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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
A PROIBIÇÃO DE PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL PREVISTA NA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
ANDREZA BORINELLI
Itajaí [SC], 23 de maio de 2006
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
A PROIBIÇÃO DE PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL PREVISTA NA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
ANDREZA BORINELLI
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor MSc Rogério Ristow
Itajaí [SC], maio de 2006
AGRADECIMENTO
Agradeço primeiramente a Deus, pelo dom da
vida e por ter me oportunizado estes válidos cinco
anos de Universidade;
Aos meus pais Max Borinelli e Tânia Maria Couto
Borinelli (in memorian), por terem me ensinado
valores simples, mas essenciais à minha vida e
por terem priorizado a minha educação e
patrocinado meus estudos;
Ao meu namorado Paulo André Neves da Silva,
pelo companheirismo e amor incondicional
ofertado durante os quase cinco anos de
graduação;
Aos meus familiares que acompanharam e
contribuíram, às vezes inconscientemente, com
esta trajetória;
Aos amigos da Promotoria de Justiça de Itajaí,
pelos ensinamentos transmitidos durante os três
anos que por lá fiquei;
Ao meu orientador Rógerio Ristow pela
colaboração prestada na elaboração deste
trabalho;
Às minhas amigas Daiana Schlösser, Jehane
Juliana Jahn, Patrícia Costa e Renata Biazussi,
por terem tornado esses cinco anos de academia
mais alegres e por terem proporcionado
momentos que sempre guardarei como ótimas
lembranças;
À colega bacharel em Direito Ana Paula da Silva
Johansenn, pelos auxílios prestados e pelo
empréstimo de materiais que contribuíram com
meus trabalhos acadêmicos, inclusive com esta
pesquisa.
DEDICATÓRIA
À minha mãe Tânia Maria Couto Borinelli (in
memorian) que durante a sua curta vida não
mediu esforços para que meus sonhos se
concretizassem e me mostrou a existência de um
amor eterno;
À minha irmã Christiane Borinelli, pela amizade de
toda vida;
À Paulo André Neves da Silva, por ter estado do
meu lado durante os momentos mais difíceis da
minha vida sem pedir nada em troca,
demonstrando seu verdadeiro amor.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí [SC], maio de 2006
Andreza Borinelli
Graduanda
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Andreza Borinelli, sob o título A
Proibição de Progressão de Regime Prisional Prevista na Lei dos Crimes
Hediondos em face da Constituição da República Federativa do Brasil, foi
submetida em 23 de maio de 2006 à banca examinadora composta pelos
seguintes professores: MSc. Rogério Ristow (Presidente), Esp. Débora Cristina
Freytag Scheikmann (membro) e Esp. Fabiano Oldoni (membro), e aprovada com
a nota 10,0 (Dez).
Itajaí [SC], maio de 2006
MSc. Rogério Ristow
Orientador e Presidente da Banca
MSc. Antonio Augusto Lapa
Coordenação da Monografia
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Ampl. Ampliada
Art. Artigo
Atual. Atualizada
CP Código Penal
CPP Código de Processo Penal
CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Ed. Edição
HC Habeas Corpus
LCH Lei dos Crimes Hediondos
LEP Lei de Execução Penal
Min. Ministro
MSc. Mestre
n. Número
p. Página
Rel. Relator
Rev. Revista
STF Supremo Tribunal Federal
v. Volume
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Anistia
“Lei penal de efeito retroativo que retira as conseqüências de alguns crimes já
praticados, promovendo o seu esquecimento jurídico.”1
Crime equiparado a hediondo
“[...] uma espécie maior, imperativa e categoria de crime profundamente
repugnante e, portanto, merecedora de uma reação punitiva especificamente mais
severa (inafiançabilidade e insuscetibilidade de graça ou anistia). Essas infrações
podem ser chamadas de crimes hediondos constitucionais, ao lado dos crimes
hediondos ordinários, assim rotulados na norma infraconstitucional.”2
Crime hediondo
“[...] crimes que, por sua natureza ou pela forma de execução, se mostram
repugnantes, causando clamor público e intensa repulsa, são relacionados no art.
1º da Lei n.º 8.072, de 25-7-90.”3
Graça
“[...] é o ato do Poder Executivo através do qual o Estado renuncia ao poder-dever
de punir determinado sujeito, atendendo a motivos ou circunstâncias de caráter
pessoal. É uma forma de indulgência soberana de competência privativa do
1 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 7. ed. rev. e atual. de acordo com as Leis n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso), 10.763/2003 e 10.826/2003. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 1. p. 512.
2 LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como expressão do Direito Penal da Severidade. 2. ed. 2 tiragem. Curitiba: Juruá, 2004. p. 31.
3 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral. 21. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2004. p. 137.
Presidente da República, com a audiência, se necessário, dos órgãos instituídos
em lei.”4
Indulto
“[...] causa parcial ou total de exclusão da punibilidade, de competência do Poder
Executivo, que o tem utilizado ao menos uma vez por ano (indulto natalino) para
reduzir penas (indulto parcial) ou extingui-las de vez (indulto pleno).”5
Liberdade provisória
“Instituto processual que garante ao acusado o direito de aguardar em liberdade o
transcorrer do processo até o trânsito em julgado, vinculada ou não a certas
obrigações, podendo ser revogado a qualquer tempo, diante do descumprimento
das obrigações impostas.”6
Livramento condicional
“Incidente na execução da pena privativa de liberdade, consiste em uma
antecipação provisória da liberdade do condenado, satisfeitos certos requisitos e
mediante determinadas condições.”7
Pena
“[...] é a mais importante das conseqüências jurídicas do delito. Consiste na
privação ou restrição de bens jurídicos, com lastro na lei, imposta pelos órgãos
jurisdicionais competentes ao agente de uma infração pena.”8
4 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. 2 ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 676.
5 LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como expressão do Direito Penal da Severidade, p. 185.
6 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 249.
7 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, p. 453. 8 Apud PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral – arts. 1° a 120. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v. 1. p. 524.
Pena privativa de liberdade
“É a que restringe, com maior ou menor intensidade, a liberdade do condenado,
consistente em permanecer em algum estabelecimento prisional, por um
determinado tempo, tudo na conformidade do regime imposto.”9
Princípio
“[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e
servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por
definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a
tônica e lhe dá sentido harmônico.”10
Princípio da dignidade da pessoa humana
“[...] valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na
autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a
pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo
invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente
excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos
fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem
todas as pessoas enquanto seres humanos.”11
Princípio da humanidade da pena
“A humanidade como princípio do Direito Penal proíbe tratamento cruel,
desumano ou degradante (CF, art. 5°, inc. III) e, ao mesmo tempo, impõe respeito
à integridade física do detento (CF, art. 5°, inc. XLIX).”12
9 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal: introdução e parte geral. 34 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 1. p. 234.
10 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 771-772.
11 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13 ed. atual. São Paulo: Atlas, 2003. p. 50. 12 GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: parte geral. 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 1. p. 120.
Princípio da individualização da pena
“[...] significa ‘adaptar’ a pena ao condenado, considerando as características do
agente (físicas, antropológicas, morais e psíquicas) e do delito, que deve ser
imputado somente ao seu autor.”13
Princípio da isonomia
“[...] todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em
consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico.”14
Prisão temporária
“[...] espécie de prisão cautelar, com prazo certo, decretada pelo juiz durante o
inquérito policial, contra suspeito de crime especialmente grave, cuja finalidade é
cooperar com a persecução extrajudicial.”15
Progressão de regime
“[...] passagem do condenado de um regime mais rigoroso para outro mais suave,
de cumprimento da pena privativa de liberdade, desde que satisfeitas as
exigências legais.”16
Regime fechado
“O regime fechado caracteriza-se por uma limitação das atividades em comum
dos presos e por maior controle e vigilância sobre eles.”17
13 SILVA, Franciny Abreu de Figueiredo e. Crimes hediondos: o regime prisional único e suas conseqüências práticas no sistema punitivo de Santa Catarina. Florianópolis: OAB/SC, 2003. p. 53.
14 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 64. 15 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão Temporária. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 97. 16 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, p. 344. 17 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-07-1984. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2004. p. 268.
Sistema progressivo
“[...] permite que o condenado possa avançar do regime fechado para o semi-
aberto e deste ao aberto.”18
18 LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como expressão do Direito Penal da Severidade, p. 205.
SUMÁRIO
RESUMO.........................................................................................XIV
INTRODUÇÃO ................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 4
LIMITAÇÕES CONSTITUCIOAIS DO DIREITO PENAL.................... 4 1.1 PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ......4 1.2 RELAÇÕES DO DIREITO PENAL COM O DIREITO CONSTITUCIONAL......9 1.2.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA...................................................13 1.2.2 PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DA PENA ................................................................18 1.2.3 PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA.........................................................20 1.2.4 PRINCÍPIO DA ISONOMIA...................................................................................24
CAPÍTULO 2 .....................................................................................27
CRIMES HEDIONDOS ......................................................................27 2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS ACERCA DOS CRIMES HEDIONDOS...............27 2.2 CONCEITO DE CRIME HEDIONDO ..............................................................32 2.3 ROL DOS CRIMES HEDIONDOS ..................................................................33 2.4 INSUCETIBILIDADE DE ANISTIA, GRAÇA E INDULTO..............................35 2.5 PROIBIÇÃO DE CONCESSÃO DE FIANÇA E LIBERDADE PROVISÓRIA.39 2.6 DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE........................................................43 2.7 PRISÃO TEMPORÁRIA .................................................................................46 2.8 LIVRAMENTO CONDICIONAL ......................................................................48
CAPÍTULO 3 .....................................................................................52
A VEDAÇÃO AO DIREITO DE PROGRESSÃO DE REGIME CARCERÁRIO PARA OS CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL ............................................................................................ 52 3.1 CONCEITO E ASPECTOS HISTÓRICOS DA PENA.....................................52 3.2 PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ..............................................................54 3.3 REGIMES CARCERÁRIOS ............................................................................57 3.3.1 REGIME FECHADO ...........................................................................................58 3.3.2 REGIME SEMI-ABERTO .....................................................................................59 3.3.3 REGIME ABERTO .............................................................................................60 3.4 SISTEMA PROGRESSIVO DE EXECUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE .........................................................................................................62 3.5 A VEDAÇÃO AO DIREITO DE PROGRESSÃO DE REGIME CARCERÁRIO NA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS EM FACE DA CRFB/88 .............................64 3.5.1 O ART. 2°, § 1° DA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS.................................................64
3.5.2 A VEDAÇÃO AO DIREITO DE PROGRESSÃO DE REGIME CARCERÁRIO EM FACE DOS
PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE HUMANA E DA HUMANIZAÇÃO DA PENA................................66 3.5.3 A VEDAÇÃO AO DIREITO DE PROGRESSÃO DE REGIME CARCERÁRIO EM FACE DO
PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA .................................................................70 3.5.4 A LEI DE TORTURA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA..................................................75 3.5.5 A RECENTE DECISÃO DO STF SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1° DO ART. 2° DA LEI 8.072/90 ......................................................................................................79
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................81
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ...........................................86
RESUMO
O presente trabalho monográfico realiza um estudo sobre
alguns princípios constitucionais penais, o sistema progressivo carcerário adotado
na legislação pátria e a Lei dos Crimes Hediondos, notadamente no que concerne
ao dispositivo legal que impede a progressão de regime prisional aos condenados
pela prática de crime hediondo e seus equiparados. A Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, inovou ao criar no seu art. 5°, inciso XLVIII, a
expressão crime hediondo. Entretanto, delegou ao legislador infraconstitucional a
tarefa de estabelecer quais crimes seriam considerados como tal, além dos
crimes hediondos constitucionais ou equiparados estabelecidos na própria Carta
Magna. Em obediência ao referido dispositivo constitucional, foi criada a Lei n.
8.072/90, também conhecida como Lei dos Crimes Hediondos, a qual, além de
rotular alguns crimes já previstos na legislação pátria como hediondos, dispensou
um tratamento diferenciado a quem praticasse tais crimes, todos dotados de um
maior rigorismo, destacando-se, dentre outros aspectos a proibição da progressão
de regime prisional aos condenados pela prática dos crimes ali descritos. Todavia,
essa vedação estabelecida pela lei tem sido objeto de intensa crítica doutrinária,
já que, na opinião de alguns autores, fere os princípios constitucionais da
Dignidade da Pessoa Humana, da Humanidade da Pena, da Individualização da
Pena e da Isonomia conforme será demonstrado neste estudo.
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto o estudo de alguns
princípios constitucionais penais, da Lei dos Crimes Hediondos e do Sistema
Progressivo de Penas adotado no Brasil, a fim de verificar a possibilidade de
progressão de regime prisional aos condenados pela prática de crime hediondo e
seus equiparados em obediência ao que prescreve determinados princípios
constitucionais.
O seu objetivo é aprofundar os conhecimentos acerca dos
princípios constitucionais e sua função de limitadores das normas penais
infraconstitucionais, com ênfase aos princípios da dignidade da pessoa humana,
humanidade da pena, individualização da pena e isonomia, bem como do sistema
progressivo de penas adotado na legislação pátria, além de realizar uma
abordagem da proibição legal da Progressão de Regime Prisional em se tratando
de Crimes Hediondos ou a estes equiparados e seus respectivos
desdobramentos.
Para tanto, principia–se no Capítulo 1 tratando dos
princípios, sua importância no ordenamento jurídico pátrio, e sua elevação à
categoria de normas constitucionais, oportunidade que passaram a traçar limites
ao legislador infraconstitucional penal. Dentro dos inúmeros princípios que
funcionam como pilares do ordenamento jurídico penal pátrio, serão analisados os
princípios da dignidade da pessoa humana - fundamento da República Federativa
do Brasil, além dos princípios da humanidade da pena, individualização da pena e
isonomia, oportunidade que se destacará, de maneira sintetizada, o que cada um
desses princípios prescreve.
No Capítulo 2, será abordada a Lei dos Crimes Hediondos,
desde o seu surgimento na Constituição da República Federativa do Brasil, até a
promulgação da Lei 8.072/90, destacando seus aspectos históricos, as correntes
que influenciaram a sua criação, o conceito de crime hediondo, quais os crimes
assim foram considerados pelo legislador, além daqueles já descritos pela Lei
2
Maior, e o tratamento mais severo, penal e processual penal a eles dispensado
pela Lei n. 8.072/90. Nesse sentido será destacada a proibição de concessão de
fiança e liberdade provisória, bem como de anistia graça e indulto. Verificar-se-á
também a dilação do prazo de duração da prisão temporária, a possibilidade do
condenado de apelar em liberdade e os pressupostos necessários a concessão
de livramento condicional aos condenados pela prática de tais crimes.
No Capítulo 3, findar-se-á o trabalho, onde será feita uma
análise sobre as penas aplicadas no Brasil, com ênfase a pena privativa de
liberdade e o sistema progressivo de execução penal adotado na legislação
pátria. Em seguida será analisado o dispositivo da lei dos Crimes Hediondos que
proíbe a progressão de regime carcerário aos condenados pela prática dos crimes
nela previstos e as suas implicações, primeiramente destacando as divergências
doutrinárias quanto à inconstitucionalidade do referido dispositivo por infringência
dos princípios da dignidade da pessoa humana, humanização da pena e
individualização da pena, e ainda relacionando-o com o princípio da isonomia e a
Lei de Tortura, que trouxe tratamento diferenciado aos seus condenados, e, por
fim, será abordado o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre o
assunto.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões
sobre o tema em estudo, notadamente no que concerne à inconstitucionalidade
do dispositivo legal que proíbe a progressão de regime prisional contido na Lei
dos Crimes Hediondos, eis que se trata de questão polêmica, alvo de decisão
recente do STF que modificou o entendimento pacífico que vinha sendo aplicado
em quinze anos de vigência da referida lei.
Foram elaborados e serviram de base e estímulo para
realização da presente pesquisa, dois problemas:
� O condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado pode
obter a progressão de regime prisional?
3
� O § 1° do art. 2° da Lei dos Crimes Hediondos que veda a
possibilidade de progressão de regime prisional é
inconstitucional?
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
� Existe a possibilidade de progressão de regime prisional ao
condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado.
� O dispositivo legal contido na Lei 8.072/90 que veda a progressão
de regime prisional é inconstitucional por violar os princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana, humanidade da
pena, individualização da pena e isonomia.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase
de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados
o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente
Monografia é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as
Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa
Bibliográfica, de modo que, além das palavras ou expressões cujos conceitos
constam no rol de categorias, existem outras definições no decorrer do trabalho.
CAPÍTULO 1
LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS DO DIREITO PENAL
1.1 PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
A palavra princípio, como bem acentua Silva19, abarca
diversos significados. Entretanto, o objetivo do presente capítulo é fazer um breve
estudo acerca do instituto princípio, concebido como “ordenações que se irradiam
e imantam o sistema de normas.”20
Miranda21, ao fazer um apanhado sobre princípios, destaca a
sua importância, ao aduzir que “o Direito não é mero somatório de regras avulsas,
produto de actos de vontade, ou mera concatenação de formas verbais
articuladas entre si”, e, em síntese, afirma que o Direito é um conjunto que exige
coerência, já que se projeta num sistema, sendo um “valor incorporado em regra”,
o qual se traduz, primeiramente, através de princípios.
Sobre o assunto, importante colacionar o conceito de
princípio efetuado por Mello22, o qual o considera como sendo:
[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele,
disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas
compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata
compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e
lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que
preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo
unitário que há por nome sistema jurídico positivo.
19 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 91.
20 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 92. 21 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4 ed. rev. e actual. Portugal: Coimbra Editora, 2000. Tomo II. p. 225-226.
22 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13 ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 771-772.
5
Da mesma forma, Reale23, ao analisar o assunto, leciona
que:
Princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor
genérico que condicionam e orientam a compreensão do
ordenamento jurídico, quer para sua aplicação e integração, quer
para a elaboração de novas normas. Cobrem, desse modo, tanto
o campo da pesquisa pura do Direito quanto o de sua atualização
prática.
Nesse sentido, em apertada síntese, pode-se entender
princípios como sendo as premissas de todo o sistema jurídico, de onde emanam
as primeiras verdades do ordenamento, ou, conforme estabelece Castro24, são
“verdades objetivas, nem sempre pertencentes ao mundo ser, senão do dever-
ser, na qualidade de normas jurídicas, dotadas de vigência, validez e
obrigatoriedade.”
No mesmo norte, Crisafulli25 conceitua princípio da seguinte
forma:
Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada
como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas,
que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente
o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das
quais determinam, e portanto resumem, potencialmente o
conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao
contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as
contém.
Do mesmo modo, Venosa26, ao efetuar uma análise sobre os
princípios gerais de direito e sua importância no ordenamento jurídico afirma que:
Por meio desses princípios, o intérprete investiga o pensamento
mais elevado da cultura jurídica universal, buscando orientação
23 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 1981. p. 300. 24 Apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 256.
25 Apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 257. 26 VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao Estudo do Direito: primeiras linhas. São Paulo: Atlas, 2004. p. 162.
6
geral do pensamento jurídico. Cada autor, sob diversas correntes
de pensamento, procura dar sua própria posição sobre o tema. O
legislador, propositadamente, vale-se de conceito bem amplo.
Dada a importância dos princípios no ordenamento jurídico,
já que os mesmos “espargem claridade sobre o entendimento das questões
jurídicas, por mais complicadas que estas sejam no interior de um sistema de
normas”27, percebe-se que tal instituto ingressou nas Constituições com força
normativa, sendo assim consagrados, conforme preceitua Bonavides28, à
categoria de “princípios constitucionais”, oportunidade em que passaram a ter
“força positiva incontrastável”, passando a categoria de “chave de todo o sistema
normativo”.
Cumpre esclarecer que essa juridicidade dos princípios
aconteceu de forma lenta e gradativa. Segundo Bonavides29, esse processo
passou por três fases distintas: “a jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista.”
Na primeira fase (jusnaturalista) os princípios são
concebidos, conforme Valdés, em forma de “axiomas jurídicos”30, oriundos da lei
divina ou humana, e ainda, conforme Bonavides31:
[...] os princípios habitam ainda esfera por inteiro abstrata e sua
normatividade, basicamente nula e duvidosa, contrasta como
reconhecimento de sua dimensão ético-valorativa de idéia que
inspira os postulados da justiça.
Observa-se que, nessa fase, a força normativa dos
princípios ainda era fraca. Entretanto, em virtude da importância dos princípios
gerais já naquela época, foi dado início a fase positivista, sendo que neste estágio
os princípios, segundo citado autor, já passaram a vigorar nos Códigos como
27 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 259. 28 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 259. 29 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 259. 30 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 261. 31 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 259.
7
“fonte normativa subsidiária”32, apresentando, dessa maneira, uma forma
positivada.
Em seguida, conforme leciona Bonavides33, surge o pós-
positivismo, sendo que nesta fase as novas Constituições convertem os princípios
em “pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos
sistemas constitucionais.”
Percebe-se que nesta fase os princípios assumem papel
importante no ordenamento jurídico, passando a integrar a hierarquia máxima das
normas, qual seja a Constituição, tendo em vista sua importância, pois, conforme
preceitua Miranda34, os princípios funcionam “como critérios de interpretação e de
integração, pois são eles que dão coerência geral do sistema.”
Assim sendo, com a devida consagração constitucional dos
princípios, agora chamados princípios constitucionais, passaram a servir como
forma de estruturação do sistema constitucional, de acordo com o posicionamento
de Miranda35.
Sabe-se que a Constituição pode ser considerada
atualmente como: “a ordem jurídica fundamental de uma comunidade”, já que
através dela se estabelecem “em termos de direito e com os meios do direito os
instrumentos de governo, a garantia de direitos fundamentais e a individualização
de fins e tarefas.” 36
Dessa forma, dada a importância do que está disposto na
constituição, os princípios constitucionais “devem obter normatividade regulando
32 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 259. 33 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 260. 34 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, p. 230. 35 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, p. 230. 36 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3 ed. Portugal: Almedina, 1999. p. 1101.
8
jurídica e efectivamente as relações da vida (P. Heck), dirigindo as condutas e
dando segurança a expectativas de comportamentos (Luhmann)”37.
Assim sendo, como os princípios constitucionais passaram a
ser considerados como normas constitucionais, os mesmos se converteram em
“fundamento de toda a ordem jurídica”38 ante a sua importância e aplicabilidade
no ordenamento jurídico, já que postos no mais alto grau da escala normativa,
tornando-se, dessa forma: “as normas supremas do ordenamento.”39
Sobre o assunto, Bonavides40 aduz que:
[...] os princípios, desde sua constitucionalização, que é ao
mesmo passo positivação do mais alto grau, recebem como
instância valorativa máxima categoria constitucional, rodeada do
prestígio e da hegemonia que se confere às normas inseridas na
Lei das Leis. Com esta relevância adicional, os princípios se
convertem igualmente em norma normarum, ou seja, norma das
normas.
E continua suas considerações acerca da importância dos
princípios constitucionais no ordenamento jurídico ao afirmar que:
Fazem eles a congruência, o equilíbrio e a essencialidade de um
sistema jurídico legítimo. Postos no ápice da pirâmide normativa,
elevam-se, portanto, ao grau de norma das normas, de fonte das
fontes. São qualitativamente a viga-mestra do sistema, o esteio da
legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das
regras de uma Constituição.
Do exposto, percebe-se que os princípios gerais de direito,
com a evolução de todo o ordenamento jurídico, consagraram-se como princípios
constitucionais, ocupando a posição de pilastras mestras de um ordenamento,
possuindo, desse modo, suma importância, devendo ser observados pelos
legisladores quando da criação de leis, e pelos juristas, quando da aplicação
destas a cada caso concreto. 37 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 1102. 38 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 289. 39 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 289. 40 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 290-294.
9
Assim sendo, a Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, consagrou, em seu texto, diversos princípios constitucionais, e
ainda, dentre estes, deu forma a inúmeros princípios constitucionais penais, os
quais, ora de maneira expressa, ora de maneira implícita, traçam as linhas
mestras do ordenamento jurídico penal brasileiro.
1.2 RELAÇÕES DO DIRETO PENAL COM O DIREITO CONSTITUCIONAL
O Direito Penal encontra-se umbilicalmente ligado ao Direito
Constitucional. Neste sentido, Zaffaroni e Pierangeli41 falam que:
A relação do direito penal com o direito constitucional deve ser
sempre muito estreita, pois o estatuto político da Nação – que é a
Constituição Federal – constitui a primeira manifestação legal da
política penal, dentro de cujo âmbito deve enquadrar-se a
legislação penal propriamente dita, em face do princípio da
supremacia constitucional.
Assim sendo, como a CRFB/88 é suprema a qualquer outro
tipo de regra jurídica, o direito penal deve sempre se moldar ao que está inserido
na Carta Magna, funcionando esta como um meio de limitação do direito penal, ou
ainda, mais especificamente, funciona o direito constitucional como um percalço
que limita o ius puniendi do Estado.
Sobre o assunto, Gomes42 aduz que:
Sendo o Direito penal o instrumento de controle (social) mais
drástico com que conta o Estado, precisamente porque dispõe dos
meios coativos mais gravosos (penas e medidas de segurança),
mais ameaçadores aos direitos fundamentais da pessoa, desde o
Iluminismo [...] a preocupação do penalista crítico sempre foi a de
construir limites ao exercício desse poder.
41 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 135.
42 GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: parte geral. 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 1. p. 27.
10
Neste sentido, denota-se que os princípios destinados a
limitar o poder de punir do Estado têm origem na época do Iluminismo e da
Escola Clássica, sendo que naquela fase “surgiram os primeiros Códigos Penais
com sentido claramente liberal”43, contendo diversos princípios de maneira
expressa, destacando-se, dentre eles, os princípios da legalidade e da
humanidade.
A partir daí, observa-se que a defesa das garantias
individuais, notadamente no que concerne às regras de direito penal e processo
penal foram se tornando cada vez mais constantes, sendo que as correntes
político-fillosóficas da época caminhavam no sentido do liberalismo político.
Atualmente, percebe-se que a Constituição, a qual “garante
a efetivação dos direitos e liberdades fundamentais do homem, na sua complexa
qualidade de pessoa, cidadão e trabalhador”44, além de estabelecer limites ao
Estado no que concerne ao seu poder punitivo, estabelece também as próprias
diretrizes das regras penais e de processualística penal. Sobre o assunto,
Gomes45 fala que:
Na atualidade os limites do ius puniendi derivam da própria
Constituição. Se o poder de castigar emana da Carta Magna e se
realiza mediante normas e decisões judiciais, infere-se que tanto o
legislador como o juiz (bem como o intérprete) acham-se
vinculados aos princípios, regras e valores constitucionais
(liberdade, igualdade, pluralismo, justiça, dignidade da pessoa,
racionalidade, proporcionalidade etc.), que já não se apresentam
como limites externos, senão como princípios reitores internos da
Política criminal e do Direito penal.
Da mesma forma, Mirabete46 esclarece que:
Diante do princípio da supremacia da Constituição na hierarquia
das leis, o Direito Penal deve nela enquadrar-se, como o crime é
43 GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: parte geral, p. 30. 44 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90. 4. ed. rev e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 46.
45 GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: parte geral, p. 33. 46 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 16. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2004. p. 28.
11
um conflito entre os direitos do indivíduo e a sociedade, é na Carta
Magna que se estabelecem normas específicas para resolvê-lo de
acordo com o sentido político da lei fundamental, exercendo-se,
assim, influência decisiva sobre as normas punitivas.
Denota-se, do exposto, que a Constituição define os limites
do poder punitivo do Estado, através de princípios que definem parâmetros a
serem observados no que tange a política criminal e ao Direito Penal. Assim
sendo, como o Brasil é um Estado Democrático de Direito, o ordenamento jurídico
penal deve obedecer ao disposto na CRFB/88, já que dela irradiam regras e
princípios respeitadores da dignidade humana.
Nesse sentido, Capez47 acentua que:
Sendo o Brasil um Estado Democrático de Direito, por reflexo, seu
direito penal há de ser legítimo, democrático e obediente aos
princípios constitucionais que o informam, passando o tipo penal a
ser uma categoria aberta, cujo conteúdo deve ser preenchido em
consonância com os princípios derivados deste perfil político-
constitucional. Não se admitem mais critérios absolutos na
definição dos crimes, os quais passam a ter exigências de ordem
formal (somente a lei pode descrevê-los e cominar-lhes uma pena
correspondente) e material (o seu conteúdo deve ser questionado
à luz dos princípios constitucionais derivados do Estado
Democrático de Direito).
Da mesma forma, Franco48, ao analisar o Direito Penal
inserido num Estado Democrático de Direito como o Brasil, fala que:
O Direito Penal, como controle social formal, num estado que
apresenta tais características definitórias, não pode, portanto, ser
desenfreado, arbitrário, sem limites. É evidente que esse controle
deve estar submetido, no plano formal, ao princípio da legalidade,
isto é, à subordinação a leis gerais e abstratas que disciplinem as
formas de seu exercício e, deve servir, no plano material, às
garantias dos direitos fundamentais dos cidadãos.
47 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 7. ed. rev. e atual. de acordo com as Leis n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso), 10.763/2003 e 10.826/2003. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 1. p. 09-10.
48 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 47.
12
Percebe-se que o Direito Penal submete-se as regras
existentes na CRFB/88, funcionando esta como uma forma de limitação, a qual se
expressa através dos princípios nela inseridos implícita ou explicitamente.
Sobre o assunto, Franco49 leciona que:
A formalização do mecanismo de atuação penal deixa, portanto,
evidente que o exercício do ius puniendi não é uma atividade
desenfreada, regida apenas por critérios de utilidade social, mas,
sim, algo que se submete a um diligente controle com vistas às
garantias (formais e materiais) devidas ao direito de liberdade do
cidadão. O indivíduo, cuja conduta desviada se acomodou a uma
figura criminosa, tem garantias penais e processuais penais,
diante do Estado repressor.
Observa-se que o autor comunga da idéia de que o direito
penal precisa sofrer uma limitação a fim de obedecer às garantias individuais de
cada cidadão. Entretanto, mencionado autor complementa seu raciocínio
aduzindo que o Estado, apesar de dever obediência aos princípios garantidores
dos direitos individuais do indivíduo:
[...] não pode abrir mão do controle penal, pois a sua missão é a
de proteger a convivência social, mantendo-a ao nível do
suportável e não há, até o presente momento, outro tipo de
controle com capacidade de tutelar, com eficácia, os bens
jurídicos mais valiosos, dos ataques mais intoleráveis.
Percebe-se, desse modo, que o direito penal, o qual muitas
vezes priva o indivíduo dos seus maiores direitos individuais, qual seja, a
liberdade, deve obedecer aos princípios constitucionais, que traçam as diretrizes
a serem seguidas pelas normas penais, regulando e limitando o poder punitivo do
Estado, como forma de manifestação do Estado de Direito em que vivemos.
Neste sentido, Ferrajoli50 fala que:
49 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 45. 50 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais. Tradução: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes, 2002. p. 289.
13
[...] o moderno Estado constitucional de direito tem introduzido
múltiplos princípios ético-políticos ou de justiça que impõem
valorações ético-políticas das normas produzidas e atuam como
parâmetros ou critérios de legitimidade e ilegitimidade não mais
externos ou jusnaturalistas, senão internos ou juspositivistas.
Dessa forma, como o Brasil é um Estado Democrático de
Direito e possui uma Constituição, o ordenamento jurídico penal submete-se às
normas nela consagradas, notadamente aos princípios constitucionais, presentes
expressa ou implicitamente na Lei Maior.
Percebe-se, desse modo, que o Direto Penal está conjugado
com o Direito Constitucional, razão pela qual aquele deve atuar de acordo com os
princípios constitucionais consagrados na Lei Maior “para a correta interpretação
e a justa aplicação das normas penais.”51
Assim, a CRFB/88, através de seus princípios, funciona
como um limite às normas de Direito Penal. Neste sentido, Gomes52 fala que:
Por sua posição hierárquica elevada é precisamente a
Constituição a que orienta, de modo primordial, por meio dos seus
princípios, regras e valores, direta ou indiretamente, tanto os
objetivos do Direito Penal como seus principais limites.
Dessa forma, serão abordados, a seguir, alguns desses
princípios constitucionais que limitam o ius puniendi do Estado, garantindo, dessa
forma, o respeito aos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, sendo que
aqui serão analisados somente os princípios relacionados com o objeto dessa
pesquisa.
1.2.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
A Dignidade da Pessoa Humana vem consagrada no art. 1°
da CRFB/88, mais especificamente, em seu inciso III, sendo elevada, pela Lei
51 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, p. 12. 52 GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: parte geral, p. 81.
14
Maior, à categoria de fundamento do Estado Democrático de Direito, podendo ser
conceituada como “princípio síntese do Estado Constitucional e Democrático de
Direito.”53
Destaca-se que o art. 1º da CRFB/88 exalta cinco categorias
como fundamentos do Estado, razão pela qual estas categorias devem ser
interpretadas como “os principais valores da organização social e jurídica
brasileira.”54
Assim sendo, dada a importância deste instituto jurídico,
oportuno trazer um conceito do mesmo, a fim de elucidar no que consiste tal
fundamento. Sobre o assunto, Pinho esclarece que: “O valor da dignidade da
pessoa humana deve ser entendido como o absoluto respeito aos seus direitos
fundamentais, assegurando-se condições dignas de existência para todos.”55
Da mesma forma, Moraes56 aduz que:
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que
se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e
responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao
respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um
mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de
modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas
limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre
sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as
pessoas enquanto seres humanos.
Decorre do aludido fundamento constitucional que o ser
humano deve ser reconhecido como o centro e o fim do Direito, devendo o
mesmo ser respeitado como pessoa, podendo fruir de um âmbito existencial
próprio, sem ter a sua essência prejudicada, devendo o indivíduo, conforme
53 GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: parte geral, p. 112. 54 PINHO, César Rebello. Teoria Geral da Constituição e dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2003. p.62
55 PINHO. César Rebello. Teoria Geral da Constituição e dos Direitos Fundamentais, p.15 56 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13 ed. atual. São Paulo: Atlas, p. 50.
15
leciona Guimera, ser considerado como “um ser com dignidade, um fim e não um
meio, um sujeito e não um objeto.”57
Denota-se então que a pessoa humana jamais poderá ser
vista como um objeto pertencente ao Estado, como uma coisa, cabendo ao
próprio Estado propiciar todos os subsídios necessários a uma vida digna para o
ser humano.
Sobre as conseqüências do fundamento constitucional da
dignidade da pessoal humana, oportuno ressaltar os ensinamentos de Valdés58, o
qual, ao confeccionar um estudo sobre o assunto, elenca quatro importantes
implicações decorrentes do princípio em apreço:
a) igualdade de direitos entre todos os homens, uma vez
integrarem a sociedade como pessoas e não como cidadãos; b)
garantia da independência e autonomia do ser humano, de forma
a obstar toda coação externa ao desenvolvimento de sua
personalidade, bem como toda atuação que implique na sua
degradação; c) observância e proteção dos direitos inalienáveis do
homem; d) não admissibilidade da negativa dos meios
fundamentais para o desenvolvimento de alguém como pessoa ou
a imposição de condições subumanas de vida.
Conclui-se então que o fundamento constitucional da
dignidade da pessoa humana acarreta diversas conseqüências no ordenamento
jurídico, garantindo, dessa forma, a igualdade de direitos, a autonomia e
independência do ser humano, a necessidade de proteção aos direitos
inalienáveis do homem e a observância e conseqüente oferecimento, por parte do
Estado, dos meios fundamentais para o sadio desenvolvimento do homem.
Dada a sua importância, Franco entende que a dignidade da
pessoa humana “constitui a viga mestra de todo o arcabouço jurídico”59 porque,
57 Apud FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 49. 58 apud NOBRE, Edilson Pereira Júnior. O Direito Brasileiro e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, São Paulo, v. 777, ano 89, p. 472-484, jul. 2000. p. 475.
59 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 49.
16
segundo Andrade60: “confere unidade de sentido ao conjunto de preceitos
relativos aos direitos fundamentais.”
Em decorrência deste princípio deve também ser impedida a
degradação do ser humano, motivo pelo qual o Estado, ao fazer uso do seu
poder-dever do ius puniendi, em benefício de toda coletividade que clama por
justiça, notadamente no que concerne aos assuntos referentes ao direito penal e
a processualística penal, não pode distanciar-se da baliza imposta pela Lei Maior
que é a manutenção de condição humana digna.
Sobre o assunto, Benda61 aduz que “a dignidade da pessoa
humana, no campo penal, traduz ao acusado o direito de poder defender-se
mediante ativa participação no processo, como também a não ser forçado a falar
contra sua vontade”.
Pode-se, entretanto, ir mais longe ao fazer uma análise
acerca da aplicação do fundamento constitucional da dignidade da pessoa
humana no direito penal, destacando que, com base nesse preceito inserido na
Lei Maior, estão proibidas qualquer forma de penas desproporcionais ou cruéis
“tendo em vista a necessidade de se respeitarem os pressupostos básicos de
uma existência individual e social do condenado.”62
Da mesma forma, Franco63 salienta que:
Cada subsistema – e o Direito Penal é, inquestionavelmente, um
desses subsistemas – não pode perder de vista os pontos de
apoio que dão arrimo à ordem jurídica e deve ter presente que a
dignidade da pessoa humana é o traço de ligação entre a ordem
social e a ordem jurídica. E essa dignidade só será preservada se
os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana,
mencionados na Constituição Federal ou em tratados
internacionais ou, mesmo fora desses catálogos, mas
60 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 49. 61 apud NOBRE, Edilson Pereira Júnior. O Direito Brasileiro e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, p. 477.
62 NOBRE, Edilson Pereira Júnior. O Direito Brasileiro e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, p. 477.
63 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 50.
17
equiparáveis, pelo seu objeto e por sua importância, a outros já
explicitamente reconhecidos, tiverem o necessário respeito.
Capez64, ao fazer uma análise acerca da incidência do
princípio da dignidade humana nas regras de direito penal, fala que:
Do Estado Democrático de Direito partem princípios regradores
dos mais diversos campos da atuação humana. No que diz
respeito ao âmbito penal, há um gigantesco princípio a regular e
orientar todo o sistema, transformando-o em um direito penal
democrático. Trata-se de um braço genérico e abrangente, que
deriva direta e imediatamente deste moderno perfil político do
Estado brasileiro, a partir do qual partem inúmeros outros
princípios afetos à esfera criminal, que nele encontram guarida e
orientam o legislador na definição das condutas delituosas.
Estamos falando do princípio da dignidade humana (CF, art. 1°,
III).
Com relação a conjugação do direito penal brasileiro com o
princípio da dignidade da pessoa humana, a CRFB/88, no rol dos direitos
individuais previstos no art. 5°, elencou importantes exigências a serem atendidas
pelo Estado quando for necessário a aplicação da sua força punitiva a
determinados indivíduos, “a fim de impedir que a atividade punitiva do Estado,
manifestada sob o interesse de velar pela segurança da coletividade, resulte
como justificativa à depreciação do indivíduo.”65
Sobre a incidência da dignidade da pessoa humana nas
normas de direito penal, Capez66 acentua que:
Da dignidade humana derivam princípios constitucionais do Direito
Penal, cuja função é estabelecer limites à liberdade de seleção
típica do legislador, buscando, com isso, uma definição material
do crime.
64 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, p. 10. 65 NOBRE, Edilson Pereira Júnior. O Direito Brasileiro e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, p. 478.
66 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, p. 13.
18
Assim sendo, percebe-se que o princípio da dignidade da
pessoa humana funciona como pilar fundamental de todo ordenamento jurídico
brasileiro, disciplinando, dessa forma, o direito penal.
1.2.2 Princípio da humanidade da pena
O Princípio da Humanidade da Pena está previsto na Lei
Maior, em pelo menos dois incisos do art. 5° (incisos III e XLVIII). Tal princípio
pode ser traduzido como uma espécie de limitação ao ius puniendi do Estado, já
que “impõe uma limitação à qualidade e a quantidade da pena”67.
Sobre aludido princípio e sua evolução histórica, Franco68
leciona que:
O princípio da humanidade da pena permite detectar, sob a ótica
da dimensão histórica, uma gradativa propensão na humanização
das penas que tornaram-se, no transcorrer dos tempos, menos
rígidas no seu tempo de duração e tiveram reduzidas,
sobremaneira, sua carga aflitiva.
Assim sendo, denota-se que as penas passaram a amoldar-
se ao que prescreve tal princípio, tornando-se, dessa forma, menos cruéis, com o
passar dos tempos. Sobre a sua atuação no ordenamento jurídico pátrio, Franco69
aduz que:
Nos atuais modelos jurídicos de estado, máxime nos de
contextura democrática, o princípio da humanidade da pena
encontra ampla ressonância, em nível constitucional, com a
proibição expressa da pena de morte, das penas de caráter
perpétuo, das penas corporais, das penas desumanas, das penas
degradantes e das penas exemplificadoras.
Da mesma forma, determina o princípio em análise, segundo
67 BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A individualização da pena na execução penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 133.
68 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 56. 69 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 56-57.
19
Barros70, “[...] que toda pessoa condenada será tratada humanamente e com o
respeito devido à dignidade a todos inerente”.
Franco71, ainda fazendo uma análise sobre o princípio em
apreço, fala que:
Assim, o princípio da humanidade da pena, na Constituição
Brasileira de 1988, encontrou formas de expressão em normas
proibitivas tendentes a obstar a formação de um ordenamento
penal de terror e em normas asseguradoras de direitos de presos
ou de condenados, objetivando tornar as penas compatíveis com
a condição humana.
Denota-se que o princípio da humanidade da pena
assegurou a existência de normas penais tendentes a assegurar um tratamento
adequado a condição humana, pois, conforme Gomes72:
Nenhum tratamento, ademais, pode ser “imposto”
compulsoriamente. Primeiro, porque o sujeito tem direito de ser
diferente; segundo, porque tratamento sem a adesão do
interessado não produz efeito nenhum na prática.
Dada a importância deste princípio no ordenamento jurídico
de qualquer Estado Democrático de Direito, a Humanidade da Pena, conforme já
mencionado no início deste tópico, passou a ter amplo amparo na CRFB/88,
sendo que esta assegurou ao condenado a proibição de aplicação de qualquer
pena que possa “ter uma finalidade que atente contra a incolumidade da pessoa
como ser social.”73
70 BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A individualização da pena na execução penal, p. 133. 71 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 57. 72 GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: parte geral, p. 120. 73 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípios Penais Constitucionais: o Sistema das Constantes Constitucionais. Revista dosTribunais: Fascículos Penais, São Paulo, v. 779, ano 89, p. 448-450, set. 2000. p. 449.
20
Por essa razão, oportuno destacar os ensinamentos de
Lopes74, o qual, ao tratar das conseqüências deste princípio para o Direito Penal,
notadamente no que concerne a execução penal, aduz que:
A proscrição das penas cruéis e infamantes, a proibição de tortura
e maus tratos nos interrogatórios policiais e a obrigação imposta
ao Estado de dotar sua infra-estrutura carcerária de meios e
recursos que impeçam a degradação e a dessocialização dos
condenados são corolários do princípio da humanidade.
Do exposto, observa-se a necessidade de aplicação de
penas o menos cruéis possíveis, que possam proporcionar ao condenado a sua
ressocialização e que não tenham apenas um caráter retributivo, que possa ser
entendido apenas como um castigo pelo mal causado.
Sobre o assunto, oportuno transcrever as palavras de
Franco, que ao fazer uma análise acerca do princípio em apreço fala que: “Mais
do que nunca é mister que se examine o princípio da humanidade como valor
positivo, ou seja, como norma reitora de todo o processo de execução da pena.”75
Dessa forma, percebe-se que o Princípio da Humanidade da
Pena tem por escopo proporcionar ao apenado uma sanção que preserve a sua
dignidade pessoal, na medida que “apresenta-se como uma diretriz garantidora
de ordem material e restritiva de lei penal”76.
1.2.3 Princípio da individualização da pena
O princípio da Individualização da Pena vem elencado na
CRFB/88, entre os direitos e garantias fundamentais do cidadão, no seu art. 5º,
inc. XLVI, onde preceitua que a lei regulará a individualização da pena.
74 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípios Penais Constitucionais: o Sistema das Constantes Constitucionais. Revista dosTribunais: Fascículos Penais, p. 448.
75 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 57. 76 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípios Penais Constitucionais: o Sistema das Constantes Constitucionais. Revista dosTribunais: Fascículos Penais, p. 448.
21
Para Silva77, o princípio da individualização da pena: “[...]
significa ‘adaptar’ a pena ao condenado, considerando as características do
agente (físicas, antropológicas, morais e psíquicas) e do delito, que deve ser
imputado somente ao seu autor”.
No mesmo norte, sobre aludido princípio, Leal78 explica que:
[...] cada condenado receberá a reprimenda certa e determinada
para prevenção e repressão do seu crime, cujo processo
executório ficará também sujeito às regras do princípio
individualizador, para que a expectativa de ressocialização do
condenado (uma das funções da pena privativa de liberdade) não
fique completamente frustrada de antemão.
Tal conceito é semelhante ao de Penteado79, o qual leciona
que: “A individualização repele qualquer tentativa de catalogação dos réus. Isto já
seria uma medida de cunho generalizante, contrária à intenção individualizadora
do Texto Constitucional.”
Assim sendo, observa-se que tal princípio consagra a idéia
de que a pena só pode ser adequada quando aplicada levando-se em conta as
características individuais do apenado, sempre de acordo com o caso concreto,
sendo que só dessa forma é que poderá alcançar as suas finalidades repressiva,
reeducativa e preventiva.
A doutrina afirma que o processo de individualização da
pena é feito em três momentos distintos, porém integrados, que são o da
individualização legislativa, o da individualização judicial e o da individualização
executória.
77 SILVA, Franciny Abreu de Figueiredo e. Crimes hediondos: o regime prisional único e suas conseqüências práticas no sistema punitivo de Santa Catarina. Florianópolis: OAB/SC, 2003. p. 53.
78 LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como expressão do Direito Penal da Severidade. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2004. p. 205.
79 PENTEADO, Jaques de Camargo. Pena hedionda. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, São Paulo, v. 674, ano 80, p. 286-288, dez. 1991. p. 286.
22
Analisando essas etapas distintas pela qual se submete o
processo individualizador da pena, Marques80 fala que: “O problema da
individualização da pena se desenvolve em três planos distintos, que no entanto,
se interpretam e se completam: o plano legislativo, o judicial e o executório.”
No mesmo sentido, Franco81 explica as etapas de
individualização da pena da seguinte maneira:
A Constituição Federal exige a PENA LEGAL, ou seja,
necessariamente, particularizada: a lei infraconstitucional
determina a espécie de pena, os marcos penais (mínimo e
máximo punitivos) e os critérios que devem nortear o juiz no
processo individualizador; o juiz, no exercício de um poder
discricionário vinculado, escolhe, na sentença, motivadamente, a
pena justa, ou seja, a espécie de pena explicitando, dentro das
pautas penais, a quantidade de pena adequada à hipótese fática e
à pessoa do delinqüente. [...]. É aí que o processo individualizador
chega à sua derradeira etapa: a da PENA REAL que adere, de
modo definitivo, à pessoa do condenado.
A individualização legislativa da pena é o primeiro degrau do
processo de individualização para ser analisado e considerado quando da
aplicação da sanção penal. Segundo Costa82 esta etapa consiste “na adaptação
da reprimenda abstratamente prevista na norma incriminadora, também chamada
individualização legislativa.”
No mesmo sentido, Soler83 explica que:
A individualização legislativa é a que realiza o legislador quando
preestabelece distintas classes de penas ou de medidas, seja com
relação ao feito ou ao indivíduo, de maneira que o juiz encontra
feita já uma classificação individualizante, a qual deve manter-se.
80 MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. Milenium, 1999. v. III p. 131. 81 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 141. 82 COSTA, Hélio Martins. Individualização da pena: repercussão na determinação do regime de cumprimento e na substituição por pena alternativa. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, São Paulo, v. 781, ano 89, p. 459-478, nov. 2000. p. 462.
83 Apud COSTA, Hélio Martins. Individualização da pena: repercussão na determinação do regime de cumprimento e na substituição por pena alternativa. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, p. 463.
23
Dessa maneira, esta etapa de individualização da pena
consiste na fase em que as penas são cominadas abstratamente pela lei,
observados os princípios fundamentais do homem, ditando a direção a ser
seguida pelo magistrado na imposição da sanção penal, já que esta se baseia e
nunca pode extrapolar os limites estabelecidos na norma legal.
A segunda fase de individualização é a judiciária, que, para
Costa84: “[...] consiste, efetivamente, na adequação da pena prevista ao
criminoso, observadas as circunstâncias que refletem as particularidades
pessoais do delinqüente, bem como do próprio crime.”
Nesta etapa, a intenção abstrata do legislador é
concretizada de acordo com o arbítrio do juiz que, dentre os limites estabelecidos
no tipo penal incriminador, aplica a pena a ser imposta ao infrator. Nesse sentido,
segundo Marques85:
A individualização judiciária da pena realiza-se através de dados
objetivos e de elementos subjetivos que a lei fornece ao juiz para
elaboração da sentença. A conduta humana é enquadrada nas
regras perceptivas da norma penal, para que se configure o tipo
delituoso que vai orientar o julgador na fase de aplicação das
sanções penais.
A última etapa de individualização da pena é a executória.
Segundo Costa86, a individualização da pena, na sua fase executória:
Consiste a individualização executória na fase do efetivo
cumprimento da reprimenda penal imposta pelo juiz,
concretizando-se através do tratamento prisional a ser adotado.
Trata-se da própria realização da pena nos efeitos que foram
84 COSTA, Hélio Martins. Individualização da pena: repercussão na determinação do regime de cumprimento e na substituição por pena alternativa. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, p. 465.
85 Apud COSTA, Hélio Martins. Individualização da pena: repercussão na determinação do regime de cumprimento e na substituição por pena alternativa. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, p. 465.
86 COSTA, Hélio Martins. Individualização da pena: repercussão na determinação do regime de cumprimento e na substituição por pena alternativa. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, p. 466.
24
determinados na sentença penal condenatória. É a fase da
execução da pena imposta ao infrator penal.
Do exposto, observa-se que a individualização penal
continua na fase de execução penal, pois é nesta fase que, através do
comportamento do condenado, a execução de cada indivíduo vai tomando
contornos diversos, tornando a pena cada vez mais individualizada.
Sobre o assunto, Franco87 acentua que:
Mais importante do que a sentença em si é o seu cumprimento,
porque é na execução que a pena, cominada em abstrato pelo
legislador e ajustada pelo juiz à situação singular, encontra o seu
momento de maior concreção. É aí que o processo
individualizador chega à sua derradeira etapa: a da pena real que
adere, de modo definitivo, à pessoa do condenado.
Percebe-se então que a fase executora de individualização
da pena é de suma importância para o apenado, pois é nesta fase que a pena é
vivenciada de maneira real.
1.2.4 Princípio da Isonomia
A CRFB/88 adotou o princípio da isonomia e o considerou
expressamente em seu art. 5°, caput, ao tratar dos direitos e garantias
fundamentais do homem. Sobre a origem do aludido princípio, Bastos e Martins88
falam que:
Historicamente, sabemos que a proclamação fática da igualdade
de todos perante a lei data da época da Revolução Francesa. Mas
naquela ocasião conhecia-se à perfeição o endereço do preceito.
Tratava-se de abolir a sociedade estamental então vigorante. O
que se pretendia era fazer ruir um castelo de privilégios erigido a
partir da inserção do indivíduo em dada classe social.
87 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 164. 88 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 3. p. 6.
25
Vislumbra-se, desse modo, que o princípio da igualdade teve
origem na Revolução francesa, a qual aconteceu em 1789, oportunidade em que
se reivindicava a igualdade de todos, sem ser levada em consideração a classe
social que a pessoa estava inserida.
Nesse sentido, com a evolução dos Estados à democracia o
princípio da Isonomia, no ordenamento jurídico pátrio, elevou-se a categoria de
princípio constitucional, preconizando sempre a ausência de qualquer elemento
discriminador na organização do nosso Estado. Sobre o assunto, Moraes89 aduz
que:
A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de
direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de
possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de
tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios
albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se
veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações
absurdas, pois, o tratamento desigual aos casos desiguais, na
medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio
conceito de Justiça.
De maneira semelhante, Gomes90, ao fazer um estudo
acerca do princípio da isonomia e sua inserção nas relações jurídicas, assim se
manifesta:
Não pode haver tratamento injustificado e discriminatório entre
iguais. Leia-se: a diferença de tratamento deve ser sempre
justificada. O mesmo órgão jurisdicional pode conferir tratamento
distinto a uma situação semelhante, desde que justifique
razoavelmente a distinção.
Assim sendo, percebe-se que o princípio da isonomia aduz
que todos devem receber tratamento igualitário perante a lei, cabendo aos
desiguais, na medida da sua desigualdade, receber tratamento diferenciado.
89 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 64. 90 GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: parte geral, p. 121.
26
Nesse sentido, Bastos e Martins91, ao falarem acerca da
violação do princípio em apreço, assim se posicionam: “Em síntese, só se tem por
lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se
encontre a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito.”
Em complemento ao raciocínio acima destacado, referidos
autores asseveram que:
Esclarecendo melhor: tem-se que investigar, de um lado, aquilo
que é erigido em critério discriminatório e, de outro lado, se há
justificativa para, à vista do traço desigualador adotado, atribuir o
específico tratamento jurídico construído em função da
desigualdade proclamada.92
Assim sendo, denota-se que para que exista violação ao
princípio da isonomia, é necessário que o elemento discriminador utilizado não
seja acolhido pelo próprio direito que está sendo aplicado.
Feitas as devidas considerações acerca de alguns princípios
constitucionais relacionados com o objeto dessa pesquisa, no capítulo seguinte
será feito um estudo sobre alguns aspectos da Lei dos Crimes Hediondos.
91 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, p. 7.
92 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, p. 8.
27
CAPÍTULO 2
CRIMES HEDIONDOS
2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS ACERCA DOS CRIMES HEDIONDOS
A CRFB/88 introduziu, no art. 5°, do capítulo destinado a
assegurar os direitos e garantias individuais, o inciso XLIII, onde dispôs que:
Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de
graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como
crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os
executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.
Verifica-se que, no citado dispositivo constitucional, o
legislador constituinte dispensou um tratamento diferenciado para os crimes de
tortura, tráfico de entorpecentes e terrorismo, trazendo conseqüências
processuais mais severas para os mesmos, e, além disso, trouxe ao ordenamento
jurídico pátrio o termo “crime hediondo”, delegando ao legislador ordinário a tarefa
de classificar e definir quais crimes seriam considerados como tal.
Sobre a inserção de tal dispositivo na Carta Magna, Leal93
aduz que:
Inseriu, no texto da Carta Magna, um dispositivo essencialmente
repressivo, como é o caso do inc. XLIII do art. 5° e que não se
enquadra em nenhum dos espaços normativos reservado às
93 LEAL, João José. Lei dos Crimes Hediondos ou Direito Penal da Severidade: 12 anos de equívocos e casuísmos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 40, ano 10, p. 155-179, out./dez. 2002. p. 157.
28
matérias de reserva da constituição. Lamentavelmente, optou o
Constituinte de 1988 por uma alternativa ético-penal conservadora
e, em termos de técnica legislativa, por normatizar no varejo.
Ainda sobre o assunto, Gama94 manifesta-se da seguinte
forma:
Assim, o texto constitucional, pela primeira vez, inseriu regras
penais e processuais penais mais rigorosas para determinadas
espécies de crimes, levando em conta a repulsa social devida à
gravidade das infrações penais aí consideradas.
Observa-se que, a inserção de um dispositivo constitucional
que restringiu direitos processuais penais a determinadas tipologias criminais,
bem como incumbiu o legislador ordinário a tarefa de classificar alguns crimes
como “hediondos” repercutiu, como se perceberá, de maneira negativa na
doutrina.
Em obediência ao contido na Lei Maior, inúmeros projetos
surgiram no Congresso Nacional dispondo sobre os crimes hediondos. Forçoso
lembrar, que naquela época, a criminalidade havia aumentado de forma
avassaladora no Brasil, o que fez com que os parlamentares adotassem uma
postura mais rígida com relação a alguns crimes, e, segundo Franco agiam
sempre firmados “na idéia-força da guerra sem trégua contra determinados
delitos” 95.
Leal96 faz uma análise sobre os fatores determinantes da
referida disposição constitucional:
O período de autoritarismo político, que se instalou no país a partir
de 1964, baseado na ideologia de Segurança Nacional e marcado
por perseguições políticas, prisões arbitrárias, torturas e
assassinatos; a intensificação do tráfico e uso indevido de drogas
94 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Constituição Federal e a Lei 8.072/90: Repercussões quanto ao regime prisional. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais. São Paulo, v. 760, ano 88, p. 494-505, fev. 1999. p. 494.
95 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 88. 96 LEAL, João José. Conceito de Crime Hediondo e o Equívoco da Lei 8.072/90. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais. São Paulo, v. 696, ano 82, p. 310-314, out. 1993. p. 310
29
as mais diversas, aí incluindo as de alto potencial entorpecente;
os altos índices da violência urbana, que atingiram níveis
intoleráveis, gerando o pânico generalizado nos grandes
aglomerados urbanos.
Para o autor, este foi o contexto histórico e político-
ideológico que motivou o constituinte a inserir o inciso XLIII, no art. 5° da
CRFB/88, o qual criou o termo jurídico “crimes hediondos.”
Assim, destaca-se que todos os projetos apresentados
traziam como característica principal ou um aumento de pena para determinados
crimes, ou um tratamento processualístico penal mais severo para os mesmos.
Para a maioria dos doutrinadores, estes projetos foram
confeccionados com base no movimento da Lei e Ordem (law and order), o qual
tem como base uma política criminal conservadora e repressiva. Sobre o assunto,
Toledo97 assim se manifesta:
O legislador de 1988, ao editar a norma do art. 5°, XLIII, criando a
categoria dos ‘crimes hediondos’, bem como o legislador ordinário,
ao regulamentar esse preceito através da Lei 8.072/90, agiram
apressada e emocionalmente na linha da ideologia da law and
order. Essa ideologia, típica da sociedade norte-americana, que,
diga-se de passagem, desde a década de 20, vem perdendo a
‘guerra contra o crime’, ganha espaço e adeptos entre nós,
principalmente entre políticos, promotores de justiça e delegados
de polícia.
Referida corrente político-criminal surgiu na década de
setenta, nos Estados Unidos, sendo que atuou fortemente até mais da metade da
década de oitenta e separava as pessoas como sadias, sendo estas incapazes de
cometer qualquer tipo de delito, e doentes, sendo estas aptas a executar crimes.
Sobre o assunto, Franco98 afirma que: “Nessa perspectiva, o
Movimento da Lei e da Ordem compreende o crime como o lado patológico do
97 Apud, FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 35.
98 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 82.
30
convívio social, a criminalidade como uma doença infecciosa e o criminoso como
um ser daninho.”
Assim sendo, segundo as idéias deste movimento, era
necessário travar uma guerra contra a camada criminosa da sociedade, a fim de
ser eliminada a chamada tríplice mal, que segundo Franco99 abrangia: “crime,
criminalidade e criminoso”. Tal objetivo pretendia restabelecer a Lei e a Ordem
“únicas exigências capazes de fazer justiça aos homens de bem.” 100
A maioria dos projetos confeccionados a fim de atender o
preceito constitucional contido no art. 5°, inc. XLIII da CRFB/88 rotulavam alguns
tipos penais como hediondos, e traziam um tratamento disciplinar diferenciado
aos mesmos, até que no dia 25 de julho de 1990, os diversos projetos de lei
englobados deram origem a lei n. 8.072/90101, a qual ficou conhecida como Lei
dos Crimes Hediondos e traz como ementa: “Dispõe sobre os crimes hediondos,
nos termos do art. 5°, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras
providências”.
Diversas críticas são efetuadas pela doutrina com relação a
edição desta lei. Monteiro102, expõe sua indignação da seguinte forma:
Não é o simples aumento da pena que vai resolver o problema,
embora, talvez, momentaneamente, nos dê a sensação de
amenizá-lo. Até que a certeza da impunidade continue arraigada
na mente do criminoso; até que a demora na persecução criminal
e o medo de as vítimas reconhecerem seus algozes levem ao
fracasso a ação penal em um grande número de casos; em suma,
até que não haja uma profunda reforma no trato da questão
criminal, começando pelo inquérito policial até ao sistema
penitenciário, reforma essa que traga uma confiável investigação
policial e uma certeza da imediata condenação e real 99 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 83. 100 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 83. 101 Lei n.º 8.072, de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 jul. 1990. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/legislacao>. Acesso em: 20 set. 2005.
102 MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes Hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos. 7. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 5.
31
cumprimento da pena, continuaremos a assistir à edição de leis
como a de n. 8.072/90, de muita polêmica e pouca eficácia.
Posteriormente a promulgação da Lei n. 8.072/90, algumas
outras leis surgiram a fim de amoldar a Lei dos Crimes Hediondos a realidade
fática vivida no Brasil. Dessa forma, a Lei n. 8.930, de 6 de setembro de 1994,
considerada por Franco103 como “produto final da pressão dirigida ao Congresso
Nacional pelos meios de comunicação social”, incluiu, no rol dos crimes
hediondos, o homicídio simples, quando executado em prática de grupo de
extermínio, e o homicídio qualificado, em qualquer das suas espécies.
Do mesmo modo, citada lei excluiu do rol dos crimes
etiquetados como hediondos o tipo penal de envenenamento de água potável ou
de substância alimentícia ou medicinal, qualificado pela morte. Posteriormente, a
Lei n. 9.677, de 02 de julho de 1998, inseriu, na categoria de crime hediondo, os
tipos penais descritos nos arts. 272 e 273 do Código Penal, bem como a conduta
delituosa descrita nos seus parágrafos.
Entretanto, a lei acima mencionada, foi promulgada com
evidente dessincronia entre a sua ementa, que rotulava os delitos mencionados
na lei como hediondos e o texto legal, que em nenhum momento confirmou a
classificação de tal crime como hediondo.
Assim, houve a necessidade de produção de uma nova lei
com a finalidade de corrigir o equívoco evidente da lei 9.677/98, o que fez surgir,
no ordenamento jurídico, a Lei n. 9.695, de 20 de agosto de 1998, sendo que
através dela, o rótulo de crime hediondo foi conferido somente ao tipo penal do
art. 273 do Código Penal, excluída a modalidade culposa prevista no art. 272 do
Diploma Repressivo.
Dessa forma, diante da modificação no ordenamento jurídico
penal brasileiro através da edição da Lei 8.072/90, e ainda, das Leis 9.677/98 e
103 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 102.
32
9.695/98 que a modificaram em alguns aspectos, cumpre transcrever a opinião da
doutrina sobre o assunto. Nesse sentido, conforme Monteiro104:
Ainda é cedo para se saber se a Lei dos Crimes Hediondos atingiu
o objetivo de diminuir a criminalidade e criar um clima de maior
segurança na população. Temos dúvida quanto a isso, mesmo
porque recentes pesquisas realizadas nos mostram ser a
segurança o maior problema em quase todos os estados da
Federação.
Verifica-se que, apesar do objetivo da Lei dos crimes
Hediondos ser a diminuição da criminalidade no Brasil, trazendo uma reprimenda
mais severa aos delitos nela contidos, na busca de uma maior segurança social, a
doutrina, a cada dia que passa faz maiores críticas a Lei dos Crimes Hediondos.
2.2 CONCEITO DE CRIME HEDIONDO
Antes de adentrar-se no significado do termo jurídico crime
hediondo, oportuno fazer uma análise acerca do sentido semântico do termo
hediondo, que, para Leal105 tem o significado de :”[...], um ato profundamente
repugnante, imundo, horrendo, sórdido, ou seja, um ato indiscutivelmente nojento,
segundo os padrões da moral vigente.”
Com base nessa definição, pode-se dizer, segundo
Monteiro106:
Teríamos assim um crime hediondo toda vez que uma conduta
delituosa estivesse revestida de excepcional gravidade, seja na
execução, quando o agente revela total desprezo pela vítima,
insensível ao sofrimento físico ou moral a que a submete, seja
quanto à natureza do bem jurídico ofendido, seja ainda pela
especial condição das vítimas.
104 MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes Hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos, p. 04.
105 LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como expressão do Direito Penal da Severidade, p. 37
106 MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes Hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos, p. 15.
33
Entretanto, apesar de todo crime repugnante poder receber
o adjetivo hediondo, o legislador ordinário optou pela criação de um rol exaustivo
para definir quais crimes, legalmente, podem ser considerados como tais, o qual
vem previsto no art. 1° da Lei n. 8.072/90.
Leal107 faz uma crítica à essa opção do legislador de
etiquetar alguns tipos penais já existentes no ordenamento jurídico pátrio ao
aduzir que:
Portanto, não temos, com base na LCH, um conceito legal de
crime hediondo, mas tão-somente uma relação das infrações que
passaram a receber essa denominação legal. Ao classificá-las
como crimes hediondos, partiu o legislador do pressuposto de
que, seja quem for o seu autor, com sua personalidade e sua
conduta social antecedente; sejam quais foram os motivos, as
circunstâncias e as conseqüências do crime; seja ainda, qual
tenha sido o comportamento da vítima, tais crimes serão sempre
repugnantes e sórdidos.
Assim, apesar das inúmeras críticas feitas pela doutrina por
considerar que o legislador tão somente efetuou um etiquetamento de alguns
tipos penais, rotulando os mesmos como hediondos, verifica-se que o critério
legal de conceituação de crimes hediondos continua vigente até hoje. Dessa
forma, percebe-se que legalmente hediondo é somente o crime presente no rol
exaustivo inserido na lei 8.072/90.
2.3 ROL DOS CRIMES HEDIONDOS
O art. 1° da Lei 8.072/90, com as devidas alterações
efetuadas pela lei 8.930/94 e lei 9.695/98 traz o rol exaustivo dos chamados
crimes hediondos. Assim, segundo referida lei, são considerados crimes
hediondos: a) homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo
de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art.
107 LEAL, João José. A impossível figura do homicídio hediondo simples e a inaplicabilidade das normas previstas na lei 8.072/90. Revista Jurídica Nota Dez: Doutrina Penal. Porto Alegre, v. 323. p. 89-96. set. 2004. p. 90.
34
121, § 2º, I, II, III, IV e V); b) latrocínio (art. 157, § 3º, in fine); c) extorsão
qualificada pela morte (art. 158, § 2º); d) extorsão mediante seqüestro e na forma
qualificada (art. 159, caput, e §§ 1º, 2º e 3º); e) estupro (art. 213 e sua
combinação com o art. 223, caput e parágrafo único); f) atentado violento ao
pudor (art. 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único); g)
epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º); h) falsificação, corrupção,
adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais
(art. 273, caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de
2 de julho de 1998); i) genocídio (arts. 1º, 2º e 3º da Lei no 2.889, de 1º de
outubro de 1956) tentado ou consumado.
Além destes crimes, a CRFB/88 equiparou aos crimes
hediondos a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o
terrorismo. Sobre esses crimes equiparadas ou assemelhados a hediondo
Bechara108 afirma que:
Estes foram previstos expressamente no texto constitucional, no
art. 5°, e por essa razão, diferentemente dos crimes hediondos,
não podem ser suprimidos, nem sequer por emenda.
Diversamente dos hediondos, cuja definição é condicionada à
edição de lei ordinária, nos crimes assemelhados o tratamento
constitucional mais severo tem aplicação imediata. Os crimes
hediondos, por sua vez, podem ser alterados pelo legislador
ordinário, para incluir ou excluir novas figuras penais, sempre que
as conveniências de política criminal assim determinarem.
Do mesmo modo, cumpre citar Silva; Lavorenti, Genofre109:
Por força da redação do artigo 2º da Lei 8.072/90, os crimes de
tortura, tráfico ilícito de entorpecentes drogas afins, e o terrorismo
acabaram sendo equiparados aos crimes hediondos, embora não
possam ser chamados de hediondos.
A equiparação de tais crimes a hediondos se deu em virtude
da própria Carta Magna, que de maneira expressa, dispensou um tratamento
108 BECHARA, Fábio Ramazzini. Legislação penal especial. São Paulo: Saraiva, p. 2 109 SILVA, José Geraldo da; LAVORENTI, Wilson; GENOFRE, Fabiano. Leis penais especiais anotadas. 5. ed. Campinas: Millennium Editora. 2004. p. 113.
35
mais severo a tais crimes, bem como facultou ao legislador ordinário a tarefa de
definir quais crimes seriam considerados hediondos, e, por esse motivo, teriam
esse mesmo tratamento diferenciado.
2.4 INSUSCETIBILIDADE DE ANISTIA, GRAÇA E INDULTO
Conforme o art. 107, inciso II do Código Penal, a anistia, a
graça e o indulto são causas de extinção da punibilidade, ou, segundo Capez110:
“São espécies de indulgência, clemência soberana ou graça em sentido amplo.
Trata-se da renúncia do Estado ao direito de punir”.
Observa-se que os três institutos são medidas utilizadas por
razões de política criminal, quando o Estado abdica do seu ius puniendi, por
entender que o rigor da condenação em determinadas hipóteses torna-se inútil.
A anistia, aplica-se como regra a crimes político, entretanto,
nada impede que seja utilizada em crimes comuns. Pode ela ser geral (concessão
ampla e indistinta) ou restrita “quando sua outorga encontra-se circunscrita a
determinados agentes ou limitada a uma categoria de crimes específicos”111. Se
concedida antes da condenação é chamada de própria, e, se posterior, deve-se
chamá-la de anistia imprópria.
Sobre referido instituto jurídico, Prado112 aduz que:
A anistia é ato do Congresso Nacional (arts. 21, XVII, e, 48, VIII,
CF) e, quando concedida antes do trânsito em julgado da
sentença condenatória, extingue seus efeitos penais. Objeto
preponderante da anistia são os delitos políticos, o que não exclui
a sua aplicação – em caráter excepcional – aos crimes comuns.
Concedida a anistia, o juiz, de ofício, a requerimento do
interessado ou do Ministério Público, por proposta da autoridade
110 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 512. 111 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral – arts. 1° a 120. 5. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 1. p. 778.
112 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral – arts. 1° a 120, p. 777.
36
administrativa ou do Conselho Penitenciário, declarará extinta a
punibilidade (cf. arts. 107, II, CP; 187, LEP).
Percebe-se então, que a anistia é ato privativo do Congresso
Nacional, e a regra é que seja aplicada a crimes políticos, todavia, nada impede
que seja utilizada em crimes comuns.
A graça, todavia, abarca dois sentidos, um amplo e outro
restrito. Em concepção ampla, segundo Leal113:
[...] é o poder do Estado de conceder clemência, de perdoar
determinados criminosos ou de extinguir, da memória político
jurídica, certos crimes. Abrangem, portanto, a anistia, o indulto e a
própria graça em sentido restrito.
Observa-se que, nessa concepção ampla, a graça refere-se
a indulgentia princips, englobando na sua conceituação a anistia e o indulto. Em
sentido restrito, a graça é uma das espécies de extinção da punibilidade prevista
no art. 107 do CP, sendo considerada como “uma das espécies jurídico-penais de
clemência estatal, da qual resulta a extinção da punibilidade, no todo ou em parte,
da pena fixada na sentença condenatória”.114
Denota-se que a graça só pode ser concedida após a
sentença condenatória, atingindo a pretensão executória, sendo ato de
competência do Poder Executivo Federal.
Outra forma de extinção da punibilidade descrita no inciso II
do art. 107 do CP é o indulto. Sobre este instituto, Leal115 assevera que:
[...] é também causa parcial ou total de exclusão da punibilidade,
de competência do Poder Executivo, que o tem utilizado ao menos
uma vez por ano (indulto natalino) para reduzir penas (indulto
parcial) ou extingui-las de vez (indulto pleno).
113 LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como expressão do Direito Penal da Severidade, p. 185
114 LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como expressão do Direito Penal da Severidade, p. 185.
115 LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como expressão do Direito Penal da Severidade, p. 185
37
Muitas são as semelhanças entre a graça e o indulto,
entretanto, Prado116 faz uma distinção entre estes institutos, aduzindo que:
O indulto e a graça são atos privativos do Presidente da República
(art. 84, XII, CF). Ambos, porém, não se confundem, já que aquele
apresenta caráter coletivo e esta, individual. Demais disso, a
graça é solicitada, enquanto o indulto é espontâneo. Assim, a
concessão da graça poderá ser provocada por petição do
condenado, por iniciativa do Ministério Público, do Conselho
Penitenciário ou da autoridade administrativa (art. 188, LEP). O
indulto, ao seu turno, independe de qualquer solicitação.
Ressalta-se, sobre o indulto, que ele pode ser pleno, na
hipótese em que extingue totalmente a punibilidade, ou parcial, na hipótese em
que somente diminui a pena.
Percebe-se, então, que os três institutos possuem
particularidades que os distinguem uns dos outros, todavia, todos são causas
extintivas da punibilidade.
A CRFB/88, ao criar a categoria crime hediondo, em seu art.
5º, inciso XLIII, estabeleceu que tais crimes e seus equiparados são insuscetíveis
de anistia e de graça, e, da mesma forma, o legislador ordinário, ao definir quais
crimes são hediondos, estabeleceu que os mesmos são insuscetíveis de anistia,
graça e indulto.
Observa-se que a lei ordinária acrescentou a
insuscetibilidade de concessão de indulto aos condenados por crime hediondo,
sendo que por tal motivo parte da doutrina passou a considerar citado dispositivo
como inconstitucional. Silva, Genofre e Lavorenti117 falam que: “Remanescem
divergências quanto à constitucionalidade do dispositivo, porém adotamos o
entendimento de que a inclusão do indulto afigura-se-nos inconstitucional.”
116 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral – arts. 1° a 120, p. 778
38
Nesse sentido, Fernandes118 acentua que:
[...] o texto constitucional só referia à insuscetibilidade de graça ou
anistia. Não mencionava o indulto. Assim, não podia o legislador
ordinário aumentar a restrição, ainda mais que, nos termos do art.
84, a Constituição Federal dá ao Presidente da República poderes
para conceder indulto, sem limitações.
Em entendimento contrário, alguns doutrinadores afirmam
que tal dispositivo da LCH não é inconstitucional, uma vez que, a CRFB/88 não
proibiu expressamente essa possibilidade. Outros porém, afirma que a expressão
graça, empregada no inciso XLIII, do art. 5° da CRFB/88, foi empregada em
sentido amplo, abrangendo assim, o indulto.
Defendendo a constitucionalidade do art. 2º, inciso I, da
LCH, Barbosa119 fala que:
Se o constituinte não aludiu ao indulto, isto não significa dizer que
a lei ordinária não possa fazê-lo, proibindo-o, até porque o que se
depreende, da simples leitura da regra constitucional, é que o
constituinte deixou a critério do legislador ordinário saber da
conveniência ou não da vedação do indulto, mas não o proibiu
expressamente, e onde a lei não distingue, não é dado ao
intérprete distinguir.
No mesmo sentido, Batisti120 afirma que:
A lei pode estender a proibição de indulto aos crimes referidos,
porque não há vedação ou impedimento estabelecido pelo
constituinte de o legislador estabelecer regras para adoção de tais
benefícios. Ou seja: na omissão de referência na Constituição,
possível o legislador ordinário disciplinar o instituto, fazendo-o na
mesma direção do constituinte.
118 FERNANDES, Antonio Scarance. Considerações sobre a Lei 8.072, de 25 de julho de 1990 – Crimes hediondos. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, São Paulo, v. 660, ano 79, p. 285-288, out. 1990. p. 670.
119 BARBOSA, Marcelo Fortes. Garantias constitucionais de direito penal e de processo penal na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 95.
120 BATISTI, Leonir. Crimes Hediondos e Similares – Constitucionalidade e compatibilidade de tratamento diverso. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, São Paulo. vol. 799, ano 91, p. 448-460, maio 2002. p. 451.
39
Assim, percebe-se que a questão da proibição da concessão
do indulto criada pela Lei dos Crimes Hediondos é bastante controvertida na
doutrina, entretanto, os tribunais de todo país vêm entendendo, com algumas
exceções, que tal dispositivo é constitucional.
2.5 PROIBIÇÃO DE CONCESSÃO DE FIANÇA E DE LIBERDADE
PROVISÓRIA
A fiança e a liberdade provisória são institutos consagrados
no Código de Processo Penal Brasileiro, estando previstos nos arts. 321 a 350,
ambos vindo ao encontro do princípio constitucional da presunção de inocência.
Para Capez121, a liberdade provisória consiste em:
Instituto processual que garante ao acusado o direito de aguardar
em liberdade o transcorrer do processo até o trânsito em julgado,
vinculada ou não a certas obrigações, podendo ser revogado a
qualquer tempo, diante do descumprimento das obrigações
impostas.
Da mesma forma, Mirabete122 explica que através deste
instituto, o acusado “não é recolhido à prisão ou é posto em liberdade quando
preso, vinculado ou não a certas obrigações que o prendem ao processo e ao
juízo”, com a finalidade de garantir a sua presença quando necessária durante
toda a instrução processual sem submeter o acusado ao sacrifício da segregação
provisória.
Nesse sentido, mencionado autor conceitua a liberdade
provisória da seguinte maneira:
É, pois, um estado de liberdade que pode estar gravado nas
condições e reservas que tornam precário e limitado o seu gozo.
Tem a denominação de liberdade “provisória” porque: a) pode ser
121 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 249.
122 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal, p. 436
40
revogada a qualquer tempo, salvo no caso de não ser vinculada;
b) vigora apenas até o trânsito em julgado da sentença final que,
se condenatória, torna possível a execução da pena e, se
absolutória, transforma a liberdade em definitiva123.
Assim, a liberdade provisória é um benefício concedido ao
acusado quando a sua prisão provisória se demonstre desnecessária, vinculando-
o ao processo penal. Destaca-se que tal benefício pode ser concedido com ou
sem o pagamento de fiança.
Para Bonfim124, a fiança pode ser considerada como
“garantia real que consiste na entrega de bens ao estado, com o fim de assegurar
a liberdade do indiciado ou réu durante a persecutio criminis”.
Da mesma forma, Nucci125 esclarece a finalidade da fiança
ao aduzir que:
A finalidade da fiança é assegurar a liberdade provisória do
indiciado ou réu, enquanto decorre o inquérito policial ou o
processo criminal, desde que preenchidas determinadas
condições. Entregando valores seus ao Estado, estaria vinculado
ao acompanhamento da instrução e interessado em apresentar-
se, em caso de condenação, para obter, de volta, o que pagou.
Apesar da consagração destes dois institutos no
ordenamento jurídico brasileiro, a Lei 8.072/90, atendendo o disposto na
CRFB/88, que em seu art. 5º, inciso XLIII, estabeleceu que os crimes hediondos e
equiparados são inafiançáveis, estendeu a restrição de direitos conferida pela
Carta Magna e acrescentou a proibição de concessão de liberdade provisória aos
acusados de tais crimes.
Com relação a proibição de concessão de fiança aos
acusados pela prática de crime hediondo ou equiparado, a doutrina não faz
muitas críticas, primeiro, porque a própria CRFB/88 previu a impossibilidade de 123 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal, p. 436. 124 BONFIM, Edilson Mougenot. Processo Penal: dos fundamentos à sentença. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1. p. 183.
125 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo e Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 560-561.
41
fiança aos acusados por tais crimes, razão pela qual o legislador ordinário não
deve ser criticado, e, num segundo plano, porque a inafiançabilidade por si só não
impede que o sujeito seja posto em liberdade.
Sobre o assunto, Leal126 afirma que:
Ao proibir a concessão de fiança aos presos em flagrante pela
prática de crime hediondo, a LCH, em seu art. 2°, inc. II (1ª
hipótese), apenas reiterou os termos do preceito constitucional já
examinado. Portanto, não se pode censurar o legislador por ter
formalizado, na lei ordinária, proibição já determinada pela Lei
Maior.
Entretanto, com relação a proibição absoluta de concessão
de liberdade provisória contida na Lei dos Crimes Hediondos, a doutrina divide
seu entendimento sendo que parte dos autores entende que referida vedação é
constitucional e parte dos doutrinadores considera a proibição como
inconstitucional.
Leal127 entende que a proibição de concessão de liberdade
provisória é inconstitucional porque tal benefício é um direito fundamental do
homem que só pode ser afastado “em casos excepcionais e de comprovada
necessidade processual”, além de ferir o princípio da presunção de inocência.
E continua a sua crítica a respeito da vedação em apreço ao
mencionar que: “O que não pode estabelecer a norma ordinária é a proibição da
concessão deste direito individual, como regra absoluta, aos autores de crimes
hediondos.”128
126 LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como expressão do Direito Penal da Severidade, p. 193.
127 LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como expressão do Direito Penal da Severidade, p. 195.
128 LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como expressão do Direito Penal da Severidade, p. 195.
42
Da mesma forma, Pereira129 entende que o legislador
ordinário não respeitou o previsto na CRFB/88, ampliando as restrições aos
direitos individuais ali estabelecidos, ao disciplinar que:
E se a Constituição assim o fez, dizendo que os crimes hediondos
e outros são apenas inafiançáveis (norma restritiva de Direito),
não pode o legislador ordinário ampliar aquela restrição
constitucional, dizendo-os também insuscetíveis de liberdade.
Assim o fazendo, salvo melhor juízo, ferido frontalmente fica o
dispositivo constitucional.
No mesmo norte, Ribeiro130 afirma que:
Um exame de compatibilidade do texto do n. II, do art. 2°, da Lei
8.072/90, com o comando contido no n. XLIII, da CF, antes
transcritos, revela que o legislador infraconstitucional extrapolou
os limites da inafiançabilidade fixados pelo constituinte de 1988,
em matéria de crimes hediondos, indo atingir em cheio a pedra
angular do Direito Processual Penal que é o instituto universal da
liberdade provisória.
De outra banda, parte da doutrina entende que referido
dispositivo da LCH não fere o contido da CRFB/88, já que a própria Carta Magna
estabelece hipóteses de prisão antes do trânsito em julgado da sentença
condenatória. Nesse sentido, Monteiro131 manifesta-se da seguinte forma: “Ora,
em nenhum dispositivo constitucional é defeso que a lei ordinária venha a proibir
a concessão da liberdade provisória neste ou naquele caso.”
Cumpre ressaltar que, inobstante as divergências na
doutrina acerca da constitucionalidade ou não do dispositivo legal que proíbe a
concessão de liberdade provisória aos acusados pela prática de crime hediondo
ou equiparado, referido dispositivo continua em vigor, tendo em vista que o STF o
considerou como sendo constitucional.
129 FERREIRA, Paulo Maurício. A lei dos crimes Hediondos e a Liberdade Provisória. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, São Paulo, v. 671, ano 91, p. 285-288, set. 1991. p. 288.
130 RIBEIRO, Alcides Martins Filho. A Liberdade Provisória nos Crimes Hediondos. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, São Paulo, v. 771, ano 84, p. 504-506, jul. 1995, p. 504.
131 MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes Hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos, p. 138.
43
2.6 DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE
Sobre a hipótese de interposição de recurso de apelação em
liberdade, a Lei 8.072/90, em seu art. 2º, § 2º, estabeleceu que: “Em caso de
sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar
em liberdade.”
Assim, segundo a própria Lei, o réu, acusado pela prática de
crime hediondo ou equiparado, poderá apelar em liberdade, desde que o juiz
assim se manifeste na sua sentença, de maneira fundamentada, ficando, dessa
forma, a critério do magistrado a possibilidade do sentenciado apelar em
liberdade ou não.
Sobre o assunto, a doutrina divide suas opiniões. Alguns
autores entendem que mesmo que o condenado tenha permanecido segregado
durante toda a instrução do feito, pode o juiz deixá-lo apelar em liberdade. Leal132
adota este posicionamento ao afirmar que: “o juiz, em certos casos especiais,
condenando o autor de crime hediondo, poderá revogar a prisão provisória e
conceder-lhe o direito de apelar em liberdade”.
No mesmo sentido, Franco133 afirma que:
Pouco importa se o réu, anteriormente à condenação, se encontra
preso, por qualquer providência cautelar, ou esteja solto, sendo ou
não, revel. No momento em que o juiz entrega a prestação
jurisdicional, é obrigação sua definir-se, fundamentadamente,
sobre o direito em questão. A existência de um decreto cautelar
anterior ou próprio ato condenatório não o desoneram do dever de
proclamar, de forma clara e precisa, se o condenado pode, ou
não, exercitar o direito de apelar em liberdade.
De outra banda, Monteiro134 entende que:
132 LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como expressão do Direito Penal da Severidade, p. 224.
133 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 418. 134 MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes Hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos, p. 156.
44
Em primeiro lugar, há de dizer-se desde já que este dispositivo
refere-se tão somente aos réus que responderam ao processo em
liberdade, já que não foram presos em flagrante nem tiveram a
prisão temporária e preventiva decretadas. Seria contraditória
outra interpretação do texto em face do já analisado inciso II do
mesmo artigo. É que durante o processo permaneceria preso;
condenado, solto para poder apelar em liberdade.
Para o autor, somente cabível a hipótese de recurso de
apelação em liberdade ao réu que permaneceu livre durante a instrução
processual. Outra questão controvertida seria a exigência de decisão
fundamentada do magistrado para que o condenado possa recorrer em liberdade.
Referida disposição da LCH criou também uma outra
controvérsia na doutrina, qual seja, se houve ou não a revogação do art. 35 da Lei
6.368/76135, o qual disciplina que o réu condenado pelos arts. 12 ou 13 da
mencionada lei não pode apelar em liberdade. Assim, como o § 2° do art. 2º da
LCH, apesar de não o fazer expressamente, refere-se aos crimes hediondos e
equiparados, a doutrina dividiu-se, sendo que alguns doutrinadores entendem que
o art. 35 da Lei Antitóxicos foi revogado e outros entendem que referido
dispositivo legal ainda continua em vigor.
Monteiro136 adota o posicionamento de que o art. 35 da Lei
6.368/76 continua em vigor, aduzindo que:
Ora, o art. 10 da Lei n. 8.072/90 diz de forma expressa que: “o art.
35 da Lei n. 6.368, de 21 de outubro de 1976, passa a vigorar
acrescido de parágrafo único, com a seguinte redação...”. Se o
legislador da Lei n. 8.072/90 quisesse dar o mesmo tratamento
aos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins dado
aos demais crimes nela tratados, no que tange ao recurso de
apelação, o art. 10 desta lei deveria limitar-se a acrescer um outro
135 BRASIL. Lei n. 6.368, de 21 de outubro de 1976. Dispõe sobre medida de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 de outubro de 1976. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/legislacao>. Acesso em: 28 set. 2005.
136 MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes Hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos, p. 158.
45
artigo, ou até mesmo um parágrafo único ao art. 35 da Lei de
Tóxicos, fazendo-o com outra redação.
Desse modo, para citado autor, como a LCH acrescentou
um parágrafo ao art. 35 da Lei Antitóxicos, o qual disciplina que os condenados
por crime de tráfico ilícito de entorpecentes não podem apelar em liberdade,
aplicando-se uma interpretação sistêmica sobre este acréscimo, conclui-se que
referido artigo não pode ter restado revogado.
Da mesma forma entende Almeida137 ao mencionar que:
[...] os arts. 594 do Código de Processo Penal e 35 da Lei
6.368/76 foram resguardados e não sofreram nenhuma alteração
em virtude do reconhecimento, entre os direitos fundamentais, da
presunção de inocência. O referido preceito constitucional “não
contém regra de natureza processual, nem conflita com as
disposições da lei ordinária que preservam, impõem e
recomendam a prisão antecedente à sentença condenatória
definitiva”.
Todavia, há autores que entendem de maneira diversa a que
foi exposta. Leal138, manifestando seu ponto de vista assevera que, além de ser
inconstitucional a vedação do direito de apelar em liberdade foi revogada pelos
seguintes motivos:
Há, no entanto, outro argumento em favor da derrogação deste
dispositivo legal. É que o § 2º do art. 2º da LCH, conforme já
vimos, permite o recurso em liberdade do condenado por crime
hediondo, incluindo nesta categoria o tráfico ilícito de
entorpecentes. Basta que o juiz, examinando as circunstâncias do
caso concreto, entenda aconselhável ou possível o apelo em
liberdade. Tratando-se de norma posterior, que dispõe de modo
contrário ao previsto no caput do art. 35 da Lei 6.368/76, não há
dúvida de que este ficou tacitamente revogado.
137 Apud FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 414.
138 LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como expressão do Direito Penal da Severidade, p. 227
46
No mesmo norte, Franco139 leciona que:
Ora, o direito de apelar em liberdade é cogitado exatamente no §
2° do art. 2° da Lei 8.072/90 que, por ser posterior e versar sobre
a mesma matéria, ab-rogaria o art. 35 da Lei 6.368/76 se tal
dispositivo já não tivesse sido excluído, por ofensa ao princípio da
presunção de inocência.
Dessa forma, apesar das inúmeras controvérsias
estabelecidas na doutrina em virtude do § 2º do art. 2° da LCH, o qual preconiza o
direito do réu de apelar em liberdade, desde que o magistrado fundamente na
sentença os motivos da concessão desse direito, percebe-se que a Lei 8.072/90,
apesar de toda a severidade contida em seus dispositivos, garantiu este direito
aos condenados por crimes hediondos ou equiparados.
2.7 PRISÃO TEMPORÁRIA
A prisão temporária está prevista na Lei n. 7.960 de 21 de
dezembro de 1989140. Segundo Freitas141, tal modalidade de prisão pode ser
conceituada como:
[...] espécie de prisão cautelar, com prazo certo, decretada pelo
juiz durante o inquérito policial, contra suspeito de crime
especialmente grave, cuja finalidade é cooperar com a
persecução extrajudicial.
Assim, percebe-se que a prisão temporária é mais uma
espécie de prisão cautelar, utilizada durante a investigação criminal ainda na fase
policial, sendo que a sua duração tem prazo certo, e só pode ser decretada
139 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 424. 140 BRASIL. Lei n.º 7.960, de 21 de dezembro de 1989. Dispõe sobre prisão temporária. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 de dezembro de 1989. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/legislacao>. Acesso em: 28 set. 2005.
141 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão Temporária. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 97.
47
quando preenchidos os pressupostos e requisitos mencionados na Lei 7.960/89,
em seu art. 1º e incisos, os quais Delmanto142 sintetiza da seguinte forma:
a) imprescindibilidade para a investigação policial;
b) não ter o indiciado residência fixa ou não fornecer elementos
para sua identificação;
c) existir fundadas razões de autoria ou participação em uma
série de crimes: homicídio doloso, seqüestro ou cárcere
privado, roubo, extorsão mediante seqüestro, estupro,
atentado violento ao pudor, rapto violento, epidemia com
resultado morte, envenenamento de água potável ou
substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte,
quadrilha ou bando, genocídio, tráfico de drogas e crimes
contra o sistema financeiro.
Inobstante discussões doutrinárias acerca da necessidade
de cumulação desses três requisitos ou não, mencionada lei, em seu art. 2°, em
continuidade, estabelece o prazo de duração dessa modalidade de prisão
cautelar, a qual deve ser decretada pelo juiz, através de representação da
autoridade policial ou em face de requerimento do Ministério Público,
estabelecendo o prazo de cinco dias, prorrogável por igual período em hipótese
de extrema e comprovada necessidade.
Entretanto, a Lei 8.072/90, em seu art. 2º, § 3°, ampliou, de
maneira significativa a duração deste prazo, estabelecendo que, nas hipóteses de
crime hediondo ou equiparado, a prisão temporária terá o prazo de trinta dias,
podendo ser prorrogado por igual período.
Muitos autores criticam essa dilação de prazo de duração da
prisão temporária na hipótese de crime hediondo. Sobre o assunto, Monteiro143
manifesta-se da seguinte maneira:
142 DELMANTO, Roberto júnior. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 153
143 MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes Hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos, p. 161.
48
Em suma, o instituto da prisão temporária tinha tudo para atender
às necessidades da investigação e ser aplicado dentro das
garantias individuais do cidadão. Agora, com o aumento
exagerado do prazo máximo permitido pela Lei dos Crimes
Hediondos, novamente volta o fantasma da antiga modalidade de
prisão policial, com a agravante de estar legalizada. Mais uma vez
a Lei n. 8.072/90 com suas incongruências ainda não disse a que
veio.
Do mesmo modo, Franco144, ao afirmar que a ampliação do
prazo é algo injustificável, pois os delitos rotulados como hediondos já constavam
no rol dos crimes passíveis de prisão temporária, com exceção dos crimes de
tortura e terrorismo, assevera que:
Tudo está, portanto, a indicar que o alongamento desarrazoado da
prisão temporária, com a conseqüente prorrogação temporal das
investigações policiais, teve por objetivo único e exclusivo
estigmatizar eventuais autores de crimes hediondos, de tortura, de
tráfico ilícito de entorpecentes e de terrorismo.
Assim, percebe-se que a Lei dos Crimes Hediondos ampliou
de maneira significativa o prazo de duração da prisão temporária, apesar das
inúmeras críticas confeccionadas pela doutrina sobre o assunto.
2.8 LIVRAMENTO CONDICIONAL
O livramento condicional é um instituto de política criminal
que permite ao condenado a antecipação de sua liberdade, quando preenchidos
determinados requisitos de ordem objetiva e subjetiva e ainda quando ocorrer a
aceitação de determinadas condições.
Bonfim145 conceitua o livramento condicional da seguinte
maneira:
144 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 362 145 ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Geral. vol. São Paulo: Saraiva, p. 202.
49
Trata-se do incidente na execução da pena de prisão (natureza
jurídica), que permite ao condenado a antecipação de sua
liberdade, mediante o cumprimento de determinadas condições.
Sua disciplina se encontra no CP, arts. 83 a 90, e na LEP, arts.
131 a 146.
Percebe-se que o instituto do livramento condicional vem
previsto e regulamentado no Código Penal (arts. 83 e 90) bem como na Lei de
Execução Penal (art. 131 a 146).
Da mesma forma, sobre determinado instituto jurídico,
Nucci146 o define como sendo: “um instituto de política criminal, destinado a
permitir a redução do tempo de prisão com a concessão antecipada e provisória
da liberdade do condenado, quando é cumprida pena privativa de liberdade.”
Sobre referido instituto jurídico, Prado147 afirma que o
livramento condicional é um direito do apenado, e não uma faculdade do juiz,
desde que satisfeitos determinados requisitos de ordem objetiva e subjetiva.
Assim, o art. 83 do CP, em síntese, estabelece como
requisitos objetivos que a pena aplicada deve ser privativa de liberdade, em
quantidade igual ou superior a dois anos; além disso deve haver a reparação do
dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e estabelece os seguintes limites de
cumprimento de pena, segundo Capez148:
Cumprimento de parte da pena: mais de 1/3, desde que tenha
bons antecedentes e não seja reincidente em crime doloso; mais
da metade se reincidente em crime doloso; entre 1/3 e a metade,
se tiver maus antecedentes, mas não for reincidente em crime
doloso.
Os requisitos subjetivos, segundo mencionado dispositivo
legal são comportamento satisfatório durante a execução da pena; bom
desempenho no trabalho que lhe for atribuído; aptidão para prover a própria
146 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 411.
147 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral – arts. 1° a 120, p. 520. 148 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 454.
50
subsistência mediante trabalho honesto e cessação de periculosidade para os
apenados por crimes dolosos cometidos com violência ou grave ameaça.
A lei 8.072/90 acrescentou o inc. V ao art. 83 do CP,
estabelecendo os requisitos objetivos e subjetivos para a concessão de
livramento condicional aos apenados pelo cometimento de crimes hediondos ou
equiparados, quais sejam, cumprimento de dois terços da pena, desde que o
apenado não seja reincidente específico em crimes dessa natureza, trazendo uma
maior rigidez para a concessão de tal benefício a estas pessoas.
Primeiro conflito que surge sobre o livramento condicional na
Lei dos Crimes Hediondos é que mencionada lei, conforme se verificará no
terceiro capítulo, não admite a progressão de regime aos apenados por tais
crimes, entretanto, o condenado pode fazer jus de uma medida penal alternativa,
qual seja, o livramento condicional.
Entretanto, a maior controversa que se estabeleceu na
doutrina acerca do livramento condicional dispõe sobre a expressão “reincidência
específica”.
Nucci149, destaca os posicionamentos existentes sobre o
assunto e manifesta a sua posição aduzindo que:
Há três posições acerca da reincidência específica: a) quem torna
a praticar qualquer dos crimes previstos na Lei dos Crimes
Hediondos (ex.: latrocínio + tráfico de entorpecentes); b) quem
torna a praticar crime da mesma natureza, ou seja, que protege o
mesmo bem jurídico (ex.: extorsão mediante seqüestro +
latrocínio); c) quem torna a praticar o mesmo tipo penal (ex.:
estupro + estupro). Neste caso, já que a lei não definiu o que vem
a ser reincidência específica, cremos ser mais adequada a
primeira posição, pois todos os delitos da Lei 8.072/90 receberam
o mesmo tratamento, de modo que a sua reiteração é igualmente
perniciosa à sociedade.
149 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, p. 415.
51
Observa-se que a lei não esclareceu o significado preciso da
expressão reincidência específica, deixando margem ao surgimento de diversas
interpretações por parte da doutrina.
Capez150 manifesta sua opinião ao mencionar que:
“reincidente específico, aqui, não quer dizer em crimes previstos no mesmo tipo
legal, mas em crimes previstos na mesma lei”.
Leal151 traz posicionamento diverso sobre o assunto em
apreço, afirmando que se for feita uma interpretação literal da lei, chega-se a
conclusão de que a configuração de reincidência específica se perfaz pela prática
de crimes considerados legalmente como hediondos, sem a necessidade de
serem da mesma espécie.
Entretanto, afirma que esta não é a maneira mais correta de
interpretação a ser aplicada, e explica que a reincidência específica somente
acontece quando o agente, após ser condenado, vier a ser condenado novamente
por crime da mesma espécie.
E finaliza sua opinião ressaltando que:
Por isso, parece-nos que o verdadeiro sentido da expressão
reincidente específico não poderá afastar-se do conceito
tradicional consagrado pela doutrina penal, que só admite essa
circunstância agravadora quando os crimes foram da mesma
espécie. Isto vale principalmente para os crimes hediondos, dada
a conseqüência profundamente aflitiva, resultante da aplicação da
medida contida no art. 5° da LCH (art. 83, inc. V, do CP)152.
Percebe-se, dessa forma, que a Lei dos Crimes Hediondos
apesar de não permitir a progressão de regime aos apenados por tais crimes,
conforme se verá no próximo capítulo dessa pesquisa, concedeu a tais apenados
o benefício do livramento condicional.
150 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 454. 151 LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como expressão do Direito Penal da Severidade, p. 239.
152 LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como expressão do Direito Penal da Severidade, p. 239.
52
CAPÍTULO 3
A VEDAÇÃO AO DIREITO DE PROGRESSÃO DE REGIME
CARCERÁRIO PARA OS CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS
EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL
3.1 CONCEITO E ASPECTOS HISTÓRICOS DA PENA
De acordo com o que leciona Bruno153, o vocábulo pena traz
o seguinte significado: “Pena é a sanção, consistente na privação de
determinados bens jurídicos, que o Estado impõem contra a prática de um fato
definido na lei como crime.”
Capez154, ao conceituar a pena, o faz da seguinte maneira:
Sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em
execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma
infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem
jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao
delinqüente, promover a sua readaptação social e prevenir novas
transgressões pela intimidação dirigida à coletividade.
Da mesma forma, Soler155 afirma que:
A pena é uma sanção aflitiva imposta pelo Estado, através da
ação penal ao autor de uma infração (penal), como retribuição de
seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico e cujo
fim é evitar novos delitos.
153 BRUNO, Aníbal. Direito penal, parte geral: pena e medida de segurança. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. tomo 3º. p. 22.
154 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, p. 339. 155 Apud, MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1° a 120 do CP. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 246.
53
Barros156, como forma de complemento aos conceitos
expostos, acentua que: “Esse bem jurídico de que o delinqüente se vê privado
pode ser: a vida (no caso de pena de morte), a liberdade (se a pena é de prisão)
ou o patrimônio (em caso de pena de multa ou confisco).”
Denota-se do exposto que a pena é uma sanção imposta
pelo Estado, sempre que o indivíduo comete um ato ilícito, privando-o de algum
bem jurídico, que pode ser a vida, a liberdade ou o patrimônio.
A origem da pena aconteceu com a do próprio crime, sendo
necessária para disciplinar o convívio social humano. No início da sua existência,
estava envolta de contornos místicos, contendo um caráter sacral, uma vez que
os homens da época, impossibilitados de explicar alguns fenômenos naturais que
aconteciam no cotidiano “passaram a atribui-los a seres sobrenaturais, que
premiavam ou castigavam a comunidade pelo seu comportamento”.157
No mesmo sentido, Dotti158 afirma que:
A história da pena revela que a sua existência foi modelada por
totens e tabus que lhe imprimiam contornos místicos enquanto os
diversos castigos corporais até a morte traduziam as expressões
cruentas da defesa e da vingança.
Com o passar do tempo, referido instituto foi sendo
disciplinado, e, no Brasil, os antecedentes históricos da pena passaram pelas
Ordenações Filipinas, onde: “estabeleciam, de maneira desordenada, como
penas, a morte, a mutilação através do corte de membros, o degredo, o tormento,
a prisão, o açoite e a multa consistente no pagamento em dinheiro”.159
156 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 1. p. 363.
157 MIRABATE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1° a 120 do CP, p. 243. 158 DOTTI, René Ariel. Bases Alternativas para o Sistema de Penas. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. v. I. p. 31.
159 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal: introdução e parte geral. 34 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 232.
54
Posteriormente, conforme preceitua Noronha160, a pena
esteve presente no Código Criminal Imperial e no Código Penal Republicano,
sendo que este disciplinava a prisão celular, a prisão com trabalho, o banimento,
a prisão disciplinar, a interdição de direito, a suspensão e a perda do cargo
público, além da multa.
Superada esta fase, chegamos ao Código Penal de 1940 e,
posteriormente a CRFB/88 a qual estabeleceu as penas possíveis (art. 5°, XLVI) e
as inadmissíveis (art. 5º XLVII).
3.2 PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
A CRFB/88, em seu art. 5°, inciso XLVI, estabelece quais as
penas a serem aplicadas no ordenamento jurídico brasileiro, sendo elas: privação
ou restrição da liberdade; perda de bens; multa; prestação social alternativa;
suspensão ou interdição de direitos.
De maneira semelhante, o Código Penal Brasileiro disciplina
em seu art. 32 que as penas são: privativas de liberdade; restritivas de direito e
multa, sendo que dentre as espécies de penas citadas, o objeto de estudo deste
capítulo será apenas a pena privativa de liberdade, em virtude do enfoque central
desta pesquisa.
A aplicação da pena privativa de liberdade está prevista no
Código Penal, em seus arts. 33 a 42 e ainda na Lei 7.210/84 – Lei de Execução
Penal – no Título IV, Capítulo I.
Betiol161, ao fazer um estudo acerca da origem da referida
espécie de pena, afirma que:
Historicamente, tem origens bem recentes porque, no passado, as
verdadeiras penas eram a pena de morte, a mutilação, o exílio, o
160 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal: introdução e parte geral, p. 232 161 BETIOL, Giuseppe. Direito Penal. Tradução: Paulo José da Costa Júnior e Alberto Silva Franco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976. v. III. p. 137.
55
confisco, enquanto o encarceramento tinha escopo meramente
processual, porque servia para assegurar, no processo, a
presença do réu. Com a modificação das condições ético-
políticas, com maior respeito à personalidade do homem, acabou-
se por considerar a privação da liberdade pessoal como uma das
melhores formas que a pena podia assumir, uma vez que esta
respeita o critério retributivo, garante a segurança social, torna
possível a melhoria do réu.
Da mesma forma, Mirabete162 acentua que:
Originaram-se as penas privativas de liberdade de outras penas:
enquanto aguardavam a execução (pena de morte, desterro, galés
etc.), os sentenciados ficavam privados da liberdade de
locomoção, passando a ser a prisão, depois, a própria sanção
penal.
Observa-se, dessa forma, que a pena privativa de liberdade
originou-se de outras espécies de penas mais graves, tais como a pena de morte,
tendo em vista que, como forma de garantia processual, o condenado tinha sua
liberdade suprimida até a data da execução da sua pena, sendo que, com o
passar do tempo, a própria privação da liberdade passou a ser considerada uma
forma de punição.
Nesse sentido, Noronha163, ao conceituar a pena privativa de
liberdade, denota que:
A natureza da pena privativa de liberdade está contida no seu
próprio nomem juris: retira do condenado, de uma forma mais
rígida ou menos branda, o direito à liberdade. É a que restringe,
com maior ou menor intensidade, a liberdade do condenado,
consistente em permanecer em algum estabelecimento prisional,
por um determinado tempo, tudo na conformidade do regime
imposto.
Já Barros164, de maneira simplificada, conceitua a pena
privativa de liberdade como sendo: “a que restringe o direito de ir e vir do
condenado, infligindo-lhe um determinado tipo de prisão.”
162 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1° a 120 do CP, p. 248. 163 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal: introdução e parte geral, p. 234.
56
Bruno165, ao fazer uma análise acerca das formas de pena,
justifica a aplicação da pena privativa de liberdade ao enfatizar que:
Só a pena detentiva permite sujeitar o condenado a um processo
de recomposição da personalidade segundo as exigências da vida
dentro do Direito. Esta a sua grande vantagem e a razão
primordial da ascendência que tomou entre as medidas punitivas,
embora até aqui os resultados não tenham alcançado o que dela
se esperava.
Apesar das inúmeras críticas efetuadas contra a pena
privativa de liberdade, em virtude desta não estar alcançado os resultados que se
esperavam, Mirabete166 destaca que: “são as mais utilizadas nas legislações
modernas, apesar do consenso da falência do sistema prisional.”
Assim sendo, observa-se que, enquanto outra forma de
punição e repressão ao crime não for encontrada nos ordenamentos jurídicos
modernos para serem aplicadas como forma de sanção aos autores de ilícitos
penais, a pena privativa de liberdade, apesar de não atender as expectativas
ideais, é a forma de repressão ao crime mais utilizada nas atuais legislações.
Oportuno destacar que a pena privativa de liberdade pode
ser classificada como de reclusão ou detenção, em conformidade com a
gravidade do crime praticado.
Nesse norte, Falconi167 preconiza que:
As penas privativas de liberdade são: reclusão e detenção. De
maneira geral, a diferença ocorre apenas em relação aos
quantitativos, bem como na maneira de cumprimento dessas
penas.
164 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal: parte geral, p. 369. 165 BRUNO, Aníbal. Direito penal, parte geral: pena e medida de segurança, p. 59. 166 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1° a 120 do CP, p. 248. 167 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal. 2 ed. São Paulo: Ícone, 1997. p. 221.
57
Da mesma forma, Nucci168 faz uma diferenciação entre as
penas de reclusão e detenção, ao aduzir que as diferenças entre as espécies de
pena privativa de liberdade são basicamente quatro:
a) a reclusão é cumprida inicialmente nos regimes fechado, semi-
aberto e aberto; a detenção somente pode ter início no regime
semi-aberto ou aberto (art. 33, caput, CP); b) a reclusão pode ter
efeito da condenação a incapacidade para o exercício do pátrio
poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos a esse tipo
de pena, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado (art. 92, II,
CP); c) a reclusão propicia a internação nos casos de medida de
segurança; a detenção permite a plicação do regime de
tratamento ambulatorial (art. 97, CP); d) a reclusão é cumprida em
primeiro lugar.
Denota-se desse modo que, a reclusão é aplicada para os
crimes com penas mais graves, sendo ela pois, a que nos interessa neste estudo.
3.3 REGIMES CARCERÁRIOS
A pena privativa de liberdade, de acordo com o que
disciplina o Código Penal e a Lei de Execução Penal, pode ser cumprida nos
seguintes regimes: fechado, semi-aberto, aberto, regime especial e regime
disciplinar diferenciado.
Segundo Mirabete169, a destinação para o regime
penitenciário é decidida da seguinte maneira:
Com a modificação da Parte Geral do Código Penal pela Lei n.
7.209/84, os regimes passaram a ser determinados em sua fase
inicial pela espécie e quantidade da pena imposta e pela
reincidência e, no decorrer da execução, pelo cumprimento de
parte da pena e mérito do condenado.
168 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, p. 265.
169 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-07-1984. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2004. p. 269
58
Assim, observa-se que não é tarefa discricionária do juiz
determinar o regime de cumprimento da pena, já que tal destinação está
vinculada a critérios objetivos descritos em lei.
3.3.1 Regime fechado
O Código Penal, em seu art. 33, ao falar sobre o regime
fechado, considera que o mesmo é aquele em que a execução da pena deve
acontecer em estabelecimento de segurança máxima ou média.
Sobre o regime fechado, Mirabete170 leciona que:
O regime fechado caracteriza-se por uma limitação das atividades
em comum dos presos e por maior controle e vigilância sobre
eles. Devem cumprir pena nesse regime os presos de
periculosidade extrema, assim considerados na valoração de
fatores objetivos: quantidade de crimes, penas elevadas no
período inicial de cumprimento, presos reincidentes etc.
Do exposto, observa-se que o regime fechado caracteriza-se
pela maior rigidez empregada, devendo a pena, nestes casos ser cumprida
sempre em locais de segurança máxima ou média.
Da mesma forma, a Lei de Execução Penal prescreve as
condições das unidades celulares em que será cumprida a reprimenda pelos
condenados a regime fechado. Neste sentido, Teles171 fala que:
A Lei de Execução Penal (LEP) estabelece que o condenado à
pena de reclusão em regime fechado cumprirá a pena em uma
penitenciária, devendo ser alojado em cela individual, com
dormitório, lavatório e aparelho sanitário, que deverá ter ambiente
salubre pela presença de fatores de aeração, insolação,
condicionamento térmico adequado à existência humana e área
mínima de seis metros quadrados (arts. 87 e 88, Lei nº 7.210/84).
170 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-07-1984, p. 268.
171 TELES, Ney Moura. Direito penal: parte geral. 2. ed. atual. São Paulo: Atlas, 1998. v. II. p. 51.
59
Ainda sobre o regime fechado, o Código Penal estabelece,
em seu art. 34, que o condenado sob tal forma de cumprimento da pena deverá
ser submetido a exame criminológico, com a finalidade de se realizar a
individualização da execução penal.
Mencionado artigo ainda prescreve que o condenado que
cumprir a pena em tal regime fica submetido a trabalho diurno, e a isolamento
celular no período noturno (art. 34, § 1° CP).
Por derradeiro, cumpre esclarecer que, de acordo com o que
dispõe o art. 33 do CP e seus parágrafos, devem cumprir a pena em regime
fechado, obrigatoriamente, os condenados a pena de reclusão superior a oito
anos e o condenado reincidente, qualquer que seja a pena (de reclusão) aplicada.
3.3.2 Regime semi-aberto
Por regime semi-aberto, segundo o que dispõe o art. 33, §
1°, b, do Código Penal, pode-se entender como aquele em que a sua execução
acontece em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, destacando-
se que, o apenado pode ser alojado em compartimento coletivo, desde que
atendidos os requisitos previstos nos arts. 91 e 92 da Lei de Execução Penal.
Sobre os apenados que devem iniciar o cumprimento da
pena no referido regime prisional, Mirabete172 fala que:
Devem iniciar obrigatoriamente o cumprimento da pena em regime
semi-aberto os condenados reincidentes à pena de detenção,
qualquer que seja a sua duração, já que o regime fechado não se
destina, em regra, às penas de detenção, bem como os
condenados não reincidentes condenados à pena superior a
quatro anos e inferior a oito anos (art. 33, caput, 2ª parte, e § 2°, b
do CP). Também devem ser destinados inicialmente ao regime
semi-aberto os não-reincidentes condenados à pena igual ou
inferior a quatro anos se, em decorrência das circunstâncias
172 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-07-1984, p. 273.
60
judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, não estão em
condições de iniciar o cumprimento da pena em regime aberto
(art. 59, § 3°, do CP).
Percebe-se então que, o Código Penal disciplina quais os
apenados devem cumprir a pena inicialmente em regime semi-aberto. Ainda
sobre as regras do regime prisional em apreço, Barros173 acentua que:
[...] no regime semi-aberto o condenado fica sujeito a trabalho em
comum no período diurno. O trabalho externo é admissível, bem
como a freqüência a cursos supletivos profissionalizantes, de
instrução de segundo grau ou superior (§ 2° do art. 35 do CP).
Denota-se, desse modo, que tal regime prisional destina-se
aos condenados que, através do seu senso de responsabilidade, aceitam a
sanção que lhes foi imposta e submetem-se à disciplina menos rigorosa do
estabelecimento. Nesse sentido, de acordo com os ensinamentos de Teles174,
cumpre esclarecer que:
No regime semi-aberto, o condenado poderá obter autorização
para sair do estabelecimento temporariamente, sem qualquer
vigilância direta, para visitar a família e também para participar de
atividades que proporcionem condições para o seu retorno ao
convívio social.
Destaca-se que a possibilidade de se obter autorização de
saída aos condenados que cumprem pena no regime semi-aberto, está prevista
na lei de Execução Penal (arts. 120 a 125).
3.3.3 Regime aberto
Segundo dispõe o art. 33 § 1º, c, do CP, os condenados ao
cumprimento da pena em regime aberto devem executá-la em casa de albergado
ou estabelecimento adequado, já que, conforme dispõe o art. 36 do CP: “O
173 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal: parte geral, p. 373. 174 TELES, Ney Moura. Direito penal: parte geral, p. 344.
61
regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do
condenado”.
Sobre o assunto, Mirabete175 fala que:
Destinam-se ao regime aberto os condenados aptos para viver em
semiliberdade, ou seja, aqueles que, por não apresentarem
periculosidade, não desejarem fugir, possuírem autodisciplina e
senso de responsabilidade, estão em condições de dele desfrutar
sem pôr em risco a ordem pública por estarem ajustados ao
processo de reintegração social.
Destaca-se que estão sujeitos ao cumprimento da pena
neste regime, de imediato, aqueles que não sendo reincidentes, tenham sido
condenados a pena igual ou inferior a quatro anos (art. 33, § 2º, c, CP) e aqueles
que obtiverem a progressão de regime prisional. Todavia, Mirabete176 traz um
alerta sobre a indicação de regime penal inicial aberto: “Essa destinação, porém,
não é obrigatória ou automática, mas facultativa, pois depende de pressupostos
que indiquem estar o condenado apto para o regime”.
Percebe-se a necessidade de avaliação das condições
individuais de cada condenado que se enquadre nos requisitos objetivos para
obtenção do regime aberto, a fim de que se verifique a possibilidade do mesmo
realmente estar apto a cumprir sua pena neste regime prisional mais brando.
Segundo Teles177, o condenado que cumprir a pena em tal
regime:
[...] terá plena liberdade durante o período diurno dos dias de
semana, devendo dedicar-se ao trabalho lícito, fora do
estabelecimento, sem, contudo, qualquer vigilância, recolhendo-se
à casa do albergado todas as noites e nos dias de folga, feriados
e fins de semana.
175 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-07-1984, p. 277.
176 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-07-1984, p. 277.
177 TELES, Ney Moura. Direito penal: parte geral, p. 344.
62
Assim sendo, vislumbra-se que o regime aberto, por ser
menos rigoroso, deve ser aplicado somente àqueles apenados que possuírem
autodisciplina e senso de responsabilidade, até mesmo para que não se torne
sinônimo de impunidade.
3.4 SISTEMA PROGRESSIVO DE EXECUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE
Como forma de resposta à proposta estatal de reeducação e
ressocialização do apenado, a legislação pátria adotou o regime progressivo de
cumprimento da pena, o qual teve origem a partir do sistema irlandês ou
progressivo, que, segundo Zaffaroni, Piarangeli178:
[...] foi introduzido pelo capitão Maconochie, na ilha de Norfolk
(próximo da Austrália) e, depois, por Walter Crofton, na Irlanda.
Consistia na aplicação do sistema celular durante uma primeira
etapa, do sistema auburniano numa segunda etapa, de trabalho
ao ar livre, numa terceira, e, por fim, uma quarta etapa de
liberdade condicional. A passagem de uma etapa à outra
dependia do comportamento do apenado, que ia sendo premiado
com um sistema de tíquetes.
Observa-se, dessa forma, que o Sistema Progressivo
adotado no ordenamento jurídico pátrio originou-se do sistema irlandês,
entretanto, cumpre salientar que no Brasil foi criado um novo sistema de
execução da pena, baseado na forma progressiva descrita acima. Sobre o
assunto, Jesus179 preconiza que: “A reforma penal de 1984, tal como o fizera o
CP de 1940, não adotou o sistema progressivo, mas um sistema progressivo
(forma progressiva de execução), visando à ressocialização do criminoso”.
Nesse sentido, o Código Penal Brasileiro, com a reforma
estabelecida pela Lei n. 7.209/84, estabeleceu, em seu art. 33, § 2° que a pena
178 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral, p. 754.
179 JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 22 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 521.
63
privativa de liberdade deve ser executada de maneira progressiva, levando-se em
consideração o mérito de condenado e alguns critérios objetivos estabelecidos na
própria lei.
Da mesma forma, a Lei n. 7.210/84, em seu art. 112,
determinou que a pena privativa de liberdade é executada de forma progressiva,
transferindo o condenado para regime menos rigoroso, quando satisfeitos os
requisitos objetivos e subjetivos que permitem a progressão de regime prisional.
Sobre os requisitos necessários para obtenção da
progressão de regime prisional, Mirabete180 fala que:
Para que se processe a progressão exige a lei, em primeiro lugar,
dois requisitos materiais: um de caráter objetivo, que é o
cumprimento de um sexto da pena no regime anterior, e um de
caráter subjetivo, que se refere ao mérito do condenado indicando
a oportunidade da transferência.
Assim, percebe-se que, para que o apenado conquiste a
progressão de regime prisional é necessário cumprir um sexto da pena que lhe foi
imposta no regime inicial, e, ainda, o seu mérito deve indicar a possibilidade da
progressão, demonstrando a sua capacidade de adaptação a regime prisional
menos rigoroso.
Cumpre esclarecer que o sistema progressivo é de suma
importância, tendo em vista que propicia a ressocialização do condenado. Sobre a
conveniência do sistema progressivo de execução penal, Teles181 fala que:
O sistema baseia-se na necessidade de que a privação da
liberdade do condenado seja executada com a finalidade de
recuperá-lo, que terá, desde o início, a perspectiva de alcançar a
liberdade e a certeza de que ela lhe será devolvida,
paulatinamente, conforme seu merecimento.
180 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-07-1984, p. 415.
181 TELES, Ney Moura. Direito penal: parte geral, p. 41.
64
Da mesma forma, Dotti182 fala que:
[...] a execução através dos regimes (fechado, semi-aberto e
aberto), na expressão mais dinâmica do sistema penal e
penitenciário, traduz um critério prático e oportuno em obediência
aos princípios de individualização e classificação da pena e ao
caráter progressivo da execução.
Sobre o assunto, cumpre destacar os ensinamentos de
Nucci183: “como parte da individualização executória da pena, deve haver
progressão de regime, forma de incentivo à proposta estatal de reeducação e
ressocialização do sentenciado”.
Denota-se, dessa forma, que o sistema progressivo de
execução penal está de acordo com os princípios constitucionais que regem o
direito penal pátrio, notadamente no que concerne ao princípio da dignidade da
pessoa humana, da humanidade da pena e da individualização da pena.
3.5 A VEDAÇÃO AO DIREITO DE PROGRESSÃO DE REGIME CARCERÁRIO
NA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS EM FACE DA CRFB/88
3.5.1 O art. 2°, § 1º da Lei dos Crimes Hediondos
A Lei dos Crimes Hediondos, em seu art. 2º, § 1º
estabeleceu que: “A pena por crime previsto neste artigo será cumprida
integralmente em regime fechado.” Observa-se, do exposto, que o legislador
ordinário estabeleceu através da referida lei, ao contrário do que acontece com os
apenados por crime comum, que os sentenciados pela prática de crime hediondo
ou equiparado deverão cumprir toda a pena em regime fechado.
Assim sendo, seja qual for a quantidade da pena aplicada, e
ainda, seja o apenado reincidente ou não, de acordo com o que prescreve a lei,
182 DOTTI, René Ariel. Bases Alternativas para o Sistema de Penas, p. 95. 183 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, p. 269.
65
está vedada a possibilidade de progressão de regime prisional,
independentemente do comportamento apresentado pelo segregado durante o
cumprimento da reprimenda.
Leal184, ao fazer uma análise acerca do aduzido dispositivo
legal elabora inúmeras críticas, asseverando que:
Ignorou o legislador que a execução de longas penas privativas de
liberdade em regime unicamente fechado representa um castigo
insuportável e que, por isso, desmotiva o preso para quem
desaparece qualquer perspectiva, qualquer esperança de retorno
à liberdade. Rigorosamente submetido ao cumprimento de uma
longa pena neste regime, o preso se transformará num rebelde,
num amotinado e num violento destemperado, ou então num
despersonalizado e desesperançado, sem vontade própria, sem
dignidade e sem razão de viver, ou seja, no protótipo de um
autêntico hipo-humano.
Da mesma forma, Bártoli185 aduz que:
Pena longa e regime fechado são elementos contraditórios à idéia
de reinserção social e inúteis para tornar possível ao autor do
crime uma vida futura em liberdade e, por último, porque uma das
condições para preservação da identidade moral do condenado,
com positivas repercussões na disciplina carcerária está na
possibilidade de vislumbrar a liberdade.
Percebe-se, do exposto, que inúmeros doutrinadores, desde
a promulgação da LCH efetivaram diversas críticas com relação a vedação ao
direito de progressão de regime, aduzindo, em síntese, que tal proibição contraria
os objetivos da pena de reinserção social e recuperação do condenado, já que a
imposição de regime único traduz aplicação da pena unicamente como forma de
castigo.
184 LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como expressão do Direito Penal da Severidade, p. 206.
185 BÁRTOLI, Marcio. Crimes hediondos. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, São Paulo, v. 684, ano 82, p. 294-301, out. 1992. p. 299.
66
Assim sendo, ante a breve explanação denota-se que a Lei
dos Crimes Hediondos lançou no ordenamento jurídico pátrio norma que causa
grande polêmica por restringir direitos garantidos aos apenados.
3.5.2 A vedação ao direito de progressão de regime carcerário em face dos
princípios da dignidade humana e da humanização da pena
O art. 1º, inciso III da CRFB/88 consagra como fundamento
da República Federativa do Brasil o princípio da dignidade da pessoa humana, o
qual, conforme já analisado no primeiro capítulo desta pesquisa, é elevado, em
síntese:”[...] à categoria de valor fundamentador do sistema de direitos
fundamentais.”186
Assim sendo, como tal princípio garante a aplicação dos
direitos fundamentais ao ser humano, as normas de direito penal e de processo
penal devem obedecer aos limites impostos pelo referido princípio já que o
mesmo funciona como um pilar que sustenta o ordenamento jurídico brasileiro.
Cumpre destacar que do referido princípio deriva o princípio
da humanidade da pena, o qual vem previsto em diversos dispositivos
constitucionais, dentre eles os incisos III e XLVII do art. 5° da CRFB/88, sendo
que tal princípio estabelece certas limitações ao ius puniendi do Estado,
notadamente no que diz respeito a qualidade e quantidade da pena a ser aplicada
a cada indivíduo.
Nesse sentido, alguns autores consideram que o regime
único de cumprimento da pena previsto na Lei dos Crimes Hediondos fere referido
princípio e, conseqüentemente, afronta a dignidade da pessoa humana, uma vez
que enfatiza somente o caráter retributivo da pena.
Sobre o assunto, Franco187 fala que:
186 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral – arts. 1° a 120, p. 134. 187 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 144
67
Pena executada, com um único e uniforme regime prisional
significa pena desumana porque inviabiliza um tratamento
penitenciário racional e progressivo; deixa o recluso sem
esperança alguma de obter a liberdade antes do termo final do
tempo de sua condenação e, portanto, não exerce nenhuma
influência psicológica positiva no seu reinserimento social.
Percebe-se que, segundo o autor, o cumprimento da pena
em regime integralmente fechado vai de encontro ao objetivo ressocializador da
mesma, uma vez que passa a ser um castigo desumano aplicado ao condenado.
Nesse sentido, Bártoli188 aduz que:
Pena longa e regime fechado são elementos contraditórios à idéia
de reinserção social e inúteis para tornar possível ao autor do
crime uma vida futura em liberdade, e, por último, porque uma das
condições para a preservação da identidade moral do condenado,
com positivas repercussões na disciplina carcerária está na
possibilidade de vislumbrar a liberdade. Daí fixar-se um limite do
tempo de cumprimento, mesmo porque o encarceramento por
mais de quinze ou vinte anos destrói por completo o homem,
tornando-o inadequado à vida livre.
Dessa forma, denota-se que regime único de cumprimento
da pena não só é prejudicial ao apenado, por violar os princípios da dignidade da
pessoa humana e da humanidade da pena e desconsiderar as finalidades da sua
aplicação, como a própria sociedade que, cedo ou tarde terá que recepcionar um
indivíduo despreparado para o convívio social.
Sobre o assunto, Santos189 afirma que:
Ignorou o legislador, inclusive, que mais efetiva que a pena
elevada é a pena certa; mais intimidante que a sanção rigorosa é
a sanção eficaz. A pena somente quando é justa e quando é
aplicada de modo infalível e rapidamente é que pode gerar algum
efeito preventivo.
188 BÁRTOLI, Marcio. Crimes hediondos. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, p. 297. 189 SANTOS, Simone Moraes dos. A coerção penal no âmbito da Lei dos Crimes Hediondos. Jus Navigandi. Teresina, a. 8, n. 177, dez. 2003. Disponível em: <http:// www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4690>. Acesso em: 20 fev. 2006.
68
Segundo a autora, de nada adianta excessivo rigor no
cumprimento da pena se a mesma não for humana, uma vez que não atingirá
seus objetivos e contribuirá, inclusive, com a reincidência.
Em continuidade a análise do assunto em apreço, Franco190
assevera que:
A execução integral da pena, em regime fechado, de acordo com
o § 1° do art. 2° da lei 8.072/90, contraria, de imediato, ao modelo
tendente à ressocialização do delinqüente e empresta à pena um
caráter exclusivamente expiatório ou retributivo, a que não se
afeiçoam nem o princípio constitucional da humanidade da pena,
nem as finalidades a ela atribuídas pelo Código Penal (art. 59) e
pela Lei de Execução Penal (art. 1°).
E, finalizando seu raciocínio fala que:
Não poderia jamais, sem ofensa à Constituição, suprimir a própria
progressividade do sistema prisional, nem eliminar o enfoque
ressocializador ínsito na pena privativa de liberdade. Porque,
então, estaria – como, em verdade, o fez – atacando o centro vital,
a essência, o núcleo dos princípios constitucionais da
individualização e da humanidade da pena. E isso lhe era
inteiramente defeso191.
Desse modo, vislumbra-se que parte da doutrina considera
que referido dispositivo legal contraria os princípios constitucionais da dignidade
da pessoa humana e da humanidade da pena, razão pela qual falam que referido
dispositivo é inconstitucional.
Nesse sentido, o ministro Ayres Britto192, no recente
julgamento do Habeas Corpus 82959 assim se manifestou para justificar a
inconstitucionalidade do referido dispositivo:
Convém repetir: há de haver um regime jurídico de gradativo
abrandamento dos rigores da execução penal em si, como
190 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 145. 191 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 149. 192 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 82959. voto: Min. Carlos Ayres Britto. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/processo>. Acesso em: 25 fev. 2006.
69
resultante lógica da garantia constitucional de individualização da
pena. Regime tão serviente dessa garantia quanto a precedente
decisão judicial condenatória. E tudo a decolar originariamente do
proto-princípio da dignidade da pessoa humana, que já se põe
como um dos explícitos fundamentos da República Federativa do
Brasil (inciso III do art. 1° da Lei Fundamental).
Em continuidade ao seu raciocínio, assim se manifestou:
Por este ângulo de visada, então, tudo sugere ter-se por
inconstitucional um regime carcerário que não reduza o seu teor
de severidade à medida que o prisioneiro vá respondendo às
normas de disciplina interna com a melhoria do seu próprio (dele,
encarcerado) temperamento e caráter.193
No mesmo norte, o ministro Gilmar Mendes,194 ao proferir
seu voto no julgamento do Habeas Corpus 82959, citou as razões já expostas em
outras ocasiões pelo Ministro Marco Aurélio para justificar a inconstitucionalidade
do referido dispositivo legal:
Assentar-se, a esta altura, que a definição do regime e
modificações posteriores não estão compreendidas na
individualização da pena é passo demasiadamente largo,
implicando restringir garantia constitucional em detrimento de todo
um sistema e, o que é pior, a transgressão a princípios tão caros
em um estado Democrático como são os da igualdade de todos
perante a lei, o da dignidade da pessoa humana e o da atuação
do Estado sempre voltada ao bem comum.
Percebe-se, desse modo que, um dos motivos invocados
para declarar a inconstitucionalidade do § 1° do art. 2° da Lei dos Crimes
Hediondos é a violação dos princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da
Humanidade da Pena.
193 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Hábeas Corpus n. 82959. voto: Min. Carlos Ayres Britto. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/processo>. Acesso em: 25 fev. 2006.
194 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Hábeas Corpus n. 82959. voto: Min. Gilmar Mendes. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/noticias/ultima>. Acesso em: 20 ago. 2005.
70
Em sentido contrário, cumpre citar as razões expostas pelo
Ministro Celso de Mello, citadas por Gilmar Mendes195, para justificar a
constitucionalidade do dispositivo em estudo:
A norma legal em questão, no ponto em que foi impugnada,
ajusta-se a quanto prescreve o ordenamento constitucional, quer
porque os únicos limites materiais que restringem essa atuação do
legislador não foram desrespeitados (CF, art. 52, XLVII) – não se
trata de pena de morte, de pena perpétua, de pena de trabalhos
forçados, de pena de banimento ou de pena cruel – quer porque o
conteúdo da regra mencionada ajusta-se à filosofia de maior
severidade consagrada, em tema de delitos hediondos, pelo
constituinte brasileiro (CF, art. 5°, XLVIII).
Verifica-se, desse modo, que mesmo após dezesseis anos
de vigência, a Lei dos Crimes Hediondos traz inúmeras controvérsias,
notadamente no que concerne a constitucionalidade do dispositivo que veda a
possibilidade de progressão de regime prisional, controvérsias estas que se
estendem até mesmo entre os julgadores do Supremo Tribunal Federal.
3.5.3 A vedação ao direito de progressão de regime carcerário em face do
princípio da individualização da pena
A CRFB/88, também consagra no artigo destinado a conferir
os direitos e garantias fundamentais do indivíduo o princípio da individualização
da pena (art. 5°, XLVI), o qual, conforme já analisado no primeiro capítulo desta
pesquisa, determina a adaptação da pena ao condenado, considerado as suas
características individuais.
Parte da doutrina considera que a Lei dos Crimes
Hediondos, ao proibir a aplicação do sistema executivo de penas aos condenados
195 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Hábeas Corpus n. 82959. voto: Min. Gilmar Mendes. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/noticias/ultima>. Acesso em: 20 ago. 2005.
71
pela prática de crime hediondo e equiparados, contaria referido princípio da
individualização da pena, pois, segundo Leal196:
Ignorou o legislador o princípio da individualização da pena,
previsto no art. 59 do CP e consagrado no art. 52, inc. XLVI, da
CF, segundo o qual cada condenado receberá a reprimenda certa
e determinada para prevenção e repressão do seu crime, cujo
processo executório ficará também sujeito às regras do princípio
individualizador, para que a expectativa de ressocialização do
condenado (uma das funções da pena privativa de liberdade) não
fique completamente frustrada de antemão.
Comungando do mesmo raciocínio, Silva197 fala que:
[...] a exclusão ou vedação do direito à progressão de regime pela
lei ordinária supracitada fez com que se desrespeitasse um direito
individual fundamental elencado no art. 5° da Constituição
Federal, indo de encontro inclusive com os princípios de direito
criminal, ao Código Penal e a sua exposição de motivos, bem
como ao previsto na Lei de Execução Penal, que preconizam o
sistema progressivo, corolário da individualização da pena.
Percebe-se do exposto que, na opinião dos citados autores
a vedação ao sistema progressivo de execução de penas prevista na Lei dos
Crimes Hediondos é considerada inconstitucional por violar o princípio da
individualização da pena.
No mesmo norte, Penteado198 assevera que:
Viola a Carta Magna, pois esta garante a individualização da pena
(art. 5°, XLVI) que consiste em especializar, particularizar a reação
social ao comportamento vedado, e fixar regime fechado integral
significa generalização constitucionalmente proibida.
196 LEAL, João José. Crimes Hediondos: A Lei 8.072/90 como expressão do Direito Penal da Severidade, p. 203.
197 SILVA, Franciny Beatriz Abreu de Figueiredo e. Crimes hediondos: o regime prisional único e suas conseqüências práticas no sistema punitivo de Santa Catarina. Florianópolis: OAB/SC, 2003. p. 56.
198 PENTEADO, Jaques de Camargo. Pena Hedionda. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, São Paulo, v. 674, ano 80, dez. 1991. p. 286.
72
Sobre a violação a constituição por parte do legislador
ordinário, Andrade199 fala que:
O poder que o legislador ordinário tem ao seu alcance, quer lhe
seja atribuído expressamente ou implicitamente, não pode
englobar, em si, um poder de disposição. O reconhecimento desta
função do legislador não pode interpretar-se como colocando-o
numa situação de preponderância em face da Constituição: o seu
poder é vinculado, pois não lhe é possível afetar ou modificar o
conteúdo do direito fundamental, sob pena de inverter a ordem
constitucional das coisas.
Corroborando ao que foi dito, Franco200 fala que:
Destarte, lei ordinária que estabeleça pena fixamente determinada
na sua quantidade, ou que impeça a discricionariedade vinculada
do juiz na sua aplicação ou que não permita a atividade
jurisdicional concretizadora na sua execução, é lei inaceitável, do
ponto de vista constitucional.
Desse modo, extrai-se do exposto que parte da doutrina
considera que o legislador infraconstitucional extrapolou os seus limites ao criar a
regra prevista no § 1° do art. 2° da Lei dos Crimes Hediondos.
Da mesma forma, o Ministro Ayres Britto201, ao proferir seu
voto no julgamento do Habeas Corpus 82959 que julgou como inconstitucional o
dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos que veda a possibilidade de progressão
de regime aos condenados por crime hediondo ou seus equiparados, asseverou
que:
Restando claro que ela, garantia da individualização da pena, não
se esgota com a sentença de condenação de alguém a
confinamento carcerário. Quero dizer: a garantia constitucional da
individualização da pena, serviente que é do princípio também
constitucional da dignidade da pessoa humana, não limita essa
199 Apud , FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 141.
200 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: anotações sistemáticas à Lei 8.072/90, p. 141. 201 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 82959. voto: Min. Carlos Ayres Britto. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/processo>. Acesso em: 25 fev. 2006.
73
dignidade ao momento jurisdicional condenatório que atende pelo
nome de cominação. Prossegue vida afora do sentenciado para
alcançar a fase que já se define como de matéria penitenciária ou
de Direito Penitenciário, propriamente, porquanto ocorrente no
interior de um dado estabelecimento prisional do Poder Público.
Percebe-se que a violação ao princípio da individualização
da pena foi um dos motivos que levou referido ministro a declarar a
inconstitucionalidade do dispositivo legal em apreço.
No mesmo sentido, o Ministro Gilmar Mendes202 assim se
manifestou:
Não é difícil perceber que fixação in abstracto de semelhante
modelo, sem permitir que se levem em conta as particularidades
de cada indivíduo, a sua capacidade de reintegração social e os
esforços enviados com vistas à ressocialização, retira qualquer
caráter substancial da garantia da individualização da pena. Ela
passa a ser uma delegação em branco oferecida ao legislador,
que tudo poderá fazer. Se assim se entender, tem-se a completa
descaracterização de uma garantia fundamental.
Percebe-se que uma das razões que levaram os julgadores
da Suprema Corte a declarar a inconstitucionalidade do § 1° do art. 2° da Lei
8.072/90 foi a violação ao princípio da individualização da pena.
Em contrapartida, Batisti203, ao fazer um estudo acerca da
Lei dos crimes Hediondos, considera que a vedação a progressão de regime aos
condenados por tais crimes e seus equiparados não afronta a Constituição
Federal, e argumenta o seu raciocínio da seguinte maneira:
Visivelmente não há contradição na determinação de pena em
regime totalmente fechado, porque a Constituição federal somente
proibiu a pena de caráter perpétuo (art. 5°, XLII, b). Até mesmo a
limitação do tempo de 30 anos de prisão é regra de legislação
ordinária (art. 75 do CP). Da mesma forma que não é
202 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 82959. voto: Min. Gilmar Mendes. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/noticias/ultima>. Acesso em: 20 ago. 2005.
203 BATISTI, Leonir. Crimes Hediondos e Similares – Constitucionalidade e compatibilidade de tratamento diverso. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, p. 454.
74
inconstitucional determinar que as penas superiores a oito anos
tenham seu início de cumprimento em regime fechado, também
não há inconstitucionalidade em determinar o cumprimento
integral em regime fechado, em face da natureza das infrações.
Assim sendo, para referido autor, o cumprimento da pena
em regime integralmente fechado não afronta, de maneira alguma a Lei Maior. No
mesmo sentido, Gama204 fala que:
A individualização da pena, como é sabido, compreende três
fases distintas e importantes: a individualização legislativa
(cominação), judicial (aplicação) e executória (execução). Ora, de
acordo com a regra que estabelece o regime integralmente
fechado, continuam perfeitamente aplicáveis os três momentos
acima mencionados, com a ressalva tão-somente de não se
permitir a progressão prisional, que é apenas um dos aspectos
relativos à execução da pena.
De maneira semelhante, Capez205 assevera que:
Não há que se falar em ofensa ao princípio constitucional da
individualização da pena (art. 5°, XLVI), uma vez que o próprio
constituinte autorizou o legislador a conferir tratamento mais
severo aos crimes definidos como hediondos, ao tráfico ilícito de
entorpecentes e ao terrorismo, não excluindo desse maior rigor a
proibição da progressão de regime. Por outro lado, não consta em
nenhuma passagem do texto Constitucional que o legislador
inferior não possa estabelecer regras mais rigorosas para o
cumprimento da pena em delitos considerados, pelo próprio
constituinte, como de grande temibilidade social.
Do exposto percebe-se que a doutrina se divide no que
concerne a discussão acerca da violação ou não do princípio da individualização
da pena quando da proibição da progressão de regime aos condenados pela
prática por crime hediondo. Todavia, acentua-se que atualmente o STF modificou
o entendimento que corroborou por aproximadamente quinze anos e declarou
como sendo inconstitucional o § 1° do art. 2° da Lei dos Crimes Hediondos.
204 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Constituição Federal e a Lei 8.072/90: Repercussões quanto ao regime prisional. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, p. 496.
205 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, p. 345.
75
3.5.4 A lei de tortura e o princípio da isonomia
O princípio da isonomia, conforme já analisado no primeiro
capítulo dessa pesquisa, preconiza que:
[...] todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei,
em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento
jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações
arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento
desigual aos casos desiguais, na medida em que se desigualam,
é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça.206
Do aludido princípio origina-se a necessidade da lei tratar
com igualdade àqueles que se encontram em situações iguais, os desiguais
devem ser tratados de maneira diferenciada, na medida das suas desigualdades,
sem a presença de qualquer elemento discriminatório.
Nesse sentido, sabe-se que a CRFB/88, no seu art. 5°, inc.
XLIII, ao trazer para o ordenamento jurídico pátrio a expressão crime hediondo,
deixando a cargo do legislador quais crimes assim deveriam ser considerados,
equiparou os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, tortura e terrorismo – os
dois últimos, sem tipificação legal na época – ao que chamou de crime hediondo,
sendo que, nessa oportunidade colocou os tais crimes numa mesma situação, ou
seja, passaram a ser considerados de maior gravidade, e, por conseqüência,
merecedores de tratamento mais severo, sem todavia, fazer qualquer
diferenciação ao tratamento que a eles deveria ser dispensado.
Cumpre esclarecer que, com relação ao crime de tortura
previsto no art. 5°, XLIII da CRFB/88, somente no ano de 1997 é que recebeu
tipificação legal, com a promulgação da lei n. 9455207 a qual: “define os crimes de
tortura e dá outras providências”. Ocorre que, referida lei, apesar de regulamentar
crime equiparado a hediondo, disciplinou que os condenados pela prática dos
206 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 64. 207 BRASIL. Lei n.º 9.455, de 7 de abril de 1997. Define os crimes de tortura e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 de abril de 1997. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/legislacao>. Acesso em: 10 mar. 2006.
76
crimes definidos na referida lei iniciarão o cumprimento da pena em regime
fechado.
Do exposto, percebe-se que referida lei dispensou um
tratamento mais brando aos sentenciados, uma vez que estabeleceu regime
inicial fechado e não regime integralmente fechado.
Nesse sentido, parte da doutrina passou a considerar que a
lei 9.455/97 revogou tacitamente a Lei dos Crimes Hediondos no que concerne a
proibição da progressão de regime instaurando-se grande polêmica no universo
jurídico penal. Sobre a divergência doutrinária que surgiu sobre o assunto, Leal208
aduz que:
A inovação legislativa mais favorável trouxe também incerteza ou
insegurança jurídica e uma interminável polêmica, a respeito da
possibilidade da aplicação desse dispositivo mais benéfico (§ 7°
do art. 1° da Lei contra a Tortura) aos condenados pelos demais
crimes hediondos.
Alguns doutrinadores passaram a considerar que o § 1° do
art. 2° da Lei dos Crimes Hediondos foi revogado pela disposição contida na Lei
n. 9.455/97, uma vez que referida lei passou a disciplinar a mesma matéria de
forma mais benéfica aos condenados. Leal209 justifica o seu posicionamento
alegando que:
[...] com o advento da Lei contra a tortura, dois outros argumentos
de hermenêutica e de lógica jurídica podem ser alinhados para
reforçar a tese da revogação do § 1° do art. 2° da LCH. O primeiro
deles diz respeito à regra elementar que estabelece que a lei
posterior revoga tacitamente a anterior quando com esta é
incompatível.
Observa-se que, para citado autor, o simples fato de ter sido
promulgada lei posterior que disciplina matéria idêntica já vigente é o suficiente
208 LEAL, João José. Lei dos crimes hediondos ou Direito Penal da severidade: 12 anos de equívocos e casuísmos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 40, ano 10, out/dez 2002. p. 168.
209 LEAL, João José. Lei dos crimes hediondos ou Direito Penal da severidade: 12 anos de equívocos e casuísmos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, p. 170.
77
para que se revogue a lei anterior. Para tanto, o autor menciona inclusive o art. 2°
da Lei de Introdução ao Código Civil, o qual preconiza, in verbis: “A lei posterior
revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela
incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei
anterior”.
Corroborando a tese de revogação acima exposta, referido
autor210 invoca a necessidade da aplicação do princípio da isonomia – já
analisado no capítulo primeiro deste estudo – aduzindo, sobre referido princípio,
que:
É preciso dar-lhe um sentido verdadeiramente material, para
garantir a sua efetividade diante de situações jurídicas
assimétricas e evitar que um processo interpretativo, meramente
formal e assistêmico do sentido do direito contido na norma, possa
conduzir o operador jurídico a adotar soluções geradoras de
desigualdades inadmissíveis, porque contrárias ao princípio da
igualdade. É o que ocorrerá se o autor de um crime hediondo de
tortura for beneficiado com o direito à progressão de regime e os
demais autores de outros crimes também rotulados de hediondos
(alguns deles menos graves!), permanecerem proibidos de
receber tal benefício.
Com base nos argumentos acima citados, invocando de
maneira semelhante a aplicação dos princípios constitucionais às normas de
direito penal, Silva211 fala que: “A incidência da lex mitior encontra-se entronizada
em nossa Constituição Federal e, por conseqüência, deve-se aplicar a progressão
também para a Lei dos Crimes Hediondos”.
Nesse sentido, o ministro Gilmar Mendes212 ao proferir seu
voto vista no julgamento do HC 82959 assim declarou:
210 LEAL, João José. Lei dos crimes hediondos ou Direito Penal da severidade: 12 anos de equívocos e casuísmos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, p. 170.
211 SILVA, José Geraldo da; LAVORENTI, Wilson; GENOFRE, Fabiano. Leis penais especiais anotadas, 2004. p. 115.
212 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Hábeas Corpus n. 82959. voto: Min. Gilmar Mendes. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/noticias/ultima>. Acesso em: 20 ago. 2005.
78
A previsão da Lei n. 9.455/97 quanto à possibilidade de
progressão do crime de tortura (§ 7°, art. 1°) se não tem caráter
revogatório da Lei n. 8.072/90, parece indicar, também, a
desnecessidade da medida enquanto instrumento de combate à
criminalidade.
Percebe-se, desse modo, que parte da doutrina entende que
a lei de tortura revogou a Lei dos Crimes Hediondos no tocante ao cumprimento
da pena em regime integralmente fechado, primeiramente por ser lei posterior que
disciplina matéria idêntica e ainda, por obediência ao princípio constitucional da
isonomia, já analisado no primeiro capítulo dessa pesquisa.
Em contrapartida, alguns doutrinadores não corroboram do
entendimento acima exposto. Nesse sentido, Baldin213, fazendo uso dos métodos
de interpretação lógico e gramatical afirma que:
Se a interpretação lógica é aquela que visa compreender o
espírito da lei e a intenção do legislador, foi ele taxativo em definir
os crimes de tortura, com providências correlatas, delimitando a
revogação, apenas, do art. 233 da Lei 8.069/90, sem tocar na Lei
8.072/90. Já, dentro da interpretação gramatical, que se inspira no
próprio significado das palavras, denota-se, sim, uma
preocupação em se nortear, com exclusividade, o crime de tortura
e nada mais. Portanto, não foi revogado, para os crimes
hediondos, o integral cumprimento da pena no regime fechado.
No mesmo norte, Batisti214 afirma que:
Impõe-se, portanto, reiterar que é equivocado o entendimento de
que a lei 9.455/97 alterou toda a Lei 8.072/90. É simples: A Lei
8.072/90 tratou de vários crimes, enquanto a Lei 9.455/97, só da
tortura. A Lei 8.072/90 colocara o crime de tortura no mesmo
patamar dos demais crimes hediondos, mas a lei que se seguiu, a
Lei dos crimes de Tortura, descolou esses crimes daquela Lei dos
Crimes Hediondos. E isto não tornou nenhuma das leis
inconstitucional.
213 BALDIN, Antonio. A lei de tortura revogou a progressão de penas? Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, São Paulo, v. 753, ano 87, jul. 1998. p. 472.
214 BATISTI, Leonir. Crimes hediondos e similares: constitucionalidade e compatibilidade de tratamento diverso. Revista dos Tribunais: Fascículos Penais, São Paulo, v. 799, ano 91, mai. 2002. p. 450.
79
Verifica-se que para estes autores a Lei 9.455/97 disciplina
tão somente os crimes de tortura e o tratamento ali dispensado só é aplicável a
tais crimes, sem interferir nos demais crimes hediondos.
Nesse sentido, o Pretório Excelso decidiu por reiteradas
vezes que a Lei de Tortura não revogou a Lei dos Crimes Hediondos, aprovando,
inclusive, na Sessão Plenária de 24 de setembro de 2003 a Súmula 698215, que
determina que “Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade
de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura”.
Por esse motivo, a obrigatoriedade legal do cumprimento da
pena em regime integralmente fechado permaneceu para os condenados pela
prática de crime hediondo, com exceção dos apenados pelo cometimento de
tortura, sendo que, somente no presente ano, com o julgamento do Habeas
Corpus 82959 é que o Supremo Tribunal Federal adotou posicionamento diverso
para o tema, conforme já exposto no presente trabalho.
3.5.5 A recente decisão do STF sobre a inconstitucionalidade do § 1º do art.
2° da lei 8.072/90
Não obstante as argumentações utilizadas por parte da
doutrina, o Supremo Tribunal Federal, por reiteradas vezes, durante quinze anos
de vigência da Lei dos Crimes Hediondos, decidiu, que o § 1° do art. 2° do
mencionado Diploma Legal era constitucional.
Ocorre que, após quinze anos de vigência da Lei e do
posicionamento de que o § 1° do art. 2° da Lei dos Crimes Hediondos era
constitucional, o Pretório Excelso, em sua composição plenária, no dia 23 de
fevereiro de 2006, em acirrada decisão do julgamento do HC n. 82595/SP, julgou,
em sede de controle difuso de constitucionalidade, como sendo inconstitucional o
215 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n.º 698. Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura. Diário da Justiça, 9 de outubro de 2003. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/Jurisprudencia>. Acesso em: 25 de março de 2006.
80
dispositivo legal que veda a possibilidade de progressão de regime prisional aos
condenados pela prática de crime hediondo ou equiparado, invocando a
contrariedade do referido dispositivo legal aos princípios da individualização da
pena, da isonomia e da humanidade da pena.
Nesse norte, assim se pronunciou a Suprema Corte216:
EMENTA: CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME.
VEDAÇÃO. § 1° DO ARTIGO 2° DA LEI N. 8.072/90.
INCONSTITUCIONALIDADE. O Supremo Tribunal Federal, em
Sessão plenária realizada no dia 23/2/2006, declarou a
inconstitucionalidade do § 1° do artigo 2° da lei n. 8.072/90. [HC
82.959, relator o Ministro Marco Aurélio]. Ordem concedida.
Ressalta-se que seis Ministros da Suprema Corte votaram
pela inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, sendo eles: Marco Aurélio,
Carlos Brito, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Eros Grau e Sepúlveda Pertence. Em
contrapartida, votaram pela constitucionalidade da proibição da progressão
carcerária os seguintes ministros: Ellen Gracie, Joaquim Barbosa, Carlos Velloso,
Celso de Mello e Nelson Jobim.
Cumpre destacar, neste momento, que o controle de
constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal é difuso, razão pela
qual a eficácia da sua decisão é apenas para o caso concreto ali analisado,
cabendo agora, ao Senado Federal, se assim entender, suspender a execução,
no todo ou em parte do § 1° do art. 2° da Lei n. 8.072/90, em conformidade com o
disposto no art. 52, X, CRFB/88. Destaca-se também que a decisão do Supremo
Tribunal Federal não alterou o dispositivo legal em apreço, nem tampouco
revogou o mesmo, ainda que tacitamente.
Nesse sentido, deixou o STF a cargo do juiz da execução
penal decidir sobre a possibilidade ou não da progressão de regime avaliando as
216 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus. CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME. VEDAÇÃO. § 1° DO ARTIGO 2° DA LEI N. 8.072/90. INCONSTITUCIONALIDADE. Habeas Corpus n. 82959, de São Paulo, Brasília, DF. 23 de fevereiro de 2006. Rel.: Min. Marco Aurelio. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/processo>. Acesso em: 26 fev. 2006.
81
condições pessoais de cada condenado, razão pela qual cada apenado deverá
solicitar o seu direito a progressão de regime prisional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho monográfico teve como objetivo o
estudo da Progressão de Regime Prisional aos condenados por Crime Hediondo,
através do estudo inicial de alguns princípios constitucionais, da Lei dos Crimes
Hediondos e do Sistema Progressivo de Penas adotado no Brasil.
O interesse pelo tema abordado surgiu em face do estágio
realizado pela autora na 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Itajaí, onde
verificou na prática as inúmeras controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais
geradas pela Lei dos Crimes Hediondos e ainda pela grande importância e
polêmica envolta no tema em apreço, mesmo após quase dezesseis anos de
vigência da referida lei.
Com o intuito de atingir o objetivo pretendido, o presente
trabalho foi dividido em três capítulos, sendo que no primeiro deles foi realizado
um estudo acerca dos princípios constitucionais, abordando de forma sintética
alguns princípios específicos incidentes no tema central da pesquisa.
Posteriormente, no segundo capítulo, foi feita uma explanação acerca da Lei dos
Crimes Hediondos, e, por fim, no terceiro capítulo, foi feito um estudo sobre o
sistema progressivo de penas adotado no Brasil e a proibição de progressão de
regime prisional imposta pela Lei dos Crimes Hediondos em face dos princípios
constitucionais estudados no início da pesquisa.
No primeiro capítulo constatou-se que devido à importância
dos princípios gerais de direito para o ordenamento jurídico, em virtude de serem
os pilares que sustentam o universo das leis, os mesmos ingressaram nas
Constituições com força normativa, recebendo a denominação de princípios
constitucionais, oportunidade que passaram a oferecer uma maior segurança
jurídica a todos que se submetem ao sistema normativo, tendo em vista que
ocuparam o mais alto grau da escala normativa.
82
Assim sendo, conforme o que foi pesquisado percebeu-se
que o Direito Penal está ligado umbilicalmente ao Direito Constitucional,
notadamente no que concerne aos princípios constitucionais que ditam as regras
a serem observadas pelo legislador penal ordinário, funcionando, desse modo,
como forma de limitação ao ius puniendi do Estado, motivo pelo qual, a garantia
dos direitos individuais se tornaram, em regra, constantes, nas normas de direito
penal e processo penal, razão pela qual foi feito um estudo acerca de alguns
princípios constitucionais relacionados com o objeto da presente pesquisa, sendo
eles princípio da dignidade da pessoa humana, da humanidade da pena, da
individualização da pena e da isonomia.
Nesse sentido, constatou-se, em síntese, que o princípio da
dignidade da pessoa humana foi consagrada na CRFB/88 à categoria de
fundamento do Estado Democrático de Direito, sendo que através dele o ser
humano deve ser entendido como o centro e o fim do Direito, fazendo jus a um
respeito como pessoa, razão pela qual, o Estado, ao fazer uso de seu ius
puniendi em função da coletividade não pode distanciar-se da manutenção da
condição humana digna.
Percebeu-se também que do aludido princípio derivou o
princípio da humanidade da pena, também consagrado na CRFB/88, o qual
preconiza a proibição de qualquer forma de pena desumana ou cruel. Em
seguida, vislumbrou-se que a Carta Magna elevou a individualização da pena à
categoria de princípio constitucional, razão pela qual a pena a ser aplicada, deve
obedecer às etapas de individualização, levando sempre em consideração as
características pessoais de cada condenado. Por fim, verificou-se que o princípio
da isonomia preconiza a igualdade de todos perante a lei, eliminando qualquer
forma de elemento discriminatório no ordenamento jurídico brasileiro.
No segundo capítulo, verificou-se que a Constituição da
República Federativa do Brasil, em seu art. 5°, XLIII, inseriu no ordenamento
jurídico pátrio a expressão crime hediondo, e a eles equiparou alguns tipos penais
– tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e terrorismo – delegando ao legislador
ordinário a tarefa de traduzir quais crimes seriam considerados como hediondos,
83
o que foi regulamentado pela lei 8.072, de 25 de julho de 1990, a qual
estabeleceu um rol taxativo de tipos penais já existentes no ordenamento que
passaram a ser considerados como hediondos e dispensou tratamento mais
rigoroso aos mesmos.
Percebeu-se, com o pesquisado, que o legislador
estabeleceu na Lei n. 8.072/90 a insuscetibilidade de anistia, graça e indulto, bem
como a proibição de fiança e liberdade provisória; a dilação do prazo de duração
da prisão temporária para trinta dias, prorrogável por igual período; a necessidade
de fundamentação jurídica na sentença para que o condenado possa apelar em
liberdade e um aumento no prazo de cumprimento de pena para que se obtenha o
livramento condicional, sendo que tais regras devem ser observadas por aqueles
que estão sendo processados ou foram condenados pela prática de crime
hediondo ou equiparado.
Por fim, no terceiro capítulo, constatou-se que no Brasil é
adotada, dentre outras, a pena privativa de liberdade, a qual é cumprida através
do sistema progressivo de execução de pena, ou seja, através de etapas, onde o
reeducando, desde que preencha os fundamentos legais que se baseiam em
tempo de cumprimento da reprimenda e no seu mérito, passa de regime mais
rigoroso para regime mais brando.
Todavia, percebeu-se que a Lei 8.072/90, em seu art. 2°, §
1° estabeleceu que os condenados pela prática de crime hediondo e seus
equiparados devem cumprir a reprimenda imposta em regime integralmente
fechado, não fazendo jus a progressão de regime prisional, não seguindo, dessa
forma, o que dispõe o sistema progressivo de penas.
Desse modo, percebeu-se que apesar das inúmeras
divergências doutrinárias sobre o assunto, tendo em vista a alegação de que o
regime único de cumprimento da pena é inconstitucional por ferir os princípios da
dignidade da pessoa humana, humanidade da pena e individualização da pena,
durante quinze anos, o Supremo Tribunal Federal proclamou a
constitucionalidade do referido dispositivo.
84
Todavia, constatou-se que, em julgamento recente, a
Suprema Corte adotou posicionamento diferente, e passou a considerar referido
dispositivo como inconstitucional por ferir os princípios da humanidade da pena e
individualização da pena, modificando, dessa forma, entendimento pacífico que
seguiu durante quinze anos de vigência da lei, o que veio a causar grande
polêmica no ordenamento jurídico, dividindo novamente entendimentos
doutrinários e, inclusive, sociais, até mesmo pela assaz polêmica gerada pela
mídia em virtude dessa recente decisão.
Em última análise, reporta-se as duas hipóteses básicas
argüidas para a pesquisa:
� A determinação do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei n.º 8.072/90
veda a possibilidade de Progressão de Regime Prisional em se
tratando de condenado por Crime Hediondo ou a este
equiparado, sendo que durante mais de quinze anos de vigência
da lei não havia a possibilidade de progressão de regime
prisional aos condenados pela prática de tais crimes. Todavia,
atualmente, a Suprema Corte passou a adotar posicionamento
diverso concedendo a progresso de regime carcerário a
condenados por crime hediondo ou equiparado.
� O dispositivo previsto na Lei dos Crimes Hediondos que veda a
possibilidade de progressão de regime prisional, segundo o que
dispõe parte significativa da doutrina, contraria à Constituição da
República Federativa do Brasil, razão pela qual não deve ser
aplicado aos casos concretos, tendo em vista que fere os
princípios da dignidade da pessoa humana, da humanidade da
pena, da individualização da pena e da isonomia, sendo que o
Supremo Tribunal Federal, em decisão recente, declarou tal
norma como inconstitucional. Entretanto, há fortes e respeitáveis
posições doutrinárias em sentido contrário, os quais afirmam ser
constitucional a vedação ao direito de progressão de regime
prisional aos condenados pela prática de crime hediondo ou
equiparado.
Assim sendo, percebe-se que as hipóteses foram
confirmadas em parte, tendo em vista que há respeitável doutrina que se
85
manifesta no sentido de considerar a proibição de progressão de regime prisional
prevista na Lei dos Crimes Hediondos como sendo constitucional, existindo,
dessa forma, sólidos argumentos para ambos os lados – o da constitucionalidade
e o da inconstitucionalidade do referido dispositivo – ressaltando que o Supremo
Tribunal Federal, atualmente, manifestou-se no sentido da inconstitucionalidade
do § 1° do art. 2° da Lei 8.072/90, deixando a cargo do juiz competente, qual seja,
o da execução penal, decidir, a cada caso concreto, se existe a possibilidade ou
não do apenado progredir de regime prisional.
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