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Transformação revista março / 2007 - ano XVII | 1 A QUEM INTERESSA A REDUÇÃO DA IDADE PENAL Visão Mundial diz não a redução da idade penal Redução e criminalidade no Brasil Mídia e Adolescentes O que são medidas socioeducativas?

A QUEM INTERESSA A REDUÇÃO DA IDADE PENAL · Para reforçar nossa posição, reeditamos a Transformação sobre a redução da maioridade penal, lançada em 2004, quando esse tema

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Transformaçãorevista

março / 2007 - ano XVII | 1

A QUEM INTERESSAA QUEM INTERESSAA QUEM INTERESSAA REDUÇÃO DAA REDUÇÃO DAA REDUÇÃO DA

IDADE PENAL• Visão Mundial diz não a

redução da idade penal

• Redução e criminalidade no Brasil

• Mídia e Adolescentes

• O que são medidas socioeducativas?

ÍNDICE

ÍNDICE

TransformaçãoA Revista Transformação é uma publicação da ONG Vi são Mun di al. Ela é um meio de divulgação das idéias, experiências e de sa fi os re laci o na dos à sensibilização e ao engajamento da so ci e da de na busca para os graves problemas sociais que atin gem o Brasil.

A Visão Mundial está presente em mais de 100 países e atua no Brasil desde 1975 na erradicação da pobreza, tendo como foco de atuação as crianças e os adolescentes empobrecidos, suas fa mí li as e comunidades.

03|Editorial

04|Redução da Maioridade Penal e Criminalidade

no Brasil

09|Quem é o Adolescente em conflito com a Lei

11|Imputabilidade Penal já foi de nove anos

12|Entrevista: Senadora Patrícia Saboya

17|Mídia e Redução da Maioridade Penal

18|Notícia

19|Medidas Sócio-Educativas

21|Sinase

22|Cadeia para maiores de 18

25|Pelo Mundo

26|Definições

ÍndiceRevista Transformação

Diretoria de Relações Institucionais

Diretor: Ronaldo Martins

Assessores de Comunicação: Marco Dias, Nilza Valeria, Luza Marinho

Assessor de Relações Eclesiásticas: Welinton Pereira

Assessor de Advocay: Maria Carolina

Jornalista Responsavel: Nilza Valeria Zacarias MTB 40653 / SP

Projeto Gráfico e ArteGilson de Souza

Foto de CapaFolha Imagem

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Visão MundialAv. Mascarenhas de Morais, 440

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PresidenteAriovaldo Ramos dos Santos

Vice-presidenteSusana Carmem Simões Leal

1º secretárioRoberto Costa de Oliveira

2º secretáriaDébora Lilia dos Santos Fahur

1º tesoureiroRodolfo Francisco Störmer

2º tesoureiroDídimo de Freitas

Conselho FiscalCarlos Roberto Teixeira Netto

Silas Evangelista de OliveiraAdriel de Souza Maia

Diretor ExecutivoCarlos Pinheiro Queiroz

Nossa MissãoSeguir a Jesus Cristo, nosso Senhor

e Salvador. Trabalhar com os pobres e oprimidos para promover a

transformação humana. Buscar a justiça e testificar das boas novas do Reino de

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Folha Imagem

Transformação Março 2007 |03

Manifestamos nossa solidariedade à família de João Hélio e de todas as vítimas da violên-cia, descabida e desenfreada, que toma conta do país. Entretanto, a partir da comoção do momento e impulsionadas pela mídia, surgem propostas simplistas que desconsideram as

iniciativas já existentes de redução da criminalidade e da violência, notadamente em relação aos adolescentes em conflito com a lei. A redução da idade penal, assunto novamente em pauta, juntamente com o ‘endurecimento’ das medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) são exemplos dessas propostas, movidas mais pela emoção do que

pela justiça.

Já é sabido que a redução da idade penal não diminui a violência ou as taxas de criminalidade - países que reduziram a idade não tiveram os índices de violência alterados. E não importa

a idade prevista para a imputabilidade: adolescentes e crianças cada vez mais novas serão ali-ciados para o tráfico e para o crime organizado em um país que não garante nem educação,

nem saúde de qualidade, nem direitos para a maioria de suas crianças e adolescentes, para quem as oportunidades da vida são poucas ou nenhuma.

Além disso, dados do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (Ilanud) comprovam que o número de adolescentes e jovens envolvidos na criminalidade não atinge os 10% do total de casos, dos quais cerca de 70% são crimes contra o patrimônio. E esses mesmos jovens e adolescentes figuram como

as principais vítimas da violência em grande parte do país.

A Visão Mundial no Brasil é contrária à redução da maioridade penal e soma-se às manifesta-ções de repúdio às Propostas de Emenda à Constituição (PEC) para redução da idade penal

e às propostas de aumento do tempo de internação de adolescentes em regime fechado. Reitera a importância do Estatuto da Criança e do Adolescente como mecanismo capaz de

garantir direitos de todas as crianças e adolescentes do Brasil, inclusive dos adolescentes em conflito com a lei, desde que implementado conforme o previsto.

No entanto, merece atenção o fato de o Estatuto, lei de 1990, que se propõe a punir, integrar e ressocializar o adolescente infrator, não ter sido até agora implementado como

deveria. Os estabelecimentos para aplicação das medidas socioeducativas em meio fechado são inadequados e pouca atenção se dá às medidas em regime aberto.

Por isso, a Visão Mundial defende a implantação urgente do Sistema Nacional de Atendi-mento Socioeducativo (Sinase). Pautado no ECA e aprovado pelo Conselho Nacional dos

Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) em 2006, o Sistema traz novas diretrizes para a internação e para a execução de medidas socioeducativas em meio aberto.

Para reforçar nossa posição, reeditamos a Transformação sobre a redução da maioridade penal, lançada em 2004, quando esse tema veio para o centro do debate e da fúria da mídia.

E sobre o qual, infelizmente, a sociedade não avançou até hoje.

No Brasil o problema não é a falta de lei. O problema está na aplicação e na ausência de po-líticas públicas que promovam e assegurem os direitos de crianças e adolescentes. Garantia de direitos para todas as crianças e adolescentes e cumprimento da lei é o que defendemos

para a diminuição da violência.

Carlos QueirozDiretor Executivo da Visão Mundial no Brasil

EDITO

RIAL

assassinato brutal do me-nino João Hélio Fernandes Vieites, de seis anos, rea-cendeu a discussão sobre a redução da idade penal no

Brasil. É totalmente compreensí-vel que os pais da criança defen-dam o rebaixamento da idade pe-nal. Qualquer pessoa diretamente atingida por um crime tão bárbaro provavelmente também defen-

deria não só a diminuição da ida-de penal, como o fuzilamento em praça pública dos assassinos. Por razões emocionais, devemos com-preender esses posicionamentos. Porém, racionalmente, a questão não deve ser vista de forma tão simples. Devemos analisar a com-plexidade do problema e chegare-mos à conclusão de que o enfrenta-mento da violência exige uma série

04 | Transformação Março 2007

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por Ariel de Castro Alves*

NO BR

ASILREDUÇÃO DA

IDADE PENALE CRIMINALIDADE

A lei, que seria o melhor antídoto contra a violência, quase não é lem-brada quando as crianças e adoles-

centes são vítimas de violações de seus direitos fundamentais

de medidas. O simples endureci-mento da lei é apenas uma forma de dar uma resposta ao clamor so-cial, para o parlamento desgastado moralmente tentar recuperar sua imagem diante da opinião pública; gerar uma sensação ilusória de se-gurança na sociedade; aumentar a população prisional num sistema reconhecidamente falido, que só torna as pessoas piores, e gerar ainda mais criminalidade no país.

Precisamos sim, urgentemente, de medidas preventivas no âmbito social; da reformulação das polí-cias, do sistema penitenciário e de internação de adolescentes infra-tores, e da reforma do Código Pe-nal e do Código de Processo Penal. Não adianta termos leis que jamais são ou serão cumpridas, como é a prática no Brasil. Menos de 3% dos crimes são esclarecidos e seus autores processados. A reincidên-cia no sistema prisional brasileiro passa de 70%, e o sistema de in-ternação de jovens não fica muito longe.

Infelizmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente só é lembrado quando um adolescen-te se envolve num crime grave de grande repercussão. A lei, que seria o melhor antídoto contra a violência, quase não é lembrada quando as crianças e adolescentes são vítimas de violações de seus direitos fundamentais, como quan-do faltam vagas nas creches, nas escolas, ou quando não têm tra-tamento de saúde, principalmente de drogadição. Nem quando são vítimas de violência e exploração sexual dentro de casa ou nas ruas, ou quando não têm oportunidades de profissionalização, educação e acesso à aprendizagem e ao mer-cado de trabalho.

Nos últimos meses, pesquisas di-vulgadas por algumas instituições reforçaram o entendimento de

que as principais vítimas da violên-cia alarmante que toma conta do Brasil são crianças, adolescentes e jovens. Um recente trabalho co-ordenado pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP (Universidade de São Paulo) analisou mortes de jovens entre 1980 e 2002, con-cluindo que os homicídios contra crianças e adolescentes represen-taram nesse período 16 % do total de casos ocorridos no país; 59, 8% deles praticados com armas de fogo. O último estudo do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), divulgado no final do ano passado, afirmou que 16 crianças e adolescentes são assassinados por dia no Brasil. Entre 1990 e 2002, essas mortes aumentaram 80%. O resultado da pesquisa divulgada pela Organização dos Estados Ibe-ro-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) mostra um aumento, já diagnosticado em levantamentos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísti-ca) e em estudos da Unesco (Or-ganização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) das mortes violentas de jovens no Brasil. Não há nação, entre 65 pa-íses comparados, onde os jovens morram mais vitimados por armas de fogo do que no Brasil. O país também é o terceiro, num ranking de 84, em que mais jovens entre 15 e 24 anos morrem por homicí-dios. O relatório do Mapa da Vio-lência 2006 demonstra que 15.528 brasileiros entre 15 e 24 anos perderam a vida em 2004, em acidentes, homicídios ou suicídios causados por armas de fogo. Em mortes violentas, principalmente de jovens, o Brasil lidera, à frente inclusive dos países que estão em estado permanente de guerras ou conflitos armados.

Os estados brasileiros que apre-sentam as maiores taxas de homi-cídios entre os jovens são Rio de Janeiro (102,8 mortes por 100 mil

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REDU

ÇÃO

jovens), Pernambuco (101,5) e Es-pírito Santo (95,4). São Paulo ficou em 9º lugar (56,4), mas acima da taxa média nacional que é de 51,7 homicídios por 100 mil habitan-tes jovens. Entre 1994 e 2004, as mortes de jovens entre 15 e 24 anos aumentaram 48,4%, enquan-to o crescimento populacional foi de 16,5%.

Também quando o assunto é de-semprego e ausência de perspecti-vas profissionais, os jovens são os mais atingidos. No Brasil, o índice de desocupação juvenil chega a 45,5%, de acordo com dados do Departamento Intersindical de Es-tatísticas e Estudos Socioeconômi-cos (Dieese).

Apesar dessa alta vitimização dos jovens, a cada crime grave envolvendo adolescentes com re-percussão na mídia e na socieda-de, como os repugnantes assassi-natos do menino João Hélio e da ex-cunhada do empresário Jorge Gerdau, Ana Cristina Giannini Jo-hannpeter, ocorridos recentemen-te no Rio de Janeiro, e as mortes do prefeito de Santo André, Celso Daniel, e do casal de jovens Felipe Caffé e Liana Friedenbach, em São Paulo, ressurge a polêmica envol-vendo o tema da redução da idade penal.

No âmbito jurídico, podemos afirmar que não é possível ocorrer a redução da idade penal no nosso ordenamento atual. O Brasil rati-ficou a Convenção da ONU (Or-ganização das Nações Unidas) de 1989, que define como crianças e adolescentes todas as pessoas com menos de 18 anos de idade, que devem receber tratamento espe-cial e totalmente diferenciado do dispensado aos adultos, principal-mente nos casos de envolvimento criminal. Por esse entendimento, não podem jamais ser submetidos ao mesmo tratamento penal dos

adultos em varas criminais e tri-bunais do júri, nem mesmo pode-riam ficar custodiados em cadeias e presídios – com relação a essa última questão, nem sempre a le-gislação é respeitada. Conforme levantamento realizado este ano pela Secretaria Especial de Direi-tos Humanos, 680 adolescentes estão sendo mantidos irregular-mente em carceragens nos vários estados da Federação.

Os adolescentes devem receber o tratamento especializado previs-to na Lei 8.069, de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que prevê medidas socioeducativas no artigo 112. Para tanto existem as varas especializadas da infância e juventude, unidades de interna-ção e de semiliberdade, e também programas de liberdade assistida e de prestação de serviços à comu-nidade. Esses dois últimos deve-riam ser municipalizados. Outras medidas socioeducativas previstas são a advertência e a reparação de danos. Portanto, devemos ter bem claro que o adolescente que pratica um ato infracional é inim-putável, mas não fica impune. Ele é responsabilizado conforme a legis-lação especial, que leva em conta a sua condição peculiar de desenvol-vimento e a necessidade de reedu-cação e ressocialização. A redução da idade penal não é possível por se tratar de questão imutável, de “cláusula pétrea” na Constituição Federal (CF) de 1988. O artigo 5º de nossa Carta Magna elenca os direitos e garantias fundamentais, mas, ao final, define que o rol não é taxativo, e sim exemplificativo, não excluindo outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios adotados pela pró-pria Constituição Federal ou ad-vindos dos tratados internacionais ratificados pelo Estado Brasileiro. Portanto, as disposições da Con-venção da ONU e o artigo 228 da CF, que trata da inimputabilidade CR

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LIDAD

E

06 | Transformação Março 2007

dos menores de 18 anos, se so-mam ao rol dos direitos e garantias fundamentais do artigo 5º. E o ar-tigo 60, parágrafo 4º, inciso 4º da Carta Magna é bem claro ao dis-por que não pode haver emenda constitucional para abolir direitos e garantias fundamentais. Esse é o entendimento majoritário entre juristas e entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), predominante na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e entre os próprios Ministros do Supremo Tribunal Fe-deral, que já se manifestaram pu-blicamente sobre o tema.

Outros cinco pontos que também precisam ser

levados em consideração: 1) Os jovens com idades entre

18 e 28 anos representam pratica-mente 70% da população prisio-nal brasileira, demonstrando que o Código Penal e suas punições não inibem os jovens adultos da prática de crimes. Portanto, tam-bém não serviria para intimidar os adolescentes entre 16 e 18 anos. É um antigo princípio do Direito Pe-nal: “o que inibe o criminoso não é o tamanho da pena, mas sim a certeza de punição” (Marquês de Beccaria). Essa certeza de punição é que não existe no país, mas isso não se deve ao Estatuto da Crian-ça e do Adolescente, e sim ao fun-cionamento do sistema de Justiça como um todo, desde a atividade policial até os processos que tra-mitam lentamente no Judiciário. Na prática, menos de 3% dos cri-mes são esclarecidos no Brasil.

2) Um levantamento da Secreta-ria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, divulgado no final de 2003 pelo jornal “Folha de São Pau-lo”, mostrou que os adolescentes

são responsáveis por apenas 1% dos homicídios praticados no esta-do e por menos de 4% do total de crimes, desfazendo o mito de que são os principais responsáveis pela criminalidade. Na verdade, são as principais vítimas da violência e da exclusão social no país.

3) Estudos já feitos pelo Ilanud mostraram que os crimes graves atribuídos a adolescentes no Bra-sil não ultrapassam 10% do total de infrações. A maioria (mais de 70%) dos atos infracionais é con-tra o patrimônio, demonstrando que os casos de adolescentes in-fratores considerados de alta pe-riculosidade e autores de homicí-dios são minoritários, e o ECA já prevê tratamento específico para eles. Outro argumento dos que defendem o rebaixamento da ida-de penal é que adultos utilizam as crianças e adolescentes para a execução de crimes. Nesses casos, temos que punir mais gravemen-te quem os utiliza e não quem é utilizado-explorado. Para tanto, já está em tramitação um projeto de lei nesse sentido no Congres-so Nacional. Se também levarmos em consideração esse argumento, a idade penal seria reduzida para 16. O problema não se resolveria e a criminalidade só aumentaria! Certamente, proporiam a redução para 14, 12, 10, 8 e assim por dian-te, sem qualquer êxito. Pelo con-trário, teríamos criminosos cada vez mais precoces.

4) Os últimos censos peniten-ciários realizados em vários esta-dos brasileiros têm demonstrado que, em média, a reincidência criminal no sistema prisional é de 60%. Já no sistema de internação da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) de São Pau-lo, por exemplo, apesar da crise permanente dessa instituição que há muitos anos é um mau exem-plo para o país, a reincidência

IDADE

PENA

L Transformação Março 2007 |07

infracional é de 19%, segundo as fontes oficiais. Nos estados e em projetos socioeducativos que cumprem a lei, os índices são ain-da menores, menos de 5%. Isso demonstra que os adolescentes, por esforço próprio e apoio de entidades, estão mais propícios à ressocialização, principalmente se receberem o tratamento adequa-do. Já o sistema prisional, muito pelo contrário, tem perpetuado as pessoas no mundo do crime. Infelizmente, a maioria dos es-tados mantém suas unidades de internação de adolescentes como minipresídios. Um diagnóstico na-cional por amostragem, organiza-do pela Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da OAB e pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), através de vistorias em unidades de interna-ção, concluiu que a maioria dos estados brasileiros está adotando políticas de mero encarceramento promíscuo, sem atividades educa-tivas, profissionalizantes, culturais e esportivas, sem atendimento médico e acompanhamento ju-rídico, e as estruturas são inade-quadas para a aplicação de me-didas socioeducativas. Mas o que vai resolver isso não é mudar a lei e enviar os adolescentes para os presídios que estão muito piores: superlotados, cruéis, com poucas possibilidades de ressocialização e dominados por facções crimino-sas. O que precisamos é forçar os estados a cumprir a lei sob pena de responsabilidade dos gestores públicos. Eles é que deveriam ir parar atrás das grades.

5) Alguns países que reduziram a idade penal há quatro anos, como Espanha e Alemanha, verificaram um aumento da criminalidade en-tre os adolescentes e acabaram voltando a estabelecer a idade pe-nal em 18 anos e, ainda, um tra-tamento especial, com medidas socioeducativas, para os jovens de

18 a 21 anos. Atualmente, 70% dos países do mundo estabelecem a idade penal de 18 anos. Muito se comenta sobre o que ocorre nos Estados Unidos. Porém, visi-tando unidades de internação em alguns estados americanos, pude verificar que eles também aplicam medidas socioeducativas para ado-lescentes que cometem atos infra-cionais. Os estabelecimentos que visitei, aparentemente, realizavam um atendimento adequado, com atividades educativas, profissio-nalizantes, esportivas, culturais e atendimento psicológico, médico, jurídico, entre outros. Só em casos excepcionais é que os adolescen-tes são encaminhados para o siste-ma penitenciário e, mesmo nesses casos, geralmente, só convivem com outros jovens da mesma faixa etária, não sendo misturados com a população prisional convencio-nal. Todos os especialistas com os quais conversei afirmaram que os jovens submetidos ao atendimen-to socioeducativo acabam sendo muito mais ressocializados do que os que são submetidos ao sistema prisional naquele país.

Nesse sentido, o que precisamos no Brasil é do devido cumprimento do Estatuto da Criança e do Ado-lescente, da implementação do Si-nase, recentemente aprovado pelo Conanda, e do aprofundamento da discussão sobre o Estatuto da Ju-ventude e da Lei de Execuções das Medidas Socioeducativas no Con-gresso Nacional, visando a garantir oportunidades, perspectivas e um futuro digno para as nossas crian-ças, adolescentes e jovens, bem distante dos cárceres, que, sem dúvida, são a forma mais cara de tornar as pessoas muito piores. A redução da idade penal seria como condená-los de uma vez por todas à participação permanente na cri-minalidade, impossibilitando qual-quer tentativa de recuperação e reinserção na sociedade.

*Ariel de Castro Alves é advogado, coordenador do

Movimento Nacional de Direitos Humanos, presidente do Projeto

Meninos e Meninas de Rua, assessor jurídico da Fundação

Projeto Travessia, membro da Comissão da Criança e

do Adolescente do Conselho Federal da OAB, secretário geral do Condepe (Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana

– São Paulo) e membro do Conanda.

08 | Transformação Março 2007

Transformação Março 2007 |09

ulio, de 16 anos, faz parte do grupo de 15 mil adolescentes brasileiros que está internado em unidades de aplicação das medidas socioeducativas para

o adolescente autor de ato infracio-nal. Um número que pode ser con-siderado pequeno se levarmos em conta o total de adolescentes de 12 a 18 anos no país, em torno de 35 milhões. Isso significa que, para gru-po de dez mil adolescentes no país, existem apenas três jovens privados de liberdade, cumprindo sentença em uma das 190 instituições dispo-níveis no país para essa finalidade, de acordo com o mapeamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômi-ca Aplicada (IPEA) em parceria com o Departamento da Criança e do Adolescente (DCA), da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça.

Esse mapeamento também reve-la que o mundo das internações é masculino, negro e com idade entre 16 e 18 anos (76%). Para cada seis meninas internadas, há 100 meninos nas mesmas condições. Dos ado-lescentes internos, 61% são negros (pretos e pardos). Para Ariovaldo Ramos, presidente da Visão Mun-dial, não há como deixar de rela-cionar injustiça, pobreza, carência e

abuso com a criminalidade: “Mas a ação desses jovens não é premedi-tada; é o grito inconsciente de quem precisa ser notado”.

Júlio não é negro. Mas, assim como 51% dos adolescentes que estão privados de liberdade, não estava freqüentando a escola quan-do praticou o delito. Também não trabalhava, como 49% dos internos brasileiros. A leitura desses dados comprova que estar na escola ou ter trabalho são fundamentos básicos para livrar o adolescente da crimina-lidade, indicando que investimento em educação e em profissionaliza-ção é um instrumento potente para redução da delinqüência juvenil.

Júlio roubou um homem, à mão ar-mada. Em relação ao uso de drogas, o mapeamento mostrou que 85,6% dos adolescentes privados de liber-dade eram usuários antes da inter-nação. Entre as drogas mais citadas estão a maconha (67,1%), o álcool (32,4%), a cocaína/crack (31,3%) e os inalantes (22,6%). Júlio não gosta de falar sobre drogas: “Eu não rou-bava para comprar drogas. Eu que-ria dinheiro pra balada, pra roupa de grife e sair com as minas”. A grande quantidade de usuários de drogas entre os adolescentes internos in-dica a necessidade de as instituições

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EEM CONFLITO COM ALEI?

Júlio é um nome fictício, atendendo ao que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente sobre exposição de crianças e adolescentes

10 | Transformação Março 2007

terem programas de tratamento para eles. “Só isso não funciona; as comunidades onde estão os jovens precisam implementar programas com o objetivo de evitar a perversa relação entre droga e violência”, ga-rante Enid Rocha, coordenadora do mapeamento.

DERRUBANDO MITOSMuitos dos brasileiros que defen-

dem a redução da maioridade pe-nal acreditam que existam milhares de adolescentes cometendo delitos pelas ruas das cidades. A pesquisa revelou que os crimes cometidos por adolescentes correspondem a menos de 10% dos delitos cometi-dos em todo o país. Desse percen-tual, 73,8% são infrações contra o patrimônio. “Dessas, mais de 50% são meros furtos, sem emprego de violência ou ameaça à pessoa, geral-mente de alimentos e coisas de pe-queno valor, que para o Direito Penal se enquadrariam nos conceitos de furto famélico e crime de bagatela, impedindo qualquer sanção a adul-tos”, explica Murillo José Digiácomo, promotor de Justiça junto ao Centro de Apoio Operacional das promoto-rias da Criança e do Adolescente em Curitiba. Em seu texto, Redução da idade penal: solução ou ilusão, Digiá-como ressalta que apenas 8,46% das infrações praticadas por adolescentes atentam contra a vida, perfazendo 1,09% do total de infrações violentas

registradas no país. No estado de São Paulo, apenas

1% dos homicídios dolosos registra-dos tem a participação de menores de 18 anos. De janeiro a outubro de 2003, dos latrocínios verificados e cuja autoria pode ser estabelecida, apenas 2,6% tiveram participação de menores. Entre os principais de-litos praticados pelos adolescentes privados de liberdade estão roubo (29,6%), homicídio (18,6%), furto (14,0%), tráfico de drogas (8,7%), latrocínio (5,8%), estupro/atenta-do violento ao pudor (3,7%), lesão corporal (3,3%) e outros (15,6%). No item “outros” estão incluídos: porte de arma, seqüestro, tentativa de homicídio e descumprimento de sanções aplicadas anteriormente.

As estatísticas revelam o que o cla-mor da sociedade pela redução da maioridade penal não compreendeu: se a lei de redução da imputabilida-de da idade penal se tornar realida-de, não se alcançarão os efeitos que se esperam, e seu impacto sobre a criminalidade será desprezível. “O Brasil é reconhecido internacional-mente por dispor de uma legislação muito avançada no que se refere à proteção das crianças e adolescen-tes. Só dando efetividade a esses dispositivos legais estaremos com-batendo a criminalidade juvenil”, reconhece Maria Eliane Menezes, subprocuradora-geral da república e procuradora federal dos direitos do cidadão.

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Transformação Especial 30 anos |11

Direito Penal é lançado no Bra-sil em 1603, com a publicação do Livro V das Ordenações Filipinas. O título 135 fixava a idade de 17 anos para a imputa-

bilidade penal. Com a proclamação da Independência e a promulgação da primeira Constituição Brasileira, entra em vigor o Código Criminal do Império, em 1830, que reduziu a maioridade penal para 14 anos.

O Código Penal republicano, de 1890, adotado dois anos depois da abolição da escravatura e um ano antes da primeira Constituição da República, estabelecia a maioridade penal aos nove anos, o que vigorou no país durante quatro décadas e

foi revogado apenas em 1932, com a aprovação das Leis Penais, que retornou com a idade de 14 anos. Foi com a reforma penal empreen-dida pelo Estado Novo, em 1940, que a idade de 18 anos foi fixada, estando em vigor ainda hoje. Esta norma se tornou constitucional, conforme disposto no artigo 228 da Constituição de 1988. As datas revelam que o assunto da redução da maioridade penal nada tem de novo, mas que se constitui num cri-tério de política criminal que ape-nas atesta a negligência do Estado diante dos problemas estruturais do país, como educação, integração social e econômica.

IMPUTABILIDADE PENALNOVE ANOS

IMPUTABILIDADE PENALIMPUTABILIDADE PENALIMPUTABILIDADE PENALIMPUTABILIDADE PENALNOVE ANOSNOVE ANOSNOVE ANOSNOVE ANOSJÁ FOI DERE

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EntrevistaEntrevistaEntrevistaSenadora Patrícia Saboya

Desde o início de seu mandato

como senadora, em 2003,

Patrícia participou da instalação

da Frente parlamentar

de Defesa da Criança e

do Adolescente, da qual é

coordenadora. De junho de

2003 a julho de 2004, presidiu a

CPMI destinada a investigar as

redes de exploração sexual de

crianças e adolescentes.

Neta de senador, Plínio

Saboya, Patrícia foi atuante

no movimento estudantil

quando era aluna do curso de

Pedagogia, tendo sua formação

e aspirações ideológicas

orientadas para sua vida

pública: “Implementar políticas

voltadas ao atendimento dos

direitos e necessidades das

crianças e dos adolescentes”.

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12 | Transformação Março 2007

Entrevista concedida em 2004

Por que a senhora é contrária à redução da idade de imputabilida-

de penal? Defender a redução da idade penal

é optar pelo caminho mais curto, fácil e simplista. É cômodo jogar a culpa de toda a violência cometida no país nos adolescentes e nos jovens num momento em que a sociedade clama por medidas rápidas e eficazes para combater a falta de segurança nas nossas cidades. Na minha avaliação, o que deveríamos fazer antes de qual-quer coisa é aprofundar a discussão sobre as atuais condições de funcio-namento das unidades de internação. Não podemos mais aceitar que essas instituições continuem funcionando como verdadeiras escolas do crime.

Que respostas podem ser dadas para conter o problema da crimi-

nalidade infanto-juvenil?Acho que a única maneira de con-

ter a criminalidade infanto-juvenil é investindo mais em políticas públicas voltadas para essa população. No Brasil, a situação em que vive boa parte da nossa infância e adolescên-cia é terrível. Segundo dados do Uni-cef, 45% das crianças e adolescentes brasileiros são pobres. Milhares deles não têm acesso a boa educação, saú-de de qualidade, moradia digna, es-porte, cultura e saneamento básico. Dados do Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente) mostram que, en-quanto um aluno do Ensino Funda-mental custa 700 reais por ano, um jovem mantido na Febem consome cerca de 1,6 mil reais por mês. Es-ses números revelam que, além de prevenir a criminalidade, investir em educação é mais barato do que man-ter os jovens encarcerados.

Portanto, é imprescindível fazer-mos uma reflexão sobre a qualidade de nossas políticas públicas. A maio-ria dos adolescentes infratores é re-sultado da omissão do Estado. Como é a escola que esses meninos estão freqüentando? Ela realmente educa

para a cidadania, é atrativa, é criativa, tem qualidade? E o apoio que as polí-ticas dão para às famílias mais pobres? Existe assistência a elas? Que acesso essas famílias têm aos programas de saúde, à assistência psicológica, à prevenção a problemas como o al-coolismo e as drogas? Essas crianças tiveram chances de freqüentar boas creches e boas instituições de pré-escola? Foram estimuladas suficien-temente durante a primeira infância?

O ECA é bastante severo ao esta-belecer a punição ao menor infra-

tor, já que não dá direito proces-sual ao adolescente. E a punição de três anos não é proporcional ao crime, ficando o adolescente

na dependência do juiz. Há como normatizar as penas aplicadas aos

adolescentes?De fato, essa dependência do juiz

no estabelecimento das penas deixa o sistema de punição dos adolescen-tes em conflito com a lei mais vulne-rável e frágil, sujeito a um alto grau de subjetividade, que leva a injustiças e a confusões na interpretação do ECA. Vamos a um exemplo. Muita gen-te que defende o rebaixamento da idade penal tem dito que um jovem com 17 anos e 11 meses fica apenas um mês internado. Mas isso não tem amparo legal. O ECA diz que, se o delito merecer uma pena de três anos de internação, o juiz deverá decretá-la. O adolescente ficará em privação de liberdade durante esses três anos, ou seja, até completar 21. Cabe salientar ainda que, se no tér-mino do período de três anos o juiz entender que aquele jovem não tem condições de sair da internação, esse tempo é estendido. Há casos em que o adolescente fica por até nove anos internado.

No entendimento de vários espe-cialistas, realmente uma das lacunas do Estatuto é a falta de mecanismos bem definidos para a aplicação das penas. Isso faz com que cada juiz decida de um jeito. Por esse moti-vo, muitos deles acreditam que um

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dos caminhos para melhorar o ECA é justamente criar instrumentos ca-pazes de normatizar as punições. Na minha avaliação, porém, essa é uma discussão que não deve estar restri-ta ao Congresso Nacional. Ela deve envolver o governo federal e os es-taduais, entidades da sociedade civil e organismos internacionais ligados à área da infância e da adolescência.

Nos últimos meses, vimos que o debate em torno do aumento do tempo de internação ganhou fôlego no Brasil. Muitos políticos têm de-fendido esse aumento (hoje o perí-odo máximo é de três anos) como uma alternativa ao não-rebaixamen-to da idade penal para 16 anos. A argumentação é de que jovens que cometem crimes bárbaros, como estupro e homicídio, não podem cumprir uma pena de apenas três anos. Mas, em minha opinião, essa também é uma discussão simplista. Segundo alguns estudos, o simples aumento do tempo de privação de li-berdade ou de internação não reduz os índices de criminalidade entre os jovens. Nas duas últimas décadas, os Estados Unidos endureceram as pe-nas, e a criminalidade juvenil aumen-tou sete vezes.

Outro ponto relevante é que, se esse período de três anos for alar-gado, ocorrerá que os jovens terão penas mais severas do que os cri-minosos adultos. Um adulto conde-nado, por exemplo, à pena máxima (30 anos de reclusão) pode ser solto depois de cumprir um sexto do perí-odo (cinco anos) – um benefício que não alcança o adolescente. Há tam-bém o aspecto do flagrante. Quando um adolescente é pego em flagrante, dificilmente responde ao processo em regime de liberdade porque essa decisão fica a critério do juiz que, em geral, opta por colocá-lo logo em al-guma unidade de internação. Com o adulto, sendo primário e sem ante-cedentes, a regra é outra. Ou seja: ele pode aguardar o julgamento em liberdade.

As normas que zelam pela separa-ção entre as idades e os tipos de transgressão vêm sendo cumpri-

das?Infelizmente essas regras não vêm

sendo cumpridas na grande maioria das instituições. E esse é um grave problema. Nas unidades de interna-ção, meninos que cometeram delitos considerados leves convivem com aqueles responsáveis por crimes gra-ves. A conseqüência é que o Estado termina oferecendo a esses adoles-centes uma espécie de pós-gradua-ção na criminalidade em vez de dar oportunidades concretas para que eles caminhem na direção de uma nova vida. Estudos têm mostrado, por outro lado, que, nas instituições que aplicam corretamente o ECA, os índices de reincidência na crimi-nalidade não ultrapassam 10%. O problema é que ainda são poucas as entidades que efetivamente aplicam os preceitos do Estatuto.

O processo socioeducativo vem sendo respeitado, em todo o

seu rigor, em todos os níveis que envolve?

Lamentavelmente, o processo so-cioeducativo, tal como está previsto no Estatuto, ainda não é realidade no nosso país. Apesar de o ECA já ter quase 17 anos, ele não é respeitado por muitos estados e municípios. Sa-bemos que o Estatuto prevê instru-mentos bastante rígidos de punição aos jovens infratores. E esses meca-nismos têm um caráter de ressociali-zação. Embora preveja seis medidas punitivas, na prática as cinco primei-ras quase não são aplicadas, e a maio-ria dos jovens em conflito com a lei acaba indo direto para uma unidade de internação, independentemente da infração cometida.

É fundamental esclarecer que a maioria dos adolescentes que come-tem crimes hediondos não faz isso da noite para o dia. Esses jovens, em geral, têm uma trajetória de delitos – que começa com a prática de cri-mes leves, como furtos. No entanto,

14 | Transformação Março 2007

Transformação Março 2007 |15

no Brasil o sistema de aplicação das medidas socioeducativas não colabo-ra para que eles sejam punidos de-vidamente quando cometem delitos mais brandos. O que ocorre é que só são penalizados quando praticam os crimes bárbaros.

Para a senhora, as instituições responsáveis pela aplicação das

medidas socioeducativas previstas no ECA têm se mostrado equipa-

das e qualificadas? Um estudo do IPEA revelou que

mais de 70% das unidades de inter-nação não são consideradas adequa-das às necessidades da proposta pe-dagógica estabelecida pelo ECA. As inadequações variam desde a inexis-tência de condições para a prática de atividades esportivas e de convivência até o péssimo estado de manutenção e limpeza. A pesquisa salientou que mesmo as instituições consideradas adequadas o são mais no sentido de manutenção de segurança do que no de cumprir com a tarefa de desenvol-ver propostas socioeducativas. Ou seja: muitas unidades mantêm uma estrutura tipicamente de prisão.

Várias pesquisas têm mostrado que a taxa de reincidência criminal nas chamadas “Febens” é altíssima. Em contrapartida, esse índice é baixo nas entidades que seguem os precei-tos do Estatuto. Cabe esclarecer ain-da que uma resolução do Conanda determina que uma unidade tenha, no máximo, 40 internos. Na realida-de, porém, essas instituições chegam a manter 400 adolescentes em cada unidade.

Por isso é tão importante analisar-mos o problema dos adolescentes em conflito com a lei com maior profundidade. Essa questão precisa ser avaliada sob duas óticas: a da cul-pa do jovem, é claro, e a da respon-sabilidade de toda a sociedade. Ao simplificarmos esse debate, queren-do jogar os adolescentes em cadeias superlotadas, resolvemos apenas um lado da questão, que é o da culpa do jovem. Estamos, no entanto, falhan-

do como sociedade na medida em que reforçamos a lógica da exclusão social. Ou seja: enquanto os filhos da elite vão continuar tendo acesso a boa educação, saúde, esporte, lazer e cultura, os filhos da pobreza esta-rão condenados a um cotidiano mar-cado pela privação e falta de opor-tunidades – caminho que, não raro, conduz à firme incursão no mundo da barbárie.

As polícias têm se revelado prepa-radas para cumprir sua parte na

aplicação do Estatuto?De modo geral, percebemos que a

polícia e todos os agentes que atuam no Sistema de Garantia de Direitos ainda não estão suficientemente pre-parados para lidar com as questões relacionadas à infância e à adolescên-cia. Apesar do esforço, até mesmo voluntário, de alguns casos, o que se nota é a necessidade de maior pre-paração de todos os agentes envolvi-dos no Sistema.

E esse quadro não se restringe apenas aos crimes cometidos por crianças e adolescentes. Temos sérias deficiências também na apuração dos delitos cometidos contra meninos e meninas. Muitas vezes, a polícia e a justiça adotam um olhar preconcei-tuoso em relação às crianças e aos adolescentes que estão envolvidos no mercado do sexo, por exemplo. A CPI da Exploração Sexual do Con-gresso Nacional, que tive o privilégio de presidir, constatou que, em mui-tos casos, meninos e meninas víti-mas desse tipo de violência acabam sendo transformados em culpados, o que é um absurdo! Vários inquéritos e processos não conseguem punir os verdadeiros criminosos porque não são capazes de produzir pro-vas contundentes. Por isso, acredito que precisamos investir na formação desses agentes para que num futuro bem próximo possamos, de fato, fa-zer com que a justiça funcione para o segmento mais fragilizado da nossa população: as crianças e os adoles-centes.

O acompanhamento posterior à internação, assim como a ava-

liação das trajetórias individuais têm respondido às exigências

estipuladas pelo Estatuto?O debate em torno da criminalida-

de infanto-juvenil precisa necessa-riamente levar em conta o Sistema de Garantia de Direitos da infância e da adolescência previsto no ECA. Ao sancionar o Estatuto, em 1990, ficou estabelecido que num prazo de 90 dias o antigo modelo deveria ser reordenado. Constatamos, po-rém, que, quase 17 anos depois da publicação do ECA, o país ainda não adotou os mecanismos de proteção às crianças e aos adolescentes pre-vistos na lei. O número de conse-lhos tutelares não é suficiente, e a maioria dos que estão em funciona-mento tem uma estrutura precária. A União, os estados e os municípios não destinam verba suficiente para os programas voltados às crianças e aos adolescentes. Entre outros problemas, outra questão é que

não atingimos o número necessário de conselhos de direitos, de varas e delegacias especializadas da infância e da juventude. Toda cidade deve ter pelo menos uma unidade des-sas e não tem. Portanto, estamos diante de um quadro em que es-ses direitos não são minimamente respeitados. É nesse contexto que estão as ações de recuperação dos adolescentes em conflito com a lei. A maioria dos jovens que saem das unidades de internação não dispõe de um acompanhamento psicosso-cial adequado e individualizado, o que, em muitos casos, favorece a prática de outros delitos cada vez mais graves. E é a falta de pers-pectiva que insere esses jovens na perversa realidade do crime. É tris-te ver que o Estado brasileiro está perdendo duas grandes oportuni-dades de recuperar esses adoles-centes: durante a internação e no período posterior ao cumprimento da pena. Precisamos mudar essa ló-gica urgentemente.

16 | Transformação Março 2007G

ilson

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Souz

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Transformação Março 2007 |17

Na edição do Jornal do Brasil de 1º de março de 2007, a manchete declara a posição de quem escre-veu sobre o assunto: Des-

caso – lei que reduz a maioridade penal é engavetada no senado. Até o próximo João Hélio. Na edição de 2 de março, também na capa o título preconceituoso: Procurador quer punir com mais rigor menor criminoso. O Jornal do Brasil não é o único. Veículos do Rio e de São Paulo usaram suas capas e matérias para pedir a redução da idade pe-nal. A televisão também não ficou atrás. Dias depois da morte de João Hélio, os pais do menino, em entre-vista exclusiva ao Fantástico, revista eletrônica da TV Globo, pediram a redução da idade penal e classifica-ram o adolescente que participou do crime como monstro. “Infrações praticadas por adolescentes ganham grande visibilidade e repercussão na mídia, que, nos últimos anos, além de desinformar a população sobre a verdade relacionada ao Estatuto da Criança e do Adolescente, deflagrou campanha a favor da redução da ida-de penal, elegendo de forma absolu-tamente injusta adolescentes como

bodes expiatórios da violência no país, para a qual, comprovadamen-te, os jovens contribuem muito pou-co”, denuncia o promotor de justiça Murillo José Digiácomo.

A Agência de Notícias sobre os Direitos da Infância – ANDI – rea-lizou uma análise da cobertura da mídia durante a vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente. Foram analisadas mais de sete mil repor-tagens publicadas nos 50 principais jornais brasileiros. A Rede ANDI é formada por dez agências no Brasil que se dedicam à mobilização e à ca-pacitação de profissionais de comu-nicação e fontes de informação, com o objetivo de ampliar e qualificar a informação pública sobre as temáti-cas ligadas à criança e ao adolescen-te. “Acompanhamos como os jornais tratam as crianças e os adolescentes, diagnosticamos as falhas e lacunas na cobertura e propomos pautas para esclarecer temáticas pouco traba-lhadas”, sintetiza Adriano Guerra, jornalista da Rede ANDI-MG.

A Rede ANDI, além de enviar su-gestões de pautas para as redações, também investe na formação do es-tudante de jornalismo, trabalhando junto com universidades: “Os es-

DA MAIORIDADE PENAL

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MÍDIA E DA MAIORIDADE PENAL

MÍDIA E MÍDIA E MÍDIA E MÍDIA E REDUÇÃO

tudantes recebem na universidade a formação técnica; nós propomos temáticas relacionadas aos direitos humanos, sobre os direitos no Brasil e o papel do jornalista”, conta Adria-no, lembrando outras ações da Rede ANDI, como o prêmio Jornalista Amigo da Criança, oferecido com o apoio da Petrobrás, um reconheci-mento simbólico para os jornalistas que trataram ou retrataram temas relacionados a crianças e adolescen-tes em conformidade com o ECA, não estigmatizando as crianças em suas matérias.

O estudo Balas Perdidas revelou que o único tema que piorou na cobertura jornalística foi o da prá-tica de atos infracionais cometidos por adolescentes. A imprensa utiliza como única fonte para essa cober-

tura os boletins policiais. Das repor-tagens produzidas, 80% têm essa única fonte: “Em algumas cidades do interior, o boletim de ocorrên-cia é lido na íntegra pelo radialista”, conta Adriano. Um crime cometido por adulto só tem espaço nas pá-ginas policiais. Já adolescentes que cometem crimes, principalmente com morte, viram manchete nas capas dos jornais. “Dos acusados da morte do menino João Hélio, no Rio, há apenas um menor, mas to-dos os olhares se voltaram para ele. Ninguém fala dos adultos, mas pe-dem a redução da idade penal como se o adolescente fosse o único a ser responsabilizado e punido. É a vin-gança da sociedade. As manchetes refletem esse desejo de vingança”, ressalta Ariovaldo Ramos.

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A pesquisa não é nova, mas o assunto voltou à cena. Em setembro de 2003, a Agência Estado divulgou

uma pesquisa em que 87,9% dos brasileiros se revelaram

favoráveis à redução da idade penal de 18 para 16

anos. Foram ouvidas 3,1 mil pessoas nas principais

cidades e capitais do país. A mesma pesquisa revelou que a maioria dos entrevistados

é favorável à pena de morte e à utilização das

Forças Armadas, em casos específicos.

De vez em quando viram notí-cias nos veículos de comunicação casos de meninos pobres, criados em periferias e favelas, que se tor-nam músicos, artistas, cientistas. Uma dessas histórias, contada por Neide Duarte no evento “Crian-ça e Adolescente na Mídia”, em 2003, em Campo Grande – MS, foi a de um rapaz criado no Jar-dim Ângela, um dos bairros mais violentos de São Paulo, que toca-va violoncelo e participava de uma orquestra jovem. Ele, quando criança, ouvia junto com a mãe, lavadeira de roupa, o programa do Gil Gomes no rádio. E o que prendia a atenção do menino não era o jeito do repórter Gil Gomes contar suas histórias policiais – a realidade que o menino conhecia – mas os intervalos entre as falas

do Gil que, para ter um tom dra-mático, eram preenchidos com Beethoven, Wagner. Eram apenas alguns acordes de música clássica, mas que foram determinantes em sua formação profissional.

Em defesa dos meios de comu-nicação, a jornalista Neide Duarte, da TV Globo, vê a televisão como um grande educador: “Ela chega a todos os lugares; é ela que vai ensinando às crianças, aos jovens os valores desse mundo”. Entre o que a televisão pode ser e o que ela é há uma imensa diferença, e Neide sabe disso: “Nas entrevistas que fiz com jovens infratores, eles falam em seqüestros-relâmpagos, em mortes, como se nada fossem. Eles aprenderam que a vida huma-na não vale nada. Estudo de uma associação americana de psicolo-

gia mostra que uma criança que assiste a três horas diárias de TV, ao final de cinco anos, terá assisti-do cerca de oito mil assassinatos e mais de 100 mil atos violentos. A TV brasileira não é diferente”.

T.G.F., de 17 anos, que cumpre medida socioeducativa em liber-dade assistida por ter participado de um seqüestro, sabe que a TV exibe um mundo diferente da re-alidade: “A TV diz que pra gente ser feliz tem que ter o carro tal; que pra ser bonita tem que usar a roupa da moda; que ser linda é beber a cerveja tal. Muitas amigas minhas ficam esperando um dia aparecer no Big Brother ou ter um dia de princesa nesses progra-mas de domingo. Eu tô aprenden-do que a minha vida depende do meu trabalho e do que eu faço”.

como única fonte para essa cober-

NOTÍCIA

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MEDID

AS SÓCIOEDUCATIVAS

reso por dez anos no extin-to Carandiru, em São Pau-lo, por ter participado de

um seqüestro quando tinha 20 anos, Fernando Rocha, hoje

com 40 anos, era adulto quando cometeu o crime. E como adulto foi preso, processado, condenado e cumpriu sua pena num presídio.

Guilherme*, de 12 anos, vive nas ruas do centro do Rio de Janeiro. Pratica pequenos furtos para ga-rantir os entorpecentes e tem ver-

gonha de dizer que nunca matou ninguém. “Na hora que alguém se colocar no meu caminho eu mato mesmo”, desafia. Outros colegas da turma de Guilherme – todos adolescentes como ele – que co-meteram atos infracionais cum-prem medidas socioeducativas, alguns em meio aberto, outros internados em estabelecimentos educacionais.

Ao contrário do que afirmam os defensores da redução da maio-

Almeida Rocha / Folha Imagem

Na foto, adolescentes em atividades socioeducativas, em São Paulo

20 | Transformação Março 2007

JB Neto/Folha Imagem

ridade penal, o ECA, ao adotar a Proteção Integral, que vê a criança e o adolescente como pessoas em condições peculiares de desenvol-vimento, necessitando, portanto, de proteção diferenciada, espe-cializada e integral, não tem como propósito manter a impunidade dos jovens, autores de infrações penais, tanto que criou as medi-das socioeducativas, ou seja, a res-ponsabilização legal para os jovens infratores. “As medidas socioedu-cativas não são menos severas que o encarceramento; elas são mais eficientes, fortes e rigorosas quan-do o objetivo é alcançar a ressocia-lização e a redução da reincidên-cia”, defende Luiz Eduardo Soares, sociólogo, ex-Secretário Nacional de Segurança Pública e do governo do estado do Rio de Janeiro.

Fernando, que antes de parar no Carandiru conheceu a Febem, não viu diferença entre as duas insti-

tuições: “Tirei cadeia na Febem duas vezes, e hoje não estou mais no crime porque vi que não tava levando uma vida boa, não queria morrer a qualquer hora e deixar meus filhos numa situação ruim, mas não foi a cadeia que me ensi-nou isso. A Febem não evitou que eu fosse parar no Carandiru”. Nas duas vezes em que foi internado na Febem - uma por briga em que fe-riu um amigo com faca, outra por furtar uma professora - Fernando se aprimorou na arte da crimina-lidade: “Aprendi lá o que usei de-pois, na bandidagem”.

O que Fernando descobriu na prática é que o resultado da polí-tica de encarceramento aumenta a reincidência, a estigmatização, o aliciamento pelo crime organi-zado. Para quebrar o ciclo da cri-minalidade, contou com o apoio da família e da religião: “Me sentir querido por um grupo foi a coisa

Moradores de São Paulo, Osasco e Cotia

fazem manifestação contra construção de

unidades da Febem, em fevereiro de 2006

Transformação Março 2007 |21

MEDID

AS

O Sinase é um guia de implemen-tação das medidas socioeducativas, construído por representantes go-vernamentais e não-governamen-tais, especialistas na área e diversos atores sociais do Sistema de Garantia de Direitos da Infância e Juventude.

A implantação de uma Política Nacional Socioeducativa e do Sina-se tem por objetivo fundamental o funcionamento efetivo do Sistema de Garantia de Direitos para os adolescentes em conflito com a lei, a partir da integração de seus sub-sistemas internos, tais como saúde,

educação, assistência social, justiça e segurança pública.

Por isso, o Sinase pode ser conce-bido como um conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógi-co, financeiro e administrativo, que envolve desde o processo de apura-ção de ato infracional até a execução de medida socioeducativa, incluindo os sistemas estaduais, distrital e mu-nicipais, bem como todas as políti-cas, planos e programas específicos de atenção ao adolescente em con-flito com a lei.

SINASESistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

O ECA prevê seis tipos de medidas socioeducativas para os adolescentes infratores: advertência,obrigação de reparar o dano causado, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação – que implica perda real da liberdade, durante até três anos, em centros de internamento para adolescentes.

mais importante da minha vida. Sa-ber que as pessoas se importavam comigo fez diferença e me ajudou a sair do caminho torto”.

Dentro da proposta do ECA, só ficariam internos nas instituições para adolescentes em conflito com a lei os que cometeram crimes gra-ves. Se fosse cumprido com rigor, um adolescente como Fernando, que furta a professora, não deveria ser internado, mas, de acordo com o artigo 112 do Estatuto, a autori-dade competente poderia aplicar, após verificada a prática do ato infracional: advertência; obrigação

de reparar o dano; prestação de serviço à comunidade; liberdade assistida ou internação em esta-belecimento educacional, caso os atos infracionais cometidos repre-sentassem grave ameaça ou vio-lência contra a pessoa ou pela rei-teração no cometimento de outras infrações graves. Para Luiz Eduar-do, um processo socioeducativo tem que envolver as famílias, as comunidades, as escolas, a mídia e o conjunto da sociedade. “E exigir a reversão do quadro de injustiças, iniqüidades e desigualdades que nos caracterizam.”

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eduzir a idade de imputabili-dade penal significa estender o atendimento do sistema penitenciário a infratores menores de 18 anos e am-

pliar o universo do público atendido pelas instituições carcerárias. “Por que fazer isso se tais instituições es-tão falidas, não cumprem suas atri-buições legais e não produzem os efeitos positivos que supostamente lhes caberiam?”, indaga o ex-secre-tário Luiz Eduardo. “Se elas não fun-cionam para os maiores de 18, por que funcionariam para os menores?”, continua, lembrando que o Estatuto da Criança e do Adolescente nunca foi rigorosamente aplicado no país.

O advogado Luiz Roberto Barro-so, professor titular de direito cons-titucional da UERJ, também faz sua análise do sistema prisional brasileiro: “Prisão no Brasil é ilusão e não cum-pre nenhum papel, nem o preventivo nem a ressocialização. Nosso sistema não consegue separar os presos mais perigosos dos menos perigosos nem impedir que os bandidos comandem crimes de dentro da cadeia”. Para o professor, a redução não é viável por duas razões, uma pragmática e uma moral: “Existem hoje no Brasil milha-res de mandatos de prisão que não são cumpridos, pois não há lugar para esses condenados no sistema prisio-nal. Então, como querem aumentar a clientela de um sistema que não dá conta?”.

A razão moral apresentada por

Luiz Roberto é a atuação do Esta-do: “Se o Estado não consegue tirar crianças da rua com cinco, seis anos, como quer resgatar com 16? O Es-tado brasileiro não trata essas crian-ças como prioridade; falta educação, alimentação, esporte e artes”. Na análise do professor, o Estado pre-cisa retomar o espaço que perdeu nas comunidades carentes: “Antes da polícia, o Estado deve chegar ao morro ou à periferia com escola, posto de saúde, defensoria pública. Aqui no Rio de Janeiro as comuni-dades, as favelas, ou são reféns do tráfico, ou das milícias. O monopólio da força deve ser do Estado”.

IMPUNIDADEEstatísticas apontam que menos de 5% dos homicídios no Brasil resul-tam em julgamento. Desses, menos de 2% resultam em punição. “O que vai ajudar a mudar o quadro da violência é reduzir a impunidade. Não adianta aumentar ou endurecer as penas. É melhor punir 95% dos crimes com cinco anos de prisão do que 5% dos crimes com 80 anos. A impunidade é o estimulo para a violência”. Para o ex-secretário Luiz Eduardo, a eficácia inibitória da pena está na certeza da punição, não em sua extensão. “Pena não é vingan-ça, mas mecanismos socialmente fixados para inibir o crime e, ideal-mente, reeducar o perpetrador. É pertinente saber que tipo de puni-

Transformação Março 2007 |23

CADEIAPARA MAIORES DE18

ção produz os efeitos visados, como inibição e reeducação”.

SEM MUDANÇASUma pesquisa realizada pela Uni-

versidade da Amazônia e pelo Cen-tro de Defesa da Criança e do Ado-lescente Emaús analisou o impacto das medidas socioeducativas na vida dos adolescentes já sentenciados por ato infracional, em quatro capitais da região Norte: Belém, Palmas, Porto Velho e Macapá, e mais o município de Santana (AP). A pesquisa selecio-nou 75 casos com adolescentes que cumpriram medida socioeducativa e ouviu os próprios adolescentes e seus familiares. Os resultados sur-preendem: a maioria dos adoles-centes que cumpriram algum tipo de medida socioeducativa não se encontrava em situação melhor do que antes de cometer o ato infra-cional. Continuam em famílias com renda abaixo do salário mínimo, numa convivência marcada por con-flitos e violências. Sem escola, sem trabalho - a grande maioria está fora da escola e não trabalha. Em Belém, 83% dos adolescentes não estavam estudando, e em Palmas foram 91% que desistiram da escola. Apenas em Macapá mais da metade dos jovens estava estudando (68%). Entre os motivos de abandono da escola, os adolescentes citam o desestímulo e a necessidade de buscar trabalho. Entretanto, apesar de o trabalho es-tar no centro do projeto de vida dos adolescentes, somente entre 10% e

20% deles estavam empregados à época da pesquisa. Em Palmas, 92% não conseguiram emprego após cumprirem medida socioeducativa; em Belém, 80% estavam desem-pregados; em Porto-Velho, 87%, e em Macapá, 81%.

PEDAGÓGICO A pesquisa também revela que falta

a execução de uma proposta peda-gógica coerente com o Estatuto da Criança e do Adolescente. A maioria das unidades executoras de medi-das socioeducativas não está dando conta justamente da dimensão edu-cativa. Segundo o estudo, na fala dos próprios educadores, há déficit tanto na escolha como na preparação dos orientadores, além da necessidade de formação ou acompanhamento continuado dos educadores que tra-balham com os adolescentes. Ainda foi identificado na pesquisa que, em algumas unidades de internação, os adolescentes costumam fazer ativi-dades domésticas em detrimento de outras de cunho educativo ou pro-fissionalizante. Para o professor Dirk Osselman, coordenador da pesqui-sa, o objetivo do estudo é contri-buir com todos os atores que estão envolvidos na aplicação e execução da medida socioeducativa: “O que buscamos é que as medidas socio-educativas tragam a capacidade de impulsionar o novo na construção das relações sociais, nas quais o ado-lescente é elemento central”.

“Se o Estado não consegue tirar

crianças da rua com cinco, seis anos,

como quer resgatar com 16? O Estado

brasileiro não trata essas crianças

como prioridade, falta educação,

alimentação, esporte e artes”.

Luiz Fernando Barroso

24 | Transformação Março 2007

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Agência Folha Imagem

FONTE: Agência Emaús

Transformação Março 2007 |25

ados da ONU, que realiza a cada quatro anos a pes-quisa Crime Trends (Ten-dências ao Crime), revelam que são minoria os países

que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos. Uma leitura da pesquisa evidencia que os países que adotam uma idade menor que 18 anos são os que não garantem, não asseguram os direitos básicos da cidadania aos seus jovens.

Dos 57 países analisados pela pesquisa Crime Trends, apenas 17% adotam a idade menor de 18 anos como definição legal de adulto: Bermudas, Chipre, Esta-dos Unidos, Grécia, Haiti, Índia, Inglaterra, Marrocos, Nicarágua, São Vicente e Granadas. Com ex-ceção de Estados Unidos e Ingla-terra, os outros países da lista são considerados pela ONU como de médio ou baixo Índice de Desen-

volvimento Humano (IDH), o que torna a punição de jovens infrato-res ainda mais problemática. “Nos EUA e Inglaterra, a juventude tem asseguradas condições mínimas de saúde, alimentação e educa-ção. Nesses países pode até fazer algum sentido argumentar que a sociedade deu aos jovens o míni-mo necessário e, com base nesse pressuposto, responsabilizar indi-vidualmente os que transgridem a lei. Nos demais - como Nicarágua, Índia e Brasil - esse pressuposto é falso. No Brasil, apenas 3,96% dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa concluíram o ensino fundamental. É imoral querer equiparar a legislação pe-nal juvenil brasileira à inglesa ou à norte-americana”, dispara Túlio Kahn, doutor em ciência política pela USP. Alemanha e Espanha, em 1942, elevaram para 18 anos a ida-

INTERNAÇÃO: Privação de liberdade para adolescentes infratores com sentença judicial.

O prazo máximo de permanência na instituição é de três anos, em confor-midade com o artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

SEMILIBERDADE Programa para adolescentes em conflito com a lei como forma de transi-

ção para o meio aberto. O adolescente trabalha ou estuda fora e retorna à tarde para dormir na instituição, como determina o artigo 120 do ECA.

LIBERDADE ASSISTIDA O adolescente e sua família são acompanhados por assistentes sociais e

psicólogos, por um período determinado, devendo comparecer à institui-ção com seu responsável para avaliações periódicas, até completar o cum-primento das medidas socioeducativas, de acordo com o artigo 118 do Es-tatuto.o q

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PELO MUNDOPELO MUNDO

de penal, e a Alemanha criou um sistema especial para julgar os jo-vens na faixa de 18 a 21 anos.

O problema da delinqüência ju-venil não é mais grave no Brasil do que nos países pesquisados pela ONU. Na média, os jovens repre-sentam 11,6% do total de infrato-res, enquanto no Brasil a partici-pação dos jovens na criminalidade está em torno de 10%. Portanto, dentro dos padrões internacionais: “Parece não estar longe o dia em que algum parlamentar preocupa-do com a delinqüência juvenil pro-porá a internação imediata de to-dos os recém-nascidos de famílias pobres, cuja soltura eventual ficará

condicionada ao exame de suas ca-racterísticas psicossociais”, ironi-za Túlio. Para o cientista político, os argumentos de que “a redução já é adotada no mundo inteiro” e que os menores “são usados pelo tráfico para acobertar suas ações”, além de precários como justifica-tivas, são empiricamente falsos. O Brasil se destaca na pesquisa não pelos crimes cometidos por ado-lescentes, mas pela enorme pro-porção de jovens vítimas de crimes. No Japão, considerado modelo de desenvolvimento, os jovens repre-sentam 42,6% dos infratores, e a idade de imputabilidade penal é de 20 anos.

26 | Transformação Março 2007

DEFINIÇÕESAdolescente

Ato Infracional

ADOLESCENTEPara o ECA, adolescente é o indivíduo entre 12 e 18 anos incomple-

tos. Como, biologicamente, é difícil precisar quando começa e termina a adolescência, o Estatuto optou pelo critério etário, que não implica juízo sobre maturidade, capacidade ou discernimento.

ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEIPessoa de 12 a 17 anos que pratica ato infracional. Substitui o termo

“menor infrator”, buscando definir a situação em que o adolescente se encontra, em vez de desqualificá-lo e marginalizá-lo.

ATO INFRACIONALAto condenável, de desrespeito às leis, à ordem pública, aos direitos dos cidadãos ou ao patrimônio, cometido por crianças e adolescentes. Só há ato infracional se àquela conduta corresponder uma hipótese legal que determine sanções ao seu autor. No caso de ato infracional cometido por criança (até 12 anos), aplicam-se as medidas de proteção. Nesse caso, o órgão responsável pelo atendimento é o Conselho Tutelar. Já o ato in-fracional cometido por adolescente deve ser apurado pela Delegacia da Criança e do Adolescente, a quem cabe encaminhar o caso ao Promotor

Conanda

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de Justiça, que poderá arquivar os autos, conceder a remissão da infração ou representar o adolescente ao Juizado da Infância e da Juventude (art. 180 do ECA). Segundo o ECA (art. 103), o ato infracional é a conduta da criança e do adolescente que pode ser descrita como crime ou contraven-ção penal. Se o infrator for pessoa com mais de 18 anos, o termo adotado é crime ou delito

CÓDIGO DE MENORESLei 6.697, de 10 de outubro de 1979, que dispunha da “proteção e

vigilância aos menores em situação irregular”. Antiga lei reguladora das questões relativas às pessoas menores de 18 anos de idade, legislação de caráter repressivo e correcional, revogada em 1990 e substituída pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Por desconhecimento da atual legislação, muitos ainda se referem ao antigo Código inspirados na doutrina da situação irregular, pela qual o Estado se preocupa com as crianças e adolescentes que apresentam uma situação irregular derivada da própria conduta (infrações), da conduta familiar (maus-tratos) ou da sociedade (abandono). O ECA, a lei atual, baseia-se na doutrina da pro-teção integral, que considera crianças e adolescentes como cidadãos em condição peculiar de desenvolvimento, com direitos internacionalmente reconhecidos.

CONANDAO Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente é for-

mado por 10 representantes do governo e 10 representantes de organiza-ções não-governamentais. Criado por meio de Lei Federal, em dezembro de 1992, o Conanda é um órgão no qual sociedade e governo, de forma paritária, formulam políticas públicas e decidem sobre aplicação de recur-sos destinados ao cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. Alguns dos representantes governamentais são: Ministérios da Justiça, da Educação, da Saúde, do Trabalho, da Cultura, do Planejamento, da Fa-zenda e da Casa Civil da Presidência da República. A Pastoral da Criança e o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua são alguns dos representantes da sociedade civil no Conselho. A presidência do Conanda é eleita por colegiado conforme seu regimento interno.

CONSELHOS MUNICIPAIS E ESTADUAIS DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Órgãos deliberativos e controladores das ações para a atenção da infância e adolescência. A sua composição é dividida entre representan-tes do governo e de organizações da sociedade civil ligadas à infância. Os conselhos estaduais são compostos por representantes do governo e da sociedade civil do estado e têm poderes para garantir que as políticas públicas do estado não negligenciem a promoção e defesa dos direitos da população infanto-juvenil local. Já os conselhos municipais são compos-tos por representantes do governo e da sociedade civil da cidade. Além de traçar as diretrizes das políticas, cabe aos conselheiros acompanhar e avaliar programas socioeducativos e de proteção de meninos e meninas. Os conselhos também devem interferir sempre que identificarem desvios, abusos e omissões nas entidades, governamentais ou não, que atuam na área da infância e da juventude. Por exemplo, caso o governo não defina

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Convenção

Defesa

Estatuto

orçamento para os conselhos tutelares, os conselheiros podem apontar ao Ministério Público que a lei não está sendo cumprida. A maior parte dos conselhos funciona em condições precárias, situação que sempre pode merecer atenção por parte da imprensa.

CONVENÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇAÉ o tratado sobre os Direitos Humanos mais ratificado na História. A

Convenção começou a ser elaborada em 1979 - o Ano Internacional da Criança - por um grupo de trabalho instituído pela Comissão de Direi-tos Humanos da ONU. Após ter sido adotada de forma unânime pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989, foi aberta para assinatura em 26 de janeiro de 1990 e vigora até hoje. Em seis anos de existência, foi adotada por todos os países - com exceção apenas dos Estados Unidos e da Somália.

CRIANÇADe acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 2º), criança

é a pessoa com até doze anos de idade incompletos. É reconhecida pela legislação brasileira e pela ONU como pessoa em condição especial de desenvolvimento que deve ser tratada como sujeito de direitos legítimos e indivisíveis e que demanda atenção prioritária por parte da sociedade, da família e do Estado.

DEFESA DE DIREITOSAções que se destinam a assegurar a defesa jurídica, política e social de

toda criança ou adolescente que tem um direito ameaçado ou violado por ação ou omissão da sociedade, da família e do Estado, ou por sua própria conduta. A expressão é usada de maneira complementar com o conceito de Promoção de Direitos, pois uma depende da outra: para defender os direitos é preciso que eles sejam promovidos e vice-versa.

DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRALConsidera crianças e adolescentes como cidadãos em condições pecu-

liares de desenvolvimento, que merecem ser tratados como prioridade absoluta. A sua proteção é dever da família, da sociedade e do Estado. A doutrina baseou a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e da Declaração Uni-versal dos Direitos da Infância e determina que os direitos de crianças e adolescentes sejam universalmente reconhecidos.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)Conjunto de normas gerais válido para todo o país e para todas as

crianças e adolescentes, definindo seus direitos e deveres, bem como os direitos, deveres e obrigações do Estado, da família e da sociedade. A legislação adapta os princípios da Convenção Internacional dos Direitos da Infância à realidade brasileira e regulamenta o artigo 227 da Constituição, que dispõe sobre os direitos da criança e do adolescente. Resultado de ampla mobilização popular, o ECA (lei federal 8.069/90) foi promulga-do em 13 de julho de 1990 e entrou em vigor no Dia da Criança (12 de outubro) daquele ano. Ao adotar a doutrina da proteção integral à criança

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Maioridade

e ao adolescente, mudou radicalmente a orientação dada ao atendimento à população infanto-juvenil, estendido hoje a todas as crianças e adolescen-tes do país. O antigo Código de Menores, substituído pelo ECA, tinha ca-ráter punitivo e assistencialista e dirigia-se apenas àqueles que estavam em situação irregular, principalmente os abandonados e infratores. O Estatuto amplia os poderes dos cidadãos e dos municípios na gestão dos assuntos relativos às crianças e adolescentes, permitindo que a sociedade faça valer seus direitos. Apesar de estar há mais de 10 anos em vigor, muitas das de-terminações do ECA não saíram do papel, o que tem gerado uma intensa mobilização por parte de pessoas e instituições que se dedicam à causa da infância e adolescência.

INIMPUTABILIDADEImpossibilidade de se imputar uma pena prevista no Código Penal Bra-

sileiro a uma pessoa menor de 18 anos, em função da existência de uma legislação específica para essa parcela da população. Imputar é atribuir a alguém a responsabilidade por erro ou crime. O artigo 228 da Consti-tuição Federal e o artigo 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente determinam que adolescentes com idade entre 12 e 18 anos são penal-mente inimputáveis. Atenção: inimputabilidade não significa impunidade. Por sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, os adolescen-tes demandam por parte do Estado um tratamento diferenciado (socio-educativo) daquele atribuído ao adulto (a quem, diga-se de passagem, também deveriam ser oferecidas condições dignas de tratamento e ressocialização). Isso significa que os adolescentes não estarão impunes, uma vez que estão previstos seis diferentes tipos de punições denomi-nadas medidas socioeducativas (inclusive a privação de liberdade). Há, portanto, uma responsabilização legal e formal do adolescente infrator. Porém, juristas que formularam o ECA (considerada uma das leis de defesa dos direitos da infância mais perfeitas do mundo) alertam para o fato de que até hoje não terem sido adotadas de maneira adequada as medidas previstas pela lei. Os especialistas acreditam que não há como reeducar um cidadão em desenvolvimento no sistema penal brasileiro, considerado falido pelo próprio Judiciário. Por essa e outras razões, o movimento social pela infância defende a maioridade penal somente após os 18 anos.

MAIORIDADE PENALEstabelecida pela Constituição de 1988 em 18 anos de idade. A lei deter-

mina que as regras do Código Penal só podem ser aplicadas a quem tiver mais de 18 anos. Para quem tiver menos de 18 anos, devem ser aplicadas as medidas socioeducativas previstas no ECA. O movimento social pela infância defende que a maioridade penal seja mantida nessa idade. O rigor dos castigos definidos pelo Código Penal com os maiores de 18 anos nunca representou diminuição da violência e da prática de crimes hediondos. Além disso, a falta de condições de recuperação verificada no sistema pe-nal brasileiro tornaria a possibilidade de reeducação dos mais jovens ainda mais remotas.

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Menor

Privação

MEDIDA SOCIOEDUCATIVAÉ uma medida jurídica que, na legislação brasileira, se atribui aos ado-

lescentes autores de ato infracional. É aplicada pela autoridade judiciária como sanção e oportunidade de ressocialização. Possui uma dimensão coercitiva, pois o adolescente é obrigado a cumpri-la como sanção da sociedade, e outra educativa, pois seu objetivo não se reduz a punir o ado-lescente, mas a prepará-lo para o convívio social. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê seis diferentes medidas: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; semiliberdade e internação.

MENORTermo de sentido vago, utilizado para definir a pessoa menor de idade.

Historicamente, revestiu-se de um sentido pejorativo para designar crian-ças e adolescentes a partir de suas necessidades ou comportamento (me-nor infrator, menor carente, menor abandonado). O conceito atualmente é inapropriado e foi superado pela atual legislação nacional e internacional em relação aos direitos da criança e do adolescente. Por isso, foi banido do vocabulário de quem defende os direitos da infância e adolescência, por ser discriminatório, pejorativo e dirigido apenas a crianças e adolescentes pobres, negros, em situação de rua que cometem atos infracionais. Reme-te à antiga doutrina da situação irregular que inspirou o Código de Meno-res (lei 6.697/67), revogado em 1990. Os termos adequados são criança, adolescente, menino, menina, jovem. Vários veículos de comunicação ain-da insistem em utilizar o termo “menor” em textos e títulos, contribuindo para a perpetuação de um conceito preconceituoso e conservador. Muitas vezes o termo vem ainda acrescido de outros igualmente ofensivos à criança e ao adolescente, como carente, abandonado, delinqüente, pivete.

POLÍTICAS PÚBLICASConjunto de diretrizes garantidas por lei que possibilitam a promoção e

a garantia dos direitos do cidadão. É importante que se diferenciem os ter-mos “público” (que atende a toda a população) e “governamental” (pro-movidos pelos diversos órgãos do governo). Numa sociedade verdadeira-mente democrática, a sociedade civil participa ativamente da definição e, principalmente, do acompanhamento da implantação das políticas públicas.

PRIVAÇÃO DE LIBERDADE - MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO

É requerida nos casos em que a gravidade do ato infracional ou o com-portamento do adolescente a exigem como condição para sua ressocia-lização. Na internação, o único direito restringido ao adolescente é o de ir e vir, sem prejuízo dos demais. Toda medida socioeducativa aplicada a adolescentes que praticam infrações penais tem um componente educa-tivo e um componente chamado de punitivo ou de coercitivo nos meios jurídicos. A privação de liberdade é o aspecto coercitivo da medida socioe-ducativa de internação.

FONTE: www.ciranda.org.br

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Existem cerca de 60 mil adolescentes cumprindo medidas socioeducativas no Brasil, cerca de 15 mil em regime de internação e os demais em regime aberto, segundo dados da

Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

A cada 12 minutos uma criança é espancada. Por dia, 16 adolescentes são assassinados.

5,4 milhões de crianças trabalham. No trabalho infantil doméstico, são 500 mil.

Por ano, o país sofre um milhão de delitos; desses, 100 mil são cometidos por crianças e adolescentes, e em 400 mil eles são vítimas.

Em 30 anos de existência, a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor, em São Paulo, teve 60 presidentes. Uma média de dois por anos. Em 2002, a fundação deixou

de pertencer à Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social e passou para a

Secretaria de Educação. No início de 2007, a Febem passou a se chamar Fundação Casa.

Para o padre Júlio Lancelotti, que trabalha com recuperação de internos, “não adianta mudar o bolo de prato se a receita continua

a mesma”.