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A QUESTãO AGRáRIA NO BRASIL Programas de reforma agrária – 1946-2003

A Questao Agraria No Brasil Vol 3

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Volume três de uma serie de oito

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  • a questo agrria no brasilProgramas de reforma agrria 1946-2003

  • editora expresso popular

    a questo agrria no brasilProgramas de reforma agrria 1946-2003

    Joo Pedro stedile (org.)Douglas estevam (assistente de pesquisa)

    2 edio

    so Paulo 2012

  • Copyright 2005, by editora expresso Popular

    reviso: Geraldo Martins de Azevedo Filho e Joana TavaresProjeto grfico e diagramao: ZAP DesignCapa: Marcos Cartumimpresso e acabamento: Cromosete

    edio revista e atualizada conforme a nova regra ortogrfica

    todos os direitos reservados. nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorizao da editora.

    2 edio: maro de 2012

    eDitora exPresso PoPularrua abolio, 201 bela VistaCeP 01319-010 so Paulo-sPFones: (11) 3105-9500 / 3522-7516, Fax: (11) 3112-0941livraria@expressaopopular.com.brwww.expressaopopular.com.br

    A questo agrria no Brasil: Programas de reforma agrria 1946-2003 / Joo Pedro Stedile (org) ; Douglas Estevam (assistente de pesquisa)--2. ed.- So Paulo : Expresso Popular, 2012. 220 p.

    Livro indexado em GeoDados-http:/www.geodados.uem.br ISBN 85-87394-71-1 1. Reforma agrria Brasil. 2. Brasil Poltica social. 3. Questo agrria Brasil. 4. Movimentos sociais rurais Brasil. I. Stedile, Joo Pedro. II. Estevam, Douglas. III. Ttulo.

    CDD 21.ed. 307.2420981 ELIANE M. S. JOVANOVICH CRB 9/1250

    Q5

    Dados internacionais de Catalogao-na-Publicao (CiP)(biblioteca Central ueM, Maring Pr., brasil)

  • A reforma agrria s prejudica a uma minoria de

    insensveis, que deseja manter o povo escravo e a nao

    submetida a um miservel padro de vida.

    (Joo goulart, Presidente do brasil, 1964)

  • 6

  • 7Sumrio

    histria Da questo agrria no brasil .........................9

    1. ProPosta De reForMa agrria Da banCaDa Do PCb na Constituinte De 1946 ........................................17

    2. PriMeira ProPosta De reForMa agrria Da igreJa CatliCa no brasil 1950 ..................................29

    3. ProJeto De reForMa agrria aPresentaDo Pelo DePutaDo Coutinho CaValCanti Ptb/sP 1954...........41

    4. ProPostas De reForMa agrria Da igreJa ConserVaDora 1961/1962 ..................................61

    5. PriMeira ProPosta De reForMa agrria unitria Dos MoViMentos CaMPoneses Do brasil belo horizonte 1961 ....................................73

    6. ProJeto De lei De reForMa agrria aPresentaDo Pelo DePutaDo leonel brizola 1963.............................81

    7. aPresentao PbliCa Do ProJeto De reForMa agrria Do goVerno goulart 1964 ..........97

    8. ProJeto De reForMa agrria Do goVerno Joo goulart 1964 ...................................111

    9. PriMeira lei De reForMa agrria no brasil 1964 ........................................................119

    10. ProPosta De reForMa agrria Da Contag aProVaDa no 3 Congresso naCional Dos trabalhaDores agrColas Contag 1979 ...............157

    11. PrograMa De reForMa agrria Do Mst 1984 ..........177

  • 812. PrograMa agrrio Pt 1989 ...............................................181

    13. ProPosta De reForMa agrria Do Mst 1995 ............187

    14. PrograMa agrrio Da CaMPanha PresiDenCial Do Pt 2002 PrograMa ViDa Digna no CaMPo ....................................211

    15. PrograMa agrrio unitrio Dos MoViMentos CaMPoneses e entiDaDes De aPoio 2003 ................................................233

  • 9hiStria da queSto agrria no BraSil

    existem diversas formas para analisar e estudar a questo agrria, no geral, e no brasil, em particular. nesta coleo, o enfoque principal est na economia poltica e na histria, utili-zada como instrumento cientfico de interpretao da questo agrria pelos autores e teses publicados. uma forma especfica de analisar a questo agrria. se quisermos mais abrangncia, poderemos buscar outras reas do conhecimento, como, por exemplo, a anlise da evoluo das classes sociais no campo, ou do desenvolvimento das foras produtivas, ou do desenvol-vimento das lutas e dos movimentos sociais. Para todos esses vieses, existe uma ampla literatura de pesquisa e de estudos, realizados e publicados pelos nossos historiadores, cientistas polticos e socilogos.

    A questo agrria I O debate tradicional 1500-1960Primeiro volume da coleo, traz uma coletnea de autores,

    considerados clssicos, que se debruaram na pesquisa, durante a dcada de 1960, para entender a questo agrria brasileira no

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    perodo colonial. os primeiros que, do ponto de vista da economia poltica e da histria, procuraram interpretar as relaes sociais e de produo na agricultura brasileira.

    A questo agrria II O debate na esquerda 1960-1980o segundo volume rene textos que aprofundam ainda mais

    os estudos, que chegam aos anos de 1980, com a publicao do histrico documento a igreja e os problemas da terra, uma anlise sociolgica da natureza dos problemas agrrios, que representou um elemento de ligao entre a polmica criada pelos estudos da dcada de 1960 at o fim da ditadura nos anos de 1980.

    A questo agrria III Programas de reforma agrria 1946-2003

    o terceiro volume uma coletnea dos diversos projetos e programas polticos que setores sociais, classes e partidos polticos ofereceram sociedade brasileira, como interpretao e soluo do problema agrrio. a opo pela publicao desses textos se baseou no fato de representarem vontades coletivas de partidos ou de movimentos sociais, e no simples expresses individuais. assim, reunimos todas as principais propostas, desde a do Partido Comu-nista do brasil (PCb), na Constituinte de 1946, at o programa unitrio dos movimentos camponeses e entidades de apoio 2003.

    A questo agrria IV Histria e natureza das Ligas Camponesas 1954-1964

    o quarto volume tem o objetivo de divulgar as experincias de luta e as iniciativas de organizao das ligas Camponesas, num perodo especfico da histria recente do brasil, mobilizando, na luta direta, durante dez anos, milhares de camponeses.

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    A questo agrria V A classe dominante agrria natureza e comportamento 1964-1980

    o quinto volume um profundo estudo realizado por sonia regina de Mendona sobre a natureza das principais organiza-es polticas da classe dominante no meio rural, em especial a sociedade nacional de agricultura, a unio Democrtica rura-lista (uDr), a sociedade rural brasileira, e seus representantes.

    a autora analisa tambm as relaes promscuas entre as classes dominantes e o estado brasileiro, particularmente no que se refere a sua influncia nos rumos da poltica agrria e agrcola.

    A questo agrria VI A questo agrria na dcada de 1990o sexto volume, publicado pela editora da universidade Federal

    do rio grande do sul (uFrgs), de Porto alegre, a ser reeditado pela editora expresso Popular em 2012 foi um esforo inicial para a publicao das anlises e polmicas de diversos autores, pesqui-sadores da questo agrria, que brotaram com o renascimento do debate sobre o tema, na dcada de 1990, logo aps a redemocrati-zao do pas e a queda da ditadura. os temas da reforma agrria e da questo agrria, adormecidos durante a ditadura (1964-1984), voltaram s preocupaes de pesquisadores at pelo ressurgimento dos movimentos sociais no campo.

    A questo agrria VII O debate na dcada de 2000Depois, um stimo volume, que resgata o debate ocorrido nos

    anos de 2000.

    assim, entregaremos aos leitores, estudiosos das questes agr-rias brasileiras, um conjunto resumido das principais teses defendi-das por pesquisadores, nos ltimos 60 anos, que, certamente, servir como subsdio aos cursos de graduao e de ps-graduao, assim como, e sobretudo, militncia que atua nos movimentos sociais.

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    * * *

    este volume disponibiliza aos leitores e estudiosos da questo agrria outro vis de interpretao, a interpretao poltica realizada pelas foras sociais e partidrias, que apresentaram suas propostas de soluo do problema agrrio brasileiro atravs de programas de reforma agrria para o brasil.

    o debate poltico em torno da necessidade de solues para o problema agrrio historicamente muito recente. a rigor, houve debate num perodo de apenas 60 anos, o que muito pouco em relao ao desenvolvimento da nossa sociedade.

    Durante os quatro sculos do perodo colonial-escravocrata, a sociedade brasileira ficou engessada pelo modelo agroexportador colonial. todo o desenvolvimento foi retardado. Fomos o ltimo pas a abolir a escravido (1888); um dos ltimos pases do conti-nente a adotar a repblica como forma de governo (1899), imposta de forma medocre por um golpe militar, pelos prprios militares que at ento serviam monarquia, repblica esta dominada pelas mesmas elites rurais que se locupletavam durante o colonialismo.

    Do ponto de vista social, o grau de espoliao dos trabalha-dores durante a escravido era to brutal que no permitiu que os oprimidos, os trabalhadores, conseguissem se organizar social e politicamente. Da a ausncia completa de elaborao poltica. sua nica forma de lutar era fugir da escravido, o que provocou o surgimento dos quilombos.

    no perodo ps-escravido (1888-1930) e com a crise do mo-delo agroexportador, deu-se incio formao do campesinato na sociedade brasileira, at ento inexistente, que ocorreu basicamente por duas vertentes: a migrao de camponeses pobres originrios da europa (segundo Darcy ribeiro, nesse perodo migraram para o brasil ao redor de 2 milhes de pessoas); e o surgimento do campons sertanejo, que eram os pobres mestios que, excludos, pela lei de

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    terras de 1850, da possibilidade de se transformarem em pequenos proprietrios, passaram ento a adentrar o serto nas regies mais interioranas de Minas gerais e de todo o nordeste brasileiro, em busca de terras pblicas que no seriam disputadas pelos produtores capitalistas, preocupados em produzir para exportao e que ocupa-vam as melhores terras localizadas no litoral e prximas dos portos.

    Durante o processo de crise da escravido e do modelo agro-exportador, levantaram-se algumas poucas vozes, da prpria elite, como Joaquim nabuco, que defendiam a necessidade de democrati-zar o acesso s terras pblicas (acesso impedido pela lei de terras de 1850) como forma de criar as bases para uma verdadeira repblica. ouviram-se alguns discursos aqui e ali, algumas manifestaes culturais, como foi a expresso maior de Castro alves, condenando aquele modelo, mas no existiram programas claros de mudanas na estrutura fundiria do pas.

    ao longo do sculo 20, foi preciso que o campesinato se con-solidasse como classe social e o proletariado rural se proliferasse enquanto um contingente social expressivo para que suas demandas aparecessem elaboradas em forma de teses polticas, nos programas das mais diferentes foras sociais e polticas.

    a rigor, tivemos o incio dos princpios republicanos no brasil, a ampliao de direitos universais, com a chamada revoluo burguesa de 1930, que mudou o modelo econmico e passou a industrializar o pas. Por essa razo, as primeiras escolas pblicas, dos nveis primrio e secundrio, datam do final do sculo 19 e as primeiras universidades pblicas somente surgiram na dcada de 1930.

    Como se pode ver pela coletnea de documentos que reunimos neste livro, a primeira manifestao real a concluir que o brasil tinha um grande problema agrrio representado pela concentrao da propriedade da terra (provocada pela aplicao da lei de terras desde 1850) foi realizada pela bancada eleita pelo Partido Comunista do brasil (PCb), na Constituinte de 1946 e defendida em plenrio

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    por seu lder maior, o senador e capito do exrcito, luiz Carlos Prestes, propondo um programa de reforma agrria para resolver aquele grande problema.

    Depois, tivemos a primeira manifestao programtica do setor conservador da igreja catlica, preocupada com o crescimento da influncia do Partido Comunista e suas unio de lavradores e trabalhadores agrcolas do brasil (ultabs), que organizavam os assalariados e os camponeses pelo pas afora. essa manifestao em defesa da reforma agrria, a partir de uma tica conservadora, foi feita pelo bispo mineiro de Campanha, em 1950, transformando-se num documento histrico.

    Durante toda a dcada de 1960, coincidindo com a primeira crise do modelo capitalista da industrializao dependente, coinci-dindo com o reascenso do movimento de massas no pas, coincidin-do com o surgimento das primeiras organizaes camponesas, com carter de classe e organizadas em nvel nacional, como foram as ultabs, as ligas Camponesas e o Movimento dos agricultores sem terra (Master) no sul, alm de outros movimentos localizados organizados pela igreja catlica, seja de inspirao conservadora, como foram as Frentes agrrias, seja de inspirao progressista, como foi o Movimento de educao de base (Meb), organizado pela Cnbb tivemos o floresci mento de inmeros programas e teses polticas em defesa da reforma agrria.

    o leitor encontrar a seleo dos principais documentos e propostas de todas as correntes polticas, desde o Ptb mais con-servador, do deputado Coutinho Cavalcanti, ao Ptb de esquerda, representado pelas teses de leonel brizola; das iniciativas do governo goulart, que procurava assimilar as teses da Cepal, at o golpe militar, que produziu a primeira lei de reforma agrria do pas: o estatuto da terra, de 1964.

    h, no livro, uma anlise mais detalhada do estatuto da terra, dada a sua natureza. Fizemos questo de colocar uma

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    anlise do estatuto da terra por sua importncia histrica, de ter sido a primeira lei de reforma agrria no pas e, tambm, porque foi uma lei gestada ainda sob influncia da aliana para o Progresso; embora promulgada por uma ditadura militar, tinha certas caractersticas progressistas. Da sua complexidade e sua ambiguidade.

    os 20 anos de ditadura militar silenciaram as organizaes dos trabalhadores e os partidos polticos de esquerda e o verdadeiro debate em torno de programas de reforma agrria s retomado com o processo de redemocratizao do pas.

    tivemos um primeiro sinal quando, no terceiro congresso nacional da Contag, em 1979, surgem teses crticas ao governo mi-litar e se retoma o debate da reforma agrria. embora as propostas tenham sido genricas, o significado histrico daquele congresso que, pela primeira vez, a Contag, em pleno congresso, criticou a ditadura militar.

    seguiu-se o surgimento dos novos movimentos sociais no cam-po, entre eles o Movimento dos trabalhadores rurais sem terra (Mst), que depois se tornaria o mais expressivo. Por essa razo, colocamos, aqui, as teses defendidas pelo Mst na sua fundao, em 1984.

    Depois, no perodo mais recente da luta pela reforma agrria, sem dvida alguma a hegemonia do debate e das ideias em torno do que deveria ser uma reforma agrria foi compartilhada pelo Partido dos trabalhadores, como a principal fora partidria de esquerda, e pelo Mst. Para evidenciar suas principais teses, publicamos as suas principais propostas: do Pt em 1989 e depois em 2002, o que permite ao leitor analisar as mudanas que aconteceram. e do Mst publicamos o documento programtico de sua fundao em 1984, e depois a atualizao realizada no congresso de 1995.

    o livro termina com o ltimo documento expressivo do debate dessa dcada de 1990, que foi elaborado em 2003, como expresso

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    da vontade unitria de todas as foras sociais que atuam no meio rural brasileiro, que a Carta da terra.

    assim, sem nenhuma pretenso de exclusivismo, porque se produziram centenas de documentos nesse perodo de 1945-2003, acreditamos ter reunido nesta coletnea os principais documentos e aqueles que representam a elaborao terica das foras sociais, polticas e partidrias que hegemonizaram o debate na sociedade brasileira e, sobretudo, no meio dos trabalhadores rurais, campo-neses e proletrios.

    Joo Pedro Stedile

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    1. ProPoSta de reForMa agrria da BanCada do PCB na ConStituinte de 19461

    discurso pronunciado na assembleia nacional Constituinte pelo senador luiz Carlos Prestes2

    sr. Presidente, no estudo da persistncia dessas relaes feudais, apesar da penetrao do capitalismo no brasil, dessa defesa de um regime pr-capitalita, dessas relaes sociais ante-riores s relaes capitalistas, s relaes de salrio, s relaes de troca monetrias, devemos buscar as causas de nosso atraso. e vamos encontrar a explicao disso tudo no monoplio da terra, na propriedade privada da terra e na concentrao da propriedade.

    a propriedade da terra em nossa ptria est concentrada nas mos de uma minoria. enquanto na Frana, para populao idn-tica do brasil, com extenso muitas vezes menor do que a do nosso territrio, existem para mais de 5 milhes de proprietrios, o nmero de proprietrios em nosso pas, segundo recenseamento de 1940, de um milho e novecentos e tantos mil.

    1 Publicado pela Edies Horizonte, rio de Janeiro, 1946. 2 seleo das emendas feitas pelo senador no discurso pronunciado no dia 18 de junho

    de 1946.

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    esta, em verdade, situao realmente catastrfica. alm disso, a maior parte dessas propriedades, as mais teis, as mais prximas dos centros de consumo e das vias de comunicao, est nas mos de uma minoria que mal atinge a algumas centenas de milhares.

    a esse respeito, vou ler algumas concluses extradas do re-censeamento de 1940, que bem definem o carter semicolonial de nossa economia:

    1) Dos 41.574.894 habitantes do brasil, 28.432.831, ou seja 68,39%, vivem no campo.

    2) Destes, 9.166.825 constituem a populao ativa, de 10 anos e mais, na lavoura e pecuria, isto , as pessoas diretamente ligadas produo agropecuria. representam elas 67,40% de toda a populao ativa do brasil, de 10 anos e mais, 32,24% de sua populao rural.

    3) Para 9.166.825 de pessoas que tm ocupao ativa na agri-cultura e pecuria, existem apenas 1.903.868 propriedades rurais (a Frana, com uma populao igual a do brasil e uma superfcie muito menor, possui 5 milhes de propriedades).

    admitindo que cada proprietrio tenha apenas uma ni-ca propriedade (no raro tem mais de uma), chegamos concluso de que so proprietrios somente 20,8% dos que labutam na agricultura e pecuria, ou 6,7% dos moradores do campo, ou ainda 4,6% dos habitantes do brasil.

    4) a rea total das propriedades agrcolas 197.626.914 hec-tares representa apenas 23,2% da superfcie do territrio nacional. isso significa que grande parte deste continua ainda des-povoado.

    5) a rea cultivada do brasil 12.921 mil hectares (62,8% da qual se encontra em so Paulo, Minas e rio grande do sul) no ultrapassa 6,5% da rea total das propriedades rurais, ou 1,5% do territrio brasileiro.

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    isso significa que a maior parte delas permanece inexplo-rada, constituindo autnticos latifndios.

    6) a rea cultivada com milho, caf e algodo (os dois ltimos produtos tpicos de exportao) representa 56% de toda a rea cultivada no brasil. se incluirmos o feijo, arroz, mandioca e cana-de-acar, a percentagem sobe a 90%.isso significa que a nossa economia agrria repousa na explo-rao extensiva de uns poucos produtos, dos quais os mais importantes, o caf e o algodo, se destinam exportao. estes se acham atualmente em plena crise.

    7) Vistos os dados gerais, vejamos a situao em cada estado:

    estaDos

    acreamazonasParMaranhoPiauCearr. g. do norteParabaPernambucoalagoassergipebahiaMinas gerais

    % do nmero de pro-prietrios rurais sobre

    o nmero de habitantes ativos (10 anos e mais na agricultura e pecuria).

    143231

    161816161818262117

    % da rea cultivada sobre a

    rea das propriedades

    agrcolas.0,160,130,652,11,03,87,89,514,913,311,94,28,9

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    8) uma vez comprovado que os sem-terra no brasil constituem imensa legio, vejamos como se distribui a propriedade rural entre os que a possuem.o Censo de 1940 revela os seguintes fatos bem expressivos:

    a) Mais ou menos 18% dos proprietrios possuem 2/3 da rea total das propriedades rurais, ou em nmeros absolutos: uns 340 mil proprietrios, isto , apenas 3,7% de todos os que labutam na terra, ou seja, um pouco mais de 1% dos habitantes do campo, so donos de 2/3 da rea total das propriedades.

    b) h no brasil cerca de mil propriedades com mais de 10 mil hectares e, o que mais espantoso, 60 propriedades com mais de 100 mil hectares. isso faz com que apenas 60 proprietrios sejam donos de 6 milhes hectares, ou seja, 3,2% da rea total das propriedades rurais.

    c) em contraposio, h certos estados em que grande parte dos pequenos proprietrios possui parcelas nfimas de terra, tornando a sua explorao absolutamente antieconmica.

    assim, por exemplo, tm menos de 5 hectares: 81,5% de todas as propriedades do Maranho; 54,3% das de sergipe; 44% das de alagoas; 41% das de Pernambuco; 28% das do amazonas e do Par;

    esprito santorio de Janeiroso PauloParansanta Catarinar. g. do sulgoisMato grosso

    2014162132362612

    17,118,920,69,97,16,51,20,4

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    23% das de Paraba e 18% das do estado do rio grande do norte. o sr. galeano Paranhos V. exa. deve lembrar tambm que a

    maioria dessas terras est empobrecida pela perda de humos. o sr. Carlos Prestes esto empobrecidas pelas eroso, pela

    brutalidade de sua explorao, pelas prprias condies semi-feudais da nossa agricultura. o campons no est preso terra que, no brasil, motivo de especulao. as fazendas avanam. clebre a marcha para o oeste, que vai deixando retaguarda grandes extenses de terra abandonadas e imprprias para a cultura, as quais exigiro novos recursos, novos trabalhos, adubos e lavra muito mais profunda, a fim de poderem ser reconquistadas para a agricultura.

    d) analisando-se a distribuio das propriedades, segundo a escala de reas, verificamos que a concentrao da propriedade no brasil maior do que em qualquer outro pas do mundo.

    De todo o exposto, s cabe uma concluso: sem uma redistri-buio da propriedade latifundiria, ou, em termos mais precisos, sem uma verdadeira reforma agrria no possvel debelar grande parte dos males que nos afligem, entre os quais merecem citao:

    a) produo agrcola baixssima, rotineira; pouco diversificada e de todo insuficiente para as necessidades de consumo das nossas populaes;

    b) condies precrias de existncia no campo, no que concerne alimentao, vesturio, habitao, sade e educao;

    c) fraca densidade geogrfica (4,8 habitantes por km);d) falta de mercado interno para nossas indstrias;e) situao aflitiva de nossos transportes; em que se congregam,

    de um lado, o estado deplorvel dos equipamentos, obsoletos, gastos e supertrabalhados; de outro, a falta de transportes.

    a respeito da concentrao da propriedade, poderemos citar diversos autores. aguinaldo Costa, sobre Pernambuco, depois de aludir a um quadro da distribuio da terra, diz, com a simplicidade dos nmeros, que na zona da Mata o latifndio uma realidade

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    palpvel principalmente na regio mais frtil, isto , no litoral e mata, onde apenas 0,9% da populao proprietria.

    Com alguns dados numricos que trazemos a respeito de so Paulo, vemos que, de 52% do nmero total das propriedades menores, somente 0,4% da rea total est na posse de pequenos proprietrios, enquanto, por outro lado, apenas 0,25% do nmero total de propriedades representa grandes fazendas de mais de mil hectares, possuindo em conjunto 20% da rea total.

    o mesmo se passa em Minas gerais. Com exceo apenas da parte colonial do rio grande do sul, santa Catarina e Paran, esse o quadro de todo o brasil.

    os mesmos apontamentos de aguinaldo Costa para uma refor-ma agrria, a respeito da distribuio de terras em Minas gerais, esclarecem o seguinte: 92,7% da populao no possui qualquer propriedade sujeita ao imposto territorial.

    essa, a situao do estado de Minas. o mesmo se d tam-bm na vizinhana das grandes cidades, pois no se diga que os latifndios s existem no Mato grosso, gois e amazonas. nos arredores de so Paulo, por exemplo, num crculo de 60 quilme-tros, tomando-se como centro a Praa da s, diz o agrnomo Jos Calil, ao estudar o assunto:

    a regio agrcola da capital de so Paulo constituda pela sua pr-pria zona rural e mais dos seguintes municpios: Cotia, guarulhos, itapecerica, Juqueri, Franco da rocha, santo andr e so bernardo. essa regio forma um grande crculo que, partindo da Praa da s, atinge em seu raio mximo cerca de 60 Km. a se desenvolve a atividade de mais de 20 mil pequenos produtores, atividade essa que se caracteriza pela sua extraordinria diversidade de culturas e sistemas de trabalho, de produo de organizao, de rendimento, de distribuio etc.o problema da terra e sua distribuio est na ordem do dia. real-mente, sua importncia transcendental, especialmente quando

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    se trata de terras existentes nas proximidades de grandes centros consumidores. nos lugares que apontamos, existe um total de 10.884 propriedades rurais, correspondendo a 106.896,07 alqueires paulistas. Predomina, pois, a grande propriedade. apenas 1,5% possui mais da metade da rea total (59,94%). e 43,40% de pequenos proprietrios possuem apenas 15,61% das reas. esse fato apresenta uma importncia capital, sobretudo quando se considera que aquela rea, subdividida em pequena chcaras de 10 alqueires, representa mais de 7 mil chcaras para o abastecimento da capital. Para melhor compreender-se a necessidade da instalao de pequenas propriedades nos arredores da capital, basta dizer que apenas 13.500 alqueires esto sendo cultivados, o que representa, to somente, 12,62% da rea total das propriedades existentes na regio.senhores, essa a grande propriedade. o latifndio que de-

    termina o atraso da nossa agricultura. sabeis o que esse atraso: a agricultura da enxada, agricultura semelhante do egito dos faras, da qual no podemos sair porque impossvel, impraticvel a apli-cao da tcnica agrcola enquanto existir essa massa de milhes de operrios sem trabalho. os agrnomos bem intencionados procuram a soluo do problema na tcnica, mas como aplic-la? Para que adquirir a maquinaria se o dono da terra pode fazer a colheita sem empregar um centavo do seu capital? e esse capital vai ser utilizado em outras atividades: no comrcio, na especulao de compra e vendas de terras, no aambarcamento de produtos, na grilagem. o capital elevado para a usura, para os barraces dentro do latifndio, mas, jamais, para a tcnica agrcola.

    os fazendeiros de nossa ptria costumam, em nome da agricul-tura, recorrer ao crdito do banco do brasil: mas esse destina-se industria do caf, ao beneficiamento, no sua lavoura. assim, o dinheiro tirado do banco do brasil aplicado realmente em outros fins, que no o da melhoria da tcnica agrcola.

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    o sr. Jales machado o banco do brasil apenas empregou 359 mil contos na explorao agrcola.

    o sr. Carlos Prestes muito pouco. o crdito agrrio in-dispensvel no brasil. os que querem, realmente, cultivar a terra so prejudicados pelos maiores proprietrios, pelos mais fortes que, agindo em nome da agricultura, conseguem crdito no banco do brasil e vo empreg-lo em outras atividades, jamais, repito, na melhoria da tcnica agrcola.

    o sr. ademar rocha a cultura do caf em so Paulo no tem similar no mundo.

    o sr. Carlos Prestes a cultura de caf, em so Paulo, feita por processos semifeudais. as relaes de trabalho entre os fazendeiros e camponeses so semifeudais, insisto em afirm-lo. o campons contratado e paga arrendamento do pedao de terra de que tira, com seu trabalho nos cafezais, com sua atividade, mais tarde, na colheita, o indispensvel para comer.

    gomes Carmo, num artigo do Jornal do Comrcio, de 28 de dezembro de 1941, referindo-se ao atraso da nossa agricultura, teve ocasio de dizer:

    Ford no podia avaliar o que seja no brasil um trabalhador de enxada; o nosso enxadeiro no tem tipo parelho nos eeuu e mesmo alhures: um plonghman (arador) em confronto com nosso enxadeiro e at mesmo com o nosso sitiante um gentleman, um doutor bem posto.Ducan aikan, publicista que percorreu a amrica latina,

    examinou profundamente as causas do atraso de nossa agricultura, referindo-se com acerto impossibilidade do desenvolvimento da tcnica agrcola, enquanto a terra continuar nas mos de uma mi-noria e existirem, portanto, esses milhes de brasileiros miserveis, esses camponeses sem terra, que precisam viver em alguma parte e vo trabalhar, de fato, de graa nas grandes propriedades. Diz ele, em The all-American Front, p. 50:

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    numa economia em que abunda a oferta de trabalho barato no tem sentido emprego de mquinas para executar tarefas que as mos podem levar a efeito sem elas.senhores, j me referi ao problema do crdito e no vou insistir

    sobre ele. a verdade que o latifndio, as relaes pr-capitalistas determi-

    nam, como consequncia mais sria para a riqueza nacional, a destrui-o das riquezas naturais. as matas so destrudas sistematicamente. a falta de fixao do homem terra pela pequena proprie dade, a explorao, a agricultura ligada ao comrcio de exportao, orientadas pelos grandes bancos estrangeiros, determinam esse avano sucessivo para o interior, trazendo o aniquilamento da riqueza nacional pela devastao das florestas, pela diminuio das prprias fontes e dos cursos dgua, como foi muito bem analisado por alberto trres, especialmente numa frase d As fontes da vida no Brasil:

    o problema do reflorestamento, o da restaurao das fontes naturais e o da conservao e distribuio das guas, so, em nosso pas, problemas fundamentais, extraordinrios, mais importantes que o da viao comum, e muitssimo mais do que o das estradas de ferro. estamos inteiramente de acordo, porque reconhecemos que isso

    leva destruio do nosso solo. exportamos a riqueza nacional por ninharias, como acontece em referncia ao caf, ao algodo etc. e conforme, se tiver ocasio, ainda hoje, hei de demonstrar sem a compensao devida, sem a troca de produtos que venham enriquecer a economia brasileira.

    (...)De ento para c, a situao s tem se agravado e exige cada vez

    mais remdios urgentes e vigorosos. Cabe a ns encontrar soluo legal, constitucional, armar constitucionalmente o governo para que, de fato, fique em condies de resolver o problema sem maio-res dificuldades. e foi isso, justamente, o que no encontramos no projeto de Constituio. Julgamos imprescindvel a providncia, para

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    evitar o caos, a guerra civil, porque o progresso do pas no pode ser barrado por uma classe dominante, senhora da terra, proprietria das maiores extenses do nosso solo, e que no admite essa diviso, indispensvel aos prprios grandes proprietrios, os quais j sentem as consequncias dessa misria, desse atraso e dessa ignorncia.

    Foi por isso, senhores, que oferecemos algumas emendas, as mais modestas, procurando justific-las com a argumentao at agora desenvolvida.

    outras referem-se aos pargrafos 21, do artigo 159, e 4, do artigo 164; ambos tratam do conceito de propriedade. o conceito de propriedade, como atualmente est na Constituio, , ainda, obstculo terrvel para qualquer reforma agrria, reforma cons-titucional como a que defendemos neste momento. as emendas que propomos substituem a redao desses pargrafos por outra. quanto ao 21, do artigo 159, sugerimos esta:

    garantido o direito de propriedade, desde que no seja exercido contra o interesse social ou coletivo ou quando anule, na prtica, as liberdades individuais proclamadas nesta Constituinte ou ameacem a segurana nacional.a nos referimos mais aos trusts e cartis, aos bancos estrangeiros;

    quanto aos direitos elementares, sabemos que, nas grandes proprie-dades, os direitos dos cidados no so absolutamente respeitados. na maioria das nossas grandes propriedades, os direitos dos pro-prietrios so superiores a todos os direitos de seus trabalhadores, aos mais elementares direitos dos cidados, que vivem sujeitos ao chicote do capataz, ao regime brutal dos restos do feudalismo.

    e quanto ao 4, do art. 164 (alis, esse e o 21, do artigo 159, por tratarem o mesmo assunto, talvez possam ser reunidos em redao conjunta):

    o direito de propriedade e seu uso sero condicionados ao bem-estar social, de modo que permitam a justa distribuio deles como iguais oportunidades para todos.

  • 27

    o sr. nestor Duarte Com a emenda de V. exa., poder ser supresso o artigo.

    o sr. Carlos Prestes no pode ser supresso, porque aqui se trata do direito de propriedade.

    Propomos, ainda, modificar-se o 17, do art. 164, dando-se--lhe a seguinte redao:

    a lei facilitar a fixao do homem no campo, tomando as medidas ne-cessrias para o fracionamento dos latifndios, para o desenvolvimento das pequenas propriedades, para a criao de novos centros de populao agrcola, com as terras e as guas que lhes sejam indispensveis para o fomento da agricultura e para evitar a destruio dos elementos naturais e os danos que a propriedade possa sofrer em prejuzo da sociedade.em relao ao 18, do mesmo artigo 164, sugerimos redigir-

    -se assim:as terras aproveitveis para explorao agrcola ou pecuria, no utilizadas, nas zonas de maior densidade demogrfica e margem das estradas de ferro e de rodagem, bem como as terras beneficia-das por obras pblicas e as grandes propriedades mal utilizadas ou abandonadas, passaro ao estado, mediante lei especial, para que, da mesma sorte que as terras devolutas, sejam distribudas, gratui-tamente, aos camponeses sem terras.ao 22, do artigo 164, aditamos emenda, a respeito de justia

    gratuita para os camponeses, nos contratos de arrendamento e outras relaes com os proprietrios da terra.

    o sr. galeano Paranhos a simples distribuio das terras no resolve o problema. a questo dos latifndios , justamente, a das terras no exploradas economicamente. quer dizer: o proprietrio desses tratos de terra, uma vez que as explore intensamente, est atendendo s necessidades sociais.

    o sr. nestor Duarte , exatamente, o que diz a emenda. o sr. Carlos Prestes temos de partir da distribuio da terra,

    para que sejam criadas e estimuladas as pequenas propriedades, por

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    meio do cooperativismo e do crdito barato, ajudadas pelo estado, para que a agricultura se possa desenvolver no brasil.

    o sr. galeano Paranhos a medida antieconmica.o sr. Carlos Prestes senhores: o progresso do brasil exige que

    seja modificado o conceito de propriedade monopolista da terra. a misria da grande massa camponesa sem terras que determina

    a misria da renda nacional e, consequentemente, da renda pblica.

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    2. PriMeira ProPoSta de reForMa agrria da igreJa CatliCa no BraSil 19501

    Nota introdutriao documento do bispo Dom inocncio engelke, de Cam-

    panha (Minas gerais), de 1950, foi produzido a partir de uma reunio com fazendeiros, padres e freiras, alm de professores rurais. nenhum trabalhador rural. Compreende-se: naquela altura, os trabalhadores rurais ainda no haviam percebido o que estava acontecendo. a preocupao do bispo era de que os trabalhadores, indo para as grandes cidades, se tornassem comu-nistas. e a preocupao dos fazendeiros era com a perda da mo de obra barata. naquela poca, o maior nmero de migrantes de fora de so Paulo procedia de Minas gerais. no s o bispo era conservador, mas o documento tambm um documento conservador, preventivo.

    Mais ou menos no mesmo momento, saa o documento do Partido Comunista j dividido quanto questo agrria. Mas tambm eles se antecipavam aos trabalhadores, embora houvesse

    1 extrado de Estudos da CNBB 11 Pastoral da Terra. edies Paulinas, 1981, pp. 43-53.

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    significativas lutas pela terra no Paran e em gois. no Paran, alis, com a participao do Partido. em gois, talvez.

    Jos de souza Martins socilogo e professor

    Conosco, sem ns ou contra ns se far a reforma rural

    Quem tem olhos para ver, veja!E oua quem tem ouvidos para ouvir!

    Permitiu a Divina Providncia que a Diocese de Campanha visse reunidos, em sua Primeira semana ruralista, em torno de 60 procos rurais, 250 fazendeiros, mais de 270 professoras rurais, alm de religiosos e religiosas representando os estabelecimentos de ensino secundrio, cuja absoluta maioria de alunos provm da zona agrcola. a ao Catlica brasileira, diante do ritmo da semana e das concluses a que os trabalhos chegaram, timbra em esperar que aqui se inicie um grande e fecundo movimento de ao Catlica rural a estender-se a todo o pas. se tal honra e tal responsabilidade nos reserva Deus, seja-nos lcito aproveitar o ensejo para fixar os pontos fundamentais e ter como diretivas os rduos e complexos empreendimentos com os quais nos vamos envolver.

    no faltam desvios. so fceis as iluses. Com alegria, ns fazemos eco da doutrina social da igreja e, de modo particular, dos ensinamentos admirveis de Pio xii, o Pastor providencial para os dias confusos em que vivemos.

    Falando em nome do santo Padre, disse, recentemente, Mon-senhor Montini ao Presidente da 37 semana social da Frana, reunida em nantes, que os problemas novos suscitados pelo mundo rural e por sua presena no conjunto dos demais ambientes humanos no devem apanhar de surpresa os Cristos.

    nem tudo neste documento daremos como resolvido; ao lado de questes de soluo pacfica, outras sero lembradas e que ainda

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    esto desafiando o estudo e a dedicao dos lderes que se voltam para as necessidades mais gritantes de nosso pas.

    Antecipemo-nos revoluo

    Ficou clebre a confisso corajosa de Pio xi: o maior escndalo do sculo 19 foi ter a igreja perdido a massa operria.

    o santo Padre pensava, sobretudo, nos operrios das fbricas. o caso de concluirmos, com coragem crist, o pensamento do Pon-tfice: J perdemos os trabalhadores das cidades. no cometamos a loucura de perder, tambm, o operariado rural.

    ora, sabido que a situao do trabalhador rural , em regra, infra--humano entre ns. Merecem o nome de casa os casebres onde moram? alimento a comida de que dispem? Podem-se chamar de roupas os trapos com que se vestem? Pode-se chamar de vida a situao em que vegetam, sem sade, sem anseios, sem viso, sem ideais?

    adianta pouco afirmar que, mesmo precria, a situao do trabalha-dor rural ainda incomparavelmente melhor do que a do operrio das cidades. sem dvida se nota que as desiluses pululam entre os que se deixam seduzir pela miragem dos grandes centros urbanos.

    o fato que se pe, brutal, a nossos olhos o xodo rural. Fosse um paraso o interior, e a atrao das cidades arrastaria apenas os aventurei-ros e no, como est sucedendo, famlias inteiras, populaes inteiras.

    h, exato, fatores que esto ajudando a despovoar o campo. Dois, entre outros, merecem destaque: o atual sistema escolar, marcadamente o ginsio, que funciona em zona rural de modo artificialssimo e tem como consequncia inevitvel o desenraizamento dos filhos de fazendeiros; e o servio militar feito em quartis urbanos sem o antigo reconhecimento do trabalho agrcola como atividade de interesse para a defesa nacional, sem os antigos tiros de guerra com sede nos municpios que est viciando na vida fcil das cidades os sertanejos arrancados ao trabalho do interior.

    em breve, quando as escolas de aprendizagem industrial, que em boa hora se espalham pelo pas, estiverem formando tcnicos para

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    a indstria, proporcionando-lhes situao financeira com que nem podem sonhar os trabalhadores rurais, teremos que enfrentar nova fonte de xodo, a menos que se d correlata formao de aprendiza-gem rural, com perspectivas, tambm novas, de elevao do nvel de vida das fazendas.

    houve tempo em que o campo ficava preservado pela distncia, pela falta de comunicao, pela ndole conformista e rotineira dos trabalhadores rurais.

    hoje, estradas se rasgam levando ao recesso do pas a locomotiva, os automveis e, sobretudo, os caminhes. h pontos do alto serto que pularam do sculo 16 para o sculo 20 com abertura de campos de aviao e com a possibilidade de atingir, em horas, centros civi-lizados que s em semanas e meses podiam ser atingidos. o jornal, o cinema e o rdio esto informando, no mesmo dia e por vezes na mesma hora, o que se passa no pas e no mundo. em breve ser a hora da televiso.

    nada mais explicvel, pois, que a receptividade para as ideias mais arrojadas e revolucionrias.

    e os agitadores esto chegando ao campo. se agirem com inteli-gncia, nem vo ter necessidade de inverter coisa alguma. bastar que comentem a realidade, que ponham a nu a situao em que vivem ou vegetam os trabalhadores rurais.

    longe de ns, patres cristos, fazer justia movidos pelo medo. antecipai-vos revoluo. Fazei por esprito cristo o que vos

    indicam as diretrizes da igreja. no leveis, com vossa atitude, ideia errada de que o comu-

    nismo tem razo quanto afirma ser a religio uma fora burguesa. o cristianismo no se contenta com vossas esmolas exige de vs justia para vossos trabalhadores. Dai-lhes uma condio humana e crist.

    e isso no com o pavor da derrota, mas por uma questo de f, pois a f nos ensina que, sendo todos filhos do mesmo Pai que est

  • 33

    nos cus, somos todos irmos. h de haver na terra lugar para todos ns. Deus no errou a conta, e o mundo h de abranger-nos, sem necessidade de mutuamente nos devorarmos.

    Antecipemo-nos legislao socialMais ainda. estamos s vsperas de ter elaborado pelo Parla-

    mento projetos de leis, ora em andamento em ambas as Casas do Congresso Federal, objetivando um programa mnimo de assistn-cia social s populaes trabalhadoras do campo. a situao interna de nosso pas est quase madura para isso, e foi essa, precisamente, com reservas que o problema aconselha, a tese mais discutida, mais significativamente discutida e aprovada, recentemente, na 33 Con-ferncia internacional do trabalho, realizada em genebra, sua, com a participao de diversas naes, inclusive a nossa.

    Prudente e adaptada s peculiares condies do meio e do nosso povo, a legislao social agrria deve vir por fases, de baixo para cima.

    Desejando-a nessas bases, queremos frisar ainda mais que no s no esperemos a revoluo, mas nem mesmo fiquemos na dependn-cia de uma legislao social para os trabalhadores rurais.

    Para que leis escritas no papel, se h uma lei escrita em nosso esprito pelo prprio Deus? quanto os homens deixam de contar com a lei divina, quando a lei para eles s o que a maioria resolve e os deputados fazem publicar no Dirio oficial, o que hoje fazem, amanh podem desfazer.

    quando no se cr em Deus, no adiantam leis, que todas so burladas. no importam fiscais, que so iludidos, quando no co-metem a indignidade de se deixarem corromper.

    Para que fiscais, se Deus colocou dentro de ns o mais vigilante de todos eles, a nossa conscincia?!...

    antecipemo-nos legislao social rural, fazendo, ainda e sempre, por esprito de f, o que os Papas nos ensinam e o que nos dita a razo.

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    Ao social inadivelatentando-se, como j disse, para as verdadeiras condies da vida

    dos trabalhadores do campo, no somente os do pas tomados em bloco, seno tambm aqueles que labutam nas parquias agrrias da Diocese, veremos que esto eles a pedir especial ateno de nossa parte.

    antes de uma reforma de base, capaz de afetar a prpria es-trutura da economia agrria e de, em consequncia, oferecer vida mais justa e mais humana a quantos vivem da terra, impe-se, como medida preliminar, a execuo de um programa mnimo de ao social.

    sem elevar certas classes da lavoura a um nvel mais humano de vida, difcil seno impossvel se torna o trabalho de apostolado a se exercer objetivando a preservar e aprimorar a formao crist de nossa gente das granjas, stios e fazendas.

    ser, talvez, um plano simples, concreto, adaptado a peculia-ridades geogrficas, econmicas, culturais e religiosas. Dever ser tomado como ponto de partida e no como meta de chegada de uma caminhada longa a se fazer neste difcil e complicado mundo o formado por relaes entre proprietrios e fazendeiros, de uma parte, e colonos, camaradas, agregados e meros trabalhadores assalariados do campo, de outra parte.

    esse esquema de ao social mnimo, em certas parquias, po-der atender s tarefas estritas da ao Catlica. em outras, poder funcionar simultaneamente como trabalho direto do apostolado especializado para o campo.

    Conforta-nos verificar, a esse respeito, a compreenso com que sacerdotes, professoras e fazendeiros, reunidos na semana ruralista, olharam esta questo, tratando exatamente dentro daqueles limites amplos para ela traados pelo pensamento social da igreja.

    tanto assim foi que os seminaristas, unanimemente, reconhe-ceram ser inadivel humanizar a vida do colono a quem devero ser concedidos, alm de uma participao indireta nos lucros extraordi-nrios da empresa agrcola, condies para que tenham real acesso

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    propriedade privada, legtima aspirao a que tem direito toda famlia do agricultor sem terras, especialmente num pas e em Diocese qual a nossa, onde ainda h, graas a Deus, muitas reas economicamente desaproveitadas ou parcialmente exploradas.

    longe de ns ver, de modo simplista, questes complexas. sabemos que a situao do trabalhador rural est em ntima conexo com a situao do fazendeiro, e esta depende de dados numerosos. salientamos, entre outros, a necessidade de uma sadia e inteligente poltica de importao e exportao; a urgn-cia de crdito agrcola que facilite a racionalizao da produo e do pastoreio; o acerto em matria imigratria; a planificao extrapartidria de problemas vitais como estradas, energia, rede escolar; o incremento de iniciativas particulares em articulao com organismos estatais, paraestatais e particulares, a viso dos problemas agrcolas em ligao com problemas industriais; e enquadramento das situaes municipais, no plano estatal, das situaes estaduais no plano nacional e da situao nacional em plano humano e cristo.

    antes, no entanto, de esperar a soluo ou simples encaminha-mento de tantas e to graves questes, urge iniciar a ao social que se revela inadivel, luz sobretudo de estudos bem conduzidos como o podem fazer as Misses rurais, exemplo acabado de colaborao possvel e desejvel entre os particulares e o poder pblico.

    e estaremos caminhando com segurana para a reforma social agrria que, ou se far nos termos da mensagem social da igreja, ou ser fatal para a nossa terra e o nosso futuro de povo cristo.

    Reforma socialComo poder haver paz escrevia h pouco Mons. Montini,

    em nome do santo Padre aos participantes da aludida 37 semana social de Frana enquanto existirem famlias a que faltem os bens necessrios para viver?

  • 36

    De fato, como se poder pensar numa paz estvel e na prosperida-de econmica de um pas, enquanto milhes de famlias trabalham a gleba, como seus servos, espiritualmente desamparadas e econo-micamente frustradas nas suas mais justas aspiraes?

    a interdependncia, cada vez maior, em que se encontram as naes, colocam as questes agrrias em primeiro plano, mesmo na esfera internacional. enquanto, desgraadamente, o incndio da guerra ainda devora tantas naes e, de novo, ameaa alastrar-se por vastas reas do mundo, um front se estabelece nos pases no atingidos pela catstrofe o front da produo industrial e agrcola. Como poderemos contribuir para produzir alimentos suficientes no s para o consumo interno, como para saciar a fome de milhes de homens, que viram a sua terra queimada, a sua prosperidade destru-da, se as condies de vida e de trabalho das populaes rurais se apresentam como um grave problema, uma terrvel ameaa e uma dolorosa incgnita?

    urgente, pois, como dizamos acima, estabelecer um programa mnimo de ao social de que venham a beneficiar-se esses trabalha-dores. Mas no basta esse programa, nem ele uma soluo. apenas um ponto de partida. Faz-se mister uma reforma de estrutura e de base, cuja configurao foi felizmente delineada nesta semana por sacerdotes, fazendeiros e professoras rurais.

    essa reforma dever visar, antes de tudo, seleo e formao de lderes rurais sobre cujos ombros repouse a tarefa de recuperao desse imenso proletariado dos campos.

    s assim, vendo sair de seus prprios meios os apstolos de uma redeno social e crist, o mundo agrcola tomar conscincia do importante papel que exerce no seio da comunidade nacional e encontrar apto ao exerccio de seus sagrados direitos e de suas no menos sagradas obrigaes.

    s assim, apoiado na ao e na palavra de elementos tirados de seu meio, nos quais deposita toda a sua confiana, o homem do

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    campo poder defender-se contra as perigosas sedues daqueles que enxergam nele um caldo de cultura fecundo para o bacilo das agitaes e das revolues violentas, poder contribuir para que sua numerosa classe venha a colocar-se em igualdade de condies com as demais classes dos setores urbanos.

    o santo Padre Pio xii, de olhos voltados para essa indispensvel aproximao de classe, apresentou-a como natural e providencial em discurso aos delegados da Convention of the national Confe-deration of Farm owner operators (15.10.1946):

    os cultivadores do solo formam, dentro de suas prprias fa-mlias, uma comunidade de trabalho. eles com seus companheiros compem outra comunidade de atividades. Por fim, desejam for-mar, com os demais grupos profissionais, terceira fraternidade de trabalho. isso est de acordo com Deus e com a natureza. esta, e no outra, a concepo catlica do trabalho.

    estamos longe desse ideal. h no s distncia, mas esboo de desconfiana e preconceitos, entre e a cidade e o campo, alm de flagrante desigualdade de tratamento entre operrios urbanos e operrios rurais.

    ao passo que o trabalhador das cidades j se v amparado por leis que lhe garantem uma remunerao adequada e protegem a suas fadigas e esforos, o trabalhador rural, num pas em que 70% da populao vive das nobres atividades do cultivo da terra, no possui nenhuma garantia para o seu futuro e de seus filhos, ao mesmo tempo em que suas condies presentes de vida indicam um padro muitas vezes infra-humano.

    humanizar, portanto, o trabalho, promover a difuso do ensino escolar adaptado s necessidades do homem do campo, proporcionar-lhe o ensino tcnico agrcola, garantir-lhe a necessria assistncia mdico-hospitalar, assegur-lo contra os acidentes de trabalho e contra a velhice e a invalidez, proporcionar-lhe o crdito rural basea do no trabalho e na honradez, facilitar-lhe o acesso

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    propriedade da terra para o cultivo, dar-lhe formao espiritual que o habilite a nortear pela f as transformaes sociais que vo surgir, eis os pontos fundamentais para uma sria reforma social agrria que h permitir a recuperao humana e crist do trabalhador rural.

    Desproletarizar o operrio dos campos deve ser a palavra de or-dem desta nova cruzada. e a ela se devem dedicar, de corpo e alma, o governo, a igreja e os proprietrios rurais, pois ela um imperativo de justia social agrria e dela s podero advir benefcios para a comunidade nacional.

    uma enorme massa de trabalhadores sem terras e enormes reas de terras sem trabalhadores, eis o quadro terrvel que est a desafiar os esforos dos socilogos, dos legisladores, dos rgos tcnicos go-vernamentais e dos apstolos cristos.

    a igreja est aberta e pronta a emprestar toda a sua inestimvel colaborao. nada mais far do que o seu papel de guarda vigilante e mensageira da doutrina evanglica. e nem exorbita de sua misso, quando, pelas mos dos sumos Pontfices, traa normas e diretrizes sobre a questo social, em que aparentemente predominam pro-blemas de ordem econmica, pois sendo os problemas humanos interdependentes e a pessoa humana una e indissocivel, a prpria lei moral que se viola quando os direitos fundamentais da pessoa se veem ameaados ou postergados.

    um grande movimento de ao Catlica rural dever exercer o mesmo papel e a mesma funo entre as massas trabalhadoras espar-sas pelos campos, pois a urgncia dos problemas sociais no poder ocultar aos olhos dos cristos a primazia da questo religiosa (Mons. Montini, ao Presidente da 37 semana social de Frana).

    ser um trabalho longo e difcil, exigir uma constncia e uma dedicao apostlica a toda prova. Mas uma tarefa digna de ser levada avante, por quantos tm responsabilidades em relao ao bem comum, porque da soluo desse problema depende, em larga

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    escala, a economia nacional e, mais do que isso, a sobrevivncia das estruturas crists de nossa cultura e de nossa civilizao.

    ao terminarmos este documento, que representa, na palavra do bispo, os seus anseios e preocupaes por milhares de seus filhos, de certo modo filhos de predileo, porque mais desprotegidos de assistncia espiritual e material, seja-nos lcito uma palavra de bno e de estmulo para quantos, proprietrios de terras, tm despendido o melhor de seus esforos a fim de dar a seus colonos uma situao de criaturas humanas e filhos de Deus.

    seja-nos lcito um pensamento de afeto paterno e de gratido para com todos aqueles, proprietrios e colonos que, enfrentando todas as dificuldades e condies adversas, atravs de mais de 2 sculos, cultivaram as nossas terras, rasgando-as com seu suor e muitas vezes com seu sangue. lanando em seu seio, outrora fecundo, as sementes de nossa riqueza, e conservando para as futuras geraes as sementes ainda mais preciosas da f e dos valores cristos.

    e quer nos parecer que nenhuma atitude mais digna para encerrar a nossa primeira semana ruralista, que veio encarar, com viso realista e crist, problemas de nossa Diocese (que so, um pouco, os problemas de todo o brasil), do que a de levar reverentemente o nosso pensamento a milhes de camponeses de outros pases que, torturados por uma ditadura cruel, desumana, e por isso mesmo anticrist, souberam, heroicamente, nos campos de concentrao ou nas matanas coletivas, regar com seu sangue a terra que lhes deu po, para no trair a f em Deus, em Cristo e na sua igreja. essa rubra semente de sangue representa uma advertncia e uma esperana de que o mundo dos trabalhadores do campo h de ser recuperado para a sociedade e para Cristo.

    Campanha, 10 de setembro de 1950.

    Fr. inocncio engelke, ofmbispo Diocesano

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  • 41

    3. ProJeto de reForMa agrria aPreSentado Pelo dePutado Coutinho CaValCanti PtB/SP 19541

    (...)Parte segunDaDo plano geral da reforma agrria

    CaPtulo iDas finalidades

    art. 69. o plano geral da reforma agrria objetiva:a) condicionar o direito de propriedade produtividade econ-

    mica do imvel, de acordo com sua capacidade e destino;b) promover a justa distribuio da propriedade;c) eliminar os processos rotineiros na agricultura, atualizando-os

    de acordo com a tcnica moderna;d) proporcionar aos no proprietrios maior estabilidade e

    segurana;e) elevar os ndices de produtividade da terra e aumentar o

    volume geral da produo, quantitativa e qualitativamente;

    1 Publicado no Dirio do Congresso, em 14 de maio de 1954.

  • 42

    f) estimular as diversas formas de associao;g) proteger os recursos e as riquezas naturais do solo;h) dar combate ao latifndio e ao minifndio;i) eliminar progressivamente, substituindo por formas racionais,

    o sistema feudal de explorao e ocupao da terra;j) melhorar e introduzir novos mtodos de assistncia tcnica

    e social aos agricultores;l) adotar normas protetoras do trabalho rural;m) incentivar o uso de prticas conservadoristas;n) melhorar a organizao e extenso do crdito agrcola;o) promover todas as medidas no sentido de evitar que o pro-

    prietrio rural, principalmente o pequeno, se proletarize, sendo isto objeto de medidas positivas de proteo a serem estabelecidas pelo instituto agrrio.

    CaPtulo iiDas terras

    art. 70. as Comisses agrrias Municipais procedero ao imediato levantamento das terras susceptveis de desapropriao social , na seguinte ordem:

    1 as incultas, susceptveis de um cultivo permanente em ex-tenso superior a 30% (trinta por cento) de sua rea total;

    2 as manifestamente mal cultivadas (alnea e do artigo 10);3 as beneficiadas por obras pblicas ou sociais;4 as exploradas sistematicamente em regime de arrendamento

    ou renda fixa, em dinheiro ou em espcie, durante um perodo mnimo de 5 (cinco) anos;

    5 as situadas nas proximidades dos centros populosos e que no estejam sendo intensiva e racionalmente exploradas (art. 10, alnea c), de acordo com as necessidades do abastecimento local;

    6 as destinadas a edificaes de armazns, silos, instalaes industriais de conservao e beneficiamento da produo, de

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    colnias-escolas, de estaes experimentais, de postos agrope-curios e de outras obras e servios de interesse comum para a economia rural.

    1 excetuam-se, no inciso ii, as terras pertencentes a vivas, desquitadas, menores e incapazes.

    2 as terras destinadas s reservas florestais no so passveis de expropriao.

    art. 71. a unio, os estados e os territrios doaro as terras de seus respectivos patrimnios, que no estejam sendo utilizadas para fins pblicos ou sociais, aos Municpios de suas respectivas localizaes.

    Pargrafo nico. so consideradas utilizadas as terras onde uma obra pblica ou social esteja, pelo menos, em incio de execuo.

    art. 72. Procedido o levantamento de que trata o art. 70 e recebidas as terras referidas no artigo anterior, quando as houver, a Comisso agrria Municipal elaborar planos progressivos de desapropriao e loteamento, tendo preferncia, para este, as terras que lhe forem doadas.

    art. 73. as terras adquiridas no regime desta lei destinam-se, exclusivamente, aos diversos tipos de explorao agrcola.

    CaPtulo iiiDa desapropriao

    art. 74. as Comisses agrrias Municipais, na medida de suas possibilidades financeiras e de acordo com as necessidades do andamento dos trabalhos da reforma agrria, formularo planos de desapropriao das terras referidas no art. 70, com o fim de:

    a) promover a justa distribuio da propriedade;b) promover o povoamento e colonizao de regies desabitadas;c) obrigar explorao racional da terra, segundo as possibili-

    dades econmicas e as necessidades sociais.

  • 44

    art. 75. as terras sero expropriadas segundo a ordem de pre-ferncia estabelecida no art. 70, salvo condies excepcionais que justifiquem outras normas.

    art. 76. nos planos de que trata o art. 74, entre outros escla-recimentos, constaro os seguintes:

    a) situao legal das terras;b) sistema de explorao vigente;c) qualidade do solo e possibilidades de cultivo;d) localizao do imvel;e) valor;f) planos de loteamento e distribuio das terras.art. 77. os planos referidos nos artigos anteriores sero enviados

    ao instituto agrrio, importando a aprovao por este, observada a condio de publicidade, em automtica declarao de utilidade social.

    art. 78. aprovados os planos e declaradas de utilidade social as terras, as Comisses agrrias Municipais procedero desa-propriao.

    art. 79. Considera-se justa indenizao, para os fins de desa-propriao do imvel rural, por utilidade social, o valor declarado pelo proprietrio (captulo iV), mais os juros legais.

    art. 80. nenhuma desapropriao parcial ser feita quando a par-te restante do imvel se tornar insusceptvel de explorao econmica.

    art. 81. tratando-se de imvel inculto ou manifestamente mal explorado, de rea pequena ou mdia ( 1. e 2. do art. 14), a Comisso Municipal, antes de formular o plano de desapropriao, notificar o proprietrio, concedendo-lhe o prazo de 1 a 3 anos para, de uma s vez ou escalonadamente, ajust-lo ao regime de produtividade econmica de acordo com as suas possibilidades prprias e as necessidades sociais a atender.

    art. 82. no so expropriveis as terras necessrias para as atividades de minerao e para instalao de obras e servios p-blicos e sociais.

  • 45

    art. 83. antes de proceder desapropriao, as Comisses agrrias Municipais procuraro, por todos os meios, um ajuste amigvel, ficando a avaliao do imvel, em qualquer caso, sujeita s normas do art. 79.

    art. 84. as terras que as Comisses agrrias Municipais adquirirem, para os fins da reforma agrria, devero ser econo-micamente explorveis. nenhuma aquisio a ttulo oneroso ser feita sem que preceda o devido estudo tcnico, que comprove esse requisito.

    CaPtulo iVDo valor do imvel rural

    art. 85. Para efeito de lanamento do imposto territorial rural e de indenizaes por desapropriao ou outra modalidade de aquisio feita pelos poderes pblicos, o valor do imvel rural ser o declarado pelo proprietrio, na forma deste captulo.

    art. 86. as Comisses agrrias estaduais ou territoriais em cooperao com as Municipais distribuiro aos proprietrios de imveis rurais, para serem por eles preenchidos, formulrios em que constem, dentre outros, os seguintes, quesitos:

    a) rea da propriedade em hectares e localizao do imvel;b) qualidade das terras que o compem;c) tipos de cultura;d) produtividade apreciada em um perodo de trs anos imedia-

    tamente anteriores ao recebimento do formulrio;e) valor oficial para efeitos fiscais;f ) preo de aquisio do imvel na ltima transmisso de

    domnio;g) valor venal do imvel, para todos os fins estabelecidos nesta

    lei;h) data e assinatura.

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    art. 87. as Comisses agrrias Municipais prestaro, em suas respectivas sedes, todos os esclarecimentos que forem solicitados pelos proprietrios.

    art. 88. Dos formulrios a que se refere o art. 86, constaro clusulas esclarecendo que o valor nos mesmos declarados serviro de base para o lanamento de impostos e indenizaes por desa-propriao.

    art. 89. o proprietrio do imvel que no prazo de 3 (trs) me-ses, a contar da data de recebimento, no preencher o formulrio, arcar com as despesas da avaliao oficial, que ser procedida imediatamente, ainda que a ttulo precrio.

    art. 90. De cinco em cinco anos o proprietrio poder solicitar, por escrito e fundamentadamente, a retificao do valor declarado do imvel.

    art. 91. as Comisses agrrias estaduais e territoriais, auxilia-das pelo instituto agrrio, faro levantar mapas agrolgico-cadas-trais das propriedades situadas nas suas respectivas jurisdies, base dos quais iro procedendo avaliao oficial das mesmas.

    1 se entre a avaliao oficial e a declarada pelo proprietrio resultar uma diferena superior a 40% (quarenta por cento), o pro-prietrio ser condenado a repor a diferena do imposto territorial que houver pago a partir da data em que o lanamento foi feito com base em sua declarao.

    2 na hiptese do pargrafo anterior poder o proprietrio solicitar a reconsiderao e, no caso de ser confirmada a avaliao, caber recurso avaliao judicial.

    art. 92. Verificada a situao definida no 1 do art. 91, ao invs de ser lanada a diferena de imposto, poder a Comisso Munici-pal, devidamente informada pela Comisso estadual ou territorial, proceder imediata desapropriao do imvel, pelo valor declarado.

    art. 93. uma cpia dos mapas e demais documentos cadastrais, levantados na forma do art. 91, sero entregue ao oficial do registro

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    de imveis do Municpio respectivo, que as arquivar, anotando o arquivamento margem da transcrio do imvel.

    Pargrafo nico. os desmembramentos ou acrscimos sero anotados no arquivamento e averbados margem das novas transcries de modo a manter sempre atualizada a identificao do imvel.

    CaPtulo VDo loteamento

    art. 94. a Comisso agrria Municipal, preferencialmente sobre as terras recebidas em doao (art. 71) ou sobre as que pre-tenda adquirir, por compra ou desapropriao, formular planos de loteamento e distribuio, de acordo com as normas e condies estabelecidas nesta lei.

    Pargrafo nico. esses planos devem ser elaborados concomi-tantemente com aqueles a que se refere o art. 74.

    art. 95. Cada lote ter, de acordo com a qualidade das terras, localizao do imvel e tipo de explorao indicado, uma rea na forma e condies convenientes que baste, pelo menos, para ocupar o tempo integral do agricultor e de sua famlia, assegurando-lhes estabilidade e possibilidade de desenvolvimento.

    art. 96. a Comisso agrria Municipal, assistida pelo instituto agrrio, superintender a explorao agrcola dos lotes, adotando todas as providncias para que cada um dos seus detentores, pro-prietrios, promitentes compradores ou arrendatrios, cumpra, sob pena de expropriao ou caducidade do contrato, respectivamente, alm de outras, as seguintes obrigaes:

    a) cultivo racional e intensivo das terras;b) conservao das obras pblicas;c) manuteno da produtividade do solo;d) observao das instrues tcnicas e regulamentares.

  • 48

    art. 97. no loteamento de imvel rural, promovido pelo poder pblico ou por particular, far-se-, obrigatoriamente, reserva da rea necessria para:

    a) reflorestamento para defesa de mananciais;b) formao de parques florestais e abrigos para a fauna silvestre;c) localizao de escolas, postos agropecurios, cooperativas

    ou outra obra pblica ou social julgada necessria pela Comisso agrria Municipal ou pelo instituto agrrio.

    art. 98. os lotes adquiridos do poder pblico s podem ser alienados dentro das seguintes condies:

    a) a outro agricultor que satisfaa as condies gerais estabele-cidas nesta lei e em normas regulamentares;

    b) pelo preo de compra, mais os juros legais;c) mediante autorizao da Comisso Municipal;d) quando se tratar de promessa de venda, o novo promitente

    dever receber o contrato na situao em que se encontra, quanto a prazos e pagamentos.

    art. 99. a transferncia de arrendamento obedecer, no que couber, s condies estabelecidas no artigo anterior.

    art. 100. nenhuma diviso, por ato inter vivos ou transmisso causa mortis, poder reduzir a rea do imvel considerado mnimo explorao econmica (art. 9o).

    Pargrafo nico. a extino e a administrao do condomnio resultante do disposto neste artigo obedecero aos processos esta-belecidos na legislao comum para os imveis indivisveis.

    art. 101. em qualquer das hipteses resultantes da aplicao do disposto no artigo anterior, ser assegurada preferncia para adjudicao ao condmino e, no caso de transmisso causa mortis, ao herdeiro que com morada habitual no imvel a requerer, repondo aos demais a diferena do preo aceito por todos, ou, em caso de desacordo, avaliado judicialmente.

  • 49

    art. 102. quando, na vigncia de um arrendamento, o imvel rural for objeto de um plano de loteamento e venda a prestaes, a inscrio deste no registro de imveis, antes do trmino daquele contrato, elidir a renovao do mesmo.

    art. 103. todo e qualquer plano de loteamento de imvel rural por particular dever ser aprovado pela Comisso agrria Municipal.

    CaPtulo ViDa distribuio de terras

    seo inormas gerais

    art. 104. dever do poder pblico, pelo instituto agrrio e pelas Comisses agrrias Municipais, incentivar e facilitar a aqui-sio e a explorao econmica da pequena propriedade.

    art. 105. s podero adquirir lotes os agricultores que no possuam terras ou que as possuam em extenso antieconmica para a explorao agrcola.

    art. 106. no podem adquirir nem arrendar lotes os que exer-cem qualquer funo pblica.

    art. 107. tero preferncia para aquisio ou arrendamento dos lotes, sucessivamente:

    1 o proprietrio do imvel desapropriado;2 os que nele trabalham, quer como arrendatrios, parceiros

    ou assalariados;3 os que tenham completado pelo menos um ano em escolas

    de agricultura ou em Centros agrcolas, quer como trabalhadores ou arrendatrios;

    4 os que trabalham em outro imvel rural;

  • 50

    5 os que, a qualquer ttulo, tenham prtica em trabalhos agrcolas.

    Pargrafo nico. Dentro de cada classe enunciada tero prefe-rncia os chefes de famlia numerosa.

    art. 108. quando se tratar de terras doadas s Comisses pela unio e pelos estados, a preferncia ser assegurada com prioridade aos posseiros que nelas tenham morada habitual.

    art. 109. os proprietrios, promitentes compradores e arren-datrios, sob pena, respectivamente, de desapropriao e resciso do contrato, obrigam-se:

    a) a iniciar, no prazo de trs meses, as atividades agrcolas;b) a residir com sua famlia nos respectivos lotes e cultiv-los,

    podendo, quando necessrio para suprir as deficincias do trabalho familiar, contratar assalariados;

    c) a apresentar, no fim de dois anos, todo o lote racional e intensivamente explorado. .

    art. 110. todo lote deve ser explorado de modo a permitir uma produo correspondente s suas possibilidades, atendidas as condi-es naturais de seu solo e a sua situao em relao aos mercados.

    art. 111. quando se tratar de venda de imvel rural feita por particular, tero preferncia para a aquisio da propriedade, os que, a qualquer ttulo, trabalhem no imvel, devendo a notificao para o exerccio do direito, a ser feita por intermdio da Comisso agrria Municipal, partir do primeiro para os ltimos.

    Pargrafo nico. havendo mais de um pretendente, graduar--se- a preferncia pelo valor das respectivas benfeitorias e, na falta destas, pela antiguidade no trabalho, salvo se a venda for de parte do imvel, caso em que prevalecero as benfeitorias levantadas nessa parte, independentemente de seu valor.

    art. 112. as Comisses agrrias Municipais logo que estejam constitudas daro publicidade, no meio rural, das possibilidades de aquisio ou arrendamento de terras, informando que as ins-

  • 51

    cries podero ser feitas em suas respectivas sedes, mediante o preen chimento de um formulrio, em duas vias, que desde logo ser distribudo.

    Pargrafo nico. esse formulrio conter, dentre outros, os seguintes quesitos:

    a) nome, idade, nacionalidade, sexo, estado civil e profisso do pretendente e de seus familiares;

    b) quais os familiares que j trabalham;c) onde e em que situao trabalham (arrendatrio, parceiro

    ou assalariado);d) prtica em atividades agrcolas: nmero de anos e espcies

    cultivadas;e) situao financeira;f) objetivo: aquisio ou arrendamento.art. 113. medida que os formulrios forem sendo preenchi-

    dos, a Comisso agrria Municipal ir registrando o nome dos pretendentes em livro prprio e, aps arquivar a primeira via do formulrio, enviar a segunda ao instituto agrrio.

    art. 114. a Comisso agrria Municipal ao elaborar os planos de distribuio de terras (art. 93) selecionar, dentre os pretendentes inscritos, obedecendo a ordem de preferncia estatuda no art. 104, os que devem ser contemplados.

    1 o instituto agrrio ao aprovar esses planos poder, com base nos dados de que dispuser (art. 109), impugnar a ordem de preferncia contemplada, devolvendo-os reconsiderao da Comisso.

    2 na hiptese de a Comisso concordar com a impugnao, proceder devida retificao. em caso contrrio, fundamentar sua soluo, podendo o instituto aceit-lo ou designar um funcionrio para proceder a uma sindicncia.

    3 resultando da sindicncia que a impugnao tem pro-cedncia, a retificao ser feita.

  • 52

    art. 115. todo aquele que, no sendo proprietrio rural nem urbano, ocupar por dez anos ininterruptos, sem oposio nem reconhecimento de domnio alheio, trecho de terra no superior a vinte e cinco hectares, tornando-o produtivo por seu trabalho e tendo nele sua morada, adquirir-lhe- a propriedade, mediante sentena declaratria devidamente transcrita (Constituio Federal, art. 156, 3).

    Pargrafo nico. o posseiro que tiver esse direito recorrer assistncia judiciria pblica, ficando isento de todas as custas, selos, taxas, honorrios e emolumentos decorrentes da marcha judicial do processo e final registro da propriedade.

    art. 116. na hiptese do artigo anterior, quando as terras ocu-padas nas condies aludidas passarem propriedade das Comis-ses agrrias Municipais, por doao, desapropriao ou compra, estas podero, independentemente do processo judicial, expedir os respectivos ttulos de propriedade.

    art. 117. nenhum lote poder ser vendido pelo poder pblico a quem no tenha prtica anterior de agricultura, em explorao prpria ou de outrem.

    Pargrafo nico. quele que, no atendendo essa condio, de-seje se iniciar nos trabalhos agrcolas, ser facilitado o arrendamento.

    art. 118. Cada pretendente poder adquirir um lote.Pargrafo nico. se tiver mais de quatro filhos maiores que o

    ajudem, ou capacidade econmica e financeira para mais, a Co-misso agrria Municipal poder ceder-lhe, em venda ou arren-damento, at trs lotes.

    art. 119. os produtos das operaes de venda, arrendamento, aluguel e outras realizadas com o Fundo agrrio Municipal e com o Fundo agrrio nacional, aos mesmos, respectivamente, revertero.

    art. 120. Ficam isentos de selos e quaisquer emolumentos federais os contratos, termos e ajustes que forem lavrados em con-sequncia das disposies deste captulo.

  • 53

    seo iiDa venda das terras pblicas

    art. 121. os lotes podero ser vendidos a vista ou a prazo. art. 122. os preos dos lotes sero fixados pelas Comisses

    agrrias Municipais, obedecidas as seguintes condies:a) quando as terras forem adquiridas por compra ou desa-

    propriao:1 preo de custo;2 parte proporcional das despesas de aquisio e do valor

    das benfeitorias.b) quando recebidas em doao:1 valor das terras segundo avaliao oficial;2 valor proporcional das benfeitorias.Pargrafo nico. em casos excepcionais, a juzo da Comisso

    agrria Municipal e mediante a aprovao do instituto agrrio, os preos dos lotes podero sofrer redues at de 30% (trinta por cento).

    art. 123. a venda a prazo ser efetuada com observncia do seguinte:

    a) prazo: at 30 (trinta) anos;b) pagamento: prestaes semestrais;c) juros: 3% (trs por cento) a. a.;d) forma: escritura de promessa de venda. 1 o incio do pagamento ser estabelecido pela Comis-

    so agrria Municipal de acordo com a natureza do cultivo, no podendo, em qualquer caso, ser fixado para antes do primeiro e depois do terceiro ano.

    2 o prazo ser dividido em trs etapas iguais, sendo que as prestaes sero, na primeira delas, um tero menores do que as da segunda e estas, um sexto menores do que as da ltima etapa.

  • 54

    3 as prestaes em atraso pagaro 3% (trs por cento) de multa e o no-pagamento de 5 (cinco) prestaes consecutivas importa em resciso da promessa de venda.

    art. 124. os lotes adquiridos de conformidade com esta lei so isentos de penhora nas execues judiciais.

    art. 125. quando o Poder Pblico realizar obras pblicas nas terras a serem loteadas, o preo de venda ser acrescido da taxa de melhoria correspondente.

    seo iiiDo arrendamento das terras pblicas

    art. 126. o arrendamento ser feito:1 aos agricultores que, na forma do art. 112, o solicitem;2 aos agricultores que pretendam adquirir, mas que no

    disponham de recursos financeiros para tal operao, a juzo da Comisso agrria Municipal;

    3 s pessoas que desejem se iniciar nas atividades agrcolas (art. 117, pargrafo nico).

    art. 127. os lotes sero arrendados por trs anos, mediante contrato, renovvel por mais trs anos, desde que o arrendatrio ou seus sucessores cumpram as obrigaes constantes desta lei e de regulamento e instrues baixados pelo instituto agrrio e pela Comisso agrria Municipal.

    1 Com a assinatura do contrato o arrendatrio adquire o direito de opo de compra do lote.

    2 Decorridos os dois prazos no total de seis anos, se a ocupao da terra tiver sido satisfatria:

    a) nos casos dos n 1 e 3, o contrato ser renovado, nas mes-mas condies, por mais trs anos, ou o lote ser vendido, segundo a preferncia do arrendatrio;

  • 55

    b) no caso do n 2, se a situao financeira do arrendatrio permitir, a juzo da Comisso, a venda ser efetuada; do contrrio, o contrato ser renovado nas mesmas condies anteriores.

    art. 128. expressamente proibida a sublocao dos lotes, cujo cultivo dever ser feito diretamente pelo arrendatrio e seus familiares, ressalvada a hiptese do art. 109, alnea b, 2 parte, sob pena de resciso do contrato.

    art. 129. o primeiro ano de contrato de arrendamento con-siderado de instalao e preparo das terras para a lavoura definitiva e os arrendatrios nada pagaro durante o mesmo. nos anos subse-quentes, a taxa de arrendamento ser fixada pela Comisso agrria Municipal e aprovada pelo instituto agrrio, no podendo exceder de 15% (quinze por cento) do valor da propriedade (Captulo iV da Parte segunda).

    art. 130. Para os efeitos de prorrogao de contrato e venda do lote, os sucessores legais do primeiro arrendatrio so a ele equiparados.

    art. 131. a taxa de arrendamento ser paga semestral ou anual-mente, de acordo com os tipos de lavouras e segundo critrio a ser estabelecido pela Comisso agrria Municipal.

    1 as prestaes em atraso pagaro 5% (cinco por cento) de multa.

    2 o atraso de quatro prestaes semestrais, ou duas anuais , importa em resciso do contrato.

    art. 132. em benefcio da produo agropecuria em grande escala, as Comisses agrrias Municipais, mediante aprovao do instituto agrrio, em cada caso, podero arrendar, por prazo de at 30 (trinta) anos, grandes extenses de terras a companhias agrcolas que desejem estabelecer exploraes racionais e mecanizadas.

    Pargrafo nico. o arrendatrio ficar sujeito, dentre outras, s seguintes condies:

  • 56

    1 construo de casas para os trabalhadores, de acordo com as normas das Comisses agrrias Municipais;

    2 observao dos planos e regulamentos referentes raciona-lizao, classe e qualidades de cultivo;

    3 ceder, sem qualquer nus, a cada trabalhador, meio hectare de terra, devidamente cercado e situado prximo sua moradia;

    4 prestar assistncia social aos trabalhadores segundo as nor-mas estabelecidas pelas Comisses.

    art. 133. aos pretendentes aquisio ou arrendamento de terras, desde que sejam em nmero suficiente para a ocupao de todo o imvel arrendado Companhia, facultado o direito de se oporem a esse arrendamento, mediante petio endereada Comisso agrria Municipal.

    seo iVDos Centros agrcolas

    art. 134. o instituto agrrio e as Comisses agrrias Muni-cipais, isoladamente ou em regime de cooperao, estabelecero Centros agrcolas em reas de terras de mais de duzentos hectares.

    art. 135. os Centros agrcolas visam:a) educar e habilitar a populao rural a se tornar proprietria

    da terra e adquirir capacidade produtiva e independncia econmica;

    b) a produo em grande escala de acordo com as necessidades do consumo das cidades prximas;

    c) a racionalizao da lavoura;d) a industrializao agrcola;e) a mecanizao progressiva;f) a formao de ncleos de experimentao;g) a melhoria das condies de vida do trabalhador rural; h) a povoao de regies desabitadas.

  • 57

    art. 136. os Centros tero direo e organizao prprias, regendo-se por estatutos especiais a serem elaborados pela entidade que os estabelecer.

    art. 137. a explorao do Centro poder ser feita mediante contrato de trabalhadores assalariados ou pelo loteamento e arren-damento, segundo resoluo da entidade responsvel.

    art. 138. o Centro ser administrado por um Diretor tcnico e um Conselho administrativo.

    1 o Diretor tcnico ser nomeado pela entidade respon-svel, sendo que, quando vigorar o regime de cooperao entre o instituto e a Comisso, o estatuto estabelecer a quem cabe fazer essa nomeao.

    2 o Conselho administrativo compor-se- do Diretor tcnico e de mais oito membros eleitos pelos trabalhadores ou arrendatrios do Centro.

    art. 139. ao Diretor tcnico incumbe a direo tcnica, eco-nmica e financeira do Centro.

    art. 140. ao Conselho administrativo compete, alm de outras incumbncias que lhe sejam atribudas pelo estatuto, as seguintes:

    a) administrao dos interesses comuns;b) defesa dos direitos dos membros do Centro;c) estudo das normas de trabalho mais compatveis com o

    progresso do Centro;d) deciso sobre dispensa de trabalhadores e resciso de con-

    tratos de arrendamento;e) julgamento dos recursos interpostos dos atos do Diretor

    tcnico;f) deliberar sobre a criao de cooperativas de consumo,

    produo, industrializao, venda de produtos do Centro, e mistas;

    g) decidir sobre a instalao de ncleos de demonstrao agropecuria.

  • 58

    art. 141. obrigatria a criao, em cada Centro, de uma unidade educativa rural.

    art. 142. os Centros podem ser organizados e dirigidos por administrao contratada, desde que o proponente tenha idonei-dade tcnica e financeira necessria ao desempenho das obrigaes estatutrias.

    Pargrafo nico. neste caso, a administrao contratada dar ao Centro a organizao que melhor lhe aprouver, competindo Comisso agrria Municipal os trabalhos de fiscalizao, princi-palmente no sentido de fazer com que sejam observados os direitos e vantagens assegurados aos trabalhadores e arrendatrios.

    art. 143. Da rea de cada Centro, 10% (dez por cento) no mnimo sero destinados reserva florestal, com replantio de espcies adequadas.

    Parte terCeiraDisposies especiais e finais

    art. 246. a unio e os estados (art. 60, inciso Viii) concedero o desconto de 50% (cinquenta por cento) nos fretes dos adubos qumicos e fertilizantes em geral, nas estradas de ferro de suas respectivas propriedades.

    Pargrafo nico. quando o produto transportado pertencer Comisso agrria Municipal ou Cooperativa agrcola, o desconto ser de 75% (setenta e cinco por cento).

    art. 247. Fica institudo, em todos os cursos de grau primrio, o ensino de noes bsicas de agricultura, a ser ministrado a partir do terceiro ano.

    Pargrafo nico. o Ministrio da educao e Cultura adotar as providncias necessrias para que, no prazo de dois anos a contar da data de publicao desta lei, seja executado o disposto neste artigo.

    art. 248. os Poderes Pblicos, atravs do instituto agrrio e das Comisses agrrias estaduais, territoriais e Municipais, ado-

  • 59

    taro e faro adotar todas as providncias necessrias no sentido de facilitar e incentivar a instalao, no pas, de indstrias de adubos e fertilizantes em geral.

    Pargrafo nico. em casos de especial interesse nacional ou regional, podero o instituto e as Comisses tornarem-se acionistas das companhias que visem explorar essa indstria, desde que isso no prejudique a normal execuo dos programas geral e parciais da reforma agrria.

    art. 249. os estabelecimentos bancrios particulares ficam obrigados a conceder emprstimos agrcolas at um montante nunca inferior a 30% (trinta por cento) dos depsitos, de qualquer natureza ou espcie, realizados na respectiva localidade ou regio em que operar.

    1 semestralmente, cada estabelecimento bancrio remeter ao instituto agrrio uma demonstrao de contas provando que foi dado cumprimento a essa obrigao.

    2o o estabelecimento que se negar a cumprir esse dispositivo ter suspenso o seu funcionamento por trinta dias e, na reincidncia, ter sua carta patente cassada.

    art. 250. esta lei entrar em vigor cento e oitenta dias aps a data de sua publicao, prazo dentro do qual o Poder executivo a regulamentar.

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    4. ProPoStaS de reForMa agrria da igreJa ConSerVadora 1961-1962

    1. Pronunciamento do Episcopado Rio-grandense1

    grave e oportuna, diletos filhos e cooperadores, a questo que ora vos convocamos a considerar conosco. Cuida-se da questo agrria, velha de sculos, mas agora posta em relevo pela discus-so que se tem suscitado acerca da fome, como ameaa prxima humanidade inteira. Consiste a questo agrria, essencialmente, em se saber se todo o homem h de receber obrigatoriamente, dos homens ou da sociedade, a morada para subsistir e o alimento para vencer a fome, ou se tem direito, o homem, qualquer que seja, a aspirar a que se lhe permita, para tanto, o acesso a um trato de terra, proporcionado s suas foras, que a sua energia possa tornar, para si prpria e para os seus, produtivo, at suficincia.

    o direito terratodo homem, na verdade, tem direito a aspirar propriedade,

    para si e sua famlia, de um pedao de terra, sobre o qual estabe1ea

    1 Publicado in A Questo Agrria Coletnea dos pronunciamentos sobre a questo agrria feitos pelo cardeal D. Vicente Scherer, em seu programa radiofnico A Voz do Pastor, pp. 45-48.

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    permanentemente o seu lar e de cuja entranha retire, pelo traba-lho, o prprio sustento e o dos seus. assiste-lhe direito a aspirar propriedade e no meramente ao aproveitamento temporrio da terra; e no somente propriedade figurada em ttulos e frmulas jurdicas, seno ao solo mesmo, barro e pedra, firme e resistente a seus ps, e dcil, entretanto, ao esforo de suas mos. Pois a terra o ponto de apoio necessrio de toda atividade humana e o estdio ltimo de toda iniciativa econmica.

    a evidncia desse direitotem a evidncia primria destas verdades em nossos dias a

    fulgurao de um corisco remoto. Milnios de pecados contra a fraternidade e a paz e milnios de civilizao separaram o homem da terra, tanto materialmente pelos grandes xodos rurais, resul-tantes da opresso social do agricultor, quanto formalmente pela separao progressiva entre o domnio da terra e a utilizao dela. Pois a terra o manancial primeiro de todos os bens econmicos, e o domnio da terra , por isso mesmo, o termo, por excelncia, de todos os grandes movimentos histricos da cupidez humana. Veio, desta maneira, o direito terra a tornar-se uma forma de poder do homem sobre o homem, minuciosamente estruturado numa longa e complicada escala de subordinao, de que o regime feudal nos depara a hipertrofiao suprema. ainda em nossos dias, a pirmide, de invisvel cume, das sociedades coligadas entre si, a multiplicao dos direitos reais desmembrados e a variedade indefinida dos tipos contratuais interpem, no raro, entre o homem e a terra, que lhe foi dada por Deus, a grade constrangedora de um invencvel tecido de relaes econmicas, sociais e jurdicas. a evidncia do direito de todo homem, qualquer que seja, a aspirar ao seu pedao de terra no admira, pois, que luza, sobre essa tessitura plusecular do direito de propriedade, como o sbito claro extraor dinrio de um relmpago.

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    Socialismo, comunismo e capitalismoo socialismo e o comunismo aquele, segundo algumas

    varian tes, por estgios; este, de golpe recusam ao homem a propriedade da terra. o capitalismo no h recusa, mas, no raro, lhe inutiliza todo o esforo para alcan-la. no suficiente que as Constituies assegurem ao homem o direito ao trabalho e, pelo trabalho, ao salrio, que, por sua vez, lhe deveria permitir a aquisio da terra. que adianta ao homem reunir dinheiro bastante para a compra da terra, que deseja adquirir, se o preo da terra excede, de muito, a quantia de que dispe? que lhe adianta ter dinheiro para adquirir alguns hectares se est venda somente toda uma propriedade que tem quilmetros quadrados de superfcie? De outro lado, se chegar a adquirir um trato de terra para cultivo, ser-lhe- impossvel conserv-la, se a extenso dela vier mais tarde a mostrar-se demasiado pequena para que dela possa tirar o prprio sustento e o da famlia. o latifndio e o minifndio so, consequentemente, problemas que reclamam o estudo e a interveno do poder pblico.

    o socialismo e o comunismo propem-se resolver tais proble-mas, mas com sacrifcio do homem, a quem recusam simplesmente toda e qualquer poro de terra, pequena ou grande. o capita-lismo, a seu turno, quer dar-lhes soluo tambm com sacrifcio do homem pelo favorecimento do latifndio, como base de uma revoluo industrial, j agora na agricultura, realizada a qual a propriedade da terra produtiva passar a opacas e impessoais com-panhias e sociedades, com dimenses proporcionadas s de seus domnios territoriais. Diante desses dois problemas cabe, pois, fora de dvida, ao estado, enquanto a servio do homem, para o qual existe, salvar a propriedade, negao socialista e comunista, mas salv-la para todos os homens aos quais, sem acepo de indivduos ou de grupos, foi a terra dada por Deus, para que a enchessem e sujeitassem (gn. 1.28).

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    a defesa da propriedade urgente e indeclinvel dever do estado defender a propriedade.

    Possuir singularmente bens como seus direito dado ao homem pela natureza (leo xiii, rerun novarum). De outro lado, no lcito conscincia crist admitir como justa uma ordem social que, em mxima parte, nega ou torna praticamente impossvel ou vo o direito natural de propriedade tanto dos bens de consumo quanto de produo (Pio xii, aas, 1944 p. 252).

    se assim no fosse, em termos econmicos, cessaria em grande parte a diligncia (dos homens) em cultivar a terra e em conservar--lhe os frutos (De lugo, d. 6. n 1). Mas, sobretudo, trair-se-iam os divinos desgnios de que os inmeros bens e riquezas, que Deus difundiu por todo o orbe terrestre, sejam razoavelmente distribudos para a utilidade de todos os seus filhos (Pio xii, aas 1939, p. 149).

    Contra o socialismo e o comunismo, e para a diminuio e cor-reo dos excessos do capitalismo, o estado pode e deve assegurar a todo homem, qualquer que seja, o direito a aspirar a um trato de terra, para estabelecer a sua casa e dele tirar a sustentao