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A PROSTITUIÇÃO INFANTOJUVENIL NO CONTO UMA NEGRINHA ACENANDO DE DALTON TREVISAN Vilma da Silva Araujo (UEM) [email protected] Resumo Propomos aqui uma análise do conto Uma negrinha acenando de Dalton Trevisan, publicado pela primeira vez em 1983. Esse estudo propõe-se a analisar como se configura as relações da prostituta e seus clientes. Esse conto, um diálogo entre um narrador caminhoneiro e uma jovem prostituta, além disso, é um exemplo da habilidade de Dalton Trevisan em escrever um enredo simples, com uma linguagem reduzida e objetiva, porém, com uma abordagem temática que leva o leitor a refletir sobre o objeto. Trevisan joga com a aproximidade, cumplicidade com leitores que conhecem os espaços descritos em suas obras. Trevisan constantemente volta seu olhar para o feminino e as personagens prostitutas ou prostituídas. Palavras-chave: Dalton Trevisan; Uma negrinha acenando; Prostituição. Introdução A produção literária de Dalton Trevisan compreende um período histórico que se iniciou com textos divulgados em folhetos, além disso, fez parte da organização da Revista modernista Joaquim, cujo primeiro número foi lançado em 1946 e publicou diversos textos. Em 1959 lançou seu primeiro livro, Novelas nada exemplares. Hoje, o escritor conta com uma extensa produção literária, utilizando-se de uma linguagem curta e objetiva, que se inova e renova a cada novo trabalho. O conto escolhido para análise Uma negrinha acenando, publicado pela primeira vez em 1983, aparece em novas obras do autor: Em Busca de Curitiba Perdida (1992), O grande deflorador (2000) e 33 contos escolhidos (2005).

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A PROSTITUIÇÃO INFANTOJUVENIL NO CONTO UMA NEGRINHA

ACENANDO DE DALTON TREVISAN

Vilma da Silva Araujo (UEM)

[email protected]

Resumo Propomos aqui uma análise do conto Uma negrinha acenando de Dalton Trevisan, publicado pela primeira vez em 1983. Esse estudo propõe-se a analisar como se configura as relações da prostituta e seus clientes. Esse conto, um diálogo entre um narrador caminhoneiro e uma jovem prostituta, além disso, é um exemplo da habilidade de Dalton Trevisan em escrever um enredo simples, com uma linguagem reduzida e objetiva, porém, com uma abordagem temática que leva o leitor a refletir sobre o objeto. Trevisan joga com a aproximidade, cumplicidade com leitores que conhecem os espaços descritos em suas obras. Trevisan constantemente volta seu olhar para o feminino e as personagens prostitutas ou prostituídas.

Palavras-chave: Dalton Trevisan; Uma negrinha acenando; Prostituição. Introdução

A produção literária de Dalton Trevisan compreende um período histórico que se

iniciou com textos divulgados em folhetos, além disso, fez parte da organização da Revista

modernista Joaquim, cujo primeiro número foi lançado em 1946 e publicou diversos textos.

Em 1959 lançou seu primeiro livro, Novelas nada exemplares. Hoje, o escritor conta com

uma extensa produção literária, utilizando-se de uma linguagem curta e objetiva, que se inova

e renova a cada novo trabalho. O conto escolhido para análise Uma negrinha acenando,

publicado pela primeira vez em 1983, aparece em novas obras do autor: Em Busca de

Curitiba Perdida (1992), O grande deflorador (2000) e 33 contos escolhidos (2005).

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Dalton Trevisan, em suas mais recentes publicações, mostra que ele não perdeu

nenhuma das qualidades de seu vampiro. A linguagem de gíria utilizada para descrever o

universo dos marginalizados é a prova de que o autor está em contato com o seu tempo, agora,

como era no passado mais distante.

Desenvolvimento As narrativas de Dalton Trevisan trata do ser humano, da essência, da marginalização

e da violência que envolve as personagens excluídas, são alguns elementos realistas que

compõem a obra do escritor. Personagens que vivem à margem e são protagonistas de suas

histórias. “Seis e meia da tarde, na estrada.” (TREVISAN. 2004, p. 68), frase que dá o início à

narrativa daltoniana. “Uma negrinha acenando”, esse conto curto traz uma garota que não

responde civilmente pelos seus atos, de acordo com Berta Waldman “A obra de Dalton

Trevisan [...] O leitor a reconhece pelo estilo econômico, pela matéria tratada, pela forma

como o autor conduz seu objeto. A obra como um todo tem na mira o mundo e as pessoas que

o habitam [...].” A adolescente começou a se prostituir por intermédio de uma outra mulher,

“uma ruiva me trouxe” (TREVISAN, 2004, p. 68), essa mulher “ruiva”, alicia e exploram a

personagem iniciante. O conto é um diálogo entre um caminhoneiro e uma menina que

“ganha” a vida se prostituindo nas estradas “ – quem foi o primeiro? – meu noivo. Queria

saber se era moça” (TREVISAN, 2004, p. 68). A menina se depara com uma gravidez não

programada, e de forma ingênua engravidou do namorado, “- Há muitas como você? – Uma

em cada curva. - Não engravidam? – Lá são bobas feito eu” (TREVISAN, 2004, p. 70), e é a

adolescente que sustenta o filho sem a ajuda do pai da criança, e busca no sexo uma forma de

sustentar o menor. “– tive um menino. Quase um aninho. Chuva ou sem chuva, são dois

pacotes de leite por dia” (TREVISAN, 2004, p. 69). A menina é empurrada à margem, ela é

excluída. Sem emprego e sem estudo encontra na prostituição o seu sustento e o do filho.

Uma personagem que sofre a opressão e o distanciamento, a sujeita se sente estranha, como se

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fosse uma estrangeira na sua cidade. A personagem está sujeita a todo tipo de crueldade, ou

seja, está exposta às violências.

“– esses dentes. O que aconteceu? Tão novinha.

– Doía o do meio. Bem aqui na frente.

_ Quem te atendeu?

_ O dentista do governo.

_ Por que ele tirou os outros?

_ Eu disse: ‘Dói tudo.’ E ele: já viu debulhar milho? Daí

arrancou os quatro.” ( TREVISAN, 2004, p. 70).

Trevisan utiliza a velocidade do diálogo, o que dá uma dinamicidade ao conto.

Podemos inferir que a perda dos dentes de forma prematura está diretamente relacionada ao

péssimo sistema público de saúde. Sendo assim, o profissional contratado pelo governo para

atender a população preferiu a retirada dos dentes (bons e ruins) a um tratamento no qual a

garota pudesse continuar com os dentes tratados e saudáveis. A falta dos dentes é a realidade

nua e crua da forma decadente e miserável que a adolescente vive. Dalton Trevisan não dá um

final feliz à mocinha, pois não existe esse mundo colorido e fantástico de “felizes para

sempre”, é um mundo de decadência, miséria, um mundo que rebaixa o ser humano a

categoria “bicho”. “você almoça?/ - Eu, hein!” (TREVISAN, 2004, p. 69).

O narrador na figura do caminhoneiro dá apenas uma carona à menina, não usa seus

serviços sexuais. As pobres meninas se multiplicam, como seres insignificantes para a

sociedade, “– há muitas como você? – uma em cada curva. Muita menina. De treze e catorze

anos” (TREVISAN, 2004, p. 70). A menina que buscava o amor, simplesmente serviu de

objeto sexual, primeiramente, ao namorado.

Em “Uma negrinha acenando”, o autor faz uma crítica e uma denúncia da prostituição

infanto-juvenil. Dalton Trevisan em sua obra trata os problemas urbanos que persistem na

cidade, seja de vadiagem, de prostituição, de vícios, entre outros, abordando temas que

envolvem histórias cotidianas de seres marginalizados e excluídos, que vivem do subemprego,

como a adolescente que se prostitui nas estradas. A prostituição constitui um elemento realista

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na literatura urbana. Na aparente simplicidade do conto, com perguntas e respostas curtas o

autor invade o interior da personagem e mostra ao leitor de forma simples e objetiva a

realidade da menina.

De acordo com Waldman (2009) “Esses discursos deslocados do real para a ficção

compõem com breves pinceladas uma espécie de quadro vivo concentrado no essencial, sem

alçapões ilusionistas nem jogos de luz enganadores" (Waldman, 2009, s/n).

A miséria da adolescente carrega-a para a prostituição. O dinheiro recebido pela

“paquera” é pouco, segundo a garota questionada pelo caminhoneiro, cobra “meia nota” pelo

ato sexual. Ela diz que faz isso nos dias de sol, que quando chove ou está muito frio “cato

graveto e acendo foguinho debaixo da ponte” (TREVISAN, 2004, p. 69). Para Gruber (2007)

O conto mostra que não há lugar para uma mulher negra, pobre e banguela na estrutura social.

Para essa garota resta apenas o submundo da prostituição nas estradas, cristalizando uma

imagem preconceituosa, que relaciona a mulher negra à miséria, à pobreza e à depravação.

A rodovia é o local onde a “negrinha” e tantas outras meninas são despejadas e têm uma

aliciadora que as controla, segundo relato da personagem: “uma em cada curva. Muita

menina. De treze e catorze anos” (TREVISAN, 2004, p. 70). São meninas menores de idade,

que estão trocando a infância e a adolescência por programas sexuais nas cabines de

caminhões e no próprio mato. A prostituição de menores encontra um campo fértil na pobreza

e na falta de oportunidades às crianças e aos adolescentes, essa realidade coloca parte desses

caminhoneiros como protagonista da exploração sexual, “[...] daí ficamos pedindo carona. De

repente um pára” (TREVISAN, 2004, p.69).

De acordo com Gruber (2007) a negrinha é considerada prostituta de rodovia, ou seja,

“pisteira”, “onde houver uma rodovia, haverá uma delas, mudam-se os lugares, mas as

histórias se repetem” (GRUBER, 2007, p. 108).

Considerações finais

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Uma luta incessante pela sobrevivência da personagem marginalizada, que vive à

margem de uma sociedade que faz vista grossa a miséria e a prostituição infantojuvenil. A

protagonista do conto “Uma negrinha acenando” é uma adolescente prostituída, que não é

identificada com nome, entretanto, é uma maneira de ilustrar a indiferença da condição da

personagem e o vazio de sua existência, pois ela é só mais uma que se prostitui para

sobreviver. Dalton Trevisan usa um enxugamento dos elementos textuais e o conto apresenta

um enredo mínimo, curto e simples e também, as duas personagens do conto, a menina e o

caminhoneiro utilizam poucas palavras no diálogo, seres pequenos e insignificantes diante de

uma sociedade esmagadora. A menina é apenas mais uma, que se prostitui e a sociedade a

exclui, com isso, percebe-se a miserabilidade e crueldade que existem em uma sociedade.

Uma garota com poucas informações sobre seus direitos, que fala e pensa restritamente.

Sendo assim, poucas palavras, porém, significações múltiplas e cabe ao leitor preencher os

vazios.

Referências GRUBER, Cláudia. De Dinorá às mocinhas do passeio: as guerras conjugais no universo boêmio de Dalton Trevisan. 2007. 135 f. Dissertação (Mestrado em Letras)–Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2007. TREVISAN, Dalton. Em busca de Curitiba perdida. Rio de Janeiro: Record, 2004. WALDMAN, Berta. Do vampiro ao cafajeste: uma leitura da obra de Dalton Trevisan. 2º edição. São Paulo: Editora Unicamp, 1989. _______________ (2009). Faca no coração: uma leitura da obra de Dalton Trevisan. Minas Gerais: Suplemento Literário, v. 1321, p. 5-7. .