11 4 OS PRINCÍPIO E A SUA FUNÇÃO LIMITADORA................................................13 4.1 PRINCÍPIO DO DEVOLUTUM QUANTUM APPELLATUM.................................14

4.2 PRINCÍPIO DISPOSITIVO...................................................................................16

4.3 PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO...............................................18

5 DOS FUNDAMENTOS DA NON REFORMATIO IN PEJUS..................................20 5.1 DO INTERESSE RECURSAL..............................................................................20 5.2 DA OFENSA A COISA JULGADA........................................................................21 5.3 DA ATUAÇÃO DOS MAGISTRADOS..................................................................22 6 DAS HIPÓTESES DA OCORRÊNCIA DA REFORMATIO IN PEJUS...................31 7 CONCLUSÃO.........................................................................................................33 REFERÊNCIAS.........................................................................................................34

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo analisar a proibição da reformatio in

pejus no processo civil, trazendo à luz as motivações que a tornam necessária, a fim

de garantir à parte recorrente que, não tenha a decisão reformada para pior.

O estudo apresenta, inicialmente, a definição do princípio da proibição da

reformatio in pejus, o seu alcance e as justificativas apresentadas pela doutrina para

o seu aproveitamento no ordenamento jurídico brasileiro.

Este trabalho busca ainda analisar a limitação da discricionariedade do juiz,

e a afronta a diversos princípios gerais do processo civil com a aplicação da

reformatio in pejus. Desenvolvem-se comentários aos princípios, no que concerne

ao seu conceito, aos aspectos em torno dos quais recaem as discussões na doutrina

e na jurisprudência acerca de sua admissibilidade no sistema processual vigente,

além de analisar a sua aplicação no procedimento do Tribunal ad quem.

Destaca-se também a divergência existente entre os doutrinadores e os

Tribunais quanto ao manejo do referido postulado no ordenamento processual

pátrio.

Por fim, cumpre destacar a necessidade de uma análise sobre a correção

dos vícios de congruência da sentença, e no acórdão como solução preventiva para

evitar que os vícios contaminem o julgado, como é o caso da reformatio in pejus.

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2 CONCEITO

Reformatio in pejus, ou reforma para pior, consiste na reforma da decisão de

primeiro grau, uma vez que houve apenas um recorrente, e este ao impugnar a

decisão proferida, tem a sua condição agravada pelo tribunal que julgou o recurso,

de oficio, ou seja, sem que a parte contrária tenha requerido. (JORGE, 2003).

Nelson Luiz Pinto define a reformatio in pejus como:

A reformatio in pejus consiste na reforma da decisão judicial por força de um recurso interposto, capaz de resultar para o recorrente uma situação de agravamento, de piora, em relação àquela que lhe fora imposta pela decisão recorrida. Ou seja, traduz-se num resultado exatamente contrario aquele pretendido pelo recorrente. (2004, p. 92)

Em sua definição de Cássio Scarpinella Bueno tras a luz a questão da

oficiosidade do juiz:

A noção de reformatio in pejus, ou no vernáculo, “reforma para pior”, reside na descrição da situação jurídica de uma das partes ser piorada pelo julgamento de um recurso mesmo sem pedido do recorrente. O agravamento da situação, destarte, deriva da atuação oficiosa do órgão ad quem, e não na resposta dada ao pedido respectivo formulado pelo recorrente. (2008, p.33)

Quanto ao principio da proibição da reformatio in pejus Flávio Cheim Jorge:

A proibição da reforma para pior nada mais é do que uma decorrência natural da incidência de outro principio, e quanto a isso a doutrina é acorde, qual seja, o principio dispositivo. Quer dizer, em razão de o juiz somente se manifestar quando provocado, e na medida dessa provocação, a decisão por ele proferida não prejudicará a situação do recorrente. (2003, p.177).

Existem duas espécies de reformatio in pejus no tocante a decisão do

recurso julgado, ela pode ser qualitativa ou quantitativa. A reforma qualitativa diz

respeito à mudança na fundamentação da decisão em desfavor do apelante,

utilizada para a piora da decisão. Enquanto na reformatio in pejus quantitativa a

nova decisão retira ou agrava a posição do recorrente (ASSIS, 2008).

Não é só a reformatio in pejus (reforma para pior) que deve ser proibida, mas

a reformatio in melius (reforma para melhor) também, pois o tribunal não deve

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melhorar e nem piorar a situação do recorrente além dos limites pautados no recurso

interposto. (PINTO, 2004).

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3 HISTÓRICO

A reformatio in pejus teve sua origem nos Institutos de Processo Penal,

instituído pelo Decreto Lei Nº 3.689, de 3 de Outubro de 1941, em vigor até hoje, e

sua proibição expressa esta prevista em seu artigo. (CAPEZ, 2003)

O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença.

Diferentemente do Código de Processo Penal de 1941, que possui o

princÍpio de forma expressa, o Código de Processo Civil que foi estabelecido pela

Lei Nº 5.869 de 11 de Janeiro de 1973, deixou de conceder o beneficio comum, e

passou a adotar a proibição da reformatio in pejus, todavia de forma omissa. Nesta

esteira Araken de Assis, (2014, p.120 apud Nery Junior, 2004), diz que:

A despeito de igualmente omisso o CPC de 1973, extrai-se o principio da proibição da reformatio in pejus através da interpretação sistemática das regras recursais. Tem papel de relevo o principio dispositivo. Então, é preciso examinar o fundamento do impedimento. (2014, p.120).

Fredie Didier Jr. E Leonardo José Carneiro da Cunha, comentam sobre

como era o benefÍcio comum existente nos códigos anteriores:

O beneficio comum (communio rimedi; beneficium commune) da apelação era uma característica desse recurso na tradição do direito luso-braileiro. A apelação interposta por uma das partes servia a outra, o que permitia ao “tribunal reformar a sentença como bem quisesse, ainda que contra aquele que, sozinho, o interpusera”. (2009, p.79, apud Nery Junior, Nelson, 2000).

Em diversos ordenamentos jurídicos existe o entendimento pela proibição da

reformatio in pejus, é o caso do direito alemão, austríaco, também o espanhol, o

italiano, em que pese o código tenha sofrido alterações, e o francês. Todavia o

direito português assim como o direito brasileiro por algum tempo concediam o

beneficio comum, no entanto acabaram admitindo a tese da proibição da reformatio

in pejus. (ASSIS, 2014)

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Nesse sentido Nelson Nery Junior fala sobre a existência da proibição da

reformatio in pejus em nosso ordenamento jurídico atual (ainda que de forma

omissa) e como esse princípio deve ser interpretado:

Em nosso direito positivo não há regra explicita a respeito da proibição da reformatio in pejus. Essa proibição, que entre nós efetivamente existe, é extraída do sistema, mas precisamente da conjugação do principio dispositivo, da sucumbência como requisito de admissibilidade, finalmente, do efeito devolutivo do recurso. (1997, p. 155).

Araken de Assis, também fala abaixo sobre a interpretação do princípio:

A despeito de igualmente omisso o CPC de 1973, extrai-se o principio da proibição da reformatio in pejus através da interpretação sistemática das regras recursais. Tem papel de relevo o principio dispositivo. Então, é preciso examinar o fundamento do impedimento. (2014, p. 120, apud Nery Junior, 2004)

Em que pese o instituto tenha sido extraído do ordenamento jurídico do

Processo Penal, o Processo Civil, adotada esse principio através da interpretação

sistemática, conjugada a outros princípios que limitam a reforma da decisão retro.

(NERY JUNIOR, 1997).

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4 OS PRINCÍPIOS E SUA FUNÇÃO LIMITADORA

Os princípios possuem papel de grande relevância no âmbito das

instituições do direito processual civil, eles regulamentam e permitem a construção

de um sistema especifico, com características e peculiaridades próprias que servem

como norte para que não só as partes, autor e réu, mas também os magistrados

possam resolver o litígio de maneira menos gravosa para as partes. (JORGE 2003).

Vejamos a definição de princípios por Celso Antônio Bandeira de Mello:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (2000, p.747).

Além dos princípios inerentes ao estudo do Direito como um todo, existem

os princípios relativos aos institutos do Processo Civil, e quanto a essa matéria

existem também os princípios recursais, sobre eles Nelson Luiz Pinto aduz que:

Os princípios gerais dos recursos são princípios fundamentais aplicáveis ao sistema recursal como um todo, pois foram adotados pelo sistema jurídico por opção política e ideológica. Todos eles, direta ou indiretamente, decorrem necessariamente de princípios fundamentais do processo civil ou de princípios constitucionais. (2004, p.84).

O ordenamento jurídico brasileiro confere ao magistrado uma margem de

discrionáridade baseada em princípios como o da Persuasão Racional do Juiz,

Principio da Motivação Principio da Cooperação entre outros. Mas a sua atuação

encontra limitadores nos princípios que servem de esteio para assegurar as partes

que as decisões proferidas não sejam eivadas por vícios, e não contaminem os

demais atos processuais. Sendo assim, a observância desses princípios, entre

outros de igual importância como o da congruência, princípio dispositivo, pincipio do

duplo grau de jurisdição, o do tantum devolutum quantum appelatum entre outros,

são uma forma preventiva de evitar a ocorrência da reformatio in pejus, e assim não

prejudicar nenhum das partes litigantes do processo (DIDIER JR., Fredie, DA

CUNHA, Leonardo José Carneiro, 2009).

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4.1 PRINCÍPIO DO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APPELATUM

Esse princípio diz respeito ao efeito devolutivo do recurso, em que será

devolvida única e tão somente a matéria impugnada, quais sejam os pontos da

sentença que foram atacados. Este princípio esta contido no artigo 515, caput do

CPC, aduz que: A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria

impugnada. (PINTO, 2004).

Sobre esse dispositivo legal Ricardo de Carvalho Aprigliano entende que:

Nos termos do novo texto legal, a discricionariedade atribuída ao tribunal será reduzida, pois apenas as questões exclusivamente de direito poderão ser julgadas pelo mérito desde logo, e somente se a sentença houver extinguido o processo sem julgamento de mérito. (2003, p.156).

Sobre o efeito devolutivo e sua aplicação Sandro Marcelo Kozikoski diz que:

O efeito devolutivo deve ser compreendido em torno da distinção entre a sua extensão e a sua profundidade. Pode-se sintetizar o assunto afirmando que o tribunal exercerá atividade cognitiva, no plano horizontal, atendo-se ao objeto da impugnação (extensão). Porém no âmbito da analise desempenhada, o tribunal poderá aprofundar-se acerca de tema não enfrentando pela sentença (profundidade). A devolutividade, vista por este ultimo aspecto, diz respeito as questões não analisadas, mas que poderiam ter sido objeto de investigação por parte do juiz. Quaisquer dessas questões, enfrentadas ou não pelo juízo a quo, estarão sujeitas à cognição do tribunal. A apelação revela-se condição necessária e suficiente para submeter à apreciação do tribunal as matérias estatuídas no §§ 1º e 2º do art. 515 do CPC. (2006, p. 197).

Elpidio Donizetti Nunes nessa mesma linha preceitua que órgão julgador

deve se ater aos limites da impugnação:

Sendo interposto recurso por determinado motivo, o órgão julgador só pode alterar a decisão hostilizada nos limites em que ela foi impugnada, não podendo ir além. Trata-se, como se vê, de consectário lógico do principio do dispositivo, segundo o qual o órgão jurisdicional somente age quando provocado (art.2º), e do principio da congruência, pelo qual o julgador está vinculado ao pedido formulado pela parte (arts. 128 e 460, por extensão). (2010, p. 689).

Nesta seara Cássio Scarpinella Bueno não só entende que o magistrado

deve se ater aos limites da decisão impugnada, como também que para existir a

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reforma, necessáriamente tem que haver requerimento da parte, diante disso o autor

diz que:

O principio que veda a reformatio in pejus é implícito no ordenamento jurídico nacional, derivando do próprio papel que é exercido pelo “efeito devolutivo” no âmbito dos recursos. Como é vedado que órgão julgador do recurso deixe de observar os limites de sua atuação, impostos pelo âmbito de devolutividade recursal, ele não pode, sem pedido do recorrente, piorar a situação criada pela decisão ao recorrido. (2008, p. 33).

O princípio do tantum devolutum quantum appellatum é um desdobramento

do princípio Dispositivo, e quanto a ele Vicente Greco Filho aduz que:

O art. 515, combinado com o art. 505, expressamente consagra o principio do tantum devolutum quantum appelatum, ou seja, o tribunal fica objetivamente limitado a vontade do apelante de impugnar a sentença. Naquilo em que a parte não manifestar o desejo de reforma não incide a manifestação do tribunal, aliás como decorrência do principio dispositivo da ação. Da mesma maneira que o pedido do autor limita objetivamente a sentença, o pedido formulado em apelação limita a decisão do tribunal. (2003, p.296).

Quanto ao efeito devolutivo vejamos a lógica apresentada por Calamandrei

nas palavras de Flávio Cheim Jorge:

A respeito dessa manifestação do efeito devolutivo, expõe, com precisão, Calamandrei, que como é efeito, o mesmo não se produz senão na medida em que exista na interposição do recurso a causa que dá lugar ao mesmo. Dada esta relação de causa e efeito, que tem lugar entre a interposição do recurso e a devolução da controvérsia ao juiz ad quem, a devolução total só pode ser efeito de um recurso total. Conclui o mencionado mestre, referindo-se ao recurso de apelação, em lição afeta para todos os recursos, que admitir que uma devolução total possa ser a consequência de uma apelação parcial, equivaleria aceitar que se possa ter, quanto a parte da controvérsia que não foi objeto da apelação parcial, uma devolução sem apelação, ou seja, um efeito sem causa. (2003, p. 221, apud Calamandrei, 1945).

Trata-se pura lógica, o juiz deveria devolver apenas aquilo que foi objeto de

impugnação no recurso interposto, seja total ou parcial. Sobre a extensão da matéria

impugnada José Carlos Barbosa Moreira:

O efeito devolutivo da apelação abrange, quanto a extensão, a “matéria impugnada”: tantum devolutum quantum appellatum (art. 515, caput) Como o apelante a evidência, não pode impugnar senão aquilo que se decidiu, conclui-se desde logo que, em principio, não se devolve ao tribunal o conhecimento de matéria estranha ao âmbito do julgamento do órgão

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inferior. Assim, se houver posto fim ao procedimento de primeiro grau sem apreciar o mérito, não é licito ao órgão ad quem ingressar no exame deste. Por exceção, em casos tais, convencendo-se do desacerto da sentença meramente terminativa, bem como da inexistência de outro óbice a apreciação do mérito, pode o tribunal, em vez de limitar-se a reformá-la e restituir aos autos ao juízo a quo, “julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento” (art. 515,§3º, introduzido pela Lei nº 10,352) (2009, p. 134).

Sendo assim conclui-se que a observância ao princípio do tantum devolutum

quantum appellatum, é ponto crucial para evitar a ocorrência da reformatio in pejus,

pois o tribunal ad quem ao julgar a apelação recebida, deve devolver apenas aquilo

que foi impugnado, pautando a sua decisão apenas nos pontos controvertidos da

decisão atacada suscitados no recurso interposto. (MARINONI, 2012).

4.2. PRINCÍPIO DISPOSITIVO

Esse princípio tem relação com a necessidade de provocação da parte para

que o juiz possa se manifestar, ou seja, são as partes quem tem que tomar a

iniciativa de acioná-lo através dos atos do processo, vedando, portanto a atuação do

juiz de maneira oficiosa, salvo as situações previstas em lei. (JORGE, 2003)

Quanto ao principio da proibição da reformatio in pejus Nelson Luiz Pinto faz

uma relação com o principio dispositivo e diante disso entende que:

Trata-se de principio extraído do próprio principio dispositivo, segundo o qual entende-se que a parte que não recorreu conformou-se com a sucumbência que lhe fora imposta, não podendo o tribunal, de oficio, melhorar sua situação, em detrimento de outra. (2004, p. 92).

Novamente a doutrina se mostra uniforme quanto a necessidade do juiz ser

provocado, para que somente então haja a tutela jurisdicional. Em relação aos

princípios do Dispositivo e da Congruência Nelson Nery Jr. Conjuntamente com

Teresa Arruda Alvim Wambier assim lecionam:

Como um dos princípios norteadores do processo civil (mormente na parte referente ao pedido de ação e de recursos) é o dispositivo, o qual está intimamente ligado com os da inércia da jurisdição e da congruência da providência jurisdicional, sendo entendido como o Estado-Juiz somente presta a tutela quando é acionado, e

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rigorosamente nos limites do que é pleiteado, tem-se que deve o apelante formular, expressa e especificamente, pedido para que o tribunal, cassada a sentença terminativa, possa apreciar desde logo o mérito da causa. É dizer, pelo principio da congruência o tribunal está adstrito ao pedido formulado pelo recorrente, sendo vedada a prolação de decisão infra, extra ou ultra petita, nos termos do art. 460 CPC. (2002, p. 257).

Humberto Theodoro Junior de maneira similar analisa a questão, senão

vejamos:

Há duas variações importantes do principio dispositivo, em nosso sistema processual civil:a) o principio da demanda e b) o principio da congruência. Pelo primeiro, só se reconhece a parte o poder de abrir o processo: nenhum juiz prestara a tutela jurisdicional sena quando requerida pela parte (CPC, art.2º), de sorte que não há instauração de processo pelo juiz ex officio. Pelo segundo princípio, que também se nomeia como principio da adstrição, o juiz deverá ficar limitado e adstrito ao pedido da parte, de maneira que apreciara e julgara a lide “nos termos em que foi proposta”, sendo-lhe vedado conhecer questões não suscitadas pelos litigantes (art. 128). Prevalece, portanto, o principio dispositivo na instituição da relação processual e na definição do objeto sobre o qual recairá a prestação jurisdicional. Justifica-se a prevalência do principio dispositivo nesses momentos cruciais do processo pela necessidade de preservar a neutralidade do juiz diante do conflito travado entre os litigantes. Cabe-lhe receber e solucionar o litígio, tal qual deduzido pelas partes, em juízo, sem ampliações ou derivações para temas por elas não cogitados. (2008, p. 27).

Vejamos a reflexão de Arruda Alvim:

O principio da vedação da reformatio in pejus radica-se na própria feição assumida pelo princípio dispositivo. Quer dizer, a parte recorrente age no seu interesse e correlatamente procura obter uma vantagem, a qual, se conseguida significará uma desvantagem para o adversário. Assim é que, por isso, de uma iniciativa, que se direciona ou tende a ser benéfica, não há de decorrer uma desvantagem para si própria. Essa desvantagem, por tudo o que se disse, só pode advir de atividade do seu adversário, se este tiver recorrido e na medida em que o recurso deste seja acolhido. Argumento forte e definitivo, em favor do entendimento de que o Código de Processo Civil adota o principio, é o da existência de recurso adesivo. (1999, p.92).

Sendo assim, não deve ser diferente quando a decisão ocorrer em segundo

grau, uma vez interposto o recurso, este deve ser apreciado nos limites da sua

intenção de reforma da decisão guerreada, exceto nos casos que tratem de matéria

de ordem pública, o acórdão não pode reformar a decisão a quo em prejuízo do

recorrente, quando o recorrido foi totalmente beneficiado com a decisão, em

atendimento ao seu pedido, ou se ainda que parcialmente, agravando a condenação

do recorrente. (ASSIS, 2008)

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4.3 PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

A aplicação da reformatio in pejus tem relação com o fundamento do

principio do duplo grau de jurisdição, que preceitua que a decisão de primeiro grau

seja revista pelo tribunal ad quem, hierarquicamente superior, onde o mérito da

decisão a quo será reexaminado. (MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio

Cruz, 2011).

Sobre o principio em comento e as cognições de dois tribunais no direito

comparado Giuseppe Chiovenda:

O duplo grau, entre os princípios judiciários fixados pela Revolução Francesa, um constituiu em que as causas possam normalmente transitar pela cognição de dois tribunais sucessivamente (principio do duplo grau de jurisdição). Mas, de modos diversos, se pode disciplinar o duplo grau: ou equiparando plenamente o segundo ao primeiro ou limitando o segundo (por exemplo, dispondo-se que não seja possível produzir novas provas; ou que se deva considerar o fato como foi estabelecido pelo primeiro juiz). O sistema francês e italiano corresponde a primeira concepção. (2002, p. 359).

O principio do duplo grau de jurisdição, não esta explicito em nossa

Constituição Federal, diante disso há correntes que entendem que ele é uma afronta

à garantia constitucional, nesse sentido Nelson Luiz Pinto diz que:

Assim por disposição constitucional, os “recursos”, em sentido amplo, são inerentes ao principio maior da garantia da ampla defesa, não podendo, por isto, ser subtraídos do indivíduo, sob pena de afronta à garantia constitucional. Esta, pois, o principio do duplo grau de jurisdição implicitamente contido na Constituição Federal como uma das facetas do próprio direito constitucional de ação e de defesa. (2004, p. 85)

Em diferente perspectiva Luiz Guilherme Marinoni:

Na perspectiva do principio do duplo grau, toda sentença, em principio, deveria ser revista por órgão de grau superior. Entretanto, desejando-se minimizar a demora inerente a esse procedimento, entendeu-se que a sentença impugnada poderia ser revista pelo mesmo juiz que proferiu a decisão impugnada (embargos infringentes previstos no art. 34 da Lei 6.830/80 – Lei da Execução Fiscal) ou por juízes do mesmo grau de jurisdição daquele que proferiu a sentença (recurso para a Turma Recursal, composta de juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição: art. 41§1º, da Lei 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais). Portanto nessa linha, o denominado duplo grau de jurisdição poderia ser bem mais definido como um duplo juízo sobre o mérito. (2011, p. 487).

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O doutrinador José Carlos Barbosa Moreira comenta sobre o duplo grau de

jurisdição:

Caso se funde a impugnação da denuncia em error in iudicando, o objeto do juízo de mérito, no procedimento recursal, coincide com o objeto do juízo no grau inferior; em outras palavras, ambos os pronunciamentos (inferior e o superior) versam sobre a mesma matéria, ao menos do ponto de vista qualitativo, e sempre com ressalva de disposição especial em contrário (cf. supra, § 16, nºIII,1).Ora não podendo subsistir duas decisões com o mesmo objeto, o julgamento proferido pelo órgão ad quem necessariamente substitui a decisão recorrida, nos limites da impugnação. É o que expressa a lei com a fórmula do art. 512, que só incide nas hipóteses aqui consideradas. A substituição pode dar-se por decisão de teor diverso daquele que tenha a inferior (caso de provimento do recurso) ou por decisão de igual teor (caso de desprovimento do recurso, em que se costuma dizer, de modo inexato, que a decisão inferior foi confirmada). (2009, p.128).

Portanto o fato do mérito ser reexaminado pelo órgão ad quem, não implica

em dizer que a decisão por ele possa ser modificada, salvo as situações expressas

na lei, uma vez que esta se encontre de acordo com os pedidos formulados pela

parte vencedora, e esta não possui interesse recursal. De maneira que o resultado

da decisão que julgará o recurso não deverá ser outro senão o desprovimento do

recurso com a confirmação da sentença a quo. (MOREIRA, 2009)

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5 DOS FUNDAMENTOS DA NON REFORMATIO IN PEJUS 5.1 DO INTERESSE RECURSAL

Os recursos possuem alguns requisitos de admissibilidade que podem ser

Intrínsecos e Extrínsecos, e dentro dos requisitos Intrínsecos está o Interesse

Recursal, requisito essencial como fundamento para a proibição da reformatio in

pejus. (ASSIS, 2008).

O interesse recursal é pressuposto de existência do recurso, pois o recurso

tem a finalidade de reformar a sentença caso o recorrente não esteja satisfeito com

o contido na decisão, seja o autor por não ter seus pedidos acolhidos no todo ou em

parte, ou pelo réu por não ter se conformado com a condenação. Portanto para que

exista o recurso tem que haver o interesse e consequentemente a necessidade de

recorrer. (APRIGLIANO, 2003)

Gilberto Gomes Bruschi sobre o interesse recursal aduz que:

Para que seja possível a interposição do recurso, além do cabimento e da legitimidade recursal, é necessário também outro requisito intrínseco, o interesse recursal. Isso significa que há obrigatoriedade de ter havido uma decisão que seja passível de correção, para que se viabilize a interposição do recuso, para que seja proferida pelo tribunal uma decisão, em substituição a recorrida, mais benéfica ao recorrente. (2012, p.100).

Ainda nas palavras de Gilberto Gomes Bruschi: “O interesse recursal, tal e

qual ocorre com o interesse de agir, está calcado no binômio utilidade e

necessidade, ou seja, o prejuízo que a decisão acarreta ao recorrente e a

perspectiva de melhora de sua situação”. (2012, p. 100).

Reforçando a tese do interesse recursal, cumpre destacar que se o autor

que teve seus pedidos julgados totalmente procedentes, não tem interesse e assim

deixa de recorrer, presumindo-se por óbvio que apenas a parte ré interporá recurso

de apelação. Consequentemente, lhe seria concedido prazo para querendo, ofertar

contrarrazões ao recurso de apelação, sendo assim, este seria o momento oportuno,

através do recurso adesivo, para que suscitasse alguma inconformidade na decisão

prolatada podendo reverte-la quando do julgamento pelo Tribunal ad quem.

(GRECO FILHO, 2003).

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Portanto, conclui-se que num caso em que ocorre a reformatio in pejus onde

existe apenas uma parte recorrente, a decisão não deveria ser piorada para aquela

que recorreu, uma vez que a outra parte deixou de recorrer por não ter interesse

recursal, pois presume-se que o deixou de fazer pois se conformou com a decisão

prolatada, diante disso faz sentido o magistrado dar a parte algo que ela não pediu e

em virtude disso prejudicar a parte contraria agravando a sua situação.

(APRIGLIANO, 2003)

5.2 DA OFENSA A COISA JULGADA

A ocorrência da reformatio in pejus acarreta ainda outra questão no tocante

a ofensa da “coisa julgada”, pois quando a parte vencedora deixa de recorrer, ou

recorre apenas em parte uma vez que a decisão proferida lhe foi favorável (seja

total ou parcialmente), toda matéria que não sofrer impugnação pela parte perdedora

transitará em julgado. Portanto a decisão que não foi impugnada pela parte

interessada, no todo ou em parte, já se encontra em estado de imutabilidade e não

deve sofrer reforma nem para melhor nem para pior. (JORGE, 2003)

A violação à coisa julgada não ocorre só com a reforma para pior, na

reformatio in melius, ou seja, na reforma para melhor ela também ocorre. Nesse

sentido Flávio Cheim Jorge:

Tratando-se de decorrência natural da incidência do principio dispositivo, outra conclusão não se poderia chegar senão a de que a reformatio in melius, a saber, a reforma para melhor na situação do recorrente, também não pode ser permitida. Não é possível melhorar a situação do recorrente além dos limites de seu recuso, sob pena de violação à coisa julgada. (2003, p. 222).

Nas situações em que a sentença acolheu parte dos pedidos, ou seja, julgou

parcialmente procedente os pedidos autorais, o instituto da coisa julgada já ocorreu,

sobre isso Fredie Didier Jr., Carneiro da Cunha, Leonardo José:

Se um único dos litigantes parcialmente vencidos impugnar a decisão, a parte deste que lhe foi favorável transitara normalmente em julgado, não sendo licito ao órgão ad quem exercer sobre ela atividade cognitiva, muito menos retirar, no todo ou em parte, a vantagem obtida com o pronunciamento de grau inferior (proibição da reformatio in pejus). (2009, p. 79)

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Ainda sobre o trânsito em julgado da decisão a quo, com a consequente

formação da coisa julgada, Flávio Cheim Jorge diz que:

Hoje, no entanto, é inconcebível dissociar-se o trânsito em julgado do efeito devolutivo dos recursos. É justamente esse feito que faz com aquele estado de mutabilidade do processo ainda permaneça constante. Faz com que o transito em julgado ou mesmo a própria coisa julgada seja afastada. A partir do momento em que é prolatada a decisão e escoado o prazo recursal sem a interposição do recurso, automaticamente a decisão é coberta pelo transito em julgado. (2003, p. 262).

Conclui-se, portanto que se fosse de interesse da parte autora desconstituir

a decisão, ainda que a mesma esteja abarcada pelo instituto da coisa julgada,

caberia a parte interessada insurgir com Ação Rescisória, o que confirma que é a

parte quem deve provocar o judiciário e não o juiz por oficio beneficiar ou prejudicar

as partes por mera liberalidade. (JORGE, 2003)

5.3 DA ATUAÇÃO DOS MAGISTRADOS

Os magistrados possuem papel fundamental na resolução do litígio entre as

partes, pois é através dos juízes que as normas serão interpretadas e aplicadas.

Todavia a atuação dos magistrados deve sempre se ater aos limites da demanda, o

que muitas vezes se torna custoso uma vez que o direito moderno atribui uma

margem de discricionariedade ao magistrado e este atua de forma muito subjetiva,

adotando a noção clássica de discricionariedade pautada na oportunidade e

conveniência, confrontando com o direito positivado em nosso ordenamento jurídico.

A atuação do magistrado possui papel crucial para que se fundamentar a proibição

da reformatio in pejus. (MEDINA, 2008)

A professora Gisele Santos Fernandes Góes quanto à interpretação do juiz

diz que:

A interpretação resulta como consequência na liberdade do interprete nas escolhas entre as possíveis soluções corretas, enquanto que a discricionariedade não requer o sentido da norma jurídica, investe-se fora do campo jurídico, por meio de elementos extrajuridicos – subjetivos - para dimensionar o fato. (2008, p. 90).

Ainda nas palavras da professora Gisele Santos Fernandes Góes:

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Tomou-se posição anteriormente em prol da interpretação e não da discricionariedade judicial como regra, com base nos princípios gerais do direito, visto que o campo da decisão judicial é o da argumentação e essa esta indissociavelmente atrelada à interpretação. (2008, p. 91).

Quanto a observância dos limites da demanda Gilberto Gomes Brusch:

Também não pode ser admitida, a luz do principio, a reformatio in melius, uma vez que o pedido do recorrente delimita a atividade jurisdicional do órgão ad quem, não podendo este, ao julgador o recurso, melhor a situação do recorrente além do que foi pedido, sob pena de proferir decisão ultra ou extra petita. (2012, p. 85).

Giuseppe Chiovenda faz uma observação quanto a atuação do juiz, a

observância dos limites da demanda e também a abstenção da oficiosidade que são

pontos chave para evitar a ocorrência da reformatio in pejus:

Não somente o juiz deve comportar-se nos limites da demanda, mas deve também abster-se de considerar de oficio determinados fatos que, embora, não acarretariam mudança de demanda: secundum allegata et probata partium indicare debet. Pode-se, portanto, dizer que, se se veda a parte afastar-se da demanda inicial, com maior razão se veda ao juiz. (2002, p. 406).

O magistrado tem que se ater aos limites do pedido, proferindo sua decisão

pautada estritamente no que foi pleiteado pela parte. Não pode o magistrado na

sentença de primeiro grau proferir decisões que sejam ultra petita, extra petita ou

ainda citra petita, para que sua decisão não seja eivada de vícios que possam

contaminar os demais atos processuais (DONIZETTI, 2010).

No procedimento em segundo grau não é diferente, o magistrado também

deve se ater apenas as matérias suscitadas no recurso, ressalvada às hipóteses

previstas pelo legislador. Diante disso vejamos o entendimento de Ricardo de

Carvalho Aprigliano:

Em nosso ordenamento, o limite para a cognição do tribunal encontra parâmetro na impugnação oferecida e é referido na doutrina como extensão do efeito devolutivo. Essa limitação, entretanto, impede que o recorrente pleiteie mais do que foi objeto do processo em primeiro grau e gera a consequência positiva de obrigar o órgão ad quem a manifestar-se apenas sobre o objeto do recurso do ponto de vista do órgão julgador, sua atividade não poderá ir além do que foi pedido no recurso, sob pena de nulidade do julgamento. Em outras palavras, a cognição do tribunal não pode seguir

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adiante, e decidir mais do que dói decidido pelo juiz de primeiro grau. Se prosseguir adiante, terá o tribunal agido como primeiro grau no julgamento da causa, ou em parte dela, situação que, como se verá adiante, só é admitida em nosso sistema de forma excepcional. (2003, p. 102).

Nesse sentindo Nelson Nery Jr. conjuntamente com Teresa Arruda Alvim

Wambier encontram como limitadores os princípios da demanda e da congruência:

Não é só a existência do recurso que define o objeto da cognição a ser realizada pelo tribunal ad quem. A lide é o objeto da ação, mas não basta existirem a lide e uma ação posta em juízo para que a sentença compreenda todas as questões contidas no litigio. A jurisdição ficará sempre restrita aquelas que integram o pedido da parte. “Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais” (art. 2º do CPC – principio da demanda). Por isso, está o magistrado obrigado a decidir a lide “nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões nãos suscitadas”, embora vinculadas á mesma lide (art. 128 do CPC – principio da congruência). (2002, p. 270).

Flávio Cheim Jorge de maneira bem simples entende que existem dois

caminhos a serem seguidos, negar ou prover seguimento ao recurso, portanto aduz

que:

Como o órgão julgador somente pode conhecer e julgar a parte da decisão impugnada pelo recorrente, àquele abrem-se apenas dois caminhos: dá-se provimento ao recurso, e a situação do recorrente é melhorada, ou nega-se provimento ao recurso, e o recorrente encontrar-se-á em idêntica situação àquela que se encontrava quando da prolação da decisão desfavorável. (2003, p. 221),

Barbosa Moreira explica que para configurar a ocorrência da reformatio in

pejus é preciso analisar o caso concreto:

A questão é de ordem visual: tem-se de focalizar o julgamento do recurso do ponto de vista de cada recorrente, para verificar se, como tal, ele teve piorada a sua situação. Só nesse caso é que ocorrera propriamente reformatio in pejus. (1998, p. 433)

Nelson Nery Jr. Conjuntamente com Teresa Arruda Alvim Wambier,

observam a importância de utilizar a técnica processual para atingir um ideal de

instrumentalidade das formas, e consequentemente uma boa aplicação do direito

material:

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A interpretação das normas processuais impõe aos aplicadores do direito uma constante e inafastável procura em busca do ideal de instrumentalidade das formas e do primado do efetivo acesso a justiça. A técnica processual deve ser manuseada como um instrumento para a consecução desses ideais, que são um dos verdadeiros escopos da jurisdição, e não como um fim em si mesma, como estivesse em total abstração com a aplicação do direito material. (2002, p. 259).

Ao analisar o caso concreto, e superada a fase instrutória do processo, com

base num direito jus-positivista, ainda que o procedimento em segundo grau limite

um pouco a cognição do juiz, é pautado na análise do ocorrido em primeiro grau que

ele julgará o recurso, e decidirá pela manutenção ou reforma da decisão, nessa

esteira Ricardo de Carvalho Aprigliano ensina que:

A razão é simples e evidente. O sistema processual brasileiro, pela aplicação de diversos princípios, entre os quais o da identidade física do juiz, da oralidade e da imediatidade, considera muito importante que o juiz tenha contato não só com as partes, mas também com as provas produzidas no curso do processo, apurando dos fatos e das provas qual é o direito aplicável ao caso concreto. De outro lado, pelas características do procedimento em segundo grau, os juízes do tribunal dificilmente tem o mesmo contato, limitando-se o julgamento a analise dos documentos e arrazoados constantes do processo. (2003, p. 157).

Uma vez que o procedimento em primeiro grau já cumpriu o seu papel

instrutório e aplicou o direito ao caso concreto e consequentemente proferiu uma

decisão, o procedimento em segundo grau dependerá da vontade de recorrer das

partes, e por óbvio do conteúdo do recurso. (BRUSCHI, 2012)

A 10ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, nos autos

de Ação de Cobrança de Seguro Dpvat, Apelação Civil nº: 1.084.545-5, seguiu essa

linha de raciocínio e não reformou a sentença a quo para que não incidisse a

reformatio in pejus, uma vez que a decisão de primeiro grau atendeu as pretensões

formuladas pelo autor. O processo em questão tratava-se de ação de cobrança em

que apenas a Seguradora interpôs Recurso de Apelação, em face da sentença

prolatada, a qual julgou procedente o pedido inicial, condenando a Seguradora

requerida a pagar à parte autora o valor de 18,75% do valor total indenitário previsto

na Lei 6.194/74, acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação e

corrigido monetariamente pelo INPC/IGP-DI, a contar da data do evento danoso, e

bem assim, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios,

fixados em 10% sobre o valor da condenação, com fundamento no artigo 20, §§ 3.º

e 4.º do Código de Processo Civil. O recorrente ofereceu contrarrazões.

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Dentre os pontos atacados pelo recorrente em sua apelação, o que importa

destacar é que o mesmo pretendia a reforma da sentença no tocante a data

incidência da correção monetária, que conforme a sentença deveria ocorrer desde a

data do evento danoso, e pretendia ele que ocorresse desde a data do ajuizamento

da ação. Em que pese a câmara compartilha-se do entendimento que a incidência

deveria ocorrer da data da edição da MP 340/2006, ela se absteve e não reformou

para pior a sentença, pois como bem diz em seu fundamento, o autor se conformou

com o termo inicial da correção fixado na sentença, já que não teve interesse em

recorrer, e recebeu exatamente aquilo que por ele foi pleiteado em sua petição

inicial. Vejamos então a fundamentação do acórdão em comento:

Por fim, pugna a apelante pela modificação do termo inicial da correção monetária para a data do ajuizamento da medida, porquanto na Sentença foi estabelecida sua incidência da data da ocorrência do acidente. Pois bem. Nos casos em que o sinistro ocorrer após a Medida Provisória n.º 340/2006, convertida na Lei n.º 11.482/07, a correção monetária deve incidir desde a edição da Medida, em 29.12.06, porquanto foi neste momento que a indenização prevista no artigo 3.º da Lei 6.194/74, foi convertida de 40 salários mínimos para o valor certo de até R$13.500,00 (treze mil e quinhentos reais). Esse é, inclusive, o entendimento desta E. Câmara. Entretanto, no presente caso, o autor se conformou com o termo inicial para a correção monetária fixado na r. Sentença, havendo de prevalecer o critério nela adotado, para que não se opere reformatio in pejus em desfavor da apelante, que pretende incida ela da propositura da demanda. Nesse compasso esta e. Câmara também já decidiu: “APELAÇÃO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - INVALIDEZ PERMANENTE - SEGURO OBRIGATÓRIO DPVAT LEI N.º 11.482/2007. [...] 4. CORREÇÃO MONETARIA - TERMO A QUO DATA DO EVENTO DANOSO REQUERIMENTO EXPRESSO CONSTANTE DA EXORDIAL. O termo inicial da correção monetária, no casos em que se aplica a Lei 11.482/2007, deve ser a data da edição da MP 340/2006, datada de 29/12/2006, a qual trouxe alterações para a Lei 6.194/74, em especial, no que se refere ao valor da indenização do seguro obrigatório do DPVAT. Ainda que, o acidente tenha ocorrido em data posterior, visto que, estabelecida a verba indenizatória do seguro DPVAT, em valor fixo nesta data, é devida a atualização a partir de então. [...] RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. (AC n.º 792.439-0, Rel. Des. Arquelau Araujo Ribas, julg em 01.12.11). “APELAÇÃO CÍVEL. DPVAT. INVALIDEZ PERMANENTE. LAUDO IML. GRADUAÇÃO TOTAL. SUBSTITUIÇÃO DO PÓLO PASSIVO DA DEMANDA. INDEVIDA. SEGURADORA LÍDER. REPRESENTANTE DAS SEGURADORAS OPERADORAS DO DPVAT DESDE JANEIRO DE 2008. PRINCÍPIO DA ESTABILIZAÇÃO DA DEMANDA. TERMO INICIAL DA CORREÇÃO MONETÁRIA. A PARTIR DA VIGÊNCIA DA MP 340/06 (LEI Nº 11.482/07), OU SEJA, A PARTIR DE 29/12/2006, DATA DA EDIÇÃO DA MP, POR SER O MOMENTO CORRETO PARA A EFETIVA ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. RECURSO NÃO PROVIDO.” (AC n.º 815.197-7 – Londrina, Rel.ª Dr.ª Denise Antunes, julg. em 15.12.2011). “AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO OBRIGATÓRIO. DPVAT. MORTE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE DE

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QUALQUER SEGURADORA. AUSÊNCIA DE COMPROVANTE DE PAGAMENTO DO PRÊMIO. IRRELEVÂNCIA. SÚMULA 257/STJ. INDENIZAÇÃO DEVIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO A QUO. EDIÇÃO DA MP 340 DE 29/12/2006, CONVERTIDA POSTERIORMENTE NA LEI 11.482/2007. SENTENÇA CORRIGIDA DE OFÍCIO. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. RECURSO ADESIVO DESPROVIDO. (AC n.º 793.229-8, Rel. Des. Albino Jacomel Guerios, julg. em 06.10.11). “APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO DE COBRANÇA SEGURO OBRIGATÓRIO DPVAT. INVALIDEZ PARCIAL PERMANENTE INCOMPLETA. APELAÇÃO CÍVEL. (...) 3. CORREÇÃO MONETÁRIA TERMO INICIAL. DATA DO EVENTO DANOSO. MANTIDO. PROIBIÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS. (...) 3. Nos casos em que o sinistro ocorreu após a publicação da Medida Provisória nº 340/06, convertida na Lei nº 11.482/07, que alterou o valor da indenização prevista no artigo 3º da Lei nº 6.194/74 para até R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais), a correção monetária deve incidir desde a data da edição da Medida Provisória, devendo, contudo, no caso em espécie, permanecer o termo inicial fixado na sentença ante a ausência de recurso da parte autora, em respeito ao princípio recursal que impede a reformatio in pejus. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGA SEGUIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL.” [(AC 1.061.686-3, Rel. Des. Jurandyr Reis Junior, julg. em 07.06.13) – grifou-se)] Assim, o pedido da apelante, de aplicação da correção monetária a partir da propositura da demanda, deve ser desprovido, permanecendo o termo a quo fixado na r. Sentença de Primeiro Grau. Ante o exposto, voto no sentido de se conhecer parcialmente do recurso e na parte conhecida por negar-lhe provimento, nos termos da fundamentação. (PARANÁ, Tribunal de Justiça, Ap.1.084.545-5, Relator: Elizabeth Nogueira Calmom de Passos, 2013).

Em analise ao acórdão acima e em acordo com a corrente que entende pela

proibição da reformatio in pejus, verificamos que ainda que o colegiado tivesse

entendimento diverso do contido na decisão de primeiro grau, a câmara optou

acertadamente por manter a decisão retro, pois se o autor conformou-se com a

decisão do julgado que atendeu o seu pleito, não haveria porque agravar a situação

do réu e incorrer na reformatio in pejus. Nesse sentido Luiz Guilherme Marinoni:

Ora, se o recurso é mecanismo previsto para que se possa obter a revisão da decisão judicial, é intuitivo que sua finalidade deve cingir-se a melhorar (ou pelo menos manter idêntica) a situação vivida pelo recorrente. Não pode, por isso, a interposição do recurso piorar a condição da parte, trazendo para ela situação mais prejudicial do que aquela existente antes do oferecimento do recurso. Tal é a formulação do principio em exame, que proíbe a reformatio in pejus. (2011, P. 505).

Ao interpor o recurso de apelação, em uma sentença de total procedência, o

réu pretende reverter a sua situação, para que os pedidos formulados na inicial

sejam julgados improcedentes, ou alternativamente sejam julgados parcialmente

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procedentes. Em relação ao autor, este não possui interesse recursal, pois, já teve

seu pleito confirmado na sentença de procedência, e este querendo apresentara

contrarrazões ao recurso de apelação, apenas por praxe ou para reforçar a tese

reputada na peça inaugural para que a decisão proferida seja mantida em todos os

seus termos. Sendo assim, quando o recurso for ao tribunal para julgamento, o

próprio autor esta a espera de dois resultados, que primeiramente seja negado

provimento ao recurso do réu, ou de má sorte que a decisão seja reformada, uma

vez que só ele recorreu, portanto poderia obter alguma vantagem da decisão. Mas

não é de esperar que o juiz de oficio, conceda-lhe algo além daquilo que já recebeu

uma vez que a sentença retro atendeu totalmente os pedidos por ele pleiteados.

(BARBOSA MOREIRA, 2009)

Ainda que existam motivações de cunho subjetivo, como o que é “mais justo”

ou “menos justo”, o magistrado não pode exceder os limites da vontade das partes,

para colocar em voga a sua interpretação e deixar de lado a norma positivada, pois

questionar ela estaria além da seara jurisdicional adentrando numa questão

legislativa, uma vez que o magistrado por não se conformar com a norma existente

aplica a decisão pautada a sua interpretação subjetiva. (MEDINA, 2008)

Nesse sentido Giuseppe Chiovenda faz uma análise sobre o poder da

decisão, e o controle jurisdicional sobre a função legislativa:

Já se viu (n°11, 3º) que, ao decidir, não pode o juiz criar nem modificar a lei, antes deve tão-só aplicá-la mesmo se a considera injusta). Constituem garantia desses limites do poder do juiz em face da lei: a) o principio de que a interpretação da lei realizada pelo juiz não é obrigatória para todos, mas só para as partes em causa; obrigatória para todos só é a interpretação autêntica, isto é, a emanada do próprio poder legislativo (art. 73 do Estatuto); b) o direito de recurso à corte de cassação, a qual “se instituiu para manter a exata observância da lei” ( Lei de 30 de dezembro de 1923, n° 2.786, art. 61; CPC, arts. 88 e 517, n° 3). (2002, p. 25).

Na Sentença prolatada nos autos n° 036.12.007891-6, na ação de cobrança

em trâmite perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Jaraguá do Sul, o juiz de direito

se posicionou brilhantemente em situação análoga ao acórdão acima comentado, o

juiz a quo se posicionou acertadamente quanto ao papel do magistrado, senão

vejamos:

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Porém, nada obstante a ressalva pessoal, e embora haja entendimento em sentido contrário, penso que a questão não pode ser suprida pelo Poder Judiciário por meio das vias ordinárias. Houve omissão da lei federal em relação à correção monetária do valor da indenização. Não pode o juiz, que não detém função legislativa, fixar um índice de correção monetária, friso, não criado por lei, aumentando o patamar legal da indenização. Agindo assim, ocorreria lesão ao princípio da separação dos poderes, consagrado constitucionalmente (art. 2º). A tese aqui sustentada, portanto, deve ser objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade, de competência originária do Supremo Tribunal Federal (CRFB, art. 102, I, alínea "a"), a fim de que, reconhecida a omissão, provoque o Poder Legislativo. A presente ação não se presta para a discussão do tema, muito menos para conceder ao autor direito que, até prova em contrário, não possui respaldo legal. (JARAGUÁ DO SUL, 1ª Vara Cível, autos nº: 036.12.007891-62012, Juiz de Direito Leandro Katscharowski Aguiar, 2012)

Ou seja, como bem frisou o douto magistrado, o juiz não possui função

legislativa, isso está além dos poderes que lhe são conferidos pela própria

Constituição Federal, e a discricionariedade exercida por ele juntamente com a

inobservância dos princípios processuais civis e dos princípios recursais existentes e

nosso ordenamento jurídico é que causa essa falsa ideia de expansão dos poderes

do magistrado. Portanto permitir que a sua atuação pautada numa interpretação

subjetivista, que reflete diretamente no resultado dos julgados e consequentemente

formam precedentes jurisprudenciais é o mesmo que permitir a quebra da separação

dos poderes indo contra o que preceitua a Carta Magna, e o Estado Democrático de

Direito, (NERY JUNIOR, 2002)

Vejamos mais um julgado em que foi reconhecida a ocorrência da reformatio

in pejus pelo tribunal que julgou apenas o recurso da ré, bem como a violação do

princípio do tantun devolutum quantum appellatum, agora em sede de Recurso

Especial nº 1.106:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.106.887 - CE 2008/0266493-0) RELATOR: MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA EMENTA:RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DO CONSUMIDOR. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO QUE OPERAM PLANOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. AUTORIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO. NECESSIDADE DE REGISTRO PERANTE OS CONSELHOS REGIONAIS DE MEDICINA OU DE ODONTOLOGIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 282/STF. INTERPRETAÇÃO DE NORMA INSERTA EM RESOLUÇÃO NORMATIVA. INVIABILIDADE. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO "TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APPELLATUM " E DA PROIBIÇÃO DA "REFORMATIO IN PEJUS".

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1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2. As pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, seja em que modalidade for, estão submetidas às disposições contidas na Lei nº 9.656/98 que, em seu artigo art. 8º, inciso I, exige registro nos Conselhos Regionais de Medicina ou de Odontologia como condição para obter autorização de funcionamento. 3. Ausente o prequestionamento de dispositivos apontados como violados no recurso especial, sequer de modo implícito, incide o disposto na Súmula nº 282/STF. 4. As resoluções, ainda que tenham caráter normativo, não se enquadram no conceito de lei federal inserido no art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal. 5. Ofende os princípios do "tantum devolutum quantum appellatum " e da proibição da "reformatio in pejus" a alteração da sentença de primeiro grau, de ofício, pelo Tribunal local com fundamento no artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, ainda que se trate de relação amparada pelo Código de Defesa do Consumidor. 6. Recurso especial parcialmente provido.

Vejamos a fundamentação:

Com efeito, compulsando detidamente os autos, verifica-se que o pedido formulado na inicial, de "sustação dos serviços 0300 pela Golden Cross e a concomitante substituição pelo 0800 ou por linha convencional " (e-STJ fl. 26), foi parcialmente provido pela sentença de primeiro grau nos seguintes termos: (a) foi indeferido o pedido de sustação dos serviços na modalidade 0300 e (b) foi determinada, independentemente da manutenção ou não do serviço 0300, a disponibilização simultânea de serviço de atendimento telefônico pela modalidade 0800 ou por telefonia de tarifação local (e-STJ fl. 259). O Tribunal de origem, contudo, a despeito de constar recurso de apelação exclusivo da ré, alterou de ofício, os ditames da sentença, determinando que a empresa ré: (a) suspenda o atendimento na modalidade 0300 e (b) disponibilize aos seus clientes o serviço de atendimento gratuito na modalidade 0800 ou, na impossibilidade de fazê-lo, seja oferecido o sistema de telefonia tarifado como ligação local. Ao assim proceder, a Corte local ofendeu o princípio do "tantum devolutum quantum appellatum”, operando reforma da sentença para pior, o que é vedado, segundo a jurisprudência consolidada desta Corte, ainda que se trate de relação amparada pelo Código de Defesa do Consumidor. (BRASILIA, Superior Tribunal de Justiça, Resp 1.106.887 – CE, Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 2013).

No julgado acima a Suprema Corte acertadamente prezou pelo princípio, do

tatum devolutum quantum appellatum, novamente sob o argumento da existência de

recurso exclusivo da parte ré, repudiando a reforma ex oficio para pior, uma vez que

não se tratava de matéria de ordem pública, hipótese de cabimento da reformatio in

pejus. (PINTO, 2004)

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6 DAS HIPÓTESES DA OCORRÊNCIA DA REFORMATIO IN PEJUS

Em alguns casos o ordenamento jurídico brasileiro admite-se a reforma para

pior, como por exemplo, nas matérias de ordem publica que podem ser suscitadas a

qualquer momento processual e a qualquer grau de jurisdição, inclusive de oficio,

não caracterizando então como uma reforma para pior, mas sim uma forma de sanar

um vício existente no processo. (KOZIKOSKI, 2006)

Quanto as exceções da ocorrência da reforma para pior previstas em nossa

legislação pátria, Luiz Guilherme Marinoni:

Uma exceção pode ser vista em relação a esse principio. Diz com as matérias que compete ao juízo conhecer de oficio em qualquer tempo ou grau de jurisdição (como, por exemplo, aquelas enumeradas no art. 301 do CPC, salvo o seu inciso IX). Tais questões, porque independem de provocação para serem conhecidas, podem ser examinadas sempre, mesmo em grau de recurso, e ainda que em prejuízo de quem submeteu a controvérsia a exame do tribunal. (2011, p. 505).

Nelson Luiz Pinto aduz que nas matérias de ordem publica também não há

ocorrência da reformatio in pejus, uma vez que elas podem ser suscitadas a

qualquer tempo:

Também não é abrangida pela proibição da reformatio in pejus oriunda do conhecimento ex officio de uma questão de ordem publica, da decretação de uma nulidade, ainda que não levantada pela parte contrária, mas sobre a qual deva o tribunal se manifestar de oficio, como, por exemplo, a falta de uma condição da ação ou de um pressuposto processual. (2004, p. 92).

Sobre o principio da proibição da reformatio in pejus e as questões de ordem

pública, Gilberto Gomes Bruschi aduz que:

Consideramos exceção ao principio em epigrafe a possibilidade do conhecimento de oficio pelo órgão julgador de questão de ordem pública, ou seja, questão relativa as condições da acão, aos pressupostos processuais, aos requisitos de admissibilidade dos recursos. Como se trata de matéria que o juiz deve conhecer de oficio, não se opera a preclusão, por força do disposto nos arts. 267, § 3º, e 301,§4º, do CPC; daí não há que falar também em proibição da reformatio in peius, justamente porque tais questões podem ser conhecidas a qualquer tempo, independentemente de manifestação das partes. (2012, p. 84-85).

32

O art. 515 do Código de Processo Civil que trata da devolução da matéria

impugnada pelo tribunal, prevê em seu parágrafo 3º, que trata da extinção sem

julgamento de mérito pelo art. 267 do mesmo dispositivo legal, a possibilidade do

tribunal julgar desde logo matérias que sejam exclusivamente de direito, portanto

ainda que a decisão seja de ofício não resta configurada a reformatio in pejus.

(MARINONI, 2012).

Nos casos de improcedência pelo órgão ad quem, Ricardo de Carvalho

Aprigliano:

Poder-se-á pensar que, sempre que o autor requerer efetivamente o exame do mérito e o tribunal concluir pela improcedência da ação, terá havido de certa forma, reformatio in pejus, uma vez que a situação da sentença de primeiro grau (terminativa) era melhor do que aquela trazida pelo acórdão à medida que permitia ao menos a repropositura da ação. Entretanto, é necessário ponderar que o autor, ao requerer o julgamento do mérito, sujeitou-se a receber favorável ou não, exatamente como ocorre em primeiro grau. Por obvio, todas as vezes em que alguém ajuíza ação, submete-se ao “risco” de ganhar ou perder. (2003, p. 159).

Diante disso verificamos que não ocorre a reforma da decisão para pior nas

situações previstas pelo legislador, onde é defeso ao juiz conhecer de oficio, por

exemplo, as matérias de ordem pública, mesmo que a parte nem tenha requerido.

(MARINONI, 2012)

33

7 CONCLUSÃO

No presente estudo constatou-se que o principio da proibição da reformatio

in pejus preza pela segurança jurídica da parte que sofreu o prejuízo pela reforma

para pior.

Foram trazidos a luz princípios importantes para delinear a atuação do

magistrado em suas decisões para que sejam observados os limites do pedido

autoral, agindo de acordo com o Principio Dispositivo e o Principio do tantum

devolutum quantum appelatum, devolvendo em sua decisão apenas a matéria

impugnada, e se e tão somente se foi impugnada, ressalvada as hipóteses previstas

pelo legislador.

Em uma analise mais aprofundada verificou-se que essa observância

aos princípios é uma forma de evitar a ocorrência da reformatio in pejus, e limitar a

interpretação subjetiva do magistrado, que ainda que entenda ser justo conceder tal

beneficio, dá-lo de oficio, estaria indo além do requerimento da parte, extrapolando

os limites da demanda.

Conclui-se, portanto, que a ideia não é suprimir o poder de livre

convencimento do magistrado, mas sim respeitar o instituto da coisa julgada e o

interesse recursal uma vez que caberia a parte interessada, insurgir-se ou não

contra a decisão que julgou seus pedidos.

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