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CAPÍTULO VIII A PRÁTICA DO JEJUM NA ERA APOSTÓLICA Muito embora e inexistência de uma doutrina sobre o jejum, ensinada ou praticada por Jesus, seja o sufi- ciente para entendermos que o jejum não é doutrina e nem prática evangélica, mas como encontramos nas pági- nas do Novo Testamento o registro de algumas práticas de jejum, relacionadas com os apóstolos ou com as igrejas primitivas, não podemos deixar o fato sem uma atenção especial, para que não perdure alguma dúvida sobre o assunto. Dessa forma, vamos procurar, neste capítulo, tratar de todos os casos encontrados nesse período da his- tória do cristianismo. Os principais textos, e quase que todos, relacionados com a prática do jejum na era apostólica, encontramos em At. 10:30; 13:1-3; e 14:23. Depois temos mais dois casos, cjue são II Cor. 6:5 e 11:27. E nada mais encontra- mos ate o Apocalipse. Vamos considerar cada um desses casos, seguinto a sua ordem de importância em nossa apresentação: 1. O Jejum na Igreja de Antioquia (Atos 13:1-3) Dos casos que temos a considerar sobre a prática do jejum nesse período, esse é realmente o de maior impor- tância para aqueles que defendem o jejum como prática cristã. "E na Igreja que estava em Antioquia havia alguns profetas e doutores, a saber: Barnabé e Simão, chamado Níger, e Lúcio cirineu, e Manaém, que fora criado com Herodes o tetrarcâ, e Saulo. E, servindo eles ao Senhor, e jejuando, disse o Espírito Santo: Apartai-me a Barnabé e Saulo para a obra que os tenho chamado. Então,'jejuanTlo e orando, e pondo sobre eles as mãos os despediram". Apesar de parecer um texto importante em defesa da doutrina do jejum no Novo Testamento, não o considera- mos como tendo autoridade para isso, analizando-se à luz do seu contexto histórico. O fato aconteceu dentro daquele período, de que falamos anteriormente, caracterizado por instabilidades e dúvidas doutrinárias. E um fator importantíssimo a obser- varmos no caso presente, é que o mesmo se deu na Igreja de Antioquia. Sim, naquela Igreja onde estavam aconte- cendo problemas de caráter doutrinário (At. 15:1-29), em que os doutores, alguns dos quais vindos do judaísmo, estavam querendo fazer uma miscigenação religiosa (At. 15:1-2 e Gál. 2:11-14). Em Atos 13:1, Barnabé aparece como o primeiro da lista de doutores e profetas existentes em Antioquia, e não deixa de ser sintomático que Paulo o tenha citado em Gál. 2:13 como um dos que se deixou levar pelas dissimulações dos judeus. E fato importante a considerátmos, no caso, é que a prática do jejum aconte- ceu, segundo os registros em Atos, antes da grande reu- nião em Jerusalém, quando os problemas doutrinários da Igreja cristã de Antioquia foram debatidos e solucionados (At. 15:1-35). Pelos fatos discutidos acima, reafirmamos que a prá- tica do jejum na Igreja de Antioquia, no início da história cristã, não autoridade alguma para defendermos a doutrina como prática cristã. A Igreja de Antioquia era realmente uma boa Igreja, muito espiritual e grande- mente missionária. O ímpeto missionário daquela Igreja deu-lhe o privilégio de ser a primeira a receber o nome de "cristã". Mas tudo isso não a imunizou de ser atacada por doutrinas estranhas aos ensinos de Cristo. Não estamos, - 52 -

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CAPÍTULO VIII

A PRÁTICA DO JEJUM NA ERA APOSTÓLICA

Muito embora e inexistência de uma doutrina sobre o jejum, ensinada ou prat icada por Jesus, seja o sufi­ciente para entendermos que o jejum não é doutrina e nem prática evangélica, mas como encontramos nas pági­nas do Novo Testamento o registro de algumas práticas de jejum, relacionadas com os apóstolos ou com as igrejas primitivas, não podemos deixar o fato sem uma atenção especial, para que não perdure alguma dúvida sobre o assunto. Dessa forma, vamos procurar, neste capítulo, tratar de todos os casos encontrados nesse período da his­tória do cristianismo.

Os principais textos, e quase que todos, relacionados com a prática do jejum na era apostólica, encontramos em At. 10:30; 13:1-3; e 14:23. Depois temos mais dois casos, cjue são II Cor. 6:5 e 11:27. E nada mais encontra­mos ate o Apocalipse. Vamos considerar cada um desses casos, seguinto a sua ordem de importância em nossa apresentação:

1. O Jejum na Igreja de Antioquia (Atos 13:1-3) Dos casos que temos a considerar sobre a prática do jejum nesse período, esse é realmente o de maior impor­tância para aqueles que defendem o jejum como prática cristã.

"E na Igreja que estava em Antioquia havia alguns profetas e doutores, a saber: Barnabé e

Simão, chamado Níger, e Lúcio cirineu, e Manaém, que fora criado com Herodes o tetrarcâ, e Saulo.

E, servindo eles ao Senhor, e jejuando, disse o Espírito Santo: Apartai-me a Barnabé e Saulo para a obra que os tenho chamado.

Então,'jejuanTlo e orando, e pondo sobre eles as mãos os despediram".

Apesar de parecer um texto importante em defesa da doutrina do jejum no Novo Testamento, não o considera­mos como tendo autoridade para isso, analizando-se à luz do seu contexto histórico.

O fato aconteceu dentro daquele período, de que falamos anteriormente, caracterizado por instabilidades e dúvidas doutrinárias. E um fator importantíssimo a obser­varmos no caso presente, é que o mesmo se deu na Igreja de Antioquia. Sim, naquela Igreja onde estavam aconte­cendo problemas de caráter doutrinário (At. 15:1-29), em que os doutores, alguns dos quais vindos do judaísmo, estavam querendo fazer uma miscigenação religiosa (At. 15:1-2 e Gál. 2:11-14). Em Atos 13:1, Barnabé aparece como o primeiro da lista de doutores e profetas existentes em Antioquia, e não deixa de ser sintomático que Paulo o tenha citado em Gál. 2:13 como um dos que se deixou levar pelas dissimulações dos judeus. E fato importante a considerátmos, no caso, é que a prática do jejum aconte­ceu, segundo os registros em Atos, antes da grande reu­nião em Jerusalém, quando os problemas doutrinários da Igreja cristã de Antioquia foram debatidos e solucionados (At. 15:1-35).

Pelos fatos discutidos acima, reafirmamos que a prá­tica do jejum na Igreja de Antioquia, no início da história cristã, não dá autoridade alguma para defendermos a doutrina como prática cristã. A Igreja de Antioquia era realmente uma boa Igreja, muito espiritual e grande­mente missionária. O ímpeto missionário daquela Igreja deu-lhe o privilégio de ser a primeira a receber o nome de "cristã". Mas tudo isso não a imunizou de ser atacada por doutrinas estranhas aos ensinos de Cristo. Não estamos,

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dessa forma, condenando a Igreja de Antioquia por ter sido atacada por outros ventos doutrinários estranho às doutrinas cristãs, mas sim, argumentando que ela não serve de base para fundamentarmos um ponto doutrinário sobre a prática do jejum como doutrina evangélica.

2. O Jejum de Cornélio (At. 10:30) Seguindo a ordem de importância, temos a conside­

rar o jejum de Cornélio, o centurião romano. O texto em apreço registra o seguinte:

"E disse Cornélio: Há quatro dias estava eu em jejum até esta hora, orando em minha casa à hora nona".

Em primeiro lugar o texto não deixa claro que Cor­nélio estivesse praticando um rito religioso. Poderia ter sido um jejum circunstancial em virtude do tempo que ele dedicou à Oração. Podemos comparar com At. 10:2, que nada registra sobre o jejum, bem como com a mensa­gem do anjo dirigida a Cornélio, na qual ele diz: "As tuas orações e as tuas esmolas têm subido para memória diante de Deus" (At. 10:4), nada havendo, também, sobre o jejum. Evidenciamos assim que o fator principal no caso era a Oração e não o jejum. Todavia, supondo-se que realmente se tratava de um jejum com objetivo religioso, voluntário, sacrificial, em nada altera a doutrina neotesta-mentária. Cornélio não conhecia a Cristo, portanto não era cristão, não sendo, conseqiientemente, convertido. Por conseguinte, não conhecia as doutrinas evangélicas. O conhecimento que ele tinha de Deus, a ponto de O temer, por certo recebeu dos judeus. Assim sendo, o que Cornélio conhecia sobre Deus e práticas religiosas refe-ria-se aos ensinos do Velho Testamento, daí, a prática do jejum. Por outro lado, a sua sinceridade, o seu temor a Deus e o seu desejo de servir ao Deus verdadeiro, deu-lhe a bênção de encontrar a salvação em Jesus Cristo (At. 10:1-48).

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3. Os jejuns pelos anciãos (At. 14:23) Este caso amolda-se dentro do que iá discutimos e

explicamos no item número um deste capitulo, porquan to se deu naquela fase inicial da igreja primitiva, antes da grande reunião de Jerusalém, registrada no capítulo quinze de Atos. Por esse motivo, vamos dispensar qual­quer outro comentário sobre esse texto.

4. Os Jejuns de Paulo (II Cor. 6:5 - 11:27) Finalmente, temos mais dois casos, que podem ser

enquadrados em um, dada a sua similaridade, registrados nos textos acima mencionados, que tratam de jejuns do apóstolo Paulo, conforme transcrição abaixo:

" .. . . nos açoites, nas prisões, nos tumultos, nas vigílias, nos je juns" (II Cor. 6.5).

" E m trabalhos e fadigas, em vigílias muitas vezes, em fome e sede, em jejuns muitas vezes, em frio e nudez" (II Cor. 11:27).

Em ambos os textos encontramos, não há dúvida, a palavra "jejum", dando a entender , numa leitura superfi­cial, que Paulo estaria ci tando momentos de sua vida devocionaí, isto é, a prática cerimonial do jejum. Mas, para um leitor mais atencioso, relacionando o te rmo "je­jum" com o seu contexto lógico, não haverá dificuldade para entender que o apóstolo Paulo não está tra tando e nem falando de exercícios cerimoniais ou devocionais, mas sim de lutas, problemas, dificuldades e perseguições decorrentes do seu ministério na causa do Evangelho. Isto é, os jejuns de que Paulo se refere nos textos citados eram motivados pela falta de alimento ou oportunidade para comer, ante os percalços das lides do Evangelho. Eram jejuns involuntários, circunstanciais. Observem, por con­seguinte, que em ambos os textos a palavra " jejuns" vem relacionada com prisões, tumultos, vigílias, fadigas, sede, frio, nudez. Em um dos textos aparece a palavra " f o m e " e

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depois a palavra "jejum", parecendo que uma coisa se refere à falta de comida e a outra à prática religiosa. Mas ambas as palavras se referem ao mesmo fato, sendo que a pessoa pode estar com fome sem.estar em jejum., e vice--versa. Paulo quis deixar claro que ele sofreu a falta de comida e a dor da fome na sua abnegação pela causa santa do Evangelho. E não nos será difícil lembrar de alguns desses jejuns de Paulo: Um deles, por certo, foi em Filipos, quando ficou preso juntamente com Silas até o outro dia, quando então foi alimentar-se na casa do carce­reiro (At. 16:22-34). Uma outra vez, foi na sua viagem para Roma, quando do naufrágio do navio em que esta­va viajando (At. 27:33). Em I Cor. 4:11, encontramos a seguinte narração: "Até esta presente hora sofremos fome, e sede, e estamos nús, e recebemos bofetadas, e não temos pousada cer ta" . Em Filip. 4:12, esta outra decla­ração: "Sei estar abatido, e sei também ter abundância: em toda maneira e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome, tanto a ter abundân­cia, como a padecer necessidade". Diante dessa decla­ração, não resta dúvida de que Paulo t rabahou e orou muitas vezes em jejum, e grandes jejuns! Porém, jejuns ocasionais, involuntários, circunstanciais e não cerimo­niais, como querem alguns.

Antes de encerrarmos este capítulo, queremos frisar que em At. 27:9 encontramos uma referência ao "dia do jejum", o qual não discutimos em nosso estudo pelo fato do mesmo não objetivar propriamente a cerimónia, mas sim a época, que era caracterizada por fortes tempesta­des, tornando a navegação perigosa (At. 27:9-10). Tam­bém não tratamos dos jejuns de Ana (Luc. 2:36-38), por se tratar, como todos sabem, de uma judia, da tribo_de Aser, que esperava pelo Messias. Piedosa, sim, mas não-cristã. Era fervorosa na prática da sua religião, segundo o Velho Testamento. Bem como, deixamos de lado os jejuns do fariseu da parábola de Jesus, registrado em Luc. 18:12, .que, por razões óbvias, dispensa comentários.

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Com esses fatos apresentados e discutidos neste capí­tulo, encerramos as nossas buscas sobre a doutr ina e pra tica do jejum na era apostólica, e, portanto, no Novo Tes­tamento. Mas ainda queremos chamar a a tenção dos lei­tores para o qúè frisamos anter iormente sobre as fases em que devemos dividir o Novo Testamento a fim de estu­darmos com acerto as doutrinas cristãs. Naquela oportu­nidade, falamos de que houve uma fase na história das igrejas primitivas caracterizada por uma certa instabili­dade doutrinária, vindo, depois, a estabilidade e firmeza nas doutrinas cristãs. À luz desse fato, observem, agora, que a partir do capítulo quinze de Atos dos Apóstolos até o Apocalipse, nada mais encontramos sobre a prática reli­giosa do jejum nas igrejas cristãs. Os escritores espitola-res, como Paulo, Pedro, Tiago, João e os demais, cujas cartas tinham como objetivo principal doutrinar e instruir os crentes nos preceitos da vida cristã, nas doutrinas evangélicas, nada escreveram sobre a matéria. Sabemos que foram bastante criteriosos e cuidadosos na defesa e exposição dos ensinos neotestamentários, por isso não podemos conceber que se tivessem esquecido da dou­trina do jejum, ou relegado a um plano secundário, fosse ela uma prática cristã. Pelo contrário, de Paulo encontramos as seguintes afirmações:

"Porque o reino de Deus não é comida e nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo" (Rom. 14:17).

"Por tan to ninguém vos julgue pelo comer ou pelo beber ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova ou dos sábados, que são sombras das coi­sas futuras, mas o corpo é de Cris to" (Col. 2:16-17).

"Porque o exercício corporal para pouco apro­veita, mas a piedade para tudo é proveitosa , t endo a promessa da vida presente e da que há de vir" (I Tim. 4:8).

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Para complementar , observem mais os seguintes dados numéricos: Encontramos no Velho Testamento mais de trinta citações relacionadas com a prática do jejum. No Novo Testamento, naquela parte da história que amda está sob a dispensação da lei, até a morte de Jesus, encontramos ainda doze citações e suas referên­cias. Em Atos dos Apóstolos, até o capítulo catorze, ape­nas três casos são registrados. Do capítulo quinze de Atos até o final do Apocalipse, como já frisamos acima, não existe mais qualquer citação ou referência relacionada com a prática religiosa do jejum. Isso não é sintomático? Isso não depõe contra a prática do jejum como preceito cristão? Achamos que sim.

Portanto, a falta de um mandamento ou instruções neotestamentários sobre a prática do jejum; a inexistência dessa prática nas igrejas primitivas; em resumo, o silêncio do Novo Testamento sobre a doutrina e prática do jejum, como preceito cristão, deve ser prova cabal e incontestá­vel de que essa cerimónia religiosa do Velho Testamento não formava, e logicamente não forma, como doutrina e prática evangélica, confirniándo, assim, o que afirmamos na primeira parte deste livro, quando estudamos sobre a vigência do jejum: O jejum também foi abolido pelo sacrifício completo de Jesus, juntamente com todo o ceri­monial de sacrifícios da antiga dispensação.

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CAPÍTULO IX

O JEJUM CRISTÃO Trataremos neste capítulo, para encerrarmos o nosso

estudo sobre o jejum no Novo Testamento, daquilo que entendemos ser o jejum para o crente em Jesus Cristo, segundo os próprios ensinamentos bíblicos. Nós que não estamos mais embaixo da lei do pecado e da morte e sim da lei do espírito de vida em Cristo Jesus (Rom. 8:2), preci­samos aprender a servir ao nosso Deus em "novidade de espírito, e não na velhice da le t ra" (Rom. 7:6).

1. Exercícios Espirituais Os preceitos cristãos, dentro da dispensação da

Graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o Novo Tes tamento , resumem-se mais em exercícios espirituais do que mate­riais ou físicos.

Quando a mulher samaritana mostrou-se um tanto preocupada sobre o lugar certo para se adorar a Deus, Jesus Cristo asseverou-lhe o seguinte:

"Mas a hora vem, e agora é, em que os verda­deiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem.

Deus é Espírito e importa que os que o adoram o adorem em espirito e em verdade" (João 4:23-24).

A Nicodemos, que praticava uma religião superficial, baseada em cerimónias corporais, e que não tinha enten­dido o ensinamento de Jesus sobre a salvação, o Mestre declarou enfaticamente:

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"O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do espírito é espírito" (João 3;6). Paulo, escrevendo ao seu filho na fé, Timóteo, afirmou-lhe;

"Porque o exercício corpora! para pouco aproveita, mas a piedade para tudo é proveitosa, tendo a promessa da vida presente e da que há de vir" (1 Tim. 4:8).

À Marta, que estava preocupada em servir a Jesus com coisas materiais, o Senhor exortou:

"Mar ta , Marta , estás ansiosa e afadigada com muitas coisas. Mas uma só é necessária; e Maria escolheu a boa parte , a qual não lhe será t i rada" (Luc. 10:41-42).

Aos fariseus, que estavam criticando os discípulos de Jesus porque não respeitavam preceitos da lei, Jesus res­pondeu:

"Mas , se vós soubésseis o que significa: Mise-ricórida quero, e não sacrifícios, não condenaríeis os inocentes" (Mat. 12:7).

Essas são algumas das muitas passagens que atestam de maneira inconfundível o teor espiritual das doutrinas cristãs. Na antiga dispensação, quando o povo ainda não

possuía um melhor conhecimento de Deus e nem do ver­dadeiro sentido da vida espiritual, o Senhor precisou usar muito de Tiguras, de coisas e fatos materiais, para de maneira simples e útil levar o povo ao verdadeiro conhe­cimento da verdade. O povo, no início da revelação de Deus, era como uma criança, dependendo quase que exclusivamente daquilo que fosse palpável, que pudesse ver com os olhos, ouvir com os ouvidos, sentir mais na carne do que no espírito. O próprio Deus se refere a esse tempo, chamando o seu povo de menino: "Quando Israel

era menino, eu o amei; e do Egito chamei a meu filho". (Oséias 11:1). Porém, Deus foi se revelando mais e mais, até a sua revelação completa e perfeita em Jesus Cristo, e, por conseguinte,, através da revelação de Deus e da sua vontade o crente adquire também o perfeito conhecimento do real sentido da vida espiritual, passando a viver, então, firmado naquilo que é espiritual. Foi isso que Paulo ensi­nou, quando disse:

" M a s , quando vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado.

Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coi­sas de menino" ( I Cor. 13:10-11).

No cerimonial cristão, destacamos duas cerimónias (ordenanças), as quais foram instituídas por Jesus Cristo: O batismo e a Ceia. Ambas de significados estri tamente simbólicos: O batismo, simbolizando, com a sua forma de imersão e emersão, a salvação do crente, na sua morte para o pecado e vida nova em Cristo Jesus. A ceia, com os seus elementos, pão e vinho, simbolizando o sacrifício eterno e todo suficiente de Jesus Cristo, na sua morte expiatória na cruz do calvário. Como já dissemos, são cerimónias pura e simplesmente simbólicas, sem qualquer valor expiatório.

2. Requisitos do Jejum Cristão Considerando-se o jejum cristão, que é o objetivo

deste capítulo, vamos tomar por base o que o Senhor prescreveu a esse respeito pelo ministério do profeta saías:

"Seria este o jejum que eu escolheria: que o homem um dia aflija a sua alma, que incline a sua cabeça como o junco, e estenda debaixo de si saco e cinza? Chamarias tu a isto de jejum e dia aprazí­vel ao Senhor?

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Porventura não é este o jejum que escolhi? Que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo? e deixes livres os quebranta­dos, e despedaces todo o jugo?

Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desterrados? vendo o nú o cubras, e não te escondas da tua carne?

Então romperá a tua luz como a alva, e a tua cura apressadamente brotará, e a tua justiça irá adiante da tua face, e a glória do Senhor será a tua retaguarda.

Então clamarás e o Senhor te responderá; gritarás, e Ele dirá; Eis-me aqui; se tirares do meio de ti o jugo, o estender do dedo, e o falar vaidade;

E se abrires a tua alma ao faminto,e fartares a alma aflita; então a luz nascerá nas t revas, e a tua escuridão será como ao meio-dia" (Is. 58:5-10).

Pode parecer um paradoxo o fato de estarmos usando um texto do Velho Testamento para fundamentar o estudo do jejum cristão, um jejum para o Novo Testa­mento, para a dispensação da Graça. Mas realmente esta­mos certos. O profeta Isaías, apesar de ter vivido e profe­tizado dentro do período do Velho Testamento, ha mais de setecentos anos antes da vinda de Jesus Cristo, pre­disse, por inspiração de Deus, fatos relacionados com o Novo Testamento, com a dispensação da Graça. Ele pode muito bem ser considerado como o profeta da Graça de nosso Senhor Jesus Cristo. Se não, observem os seguintes fatos:

No capítulo sete, está registrado o anúncio do nasci­mento de Jesus. No capítulo nove, o seu nascimento. No capítulo cinquenta e três, está registrado com muita pre­cisão o seu sofrimento e morte expiatória. E finalmente, no capítulo cinquenta e cinco está a grande proclamação

da dispensação da Graça, com a mensagem salvadora de Jesus Cristo dirigida a todos, universalmente:

" O vinde, todos os que tendes sede, vinde às águas, e -os quí não tendes dinheiro, vinde com­prai, e comei, sim vinde e comprai , sem dinheiro e sem preço, vinho e lei te" (Is. 55:1).

Portanto, diante dos fatos acima, o jejum apresen­tado no capítulo cinquenta e oito está em plena dispen­sação da Graça. Diríamos, é o jejum do Novo Testa­mento, o jejum cristão, o jejum que deve ser praticado constantemente pelo crente.

Pelo texto em apreço, verificamos, inicialmente, que o jejum cristão é, fundamentalmente diferente do jejum judaico, ou da antiga dispensação. Enquanto este era um preceito cerimonial para expiação de pecados, o jejum cristão é um preceito de vivência espiritual para aqueles cujos pecados já estão perdoados pelo sangue do sacrifí­cio expiatório de Jesus Cristo. Isto é, na dispensação da Graça não se faz sacrifícios pelos pecados, mas sim obser-va-se um sistema de vida nova em Cristo que se resume em dois grandes mandamentos cristãos: " A m a r a Deus sobre todas as coisas, e ao próximo como a ti mes­m o " (Mat. 22:37-39). Destes dois mandamentos , disse Jesus, depende toda a lei e os profetas (Mat. 22:40).

Isso quer dizer que o jejum cristão caracteriza-se, não pela abstinência de alimento para o corpo físico, mas sim pela abstinência de alimento para o "velho homem" . Observem no texto de Isaías acima citado e transcrito, nos versículos seis e nove, as seguintes expressões: "Liga­duras de impiedade", "a taduras do jugo" , "es tender do dedo" , "falar vaidades". São manifestações pecaminosas que caracterizam o velho homem e se apresentam não pelo fato de estarmos fisicamente alimentados ou não, mas pelo estado de vida a tuante do "velho h o m e m " , que é al imentado pelas nossas concupiscências. Afirma Tiago: "Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela

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sua própria concupiscência" (Tiago 1:14). Assim, o jejum cristão é um esforço espiritual, em nossa vivência de amor a Deus, no sentido de soltar as ligaduras da impiedade, desfazer as ataduras do jugo, deixar de falar vaidades e outras manifestações pecaminosas que tentam aniquilar a vida espiritual do crente.

Logo, o jejum cristão é essa nossa atuação espiritual, promovendo a nossa santificação através de uma vivência em Cristo, no qual mortificamos o "velho h o m e m " e revi-ficamos o "novo homem". Paulo, escrevendo aos efésios, exortou-os sobre esse fato, dizendo:

"Que , quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se cor rompe pelas concupiscências do engano; e vos renoveis no espírito de vosso sentido; e vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e sant idade" (Ef. 4:22-24).

E aos romanos, discorrendo sobre a a tuação da lei e da graça, Paulo completa o pensamento afirmando:

"Porque , se viverdes segundo a carne, morrereis; mas, se pelo espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis" (Rom. 8:13).

Ainda, escrevendo aos romanos, Paulo exortou-os sobre a vida, ou vivência cristã, com as seguintes palavras:

"Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacri­fício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racionai.

E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendi­mento, para que experimenteis qual seja a boa, agra­dável e perfeita vontade de Deus" (Rom. 12:1-2). Realmente o apóstolo está falando em sacrificio, mas

num sentido diferente daquele do antigo pacto . É o sa­

crifício do culto racional. O culto do espírito e da razão. Um sacrificio com lógica, com razão, com entendimento . Sacrifício cristão não é qualquer t ipo de sofrimento empreendido para "afligir a nossa a ma" , conforme a antiga dispensação, mSs sim na a tuação da nossa vida devocionaí para com Deus. Não é um sacrificio para pagar ou apagar pecados, mas um sacrifício para não pecar, para ter uma vida santa diante de Deus, que disse: "Sede santos porque eu sou San to" (Lev. 11:44).

Voltando ao texto de Isaías, chamamos agora a atenção dos leitores para as declarações dos versículos seis, sete e dez: "Deixes livres os quebran tados" , "repar­tas o pão com o faminto", "recolhas em casa o pobre" , "cubras o nú", "fartes a alma afíita". São declarações que expressam alguns dos nossos deveres para com o nosso próximo. Deveres que se identificam com o ensino de Jesus na segunda parte do grande mandamento já ci­tado: "amar o próximo como a ti mesmo" (Mat . 22:39). Embora não pareça, isso também faz parte d o jejum cris­tão. Não podemos pensar em ter uma boa relação com Deus quando as nossas relações com o próximo estão aquém dos deveres cristãos. E realmente essa parte da nossa vivência cristã está bastante relacionada com a nossa vida espiritual. Basta lermos a declaração de Jesus registrada em Mat. 25:31-46. Vamos transcrever abaixe apenas três versículos:

"Vinde benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está proposto desde a fun­dação do mundo;

Porque tive fome e deste-me de comer, tive sede, e deste-me de beber; era estrangeiro e hos-pedaste-me; estava nu e vestiste-me; adoeci e visi-taste-me; estive na prisão, e foste ver -me" (Mal. 25:34-36). E o mestre completou a declaração, afirmando:

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"Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes" (Mat. 25:40).

Resumindo tudo o que dissemos até aqui, afirmamos: O jejum cristão sintetiza-se em atividades positivas do crente na sua relação consigo mesmo, com Deus e com o próximo. Neste sistema de vivência espiritual, o crente conscientiza-se de que é o templo do Espírito Santo, de que o seu próximo é digno do seu amor e respeito e de que Deus e o Santo e Todo-Poderoso Senhor dos céus e da terra.

Com isso não queremos afirmar que o crente já é um ser perfeito, um santo no sentido absoluto do termo. Sabemos que o ser humano, pelo fato de sua constituição material, está sujeito às ciladas diabólicas e conseqiiente­mente a passar por fraquezas espirituais e até mesmo por quedas pecaminosas. Quantos crentes tèm sido assaltados pelo tentador e lançados por terra! Mas, diante desses percalços da vida cristã, o que deve fazer o verdadeiro crente para reatar a comunhão com Deus? Recorrer ao jejum ou a outra forma de sacrifício qualquer? A Bíblia nos responde com clareza:

"Sacrifícios e ofertas , e holocaus tos e oblações pelo pecado não quiseste, nem te agrada­ram (os quais se oferecem segundo a lei).

Então disse: Eis aqui venho, para fazer, ó Deus, a tua vontade. Tira o primeiro, para estabe­lecer o segundo.

Na qual vontade temos sido santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez" (Heb . 10:8-10). Em síntese, deduzimos do texto acima três

verdades: 1) Deus não aceita mais qualquer forma de sacrifício pelo pecado, que é apresentado segundo a lei (v. 8); 2) Deus já estabeleceu um

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novo pacto, com Cristo, em substituição ao pri­meiro (v. 9); 3) o nosso perdão e santificação agora vem tão-somente por outorga desse novo pacto, firmado na oblação do corpo de Jesus Cristo (v. 10). *

Baseado também nessa verdade, o apóstolo João afirmou:

"Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados c nos purificar de toda a injustiça" (I João 1:9).

Então, pelos textos citados, concluímos que o cami­nho para o crente reatar e manter a sua comunhão com Deus e promover a sua santificação é somente Jesus. Através dele encontramos o perdão, a força, a paz e a har­monia com Deus. Não há situação espiritual que o crente não possa resolver pelo poder e mediação de Jesus Cristo, através do arrependimento sincero. Portanto, em todo e qualquer tempo que nos encontrarmos em problemas ou deficiências espirituais, recorramos arrependidamen­te a Cristo, cm Oração e sinceridade de coração, que Ele, pela sua graça c misericórdia nos dará a solução e nos devolverá à perfeita comunhão com Deus. Isso sem precisarmos de nos submeter a sacrifícios corporais . A Bíblia declara:

"Porque te não comprazes em sacrificios, senão eu os daria; tu não te deleitas em holocaustos.

Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e con­trito não desprezarás, ó D e u s " (Salmo 51:16-17).

"Misericórdia quero , e não sacrifício" (Mat . 12:7).

"Por tan to , ofereçamos sempre por ele a Deus sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios que confessam o seu n o m e " (Heb . 13:15).

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