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94 características importantes, a influência dos fatores ditos ambientais, incluindo a educação recebida desde tenra idade e o ambiente cultural envolvido, são muito importantes na estruturação do comportamento humano. Nesse cenário, cabe a(ao) psicólogo(a) um papel importante na articulação das implicações da Genética na área da saúde, especialmente pela possibilidade de identificar a presença de genes que aumentam a predisposição a doenças como o câncer e o Alzheimer, entre outras. Resumo: Os avanços da Genética contemporânea têm suscitado uma grande polêmica a respeito da gênese do homem e das possibilidades de agir sobre a biologia humana, repercutindo intensamente sobre os mais diversos ramos do conhecimento. Considerando a importância do tema, este texto pretende apresentar de forma sucinta os principais resultados de pesquisas sobre as bases genéticas do comportamento humano, com o foco voltado para a importância do profissional de Psicologia em questões relativas ao assunto. Palavras-Chave: Comportamento humano, genética, Psicologia. Abstract: Research on Genetics has brought great polemic about the genesis of humankind and the possibilities of acting on human biology, with several repercussions in different sources of knowledge. The objective of this text is to present in a succinct form the main results of the research about genetics of human behavior, with the focus on the work of psychologists. Key Words: Human behavior, Genetics, Psychology. A Psicologia Face aos Novos Progressos da Genética Humana 1 The Psychology face to face to the recent progress of human genetics As pesquisas no âmbito da Genética têm tido grande destaque atualmente, principalmente quando são mencionados o diagnóstico e a possível cura de doenças, a descoberta de novos genes e a clonagem. Tais informações têm sido amplamente divulgadas na mídia e na literatura científica, evocando a necessidade de realizar discussões aprofundadas por parte dos profissionais de Psicologia. Estudos recentes nessa área têm demonstrado que, embora haja a participação de genes em Rossano André Dal-Farra Graduado em Medicina Veterinária pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1992). Mestre em Melhoramento Genético Animal pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1996). Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2003). Professor nas disciplinas Genética Veterinária e Melhoramento Genético Animal do curso de Medicina Veterinária desde 1996 e de Genética do Comportamento do curso de Pós- graduação em Neuropsicologia da Universidade Luterana do Brasil desde outubro de 2000. Emerson Juliano Prates Psicólogo pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões em 1998. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina em 2002. Doutorando em Psicologia no Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina. Psicólogo Clínico desde 1999. PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2004, 24 (1), 94-107 Jupiterimages

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características importantes, a influência dos fatoresditos ambientais, incluindo a educação recebidadesde tenra idade e o ambiente cultural envolvido,são muito importantes na estruturação docomportamento humano.

Nesse cenário, cabe a(ao) psicólogo(a) um papelimportante na articulação das implicações daGenética na área da saúde, especialmente pelapossibilidade de identificar a presença de genesque aumentam a predisposição a doenças comoo câncer e o Alzheimer, entre outras.

Resumo: Os avanços da Genética contemporânea têm suscitado uma grande polêmica a respeito dagênese do homem e das possibilidades de agir sobre a biologia humana, repercutindo intensamente sobreos mais diversos ramos do conhecimento. Considerando a importância do tema, este texto pretendeapresentar de forma sucinta os principais resultados de pesquisas sobre as bases genéticas do comportamentohumano, com o foco voltado para a importância do profissional de Psicologia em questões relativas aoassunto.Palavras-Chave: Comportamento humano, genética, Psicologia.

Abstract: Research on Genetics has brought great polemic about the genesis of humankind and thepossibilities of acting on human biology, with several repercussions in different sources of knowledge. Theobjective of this text is to present in a succinct form the main results of the research about genetics of humanbehavior, with the focus on the work of psychologists.Key Words: Human behavior, Genetics, Psychology.

A Psicologia Face aosNovos Progressos da Genética Humana1

The Psychology face to face to the recent progress of human genetics

As pesquisas no âmbito da Genética têm tidogrande destaque atualmente, principalmentequando são mencionados o diagnóstico e a possívelcura de doenças, a descoberta de novos genes e aclonagem. Tais informações têm sido amplamentedivulgadas na mídia e na literatura científica,evocando a necessidade de realizar discussõesaprofundadas por parte dos profissionais dePsicologia.

Estudos recentes nessa área têm demonstrado que,embora haja a participação de genes em

RossanoAndré Dal-Farra

Graduado emMedicina Veterinária

pela UniversidadeFederal do Rio Grande

do Sul (1992). Mestreem Melhoramento

Genético Animal pelaUniversidade Federal do

Rio Grande do Sul(1996). Doutor em

Educação pelaUniversidade Federal do

Rio Grande do Sul(2003). Professor nasdisciplinas Genética

Veterinária eMelhoramento

Genético Animal docurso de Medicina

Veterinária desde 1996e de Genética do

Comportamento docurso de Pós-

graduação emNeuropsicologia da

Universidade Luteranado Brasil desde outubro

de 2000.

EmersonJuliano Prates

Psicólogo pelaUniversidade Regional

Integrada do AltoUruguai e das Missõesem 1998. Mestre em

Psicologia pelaUniversidade Federal de

Santa Catarina em2002. Doutorando em

Psicologia no Centro deFilosofia e Ciências

Humanas daUniversidade Federal de

Santa Catarina.Psicólogo Clínico desde

1999.

PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2004, 24 (1), 94-107

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Essas possibilidades diagnósticas trazem novasdemandas aos/às profissionais de Psicologia,permitindo que desempenhem um papel decisivonos processos terapêuticos, como tem sidodemonstrado por resultados de pesquisas relatadasneste texto.

Face a isso, o objetivo deste artigo consiste emdiscutir as contribuições da Genética para o estudodas bases biológicas do comportamento visandoao melhor entendimento de temas relevantesestudados pela Psicologia, assim como possíveisimplicações das técnicas diagnósticas na atuaçãodos/das profissionais da área.

Metodologias e AbordagensUtilizadas

Reflexões PreliminaresSobre Genoma e Ambiente

Refletir sobre as origens do comportamentohumano remete à noção de uma intersecção entrefatores genéticos e adquiridos. Nessa ótica, oconceito de ambiente engloba todos os fatores queagem sobre o indivíduo, desde o momento dafecundação do gameta feminino peloespermatozóide, incluindo a vida intra-uterina e avida pós-natal através da educação recebida e dasinfluências culturais.

Haldane, já na primeira metade do século XX, situao assunto desta forma: “Quando consideramos aestrutura de um organismo e de seu ambiente [...],descobrimos que os elementos estruturais noorganismo e no ambiente são coordenados unscom os outros de uma forma específica [...], nãopodemos separar a estrutura orgânica da estruturaambiental” (Haldane apud Figueiredo, 1991, p.113). Assim, não é possível conceber que osaspectos relativos aos seres vivos sejam controladosexclusivamente pelo ambiente, ou somente pelopróprio organismo biológico.

Seria equivocado considerar o indivíduo comouma tábula rasa que, passivamente, recebe, aolongo da vida, as influências do ambiente, comoconcebeu o filósofo John Locke (1632-1704)(Wertheimer, 1972), assim como não devemosconsiderá-lo como um organismo escravizado porseu conjunto de genes e dotado de umaprogramação biológica pré-estabelecida. Portanto,a expressão mais correta não seria natureza versusambiente, e, sim, natureza e ambiente (Plomin,Chipuer e Loehlin, 1990).

Pesquisas realizadas com bebês recém-nascidos,somadas aos relatos de pais e de profissionais desaúde que acompanham as crianças a partir do

A Psicologia Face aos Novos Progressos da Genética Humana

nascimento, indicam que estas apresentampeculiaridades no temperamento desde osprimeiros momentos de vida pós-natal (Bee, 1997).No entanto, não podemos esquecer que o serhumano, nascendo totalmente dependente decuidados, passa a receber influência direta dospais, demais familiares e educadores desde aconcepção, o que repercute inclusive sobre odesenvolvimento neurológico infantil, como nosmostram os estudos referentes à plasticidadecerebral (Shobris, 1996).

Assim, as pesquisas do comportamento humanodevem levar em consideração fatores múltiplos,sejam eles biológicos, culturais ou particularidadespsicológicas. A natureza multifacetada dos fatoresenvolvidos na produção das expressõescomportamentais favorece a complexidade emdetrimento da singeleza. Uma forma de entendero comportamento mais facilmente seria concebê-lo como “produto final” de um processointrincado, no qual genes e ambiente firmam um“acordo mútuo” para a continuidade da vida(Plomin, Chipuer e Loehlin, 1990).

Genética Mendeliana eAbordagens Quantitativas

A tentativa de considerar as características como sefossem determinadas por somente um par de genes,utilizando o padrão de herança mendelianasimples, foi inadequada para explicar a maioriadas características comportamentais, com exceçãode algumas patologias raras como a doença deHuntington e a demência caracterizada pelaconfusão mental e perda progressiva de memória(Plomin, Owen e McGuffin, 1994). Para a doençade Huntington, foi encontrado um tipo de herançaautossômica dominante. Essa patologia, da qual acoréia (movimentos involuntários eincoordenados) é o maior sintoma, caracteriza-sepor uma síndrome neurovegetativa que afetaprimariamente o gânglio basal (Nurberger eBerrettini, 1998).

Partindo desse pressuposto, hoje são utilizadas emgrande escala as metodologias empregadas nagenética quantitativa, considerando ascaracterísticas comportamentais como resultantesde múltiplos componentes genéticos (via de regra,com muitos pares de genes envolvidos) associadosa componentes ambientais, bem como asinterações entre ambos.

As técnicas de utilizar gêmeos monozigóticos (demesma carga genética, pois resultam de um únicoespermatozóide fecundando um único gametafeminino) e dizigóticos (resultam de doisespermatozóides que fecundam dois gametasfemininos diferentes), associadas aos estudos de

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adoção (nos quais se avaliam gêmeos criadosseparadamente e, portanto, com influênciasambientais diferentes) são comumente utilizadaspara investigações envolvendo característicascomportamentais. Os estudos envolvendo gêmeosmonozigóticos (MZ) e dizigóticos (DZ) resultam naestimativa de valores de herdabilidade, querepresentam o quanto da variação fenotípica entreos indivíduos se deve às diferenças genéticas entreos mesmos. A herdabilidade varia entre 0,0 e 1,0(0 a 100%) e, quanto maior o valor, maior aparticipação dos efeitos genéticos na característicaestudada.

As estimativas de herdabilidade (h2) podem ser

obtidas pela fórmula:

concordância entre gêmeos MZ –concordância entre gêmeos DZconcordância entre gêmeos DZ

Concordância representa a freqüência deocorrência da característica em um familiar de umafetado, nesse caso, o outro gêmeo.

Inicialmente, as estimativas de herdabilidade paracaracterísticas de personalidade apresentavamvalores entre 40 e 50%. Posteriormente, quandoforam incorporados dados envolvendo adoção,esse valor baixou a próximo de 26 a 28%, e aexplicação para essa queda deve-se principalmenteaos efeitos de assimilação que inflacionavam asestimativas iniciais entre gêmeos monozigóticos. Aassimilação representa um fator ambiental queaumenta a semelhança entre os gêmeosmonozigóticos por partilharem uma convivênciasuperior aos gêmeos dizigóticos. Tais diferençasentre os valores de herdabilidade também sãoexplicadas pelos efeitos de contraste, ou seja, pelatendência de os dizigóticos apresentarem umacompetição mais pronunciada (Plomin, Chipuere Loehlin, 1990).

Essas evidências indicam que, embora haja efeitossignificativos dos fatores genéticos, uma parcelaimportante da variação entre os indivíduos paracaracterísticas comportamentais resulta de fatoresambientais. Nesse âmbito, um componente deelevado grau de influência sobre o fenótipocomportamental é o denominado ambiente não-compartilhado. Esse fator ambiental consiste nasdiferenças resultantes entre irmãos criados juntos,sendo gêmeos ou não, sobre os quais deveriamincidir os mesmos fatores ambientais. A diferençaconsiderável presente entre gêmeos MZ paracaracterísticas de personalidade, mesmo sendogeneticamente idênticos e apresentarem os efeitosde assimilação, demonstra a importância doambiente não-compartilhado (Plomin, Chipuer eLoehlin, 1990). Segundo Plomin e Rende (1991),esse fato não significa que as experiências familiares

não sejam importantes, mas, sim, que as influênciasdos fatores ambientais sobre o desenvolvimentoindividual são específicas para cada pessoa.

Outra técnica utilizada consiste em ajustar modelosestatísticos a dados comportamentais em funçãode esta constituir uma técnica eficiente quando háum volume elevado de informações (Loehlin,Willerman e Horn, 1988); a interpretação dosresultados, porém, pode ser errônea nos casos emque são utilizados dados provenientes de amostrase desenhos experimentais diferentes (Plomin,Chipuer e Loehlin, 1990).

Biologia Molecular

Os avanços na Genética Molecular têm auxiliadoas investigações na área através da tentativa deidentificar, no DNA, genes responsáveis porcaracterísticas comportamentais. O fato de asmesmas serem determinadas por muitos pares degenes, bem como pela interação destes com osfatores ambientais, dificulta a associação de fatoresgenéticos com seus respectivos fenótiposcomportamentais; entretanto, resultados depesquisas têm permitido encontrar associaçãoentre genes específicos e psicopatologias, mesmoque, em muitos casos, os resultados obtidos emum determinado grupo de pessoas não tenhamsido repetidos em outros grupos de indivíduos,dificultando a generalização dos mesmos (Plomine Rende, 1991; Plomin, Owen e McGuffin, 1994).A tendência atual consiste em encontrar genes quecontribuam para a variância genética emcaracterísticas quantitativas, visando a atribuirpredisposições probabilísticas de ocorrência e nãoprogramações determinísticas de fenótiposcomportamentais. Esse procedimento é realizadoatravés da busca de correlação entre fenótipos e apresença de genes, ou mesmo diferenças nasfreqüências gênicas entre indivíduos com acaracterística quando comparados a outros quenão a possuem. Os resultados da referida técnicajá apresentaram evidências importantes empsicopatologias como o mal de Alzheimer, porexemplo. Estudos com outras característicasencontram-se em andamento.

As pesquisas que procuram relacionar os genescom as características utilizam marcadoresgenômicos, que consistem em regiões do DNA quepossam ser utilizadas como indicadores dos genesrelacionados às características quantitativascomportamentais, embora, na maioria dos casos,os mesmos não indiquem a certeza de presençada mesma, e, sim, uma predisposição a ela.Acrescente-se que, atualmente, os resultados depesquisas procuram não ser tão taxativos comoantigamente, quando se afirmava ter encontradoo “gene da inteligência” ou o “gene do alcoolismo”.

Rossano André Dal-Farra & Emerson Juliano Prates

h2 =

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Os resultados são apresentados como sendo, porexemplo, “genes associados às características”, jáque foram encontrados em muitos estudos, dentrodo mesmo grupo familiar investigado, indivíduosque possuíam os marcadores genômicos eapresentavam as características, e indivíduos quetinham os marcadores genômicos mas que não asapresentavam (Le Roy, 1999).

Resultados de pesquisas sugeriram a possívelassociação entre uma mutação rara no gene quecodifica a monoaminoxidase A (MAOA) e umasíndrome de retardo mental “borderline”caracterizada, também pela tendência emproduzir incêndios criminosos e exibicionismo(Mann, 1994). Esse gene, localizado nocromossomo X, codifica a enzima MAOA ligadaao metabolismo dos neurotransmissoresdopamina, serotonina e norepinefrina. A mutação,derivada de uma substituição de uma citosina poruma timina, não é funcional, levando ao déficitda enzima e, portanto, ao aumento daconcentração de dopamina, serotonina enorepinefrina no sistema nervoso e, possivelmente,ao comportamento agressivo. Entretanto, taisalterações genéticas nem sempre conduzem aoproblema, já que há portadores dessa mutaçãoconstituindo famílias bem estruturadas (Mann,1994).

A propósito, o seqüenciamento do genomahumano no ano 2000 não trouxe apenasrespostas, mas, sim, muitas dúvidas. Considerandoque um gene é um segmento de DNA que codificaproteínas (responsáveis por múltiplas funções nafisiologia humana), o fato de indivíduosapresentarem genes diferentes significa apossibilidade de produzirem proteínas diferentese, portanto, de possuírem peculiaridades emdeterminados aspectos fisiológicos, com relação,inclusive, aos neurotransmissores e aos receptoresde membrana celular para os mesmos, assim comoas implicações decorrentes desses processos.

O termo genoma representa o conjunto de genesdo indivíduo ou da espécie, sendo representadopela molécula de DNA composta por seqüênciasde nucleotídios. Os nucleotídios são formados porbases nitrogenadas+pentose+fosfato; no entanto,apenas as bases nitrogenadas variam de umnucleotídio para outro, portanto, os indivíduostêm genes diferentes porque possuem seqüênciasde bases diferentes no seu DNA.

O genoma humano tem aproximadamente 3,2bilhões de pares de bases, entretanto, estima-seque apenas 3% desse total esteja diretamenteenvolvido na produção de proteínas. Os outros97% do DNA corresponderiam, segundo ashipóteses mais consolidadas, a resquícios da

evolução ao longo das eras, ou seja, a seqüênciasde bases que deixaram de ter função no serhumano, e também a seqüências de DNA queatuam na regulação da expressão dos genes ativos(genes que codificam proteínas). Outra constataçãoé a presença de uma semelhança em torno de99,9% nas seqüências de bases do DNA de duaspessoas, diferindo em apenas 0,1% das basesnitrogenadas. As pesquisas demonstraram, ainda,que a idéia anterior de que cada gene codificavauma proteína não estava correta, pois um segmentode DNA pode gerar mais proteínas diferentes, deacordo com as porções de DNA incluídas nomomento da síntese protéica. No gene que codificaa proteína precursora do amilóide, por exemplo,associada à doença de Alzheimer, podem serformados oito transcritos (RNA mensageirosproduzidos a partir do DNA e que irão entrar em

síntese protéica) gerando, portanto, proteínasdiferentes de acordo com as regiões presentes noRNA (Brown, 2000, Samaia e Vallada Filho, 2000,Sapolsky, 2000, Souza, 2001 Wahlsten, 1999).

Inteligência

O primo de Charles Darwin, Francis Galton, járealizava, na virada do século XIX para o séculoXX, pesquisas que visavam a avaliar as diferençasindividuais nas habilidades cognitivas através detestes mentais (Shobris, 1996). Infelizmente, osexcessos praticados por ilações equivocadas dosresultados de metodologias semelhantes às deGalton levaram a atos extremos de discriminação

O termo genomarepresenta o conjuntode genes do indivíduoou da espécie, sendorepresentado pelamolécula de DNAcomposta porseqüências denucleotídios.

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social no século XX. Gould (1991) relata na suaobra A Falsa Medida do Homem os usos de taispesquisas com objetivos eugênicos visando aclassificar os indivíduos hierarquicamente. O autordescreve estudos craniométricos em indivíduos dediferentes etnias, ainda na primeira metade doséculo XIX nos Estados Unidos, realizados por S.G. Morton, assim como as interpretações errôneasdecorrentes dessas pesquisas. Outros casosimportantes referem-se à aplicação de testespsicológicos nas escolas e no exército americano,desconsiderando as advertências de Binet e oscuidados recomendados pelo educador francêspara a utilização das técnicas. Os testes foramaplicados também em imigrantes para verificar suashabilidades intelectuais, possibilitando aidentificação daqueles que não deveriam entrarno país por apresentarem resultados inferiores.

Entretanto, o mais surpreendente foi a aplicaçãode testes mentais que poderiam resultar naesterilização sumária do indivíduo quando omesmo apresentasse escores inferiores. Gould(1991) relata, no final do livro, o caso da mulherque havia sido esterilizada ainda jovem sob aalegação de que era um procedimento destinadoà correção de hérnia e apendicite. Segundo o autor,uma lei aplicada entre 1924 e 1972 no Estado daVirgínia levou mais de 7.500 pessoas à esterilizaçãodevido aos resultados obtidos por elas em testesmentais da época, considerados muito rigorosospelos padrões atuais, segundo as palavras de Gould.Provavelmente, devido a esses trágicos exemplosque tanto envergonham os pesquisadores eacadêmicos atuais, torna-se delicado comentar arespeito de diferenças genéticas entre as pessoas,especialmente devido às dicotomias presentes entreos ramos do conhecimento ligados à Biologia emcontraposição às ciências humanas, dificultandoo estudo das potencialidades inerentes aosindivíduos.

Definitivamente, devemos salientar que buscardiferenças não significa excluir, mas, sim, tentarauxiliar cada pessoa com base no conhecimentoque possuímos sobre o homem como serbiopsicossocial. Os pesquisadores da área daGenética têm justamente demonstrado que osfatores ambientais (não-genéticos) sãofundamentais para a estruturação e odesenvolvimento do ser humano. Deve-se ressaltarque seria errôneo atribuir tendências eugênicascaracterísticas do século XIX e da primeira metadedo século XX aos estudos genéticos atuais,considerando que hoje as pesquisas valorizam apresença de genes diferentes nos indivíduos poruma série de aspectos fisiológicos, sendo amiscigenação étnica um aspecto favorável porpermitir grande variabilidade genética. A respeitode diferenças, hoje temos observado a emergência

de abordagens que apontam para elas sem aludira quaisquer formas de discriminação, procurandovalorizar habilidades diferentes, como demonstrouHoward Gardner (1994) com as inteligênciasmúltiplas.

Estudos relativos à participação de fatores genéticossobre a inteligência incluem as estimativas decorrelações entre valores obtidos por indivíduosaparentados em testes de QI. Para gêmeos MZ,foram encontradas correlações de 0,86 quandocriados juntos e 0,72 quando criadosseparadamente, assim como valores de 0,47 parairmãos criados juntos e 0,24 para irmãos criadosseparadamente (Atkinson, et al., 1995). A diferençaentre gêmeos MZ criados juntos e gêmeos MZcriados separadamente é de pequena magnitude,indicando a participação de fatores genéticos nainteligência.

No entanto, os valores acima podem estarexprimindo fatores genéticos associados a fatoresambientais; além disso, os resultados dos estudosmostram, ainda, que as influências genéticas sãomaiores com o avanço da idade (as correlaçõesaumentam) e que são encontrados valores maiselevados de QI para indivíduos adotados do queseria esperado se tivessem ficado com os seus paisbiológicos, demonstrando a importância doambiente.

Shobris (1996) define inteligência como umprocesso ativo e de transformação, em que dadossensoriais são sintetizados na forma mais simplespossível de representação, com o objetivo demaximizar a eficiência comportamental. O autordiscute a validade dos testes de QI comoindicadores de inteligência, mesmo considerandoo seu valor preditivo para o sucesso acadêmico epara o número de anos completados na escola.Entretanto, a alta correlação dos escores de QIcom outros testes indica que o mesmo pode estarligado ao fator “g”, definido como uma medidageral de habilidades cognitivas, provavelmenteconectada a um grupo de genes, cada qual comparcelas pequenas de participação. No entanto,as evidências para confirmar tal fator como umindicador preciso da inteligência ainda são depequena magnitude (Mann, 1994). Para Shobris(1996), a especificidade dos testes de QI nãocontempla as peculiaridades culturaisdesenvolvidas por diferentes grupos étnicos,produzindo resultados inconclusivos.

Outro fator importante consiste na relação íntimaexistente entre o córtex pré-frontal e a expressãoda inteligência. Ao córtex pré-frontal foi atribuídaa habilidade de ordenar conceitos e reexaminarconclusões prévias tomadas pelo cérebro posterior.Estudos neuropsicológicos sugerem que os testes

buscar diferençasnão significa excluir,

mas, sim, tentarauxiliar cada pessoa

com base noconhecimento que

possuímos sobre ohomem como ser

biopsicossocial.

Rossano André Dal-Farra & Emerson Juliano Prates

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de inteligência focalizam basicamente a atuaçãoda porção posterior do cérebro, maisespecificamente, o lobo parietal esquerdo,responsável principalmente por processarabstrações analíticas e espaciais, uma habilidadenecessária para um bom desempenho em testesde inteligência (Shobris, 1996).

A plasticidade do cérebro também deve serobservada. Essa propriedade resulta das alteraçõessubstanciais ocorridas nos processos mentais deacordo com a utilização das funções cerebrais peloindivíduo. Durante a maturação cerebral, ocorreum processo de seleção neural que pode resultarna eliminação dos neurônios ou junções neuronaisnão funcionais. A possibilidade de conexões entreneurônios no início do desenvolvimento docérebro é muito grande, diminuindosensivelmente após a maturação do mesmo. Aplasticidade permanece em menor grau no órgãomaduro devido à formação de novas conexões etambém pelo reforço aos caminhos neuronaisutilizados com maior freqüência. Tais processosestão altamente ligados aos fatores ambientais aque os indivíduos são submetidos (Shobris, 1996).Portanto, mesmo considerando a participaçãoimportante dos fatores genéticos sobre algumascaracterísticas (Loehlin, Willerman e Horn, 1988),a educação, os aspectos culturais envolvidos e osdemais estímulos recebidos desde os primeirosmomentos de vida influem decisivamente sobre ocomportamento.

Quanto ao retardo mental, sabemos daimportância das anormalidades cromossômicas egenéticas e as alterações cognitivas decorrentes dasmesmas. Considerando a classificação deindivíduos com QI abaixo de 50 comoapresentando retardo mental severo e deindivíduos com QI entre 50 e 70 como portadoresde retardo mental moderado, verifica-se que osfilhos de indivíduos com retardo mental leveapresentam QI em média de 85 pontos, e quefilhos de pais com retardo mental severo têm prolecom uma curva bimodal, apresentando picos nosvalores de 50 e de 100. Os riscos de recorrênciaem uma mãe que já tem um filho com retardomental variam de 9,5% a 23%, dependendo daseveridade da doença e da história reprodutiva damãe. Para mães com mais de um filho com oproblema, o risco é de 25 a 50%. As causasencontradas em diferentes estudos foram: 20%anomalias cromossômicas, 6,7% causasmetabólicas, 10% Síndrome de Down, 3,3%Síndrome do X–frágil, 6,7% outras anomalias nocromossomo X, 13,3% microcefalia familiar(caracterizada pela presença de um tamanho dacabeça com três desvios padrões abaixo donormal) e 40% outras causas não-genéticas. Asíndrome do X-frágil ocorre com maior freqüênciaem homens, que apresentam alteração na região

Xq27.3 (na porção denominada 27.3 do braçolongo do cromossomo X) decorrente de umaumento da seqüência de bases nitrogenadas CGGnos indivíduos afetados (230 a 2000 cópias, sendoo normal de 6 a 50 cópias) (Nurnberger e Berrettini,1998).

Com relação à Biologia Molecular, Tang et al.(1999) estudaram em camundongos o gene NR2B,relacionado ao receptor de N-metil-D-aspartato(NMDA) presente em células neuronais que atuamnos processos de memória, especialmente nohipocampo. Camundongos que tiveram essesreceptores bloqueados ou inativados através detécnicas de Biologia Molecular apresentaramaprendizagem e memória extremamenteprejudicadas em relação aos não-alterados. Emcontrapartida, animais geneticamente modificadose com maior expressão dos referidos receptoresligados ao NR2B apresentaram maior aptidãoquando comparados a camundongos não-modificados. Um dos testes aplicados nessesanimais foi a colocação destes em gaiolas, ondepuderam explorar peças diferentes de um jogo dequebra-cabeça. Passados vários dias, uma peça foitrocada e os camundongos colocados novamentena gaiola. Os animais transgênicos (com mais cópiasdos genes) reconheceram o objeto antigo e trataramde explorar o novo, ao contrário dos outros, queexploraram as peças velhas e as peças novas,desperdiçando o mesmo tempo com ambas. Nosegundo teste, os camundongos foram colocadosem uma câmara onde recebiam choques nas patas.Quando voltaram ao mesmo local, posteriormente,os transgênicos demonstraram estar mais temerososque os demais. Ao repetir a experiência, mas semos choques, estes perceberam mais rápido que operigo havia passado. Noutro teste, oscamundongos foram colocados em uma piscina,havendo uma plataforma submersa próxima a umaborda para ajudá-los a sair da água. Os transgênicosaprenderam a localizar a plataforma em três sessões,enquanto os outros precisaram de seis.

A pesquisa provou que o gene NR2B foifundamental no controle da habilidade cerebralde associação entre eventos nos camundongos,uma propriedade básica do aprendizado. Quandosinais diferentes chegam ao mesmo tempo, porexemplo, um associado a um objeto e o outro, àsensação de dor, o receptor é ativado, gerandouma resposta condicionada de dor associada aoobjeto. Por disporem do gene NR2B emabundância, os neurônios dos ratos transgênicostêm mais receptores e, portanto, aprendem maisrápido. Os seres humanos possuem um genecorrespondente ao NR2B, mas seu efeito nainteligência ainda não foi estabelecido. No entanto,torna-se possível vislumbrar a possibilidade detratamentos para o Alzheimer e para outros tiposde patologias ligadas ao sistema nervoso, embora

A Psicologia Face aos Novos Progressos da Genética Humana

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ainda seja cedo para fazer previsões, especialmenteconsiderando as complexas implicações dautilização dessas tecnologias com humanos.

O mais importante em tais resultados é a relaçãodesse processo com a plasticidade cerebral, já queo NMDA (N-metil-D-aspartato), através de suaatuação nos processos de memória, participa doreconhecimento de semelhanças entre eventosdistintos, abrindo caminhos para novasinvestigações a esse respeito.

Plomin e DeFries (1998) comentam a respeito deum marcador localizado no braço curto docromossomo 6 que foi relacionado com a falta dehabilidade para leitura, pois o mesmo se encontravaem maior freqüência no grupo de indivíduosestudados; no entanto, há problemas ao tentarreplicar os estudos de forma ampla, dificultandoas inferências sobre a influência desse gene,isoladamente, sobre a característica.

Psicopatologias

Esquizofrenia

Uma dificuldade na abordagem genética dessapsicopatologia está na tênue linha divisória entreos indivíduos normais e os afetados. Embora hajaindivíduos reconhecidos como esquizofrênicos,não há uma certeza em separar os afetados dorestante da população. Evidências permitemconsiderar a esquizofrenia como uma patologiaheterogênea, sendo confundida com uma série

de outras doenças de origem genética e/ouambiental, o que demandaria a formação desubgrupos homogêneos para testar a etiologia dasdiferentes formas de esquizofrenia (Nurnberger eBerrettini, 1998).

A ocorrência familiar da esquizofrenia pode serdemonstrada devido ao risco de 9% de um irmãode esquizofrênico apresentar a patologia. Paragêmeos o risco aumenta para 16% em dizigóticose 48% em monozigóticos. Embora possam ocorrerproblemas devido à atuação concomitante defatores ambientais nos números acima, os valoressão elevados se considerarmos que o risco deocorrência na população em geral é de 1% (Hall,1996).

Estudos mais consistentes apontam para ainfluência genética sobre a esquizofrenia a partirdo resultado de pesquisas de adoção. Umapesquisa demonstrou que o risco de filhos de mãesesquizofrênicas apresentarem esquizofreniaquando adotados por outros pais foi semelhanteao encontrado para indivíduos criados por paisesquizofrênicos. Foram encontrados, ainda, valoresde concordância em torno de 45% para essapsicopatologia em gêmeos MZ e concordânciapróxima a 15% para gêmeos DZ (Plomin, Owen eMcGuffin, 1994).

Loehlin, Willerman e Horn (1988) comentam quegeralmente há uma elevada taxa de doençasesquizoafetivas, destacando-se a esquizofrenia epersonalidade esquizotípica nos parentes deindivíduos esquizofrênicos, mas a tentativa deassociar tal tendência familiar a apenas um locusgênico não tem sido bem sucedida. Provavelmente,são vários os genes que exercem efeitos sobre essadoença ou ocorre uma combinação de fatoresgenéticos e ambientais interligados na geração dossintomas. Também há evidências sugerindo quefilhos de mães esquizofrênicas, quando adotadospor famílias problemáticas, tenham maiorprobabilidade de manifestar essa psicopatologia,sugerindo haver fatores desencadeantes queconcorrem para o surto esquizofrênico.

A influência de fatores ambientais também podeser demonstrada considerando que aprobabilidade de um indivíduo ser esquizofrênicotendo um irmão com a psicopatologia é maior doque o risco de um filho de pai esquizofrênico ter adoença, embora a porcentagem de genescompartilhados por pai e filho e por irmãos seja amesma, ou seja, o fato de os irmãos terem sidocriados na mesma família é um fator que deve serconsiderado (Tsuang, 2000).

Pesquisas em Biologia Molecular sugerem que ospossíveis genes responsáveis pela esquizofreniaestariam localizados nos cromossomos 6, 8, 10 e

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13, embora a identificação precisa dos mesmosainda não tenha sido realizada, talvez prejudicadapelas dificuldades de formar grupos homogêneosde pacientes, considerando as diferentesmanifestações da esquizofrenia em subgrupos desintomas específicos (Tsuang, 2000).

Transtorno Unipolar e Bipolar

Embora haja relatos de casos familiares dedepressão associados a regiões cromossômicas dopar 11 e do cromossomo sexual X, os resultadostêm sido controversos (Marshall, 1994).Provavelmente, o estudo das bases genéticas dadepressão é dificultado pelas diferenças existentesentre as concepções diagnósticas e pelaheterogeneidade etiológica, produzindo resultadosambíguos (Loehlin, Willerman e Horn, 1988).

Estudos com famílias demonstram que o risco deum parente de primeiro grau de um bipolar é setevezes maior de ser bipolar e três vezes maior de serunipolar quando comparados com não-parentesde bipolar. Em relação aos estudos com gêmeos,um resumo de cinco estudos desde 1975 apresentavalores de concordância, para gêmeos MZ, entre53% e 75%, e entre 13% a 29% para gêmeos DZ.Estudos de adoção não são muito freqüentes paratranstornos de humor; no entanto, em umainvestigação com 29 adotados que apresentavamtranstorno bipolar, foi verificado que 31% dos paisgenéticos desses adotados apresentavam distúrbiosafetivos, valor bem superior à prevalência dotranstorno nos seus pais adotivos, que foi de 12%(Lima e Valada Filho, 2000).

A busca de marcadores genéticos de localizaçãoconhecida que possam indicar portadores de umadoença sugere haver diversas regiões pertencentesa diferentes cromossomos, que podem estarenvolvidas no transtorno bipolar. A região commaior ocorrência de famílias afetadas é a Xq28(região 28 do braço longo do cromossomo X).Outros estudos indicam regiões dos cromossomos4, 6, 13, 15, 18, 21 e 22, mas há a dificuldade dereplicação em outros grupos de indivíduos (Limae Valada Filho, 2000).

Os estudos com genes candidatos têm sidorealizados em relação ao transtorno unipolar ebipolar. Esses genes são assim denominados porcodificarem proteínas que são reconhecidas peloenvolvimento na fisiologia da característicainvestigada, e os estudos realizados visam a verificarse as diferenças encontradas nos indivíduospodem indicar predisposições importantes. Nocaso específico do transtorno bipolar, sãopesquisados os genes relacionados à enzimatirosina hidroxilase, que participa da síntese dasmonoaminas, assim como os genes associados à

monoaminoxidase A e B, que metabolizam aserotonina, a adrenalina e a dopamina. No entanto,as evidências encontradas para esses candidatosnão foram replicadas em outros estudos.Polimorfismos no gene que codifica o receptorserotoninérgico 5-HT2A foram investigados empacientes bipolares, assim como variantes do geneda catecol-o-metiltransferase (COMT). Embora asinvestigações tenham resultados interessantes,indicando a participação de fatores genéticos sobreos transtornos de humor, a grande maioria dessesresultados não foi replicada em outros grupos defamílias analisadas (Lima e Valada Filho, 2000).

Alcoolismo e Drogadição

A investigação a respeito do alcoolismo e dadrogadição aponta para um modelo multifatorialde herança, devido à influência de diferentesfatores genéticos e ambientais, bem como àinteração dos mesmos. Há indícios de que ainfluência genética sobre a personalidade anti-social favoreça tanto o abuso de álcool como o deoutras drogas (Crabbe, Belknap e Buck, 1994).

Há evidências de que o alcoolismo seja deocorrência familiar, e que ocorra maisfreqüentemente em homens do que em mulheres.A preponderância familiar parece estar relacionadacom fatores genéticos, e a diferenciação por gêneroparece ser primariamente resultante de aspectossocioculturais (Nurnberger e Berrettini, 1998). Umestudo procurando avaliar a importância dogênero demonstrou valores de concordância emgêmeos MZ de 76% para homens e 35,5% paramulheres, assim como em gêmeos DZ asconcordâncias foram 60,9% para homens e 25%para mulheres, resultando em valores deherdabilidade de 0,35 para homens e 0,24 paramulheres (Diniz-Silva e Carvalho, 1999).

Estudos de adoção comparando 55 homensadotados de pais alcoolistas e 78 adotados sempais alcoolistas demonstraram que o risco dealcoolismo foi de 18% para o primeiro grupo e5% para o segundo (Nurnberger e Berrettini,1998).

As pesquisas a respeito do alcoolismo edrogadição demonstram um exemplo típico dadificuldade de atribuir a localização de genesligados a características comportamentais emregiões cromossômicas específicas. Embora umestudo tenha relacionado o receptor D

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alcoolismo e, posteriormente, ao uso de cocaína,investigações posteriores com outros indivíduosnão sustentaram a hipótese, sendo essa a grandedificuldade de estudar característicascomportamentais complexas, pois, mesmo quealgumas pesquisas correlacionem determinados

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genes ao comportamento, freqüentemente osresultados não são repetidos com outros gruposde indivíduos (Holden, 1994).

A monoaminoxidase (MAO) tem sido encontradaem níveis mais baixos em alcoolistas do que napopulação em geral. No entanto, alguns estudosindicam que o nível dessa enzima pode estarafetado pela ação da nicotina. Considerando quemuitos alcoolistas são tabagistas, os efeitos podemestar confundidos. Cloninger (1987, citado porNurnberger e Berrettini, 1998) considera que hádois subtipos de alcoolismo. O tipo I é menosherdável e mais comum, tendo início após os 25anos de idade e encontrando-se associado ao usodo álcool junto à perda do controle, muita culpae medo. O tipo II tem início antes dos 25 anos, émais herdável e limitado aos homens, cujos afetadossão inábeis para a abstenção ao álcool,apresentando níveis muito baixos de MAO.Segundo o autor, ao contrário do tipo I, osalcoolistas do tipo II apresentam uma avidez pornovidades, associada à dopamina, além detendência a não evitar problemas (associada àserotonina) e também alta dependência derecompensas, ligada à norepinefrina. O fato de aMAO atuar na degradação de dopamina,serotonina e norepinefrina permite concluir sobrea importância da diminuição dessa enzima nosalcoolistas do tipo II e com a predisposição genéticaao alcoolismo (Nurnberger e Berrettini, 1998).

Outro estudo interessante relaciona a influênciade genes com a diminuição da predisposição aoalcoolismo em asiáticos (japoneses). Ometabolismo do álcool envolve duas enzimasproduzidas no fígado, a álcool desidrogenase(ADH), que o transforma em acetaldeído, e aaldeído desidrogenase (ALDH), que age sobre oacetaldeído gerando o ácido acético. O acúmulode acetaldeído no sangue, devido a maior funçãode ADH ou decorrente de menor ação da ADLH,foi associado à baixa predisposição ao alcoolismo.Uma variante atípica da ADH, chamada deADH2*2 (presente em 5 a 20% nos europeus, masem 90% dos japoneses), proporcionou produçãoacelerada de acetaldeído. Os efeitos desseacúmulo são: rubor facial, taquicardia e mal-estar,tendo um efeito protetor ao álcool, pois taissintomas inibem o consumo diante dessassensações desagradáveis. Os portadores de umavariante inativa de ALDH, denominada ALDH2*2,cuja ação aumenta a concentração de acetaldeídono sangue, apresentaram os mesmos efeitospresentes nos portadores de ADH2*2. A varianteALDH2*2 foi encontrada com a freqüência de 50%nos japoneses, sendo rara em europeus (Diniz-Silvae Carvalho, 1999).

Alzheimer

Foram encontrados quatro genes relacionados como Alzheimer, com resultados replicados empopulações diferentes, permitindo, assim, atribuirgrande participação destes na ocorrência dapatologia, abrindo caminho para possibilidadesde solucioná-la (Nurnberger e Berrettini, 1998).No cromossomo 19, foi identificado o gene ApoE,associado à Alzheimer de início retardado. Omecanismo possível para explicar a relação com adoença é que a enzima ApoE4, codificada pelogene, se liga à proteína amilóide, auxiliando aformação de um amilóide neurotóxico insolúvel(Dal Pizzol, Klamt e Quevedo, 2000).

Foram encontradas também três regiões do DNArelacionadas ao Alzheimer precoce, em quemutações nos genes foram associadas à ocorrênciada patologia, como as seguintes: mutações no geneda proteína precursora do amilóide (PPA) docromossomo 21 (21q11), estudada em 19 famílias,mutações no gene da pré-selinina 1 (PS-1) docromossomo 14 (14q24.3), estudada em 50famílias, e mutações no gene da pré-selinina 2 (PS-2), localizado no cromossomo 1. Evidênciassugerem que as mutações no PS-1 e no PS-2 estãoassociadas ao processamento anormal da PPA, ese considerarmos que os neurônios afetados peladoença apresentam placas de amilóide,principalmente o ß-amilóide (peptídio codificadopelo PPA), identificamos uma relação importanteentre tais genes e o Alzheimer (Dal Pizzol, Klamt eQuevedo, 2000).

Samaia e Vallada Filho (2000) apontam, ainda,características interessantes a respeito da doença.Apenas 10% dos pacientes com Alzheimer do tipofamiliar tem a doença causada pelos genesestudados. Os autores também afirmam que,embora esteja demonstrada a participação do aleloe4 da apoliproteína, no Alzheimer, o fato de oindivíduo ter o gene não se constitui em condiçãonecessária para apresentar a doença, sendoencontrados indivíduos saudáveis que podem,após o envelhecimento, apresentar lesõessemelhantes aos pacientes com a doença, etambém pacientes com Alzheimer que nãoapresentam as alterações genéticas reconhecidascomo causa da doença.

Outras Psicopatologias

Loehlin, Willerman e Horn (1988) apontam paraevidências genéticas na Síndrome de Briquet, umapatologia ocorrida tipicamente em mulheres, quese caracteriza pela presença de sintomas físicosmúltiplos e inexplicáveis em muitos órgãos, alémde intensas somatizações associadas à depressão eà ansiedade. É importante ressaltar que essa

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patologia tem incidência familiar e foi associada aíndices elevados de homens com personalidadeanti-social na família. Segundo os autores, essesresultados indicam que as duas patologias podemser formas sexo-ligadas de expressão de umdistúrbio e que talvez sejam influenciadas pelomesmo fator genético.

Alguns estudos sobre transtorno do pânicodemonstram uma prevalência de 13% em parentesde primeiro grau afetados contra 3,5% dapopulação em geral. Pesquisas sobre neurose deansiedade com gêmeos demonstram umaconcordância de 41% para gêmeos MZ e de 17%para DZ, assim como outros estudos apresentamconcordâncias maiores para MZ do que para DZna síndrome do pânico; entretanto, há umacarência de estudos de adoção que possamdemonstrar os efeitos genéticos de formacontundente (Messas e Vallada Filho, 2001).

Há, ainda, uma pequena evidência sobre aherança genética do transtorno obsessivo-compulsivo, embora os estudos sejam poucoconclusivos, constituindo-se apenas napossibilidade de que alterações de ordem genéticana serotonina possam estar ligadas ao transtorno(Nurnberger e Berrettini, 1998).

Contudo, as implicações e as inferências a respeitodas alterações bioquímicas - não apenas no casoespecífico do transtorno obsessivo-compulsivo - ea contrapartida destas sobre o comportamentopodem conduzir o debate para a seguinte questão:a diminuição ou aumento de neurotransmissoresou outras substâncias no organismo se constituemna causa dos problemas ou simplesmenterepresentam as conseqüências de disposiçõespsíquicas?

Investigações mais detalhadas poderiam elucidarquestões importantes a respeito das interconexõesentre o psíquico e o biológico nos aspectos maisamplos da mente humana.

Sobre o autismo, foram encontradas asconcordâncias de 36% para gêmeos MZ e 10%para gêmeos DZ. Em contrapartida, quando ofenótipo – presença de autismo - incluíadeficiências cognitivas e de linguagem, as taxas deconcordância chegaram a 82% para MZ e 10%para DZ. Há evidências de associação da patologiaa outras doenças genéticas, como a síndrome doX-frágil, a fenilcetonúria e determinadasanormalidades cromossômicas. Pesquisasrealizadas com pais de autistas indicaram quemuitos apresentavam comportamento dedistanciamento, rigidez, ansiedade e alterações nafala, na cognição e no relacionamento interpessoalquando comparados com indivíduos controle,

representados por pais de crianças com síndromede Down (Nurnberger e Berrettini, 1998).Entretanto, embora sejam encontradasconcordâncias altas para autismo em gêmeos, omesmo não ocorre para irmãos nascidos emépocas diferentes (concordância de 1,7%),sugerindo que o ambiente intrauterino podedesempenhar um papel importante no autismo(Loehlin, Willerman e Horn, 1988).

Personalidade

O estudo das influências genéticas sobre ascaracterísticas da personalidade passa peladificuldade de definir precisamente quais são ecomo são essas características. Bouchard (1994)apresenta uma classificação dividindo ascaracterísticas da personalidade em cinco fatores

1.

● Extroversão - os indivíduos de comportamentopositivo para essa característica são persuasivos,decididos e com aptidão para a liderança.

● Tendência à neurose – indivíduos que superamrapidamente as experiências desagradáveis eapresentam estabilidade emocional apresentambaixa tendência à neurose.

● Conscienciosidade - os metódicos, responsáveis,pragmáticos e seguros são indivíduos com aptidãopositiva para a conscienciosidade.

● Afabilidade - as pessoas simpáticas, cordiais,amáveis e leais são exemplos de atitudes positivaspara essa característica.

● Abertura – curiosidade e originalidadeaparecem de forma positiva, associadas a grandetendência à imaginação e reflexão e à facilidadeem ter experiências novas.

Pesquisas realizadas com gêmeos indicam que acaracterística tendência à neurose, seguida dacaracterística abertura e da característicaconscienciosidade, foram as que apresentarammaior influência genética. Destaca-se também quefatores não-genéticos (incluindo ambientecompartilhado e não-compartilhado) representama maior parcela de participação nas características,demonstrando a complexidade que representa acombinação de fatores ambientais e biológicos naexpressão das características de personalidade(Bouchard, 1994).

Atkinson et al. (1995) cita um estudo onde foramencontrados os seguintes valores de correlação paracaracterísticas de personalidade: gêmeos MZcriados juntos = 0,52, gêmeos MZ criadosseparadamente = 0,49, gêmeos DZ criados juntos

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1 Tradução realizada pelosautores do artigo a partir deextraversion, neuroticism,c o n s c i e n t i o u s n e s s ,agreeableness e openness.

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= 0,23 e gêmeos DZ criados separadamente =0,21. Observamos que as semelhanças são maiorespara gêmeos MZ do que para gêmeos DZ, e que osvalores entre gêmeos criados juntos e gêmeoscriados separadamente são semelhantes, sugerindoa participação de fatores genéticos.

Bouchard (1994) cita, ainda, uma tendência naspesquisas dessa natureza em considerar que osindivíduos, em conseqüência de suasdeterminações genotípicas, fazem suas opçõesdentro de uma variedade de estímulos e eventosque o ambiente proporciona durante a sua vida,construindo um conjunto próprio e único deexperiências no ambiente em que vive. Portanto,os fatores genéticos influenciam os fatoresambientais particulares ao indivíduo. Isso significaconsiderar o/a homem/mulher como um serdinâmico, criativo, cujo desenvolvimento éacompanhado por oportunidades de aprender eexperimentar novos ambientes e, assim, ampliaros efeitos do genótipo sobre o fenótipo, neste caso,as características de personalidade.

Reflexões Finais e a Atuação doPsicólogo

Mann (1994) cita um comentário de Steven Rose,autor de um livro antieugênico chamado Not inOur Genes, segundo o qual a influência de fatoresgenéticos sobre o comportamento humano existee é verdadeira; entretanto, é problemática atendência das pessoas em transpor esta afirmaçãopara o determinismo neurogenético, sugerindo queos genes determinam o comportamento, e nãoapenas influenciam-no, em consonância com oambiente social.

Conforme Plomin e Rende (1991), a complexidadedo fenótipo comportamental humano decorre dofuncionamento do organismo como um todo e deseu dinamismo e grande flexibilidade em produzirrespostas frente às alterações do ambiente. Outraspeculiaridades dessas características decorrem dofato de as mesmas, via de regra, apresentarem umadistribuição contínua, sendo influenciadas pelosfatores ambientais e por um grande número depares de genes, cada qual contribuindo com umpequeno efeito para o fenótipo total, o quecorrobora a hipótese que considera as tendênciasgenéticas como probabilísticas e não comodeterminísticas. Com base nessas afirmações, háuma tendência entre os pesquisadores de encararas psicopatologias não simplesmente através da suapresença ou ausência nos indivíduos, e, sim, atravésde um novo olhar que considera os afetados pelascaracterísticas como os extremos de umadistribuição contínua, composta por pessoas com

diferentes graus de expressão do fenótipocomportamental característico do distúrbio(Plomin, Owen e McGuffin, 1994).

É importante ressaltar que os fatores ambientaisincluem tudo o que acontece, desde a formaçãodo zigoto na fecundação do gameta feminino peloespermatozóide. Todo e qualquer eventodecorrido após esse período influencia, emdiferentes graus, o comportamento do indivíduo,seja a ingestão de um medicamento pela mãe oualgum trauma emocional que pode inclusivedesencadear o nascimento prematuro do feto. Talcomplexidade de fatores ambientais, somados aoimbricamento destes com os componentesgenéticos, gera um mosaico de possibilidades regidopor tendências que aumentam a probabilidadede algumas em detrimento de outras. O genótipo,ou o conjunto de genes e as interações entre eles,fornece os limites para a amplitude de variação dofenótipo comportamental possível nas diferentescaracterísticas. Portanto, se utilizarmos o conceitoamplo de ambiente como um fator decisivo para aestruturação do ser humano, ratificamos aimportância do papel do psicólogo frente ademandas cada vez maiores no sentido de termosacesso a informações sobre a genética dosindivíduos. Pacientes que chegam ao consultóriocom um exame positivo para patologias genéticasnão estão condenados de forma peremptória, poispossuem uma tendência genética que, em muitoscasos, pode não se confirmar.

Estudos ligados à Psiconeuroimunologia apontamevidências da influência da depressão sobre adiminuição das células T (“natural killer”), queatuam no sistema imunológico desempenhandoum papel importante no controle de processosrelacionados ao câncer. A Psiconeuroimunologiaprocura conexões entre os aspectos psicológicos eas doenças físicas através das influências da psiquesobre o sistema imunológico, tanto em casos degripes, resfriados ou herpes, em que já há resultadosconsistentes, como em relação às doenças auto-imunes, a AIDS e ao câncer, em que os resultadossão menos conclusivos, provavelmente devido adificuldades metodológicas para o estudo dessaspatologias, embora algumas pesquisas já tenhamdemonstrado que os índices de cura aumentamquando os pacientes nutrem expectativas positivasquando à resolução do problema (Cohen eHerbert, 1996). Os autores citam também umestudo com pacientes que apresentavam câncerde mama não metastático, no qual aqueles demaior espírito de luta, e que não se conformavamcom o fato de estar doentes, tiveram menorrecorrência e período de vida mais longo quandocomparados a pacientes desesperançosos efatalistas. Em outro estudo, também citado pelosmesmos autores, pacientes com melanoma

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maligno foram divididos em dois grupos; umgrupo-teste, que recebeu a intervenção por partede profissionais de Psicologia, e um grupo-controle, em que não era realizada a intervenção.Os resultados demonstraram que houve respostasfavoráveis ao tratamento no primeiro grupo já que,após seis meses, os pacientes apresentavam melhorestado psicológico e maior função das células Tdo que os pacientes do grupo-controle (semtratamento). Também foi realizada uma pesquisaque demonstrou uma tendência de aumento em18 meses na sobrevivência de pacientes comcâncer de mama metastático submetidos aintervenção psicoterápica, consistindo de sessõessemanais de tratamento de 90 minutos duranteum ano, em relação aos que não foram submetidosao tratamento e que apresentavam a mesmapatologia (Cohen e Herbert, 1996).

Considerando o fato de, atualmente, termos apossibilidade de identificar a presença de genesque aumentam a predisposição a determinadasdoenças, como o câncer, reveste-se de grandeimportância a intervenção do profissional dePsicologia nesses casos, especialmenteconsiderando que um exame positivo para essesgenes não significa que o paciente estejacondenado definitivamente, e mesmo que venhaa desenvolver a doença, há a possibilidade decombatê-la, integrando as terapêuticas de ordemfísica e de ordem psicológica.

O aprofundamento do tema auxiliaria na melhorcompreensão a respeito das formas de utilizar maiseficientemente tal tecnologia, considerando asdificuldades decorrentes do fato de receber umresultado desfavorável nesses exames, assim comoo debate multidisciplinar permitiria quepudéssemos avaliar os benefícios das tecnologiasda Biologia Molecular nas ações de saúde, comojá podemos observar em algumas áreas biomédicas.

De forma mais ampla, em caso de ser desenvolvidano futuro uma abordagem que permitisse acessaros componentes genéticos envolvidos nocomportamento de um indivíduo e,conseqüentemente, inferir a respeito de limites devariação para o fenótipo comportamental dapessoa, nós não estaríamos diante de informaçõesdeterminísticas. De posse dessa tendênciaesperada, é fácil admitir que quaisquer fatosmarcantes ocorridos durante a vida do indivíduo,como a experiência de ser seqüestrado, aseparação dos pais no período da infância, a mortede um familiar próximo ou outro eventotraumático, alteraria significativamente ocomportamento do mesmo. Portanto, genética eambiente (cultura ou experiência individual) estãototalmente imbricados na formação do fenótipocomportamental, produzindo em um indivíduo

uma conjunção única de fatores interligados,gerando um resultado particular, embora dotadode flexibilidade, dentro de um mosaico depossibilidades que poderiam ser consideradasinicialmente. Por essa razão, quando se fala emclonagem de seres humanos, deveríamos pensarmais no que poderia ser clonado e menos emquem seria clonado, ou seja, qual DNA seriaduplicado e não qual pessoa seria copiada.

A Biologia Molecular demonstrou, na últimadécada, a viabilidade técnica de clonar o DNA deum ser humano, porém possuímos conhecimentosuficiente para saber que um homem ou umamulher não resultam apenas de seu materialgenético. Prova disso é o fato de gêmeos MZ (clonesproduzidos no laboratório da natureza)apresentarem diferenças significativas nascaracterísticas comportamentais. Mesmo que asconcordâncias para os pares de gêmeos criadosseparadamente sejam elevadas e maiores do quepara relações de parentesco mais distantes,observamos em muitos estudos que o ambiente seconstitui em fator preponderante.

Cada ser representa, em qualquer momento davida, uma subjetividade, uma consciência emconstante construção. As abordagens científicasatuais têm considerado o ser humano comoresultado de seus genes, interagindo com umaconjunção de eventos complexos e marcantes em

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sua trajetória. Podemos inferir que o avanço noestudo da gênese do ser humano ocorrerá atravésdo desenvolvimento de concepções adequadas,mediante a conjugação dos avanços tecnológicosna Biologia com as abordagens psicológicas. Éinteressante observarmos o distanciamentoexistente entre essas duas áreas do saber no estudodo comportamento humano, principalmente seconsiderarmos que ambas apresentam resultadosplausíveis e crescentes, embora a busca do estudoda mente humana, através dela mesma, dificulte a

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formação de abordagens que integrem as diferentesáreas de conhecimento relacionadas com a vida.A falta de convergência das diferentes ciênciasdificulta a sua integração na mesma faixa deentendimento, um atributo necessário para acompreensão da delicada e complexa naturezado comportamento dessa espécie que demonstraum grande poder de modificar o meio à suamaneira, mas que tem apresentado um ínfimoconhecimento de si mesma através do insuficientedomínio de tudo o que se passa em suasubjetividade.

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