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A QUALIDADE DAS DECISÕES É O DIFERENCIAL (Trechos do discurso feito por Robert E. Rubin, secretário do Tesouro dos Estados Unidos, durante a solenidade de formatura dos alunos da Universidade de Nova York em 1999.). Vocês se formam hoje, em um mundo totalmente diferente, em muitos aspectos, do mundo em que me formei. O mundo de hoje está muito mais interconectado. As informações correm a uma velocidade extraordinariamente maior. O ciclo de tomada de decisão é muito mais curto. As economias e os povos de todo o mundo estão mais estreitamente ligados do que nunca. As decisões tomadas em uma capital podem ser sentidas em todo o globo. No complexo mundo de hoje, a tomada de decisões tornou- se ainda mais difícil, mas os elementos fundamentais para isso permanecem os mesmos. E uma lição que posso tirar da minha vida é que uma tomada de decisões eficiente é a chave para quase tudo o que se faz. Ao ingressar na universidade eu não dedicava muita reflexão ao modo como eu tomava decisões. A universidade começou a mudar isso. O que me impressionou em primeiro lugar foi o clima de ceticismo. A palavra dos nossos professores não era tomada como verdade inquestionável, mas como ponto de partida para a crítica e a reflexão. No meu segundo ano de universidade, tive lições de Filosofia I com um professor maravilhoso, um homem já de idade, chamado Raphael Demos. Seu objetivo era mostrar que toda asserção repousa, em última análise, em um princípio básico que não pode ser provado. Só se pode aceitá-lo como hipótese ou acreditar nele. Essa conclusão, juntamente com o que aprendi na Escola de Direito, moldaram, fundamentalmente, o modelo pelo qual passei a tomar decisões a partir de então. Fazendo um retrospecto dos anos passados, posso dizer que tenho sido guiado por quatro princípios: Primeiro, a única certeza é a de que não há certeza. Segundo, toda decisão, em conseqüência, é uma questão de pesarmos as probabilidades. Terceiro, apesar da incerteza, devemos decidir e agir. E, por último, precisamos julgar as decisões não só pelos resultados, mas também pelo modo como foram tomadas.

A Qualidade das decisões é o diferencial

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Trechos do discurso feito por Robert E. Rubin, secretário do Tesouro dos Estados Unidos, durante a solenidade de formatura dos alunos da Universidade de Nova York em 1999.Fonte: Rubin, Robert. Qualidade das decisões é o diferencial. O Estado de São Paulo, São Paulo, 16 maio 1999. Caderno de Economia, p. B12.

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A QUALIDADE DAS DECISÕES É O DIFERENCIAL

(Trechos do discurso feito por Robert E. Rubin, secretário do Tesouro dos Estados Unidos, durante a solenidade de formatura dos alunos da Universidade de Nova York em 1999.).

Vocês se formam hoje, em um mundo totalmente diferente, em muitos aspectos, do mundo em que me formei. O mundo de hoje está muito mais interconectado. As informações correm a uma velocidade extraordinariamente maior. O ciclo de tomada de decisão é muito mais curto. As economias e os povos de todo o mundo estão mais estreitamente ligados do que nunca. As decisões tomadas em uma capital podem ser sentidas em todo o globo. No complexo mundo de hoje, a tomada de decisões tornou-se ainda mais difícil, mas os elementos fundamentais para isso permanecem os mesmos. E uma lição que posso tirar da minha vida é que uma tomada de decisões eficiente é a chave para quase tudo o que se faz.

Ao ingressar na universidade eu não dedicava muita reflexão ao modo como eu tomava decisões. A universidade começou a mudar isso. O que me impressionou em primeiro lugar foi o clima de ceticismo. A palavra dos nossos professores não era tomada como verdade inquestionável, mas como ponto de partida para a crítica e a reflexão. No meu segundo ano de universidade, tive lições de Filosofia I com um professor maravilhoso, um homem já de idade, chamado Raphael Demos. Seu objetivo era mostrar que toda asserção repousa, em última análise, em um princípio básico que não pode ser provado. Só se pode aceitá-lo como hipótese ou acreditar nele. Essa conclusão, juntamente com o que aprendi na Escola de Direito, moldaram, fundamentalmente, o modelo pelo qual passei a tomar decisões a partir de então.

Fazendo um retrospecto dos anos passados, posso dizer que tenho sido guiado por quatro princípios:

Primeiro, a única certeza é a de que não há certeza. Segundo, toda decisão, em conseqüência, é uma questão de pesarmos as probabilidades. Terceiro, apesar da incerteza, devemos decidir e agir. E, por último, precisamos julgar as decisões não só pelos resultados, mas também pelo modo como foram tomadas.

Primeiramente, a incerteza. Quando meu pai estava na universidade, também se inscreveu em um curso de filosofia com um professor renomado. No primeiro dia de aula, o professor debateu sobre se era possível provar que a mesa que estava diante da classe existia. Meu pai, uma pessoa brilhante e muito pragmática, foi para à frente da turma, bateu na mesa com a mão e concluiu que ela estava lá – e abandonou o curso imediatamente.

Minha opinião é exatamente contrária. A meu ver, não existem absolutos. Se não há absolutos, todas as decisões passam a ser uma questão de julgar as probabilidades de diferentes resultados e os custos e benefícios de cada uma. Nessa base, podem-se tomar uma boa decisão. As atividades que desempenhei durante 26 anos giravam em torno de decisões exatamente dessa maneira.

Lembro-me de certa vez, muitos anos atrás, um operador do mercado de capitais que trabalhava para uma outra firma disse-me que precisava comprar um grande lote de ações. Fez isso porque estava certo – absolutamente certo – de que uma série de fatos estava para acontecer. Olhei e concordei que não havia empecilhos evidentes. Ele, com sua crença absoluta, tomou uma posição muito grande. Eu, altamente otimista, mas reconhecendo a incerteza, tomei uma grande posição. Uma coisa totalmente inesperada aconteceu. Os eventos

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previstos não ocorreram. Eu fiz com que minha firma perdesse muito dinheiro, mas os prejuízos não foram maiores do que a firma podia absorver. Ele perdeu a soma de dinheiro que ia muito além do razoável – além do seu emprego.

Um respeito saudável pela incerteza e a concentração nas probabilidades fazem com que a pessoa jamais fique satisfeita com as suas conclusões. Isso a leva a ir adiante em busca de mais informações, a questionar o raciocínio convencional e a apurar continuamente os seus julgamentos. E compreender que a diferença entre a certeza e a probabilidade pode fazer toda a diferença. Pode até salvar seu emprego.

Em terceiro lugar, ser decisivo em face da incerteza. No fim, todas as decisões baseiam-se em informações imperfeitas ou incompletas. Mas as decisões devem ser tomadas – e em tempo –, seja na escola, no pregão da bolsa de valores ou na Casa Branca.

Lembro-me de certa noite no Tesouro, em que estávamos em grupo no gabinete do subsecretário decidindo se os Estados Unidos deviam ou não dar o passo significativo de agir para escorar o valor da moeda de outro país. Era, para dizer o mínimo, uma situação muito complicada. Enquanto falávamos, vieram novas informações e foram feitas novas considerações. A discussão poderia ter prosseguido indefinidamente. Mas não podíamos nos dar a esse luxo: os mercados não esperam. E assim, enquanto o tempo foi passando e os mercados asiáticos já estavam prestes a abrir, tomamos a melhor decisão à luz do que sabíamos na época. As circunstâncias podem jamais ser ideais para a tomada da decisão. Mas, seja como for, a decisão deve ser tomada.

Em quarto e último lugar, julgar as decisões. Tendemos a fazê-lo exclusivamente com base nos resultados que as decisões produzem. Mas acredito que o verdadeiro teste deveria focalizar profundamente a qualidade da tomada de decisão em si. Não que os resultados não tenham importância. Eles têm. Mas julgar somente pelos resultados é um fator que desestimula muito a exposição aos riscos que poderia ser necessário enfrentar para tomar a decisão certa. Em termos simples, o modo pelo qual as decisões são avaliadas afeta a maneira como elas são tomadas.

Mais de uma vez, durante meu mandato como secretário do Tesouro e quando trabalhei em Wall Street, enfrentei a necessidade de tomar decisões difíceis. Mas a lição é sempre a mesma: um bom processo de tomada de decisões é a chave para se obterem bons resultados.

Rubin, Robert. Qualidade das decisões é o diferencial. O Estado de São Paulo, São Paulo, 16 maio 1999. Caderno de Economia, p. B12.