102
A Queda de Gondolin Um dos textos mais antigos do Legendarium A presente obra foi traduzida da série History of Middle Earth, publicada e editada por Cristopher Tolkien, filho do professor Tolkien. Os contos desta série são, na verdade, um grande apanhado de textos e histórias que Tolkien desenvolveu ao longo dos anos, mas que nunca teve oportunidade (ou mesmo vontade) de publicar. Algumas destas informações são arcaicas e podem entrar em conflito com as histórias publicadas em suas edições oficiais. A narrativa da queda de Gondolin é, sem dúvida, um dos mais antigos textos da mitologia tolkieniana. Não sei exata- mente quantos, mas acredito que a forma original deste texto foi desenvolvida por Tolkien há mais de quarenta anos, muito antes mesmo do lançamento de “OHobbit” ou de “O Senhor dos Anéis”. Várias palavras e expressões foram modificadas durante sua tradução porque eram muito antigas; um bom exemplo seria a palavra “globlins”, que substituímos por orcs; outro exemplo seria “gnomos”, que substituímos por elfos, mas estes são apenas dois exemplos, houveram dezenas de casos assim. Outra complicação que tivemos foi o tamanho do texto, quase trinta páginas e, devido justamente ao tamanho, não traduzimos as anotações de Cristopher Tolkien que somavam outras quinze páginas. Todavia, mesmo sem as notas, a história é perfeitamente inteligível. Após essas explicações básicas, deixo vocês com a maravilhosa narrativa de “A Queda de Gondolin”, a mais bela cidade élfica jamais construida em Beleriand. Daniel De Boni

A Queda DeGondolin

Embed Size (px)

DESCRIPTION

muito bom pra quem e fa do tolkien

Citation preview

  • A Queda de GondolinUm dos textos mais antigos do Legendarium

    A presente obra foi traduzida da srie History of Middle Earth, publicada e editada porCristopher Tolkien, filho do professor Tolkien. Os contos desta srie so, na verdade, um grandeapanhado de textos e histrias que Tolkien desenvolveu ao longo dos anos, mas que nunca teve

    oportunidade (ou mesmo vontade) de publicar. Algumas destas informaes so arcaicas epodem entrar em conflito com as histrias publicadas em suas edies oficiais.

    A narrativa da queda de Gondolin , sem dvida, um dos mais antigos textos da mitologia tolkieniana. No sei exata-mente quantos, mas acredito que a forma original deste texto foi desenvolvida por Tolkien h mais de quarenta anos, muitoantes mesmo do lanamento de OHobbit ou de O Senhor dos Anis. Vrias palavras e expresses foram modificadasdurante sua traduo porque eram muito antigas; um bom exemplo seria a palavra globlins, que substitumos por orcs;outro exemplo seria gnomos, que substitumos por elfos, mas estes so apenas dois exemplos, houveram dezenas de casosassim. Outra complicao que tivemos foi o tamanho do texto, quase trinta pginas e, devido justamente ao tamanho, notraduzimos as anotaes de Cristopher Tolkien que somavam outras quinze pginas. Todavia, mesmo sem as notas, ahistria perfeitamente inteligvel. Aps essas explicaes bsicas, deixo vocs com a maravilhosa narrativa de A Queda deGondolin, a mais bela cidade lfica jamais construida em Beleriand.

    Daniel De Boni

    InstruesEste documento foi programado para abrir em modo de tela cheia. Caso queira voltar ao modo normal, basta pressionar ESC. Querendo voltar ao modo de tela cheia, digite simultaneamente Ctrl e L.

    Pode-se folhear a publicao, clicando nos tringulos do rodap, utilizando as teclas direcionais ou PageDown / PageUp.

    Os nmeros verdes, em sobrescrito, so referncias para consultar a localizao, no mapa, de determinados lugares importantes para a clara compreenso do leitor. Para continuar a leitura, basta clicar no mesmo nmero e a pgina ser trazida de volta.

    Qualquer dvida ou sugesto, contate-me pelo endereo: [email protected]

    Boa leitura!

  • II

    aibam, ento, que Tuor era um homem que vivia, em dias muitoantigos, nas terras que ficam ao norte, chamadas Dor Lmin,1 oua Terra das Sombras, e a qual os noldor, dentre os eldar, melhorconhecem. O povo do qual vinha Tuor vagava pelas florestas ecampos e no fazia canes sobre o mar, nem o conhecia. MasTuor no morava entre eles. Tuor vivia sozinho, prximo ao lago

    que era chamado Mithrim, 2 ora caando em seus bosques, ora fazendo msica ao ladode suas costas, com sua harpa rstica, feita de madeira e tendes de ursos. Muitos,ouvindo do poder das canes de Tuor, vinham para escutar sua harpa, mas Tuordeixou seu canto e foi-se para lugares solitrios. Ele aprendeu muitas coisas estranhas eadquiriu conhecimento sobre os noldor errantes, que ensinaram-lhe muito da sua lin-guagem e tradies. Mas ele no estava destinado a morar para sempre naqueles bos-ques. Conta-se que a magia e o destino conduziram-no, certo dia, a uma aberturacavernosa 3 na qual um rio escondido flua a partir do Mithrim. E Tuor entrou naquelacaverna, buscando aprender seu segredo, mas as guas do Mithrim conduziram-no

    A Queda de Gondolin

  • III

    adiante, para dentro do corao da rocha eele no pde mais voltar para a luz. E isto,conta-se, era a vontade de Ulmo, o Senhordas guas, pela sugesto de quem os noldorhaviam feito aquele caminho oculto. Ento,vieram os noldor a Tuor e guiaram-no aolongo de passagens escuras entre as monta-nhas at que ele chegasse luz mais uma veze visse que o rio flua velozmente em umdesfiladeiro de grande profundidade com la-dos impossveis de serem escalados. AgoraTuor no desejava mais retornar, seguiu adi-ante e o rio o conduzia em direo ao oeste.

    O sol subia por detrs de suas costas, pu-nha-se diante de sua face e, onde a gua fazia espuma entre as muitas pedras ou caa emquedas dgua, havia, s vezes, arco-ris tecidos atravs do desfiladeiro, mas, ao anoite-cer, suas paredes lisas brilhavam ao pr do sol e, por estas razes, Tuor o chamou deFenda Dourada ou Ravina do Teto Colorido, que , na lngua dos elfos, Glorfalc 4 ouCris Ilbranteloth. Tuor viajou ali durante trs dias, bebendo das guas do rio secreto e

  • IV

    alimentando-se com seus peixes. Estes eram de ouro e prata, com formas maravilhosas.Finalmente o desfiladeiro alargou-se. Conforme este ficava mais aberto, seus ladosficavam mais baixos e mais acidentados, o leito do rio ficava entulhado com pedrascontra as quais as guas espumavam e borbotavam. Por longos perodos, Tuor sentava-se e contemplava a gua espirrando e escutava sua voz. Depois, erguia-se e saltava paraa frente, de pedra em pedra, cantando enquanto prosseguia. Ou, conforme as estrelassaam na faixa estreita de cu acima da ravina, ele levantava ecos para responder vibrao feroz de sua harpa.

    Um dia, aps uma grande jornada de progresso exaustivo, Tuor ouviu um grito, aoanoitecer, e no pde decidir de que criatura vinha. Ora dizia uma criatura mgica,ora dizia apenas algum pequeno animal que geme entre as pedras. Por vezes lheparecia que um pssaro desconhecido falara com uma voz nova e estranhamente tristeaos seus ouvidos. Tuor no havia ouvido a voz de qualquer pssaro em toda sua peram-bulao ao longo de Glorfalc e ficou feliz pelo som, embora este fosse lamuriento. Nodia seguinte, em uma dada hora na manh, ouviu o mesmo grito sobre sua cabea e,olhando para cima, viu trs grandes pssaros brancos batendo suas asas vigorosamenteravina acima e proferindo gritos como aqueles que ouvira entre o crepsculo. Aquelaseram as grandes gaivotas, os pssaros de Oss.

    Naquela parte do leito do rio, havia ilhotas rochosas entre a corrente e rochas cadas

  • Vcobertas de areia branca ao p da parede lateral da ravina, de tal forma que era difcilcaminhar por ali. Procurando, por alguns instantes, Tuor finalmente encontrou umlugar por onde, com algum trabalho, ele podia escalar a parede da ravina. Ento, umvento fresco soprou contra o seu rosto e ele disse: isto bom como um gole de vinho!Mas ele no sabia que estava perto dos confins do Grande Mar.

    Conforme Tuor prosseguia acima das guas, as paredes do desfiladeiro aproximavam-se novamente e elevavam-se a uma altura maior, de forma que ele caminhava agora sobreo topo elevado de um precipcio. Ele chegou a um estreitamento cheio de rudos naravina. Olhando para baixo, viu a maior das maravilhas, pois parecia que uma enchentede gua furiosa subia o caminho estreito eflua de volta contra a corrente do rio at asua fonte, mas aquela gua que descera doMithrim distante ainda avanava e uma pa-rede de gua levantou-se at perto do topodo precipcio, coroada com espuma e de-formada pelos ventos. As guas do Mithrimforam subvertidas e a inundao que se apro-ximava varreu o canal acima com um rugi-do e submergiu as ilhotas rochosas, arras-

  • VI

    tando a areia branca. Tuor fugiu e ficou temeroso, pois no conhecia os movimentos domar. Porm, os ainur haviam posto, em seu corao, o desejo de escalar o canal naquelemomento. Do contrrio, teria sido afogado na mar que se aproximava. E aquela marestava forte por causa de um vento do oeste. Ento, Tuor encontrou-se em uma terrarstica e despida de rvores, alisada por um vento vindo do pr do sol. Todos os arbustose moitas inclinavam-se para o alvorecer por causa daquele vento. Durante algum tempo,vagou ali, at que chegasse aos negros precipcios junto ao mar e visse o oceano e suasondas pela primeira vez. quela hora, o sol mergulhava alm da borda do mundo, eleficou ereto no topo do precipcio com os braos abertos e seu corao foi preenchido comum desejo, de fato, grande. Alguns dizem que ele foi o primeiro dos homens a chegar aoMar e conhecer o desejo que este traz, mas no sei se o dizem acertadamente.

    Naquelas regies ele montou sua habitao, morando em um esconderijo abrigadopor grandes rochas negras, cujo cho era de areia branca, salvo onde a mar alta o cobriaparcialmente com gua azul. Nem a espuma chegava l, a no ser em ocasies datempestade mais forte. L, por muito tempo, permaneceu sozinho e vagou na beira dapraia ou caminhou sobre as rochas mar baixa, maravilhando-se com os lagos e asgrandes algas, as cavernas gotejantes e a estranha ave do mar que viu e veio a conhecer.Mas a subida e a vazante das guas e a voz das ondas sempre foram, para ele, o maiordos espetculos e sempre lhe pareciam uma coisa nova e inimaginvel.

  • VII

    Ora, nas guas quietas do Mithrim, sobre a qual a voz do pato selvagem ou dolagpode chegavam longe, ele viajara em um barco pequeno, com a proa esculpidacomo o pescoo de um cisne e este ele perdera no dia da descoberta do rio oculto. Nomar, no se aventurara ainda, embora seu corao estivesse sempre incitando-o comum desejo ardente por suas guas. Em noites tranqilas, quando o sol sumia alm daextremidade do mar, esse desejo crescia de forma voraz. Madeira ele possua que chega-va at ele, descendo o rio oculto. Uma boa madeira era esta, pois os noldor a cortavamnas florestas de Dor-Lmin e mandavam-na para ele, flutuando. Mas no construranada ainda alm de uma habitao em lugar abrigado em seu esconderijo, cujos con-tos, entre os eldar, desde ento, chamam Falasquil. Este, por trabalho lento, Tuor ador-nou com belas esculturas dos animais, rvores, flores e pssaros que conhecera pertodas guas do Mithrim e sempre entre estas estava o Cisne, o principal, pois Tuor amavaeste emblema. Tornar-se-ia um smbolo para si mesmo, sua famlia e seu povo, maistarde. L passou um perodo muito longo at que a solido do mar vazio entrasse emseu corao e, mesmo Tuor, o solitrio, ansiou pela voz dos homens. Com isto, os ainurtinham algo a haver, pois Ulmo amava Tuor.

    Eram, ento, os ltimos dias do vero e, uma manh, enquanto olhava ao longo dacosta, Tuor viu trs cisnes voando alto e vigorosamente da direo norte. Estes pssarosno haviam estado, antes, nestas regies e ele tomou-os por um aviso, dizendo: por

  • VIII

    muito tempo meu corao tem sido instigado em uma viagem para longe daqui e, veja!Agora, afinal, seguirei estes cisnes. Os cisnes entraram na gua do abrigo de Tuor,levantaram-se novamente e voaram lentamente para o sul, ao longo da costa. Tuor,portando sua harpa e lana, os seguiu.

    Naquele dia, Tuor deixou para trs uma viagem longa. Antes do anoitecer, ele chegoua uma regio onde rvores outra vez apareciam. A maneira daquela terra pela qual agoraviajava diferia grandemente daquelas praias prximas a Falasquil. Naquele lugar, Tuorvira precipcios poderosos cheios de cavernas e grande cavidades, enseadas profundas enaturalmente fortificadas.Mas, dos topos dos roche-dos, estendia-se uma ter-ra escarpada, spera, aplai-nada e deserta, para ondeuma orla azul distante, aoleste, falava de colinas lon-gnquas. Agora, porm,ele via uma praia longa einclinada, trechos areno-sos. Enquanto as colinas

  • IX

    distantes marchavam sempre mais prximas margem do mar, as suas encostas eramcobertas com pinho ou abeto, sobre os ps dessas encostas cresciam vidoeiros e carvalhosantigos. Dos ps das colinas, correntes de guas frescas lanavam-se ao longo de fendasestreitas. Assim, encontravam as praias e as ondas salgadas. Por sobre algumas daquelasfendas, Tuor no podia saltar e freqentemente era difcil avanar por tais caminhos.Entretanto, ainda assim, ele prosseguia, pois os cisnes viajavam sempre adiante dele, oragirando de repente, ora apressando-se adiante, mas nunca vindo para a terra. O movi-mento das suas asas, de batida vigorosa, o encorajava. dito que, desta maneira, Tuorprosseguiu por um grande nmero de dias e que o inverno marchou do norte apenas umpouco mais veloz, ainda que Tuor fosse incansvel.

    No obstante, Tuor chegou, sem ferida de animal ou clima, em um tempo de pri-meira primavera, foz de um rio. 5 Aqui, a terra era menos setentrional e mais agrad-vel do que aquela prxima sada de Glorfalc. Alm disso, por uma curva da costa, omar estava agora bastante mais ao sul do que ao oeste, tanto quanto podia marcar pelosol e pelas estrelas, mas ele mantivera seu lado direito sempre para o mar.

    Este rio flua descendo um canal agradvel e, em seus bancos, estavam terras frteis:gramado e prado mido de um lado e encostas cobertas de rvores crescidas do outro;suas guas encontravam o mar preguiosamente e no lutavam como as guas do Mi-thrim, no norte. Longas lnguas de terra permaneciam espalhadas em seu curso, cobertas

  • Xcom juncos e moitas fechadas, at que, mais adiante, em direo ao mar, emergiamtrechos arenosos. Estes eram lugares amados por tal multido de pssaros como Tuor noencontrara ainda em nenhum lugar. O pio, lamento e assobio deles enchia o ar. Aquientre asas brancas, Tuor perdeu de vista os trs cisnes, no os viu novamente.

  • XI

    nto, Tuor ficou, por uma estao, cansado do mar, pois a luta daviagem fora dolorida. Nem foi isto sem o planejamento de Ulmo.Naquela mesma noite, os noldor vieram a ele. Guiado pelas lanter-nas azuis dos noldor, Tuor encontrou um caminho ao lado da bordado rio e progrediu to firmemente para o interior que, quando oamanhecer encheu o cu sua direita, o mar e sua voz estavam

    distantes atrs dele, o vento vinha diante de si de forma que nem sequer o seu odor estavano ar. Assim, em breve, chegou quela regio que fora chamada Arlisgion, 6 o lugar dosjuncos e esta uma das terras que esto ao sul de Dor-Lmin e separadas de l pelasMontanhas de Ferro, 9 cujas pontas correm mesmo para o mar. Dessas montanhas vinhaeste rio, de uma grande clareza e frio maravilhoso eram suas guas, mesmo neste lugar.Agora, este um dos rios mais famosos das histrias dos eldar e, em todas as lnguas, chamado Sirion. Aqui, Tuor descansou por algum tempo at que, impelido pelo desejo,levantou-se mais uma vez para viajar mais e mais adiante, pelas marchas de muitos dias,ao longo das bordas do rio. A primavera plena ainda no trouxera o vero quando Tuorchegou a uma regio ainda mais graciosa. A cano de pequenos pssaros era como umamsica de encanto, pois no existem pssaros que cantam como as canes dos pssarosda Terra dos Salgueiros. 7 A esta regio de maravilha ele tinha chegado agora. O rio virava,em curvas largas e com bancos baixos, por uma grande plancie da mais verde e doce relva.

  • XII

    Salgueiros de idade incontvel estavam prximos s suas bordas, seu seio largo estavaalastrado com folhas de nenfar, cujas flores no haviam desabrochado ainda, na preco-cidade do ano. Porm, embaixo dos salgueiros, as espadas verdes dos lrios estavam de-sembainhadas, os canios se levantavam, os juncos pareciam ordenados e preparados parao combate. Residia, naqueles lugares brumosos, um esprito de murmrios que sussurra-va para Tuor, de modo que, ao cair do sol, ele no desejava partir e, na manh, pela glriados incontveis botes-de-ouro, ele tinha ainda menos desejo de ir-se dali. Portanto,demorava-se.

    Aqui, viu ele as primeiras borboletas, a viso alegrou-o. dito que todas as borbole-tas e suas famlias nasceram no vale da Terra dos Salgueiros. Chegou o vero, o tempodas mariposas e noites tpidas, Tuor se surpreendeu ante a multido de moscas e besou-ros, o seu zunido, o rudo musical das abelhas, a todas estas coisas ele deu nomes porconta prpria, teceu estes nomes em canes novas em sua velha harpa, estas caneseram mais suaves do que o seu canto de antigamente.

    Ulmo temeu que Tuor morasse para sempre ali e as grandes coisas do seu desgniono chegassem a se cumprir. Por isso, temeu confiar a orientao de Tuor apenas aosnoldor por mais tempo, que serviam-no em segredo, e que, por medo de Melkor,oscilavam muito. Nem eram fortes contra a magia daquele lugar de salgueiros, poismuito grande era o encanto do lugar. No verdade que, mesmo depois dos dias de

  • XIII

    Tuor, Noldorin e seus eldar foram at l, buscando por Dor Lmin, o rio oculto e ascavernas da priso dos noldor? Ainda assim, perto do fim da sua demanda, eles pode-riam abandon-la? De fato, dormindo, danando e fazendo bela msica dos sons dorio e do murmrio da relva, tranando tecidos ricos de fios de teia de aranha e penas deinsetos alados, eles foram varridos pelos orcs despachados por Melkor das Colinas deFerro e poucos dos noldor escaparam. Mas estas coisas ainda no haviam acontecido.

    O grande Ulmo saltou sobre sua carruagem diante da entrada do seu palcio, sob asguas tranqilas do Mar Exterior, e sua carruagem era puxada por narvais e lees mari-nhos. Ela era, em sua forma, igual a uma baleia e, entre o soar de grandes trompas,partiu velozmente de Ulmonan. To grande era a sua velocidade que em dias, no emanos sem conta, como poder-se-ia pensar, alcanou a foz do rio. Seu carro no podiaviajar sem dano na gua do rio e em meio aos seus bancos, portanto, Ulmo, amandotodos os rios e este mais do que a maioria, foi-se dali a p, vestido at a cintura emarmadura como as escamas de peixes azuis e prateados. Seus cabelos eram prata azuladae sua barba, que lhe ia at os ps, era do mesmo tom, no portava coroa. Abaixo daarmadura, desciam as beiras de seu manto de verdes tremeluzentes e de que substnciaera este tecido no se sabe, mas qualquer um que olhasse nas profundezas de suas coressutis parecia ver os movimentos lnguidos das guas profundas cortadas pelas luzesfurtivas de peixes fosforescentes que vivem no abismo. Ele estava cingido com uma

  • XIV

    corda de prolas grandes e calado com grandes sapatos de pedra.Para l levou tambm seu grande instrumento de msica, este era de um desenho

    estranho, pois era feito de conchas longas retorcidas e perfuradas com buracos. Soprandonelas e tocando com os seus dedos longos, fazia melodias profundas de uma magia maiordo que qualquer outro entre os msicos alguma vez j conseguiu em harpa ou alade, emlira ou flauta ou instrumentos de arco. Vindo, ento, ao longo do rio, sentou-se entre osjuncos, ao crepsculo, e tocou em seu aretefato de conchas. Estava prximo daqueleslugares onde Tuor permanecia. Tuor escutou e ficou emudecido. L ficou ele, entre a relvaque lhe chegava aos joelhos, e no escutou mais o zumbido de insetos, nem o murmrioda beira do rio, o odor das flores no entrou mais em suas narinas. Mas ouviu o som dasondas e o lamento dos pssaros do mar, sua alma lanou-se para lugares rochosos e plata-formas que cheiram a peixe, para o espirrar de gua do cormoro mergulhador, paraaqueles lugares onde o mar escava precipcios negros e exclama em alto volume.

    Ulmo levantou-se e falou-lhe. Por temor, Tuor chegou perto da morte, pois a pro-fundidade da voz de Ulmo das mais intensas, tanto quanto os seus olhos, que so osmais profundos dentre todas as coisas. E Ulmo disse:

    Tuor do corao solitrio, no desejo que vivas para sempre em belos lugares depssaros e flores, nem conduzir-te-ia eu por esta terra agradvel; mas assim deve ser. Parteagora em tua jornada destinada e no demora, pois longe daqui fica teu destino. Agora

  • XV

    deves tu buscar, atravsdas terras, pela cidade dopovo chamado gondolin-drim ou os habitantes napedra e os noldor escol-tar-te-o para l, em segre-do, por temor dos espiesde Melkor. Palavras eu po-rei em tua boca e l per-manecers tu por algumtempo. Ainda assim, tal-vez tua vida se volte nova-mente para as guas po-

    derosas e seguramente um filho vir de ti. Nenhum homem saber mais do que ele acercadas maiores profundezas, sejam elas do mar ou do firmamento dos cus.

    Contou Ulmo, a Tuor, um pouco do seu desgnio e desejo, mas disso Tuor entendeupouco naquele momento e temeu sobremaneira. Ulmo foi envolto em uma nvoa,como se fosse marinha naqueles lugares interiores, e Tuor, com aquela msica em seusouvidos, de bom grado voltaria s regies do Grande Mar. Contudo, lembrando-se de

  • XVI

    suas ordens, voltou-se e embrenhou-se no interior, ao longo do rio. Assim viajou atque o dia surgisse. Todavia, aquele que ouviu as trompas de Ulmo ouve o seu chamadoat a morte e isso Tuor acabou descobrindo.

    Quando o dia veio, ele estava cansado e dormiu at perto do entardecer. Os noldorvieram at ele e o guiaram. Viajou muitos dias ao crepsculo e na escurido. Dormia de diae, por causa disto, veio a acontecer, depois, que no se lembrava muito bem dos caminhosque atravessara naqueles tempos. Agora Tuor e os seus guias prosseguiam incansveis e aterra se tornou uma terra de colinas encrespadas em torno de cujos ps o rio voltava, l haviamuitos vales de afabilidade extrema. Mas, aqui, os noldor tornaram-se inquietos:

    Estes so os confins das regies que Melkor infestou com os seus orcs, o povo dodio. Distante, ao norte e, contudo, no afastadas o suficiente (quisera que estivessemh dez mil lguas), ficam as Montanhas de Ferro onde assenta-se o poder e o terror deMelkor, de quem somos escravos. De fato esta conduo de ti ns fazemos em segredoe, se ele conhecesse todos os nossos propsitos, o tormento dos balrogs cairia sobre ns.

    Caindo, ento, em tal medo os noldor logo o deixaram e Tuor viajou sozinho entreas colinas, isto mostrou-se mau, depois, j que Melkor tem muitos olhos, dizem.Enquanto Tuor viajava com os noldor eles o conduziam por caminhos, ao crepsculo,e por muitos tneis secretos atravs das colinas. Mas, agora, estava perdido. Escalavafreqentemente os topos dos outeiros e colinas, esquadrinhando as terras em volta.

  • XVII

    Contudo, no podia ver sinais de qualquer habitao e, de fato, a cidade dos gondolin-drim no era encontrada com facilidade, pois nem mesmo Melkor e seus espies havi-am-na descoberto ainda. Conta-se, de qualquer modo, que, neste tempo, os espiestiveram notcias de que o p estranho do homem tinha pisado aquelas terras, e que, porisso, Melkor duplicou suas artes e vigilncia.

    Quando os noldor, amedrontados, abandonaram Tuor, um certo Voronw seguiu-o para longe, apesar de seu medo, depois que a repreenso no adiantou para encorajaros outros. Agora Tuor cara em uma grande exausto, estava sentado ao lado do fluxocorrente, o desejo do mar estava em seu corao. Estava disposto, uma vez mais, aseguir este rio de volta para as guas largas e as ondas ruidosas. Mas este Voronw, o fiel,chegou at ele novamente e, erguendo-se junto ao seu ouvido disse:

    Tuor, no pense seno que tu contemplars novamente, um dia, o teu desejo;levanta agora e v, eu no te deixarei. Eu no sou dos que conhecem os caminhos entre osnoldor, sendo um arteso e fabricante de coisas feitas mo de madeira e de metal, nome uni ao grupo de escolta at que fosse tarde. Todavia, h muito ouvi sussurros e decla-raes ditas em segredo entre o cansao da escravido, a respeito de uma cidade onde osnoldor poderiam libertar-se caso pudessem encontrar o caminho oculto para l, Nspodemos, sem dvida, encontrar a estrada para a cidade de pedra, onde est a liberdadedos gondolindrim.

  • XVIII

    Saibam, ento, que os gondolindrim eram aquela famlia dos noldor que, sozinha,escapara do poder de Melkor quando, na Batalha das Lgrimas Incontveis, ele matarae escravizara seu povo e tecera feitios sobre este, fazendo com que morasse nos Infer-nos de Ferro, partindo dali apenas segundo a sua vontade e ordem. Por um longotempo, Tuor e Voronw buscaram pela cidade daquele povo, at que, depois de muitosdias, descobriram um vale profundo entre as colinas. Aqui seguia o rio, sobre um leitomuito rochoso, com muita velocidade e barulho. Era encoberto com um crescimentopesado de carvalhos, mas as paredes do vale eram verticais, considerando estarem pr-ximas a algumas montanhas que Voronw no conhecia. L, na parede verde, aquelenoldo localizou uma abertura como uma grande porta com lados inclinados, esta eracoberta com arbustos espessos e uma vegetao rasteira longa e intrincada. Entrementes,a viso penetrante de Voronw no podia ser enganada. Porm, conta-se que tal magiaseus construtores haviam fixado sobre esta (com a ajuda de Ulmo, cujo poder corria atmesmo naquele rio, mesmo que o medo de Melkor seguisse em seus bancos) queningum, exceto os do sangue dos noldor, poderia enxerg-la assim por casualidade.Nem Tuor jamais a teria encontrado exceto pela fidelidade daquele noldo, Voronw.Agora, os gondolindrim haviam feito sua morada secreta deste modo, por medo deMelkor. Mesmo assim, no poucos dos mais bravos noldor escapavam, descendo o rioSirion a partir daquelas montanhas. Se muitos pereciam desse modo, pelo mal de

  • XIX

    Melkor, muitos outros, encontrando esta passagem mgica, chegavam, afinal, cidadede pedra e aumentavam o nmero de seu povo.

  • XX

    uor e Voronw regozijaram-se muito ao encontrar aquele porto,contudo, ao l entrarem, acharam um caminho escuro, de avanodifcil e cheio de curvas. Durante considervel tempo, prossegui-ram, hesitantes, dentro de seus tneis. Estava cheio de ecos teme-rosos, um incontvel rudo de passos vinha atrs deles, deixandoVoronw amedrontado.

    So os orcs de Melkor, os orcs das colinas.Correram, caindo por cima das pedras na escurido, at que perceberam que era

    apenas a iluso do lugar. Assim chegaram, depois do que pareceu um tempo imensur-vel de apalpadelas temerosas, a um lugar onde uma luz distante brilhava e, dirigindo-separa este brilho, chegaram a um porto como aquele pelo qual haviam entrado, mas demodo algum coberto por vegetao. Passaram para a luz e, durante certo tempo nopuderam ver nada, mas imediatamente um grande gongo soou e houve um estrondode armadura... Estavam rodeados por guerreiros vestidos em ao. Olharam para cima epuderam ver! Estavam ao p de colinas ngremes. Tais colinas faziam um grande crculono qual ficava uma plancie ampla e firme naquele lugar. No exatamente no centro,mas mais prximo quele lugar onde estavam parados, estava uma grande colina comum topo nivelado. Naquele pice, erguia-se uma cidade na nova luz da manh. Nestemomento, Voronw falou para a guarda dos gondolindrim e a sua fala estes compreen-

  • XXI

    deram, pois esta era adoce lngua dos noldor.Tuor falou tambm, ques-tionou onde estariam equem poderia ser aquelepovo em armas que pos-tava-se em torno, pois es-tava um tanto espantadoe muito admirado da boaqualidade de suas armas.Foi-lhe dito por um da-quela companhia:

    Ns somos os guar-dies da sada do Caminho da Fuga. Alegrem-vos que tenham-no encontrado, pois con-templam diante de vs a Cidade dos Sete Nomes, 11 onde todo aquele que guerreia comMelkor pode encontrar esperana.

    Quais so esses nomes? Indagou Tuor.O lder da Guarda respondeu: dito e cantado: Gondobar eu sou chamada e Gondothlimbar, Cidade de

  • XXII

    Pedra e Cidade dos Moradores em Pedra; Gondolin a Pedra da Cano e Gwarestrineu sou denominada, a Torre da Guarda; Gar Thurion ou o Lugar Secreto, pois estouescondida dos olhos de Melkor; mas aqueles que mais me amam me chamam Loth,pois, como uma flor sou eu. Lothengriol, a flor que viceja na plancie. Contudo, acrescentou em nossa fala diria, ns dizemos e a chamamos Gondolin.

    Leve-nos para l, disse Voronw pois l entraramos de bom grado. O meu corao desejava muito trilhar os caminhos desta bela cidade. falou Tuor.Ao que respondeu o lder da Guarda: Ns mesmos devemos permanecer aqui, pois ainda h muito de nossa lua de

    vigia para passar, mas vocs podem entrar em Gondolin e, alm disso, no precisam denenhum guia at l, pois, vejam! Ela ergue-se bela de se ver e muito clara, suas torresalcanam os cus sobre a Colina da Guarda, no meio da plancie.

    Desse modo, Tuor e seu companheiro seguiram sobre a plancie que era de umasuavidade maravilhosa, interrompida aqui e acol apenas por pedras arredondadas elisas que jaziam entre o gramado, ou por lagos em leitos rochosos. Muitos caminhosbem cuidados havia atravs daquela plancie e chegaram, depois da marcha da luz deum dia, ao sop da Colina da Guarda (que , na lngua dos noldor, Amon Gwareth).Comearam a ascender as escadas sinuosas que subiam at o porto da cidade; nempodia qualquer um alcanar aquela cidade, salvo a p e vigiado a partir das muralhas.

  • XXIII

    Quando o porto ocidental refletia, dourado, a ltima luz do sol, eles chegaram aoamplo topo da escada e muitos olhos contemplavam-nos das ameias e das torres.

    Mas Tuor olhou para os muros de pedra, as torres elevadas, os pinculos reluzentesda cidade e viu as escadarias de pedra e mrmore, margeadas por corrimes delgados erefrescadas pelo salto de cachoeiras finas como fios buscando a plancie a partir dasfontes de Amon Gwareth. Prosseguiu, como que em algum sonho dos deuses, pois nojulgava que tais coisas fossem vistas pelos homens nas vises de seu sono, to grande eraa sua admirao perante a glria de Gondolin.

    Assim, chegaram at os portes, Tuor em maravilha e Voronw em grande alegria deque, ousando muito, houvesse trazido Tuor at ali segundo a vontade de Ulmo e selivrado do jugo de Melkor para sempre. Embora no o odiasse de nenhum modomenos, j no temia aquele mal com o terror que aprisiona. E, de fato, o feitio queMelkor mantinha sobre os noldor trazia um medo sem fim. Aquele sempre lhes pareciaprximo mesmo quando estavam distantes dos Infernos de Ferro. Os seus coraesestremeciam e no fugiam nem mesmo quando podiam, nisto Melkor confiava fre-qentemente.

    Agora, as pessoas correm para fora dos portes de Gondolin e uma multido rodeiaestes dois em maravilha, jubilando-se que ainda outro dos noldor tivesse fugido deMelkor e se encantando com a estatura e os membros magros de Tuor, sua lana pesada

  • XXIV

    e guarnecida com ponta de espinha de peixe e sua grande harpa. Rstico era o seuaspecto, seus cabelos despenteados, vestia peles de ursos. Est escrito que, naquelesdias, os pais dos pais dos homens eram de menor estatura do que os homens so agorae os filhos da terra dos elfos de maior porte. Contudo, Tuor era o mais alto de todos osque estavam l. Realmente os gondolindrim no eram curvados como alguns de suafamlia infeliz se tornaram, labutando, sem descanso, a cavar e martelar para Melkor.Pequenos eram eles, esbeltos e muito geis. Eram de ps rpidos e sobremaneira belos.Doces e tristes eram os seus lbios, os seus olhos sempre tinham uma alegria que podiafacilmente converter-se em lgrimas, pois, naqueles tempos, os noldor eram exiladosno corao, assombrados com um desejo que no esmorecia pelo seu antigo lar. Mas odestino e a nsia incontrolvel por conhecimento conduzira-os a lugares distantes e,agora, estavam todos cercados por Melkor e deviam fazer suas habitaes to belasquanto podiam atravs do trabalho e do amor.

    Como aconteceu que, entre homens, os noldor tenham sido confundidos com osorcs, demnios de Melkor, eu no sei, a menos que alguns dos noldor tenham sidodeformados para o mal de Melkor e tenham se misturado entre estes orcs, pois todaaquela raa havia sido criada por Melkor dos calores subterrneos e do lodo. Seuscoraes eram de granito e os seus corpos deformados; faces asquerosas que no sorri-am seno risos como o estrondo de metais; nada os alegrava mais do que auxiliar nos

  • XXV

    mais vis propsitos de Melkor. O maior dio existia entre eles e os noldor, que osdenominavam Glamhoth, ou o povo do dio terrvel.

    Agora, os guardies armados do porto conduziam de volta o povo aglomerado emtorno dos viajantes e um entre eles falou, dizendo:

    Esta uma cidade de guarda e proteo, Gondolin sobre Amon Gwareth, ondetodos os que so de corao verdadeiro podem ser livres, mas onde ningum est livrepara entrar sem ser conhecido. Digam, ento, seus nomes.

    Mas Voronw nomeou-se Bronweg, dos noldor, ali chegado pela vontade de Ulmocomo guia deste filho dos homens. E Tuor disse:

    Eu sou Tuor, filho de Peleg, filho de Indor, da casa do Cisne. Casa esta proveni-ente dos filhos dos homens no norte, que vivem distantes daqui. Aqui venho pelavontade de Ulmo, dos Oceanos Exteriores.

    Todos que escutaram ficaram silenciosos, a voz profunda e ressonante de Tuor osmantinha admirados, porque suas prprias vozes eram belas como o respingo das fon-tes. Nisto, algum disse entre eles:

    Conduzam-no at o rei.A multido retornou para dentro das muralhas, levando os viajantes com eles e Tuor

    viu que os portes eram feitos de ferro, de grande altura e fora. As ruas de Gondolineram extensas e pavimentadas com pedras e mrmore, havia belas casas e vielas entre

  • XXVI

    jardins de flores que enfeitavam cada local para onde se voltasse o olhar. Existiam torres,muitas delas de grande esbelteza e beleza, construidas de mrmore branco e entalhadasmaravilhosamente, que se erguiam para o cu. Havia praas iluminadas com fontes epssaros que cantavam entre os galhos de rvores envelhecidas. De todos estes belos locais,o maior era aquele onde ficava o palcio do rei e a torre deste era a mais elevada na cidade,as fontes que brincavam diante de suas portas lanavam a gua vinte e sete braas no ar atque ela caa em uma chuva cantante de cristal. Nesta, a luz do sol cintilava esplendida-mente e o brilho refletido da lua conseguia ser ainda mais encantador. Os pssaros queviviam l eram da brancura da neve e suas vozes mais doces do que uma cano de ninar.

    Em cada lado das portas do palcio estavam duas rvores: uma carregava flores de ouroe a outra de prata. Nem elas alguma vez murchavam, pois eram ramos de tempos antigos,das gloriosas rvores de Valinor que iluminaram aqueles lugares antes que Melkor eUngoliant as secassem. Aquelas rvores os gondolindrim chamavam de Glingol e Bansil.

    Tuor foi levado presena de Turgon, rei de Gondolin, que estava vestido de brancoe usava um cinto de ouro e uma grinalda de pedras vermelhas em sua cabea. Turgonficou de p diante de suas altas portas e, do topo de seus degraus brancos, falou:

    Bem vindo, homem da Terra das Sombras. Veja! Tua vinda foi estabelecida emnossos livros de sabedoria e escreveu-se l que viriam a se passar muitas coisas grandio-sas nos lares dos gondolindrim quando para c viesses.

  • XXVII

    Ento, Tuor sentiu que era hora de falar e Ulmo colocou poder em seu corao emajestade em sua voz:

    Observe, pai da Cidade de Pedra, eu fui mandado por aquele que faz msicanas profundezas do Abismo e que conhece a mente dos elfos e homens, para dizer-teque os dias da libertao se aproximam. Chegaram aos ouvidos de Ulmo sussurros desua morada e sua colina de vigilncia contra o mal deMelkor. Ele est satisfeito com sua obra, mas seu cora-o est enfurecido e os coraes dos valar esto furio-sos, vendo o sofrimento do cativeiro dos noldor e doshomens. Melkor os cercou na Terra das Sombras, almde colinas de ferro. Por isso fui trazido por um caminhosecreto, para dizer que deves chamar suas hostes e pre-parar-te para a batalha, pois o tempo vindo.

    Isso eu no farei, embora estas sejam as palavrasde Ulmo e de todos os valar. No levarei meu povocontra o terror dos orcs, nem arriscarei minha cidadecontra o fogo de Melkor. retorquiu Turgon.

    No, se tu no ousas agora grandemente, ento,os orcs habitaro no exterior para sempre, possuiro, no

  • XXVIII

    fim, a maior parte das terras de Arda e no cessaro de importunar elfos e homens,mesmo que, por outros meios, os valar planejem, adiante, libertar os noldor. Mas se tuconfiares agora nos valar, embora terrvel seja o encontro, os orcs devero sucumbir e opoder de Melkor ser diminudo para uma pequena frao do que hoje. Porm,Turgon disse:

    Sou rei em Gondolin e nenhuma vontade deveria for-lo, contra o seu conse-lho, para por em perigo o caro trabalho de longas eras idas.

    Mas Tuor disse, porque assim ele havia sido mandado por Ulmo, que temera arelutncia de Turgon:

    Ento, fui mandado para dizer que homens dos gondolindrim sejam mandadosrapidamente e secretamente descer o rio Sirion at o mar e l construam barcos ebusquem voltar a Valinor. Veja! Os trajetos a esta esto nebulosos e a estrada desvane-ceu-se do mundo, contudo, ainda residem l os elfos e os valar ainda sentam-se emValinor. Embora sua alegria esteja minorada pelo sofrimento causado por Melkor e elesescondam sua terra e team sobre ela uma magia inacessvel para que nenhum malchegue s suas praias. Todavia, se ainda puderem seus mensageiros chegar l, eles iroincendiar os coraes dos poderes para que se levantem em ira, castiguem Melkor edestruam os Infernos de Ferro sob as Montanhas da Escurido.

    A cada ano, na despedida do inverno, mensageiros partem, rapidamente e em

  • XXIX

    segredo, descendo o Sirion at costa do Grande Mar. Ao l chegarem, constroembarcos nos quais atrelam cisnes e gaivotas, ou as asas fortes do vento e estes procuramalm da lua e do sol chegar a Valinor. Mas os trajetos a esta esto bloqueados e asestradas desvaneceram-se do mundo. Os que sentam em Valinor preocupam-se poucocom o terror de Melkor ou os sofrimentos do mundo, mas escondem sua terra e tecemsobre ela uma magia inacessvel, nenhuma notcia do mal alguma vez chega a seusouvidos. No. Muitos do meu povo tm, por anos incontveis, partido para as guaslargas e nunca retornaram. Eles pereceram nos lugares profundos ou vagueiam agoraperdidos nas sombras que no possuem caminhos e, na vinda do prximo ano, ne-nhum mais deve viajar para o mar. Porm, antes, confiaremos a ns mesmos e nossacidade a precauo contra Melkor. Nisto os valar foram de parca ajuda.

    O corao de Tuor ficou pesado e Voronw lamentou a recusa de seu conselho. Tuorsentou-se perto da grande fonte do rei e seu esguicho recordou-lhe a msica das ondas,sua alma estava perturbada pelas trompas de Ulmo e, pelo som delas, ele retornaria,descendo as guas do Sirion at o mar. Mas Turgon, que reconheceu em Tuor, mortalcomo era, algum merecedor do favor dos valar, distinguindo seu olhar resoluto e opoder de sua voz, enviou a ele uma oferta para que ficasse residindo em Gondolin emseu favor e habitasse mesmo dentro dos sales reais se assim o desejasse.

    Ento, Tuor decidiu ficar, pois estava cansado e aquele lugar era belo, da veio a

  • XXX

    permanncia de Tuor em Gondolin. De todas as aes dele entre os gondolindrim oscontos no falam, mas dito que muitas vezes teria ele ido e vindo secretamente daque-le lugar, ficando cansado dos ajuntamentos do povo, pensando na floresta vazia e nosprados solitrios ou ouvindo a longnqua msica do mar de Ulmo, se no houvessesido preenchido seu corao com amor por uma mulher dos gondolindrim. E ela era afilha do rei.

  • XXXI

    ra, Tuor aprendeu muitas coisas naquele reino, sendo, s vezes, ensi-nado por Voronw, a quem amava e que o amava em retorno, oumais. Foi instrudo pelos homens mais hbeis da cidade e pelos sbi-os do rei. Por conseguinte, transformou-se em um homem muitomais poderoso do que antes e a sabedoria estava em seus conselhos.Muitas coisas, antes no evidentes, tornaram-se claras para ele e muitas

    coisas tornaram-se, para ele, conhecidas que so ainda ignoradas pelos homens mortais.L ouviu a respeito da fundao de Gondolin e de como o trabalho sem pausa, atravs deeras e anos, no bastara para sua construo e seu embelezamento, pois ainda trabalhavao povo de Turgon e Gondolin, a cada dia, era mais enriquecida. Tuor ouviu sobre aqueletnel oculto que o povo chamava de Caminho de Fuga e de como os conselhos haviamdivergido a respeito, at que a piedade pelos fugitivos noldor havia finalmente prevaleci-do. Ouviu tambm da guarda sem cessar que era mantida em armas em certos lugaresbaixos de Echoriath e como os sentinelas ficavam sempre vigilantes nos picos mais eleva-dos daquela rea, ao lado de faris construidos prontos para o fogo, porque nunca aquelepovo cessou de esperar um ataque dos orcs sua cidade.

    Agora, entretanto, a guarda das colinas era mantida mais pelo costume do que pornecessidade, pois os gondolindrim tinham outrora, com inimaginvel trabalho, nivela-do, limpado e cavado toda a plancie prxima a Amon Gwareth, de modo que qual-

  • XXXII

    quer elfo, animal ou vbora que pudessem se aproximar eram espiados de muitas lguasde distncia. Entre os gondolindrim estavam muitos cujos olhos eram mais aguadosdo que os das guias de Manw Slimo e, por esta razo, chamam esse vale Tumladen,ou o Vale da Suavidade. Agora, este grande trabalho estava terminado e o povo ocupa-va-se mais com a extrao dos metais e o forjamento de toda espcie de espadas, ma-chados, lanas, bastes, a moldagem de cotas de malha, armaduras de escamas, arma-duras para as pernas, armaduras de placas para proteger o antebrao, elmos e escudos.Foi dito a Tuor que, se o povo de Gondolin atirasse com arcos sem parar dia ou noite,nem assim poderiam despender todas as flechas armazenadas em muitos anos de labu-ta e que, a cada ano, seu medo dos orcs ficava menor devido a essas providncias.

    Tuor l aprendeu da construo com pedra, de alvenaria e da lavragem de rocha emrmore; dos ofcios de tecelagem e fiao, bordadura, pintura e habilidade em me-tais. Msicas as mais delicadas ouviu e, nestas, eram aqueles que residiam na parte sulda cidade os mais hbeis, pois l brincava uma profuso de fontes e nascentes murmu-rantes. Muitas destas sutilezas Tuor dominou e aprendeu a entretecer com suas canespara a maravilha e alegria dos coraes dos ouvintes. Histrias estranhas do Sol e daLua e das Estrelas, da maneira da Terra e seus elementos e das profundezas do cuforam-lhe contadas. Dos elfos, aprendeu suas falas, velhas lnguas e modos de escrita.Ouviu contar de Ilvatar, o Senhor para Sempre, que habita alm do mundo, da

  • XXXIII

    grande msica dos ainur aos ps de Ilvatar, nas mais absolutas profundezas do tempode onde veio a criao do mundo, da maneira deste, de tudo nele e de seu governo.

    Devido a seu talento e grande maestria sobre toda a sabedoria e arte, tambm por suagrande coragem de corao e corpo, Tuor tornou um conforto sua presena para o rei semfilhos homens e ele era muito amado pelo povo de Gondolin. Em um tempo, o rei fezcom que seus artfices mais astutos talhassem uma armadura de placas para Tuor comoum grande presente, feita do ao dos noldor e recoberta de prata. Mas seu elmo eraadornado com um emblema de metais e jias como duas asas de cisne, uma em cadalado. Outra asa de cisne fora lavrada em seu escudo, mas ele carregava um machado emvez de uma espada e, a este, na fala dos gondolindrim, chamou Dramborleg, pois seugolpe aturdia e sua borda talhava a mais espessa armadura.

    Uma casa foi construida para ele sobre as muralhas do sul, pois amava os ares livres eno gostava da proximidade de outras moradias. L, para seu prazer, freqentementeficava parado nas ameias, ao alvorecer, e o povo regozijava-se a ver a nova luz refletindonas asas de seu elmo. Muitos murmuravam que de bom grado apoi-lo-iam na batalhacom os orcs, vendo que o dilogo daqueles dois, Tuor e Turgon, diante do palcio, eraconhecido por muitos. Contudo, esta questo no foi adiante por reverncia a Turgon eporque o pensamento das palavras de Ulmo no corao de Tuor parecia ter-se tornadoremoto e obscurecido.

  • XXXIV

    Vieram os dias em que Tuorhabitara entre os gondolindrimpor muitos anos. Por muito tem-po tinha conhecido e guardadoum amor pela filha do rei e, ago-ra, estava o seu corao preenchi-do daquele amor. Grande amortambm tinha Idril por Tuor e oscordes dos destinos de ambosforam entretecidos naquele diaem que primeiramente ela olhou por cima dele, de uma janela elevada, enquanto esteestava al de p como um suplicante extenuado diante do palcio do rei. Pouco motivotinha Turgon para opor-se ao amor deles, pois via em Tuor um parente que trariaconforto e grande esperana. Assim, pela primeira vez, foi unido um filho dos homenscom uma filha dos elfos... E Tuor no foi o ltimo. Menos glria muitos tiveram doque eles, e o pesar daqueles, no fim, foi grande. Contudo, grande foi a alegria daquelesdias quando Idril e Tuor casaram-se diante do povo em Gar Ainion, o Lugar dosDeuses, prximo aos sales do rei. Um dia de alegria foi esse casamento para a cidadede Gondolin e da maior felicidade para Tuor e Idril. Depois disso, ambos residiram, em

  • XXXV

    alegria, naquela casa acima das muralhas que olhava para o sul, sobre Tumladen, e istofoi bom para os coraes de todos na cidade, salvo Maeglin. Ora, aquele noldo eravindo de uma casa antiga, embora agora seus nmeros fossem menores do que os deoutras, mas ele mesmo era sobrinho do rei por sua me, Aredhel, a irm do rei. Porm,a histria dela e de ol no se pode contar aqui.

    O smbolo de Maeglin era uma Toupeira Negra. Ele era grande entre os mineiros e umchefe dos escavadores atrs de minrio, muitos destes pertenciam sua casa. Era menosbelo do que a maioria deste povo, moreno e de humor muito instvel. De modo quealcanasse pouco amor entre os que com ele viviam. Havia sussurros de que corria sangueorc em suas veias, mas no sei como isto poderia ser verdadeiro. Propusera-se ao reifreqentemente para a mo de Idril, todavia, Turgon, considerando-a muito avessa, dis-sera no, pois lhe parecia que os pedidos de Maeglin eram causados tanto pelo desejo deestar em poder elevado ao lado do trono real quanto pelo amor daquela donzela toformosa. Ela era bela e corajosa, as pessoas a chamavam Idril dos Ps de Prata, pois elapermanecia sempre descala e com a cabea descoberta, filha do rei como era, exceto empompas dos ainur. Maeglin corroeu-se de raiva, vendo Tuor suplant-lo.

    Nestes dias, veio a cumprir-se o tempo do desejo dos valar e da esperana dos Eldali,pois, em grande amor, Idril deu luz um filho de Tuor e ele foi chamado Erendil.Agora, para isso h muitas interpretaes entre elfos e homens, mas, segundo parece,

  • XXXVI

    este era um nome tirado de alguma lngua secreta entre os gondolin-drim e essa pereceu com eles nas moradias da Terra.

    Este beb era da maior beleza, sua pele de um branco radiante e seusolhos de um azul superando o do cu nas terras meridionais, maisazuis do que as safiras do traje de Manw. A inveja de Maeglin foiprofunda em seu nascimento, mas a alegria de Turgon e todo o povofoi muito grande de fato.

    Muitos anos se passaram desde que Tuor estivera perdido entre ossops das colinas e abandonado por aqueles noldor. Contudo, muitosanos tambm haviam passado desde que aos ouvidos de Melkor chega-ram, pela primeira vez, aquelas notcias estranhas (vagas elas eram e vri-as na forma) de um homem vagando entre os vales das guas do Sirion.Melkor no estava muito receoso da raa dos homens naqueles dias deseu grande poder e, por esta razo, Ulmo trabalhou, por meio de umdesta famlia, para melhor iludir Melkor, vendo que nenhum valar epoucos dos eldar ou dos noldor podiam movimentar-se desapercebidosde sua vigilncia. Apesar de tudo, um pressentimento atingiu aquelemau corao, conforme as informaes lhe chegavam, e ele reuniu umexrcito poderoso de espies: filhos dos orcs estavam l, com olhos ama-

  • XXXVII

    relos e verdes como gatos, que poderiam perfurar todas as trevas e ver atravs de nvoa oubruma ou noite. Serpentes que poderiam ir a todos os lugares e procurar em todas asfendas, dos poos mais profundos aos picos mais elevados, escutar cada sussurro quecorresse na grama ou ecoasse nos montes. Lobos, ces vorazes e grandes doninhas cheiasda sede de sangue, cujas narinas poderiam captar aromas de luas antigas atravs da guacorrente, ou cujos olhos encontram, entre os pedregulhos, pegadas com uma vida inteirade idade. Corujas vinham e falces, cujo olhar aguado podia enxergar no dia ou na noiteo esvoaar de pssaros pequenos em todas as florestas do mundo. O movimento de cadacamundongo ou ratazana que rasteje ou habite por toda a Terra. Todos estes ele chamoua seu Salo de Ferro e eles vieram em multides. Dali, enviou-os sobre a Terra para buscareste homem que escapara da Terra das Sombras, mas ainda mais cuidadosamente paraprocurar a habitao dos noldor que haviam escapado de seu cativeiro, pois, estes, seucorao queimava por destruir ou escravizar.

  • XXXVIII

    nquanto Tuor residia, feliz, em Gondolin e seu conhecimento epoder cresciam, aquelas criaturas incansveis de Melkor procura-ram entre as pedras e rochas, caaram nas florestas e nas urzes,espiaram os ares e os lugares elevados, trilharam todos os caminhosprximos dos vales e plancies. Desta caada trouxeram uma ri-queza de informaes a seu senhor. Certamente, entre muitas coi-

    sas escondidas que trouxeram luz, descobriram aquele Caminho da Fuga, no qualTuor e Voronw haviam outrora entrado. Mas nem isso teriam descoberto sem cons-tranger, com ameaas de tortura, alguns noldor dentre os de vontade menos firme aparticipar naquele grande saque, visto que, devido magia daquele lugar, povo ne-nhum de Melkor, sem a ajuda dos noldor, podia chegar. No entanto, agora eles tinhamcaminhado longe dentro daquele tnel e ali haviam capturado muitos noldor quefugiam do cativeiro. Tinham escalado tambm Echoriath, em determinados lugares, eolhado para a beleza da cidade de Gondolin e a fora de Amon Gwareth distncia.Porm, no podiam avanar at a plancie pela vigilncia de seus guardies e a dificul-dade daquelas montanhas. De fato, os gondolindrim eram grandes arqueiros e os arcosque faziam eram uma maravilha de poder. Esses arqueiros podiam disparar uma flechapara o cu sete vezes to distante quanto pode o melhor arqueiro entre os homens atirara um alvo em cima da terra. No teriam admitido que nenhum falco voasse sobre sua

  • XXXIX

    plancie ou serpente rastejasse sobre esta, pois no gostavam de criaturas sanguinrias,produtos de Melkor.

    Naqueles dias, Erendil tinha um ano de vida quando estas ms notcias chegaram, decomo os espies de Melkor circundavam o vale de Tumladen. Com isso, o corao deTurgon ficou entristecido, recordando as palavras de Tuor, em anos passados, diante dasportas do palcio. Mandou que a viglia e a guarda fosse fortalecida trs vezes em todos ospontos e que instrumentos de guerra fossem projetados por seus artfices e postos sobre omonte. Fogos venenosos e lquidos quentes, flechas e grandes rochas, estavam preparadospara disparar sobre qualquer um que atacasse aqueles muros brilhantes. O rei finalmentedeu-se por satisfeito, tanto quanto podia ser, mas o corao de Tuor estava mais pesado doque o de Turgon, porque agora as palavras de Ulmo vinham sempre sua mente. Seusignificado e gravidade agora compreendia mais profundamente do que em tempos an-tigos. Sequer encontrava ele qualquer conforto em Idril, porque o corao dela traziapressgios ainda mais negros do que o seu prprio.

    Sabe-se que Idril tinha um grande poder de penetrar, com seu pensamento, a escu-rido dos coraes dos elfos e homens e as trevas do futuro ali, mais do que o podercomum das famlias dos Eldali. Conseqentemente ela falou, um dia, a Tuor:

    Saiba, meu marido, que meu corao est apreensivo pela dvida com relao aMaeglin e temo que este trar mal sobre nosso belo reino, embora, de nenhuma manei-

  • XL

    ra, eu possa ver como ou quando. Todavia, temo que tudo que ele saiba de nossas aese preparaes se torne conhecido ao inimigo, possibilitando que este planeje meiosnovos de nos derrotar contra os quais no pensamos em nenhuma defesa. Veja! Sonhei,uma noite, que Maeglin construa uma fornalha e, vindo a ns inesperadamente, nelaarremessava Erendil, nosso beb e depois empurrava, dentro dela, a ti e a mim. Mas aisto, por tristeza pela morte de nossa bela criana, eu no resistiria.

    Tuor respondeu: H uma razo para o teu medo, pois tambm no est meu corao tranqilo

    para com Maeglin. A despeito disso, ele sobrinho do rei e teu prprio primo. Nemexiste acusao contra ele e no vejo nada a fazer alm de me conformar e vigiar.

    Este meu conselho: renas tu, em segredo profundo, aqueles escavadores emineiros que, por julgamento cuidadoso, sejam considerados por ter menos amor aMaeglin, em razo do orgulho e arrogncia de suas transaes entre eles. Destes, devestu escolher homens de confiana para manter guarda sobre Maeglin quando ele forpara os montes exteriores. No entanto, eu aconselho-te a empregar a maior parte da-queles em cuja discrio tu possas confiar em escavao escondida e, para projetar, comsua ajuda, cauteloso e lento que seja esse trabalho, um caminho secreto da tua casa,aqui sob as rochas deste monte, at o vale abaixo. Este caminho no deve conduzir parao Caminho da Fuga, pois o meu corao me diz para no confiar nele, mas sim para a

  • XLI

    passagem longnqua, a Fenda das guias, nas montanhas meridionais. Quanto maislonge esta escavao alcanar para l abaixo da plancie, mais a estimarei. Contudo,deixe todo este trabalho ser mantido secreto, exceto para alguns poucos. No hescavadores da terra ou da rocha como os noldor (isto Melkor sabe), mas, naqueleslugares, a terra de uma grande dureza.

    As rochas do monte de Amon Gwareth so como ferro e somente com muito traba-lho podem ser rachadas. Mas, se isto for feito em segredo, ento, grande tempo e pacinciadevem ser adicionados. Mas a pedra do solo do Vale de Tumladen como o ao forjado,nem pode ele ser cortado sem o conhecimento dos gondolindrim salvo em luas e anos.

    Verdade isto pode ser, mas tal meu conselho e ainda h tempo disponvel.Ento Tuor disse que no podia ver todo o propsito disto, mas acrescentou: melhor qualquer plano do que a falta de conselho. E farei mesmo como tu dizes.Aconteceu, assim, que, no muito tempo depois, Maeglin foi para as colinas, para

    conseguir minrio e, perdido nas montanhas, sozinho foi tomado por alguns dos orcsque perambulavam por l. Lhe fariam mal e terrvel dano, reconhecendo-o como umdos gondolindrim. Isto foi, entretanto, desconhecido dos sentinelas de Tuor. Mas omal veio no corao de Maeglin e este disse a seus captores:

    Saibam que eu sou Maeglin, filho de ol, que teve por esposa Aredhel, irm deTurgon rei dos gondolindrim.

  • XLII

    Mas disseram os orcs: O que isso para ns? Muito isto para vocs, pois, se me matarem, seja isto de forma rpida ou lenta,

    vocs perdero grandes informaes da cidade de Gondolin que seu mestre regozijar-se-ia ao ouvir.

    Os orcs pararam suas mos e disseram que dar-lhe-iam a vida se as questes que lhesesclarecesse parecessem merecer isso. Maeglin contou-lhes de toda a forma daquelaplancie e cidade, de suas muralhas e sua altura, da espessura e do valor de seus portes;da hoste de homens em armas que agora obedeciam Turgon; do incontvel mealheirode armas reunido para seu equipamento; dos instrumentos de guerra e dos fogos.

    Os orcs ficaram enfurecidos e, tendo ouvido estes assuntos, estavam ainda dispostosa matarem-no l, como a algum que ampliou imprudentemente o poder de seu povomiservel ao escrnio do grande poder e potncia de Melkor. Mas Maeglin pegou-seem uma ltima esperana e disse:

    No penseis vs que preferireis agradar o seu mestre se trouxesseis aos seus psum cativo to nobre, de modo que ele poderia ouvir minhas informaes por si mesmoe julgar sua verdade?

    Agora isto pareceu bom aos orcs e retornaram das montanhas perto de Gondolinpara as Montanhas de Ferro e aos sales escuros de Melkor. Para l arrastaram Maeglin

  • XLIII

    e, agora, estava este em um horror dolorido. Mas quando se ajoelhou diante do trononegro de Melkor, em terror e repugnncia das formas em cerca dele, dos lobos que sesentavam debaixo daquela cadeira e das cobras que se entrelaavam em volta das suaspernas, Melkor mandou-o falar. Em seguida, lhe contou aquelas informaes e Me-lkor, escutando, falou-lhe, de modo to justo, que a insolncia de seu corao emgrande medida retornou.

    O fim disto foi que Melkor, ajudado pela astcia de Maeglin, criou um plano paraa destruio de Gondolin. Para isto, a recompensa de Maeglin era de ser nomeado umalto capito entre os orcs. Contudo, Melkor no tencionava, em seu corao, cumprirtal promessa. Mas, a Tuor e Erendil, Melkor deveria queimar e Idril ser dada aosbraos de Maeglin. Tais promessas aquele ser maligno estava disposto a cumprir. Toda-via, como aviso, caso se mostrasse novamente desleal, Melkor ameaou Maeglin com otormento dos balrogs. Estes eram demnios com chicotes de chama e garras de aocom que Melkor atormentava aqueles dos noldor que ousassem oporem-se-lhe emqualquer coisa. Os eldar chamavam-nos valaraukar. Mas o conselho que Maeglin deua Melkor foi que nem toda a hoste dos orcs nem os balrogs em sua ferocidade podiam,por ataque ou cerco, esperar derrubar os muros e portes de Gondolin. Todo esseexrcito iria, no mximo, tomar as plancies exteriores. Conseqentemente aconselhoua Melkor que planejasse, de suas feitiarias, um socorro para seus guerreiros, em sua

  • XLIV

    diligncia. Da grandeza de sua riqueza de metais e de seus poderes de fogo, disse-lheque fizesse bestas como serpentes e drages de poder irresistivel, que deveriam rastejarsobre Echoriath, cobrindo aquela plancie e sua bela cidade de chamas e morte.

    Aps tudo isso, Maeglin foi ordenado a ir para casa a fim de que no suspeitassempor sua ausncia. Melkor teceu sobre ele um encanto de terror sem fundo e este noteve, depois disso, nem alegria nem sossego em seu corao. Apesar de tudo, vestiu umabela mscara de boa amizade e alegria, de modo que os homens dissessem: Maeglinest suavizado. Foi considerado em menos desfavor. Mas, Idril temeu-o mais. Agora,Maeglin dizia: eu trabalhei muito, penso em descansar e juntar-me dana, canoe aos divertimentos do povo. E no foi mais extrair pedra ou minrio nas colinas.Porm, na verdade, buscou nisto afogar seu medo e inquietude. Um pavor possua-ode que Melkor estivesse sempre perto e isto vinha do encanto. Nunca ousou vagaroutra vez entre as minas, com receio de que encontrasse outra vez com os orcs e fossemandado novamente para os terrores dos sales da escurido.

    Os anos passaram e, instigado por Idril, Tuor se manteve sempre em sua escavaosecreta. Mas, observando que a vigia dos espies de Melkor diminura, Turgon viviamais na tranqilidade e em menor medo. No obstante, estes anos foram ocupadospor Melkor na mxima excitao de trabalho e todo o povo escravizado dos noldor teveque escavar incessantemente por metais enquanto Melkor sentava, projetava fogos e

  • XLV

    evocava chamas e fumaas dos mais profundos lugares da terra. Nem permitia ele queos noldor se apartassem sequer um passo de seus lugares de cativeiro e trabalho.

    Ento, Melkor reuniu todos os seus mais astutos ferreiros e feiticeiros e, de ferro echama, construram uma hoste de monstros como somente naquele tempo foramvistos e no o sero novamente at o Grande Fim. Alguns eram de ferro toastuciosamente ligado que podiam mover-se como rios lentos de metal ou serpearem-se ao redor e por cima de todos os obstculos diante deles. Estes foram preenchidos, emsuas profundezas, com os mais severos dentre os orcs, munidos de cimitarras e lanas.A outros monstros de bronze e cobre foram dados coraes e espritos de fogo flame-jante. Eles destruam tudo o que estivesse diante deles com o terror de seu urro oupisavam o que quer que escapasse ao ardor de seu hlito. Todavia, outros eram criaturasde pura chama que retorciam-se como cordas de metal fundido. Traziam a runa aqualquer material de que se aproximassem e ferro e pedra derretiam-se diante deles,tornando-se como gua. Em cima deles, cavalgavam balrogs, s centenas e, estes, eramos mais horrendos de todos aqueles monstros que Melkor enviou contra Gondolin.

    Quando o stimo vero passara desde a traio de Maeglin e Erendil ainda de muitotenra idade, embora criana valorosa, Melkor retirou todos os seus espies, porque cadatrajeto e canto das montanhas era-lhe conhecido agora. Os gondolindrim pensaram, emsua falta de cautela, que Melkor no mais buscaria por eles, percebendo seu poder e a

  • XLVI

    fora impregnvel de sua morada. MasIdril caiu em um humor sombrio e a luzde sua face estava obscurecida, muitos sesurpreenderam com isso. Mesmo assim,Turgon reduziu a sentinela e a guarda aseus nmeros antigos, ainda para um tan-to a menos. Quando o outono veio e acolheita de frutos terminou, o povo vol-tou-se ,com coraes contentes, para asfestas do inverno. Mas Tuor ficou de p sobre as muralhas e olhou por sobre Echoriath.Idril estava ao lado dele e o vento estava em seu cabelo. Tuor observava o quanto ela eraextraordinariamente bela e inclinou-se para beij-la, mas seu rosto estava triste. Ela disse:

    Agora vm os dias quando tu deves fazer a escolha. e Tuor no soube do que elafalava. Ento, Idril, levando-o para dentro de seus sales, disse-lhe como seu corao afazia temer a respeito de Erendil seu filho, pressentindo que algum grande mal estavaprximo e que Melkor estaria no fundo dele. Tuor tentou confort-la, mas no conse-guiu e ela questionou-o a respeito da escavao secreta. Ele disse como esta agora esten-dia-se por uma lgua sob a plancie, isso foi a nica coisa que abrandou o medo em seucorao. Mas ela ainda aconselhou que a escavao fosse avanada e que, doravante,

  • XLVII

    dever-se-ia acelerar. A determinao passara a ser mais valiosa que o segredo: Porque agora o tempo est muito prximo.E um outro conselho ela lhe deu, e este ele tomou tambm, de que certos homens, dos

    mais bravos e verdadeiros entre os senhores e guerreiros dos gondolindrim, fossem esco-lhidos, com cuidado, e informados daquele caminho secreto e de sua sada. Destes, elaaconselhou-o a fazer uma guarda destemida e dar-lhes o seu emblema, de forma que elesse tornassem o seu povo. Para agir assim, sob o pretexto do direito e da dignidade de umgrande senhor, parente do rei.

    Alm disso ela disse conseguirei a permisso de meu pai para tais aes.Ela segredou tambm ao povo que, se a cidade chegasse sua ltima resistncia ou

    Turgon fosse morto, que se reunissem, em volta de Tuor e Erendil, e a isto eles disse-ram sim entre gracejos, dizendo, porm, que Gondolin resistiria por tanto tempo quantoTaniquetil ou as montanhas de Valinor.

    Porm, para Turgon, ela no falou abertamente, nem permitiu que Tuor o fizesse,como ele desejava. A despeito do amor deles e reverncia pelo rei (pois ele era grande,nobre e glorioso) vendo que este acreditava em Maeglin e mantinha, com obstinaocega, sua crena no poder impregnvel da cidade e em que Melkor no mais empenha-va-se contra esta, no percebendo nenhuma esperana nisso. Ora, em tudo isto, Tur-gon era sempre fortalecido pelas afirmaes argutas de Maeglin. A astcia daquele

  • XLVIII

    noldo era muito grande, pois trabalhava nas sombras, de modo que o povo dizia: Elefaz bem em usar o smbolo de uma toupeira negra.

    Por razo das palavras vagas de certos homens do grupo de Tuor, a quem este falaracom descuido, ele coletou algum conhecimento do trabalho secreto e estendeu contraeste um plano de sua prpria autoria.

    O inverno se intensificou, ficou muito frio por aquelas regies, de modo que a geadacobria a plancie de Tumladen, o gelo repousava em seus lagos. No obstante, as fontesbrincavam sempre em Amon Gwareth. As duas rvores floresciam e o povo festejoualegre at o dia do terror que estava escondido no corao de Melkor. Aquele invernoamargo passou e as neves ficaram mais profundas do que nunca antes em Echoriath.Entretanto, neste tempo, uma primavera de glria surpreendente derreteu a margemdaquelas capas brancas e o vale tragou as guas, se abrindo em flores. Veio e passou, comfestas, o festival de Nos-na-Lothion, ou o Nascimento das Flores, e os coraes dos gon-dolindrim foram elevados pela boa promessa do ano. Agora, finalmente a grande festa deTarnin Austa, As Portas do Vero, chegara, pois saiba que era costume dos noldor come-ar uma cerimnia solene meia-noite continuando-a at que o alvorecer de TarninAusta rompesse. Nenhuma voz era proferida na cidade, da meia-noite at o romper dodia. Mas, na madrugada, este povo saudava, com canes antigas, o nascer do sol. Poranos incontveis, a chegada do vero fora assim comemorada, com msica de coros

  • XLIX

    situados acima de sua muralha oriental. Chega a noite de viglia e a cidade est cheia delmpadas prateadas, enquanto, nos arvoredos em cima das rvores, luzes de pedras preci-osas coloridas balanam, msicas suaves prosseguem ao longo das ruas, sem nenhumsinal de vozes at o amanhecer.

  • Lsol desceu alm das colinas e o povo arrumou-se para o festival,muito alegre e ansioso, olhando em expectativa para o Leste. Mes-mo quando estava tudo escuro, uma nova luz repentinamente apa-receu e houve uma incandescencia avermelhada, mas essa luz esta-va alm dos cumes, na direo norte, os homens maravilharam-see houve uma aglomerao nos muros e ameias. Ento, a admira-

    o transformou-se em dvida conforme aquela luz cresceu e se tornou ainda maisvermelha e, depois, em medo quando os noldor viram que a neve nas montanhastingia-se como se estivesse manchada de sangue. E foi assim que as serpentes de fogo deMelkor chegaram a Gondolin. Foi assim que chegaram sobre a plancie cavaleiros quetraziam notcias apressadas daqueles que mantinham guarda nos picos e contaram dashostes ardentes, das formas como drages, dizendo: Melkor est sobre ns!

    Grande foi o medo e angstia dentro daquela bela cidade, e as ruas e caminhosestavam cheios com o pranto de mulheres e os gemidos de crianas e as praas com areunio de tropas de soldados e o ressoar de armas. L estavam os estandartes resplan-decentes de todas as casas dos gondolindrim.

    Poderosa era a presena dos homens da casa do rei, e suas cores eram branco, douradoe vermelho. Seus emblemas, a lua, o sol e o corao escarlate. No centro destes, estavaTuor, acima de todos os lderes, e sua armadura de prata reluzia. Em torno dele, havia

  • LI

    uma multido dos maisdestemidos dentre opovo. Todos os guerrei-ros de Tuor usavam asascomo que de cisnes ougaivotas em seus elmos,estando o emblema daAsa Branca em seus es-cudos. Mas o povo deMaeglin estava reunidono mesmo lugar, seusadornos eram negros eno portavam nenhumsmbolo ou emblema,porm, seus capacetesredondos, de ao, eram cobertos com pele de toupeira e lutavam com machados de duascabeas semelhantes a picaretas. L, Maeglin, prncipe de Gondobar, reuniu em torno desi muitos guerreiros de semblante escuro e olhar ameaador. Um brilho vermelho res-plandecia em suas faces e refletia sobre as superfcies polidas de seus trajes. Todas as colinas

  • LII

    para o norte estavam inflamadas, era como se rios de fogo corressem, descendo as encos-tas que conduziam plancie de Tumladen. O povo j podia sentir o calor das chamas.

    Muitas outras casas estavam l. As casas da Andorinha e do Arco Celestial, e destepovo vinha o maior nmero e os melhores dentre os arqueiros, foram arrumadas noslugares largos dos muros. Ora, o povo da Andorinha portava um leque de plumas emseus elmos e estava adornado em branco e azul escuro, em prpura e preto, exibindouma ponta de flecha em seus escudos. O senhor desta Casa era Duilin, mais rpido detodos os homens para correr e saltar, o mais certeiro dos arqueiros em sua ou emqualquer outra casa. Mas os guerreiros do Arco Celestial, sendo um povo de riquezaincontvel, estavam revestidos em glorioso colorido e suas armas eram ornamentadascom pedras preciosas que resplandeciam na luz que cobria o cu.

    Cada escudo daquele batalho era de azul celeste e o centro destes escudos era comouma jia formada de sete gemas, rubis, ametistas, safiras, esmeraldas, crisprasos, topziose mbar, mas uma opala grande estava fixada em seus elmos. Egalmoth era seu lder, quevestia um manto azul com estrelas bordadas em cristal, sua espada era curvada. Almdeste, ningum mais, entre os noldor, portava espadas curvas. Contudo, ele confiava maisem seu arco e, com ele, disparava mais longe do que qualquer um dentre aquele exrcito.

    L tambm estavam a Casa do Pilar e da Torre da Neve, ambas estas famlias eramdirigidas por Pengolod, o mais alto dos noldor. Havia tambm a Casa da rvore e esta era

  • LIII

    uma grande casa, sua vestimenta era verde. Eles lu-tavam com fundas e clavas cravadas com ferro. Seusenhor, Galdor, era considerado o mais destemidode todos os gondolindrim salvo apenas Turgon. ACasa da Flor Dourada trazia um sol com raios emseus escudos, seu lder, Glorfindel, usava um mantobordado com fios de ouro e decorado com celidni-as, se asemelhando a um campo primaveril. Suasarmas tambm eram adornadas com ouro.

    Chegando da parte sul da cidade, veio o povoda Fonte, Ecthelion era o seu senhor. Prata e dia-mantes eram o seu deleite, alm de espadas muitolongas e plidas por eles empunhadas, indo para abatalha msica de flautas. Atrs deles, veio a hos-te da Harpa, esta era um batalho de bravos guer-reiros, mas o lder deles, Salgant, era um covardeque procedia servilmente para com Maeglin. Eleseram adornados com borlas de prata e de ouro,uma harpa de prata brilhava no seu braso, em um

  • LIV

    campo negro. Salgant trazia uma harpa de ouro, apenas ele cavalgava para a batalhadentre todos os filhos dos gondolindrim. Era pesado e atarracado.

    Agora o ltimo dos batalhes foi provido pelo povo do Martelo da Ira e, destes, vinhammuitos dos melhores ferreiros e artfices de Gondolin. Toda aquela casa reverenciava Aul, oFerreiro, mais do que qualquer outro dos valar. Eles lutavam com maas grandes, comomartelos, seus escudos eram pesados, pois seus braos eram muito fortes. Em dias antigostinham sido recrutados pelos noldor que escapavam das minas de Melkor. O dio dessa casapelos trabalhos do inimigo e suas criaturas era excessivamente grande. Seu lder era Rog, omais forte dos noldor de Gondolin, segundo em valor, seguindo-se a Galdor da Casa darvore. O smbolo desse povo era a Bigorna Ferida, um martelo que golpeava centelhas emvolta de si estava colocado em seus escudos, ouro vermelho e ferro negro eram seu encanto.Muito numeroso era aquele batalho, nem havia qualquer um, entre eles, cujo corao fossefraco. A Casa do Martelo da Ira ganhou as maiores glrias dentre todas aquelas belas hostesna luta contra a destruio, contudo, foram infortunados e nenhum deles escapou, mascaram fielmente ao redor de seu lder, Rog, e desapareceram da Terra. Com eles, muitahabilidade de forja se perdeu para sempre.

    Esta era a maneira e a ordem das onze casas dos gondolindrim com os seus smbolos eemblemas, e a guarda de Tuor, a Casa da Asa, era considerada a dcima segunda. A facedaquele lder estava sombria e ele no esperava viver muito. Nas muralhas de sua casa,

  • LV

    sobre os muros, Idril veste-se em uma cota de malha e busca Erendil. A criana estava emlgrimas pelas luzes estranhas e vermelhas que brincavam de um lado a outro das paredesda cmara onde dormia. As histrias que sua ama, Meleth, lhe contara sobre Melkorvinham a ele e o assustavam. Mas sua me vestiu-lhe uma cota de malha que mandarafazer em segredo e, naquele momento, Erendil ficou mesmo alegre e extremamenteorgulhoso. Ele exclamou de prazer. Todavia Idril lamentou, pois muito ela apreciara, emseu corao, sua bela cidade e sua casa agradvel, o amor de Tuor e dela que habitara ali,mas, agora, via sua destruio prxima e temia que seu plano falhasse contra o poderopressivo do terror das serpentes.

    Eram ainda quatro horas antes da meia-noite e o cu estava vermelho a norte, leste eoeste. As serpentes de ferro haviam alcanado o nvel de Tumladen, e esses vermes faiscantesestavam entre os mais baixos declives das colinas, de forma que os guardas foram pegos epostos em tormento maligno pelos balrogs que estavam em toda parte, exceto na extre-midade sul do vale, onde estava Cristhorn, a Fenda das guias.

    Diante disso, Turgon chamou um conselho. Para l foram Tuor e Maeglin, comoprncipes reais, e Duilin veio com Egalmoth e Pengolod, o alto. Rog foi para l, a passoslargos, com Galdor, da rvore, e Glorfindel junto a Ecthelion, da voz de msica. Para ltambm foi Salgant, trmulo devido s notcias, alm de outros nobres de menos sangueporm melhor corao.

  • LVI

    Tuor falou e este foi seu conselho: que um ataque repentino e poderoso fosse feitoem seguida, antes que a luz e o calor aumentassem na plancie. Muitos o apoiaram emtal plano, estando em desacordo apenas sobre se a investida deveria ser feita pela hosteinteira com as donzelas e crianas em meio aos homens, ou por diversos bandos bus-cando em muitas direes. esta ltima Tuor inclinou-se.

    Mas Maeglin e Salgant propuseram outro conselho, de que a cidade fosse defendida eque se buscasse guardar os tesouros que estavam dentro desta. Por malcia, Maeglin falouassim, temendo que algum dos noldor escapasse destruio que trouxera sobre Gondo-lin, pois ele temia que sua traio fosse conhecida e de alguma maneira, algum dia, avingana o encontrasse. No entanto, Salgant falou tanto ecoando Maeglin quanto estan-do tristemente amedrontado de sair da cidade, pois ele estava disposto antes a batalhar dedentro de uma fortaleza inconquistvel do que se arriscar a golpes no campo.

    O senhor da casa da Toupeira tocou na nica fraqueza de Turgon, dizendo: Veja! Rei, a cidade de Gondolin contm uma riqueza de jias, metais, matri-

    as-primas e de coisas forjadas pelas mos dos noldor de extrema beleza. Todos estes teussenhores, mais valentes do que sbios, me parece, abandonariam tudo isso ao Inimigo.At mesmo se a vitria fosse vossa na plancie, tua cidade seria pilhada e os balrogspartiriam dela com um saque imensurvel.

    Turgon suspirou. Maeglin conhecia seu grande amor pela riqueza e encanto daquela

  • LVII

    cidade sobre o Amon Gwareth. Mais uma vez falou Maeglin, pondo fogo em sua voz: Veja! Tens tu para nada labutado por anos incontveis na construo de paredes

    de espessura inconquistvel e na fabricao de portes cuja fora no pode ser subver-tida. o poder do monte Amon Gwareth to baixo quanto o vale profundo, ou omealheiro de armas que repousam ali e suas flechas inumerveis de to pequeno valor,que na hora de perigo porias tu todo o teu trabalho de lado e irias desnudo, em campoaberto, contra inimigos de ao e fogo, cujo tropel estremece a terra e faz Echoriathressoar com o clamor de seus passos?

    Salgant tremeu ao pensar nisto e falou ruidosamente, dizendo: Maeglin fala bem, Rei, oua-o tu.Nisto, o rei tomou o conselho daqueles dois, embora todos os outros senhores aconse-

    lhassem o contrrio e mais ainda por esta razo. Finalmente, ao seu comando, todoaquele povo preparou-se para defender Gondolin contra o ataque que viria da plancie.Mas Tuor lamentou, deixou o salo do rei e, reunindo os homens da Asa, atravessou asruas, buscando sua casa. Por aquela hora, a luz estava grande e lrida, havia calor sufocan-te, fumaa negra e odores fortes surgiam sobre todos os caminhos da cidade.

    Vinham os Monstros de Ferro atravs do vale e as torres brancas de Gondolinavermelharam-se diante deles. At os mais destemidos ficaram amedrontados, vendoaqueles drages de fogo e aquelas serpentes de bronze e ferro que chegavam. Dispara-

  • LVIII

    ram flechas sobre eles, sem sucesso. Mas hou-ve um grito de esperana, pois viu-se, as co-bras de fogo no podiam escalar o monte porsua declividade e por sua superfcie lisa comovidro. Devido s guas que caam por seuslados, apagava-lhes o fogo. Contudo, elas pos-taram-se ao p do monte e um vasto vaporsurgiu onde os rios de Amon Gwareth e aschamas das serpentes se encontravam. O ca-lor era tal que as mulheres desmaiavam e oshomens transpiravam exausto sob suas ar-maduras. Todas as fontes da cidade, salvo so-mente a fonte do rei, tornaram-se quentes eborbulhantes.

    Mas agora Gothmog, senhor dos balrogs,capito das hostes de Melkor, tomou conse-lho e reuniu todas as criaturas de ferro quepoderiam empilhar-se ao redor e acima detodos os obstculos. A estas ele ordenou que

  • LIX

    se amontoassem diante do porto norte. Seus grandes pinculos alcanaram o limiardos portes e apoiaram-se sobre as torres e basties em torno deles. Devido ao peso deseus corpos, aqueles portes caram, grande foi o barulho de sua queda. Mas a maiorparte das muralhas, ao redor, ainda ficou firme. As mquinas e as catapultas do reidespejaram dardos, pedras e metal fundido naquelas bestas cruis. Seus ventres ocosecoavam sob o impacto. No resultou em nada, pois eles no poderiam ser destrudose torrentes de fogo rolavam deles. Nisto, as criaturas que estavam no topo abriram-sepelo meio e uma hoste inumervel de orcs, demnios de dio, verteu de l para dentroda brecha. Quem contar do vislumbre das suas cimitarras ou do reluzir das lanas delmina larga com as quais apunhalavam? Nesse momento, Rog gritou em uma vozpoderosa e todos os guerreiros do Martelo da Ira e da Casa rvore, com Galdor, ovaloroso, arremessaram-se ao inimigo. L os golpes dos seus grandes martelos e a pan-cada das suas clavas ressoaram at Echoriath e os orcs caram como folhas. Aqueles daAndorinha e do Arco Celestial arremessaram flechas como as chuvas escuras de outonosobre os orcs e, ambos, orcs e gondolindrim, sucumbiram sob aquelas setas devido fumaa e confuso. Grande foi aquela primeira batalha, mas, mesmo com todo o seuvalor, os gondolindrim foram lentamente empurrados para trs pelo nmero crescentede inimigos, at que os orcs tomassem parte do norte da cidade.

    essa altura, Tuor estava na liderana do povo da Asa, lutando no tumulto das ruas

  • LX

    e, agora, ele alcana sua casa e descobre que Maeglin chegara l antes dele. Confiandona batalha agora comeada em torno do porto setentrional e no alvoroo na cidade,Maeglin acreditava que essa seria uma boa hora para a consumao de seus desgnios.Sabendo muito da escavao secreta de Tuor (contudo somente no ltimo momentoele adquirira este conhecimento e no pde descobrir tudo), no disse nada ao rei ou aqualquer outro, pois ele julgava que aquele tnel iria, no fim, para o Caminho da Fuga.Este sendo o mais prximo cidade. Ele teve o pensamento de us-lo para o seu beme para o mal dos noldor. Maeglin despachou mensageiros com grande cautela a Melkorpara estabelecer uma guarda na outra sada daquele Caminho quando o ataque fossefeito. Mas ele mesmo agora considerava tomar Erendil, lan-lo no fogo ao p dasmuralhas e tomar Idril, obrigando-a a gui-lo at a passagem secreta pela qual iria fugirdaquele terror de fogo e matana. Arrastaria ela consigo para as terras de Melkor. Ora,Maeglin estava receoso de que mesmo o smbolo secreto que Melkor lhe dera comoproteo falharia naquele terrvel saque. Pretendia ajudar aquele ainu no cumprimentode suas promessas de que lhe daria segurana. Sem dvida, tinha a morte de Tuor comocerta naquele grande incndio, pois a Salgant ele confiara a tarefa de tard-lo nos salesdo rei e incit-lo dali diretamente para a mais mortal das lutas. Mas Salgant sucumbiraa um terror mortal e cavalgara para sua casa, onde desabara trmulo em seu leito.

    Tuor fora para sua prpria casa com o povo da Asa. Ele fizera isso (embora sua

  • LXI

    coragem se agitasse ao rudo das batalhas) para despedir-se de Idril e Erendil. Tambmqueria expedi-los, com um guarda-costas, pelo caminho secreto, antes que ele mesmoretornasse ao tropel da batalha para morrer, se tivesse que ser assim. Mas ele encontrouuma barreira do povo da Toupeira prxima sua porta, formada pelos indivduos maissinistros e de menor boa vontade que Maeglin pudera encontrar na cidade. Aindaassim, aqueles eram noldor livres, no sob o encanto de Melkor como o seu mestre e,embora eles tenham ajudado Idril, por lealdade a Maeglin, em nada alm participaramdo que este pretendia, a despeito de todas as suas maldies.

    Maeglin tinha Idril presa pelos cabelos e buscava arrast-la para as ameias, por cru-eldade, para que ela pudesse ver a queda de Erendil, s chamas. Mas foi atrapalhadopela criana. E Idril lutou, sozinha como estava, como uma tigresa em toda a sua belezaesbelta. Maeglin se demorou entre juramentos e maldies enquanto o povo da Asa seaproximava. Tuor os avista e d um grito to poderoso que mesmo os orcs, distncia,ouvem-no e tremem ao som deste. Como o estrondo da tempestade, a guarda da Asaavana contra os homens da Toupeira. Quando Maeglin viu isto tentou apunhalarErendil com uma faca curta que levava cintura, mas a criana mordeu sua moesquerda at os dentes lhe afundarem na carne. Maeglin cambaleou atingindo-o debil-mente, a pequena cota de malha desviou a lmina. Nesse entretempo, Tuor chegoujunto a ele, sua ira era terrvel de se ver. Tuor agarrou Maeglin pela mo que segurava a

  • LXII

    faca e quebrou-lhe o brao, com um puxo. Tomando-o pela cintura, pulou com elesobre as muralhas e o lanou dali. Grande foi a queda de Maeglin e seu corpo golpeouAmon Gwareth trs vezes antes de cair em meio s chamas. Deste dia em diante, essenome tornou-se um sinnimo de vergonha entre o povo dos eldar.

    Os guerreiros da Toupeira, sendo mais numerosos que aqueles poucos da Asa e leais aseu senhor, vieram a Tuor e houve grandes golpes, mas nenhum elfo poderia pr-se de pdiante da ira de Tuor. Foram atingidos duramente e impelidos a fugir para quaisquerburacos escuros que pudessem encontrar, ou atirados de cima da muralha. Tuor perce-beu, ento, que deveriam retornar rapidamente para a batalha do porto, pois o alaridodesta tornara-se muito forte. Contudo, com Idril ficou Voronw, a contragosto, e maisalguns outros, para guard-la at que ele retornasse ou pudesse mandar notcias da cidade.

    A batalha naquele porto corria muito mal, de fato, e Duilin, da Andorinha, enquantoatirava das muralhas, fora atingido duramente por um raio chamejante dos balrogs queagrupavam-se em torno da base de Amon Gwareth. Ele caiu das ameias e pereceu entre aschamas. Os balrogs continuaram a atirar dardos de fogo e flechas flamejantes comopequenas cobras no cu, e estas caram nos telhados e jardins de Gondolin at que todasas rvores ardessem e as flores com a grama fossem completamente queimadas. A brancu-ra daquelas paredes e colunas foi enegrecida e marcada. Mas, muito pior foi que umacompanhia daqueles demnios escalou as costas das serpentes de ferro e, dali, estavam

  • LXIII

    atacando incessantemente com arcos e fundas at que um incndio comeou a queimarna cidade, retaguarda do exrcito principal dos defensores.

    Rog disse, ento, em uma grande voz: Quem agora temer os balrogs por todo seu horror? Vejo diante de mim os amal-

    dioados que por eras atormentaram os filhos dos noldor e que, agora, ateiam fogo belaGondolin. Venham vs do Martelo da Ira! Ns os golpearemos por sua crueldade.

    Logo aps, Rog ergueu sua maa, com o longo cabo, e avanou, abrindo uma trilhadiante de si pela ira de seu ataque, chegando mesmo at o porto cado. Mas todo o povodo Martelo da Ira foi atrs como uma cunha. Fascas saam de seus olhos pela fria quesentiam. Um grande feito foi aquele ataque, como ainda cantam os noldor, muitos dosorcs foram acossados de volta para dentro dos fogos abaixo, mas os homens de Roglanaram-se at mesmo sobre as costas das serpentes e aproximaram-se dos balrogs, gol-peando-nos dolorosamente. Mesmo que tivessem chicotes de chamas e garras de ao efossem temveis em estatura, eles foram reduzidos a nada. Os do Martelo tomaram seuschicotes e serviram-se deles contra os balrogs, de modo que estes lhes ferissem assim comoantes haviam ferido os noldor. O nmero destes monstros que pereceu foi uma maravi-lha. Diante disso, o medo tomou conta das hostes de Melkor, pois, antes daquele dia,nunca nenhum dos balrogs fora morto pelas mos de elfos ou homens.

    Vendo aquilo, Gothmog, juntou todos os demnios que estavam em torno da cida-

  • LXIV

    de e os ordenou da seguinte maneira: um grande nmero destas criaturas atacou opovo do Martelo da Ira e fugiu diante deles, mas a maior companhia, movendo-se emdireo ao seu flanco, chegou sua retaguarda, por cima das costas dos drages e maisprximo aos portes, de forma que Rog no pudesse voltar a no ser com grandematana entre seu povo. Porm Rog, vendo que o cerco se fechava no tentou recuarcomo era esperado, mas com toda sua hoste caiu sobre o inimigo que estava diantedele. Estes, fugiram agora realmente apavorados com a fria do Martelo da Ira. Foramperseguidos at a plancie e seus gritos rasgavam o vale de Tumladen. O povo de Rog iade um lado a outro, golpeando e derrubando os bandos atordoados de Melkor at queforam finalmente cercados por novas legies de orcs e balrogs e um drago de fogoarremessou-se sobre eles. L, todos pereceram ao lado de Rog, golpeando at s ltimasforas, at que o ferro e a chama os sobrepujassem. Ainda canta-se que cada homem doMartelo da Ira levou as vidas de sete inimigos para pagar a sua prpria.

  • LXV

    medo caiu mais pesadamente ainda sobre os gondolindrim, mortede Rog e perda de seu batalho. Retiraram-se mais ainda paradentro da cidade. L, em uma alameda, pereceu Pengolod, de costasvoltadas para a muralha externa e, em volta de si, caram muitos doshomens do Pilar e da Torre de Neve.

    Agora, os orcs controlavam o porto e uma grande parte dasmuralhas ao lado do mesmo, de onde numerosos homens da Andorinha e do ArcoCelestial foram empurrados para a morte. Mas, dentro da cidade, tinham conquistadoum grande espao, chegando bastante prximo do centro, at mesmo no Lugar daFonte, contguo Praa do Palcio. Prximo queles caminhos, e ao redor do porto,seus mortos estavam uns sobre os outros em montes incontveis. Eles pararam e toma-ram conselho, vendo que, pelo valor dos gondolindrim, haviam perdido muitos maisdo que esperavam e muito mais do que os defensores. Tambm estavam apreensivospela matana feita por Rog entre os balrogs, pois era principalmente a fora destesdemnios que dava confiana aos orcs.

    Fizeram, ento, um plano para manter o que haviam ganho. Aguardaram enquanto asserpentes de bronze, com grandes ps, escalavam lentamente por cima das serpentes deferro e, alcanando os muros, abriram uma brecha, atravs da qual os balrogs poderiamentrar montados nos drages de chama. Porm, sabiam que isto devia ser feito com

  • LXVI

    rapidez, pois os calores daqueles drages no duravam para sempre e somente podiam serrestaurados nos poos de fogo que Melkor fizera na solidez de sua prpria terra.

    Entrementes, mesmo enquanto seus mensageiros foram despachados s pressas, elesouviram uma msica doce que era tocada entre a hoste dos gondolindrim e temeram oque aquilo poderia significar. L vinha Ecthelion e o povo da Fonte, que Turgon man-tivera em reserva, pois este assistia maior parte daquele tumulto das alturas de suatorre. Agora este povo marchava ao toque de suas flautas, o cristal e prata de suas roupaseram adorveis de se ver entre a luz vermelha dos fogos e o negrume das runas.

    De sbito, a msica cessou e Ecthelion, da bela voz, gritou para que sacassem asespadas. Antes que os orcs pudessem prevenir-se do ataque, o reluzir daquelas lminasestava entre eles. Diz-se que o povo de Ecthelion matou l mais orcs do que os quesucumbiram alguma vez em todas as batalhas dos Eldali com aquela raa e que o seunome ainda inspira terror entre este povo vil, servindo de grito de guerra para os eldar.

    Afinal, Tuor e os homens da Asa foram para a luta, alinhando-se ao lado de Ecthelion.Os dois capites infligiram poderosos golpes e repeliram, cada um, muitos inimigos. Oataque combinado foi to poderoso e inesperado que os orcs recuaram quase at o porto.Mas ouviu-se um trepidar l e um tropel, pois os drages lutavam poderosamente parasubir o improvisado caminho at Amon Gwareth e derrubar as muralhas da cidade. Jexistia uma fenda nas muralhas externas e um confuso monte de runas onde, antes,

  • LXVII

    estavam as torres da guarda. Alguns grupos sobreviventes da Andorinha e do Arco Celes-tial estavam l e ainda lutavam amargamente entre a destruio, disputando os muros aleste e a oeste com o inimigo. Porm, no momento em que Tuor se aproximava atacandoos orcs, uma das serpentes de bronze levantou-se contra o muro ocidental e uma grandeparte deste treme e cai. Atrs, vem uma criatura de fogo, com balrogs sobre si. Chamasjorram das mandbulas daquele verme e o povo sucumbe diante dele. As asas do elmo deTuor ficam enegrecidas, mas este permanece de p e rene, em volta de si, sua guarda etodos os do Arco e da Andorinha que pode encontrar. Enquanto que, sua direita,Ecthelion rene os homens da Fonte, da parte sul da cidade.

    Os orcs, outra vez, tomam nimo com a vinda dos drages e se misturam com osbalrogs que se lanam sobre a brecha. Eles atacam os gondolindrim gravemente. Noatrito, Tuor matou Othrod, um senhor dos orcs, partindo seu elmo, e a Balcmeg elecortou em pedaos. Golpeou Lug com o seu machado de modo que as pernas destefossem cortadas abaixo dos joelhos. Ecthelion sustentou, sozinho, uma luta com doiscapites orcs e, em um golpe to rpido como um raio prateado, rachou a cabea deOrcobal, o principal deles, at os dentes. Devido grande valentia desses dois senhores,a hoste avanou mesmo at os balrogs. A luta com os balrogs foi terrvel, mas os orcsestavam amedrontados e fugiram sem lutar, os prprios balrogs estavam experimen-tando o medo pela primeira vez.

  • LXVIII

    Desses demnios de poder Ecthelion, matoutrs, pois o brilho da sua espada partiu seu ferro,feriu seu fogo e se retorceram moribundos. En-tretanto, o machado que Tuor brandia de umlado a outro. Dramborleg causava ainda maisterror, pois este cortava o ar zunindo com ummpeto que lembrava as asas das guias e carre-gava a morte quando caa. Cinco balrogs sucum-biram perante ele.

    Mas poucos no podem lutar sempre contramuitos e o brao esquerdo de Ecthelion foi atin-gido por um chicote de chamas dos balrogs, seuescudo caiu por terra no momento em que aque-le drago de fogo se aproximava por entre as ru-nas das muralhas. Ecthelion teve que se apoiarem Tuor. Este, no podia deix-lo, mesmo que osps da besta estivessem diante deles, de modo quecorriam perigo de serem pisoteados.