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A PSICANÁLISE APLICADA À SAÚDE MENTAL (Uma contribuição ao tema da prática lacaniana nas instituições) Francisco Paes Barreto Psiquiatra e Psicanalista. Membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Muindial de Psicanálise. Membro (TEP) da Associação Brasileira de Psiquiatria Diretor Geral do Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais (1998 a 2001) Preceptor da Residência de Psiquiatria do Instituto Raul Soares, da FHEMIG (durante vinte anos) Rua Matias Cardoso, 11 s/301. CEP – 30170-050 [email protected] Resumo: Ao tratar da psicanálise aplicada ao campo da saúde mental, o autor expõe os modos de constituição desse campo, no domínio da psiquiatria, que se realizou segundo diretrizes normativas de uma moralização do tratamento psíquico, desde sua fundação por Pinel, no século XVIII, até os atuais manuais estatísticos de classificações das doenças psíquicas. Em seguida, ele demonstra em que sentido a psicanálise nos autoriza a pensar uma clínica dissociada dessa normatividade moral, mediante a afirmação da responsabilidade do sujeito e de sua singularidade como diretrizes éticas na condução do tratamento e nas intervenções que ela produz sobre o campo da saúde mental. Palavras chave: psicanálise, psiquiatria, ética, moralidade, singularidade subjetiva. Abstract: By dealing with psychoanalysis applied to the field of mental health, the author exposes the constitutive ways of this field, in the side of psychiatry, as conceived according to normative guidelines of a moralization of psychological treatment, since its foundation by Pinel, in the eighteenth century, until the current statistical manuals for classifications of mental diseases. Afterward, he shows in which way the psychoanalysis allows us to think a clinic separated from moral norms, through the assertion of subjective responsibility and

A psicanalise aplicada a saude mental franciso barreto

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  1. 1. A PSICANLISE APLICADA SADE MENTAL (Uma contribuio ao tema da prtica lacaniana nas instituies) Francisco Paes Barreto Psiquiatra e Psicanalista. Membro da Escola Brasileira de Psicanlise e da Associao Muindial de Psicanlise. Membro (TEP) da Associao Brasileira de Psiquiatria Diretor Geral do Instituto de Psicanlise e Sade Mental de Minas Gerais (1998 a 2001) Preceptor da Residncia de Psiquiatria do Instituto Raul Soares, da FHEMIG (durante vinte anos) Rua Matias Cardoso, 11 s/301. CEP 30170-050 [email protected] Resumo: Ao tratar da psicanlise aplicada ao campo da sade mental, o autor expe os modos de constituio desse campo, no domnio da psiquiatria, que se realizou segundo diretrizes normativas de uma moralizao do tratamento psquico, desde sua fundao por Pinel, no sculo XVIII, at os atuais manuais estatsticos de classificaes das doenas psquicas. Em seguida, ele demonstra em que sentido a psicanlise nos autoriza a pensar uma clnica dissociada dessa normatividade moral, mediante a afirmao da responsabilidade do sujeito e de sua singularidade como diretrizes ticas na conduo do tratamento e nas intervenes que ela produz sobre o campo da sade mental. Palavras chave: psicanlise, psiquiatria, tica, moralidade, singularidade subjetiva. Abstract: By dealing with psychoanalysis applied to the field of mental health, the author exposes the constitutive ways of this field, in the side of psychiatry, as conceived according to normative guidelines of a moralization of psychological treatment, since its foundation by Pinel, in the eighteenth century, until the current statistical manuals for classifications of mental diseases. Afterward, he shows in which way the psychoanalysis allows us to think a clinic separated from moral norms, through the assertion of subjective responsibility and
  2. 2. 2 singularity as ethical orientation in the conduction of the treatment and in the interventions that it produces on the field of mental health. Key words: psychoanalysis, psychiatry, ethics, morality, subjective singularity Nos ltimos anos, exerci a funo de supervisor clnico em vrios servios pblicos de sade mental de Belo Horizonte. Nas diversas oportunidades utilizei o mesmo mtodo. Reunies em que um caso clnico era apresentado, por escrito, pelo profissional responsvel. Logo aps, o meu comentrio, visando aos seguintes aspectos: diagnstico estrutural (ou, pelo menos, o diagnstico de discurso), clculo da clnica e direo do tratamento. No terceiro momento, uma discusso, com os participantes da superviso. Pontualmente, era realizada uma apresentao de paciente ou uma exposio terica de determinado tema. O presente escrito tem por motivao essa experincia como supervisor clnico. um esboo de formalizao do trabalho realizado, balizando, ao mesmo tempo, a aplicao da psicanlise ao campo da sade mental. Pretendo, de forma sucinta, situar historicamente a sade mental, incluindo o que se passa em Minas Gerais. Em seguida, introduzirei o tema da psicanlise aplicada. Primeira parte O CAMPO DA SADE MENTAL Sade mental: ordem pblica Em sua conferncia sobre Sade Mental e Ordem Pblica, Jacques-Alain Miller afirma que a sade mental no tem outra definio que a da ordem pblica. Pouco adiante, acrescenta: E, com efeito, parece-me que no h critrio mais evidente da perda da sade mental que aquele manifestado na perturbao dessa ordem. Mais adiante, Miller corrige a sua definio: h perturbaes das quais se incumbe a sade mental e outras que concernem polcia ou justia. O critrio operativo a responsabilidade: se o perturbador responsvel, deve ser castigado; se irresponsvel, deve ser curado (para a criminologia, a enfermidade mental chega a suspender o sujeito de direito). A melhor definio de um
  3. 3. 3 homem em boa sade mental que se pode castig-lo por seus atos (MILLER, 1999, p. 20-21). Psiquiatria: discurso da moralidade As palavras de Miller, referidas a aspectos contemporneos, fazem ressoar, fazem reverberar palavras de Foucault, quando ele descreve a excluso que se verificou, h vrios sculos, nos hospitais gerais. Criam-se (e isto em toda a Europa) estabelecimentos para internao que no so simplesmente destinados a receber os loucos, mas toda uma srie de indivduos bastante diferentes uns dos outros, pelo menos segundo nossos critrios de percepo: encerram-se os indivduos pobres, os velhos na misria, os mendigos, os desempregados opiniticos, os portadores de doenas venreas, libertinos de toda espcie, pessoas a quem a famlia ou o poder real querem evitar um castigo pblico, pais de famlia dissipadores, eclesisticos em infrao, em resumo todos aqueles que, em relao ordem da razo, da moral e da sociedade, do mostras de alterao( FOUCAULT, 1968, p.78). Dentre tais estabelecimentos para internao estavam a Bictre e a Salptrire, situadas em Paris; a elas se dirige, no final do sc. XVIII, Pinel, para humaniz-las e para aplicar, nas cabeas alienadas, o recm criado mtodo clnico da medicina, fundando assim a psiquiatria. Na verdade, no rompeu as antigas prticas do internamento; pelo contrrio, estreitou-as em torno do louco. Priorizou, na etiologia das alienaes mentais, as causas morais; e coerentemente lhes prescreveu, com a devida nfase, o tratamento moral (Bercherie, 1989). O ato fundador de Pinel deixou marcas verdadeiramente cruciais. Pretendo aqui destacar duas delas, reconhecidas por Foucault. Primeira: a loucura uma doena. Com efeito, depois de Pinel, adotou-se para a loucura o estatuto de doena mental. Segunda (menos considerada, porm, mais importante): a loucura um erro. Um erro, no sentido moral. Assim sendo, as concepes de Pinel no eram nem fsicas nem psicolgicas: eram ambas ao mesmo tempo; a distino cartesiana da extenso e do pensamento no prevaleceu nesse caso. Tcnicas inspiradas na fisiologia da poca foram retomadas por ele e seus discpulos num contexto puramente repressivo e moral. A ducha gelada na cabea durante um dilogo para confessar que a crena apenas um delrio; ou a mquina rotatria
  4. 4. 4 para que um pensamento demasiadamente fixo reencontrasse seus circuitos naturais. O essencial no a medicalizao: a confuso, num mesmo discurso, de controle moral e interveno mdica (FOUCAULT, 1968). O normal e o patolgico na medicina O que aconteceu desde os tempos de antanho at os dias de hoje? Situarei, inicialmente, a medicina. Embora seja prtica social multimilenar, somente a partir do sculo XVIII a medicina se introduziu no mtodo cientfico, com o nascimento da Clnica. Pinel foi o principal artfice do mtodo clnico, que Bichat enraizou na anatomia patolgica, estabelecendo o mtodo antomo-clnico (FOCAULT, 1987). Mas, foi preciso esperar o sculo XX para falar de uma prtica mdica com bases cientficas. O divisor de guas foram os trabalhos de Claude Bernard sobre as constantes do meio interno e de Cannon sobre homeostasia, que permitiram estabelecer em termos biolgicos, ou, mais precisamente, fisiolgicos, aquilo que a clnica havia definido como normal e patolgico. Cito Canguilhem. Se existem normas biolgicas, porque a vida, sendo no apenas submisso ao meio mas tambm instituio de seu meio prprio, estabelece, por isso mesmo, valores, no apenas no meio, mas tambm no prprio organismo. o que chamamos normatividade biolgica. (CANGUILHEM, 1990, p.187) Para o autor, no absurdo considerar o estado patolgico como normal, mas esse normal no idntico ao normal fisiolgico, pois se tratam de normas diferentes: o estado mrbido sempre uma certa maneira de viver. E a cura a reconquista de um estado de estabilidade das normas fisiolgicas; curar criar para si novas normas de vida, s vezes superiores s antigas. A norma no pode ser reduzida a um conceito objetivamente determinvel por mtodos cientficos (CANGUILHEM, 1990). O que dizer, agora da medicina contempornea? O avano cientfico e tecnolgico tal que os mtodos diagnsticos realizam uma dissecao virtual in vivo, ou ento apresentam os valores da normalidade orgnica por meios rpidos e precisos. Estabelece-se uma relao direta entre, de um lado, o examinador e, de outro, o substrato anatmico ou
  5. 5. 5 antomo-patolgico e os ndices fisiolgicos ou fisiopatolgicos, situao que, aparentemente, dispensa a mediao da clnica. Fala-se, inclusive, no fim da clnica. Mais do que nunca se presentifica o que Lacan denominou falha epistemossomtica, que o efeito do progresso da cincia sobre a relao da medicina com o corpo. Dizendo, em poucas palavras, em que consiste esta falha: a que se verifica entre o corpo considerado como um sistema homeosttico, em sua pura presena animal corpo-mquina estabelecido pela cincia mdica e o organismo desejante e gozoso (LACAN, 1985). O normal e o patolgico na psiquiatria Se a medicina conseguiu ancorar a clnica na anatomia patolgica e estabelecer o normal e o patolgico em bases fisiolgicas, com a psiquiatria no se deu nem uma coisa nem a outra. A introduo da psiquiatria no mtodo antomo-clnico, iniciada por Bayle com a paralisia geral (1822) (BERCHERIE, 1989), ficou restrita aos casos de demncia, de deficincia mental e s psicoses orgnicas e sintomticas. Na grande maioria dos casos, prevaleceu o mtodo clnico. Quanto s bases fisiolgicas para o normal e o patolgico, mesmo com o avano das neurocincias tal possibilidade mal desponta no horizonte. Nem a mais grave das doenas mentais, a esquizofrenia, pode ser caracterizada em termos biolgicos. Se no na anatomia, se no na fisiologia, onde que a psiquiatria vai se fundar para definir o normal e o patolgico? Tambm aqui se baseia na norma, mas a norma de que se trata a social ou cultural. Um tratado de psiquiatria muito utilizado em nosso meio apresenta a questo de modo muito claro. Trarei algumas de suas passagens. No conceito de norma devemos distinguir um contedo e uma forma-funo. O contedo da norma, equiparvel ao termo mdio, tem uma base estatstica e, como assinala a doutrina do relativismo cultural, no constitui um estado absoluto, nem tem um fundamento ontolgico, mas est subordinado ao tempo histrico, ao lugar e s peculiaridades de uma cultura. Uma norma estvel de validade geral no existe. Mas o contedo da norma est condicionado fenomenologicamente pela existncia da norma como funo. A funo da norma existe em todo tempo e lugar. Transcende, pois, ao relativismo (ALONSO-FERNANDEZ, 1968, pp. 26-27). Mais adiante, o autor estabelece a correlao:
  6. 6. 6 Em virtude do exerccio da faculdade de tipificao, todos ns co-participamos do mesmo mundo. O mundo normal um mundo tipificado. O mundo do doente psquico se distingue fundamentalmente do normal no por seu contedo, mas por sua forma. Podemos descrever a patologia da tipificao como o mrbido (ALONSO-FERNANDEZ, 1968, pp. 26-27). Para, pouco depois, concluir: Eis aqui minha definio predileta de psiquiatria: A psiquiatria o ramo humanista por excelncia da medicina que trata do estudo, da preveno e do tratamento dos modos psquicos de adoecer. A idia do modo psquico de adoecer, segundo acabo de expor, se funda na perda involuntria da faculdade normativa. (ALONSO-FERNANDEZ, 1968, pp. 26-27) Podemos, a partir das citaes, relacionar sade mental com norma cultural, doena mental com perda involuntria da faculdade normativa e tratamento psiquitrico com meio utilizado para o seu restabelecimento. A restitutio ad integrum, to cara medicina, na psiquiatria tornou-se, assim, restituio dessa normalidade. importante ressaltar, com Miller, que, embora seja extrada da estatstica, decidir conformar-se norma, fazer da norma a lei, uma escolha poltica (MILLER, 2005, p. 2). O DSM-IV e a CID-10 A questo do normal e do patolgico na psiquiatria pode ser abordada a partir das classificaes das doenas mentais. Quanto a isso, tivemos trs grandes momentos, distanciados aproximadamente um sculo um do outro. O primeiro foi constitudo pela nosologia pinel-esquiroliana, no incio do sculo XIX; era uma classificao eminentemente sindrmica. O segundo grande momento foi a nosologia kraepeliniana, no final do sculo XIX e incio do XX; privilegiava as entidades mrbidas, consideradas como as verdadeiras doenas mentais. O terceiro momento, no final do sculo XX e incio do XXI, quando assistimos universalizao dos diagnsticos dos transtornos mentais e comportamentais, catalogados no DSM (IV) e na sua correlata e subsidiria, a CID (10). Para situar o problema em termos mnimos, recorrerei a uma definio que crucial na CID-10: a de transtorno. Esse termo empregado
  7. 7. 7 para indicar a existncia de um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecvel associado, na maioria dos casos, a sofrimento e interferncia com funes pessoais. Desvio ou conflito social sozinho, sem disfuno pessoal, no deve ser includo em transtorno mental, como aqui definido.1 A idia de transtorno, portanto, compreende uma disfuno pessoal que caracteriza um desvio da norma social. Existe a uma contradio. Ao mesmo tempo em que a psiquiatria contempornea postula uma determinao biolgica, em ltima anlise, gentica, ela concebe o patolgico como contraposio norma social. Basta perfilarmos os transtornos relacionados no DSM (IV) ou na CID (10) para verificarmos que nenhuma base biolgica sustenta tais classificaes. Darei dois exemplos elucidativos. H alguns anos o homossexualismo estava includo do DSM como transtorno mental, enquanto que o tabagismo no estava includo. Atualmente, ocorre o contrrio: o homossexualismo foi excludo e o tabagismo includo. O que determinou a mudana? Apenas isto: o homossexualismo est mais aceito e o tabagismo menos aceito pela moralidade social contempornea. Griesinger, o pai da psiquiatria alem, o autor do axioma do organicismo: A doena mental , antes de tudo, doena cerebral. Pelo que foi trazido, cabe contestao, oportuna neste momento de hegemonia da psiquiatria biolgica: a doena mental , antes de tudo, doena social. A nova concepo de Sade Mental O Relatrio Sobre a Sade no Mundo 2001, da Organizao Pan-Americana de Sade e da Organizao Mundial de Sade, tem o seguinte ttulo: Sade Mental: Nova Concepo, Nova Esperana.2 O novo modelo, ou seja, a nova concepo e a nova 1 Classificao de transtornos mentais e de comportamento da CID-10. Organizao Mundial de Sade (p. 5). (1993) Porto Alegre: Artes Mdicas. 2 Sade Mental: Nova Concepo, Nova Esperana. Relatrio Sobre a Sade no Mundo (2001). Organizao Pan-Americana de Sade e Organizao Mundial de Sade.
  8. 8. 8 esperana, todo ele baseado nos transtornos catalogados pela CID-10. O que se procura certa ordem na casa a partir dessa referncia. O campo da sade mental o resultado de uma reorganizao do campo da psiquiatria. Entraram em cena outros saberes, outros profissionais, outros servios. A psiquiatria, enquanto disciplina, hoje uma parte importante, mas, apenas uma parte do campo da sade mental. Talvez sua importncia maior seja esta: fornecer a descrio e a classificao dos transtornos mentais e comportamentais. Definir o que deve ser tratado e a que objetivo o tratamento deve visar. O objetivo do tratamento Um transtorno constitudo de sintomas e o objetivo do tratamento a eliminao dos sintomas. Trata-se de um procedimento passvel de quantificao e de padronizao, numa perspectiva que exclui a singularidade inerente histria do sujeito. Por qu tanta nfase na abolio do sintoma? O sintoma precisamente o que faz com que cada um no consiga fazer absolutamente o que est prescrito pelo discurso de seu tempo (SOLER, 1996, p. 95). aquilo que torna impossvel a cada um caminhar pelas vias comuns. Uma fobia pode impedir de viajar de avio ou de entrar no elevador de um edifcio. Uma impotncia sexual pode frustrar um encontro amoroso. Uma gagueira pode inviabilizar uma pretenso de ser orador. Uma inibio social pode limitar oportunidades de relacionamento. Uma depresso pode prejudicar uma jornada de trabalho. E assim por diante. importante salientar, destarte, os dois aspectos: (1) que o sintoma est associado a sofrimento e indica que algo no sujeito no est funcionando, que algo vai mal; (2) que o sintoma afasta o sujeito do que est preconizado pelo discurso de seu tempo, ou seja, afasta-o da norma social. A abolio do sintoma, sendo assim, alm de alvio e reabilitao funcional do sujeito, est a servio da restituio da normalidade, da conformidade e da adaptao sociais. Psiquiatria, psicoterapia, reabilitao psicossocial
  9. 9. 9 O objetivo do tratamento a eliminao do sintoma e a adaptao social, mas, para tanto, variam os meios. A psicoterapia privilegia a palavra; a psiquiatria, alm da palavra, lana mo de meios qumicos e/ou fsicos. A reabilitao psicossocial no trabalha com o sintoma; partindo dos pontos fortes ou da parte sadia de cada um, pretende o restabelecimento de papis sociais normais. A tarefa deixar para trs o estigma de paciente e restaurar a capacidade de viver de maneira independente. Existe uma tendncia na reabilitao psicossocial que prope a excluso da clnica, canalizando esforos nos meios mais diretos de inserir o louco em alguma forma de troca social. A idia de sade mental, por conseguinte, mais abrangente do que os referidos tratamentos, incluindo o trabalho com as famlias, os programas especficos, a organizao dos servios e as diretrizes polticas. A lgica do todo Pode-se ento concluir que os tratamentos e os cuidados dispensados no campo da sade mental, embora diversificados quanto aos seus meios, so muito prximos quanto ao seu fim: a eliminao ou a minimizao do sintoma e a adaptao social do indivduo. importante considerar ainda que funcionam dentro de um mesmo sistema lgico. Eles operam de acordo com a lgica do todo, que na atualidade conhece grande difuso a partir do discurso da cincia. Seu aspecto essencial a busca de parmetros universais que dariam fundamento aos seus procedimentos. Para elucidar, tomarei como exemplo o tratamento da depresso. O primeiro passo a definio operacional de depresso. Quanto a isso, o DSM-IV e a CID-10 cumprem a sua parte, e em escala universal. Alm de definir o que depresso, preciso um critrio para dizer quem um deprimido. Entram em cena as escalas de avaliao, que, alm, de catalogar, permitem quantificar os sintomas. Pode-se, ento, formar um conjunto de deprimidos e submet-lo a tratamento estatstico, validao imprescindvel quando se pretende alcanar o universal. To importante como definir a partida precisar a chegada: o que se almeja com o tratamento. A abordagem em termos negativos a reduo ou abolio dos sintomas cumpre esse item, e possibilita a avaliao estatstica dos resultados. O final do tratamento pode ser abordado, tambm, em termos positivos, por
  10. 10. 10 meio das escalas de adaptao social (EAS). O que importa, no caso, a identificao com a normalidade social. Tudo isso contribui para estabelecer uma conduta teraputica padronizada, um protocolo ou um algoritmo. Assim, temos: um incio padronizado, um meio padronizado e um trmino padronizado. No que sejam desconsideradas as variaes individuais. Elas so levadas em conta: exatamente para instruir medidas excepcionais que procuram retomar o caminho padro. Psiquiatria, psicoterapia, reabilitao Psicanlise pura, psicanlise aplicada tica = Moral tica Moral Conformidade, adaptao social Autenticidade, singularidade do sujeito Norma Paradigma Validao estatstica Construo do caso clnico Restituio da normalidade anterior Mutao subjetiva Gozo socialmente modelado Gozo prprio do sujeito Lgica do todo (o universal) Lgica do no-todo (o um por um) A sade mental em Minas Apresentarei, de modo esquemtico, alguns marcos da evoluo da sade mental em Minas. A partir de 1980, logo aps o III Congresso Mineiro de Psiquiatria (novembro de 1979), teve incio a reforma psiquitrica, que comeou pelos servios psiquitricos da Secretaria de Estado da Sade, em trs frentes. (1) Os hospitais de crnicos foram abolidos, com reinsero social da grande maioria dos pacientes. (2) Os hospitais de agudos foram reorganizados e dinamizados. (3) Ambulatrios de sade mental foram criados em Belo Horizonte, nos diversos centros de sade. Aps a implantao do SUS, teve incio uma segunda etapa da reforma psiquitrica, a partir da Secretaria Municipal da Sade, de Belo
  11. 11. 11 Horizonte, em 1994. A desativao dos hospitais psiquitricos continuou, alcanando os contratados, e foi criada a rede substitutiva dos servios de sade mental, incluindo os CERSAMs (=NAPS, CAPS), os ambulatrios de sade mental nos centros de sade, os centros de convivncia e as residncias protegidas. Durante muitos anos, vrios servios de sade mental engajados na reforma psiquitrica contaram com forte influncia da clnica psicanaltica de orientao lacaniana, presena que, nos ltimos anos, vem diminuindo. Segunda parte A PSICANLISE APLICADA O propsito tem sido levar o discurso analtico ao campo da sade mental. No se trata de psicanlise pura, mas de psicanlise aplicada. No decurso do texto a diferena ser problematizada, mesmo sabendo que temas to amplos sero aqui apenas esboados. Tampouco se preconiza o tratamento de todos os pacientes com o discurso analtico. Longe disso. O servio pblico, como toda instituio, o lugar vrios discursos. O que se procura situar o discurso analtico no campo da sade mental como um discurso entre outros. Desfazendo equvocos Por que razo o discurso analtico no campo da sade mental? Muitos levantam, pelo contrrio, objees a esse propsito. Darei alguns exemplos, ao mesmo tempo em que procurarei esclarecer pontos cruciais. Uma objeo freqentemente levantada que a psicanlise s teria uma funo no tratamento dos extratos scio-econmicos mais abastados. O que no verdade. Em nosso meio, a psicanlise tem sido aplicada em servios que atendem exclusivamente a pacientes do SUS, muitos destes em situao scio-econmica extremamente precria. Uma segunda objeo que o tratamento psicanaltico seria excessivamente longo, e imprprio para os servios pblicos. Respondo lembrando que tratamentos psicanaliticamente embasados podem consistir numa nica sesso.
  12. 12. 12 Terceira objeo: nos servios pblicos de sade mental so atendidos geralmente casos muito graves, e a psicanlise seria indicada para casos leves. Frente a essa suposio, apresento o seguinte dado: j existe, em nosso meio (assim como em outros lugares), experincia e literatura expressiva a respeito do tratamento psicanaltico de psicticos e de toxicmanos. Exponho uma ltima objeo. O avano da psicofarmacoterapia inviabilizaria e faria caducar a abordagem psicanaltica. Na minha avaliao, nem uma coisa nem a outra. falsa a idia segundo a qual o frmaco necessariamente se ope psicanlise, ou a que esta nada teria a dizer sobre aquele. A psicanlise tem o que dizer sobre o frmaco, que, por sua vez, em certas circunstncias, pode viabilizar a abordagem analtica. No est a a diferena entre psiquiatria e psicanlise. Tentarei, ento, coloc-la em termos claros. A oposio entre psicanlise e psiquiatria a mesma que existe entre psicanlise e a psicoterapia, e consiste na diferena radical na direo do tratamento, que pode ser formulada em termos ticos. Uma outra tica Assim formulada, a questo exige uma digresso. O Vocabulrio da Filosofia de Lalande assim define tica: Cincia que tem por objeto o juzo de apreciao enquanto se aplica distino do bem e do mal (LALANDE, 1966, p. 331). E assim define moral: O que concerne seja aos costumes, seja s regras de conduta admitidas numa poca, numa sociedade determinada. (LALANDE, 1966, p. 656) Por essas definies, tica diferente de moral. Ocorre, porm, que o juzo de apreciao a que se refere aproxima, sistematicamente, do que valorizado como bem, o que definido como regra, norma ou prescrio social. Por exemplo, o brasileiro Houaiss assim define tica:
  13. 13. 13 Parte da filosofia responsvel pela investigao dos princpios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, refletindo especialmente a respeito da essncia das normas, valores, prescries e exortaes presentes em qualquer realidade social.3 O mesmo Houaiss d, dentre outras, a seguinte definio de moral: Parte da filosofia que estuda o comportamento humano luz dos valores e prescries que regulam a vida das sociedades. tica.4 O que faz convergir e equivaler tica e moral, portanto, a idia de norma, regra, ou prescrio social como bem. Na perspectiva psicanaltica, porm, h uma tica diferente das demais; uma tica que no coincide com a moral, e que freqentemente at mesmo se ope a ela. Enquanto que a moral da ordem da conformidade social, a tica da psicanlise da ordem da autenticidade do sujeito. a busca do que mais verdadeiro de si mesmo ou do que mais verdadeiramente si mesmo, ou seja, sua falta a ser. A ciso entre bem e bem-estar A tica da psicanlise diferente da maioria das demais na medida em que inclui uma ciso entre bem e bem-estar. A psicanlise demonstrou que o sujeito busca um bem que no lhe proporciona bem-estar. o que Freud situa para alm do princpio do prazer e que Lacan denomina gozo. Com efeito, o gozo constitui um bem para o sujeito, inclusive um bem absoluto, separado de seu bem-estar, um bem que freqentemente se traduz por mal-estar, quando no se confunde com a dor (MILLER, 1984). A expresso mxima dessa diviso do sujeito contra si mesmo o supereu. A idia de um para alm do princpio do prazer deu origem ao conceito freudiano de pulses de morte, rejeitado por muitos psicanalistas como especulao filosfica. No entanto, trata-se precisamente do contrrio: de algo suscitado pela clnica e nela ancorado. uma formalizao terica que partiu de achados importantes, como, por exemplo, a compulso repetio, a reao teraputica negativa, o masoquismo. Muitos psicanalistas eminentes consideram o supereu como o mais clnico dos conceitos psicanalticos. 3 Dicionrio Houaiss da lngua portuguesa (2001) (p.1271). Rio de Janeiro: Editora Objetiva. 4 Idem, ibidem, p. 1958.
  14. 14. 14 A coincidncia do bem com o bem-estar vem desde Aristteles, para quem o Bem Supremo da ordem da felicidade. A ciso entre bem e bem-estar j se pode encontrar em Kant: preciso que o homem esteja apegado a algum bem que o separe de sua comodidade para que chegue a ser moral. (MILLER, 1984, p.140) Ele distingue das Gute, o Bem, de das Wohl, o bem-estar. Nesse sentido, um precursor do alm do princpio do prazer. No h referncia melhor do que a kantiana para a concincia moral. Exemplo disso o que ele denominou imperativo categrico: Age de tal modo que a mxima de tua vontade possa valer-te sempre como princpio de uma legislao universal.5 H, assim, subordinao radical do prazer lei universal. Em nome da moralidade universal, a exigncia de renncia s pulses. Trata-se, portanto, de uma tica do recalcamento, sendo possvel identificar o imperativo categrico kantiano ao supereu. O mal-estar na civilizao um texto fundamental para o desenvolvimento do conceito de supereu. Ali Freud descreve a sua gnese. Num primeiro momento, a renncia pulso se faz frente a uma autoridade externa, que ameaa com perda de amor e castigo. H quem permanea nesse nvel, de uma moralidade exterior, cujo suporte a polcia, a justia, a presena do Outro. Num segundo tempo, surge a organizao do supereu como uma autoridade interna e a renncia se deve ao medo dele. O supereu como uma introjeo do Outro. Num terceiro tempo, o paradoxo: cada renncia pulso, em vez de aplacar, aumenta a severidade e a exigncia do supereu. (FREUD, 1974) A renncia engorda o supereu. o que Lacan, em Televiso, chama de a gula do supereu. Da agressividade que o sujeito retorna contra si mesmo provm, portanto, o que se chama a energia do supereu. O que h de mais moral, ento, tem suas razes na pulso. Miller comenta que a renncia pulso no a renncia ao gozo. Se no h renncia, o sujeito goza. Se h renncia, o sujeito goza de renunciar. Ou goza porque comeu a marmelada, ou goza porque no comeu a marmelada (MILLER, 1991). Ou goza desde o isso, ou goza desde o supereu. Da a afirmao de Lacan, tambm em Televiso, que o sujeito feliz (LACAN, 1993, p. 45). O paradoxo apresentado (a renncia pulso aumenta a severidade do supereu) prepara o terreno para outro aspecto da questo. Lacan considera o imperativo categrico 5 Kant, E. Crtica da Razo Prtica (p. 40). Rio de Janeiro: Ediouro.
  15. 15. 15 uma enunciao sem enunciado. E usa Sade para explicitar, num encontro quase surrealista, o objeto da tica, que est escondido em Kant. Nesses termos formula o imperativo sadeano: Tenho o direito de gozar de teu corpo, pode dizer-me qualquer um, e exercerei esse direito, sem que nenhum limite me detenha no capricho das extorses que me d gosto de nele saciar. (LACAN, 1998a, p. 780) Trata-se da descrio da experincia de gozo como fundamental. Se a mxima kantiana corresponde ao supereu, a mxima sadeana corresponde ao Goza!, que o imperativo do supereu. Exigncia paradoxal, exigncia de gozo absoluto, impossvel e proibido. Por que razo usar o cmulo da imoralidade para esclarecer o cmulo da moralidade? Lacan avana, na verdade, na trilha aberta por Freud: o que sustenta a conscincia moral o gozo da pulso. A crueldade sdica do supereu nada mais do que um deslocamento das exigncias pulsionais. E a moral kantiana, com seu rigor absoluto, a outra face da perverso polimorfa sadeana. Como lembra Freud numa clebre formulao, a psicanlise veio demonstrar no s que os homens so mais imorais do que admitem, como tambm que eles so mais moralistas do que supem. A postulao de um para alm do princpio do prazer a principal fonte de resistncia psicanlise no mundo contemporneo, onde prevalece a promessa de bem- estar proporcionada pelo gozo consumista. A antinomia entre desejo e gozo No horizonte da psicanlise h uma tica que no do bem-estar, que no do supereu, que no da universalidade. Para apresent-la em termos mnimos necessrio situar a antinomia entre desejo e gozo. No Projeto encontramos a meno de Freud a uma experincia (mtica) de satisfao plena (Befriedgungserlebnis). Corresponderia relao incestuosa; com efeito, o objeto de satisfao, a Coisa (das Ding), Outro absoluto do sujeito, a me, o objeto do incesto. E Lacan afirma que das Ding o fundamento, derrubado, invertido, em Freud, da lei moral (LACAN, 1988, p. 90). A experincia mtica de satisfao plena o gozo absoluto, exatamente o que transposto como imperativo superegico: Goza!
  16. 16. 16 Por outro lado, o que Lacan chama de lei simblica ou lei do pai a que sela a proibio do incesto, que implica no apenas o no te deitars com tua me dirigido criana, como, tambm, um no reintegrars o teu produto endereado me (LACAN, 1999, p. 209) O Nome-do-Pai, ou pai simblico , no Outro, um significante especial, que funda a lei. E o supereu a instncia que exerce de maneira duradoura a funo de lei proibidora. Nesse aspecto, um vestgio da resoluo do conflito principal da cena edipiana. clebre a frmula freudiana segundo a qual o supereu o herdeiro do complexo de dipo. Lacan comenta a propsito: atenhamo-nos ao supereu edipiano. Que ele nasa no declnio do dipo quer dizer que o sujeito incorpora sua instncia (interditora) (LACAN, 1988, p. 368) uma instncia paradoxal. Nele pode-se distinguir o que se chama de supereu paterno ou edipiano (freudiano), com funo interditora de gozo, e o que se chama de supereu materno, pr-edipiano (lacaniano), que uma exortao ao gozo. O que a lei simblica interdita, ento, a satisfao impensvel do desejo incestuoso da criana, ou seja, o gozo absoluto. Ao barrar o gozo puro, estabelece uma perda de gozo, define uma falta. Nessa falta origina-se o desejo. A limitao do gozo abre espao para o desejo. A rigor, s se pode falar em desejo quando est inscrita a lei simblica. Desejo e gozo so, assim, antinmicos. O gozo absoluto exclui o desejo. E a limitao do gozo pelo significante deixa um resto de gozo, o objeto mais-de-gozar, objeto (a), que tambm objeto causa de desejo. Encontramos, com o desejo, novo paradoxo. Ele se origina de uma falta e, se o sujeito se dirige a um objeto, para preench-la. Em outros termos, o desejo busca a satisfao plena, quer dizer, prossegue a procura da satisfao incestuosa, ainda que proibida. E que, se alcanada, aniquilaria o desejo (da, talvez, aquela expresso: matar o desejo). Por esse motivo o desejo , a um s tempo, vontade e rechao de gozo. Razo pela qual , necessariamente, desejo insatisfeito. O desejo a sua insatisfao (MILLER, 1997a, p. 448). Na clnica, verificamos que o obsessivo, perturbado com o conflito inerente satisfao, perde-se na dvida e na indeciso, procurando desconhecer seu desejo. A histrica, por sua vez, mira o impossvel da plenitude e s consegue realar ainda mais sua falta, afogando-se na insatisfao. No curso de uma anlise caminha-se do desejo no decidido para o decidido; do desejo impossvel para o estruturalmente insatisfeito. No seu
  17. 17. 17 seminrio sobre A tica da psicanlise, Lacan diz que a experincia psicanaltica permite constatar que, se o sujeito se sente efetivamente culpado, isso acontece sempre, na raiz, na medida em que ele cedeu de seu desejo (LACAN, 1988, p. 382) Da universalidade da lei singularidade do desejo A psiquiatria e a psicoterapia, como foi visto, inscrevem-se na lgica do todo, cujo aspecto essencial a busca de parmetros universais para fundamentar seus procedimentos. Poderia ser objetado que lei no o mesmo que norma; entretanto, a norma, a regra ou o padro esto includos na lgica do todo por constituirem uma modulao do universal. A tica da psicanlise situa-se numa perspectiva inteiramente diversa. Funda-se na singularidade da relao do sujeito com seu desejo e seu gozo. Quanto a isso, possvel afirmar categoricamente: cada sujeito diferente do outro. Assim sendo, o discurso analtico se insere na lgica do no-todo, do caso a caso, do um por um, onde no se pode escrever o universal ou formar conjunto. imprescindvel dar-se conta das implicaes do que foi dito. Se cada sujeito diferente do outro, cada caso diferente do outro, cada tratamento diferente do outro... O que fundamenta um tratamento no uma lei universal, mas uma construo que se faz uma a uma. Como tem sido salientado desde os tempos de Freud, no h estatstica que seja possvel em tais circunstncias. No que tange ao que estamos abordando, cabe afirmar que o sujeito no existe, da mesma forma que a mulher no existe ou que o analista no existe. Isso quer dizer que no h critrio para definir o sujeito, a mulher ou o analista, no h como caracteriz-los ou fech-los num conjunto. No h universal do sujeito. Como disse certa vez Lacan: No temos critrios, temos paisagem. Se no h critrios para definir um analista, isso no quer dizer que no seja possvel defini-lo. possvel faz-lo um por um, como no procedimento do passe. Tal como uma paisagem. Uma paisagem tem harmonia prpria; necessariamente incompleta, medida em que sempre se pode incluir mais um detalhe; e sempre diferente de outra paisagem (MILLER, 1997b, p.569).
  18. 18. 18 O sujeito sempre responsvel Por nossa posio de sujeito, sempre somos responsveis. Que chamem a isso como quiserem, terrorismo (LACAN, 1998b, P. 873). De forma radical e provocadora, Lacan assim se expressa, numa formulao que tem srias implicaes ticas. Apontar a responsabilidade do sujeito diferente de apontar a influncia dos neurotransmissores, da gentica, da famlia, do Outro. Novamente, aqui, a tica da psicanlise se diferencia. A idia de responsabilidade est tradicionalmente ligada idia de culpa, numa conotao jurdica ou moral. importante, do ponto de vista psicanaltico, o sentimento de culpa; significa um sujeito responsvel, um sujeito tico. Um canalha , precisamente, algum que se desculpa de tudo (MILLER, 1997c, p. 337) A culpa pressupe o sujeito de direito que, assim como o Estado de direito, indispensvel psicanlise. O que no quer dizer, entretanto, que a psicanlise est a para culpar ou punir o sujeito. Ela parte do sentimento de culpa para chegar responsabilidade, mas considerando-o a patologia da responsabilidade. Parte da culpa para chegar ao crime desconhecido. A perspectiva psicanaltica procura, pelo contrrio, retirar a idia de responsabilidade do contexto moralista. Responsabilizar pode, num primeiro momento, confrontar o sujeito com uma situao penosa. No obstante, num segundo momento, pe a seu alcance meios que ele havia repelido. No terrorismo; aposta no sujeito. A proposta de uma psicanlise aplicada ao campo da sade mental poderia ser formulada como uma clnica do sujeito. De que sujeito se trata? A referncia o sujeito do inconsciente, conceito to caro psicanlise de orientao lacaniana. O que se procura perseguir o ditame tico tocar o sujeito no doente, preocupao de Lacan tantas vezes evocada, em nosso meio, por Antonio Beneti. No se trata do sujeito da conscincia. Lacan parte do sujeito cartesiano para subvert-lo, levando s ltimas conseqncias a revoluo copernicana empreendida por Freud. Revoluo que compreende dois aspectos essenciais: a subordinao do sujeito estrutura que o determina e a sua marcao como sujeito fendido. Quanto ao primeiro aspecto, importante considerar que o sujeito determinado por uma estrutura simblica que no s lhe pr-existe como o condiciona desde antes de seu nascimento. Estrutura que pe em jogo um sistema de regras e convenes (o lxico, a
  19. 19. 19 sintaxe, a lgica), funcionando como cdigo e definindo-o por sua posio e no por um contedo interno. Antes de falar, o sujeito falado. A frmula o inconsciente o discurso do Outro resume o que est sendo proposto; o inconsciente no um reservatrio que cada indivduo carrega em seu interior um lugar que depende de uma conveno significante e que est em relao de exterioridade com o sujeito. O segundo aspecto considerado o sujeito enquanto fendido, dividido. Um sujeito que no idntico a si mesmo. Vrios so os termos que nomeiam a diviso: sujeito da conscincia e sujeito do inconsciente, sujeito do enunciado e sujeito da enunciao, sujeito do significado e sujeito do significante; entre outros. Para o eu que fala, o sujeito do inconsciente um ele e no um outro eu. No so duas partes de um todo: o sujeito existe atravs da ruptura, ele o lugar da ruptura, ele existe ali mesmo onde h corte. a partir da clnica que se apreende o que est sendo proposto. O primeiro aspecto a determinao do sujeito pelo Outro fica a cu aberto na clnica da psicose. Quando o sujeito se v ameaado ou comandado por vozes bem discernidas que o invadem desde o real, quando sente que seu corpo ou seus movimentos so controlados ou impulsionados por influncias estranhas, ou quando acredita que seus pensamentos so devassados, impostos ou roubados por algum poderoso, estamos diante de fenmenos denominados xenopticos, includos por Clrambault na sua sndrome do automatismo mental. Ora, so fenmenos que desvelam a estrutura, ou seja, a determinao do sujeito pelo campo da linguagem, pelo Outro. Nesse sentido, o louco que normal, a xenopatia que a normalidade. E as questes, conforme prope Miller, passam a ser as seguintes: Como possvel no estar louco? Por que o sujeito chamado normal, que no est menos afetado pela palavra, que no menos xenopata do que o psictico, no se d conta disso? Como podemos crer que somos os autores de nossos pensamentos? (MILLER, 1981, p. 58). O psictico pe s claras, portanto, o que no chamado normal est invertido. Que, antes de falar, o sujeito falado. O segundo aspecto a diviso do sujeito formulado a partir da clnica da perverso, onde as contradies coexistem sem conflito, e principalmente a partir da clnica da neurose. Um paradigma o lapsus linguae. Um tropeo na fala que revela o hiato entre o enunciado e a enunciao, entre o dito e o dizer. O sujeito est ali, exatamente, nessa fenda.
  20. 20. 20 Da norma ao paradigma A norma est, para os referidos tratamentos, como o paradigma para a psicanlise. De acordo com o discurso da cincia, o que d validao a um tratamento a avaliao estatstica, que , tambm, uma forma de validao de uma teoria. Para a psicanlise, pelo contrrio, a estatstica no se aplica, e prevalece o paradigma. Um nico caso permite estabelecer linhas para a direo do tratamento ou teorizaes de validade geral. Lacan costumava dizer que tudo o que sabemos sobre neurose obsessiva devemos anlise que Freud fez do homem dos ratos. Temos outros paradigmas: Dora, para a histeria; o pequeno Hans, para a fobia; Schreber, para a psicose; Aime, para a parania; para citar alguns. A idia de paradigma clnico no especfica da psicanlise; temos, por exemplo, o caso de Ellen West, de Binswanger, paradigmtico para a analtica existencial. (BINSWANGER, 1967). Como possvel fazer uma teoria a partir de um? Uma resposta para a questo a construo do caso clnico, a partir de sua estrutura lgica. o que verificamos nos paradigmas citados. Cumpre destacar a importncia diametralmente oposta do diagnstico para a psiquiatria e para a psicanlise. O diagnstico psiquitrico anula o sujeito. O psiquiatra, como vimos, trata a depresso e nesta designao se perdem as singularidades que distinguem os diversos deprimidos. O psicanalista, por sua vez, ainda que teorize sobre histeria, ao fazer esse diagnstico est apontando para o sujeito. O diagnstico psicanaltico uma interpretao da relao do sujeito com a estrutura. A partir da, o percurso de uma anlise evidenciar, cada vez mais, a especificidade do sujeito, sendo que, no final, teremos a teoria do prprio caso. o que prope Lacan com o procedimento do passe. O depoimento do passante uma boa histria que pode ser contada, mas tambm uma verso teorizada da prpria anlise. A construo do caso clnico
  21. 21. 21 Na psicanlise, por conseguinte, a validao do tratamento se faz por meio da construo do caso clnico. Trabalho artesanal, que se realiza um por um, em que cada um diferente do outro e em que cada caso sempre algo indito. Existe, aqui, uma reconstituio da histria do sujeito. importante destacar, ainda, que a construo do caso clnico se faz tendo em vista a lgica do tratamento e a lgica do caso. Para abordar a questo, muitos caminhos so possveis. Tomarei como base o percurso de uma anlise. Freud, numa clebre metfora que Lacan certamente endossou, comparou a psicanlise ao jogo de xadrez. O comeo e o fim so bem estabelecidos, mas o meio comporta uma srie infinita de possibilidades. Seja como for, uma psicanlise tem um comeo, um meio e um fim. Miller discute, numa conferncia, a questo da lgica do percurso analtico, considerando vrios meios utilizados por Lacan para estruturar logicamente o tratamento psicanaltico. Mencionarei um deles: o percurso analtico pode ter a estrutura do tempo lgico. (MILLER, 1994) Em sntese, seria isto: o comeo de uma anlise como instante do olhar, o meio como tempo para compreender e o fim como momento de concluir. A instaurao do sujeito suposto saber seria da ordem do instante do olhar, a construo da fantasia corresponderia ao tempo para compreender e o ato psicanaltico, com a precipitao que ele comporta, seria um momento de concluir. A entrada em anlise, como instante do olhar, antecipa como poder ser o final de anlise, e este, como momento de concluir, ressignifica, retroativamente, a entrada em anlise. A estrutura do tempo lgico pode estar presente no percurso analtico, quando se trata de uma psicanlise pura, mas tambm na psicanlise aplicada, ou seja, na construo do caso clnico em sade mental, (Vigan, 1999) e at mesmo quando se considera uma nica sesso. Por exemplo, o corte como momento de concluir. Do sintoma ao sinthoma Assim como a psiquiatria, assim como a psicoterapia, a psicanlise tambm parte do sintoma. Mas, se o ponto de partida comum, o ponto de chegada diametralmente oposto.
  22. 22. 22 Sim, a psicanlise parte do sintoma, do sofrimento do sintoma, que indica que algo no est funcionando, que algo vai mal. No basta, no entanto, que se procure o alvio para o sofrimento por meio do levantamento do sintoma. A demanda analtica exige mais: implica querer tratar o sintoma no s pela vertente do sofrimento como pela vertente do enigma que ele representa, ou seja, implica um querer saber sobre o sintoma. Um passo importante dado quando o analista suposto como aquele que detm esse saber. A postulao do analista como sujeito-suposto-saber a entrada na transferncia. O saber de que se trata do prprio inconsciente do sujeito; o inconsciente como um saber que no se sabe. No contexto, a interpretao pode, ento, ter lugar como uma leitura, uma decifrao do sintoma, explicitando seu significado inconsciente. Uma anlise tambm produz efeitos teraputicos, com o levantamento do sintoma. E s vezes, o que se consegue fazer. Freud chegou a comentar, porm, que freqentemente tal resultado est a servio da resistncia, evitando os verdadeiros objetivos de uma anlise, caracterizando uma fuga para a cura. O querer saber sobre o sintoma pode levar sua leitura e desapario, mas pode ainda, numa evoluo mais ousada, caminhar em direo fantasia, relao do sujeito com seu desejo e com seu gozo. isso que, em ltima instncia, um tratamento analtico visa a mudar. A psicanlise, j foi dito, no se fia na eliminao do sintoma; a rigor, ela no considera que haja desaparecimento, mas, sim, transmutao, metamorfose do sintoma. Com freqncia, na clnica dos servios de sade mental, o que se consegue a substituio de um sintoma, mais penoso e mais limitante, por outro, mais suportvel. Na ltima etapa de seu ensino, Lacan reelabora o conceito de sintoma (symptme), denominando-o ento sinthoma (sinthome). E prope: Ame o seu sinthoma tal como Freud dizia que o psictico ama o seu delrio. E situa mesmo, no final da anlise, uma reconciliao do sujeito com o seu sinthoma, uma identificao: o sujeito como sinthoma. O sinthoma inclui o sintoma e a fantasia; aproxima-se da idia de estilo. Um exemplo de sinthoma seria o prprio psicanalista. Do sintoma ao sinthoma h, assim, um avano do sujeito rumo quilo que nele existe de mais singular.
  23. 23. 23 Psicanlise pura, psicanlise aplicada Como diferenciar psiquiatria, psicoterapia, psicanlise pura e psicanlise aplicada? Existem vrias maneiras de faz-lo. A minha escolha est sendo buscar a diferena pela vertente da tica. A psiquiatria e a psicoterapia tm como ponto de partida o sintoma e trabalham visando a sua eliminao, tendo como fim a normalizao psicossocial. uma perspectiva de adaptao e conformidade social, sendo o retorno normalidade considerado uma verso da restitutio ad integrum. A psicoterapia utiliza a via da palavra e a psiquiatria, alm dela, emprega meios qumicos e/ou fsicos. O que importa, porm, que ambas esto sob a gide de uma tica que coincide com a moral. A psicanlise, por outro lado, embora tendo tambm como ponto de partida o sintoma, trabalha visando no a sua eliminao, mas certa reconciliao do sujeito com o sintoma. Em vez de tratamento do sintoma, tratamento pelo sintoma. O que implica uma mudana da relao do sujeito com o seu gozo, numa perspectiva tica que se realiza no caso a caso e em que a exigncia no adequar-se norma social, mas, sim, no ceder de seu desejo. Qual seria, entretanto, a diferena entre psicanlise pura e aplicada? Miller faz a distino. A psicanlise pura a psicanlise na medida em que ela conduz ao passe do sujeito, na medida em que ela se conclui pelo passe. A psicanlise aplicada a que concerne o sintoma, a psicanlise enquanto aplicada ao sintoma (MILLER, 2001, p. 29). Ou seja, a psicanlise pura aquela que apresenta uma sada pelo passe, e que encontra em Lacan uma definio precisa. A distino entre pura e aplicada se apia na distino entre sintoma e fantasia. A psicanlise aplicada trabalharia o sintoma, ao passo que a psicanlise pura comportaria um para alm do sintoma, quer dizer, a construo da fantasia, a travessia da fantasia. Assim formulada, a questo fica bem delimitada. Miller comenta, no obstante, que na ltima parte do seu ensino Lacan d outra definio do final de anlise: a identificao do sujeito com o seu sinthoma. Ora, o conceito de sinthoma rene sintoma e fantasia.
  24. 24. 24 Conseqentemente, com base em suas ltimas proposies,a diferena entre psicanlise pura e aplicada fica relativizada. Por mais que se considere a incessante modificao que caracteriza o ensino de Lacan (e de Freud), no h como confundir, por exemplo, psicoterapia e psicanlise aplicada. Entre tantos balizamentos possveis destaco, agora, para distingui-las, um que ressalta pela sua importncia. A psicoterapia da ordem da restituio; restituio da normalidade perdida. A psicanlise da ordem da mudana; depois dela, o sujeito no mais o mesmo, diferente de antes. A psicanlise requer mutao subjetiva. Psicanlise e psicofrmaco comum a suposio de que a psicanlise se oporia ao tratamento com o psicofrmaco. Na verdade, a crtica que ela faz ao seu emprego segundo a orientao da psiquiatria biolgica, emprego este que se realiza de acordo com determinada poltica e determinada tica. Sucintamente, uma poltica de eliminao dos sintomas e uma tica da conformidade social. Haveria lugar para o psicofrmaco no contexto de um tratamento de orientao psicanaltica? Lembraria inicialmente que, tanto da parte de Freud como da parte de Lacan, no encontramos otimismo ou alento em relao s possibilidades de um tratamento psicanaltico; existe, pelo contrrio, uma cautela fundamental. Em Freud, por exemplo, pode-se identificar um desencorajamento do analista frente psicose. E de Lacan pode-se depreender, com Miller, a frmula que reverbera como uma advertncia: nem tudo significante (MILLER, 1987). Todas essas precaues apontam para um mesmo rumo, onde est o gozo. Com efeito, em certas situaes com que se depara na clnica, por exemplo, diante de uma crise psictica, constata-se a ineficcia do significante para tratar o gozo invasivo e sem limites. A psicanlise conhece a o seu limite. Uma opo seria a interveno psiquitrica medicamentosa. Um psiquiatra que trabalhasse em sintonia com a orientao lacaniana, porm, interviria a partir de outra poltica e outra tica. Dizendo, mais uma vez, de modo sucinto: uma poltica de regulao ou moderao do gozo e uma tica da singularidade do sujeito.
  25. 25. 25 A interveno medicamentosa, nesses termos, pode tornar-se um possibilitador do tratamento psicanaltico. Por outro lado, a clnica sob transferncia, ao contribuir para a adeso do psictico ao medicamento, pode tornar-se um possibilitador do tratamento psiquitrico. O psiquiatra jamais conseguir a adeso do psictico se no souber lidar com a transferncia, ainda que no saiba formul-lo nesses termos. A segunda clnica de Lacan Tal como em Freud, h uma incessante mudana no ensino de Lacan, a ponto de permitir formular a idia de duas clnicas: a primeira, clnica estrutural ou clnica do significante, e a segunda, clnica borromeana ou clnica do gozo. Na primeira, Lacan rel Freud luz da teoria do significante; na segunda, ultrapassa-o a partir da reformulao lgica. A proposio da segunda clnica inspira-se nos seminrios de Jacques-Alain Miller que trabalham a ltima parte do ensino de Lacan, ensino este que anteviu, com notvel preciso, os tempo atuais. poca de declnio das identificaes verticais (com o pai, com os ideais), poca em que o grande Outro no existe, pois se sabe, de algum modo, de sua estrutura de fico e que tudo no passa de semblante. Era de globalizao, em que pequenos objetos (a) so encontrados em todas as esquinas, atrs de todas as vitrines, e cuja proliferao foi feita para causar o nosso desejo, pelo discurso cientfico que agora o governa. Era que sofre um desvario do seu gozo. As conseqncias esto a; a clnica est a cada dia mais distante daquela dos tempos de Freud. Os servios de sade mental conhecem bem as demandas procedentes dos novos sintomas: a depresso, o pnico, a anorexia, a bulimia, as toxicomanias, a obesidade mrbida, a delinqncia e assim por diante. A clnica , cada vez mais, uma clnica da passagem ao ato. Como enfrentar esses novos desafios? A segunda clnica alcana em seu horizonte a subjetividade de nossa poca, preparando o terreno para o tratamento dos novos sintomas. Apontarei alguns de seus aspectos, lembrando que se trata de tema novo, complexo e pouco sistematizado. Para delimitar a questo, abordarei um item do tratamento da psicose.
  26. 26. 26 Enquanto que a primeira clnica tenta examinar a psicose a partir da neurose (paradigma: Schreber), a segunda clnica caminha da psicose para a neurose (paradigma: Joyce). Reviravolta que tem implicaes tericas e clnicas, passando-se da aplicao da psicanlise psicose aplicao da psicose psicanlise (ZENONI, 2000). Em poucas palavras: a psicose que nos ensina. Ensina-nos sobre a estrutura e sobre as solues que ela prpria encontra para uma falta central no simblico. Uma conseqncia a inverso da suposio de saber, que poderia ser formulada nos seguintes termos: o psictico sabe o seu caminho. O que nos coloca em posio de aprendizagem em relao clnica, em posio de sujeito suposto no saber. Prope-se, com isso, levar ao limite o que se conhece desde os tempos de Freud: que o psictico sabe encontrar as suas solues, que o seu caminho autoconstrudo. Posio que est de acordo, tambm, com o que, h muito, se verifica na prtica clnica e que Miller traduz nos seguintes termos: O paranico s conhece o saber. Sua relao com o saber constitui seu sintoma. O que o persegue a no ser um saber que passeia pelo mundo, um saber que se faz mundo? (MILLER, 1998, p. 202)6 Com efeito, quando o Outro se apresenta para o psictico como o Outro do saber, ele encontrado de forma persecutria ou erotomanaca. Ora, se o saber est do lado do psictico, no h lugar, no tratamento, do lado do analista, para nenhuma tentativa de envio a outro sentido, nenhum deciframento ou interpretao. A interpretao est do lado do psictico, e a posio de aprendizado que pode, no tratamento, permitir ao analista escutar as indicaes que o psictico traz para o seu caso. O que foi focalizado apenas um aspecto concernente direo do tratamento, mas que suficiente para demonstrar, por exemplo, a diferena fundamental com a psiquiatria, segundo a qual o saber est do lado do psiquiatra e o psictico se reduz a um doente objeto de cuidados. L, onde s se v doena, l, onde s se v erro, a psicanlise insiste: h sabedoria. REFERNCIA BIBLIOGRFICA Alonso-Fernandez, F. (1968) Fundamentos de la Psiquiatria Actual. Tomo I. Madrid: Editorial Paz Montalvo. Bercherie, P. (1989) Os Fundamentos da Clnica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
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