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A Questão Cavalier – música e sociedade no Império e na República (1846-1914) – Antonio J. Augusto 2008

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A Questão Cavalier – música e sociedade no Império e na República (1846-1914) –

Antonio J. Augusto

2008

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A Questão Cavalier – música e sociedade no Império e na República (1846-1914) –

Antonio José Augusto Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em História Social. Orientador: Prof. Dr. Manoel Luiz Salgado Guimarães

Rio de Janeiro Março de 2008

A Questão Cavalier: música e sociedade no Império e na República (1846-1914)

Antonio José Augusto

Orientador: Manoel Luiz Salgado Guimarães

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor História Social. Aprovada por: ________________________________________

Presidente, Prof. Manoel Luiz Salgado Guimarães

________________________________________ Prof. Arnaldo Daraya Contier ________________________________________ Prof.ª Martha Abreu ________________________________________ Prof. André Cardoso ________________________________________ Prof. Marcos Bretas

Rio de Janeiro Abril de 2008

iv

Augusto, Antonio José.

A Questão Cavalier: música e sociedade no Império e na República (1846-1914)/ Antonio José Augusto. – Rio de Janeiro: UFRJ: PPGHIS, 2008.

xi, 308f.: il.; 31cm. Orientador: Manoel Luiz Salgado Guimarães. Tese (doutorado) – UFRJ/ Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/

Programa de Pós Graduação em História Social, 2008. Referências bibliográficas: f. 262-281. 1. Música. 2. Teatro. 3. Teatro-musicado. 4. Mágica. 5.

Conservatório de Música. 6. Clubs e sociedades musicais. I. Guimarães, Manoel Luiz Salgado. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós Graduação em História Social. III. Título

v

Esta tese é dedicada aos meus amores: Andréa, Victor e César.

vi

Agradecimentos

Aos meus pais, Luiz e Olinda, princípio de tudo.

Ao meu orientador Manoel Luiz Salgado Guimarães, pela confiança e orientação segura. À Virginia Albuquerque de Castro Buarque e César Maia Buscacio, pela ajuda valorosa nos primeiros momentos. À Celeste Zenha, pelo intenso período de convivência e aprendizado. À Berenice Cavalcante, por seu incentivo e ajuda quando tudo ainda era somente uma possibilidade. À Isabel Creão Augusto, sobrinha querida e leitora atenta. A Aldrin Figueiredo, por suas sugestões, críticas e, sobretudo, por sua amizade. À Silvia Cristina Martins de Souza, por sua leitura apurada e generosidade. A Daniel Havens e Terão Chebl, amigos de toda a vida. A Francisco Augusto, que está sempre na minha memória e no meu coração. À Maria, Márcio, Joaquim, Cristina, Ana Lúcia, Marinalva, Daniel, Raquel, Fernando e Manuela, família querida e porto seguro de todas as horas. À banca examinadora, composta pelos professores Arnaldo Daraya Contier, Martha Abreu, André Cardoso e Marcos Bretas.

vii

RESUMO

A Questão Cavalier: música e sociedade no Império e na República (1846-1914)

Antonio José Augusto

Orientador: Manoel Luiz Salgado Guimarães

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor História Social.

Ponto de partida desta tese, a Questão Cavalier é um conjunto de documentos

relativos à tentativa de Carlos Severiano Cavalier Darbilly – antigo professor do

Conservatório de Música do Império, formado no célebre Conservatório de Paris –

provar seu direito a ocupar uma posição no Instituto Nacional de Música,

estabelecimento oficial para o ensino musical instituído com o advento da República.

Este impedimento suscita o questionamento dos fatores que proporcionaram seu

reconhecimento no Segundo Reinado e seu posterior afastamento das posições de

prestígio musical pela nova ordem republicana. Esta problemática é abordada partir do

entrecruzamento da trajetória pessoal deste músico com a constituição de uma rede de

relações sócio-culturais, a “sociedade dos músicos”. A “sociedade dos músicos”, por

sua vez, torna-se presente em alguns lugares diretamente voltados à produção e à prática

musical: o Conservatório de Música e o Instituto Nacional de Música; os Clubs e

Sociedades Musicais e os teatros. Tais lugares são núcleos de complexas inter-relações

e tensões, que envolvem dimensões do poder, da sociabilidade e da linguagem musical.

Desta forma, analisamos a sedimentação da “sociedade dos músicos” no período do

Império e sua posterior ação nos primeiros anos da República, atentos ao trânsito entre a

prática musical oficial e a popular, evidenciando a diferença de interesses, percepções e

condutas sobre a música, especialmente no que tange a um gênero específico do teatro-

musicado: a Mágica.

Palavras-chave: 1. Música. 2. Teatro. 3. Teatro-musicado. 4. Mágica. 5. Conservatório de Música. 6. Clubs e Sociedades Musicais.

Rio de Janeiro Abril de 2008

viii

ABSTRACT

The Cavalier Question: music and society in the Empire and the Republic (1846-1914)

Antonio José Augusto

Orientador: Manoel Luiz Salgado Guimarães

Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em

História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor História Social.

Starting point of this thesis, the Cavalier Question is a set of documents relative

to the attempt of Carlos Severiano Cavalier Darbilly – former professor of the

Conservatory of Music of the Empire, formed at the renowned Conservatory of Paris –

to prove his right to occupy a position in the National Institute of Music, official

establishment for musical education instituted with the advent of the Republic. This

impediment excites the questioning of the factors that had provided his recognition

during the Empire and his posterior removal from positions of musical prestige by the

new republican order. This problem is approached crossing Cavalier Darbilly’s personal

trajectory with the constitution of a net of socio-cultural relations, the “society of the

musicians”. The “society of the musicians”, in it’s turn, becomes present in some places

straightly directed to the musical practices and production: the Conservatory of Music

and the National Institute of Music; the Clubs and Musical Societies and the theaters.

Such places are centers of complex inter-relations and tensions, which involve

dimensions of the power, the sociability and the musical language. In such a way, we

analyze the sedimentation of the “society of the musicians” in the period of the Empire

and its posterior action in the first years of the Republic, observing the official musical

practices and also the practices of a popular idiom, evidencing the difference of

interests, perceptions and conducts on music, especially when it refers to a specific sort

of the musical theater: A Mágica.

Key-words: 1. Music. 2. Theater. 3. Musical theater. 4. Mágica. 5. Conservatory of Music. 6. Clubs and Musical Societies.

Rio de Janeiro April of 2008

ix

SUMÁRIO Introdução ................................................................................................. 1

1. A Questão Cavalier ............................................................................... 17 2. Os lugares de prática musical .............................................................. 52 2.1. O Conservatório de Música ................................................................. 54 2.2. Os Teatros do Império ......................................................................... 77 2.3. Os Teatros da capital do Império ......................................................... 96 2.4. As Sociedades e Clubes Musicais ....................................................... 119

3. Da sociedade de música à sociedade dos músicos ............................... 135

4. A Mágica .................................................................................................. 189

5. Mágicas tensões ....................................................................................... 229

6. Conclusão ................................................................................................. 259

7. Bibliografia ............................................................................................... 262

8. Anexos

Anexo A: Cronologia de Cavalier Darbilly ................................................... 282 Anexo B: Mágicas ......................................................................................... 287 Anexo C: Valores de multa do Regulamento da Companhia Lírica. 1852 ... 304 Anexo D: Óperas no Teatro S. Pedro (1844-1850) ....................................... 306 Anexo E: José Amat ...................................................................................... 307

x

ÍNDICE DE GRÁFICOS, TABELAS E ILUSTRAÇÕES.

Gráficos: 1. Número de alunos do Conservatório ..........................................................................59 2. Número de professores do Conservatório ..................................................................59 3. Relação entre alunos matriculados e que prestaram exames (1870-1888) ................69 4. Resultados dos exames ..............................................................................................70 5. Disposição dos alunos nas aulas do Conservatório ...................................................71 6. Variação dos alunos do Conservatório de acordo com o gênero ..............................72 7. Teatros e Clubes na Capital do Império ...................................................................97 8. Relação Ópera e música de concerto .......................................................................130 9. Club Mozart: Repertório vinculado à ópera ............................................................131 10. Conservatório: Repertório vinculado à ópera ........................................................132 11. Professores de música no Rio de Janeiro (1847-1888) ..........................................138 12. Mágicas: material temático ....................................................................................209 Tabelas: 1. Composição interna dos teatros (1883) ....................................................................113 2. Denominações dos teatros (1863-1888) ...................................................................114 3. Preços de ingressos dos teatros (1883) .....................................................................115 4. Professores do Conservatório de Música (1848-1865) ............................................140 5. Administração do Conservatório de Música (1848-1865) .......................................140 6. Professores do Conservatório de Música (1866-1880) ............................................173 7. Ocupação das Mágicas nos Teatros (1888-1905) ....................................................219 8. Ocupação das Revistas nos Teatros (1888-1905) ....................................................220 Ilustrações: 1. Teatro São João. Bahia ............................................................................................. 79 2. Teatro São Pedro. Rio Grande do Sul .......................................................................82 3. Teatro São Luiz. Maranhão .......................................................................................86 4. Teatro Imperial D. Pedro II .................................................................................... 102 5. Teatro São Luiz. Rio de Janeiro ............................................................................. 106 6. Teatro Recreio Dramático .......................................................................................111 7. Concerto em favor da família do finado Francisco Manuel da Silva, na noite do dia 1º de dezembro de 1871 ......................................................................122 8. Concerto dado pelo Club Mozart na noite de dez de dezembro de 1870. Aspectos do salão principal na noite da inauguração ................................................. 126 9. Companhia Lírica ....................................................................................................165 10. Partitura do Ali-Babá............................................................................................. 215 11. Fonógrafo “Concerto” .......................................................................................... 248 12. Lirofone ................................................................................................................ 248 13. Catálogo da Casa Edison, 1902 ............................................................................ 249

Esta tese é dedicada aos meus amores: Andréa, Victor e César.

Agradecimentos

Aos meus pais, Luiz e Olinda, princípio de tudo.

Ao meu orientador Manoel Luiz Salgado Guimarães, pela confiança e orientação segura. À Virginia Albuquerque de Castro Buarque e César Maia Buscacio, pela ajuda valorosa nos primeiros momentos. À Celeste Zenha, pelo intenso período de convivência e aprendizado. À Berenice Cavalcante, por seu incentivo e ajuda quando tudo ainda era somente uma possibilidade. À Isabel Creão Augusto, sobrinha querida e leitora atenta. A Aldrin Figueiredo, por suas sugestões, críticas e, sobretudo, por sua amizade. À Silvia Cristina Martins de Souza, por sua leitura apurada e generosidade. A Daniel Havens e Terão Chebl, amigos de toda a vida. A Francisco Augusto, que está sempre na minha memória e no meu coração. À Maria, Márcio, Joaquim, Cristina, Ana Lúcia, Marinalva, Daniel, Raquel, Fernando e Manuela, família querida e porto seguro de todas as horas.

RESUMO

A Questão Cavalier: música e sociedade no Império e na República (1846-1914)

Antonio José Augusto

Orientador: Manoel Luiz Salgado Guimarães

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor História Social.

Ponto de partida desta tese, a Questão Cavalier é um conjunto de documentos

relativos à tentativa de Carlos Severiano Cavalier Darbilly – antigo professor do

Conservatório de Música do Império, formado no célebre Conservatório de Paris – provar

seu direito a ocupar uma posição no Instituto Nacional de Música, estabelecimento oficial

para o ensino musical instituído com o advento da República. Este impedimento suscita o

questionamento dos fatores que proporcionaram seu reconhecimento no Segundo Reinado e

seu posterior afastamento das posições de prestígio musical pela nova ordem republicana.

Esta problemática é abordada partir do entrecruzamento da trajetória pessoal deste músico

com a constituição de uma rede de relações sócio-culturais, a “sociedade dos músicos”. A

“sociedade dos músicos”, por sua vez, torna-se presente em alguns lugares diretamente

voltados à produção e à prática musical: o Conservatório de Música e o Instituto Nacional

de Música; os Clubs e Sociedades Musicais e os teatros. Tais lugares são núcleos de

complexas inter-relações e tensões, que envolvem dimensões do poder, da sociabilidade e

da linguagem musical. Desta forma, analisamos a sedimentação da “sociedade dos

músicos” no período do Império e sua posterior ação nos primeiros anos da República,

atentos ao trânsito entre a prática musical oficial e a popular, evidenciando a diferença de

interesses, percepções e condutas sobre a música, especialmente no que tange a um gênero

específico do teatro-musicado: a Mágica.

Palavras-chave: 1. Música. 2. Teatro. 3. Teatro-musicado. 4. Mágica. 5. Conservatório de Música. 6. Clubs e Sociedades Musicais.

Rio de Janeiro Abril de 2008

ABSTRACT

The Cavalier Question: music and society in the Empire and the Republic (1846-1914)

Antonio José Augusto

Orientador: Manoel Luiz Salgado Guimarães

Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em

História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor História Social.

Starting point of this thesis, the Cavalier Question is a set of documents relative

to the attempt of Carlos Severiano Cavalier Darbilly – former professor of the

Conservatory of Music of the Empire, formed at the renowned Conservatory of Paris –

to prove his right to occupy a position in the National Institute of Music, official

establishment for musical education instituted with the advent of the Republic. This

impediment excites the questioning of the factors that had provided his recognition

during the Empire and his posterior removal from positions of musical prestige by the

new republican order. This problem is approached crossing Cavalier Darbilly’s personal

trajectory with the constitution of a net of socio-cultural relations, the “society of the

musicians”. The “society of the musicians”, in it’s turn, becomes present in some places

straightly directed to the musical practices and production: the Conservatory of Music

and the National Institute of Music; the Clubs and Musical Societies and the theaters.

Such places are centers of complex inter-relations and tensions, which involve

dimensions of the power, the sociability and the musical language. In such a way, we

analyze the sedimentation of the “society of the musicians” in the period of the Empire

and its posterior action in the first years of the Republic, observing the official musical

practices and also the practices of a popular idiom, evidencing the difference of

interests, perceptions and conducts on music, especially when it refers to a specific sort

of the musical theater: A Mágica.

Key-words: 1. Music. 2. Theater. 3. Musical theater. 4. Mágica. 5. Conservatory of Music. 6. Clubs and Musical Societies.

Rio de Janeiro April of 2008

SUMÁRIO Introdução ................................................................................................. 1

1. A Questão Cavalier ............................................................................... 17 2. Os lugares de prática musical .............................................................. 52 2.1. O Conservatório de Música ................................................................. 54 2.2. Os Teatros do Império ......................................................................... 77 2.3. Os Teatros da capital do Império ......................................................... 96 2.4. As Sociedades e Clubes Musicais ....................................................... 119

3. Da sociedade de música à sociedade dos músicos ............................... 135

4. A Mágica .................................................................................................. 189

5. Mágicas tensões ....................................................................................... 229

6. Conclusão ................................................................................................. 259

7. Bibliografia ............................................................................................... 262

8. Anexos

Anexo A: Cronologia de Cavalier Darbilly ................................................... 282 Anexo B: Mágicas ......................................................................................... 287 Anexo C: Valores de multa do Regulamento da Companhia Lírica. 1852 ... 304 Anexo D: Óperas no Teatro S. Pedro (1844-1850) ....................................... 306 Anexo E: José Amat ...................................................................................... 307

ÍNDICE DE GRÁFICOS, TABELAS E ILUSTRAÇÕES

Gráficos: 1. Número de alunos do Conservatório ..........................................................................59 2. Número de professores do Conservatório ..................................................................59 3. Relação entre alunos matriculados e que prestaram exames (1870-1888) ................69 4. Resultados dos exames ..............................................................................................70 5. Disposição dos alunos nas aulas do Conservatório ....................................................71 6. Variação dos alunos do Conservatório de acordo com o gênero ...............................72 7. Teatros e Clubes na Capital do Império .....................................................................97 8. Relação Ópera e música de concerto ...................................................................... 130 9. Club Mozart: Repertório vinculado à ópera ............................................................ 131 10. Conservatório: Repertório vinculado à ópera ........................................................132 11. Professores de música no Rio de Janeiro (1847-1888) ......................................... 138 12. Mágicas: material temático ................................................................................... 209 Tabelas: 1. Composição interna dos teatros (1883) ...................................................................113 2. Denominações dos teatros (1863-1888) ................................................................. 114 3. Preços de ingressos dos teatros (1883) ....................................................................115 4. Professores do Conservatório de Música (1848-1865) ........................................... 140 5. Administração do Conservatório de Música (1848-1865) .......................................140 6. Professores do Conservatório de Música (1866-1880) .............................................173 7. Ocupação das Mágicas nos Teatros (1888-1905) .....................................................219 8. Ocupação das Revistas nos Teatros (1888-1905) .................................................... 220 Ilustrações: 1. Teatro São João. Bahia ............................................................................................. 79 2. Teatro São Pedro. Rio Grande do Sul ........................................................................82 3. Teatro São Luiz. Maranhão ........................................................................................86 4. Teatro Imperial D. Pedro II .................................................................................... .102 5. Teatro São Luiz. Rio de Janeiro ............................................................................. .106 6. Teatro Recreio Dramático ........................................................................................111 7. Concerto em favor da família do finado Francisco Manuel da Silva, na noite do dia 1º de dezembro de 1871 ......................................................................122 8. Concerto dado pelo Club Mozart na noite de dez de dezembro de 1870. Aspectos do salão principal na noite da inauguração ................................................. 126 9. Companhia Lírica ....................................................................................................165 10. Partitura do Ali-Babá............................................................................................. 215 11. Fonógrafo “Concerto” .......................................................................................... 248 12. Lirofone ................................................................................................................ 248 13. Catálogo da Casa Edison, 1902 ............................................................................ 249

1

Introdução

No dia 18 de Janeiro de 1890, poucos meses após o golpe militar que resultou na

Proclamação da República, o governo provisório anunciava através de decreto os nomes

dos integrantes que formariam a direção e o corpo docente de sua nova instituição oficial

de ensino musical, o Instituto Nacional de Música. Entre os eleitos para assumir esta

posição de destaque, uma ausência ressoava: era Carlos Severiano Cavalier Darbilly (1846-

1914), prestigiado músico formado pelo Conservatório de Paris, professor do

Conservatório de Música do Império e detentor das mais diversas distinções galgadas em

sua trajetória social.

Dizendo-se vítima de uma perseguição, Darbilly apresentou em 20 de Fevereiro de

1890 uma Representação1 à Secretaria de Estado dos Negócios do Interior, iniciando um

processo somente encerrado em 1911, através do qual ele tenta provar seu direito de

pertencer ao quadro de professores do Instituto Nacional de Música. Pelas páginas desse

processo, batizado em 1895 na Secretaria da Presidência da República como a Questão

Cavalier, encontramos nomes importantes da história da música brasileira como Leopoldo

Miguez (1850-1902), Alberto Nepomuceno (1864-1920), Rodrigues Barbosa (1857-1939)

e vários ministros e funcionários do governo que participaram deste embate.

A extinção do Conservatório de Música e a criação do Instituto Nacional de Música

através do decreto nº. 143, de 12 de janeiro de 1890, era o marco do tratamento que a nova

ordem de poder daria à música no Brasil, o início de um processo que tinha como primeira

etapa a reformulação dos métodos de ensino e do conteúdo programático. Com orgulho,

Leopoldo Miguez, primeiro diretor da instituição, relatava que o programa de ensino

organizado para o Instituto era equivalente aos dos Conservatórios de Paris, Munique,

1 O termo representação, aqui utilizado, refere-se a uma exposição escrita de pedido, queixa ou reclamação.

2

Milão, e que não tardaria a apresentar seus resultados incluindo o Brasil no grande concerto

das nações. 2

A não adequação de Cavalier Darbilly a este novo patamar de referência é

instigante, colocando dois problemas ao historiador: que fatores propiciaram seu

reconhecimento no Segundo Reinado e o que levaria a seu posterior afastamento das

posições de prestígio musical após a instauração da República? Tais problemáticas só

podem ser respondidas a partir do entrecruzamento da trajetória pessoal deste músico com

a constituição de uma rede de relações sócio-culturais, denominada por Avelino Romero,

com base nas pesquisas sociológicas de Halbwachs, “sociedade dos músicos”3. A

sociedade dos músicos, por sua vez, corporifica-se em alguns lugares diretamente voltados

à produção e à prática musical: a Capela Imperial; o Conservatório de Música e o Instituto

Nacional de Música; os Clubs e Sociedades Musicais e o teatro. Tais lugares, mais do que

espaços meramente institucionais, são núcleos de complexas inter-relações e tensões,

abrangendo dimensões do poder, da sociabilidade e da linguagem musical.

Eram espacialidades que disputavam as atenções do Governo, como também as

concessões de subvenções ou loterias, instrumentos que corroboravam a interferência do

Estado nos diversos aspectos que compreendiam o cotidiano desses estabelecimentos. Era

prerrogativa do Governo assinar os contratos com as empresas (ou os empresários) que

ocupariam os teatros, contratos esses que previam desde utilização da verba concedida até

o formato das companhias e orquestras a serem utilizadas; a ele cabia a nomeação do

diretor, do secretário, do tesoureiro, e dos professores que serviriam ao Conservatório, o

mesmo acontecendo no Instituto Nacional de Música; também era o responsável pela

contratação e pagamento dos músicos e dirigentes da Capela Imperial.

2 INSTITUTO NACIONAL DE MÚSICA. Informação ao Sr. Ministro do Interior Dr. José Cesario de Faria Alvim, feita pelo diretor do Instituto Nacional de Música Leopoldo Miguez. 29 de Março de 1890. Documento manuscrito. Acervo Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. 3 Romero utiliza o conceito de Maurice Halbwachs para quem a relação música e sociedade se estabelece através da utilização de uma linguagem e de uma técnica aprendidas e apreendidas coletivamente, no seio da “sociedade dos músicos”, subgrupo no interior da sociedade. O termo, esclarece o autor, designa o subgrupo social formado por compositores, regentes, instrumentistas, cantores, professores, estudantes, críticos, editores de música, “todos aqueles que diretamente ou indiretamente possibilitam ou inviabilizam um projeto estético”. PEREIRA, Avelino Romero Simões. Música, sociedade e Política: Alberto Nepomuceno e a República Musical do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007. p. 29.

3

Estes lugares de atuação musical estão diretamente relacionados à formação deste

segmento cultural particular – o dos músicos – e, de maneira singular, à trajetória pessoal

de Darbilly. Permitiam o acesso a posições de prestígio e, sobretudo, delimitavam os

embates em torno do direito de poder afirmar quem pertence ou não ao segmento. Se em

um primeiro momento as ações se voltam para a formalização do espaço social dos

músicos, em seguida é forçosa a luta pela manutenção desse espaço, ameaçado em sua

ordem pela própria expansão da sociedade dos músicos e de seus lugares de prática

musical. Coerente com a sua trajetória, de um músico que busca uma existência social

marcada pela distinção, Darbilly não se furtaria às disputas inerentes à tentativa de ocupar

as posições de prestígio disponibilizadas por esses lugares.

Esses espaços eram núcleos de tensões e articulações que constrangiam diretamente

os gêneros/formas musicais em voga no período proposto. Neste aspecto destaca-se a

importância simbólica de Darbilly: de compositor erudito formado no Conservatório de

Paris ao reconhecimento como autor de Mágicas e música para teatro, revela em suas

opções estéticas a tensão que marcava a produção musical do período proposto,

influenciada pela expansão dos lugares de prática musical e pelas relações sociais

construídas ou às quais se submetiam os agentes musicais.

Uma interpretação da sinuosidade do percurso de Darbilly em meio à sociedade dos

músicos remete à discussão historiográfica acerca dos critérios identitários de uma

produção musical “nacional”. Em artigo publicado em outubro de 1999, a musicóloga

Vanda Freire alertava para a necessidade de se repensar a historiografia da música

brasileira em outras bases, libertando a reflexão sobre nossa identidade musical da ótica do

início do século, incluindo-se aí Mário de Andrade. Pois havia no século XIX, segundo a

pesquisadora, “uma proliferação de manifestações nacionalistas acontecendo nos diversos

espaços em que se faz música, dos salões às ruas e aos teatros”. 4

Com precisão, Freire coloca as questões centrais que permeiam nossa reflexão sobre

a historiografia musical brasileira. Primeiro, por se referir à ampla influência do

pensamento modernista e, em particular, a Mário de Andrade e sua concepção de história

4 FREIRE, Vanda Lima Bellard. “A mágica”. In OPUS. Revista Eletrônica da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – ANPPOM. Volume 6, Outubro de 1999.

4

da arte – que, como bem descreve Daraya Contier5, é marcada por seu caráter

evolucionista, iluminista e de traços positivistas –. Sob esta ótica, desvinculam-se do

contexto sócio-cultural as particularidades das práticas artísticas, impedindo o estudo de

suas teias de relações sociais. Segundo, por nos remeter ao alijamento da produção musical

do séc. XIX das discussões historiográficas. De acordo com André Cardoso6, o preconceito

contra a música deste período teria surgido com o movimento modernista e ocasionado a

“rejeição” de toda a produção artística brasileira anterior ao movimento.

Entretanto, essa característica evolucionista de traços positivistas não era particular

a Mário de Andrade, mas já se manifestava entre os intelectuais que, em meio ao

surgimento da República nos fins do séc. XIX, intensificaram as discussões em torno de

uma história da música brasileira. Fruto desse período é a primeira publicação dedicada ao

tema – A música no Brasil –, publicada originalmente em 1908, onde, de acordo com

citação de Araújo7, o seu autor, Guilherme Melo sublinha seu desejo de demonstrar com

provas exuberantes que não somos sem arte e sem literatura e “que pelo menos a música no

Brasil tem feições características e inteiramente nacional”8. Em A música no Brasil

encontramos a descrição do mito das três raças formadoras que durante muito tempo

influenciaria as produções sobre cultura brasileira.

Ainda dentro da linha evolucionista, foi lançada na Itália, em 1926, a Storia della

Musica nel Brasile – dai tempi coloniali sino ai nostro giorni de Vicenzo Cernicchiaro,

seguida neste mesmo ano da obra de Renato de Almeida: História da Música Brasileira

(uma segunda edição revista e ampliada foi lançada em 1942). Em 1956 é a vez de Luiz

Heitor Azevedo lançar seu compêndio 150 anos de Música no Brasil (1800-1950),

delimitando uma primeira etapa da historiografia da música brasileira.

Em comum, todas têm o fato de centralizar sua atenção na produção erudita,

priorizando dados, personagens e acontecimentos relacionados com essa linha de produção

musical. A questão popular é tratada na ordem do folclore ou em citações não aprofundadas 5 CONTIER, Arnaldo Daraya. “História e Música, novas abordagens”. In: História hoje: balanço e perspectivas/ IV encontro regional da ANPUH-RJ, 16 a 19 de outubro de 1990. Rio de Janeiro: Associação Nacional dos Professores Universitários de História, 1990. p. 83-99. 6 CARDOSO, André. A música na capela real e imperial do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Música, 2005. p. 9. 7ARAÚJO, Samuel. “Identidades Brasileiras e representações musicais: músicas e ideologias da nacionalidade”. In: Brasiliana. Revi6(r827per)-e Janeiros41siliana7

5

dos nomes de “maior destaque”. Ignora-se o processo estabelecido da formação do choro, a

expressão do samba e, sobretudo, a produção fonográfica – processo iniciado ainda na

primeira década do séc. XX – e suas relações com a difusão da música popular urbana, fato

determinante para o estabelecimento desta no inconsciente musical brasileiro.

Em uma segunda etapa da historiografia brasileira, surgem obras dedicadas

exclusivamente ao fenômeno da música popular. Ary Vasconcelos lança, em 1964,

Panorama da Música Brasileira, e em seguida Raízes da Música Popular Brasileira

(1977); Panorama da Música Brasileira na Belle Époque (1977) e Carinhoso e etc.-

História e Inventário do Choro (1984). Em 1966, José Ramos Tinhorão inicia sua vasta

produção da qual destacamos a Pequena História da Música Popular Brasileira: da

modinha à canção de protesto (1973), agora já na sua 6ª edição, revista e ampliada e com o

novo título de Pequena História da Música Popular Brasileira: da modinha à lambada

(1991) e a História Social da Música Popular Brasileira (1990).

Esses dois autores realizam trabalhos com metodologias opostas. Enquanto Ary

Vasconcelos opta por uma verdadeira catalogação dos personagens – compositores,

instrumentistas, cantores e etc. – que marcaram a história da música, o segundo assume as

formas estabelecidas e suas relações com o contexto – para ele “problema cultural é um

problema político” 9 – como material central de suas reflexões.

Tinhorão registra o processo de nacionalização sonora pelo choro, visto aqui, como

uma ampliação das práticas musicais dos grupos de música de barbeiros, das bandas e liras

que exerciam a função de “fornecedores” de música nas festas públicas. Substituindo os

barbeiros – negros e mestiços – apareciam os pequenos funcionários de serviços públicos e

de empresas particulares, como aquelas da área de transporte urbano, iluminação pública e

da produção de gás. Nesta linha, o autor conduz seu pensamento a respaldar sua definição

do choro, como uma expressão das classes “média e baixa” da sociedade do final do séc.

XIX. Classes essas, que por não mais se identificarem com a música dos negros, nem

tampouco compreenderem a música erudita da classe “superior”, formatam uma produção

condizente com seu gosto e gesto social.

Porém, existe um dado que Tinhorão não esclarece: o fato de que os sedimentadores

da música popular urbana – aqui leia-se Henrique Alves Mesquita (1830-1906), Joaquim

9 TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo: Ed. 34, 199. p. 11

6

Callado (1848-1880), Chiquinha Gonzaga (1847-1939), Cavalier Darbilly, Anacleto de

Medeiros (1866-1907), José Soares Barbosa (1820?- 1876) e outros –, não só eram

profundos conhecedores da música erudita, como exerciam suas práticas, e delas retiravam

elementos para suas formalizações musicais.

Outro momento de nossa historiografia da música brasileira acontece a partir dos

anos noventa, quando se intensifica a produção acadêmica, dedicada em sua grande parte

ao estudo da música popular. Para pensar sobre essa produção fizemos um levantamento

bibliográfico10 de 80 títulos, incluindo dissertações de mestrado, teses de doutorado e

publicações em revistas especializadas em história. Dentro desse universo está clara a

opção pelos estudos centralizados na década de 60, enfocando a canção, a bossa-nova, e,

especialmente, a tropicália, suas ligações com o pensamento modernista e suas

“implicações” antropofágicas. Da mesma forma, os trabalhos que abordam a identidade

cultural brasileira recorrem ao movimento modernista para a elucidação de nossa situação

cultural. Vimos, assim, a pertinência das palavras de Eduardo Jardim ao afirmar que

continuamos a dialogar com o modernismo, como ele o fez com os momentos que o

antecederam11. Assim podemos perceber que o modernismo constitui a retomada e o adiantamento de um caminho já aberto na nossa vida intelectual. Poderemos perceber igualmente que ele opera uma releitura do passado da discussão em torno do tema da brasilidade. 12

Porém, mesmo se expressando claramente como um movimento de retomada, de

continuidade de um caminho já aberto, institui-se no nosso imaginário a conexão entre a

construção de uma identidade cultural brasileira e o movimento modernista. Essa idéia irá

se projetar de maneira indiscutível, a ponto de reduzir a produção musical anterior ao

movimento a uma melancólica qualificação de “lindas bonecas de biscuit, barro chinês,

celulóide ou de massa, com olhares ternos de brasilienses, mas muito bem vestidas à

maneira e costumes estrangeiros”, como fez Villa-Lobos. 13

10 Referências desta produção foram, em grande número, encontradas no artigo de NAVES, Santuza Cambraia; COELHO, Frederico Oliveira; BACAL, Tatiana; MEDEIROS, Thais. “Levantamento e comentário crítico de estudos acadêmicos sobre música popular no Brasil”. In ANPOCS bib – Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais 51, São Paulo, 1o. semestre de 2001. 11 MORAES, Eduardo Jardim. A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978. p. 17 12 Idem. Ibidem. p. 16 e 17 13 apud. NEVES, José Maria. Música contemporânea brasileira. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1981, p. 27

7

Deste breve recorte podemos, então, perceber três enfoques básicos no contexto da

historiografia da música brasileira: o primeiro ligado a uma prática historiográfica onde a

produção musical está vinculada ao gênio individual, ignorando-se as relações da obra

musical, bem como dos agentes responsáveis por sua produção, com a sociedade onde está

inserida. O segundo relaciona o pensar sobre a produção musical popular urbana e a erudita

do final do séc. XIX e começo do séc. XX como resultados de processos de formalização

diferenciados, desconhecendo seus mecanismos de “circularidade”, de mútuo alimentar. O

terceiro enfoque está relacionado à recorrência ao pensamento modernista como referência

à reflexão sobre identidade cultural brasileira e consequentemente a “rejeição” da produção

musical do séc. XIX.

Portanto, de maneira mais geral, é como contribuição ao pensar histórico sobre a

relação música e sociedade no Brasil que observamos nosso projeto, ampliando para além

do modernismo as possibilidades de referências de nosso arcabouço cultural. Neste sentido,

após apresentarmos no primeiro capítulo a Questão Cavalier, inter-relacionaremos a

trajetória pessoal de Darbilly com a espacialidade sócio-cultural configuradora da

“sociedade dos músicos” na segunda metade do século XIX, destacadamente os lugares de

prática musical (segundo capítulo); os agentes e seus embates na formalização do

segmento, bem como suas disputas por posições de prestígio (terceiro capítulo); os

gêneros/formas musicais em voga no período proposto, destacando-se a produção do

teatro-musicado e mais especificamente a Mágica (quarto capítulo). No quinto e último

capítulo visamos reconstituir a formulação de um ideário musical republicano e suas

imbricações às concepções de “nacional” e de “moderno”, indicando mudanças e/ou

continuidades frente às perspectivas que o antecederam. Assim, é aqui que discutiremos a

Questão Cavalier relacionada às diferentes opções estéticas, e o que nos revela sobre a

tensão que marcava a produção musical do período proposto.

O ponto de partida de nosso trabalho é a possibilidade de entrecruzar a trajetória

pessoal de Cavalier Darbilly com a constituição de um segmento social particular: a

sociedade dos músicos. Assim, levantamos duas questões gerais, uma ligada à trajetória

deste músico e seus embates até o reconhecimento como artista ocupante de um espaço

social privilegiado, e outra ligada ao seu alijamento desta posição com o advento da

República.

8

Nossa hipótese central é que este alijamento de Darbilly, para além de sua

vinculação com o Império, está essencialmente ligado à sua prática musical, que entre

outros aspectos era marcada pela utilização de materiais da cultura popular urbana. Esta

produção entrava em conflito com os ditames da nova liderança musical republicana, que,

fortemente influenciado pelo pensamento positivista e seu entendimento da música erudita

como o gênero possível de ser observado como “científico”, dedicava-se a uma produção

que se enquadrasse na concepção ocidental, única aceitável, de uma identidade cultural:

branca, educada, refinada. 14

Maria Isaura de Queiroz15 indica que os processos de identificação de grupos e

sociedades apresentam-se como estratégias de defesa contra perigos que ameaçam

coletividades e suas maneiras de ser. A partir da segunda metade do século XIX, com a

sociedade musical estando em uma nova ordem, distante da centralizada e hierárquica que a

marcava em sua origem, vamos encontrar suas atividades divididas nas diversas

espacialidades de atuação musical. Tais lugares, regidos por suas leis próprias e com uma

opção estilística particular, disputavam as atenções do público e do poder instituído e,

sobretudo, eram os espaços onde os agentes musicais travavam embates em torno do

monopólio de poder afirmar quem era digno de ser chamado músico e por conseqüência, de

ter sua arte reconhecida como a mais autêntica.

O advento da República marca a ascensão aos postos de prestígio de determinado

grupo que atuava em um desses lugares de práticas musicais. Desta forma, a tentativa de

impor conceitos e normas não era um fato novo, mas um estágio diferenciado das disputas

travadas ao longo dos anos no Império. Representava não uma ruptura, mas a continuidade

de um discurso baseado em conceitos como “civilização”, “nacional” e “moderno”, que se

adaptariam à construção do novo ideário republicano. 16

Assim, ao observarmos os resultados sociais desta tensão – e o perigo que

representam às suas coletividades referentes – e apontarmos os significantes desses

processos de identificação, acreditamos estar contribuindo para ampliar, para além do

movimento modernista, a compreensão de nosso arcabouço cultural.

14 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de Queiroz. Identidade Cultural, Identidade Nacional no Brasil. In Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 1sem. 1989, p. 26-46. 15 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de Queiroz. Op.cit. p. 45. 16 MELO, Maria Teresa Chaves. A República Consentida: cultura democrática e cientifica do final do Império. Rio de Janeiro: Editora FGV: Editora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Edur), 2007.

9

Ao se trazer uma questão musical para o âmbito da história social da cultura, deve-

se, antes de tudo, questionar a idéia de que a obra de arte, em nosso caso especificamente a

música, pertença ao reino do inexplicável, fruto de um trabalho criativo meramente

individual, e que por sua natureza subjetiva somente possa ser avaliada por critérios

estéticos. Em seu artigo sobre a escrita da história da música, Lydia Goehr17 discorre sobre

como essa visão puramente estética está quase sempre ligada à ideologia romântica, que em

sua transcendental expressão, refere-se à estética como um domínio erguido acima do

mundo “ordinário” e “mundano”.

Sendo um objeto estético, a obra musical estaria consequentemente dissociada do

curso regular dos acontecimentos e, sendo assim, seria um produto ‘não-histórico’. Sob esta

lógica – pergunta a Goehr –, como uma entidade ‘não-histórica’ pode ser tratada

historicamente? A resposta poderia vir do paralelo entre obra musical e indivíduo: Just as a person is both an individual and a social animal – has an inward and an outward-looking face – so a music work is both an aesthetic and a historical entity. And just as people define themselves from inside out, so a musical work gives priority to the aesthetic. But the point is that the opposite follows just as well. Just as people might define themselves from the outside in, so too a musical work. This way around, the aesthetic character of a work is derived or extrapolated, without derogatory connotation, from its historical character.18

Goehr sugere que, pelo contraste, os domínios da estética e da história são

mutuamente dependentes, influenciando e reforçando um ao outro. Essa interdependência

se caracteriza pela sua forma não reducionista e pela falta de processos de absorção de uma

pela outra. Cada uma se define por suas diferenças, e nestas diferenças afirmam a

impossibilidade da existência de uma sem a outra19. Faz-se necessário, dentro do processo

de escrita da história da música, o equilíbrio na utilização de suas dimensões estéticas e

históricas, preservando a autonomia da música e ao mesmo tempo, atentando para os

aspectos sociais e históricos que ajudam a dar à obra musical seu caráter. Portanto, sem

detrimento de suas propriedades estéticas, a produção musical pode ser encarada como um

problema histórico passível de discussão, pronto a ser explorado, questionado.

17GOHER, Lydia. “Writing Music History”. History and theory. Vol. 31, n.2, may, 1992. p. 182-199 18 idem. p. 194 19 idem. p. 195

10

Leonardo A. M. Pereira e Sidney Chalhoub afirmam que para os historiadores a

literatura é testemunho histórico20. Esta mesma afirmação pode ser feita em relação à

música. A obra musical é uma evidência histórica objetivamente determinada, pois situa-se

em um processo histórico e é possuidora de uma lógica social em seu discurso. A chegada a

essa lógica deve ser trilhada, à luz dos autores supracitados, a partir do questionamento das

intenções do sujeito; do seu representar para si mesmo as relações entre o que produz e o

real; sobre o que esse sujeito testemunha mesmo sem ter intenção de fazê-lo; e sobre o que

suas obras incitam em seus intérpretes, críticos e público.

Em Nobert Elias21, Henry Raynor22 e John Shepherd23 encontramos o referencial

que nos permite observar a obra musical como matéria historiográfica a ser vinculada à

dinâmica da sociedade, possível de observação em suas teias de interlocução social e

investigável não em sua suposta independência da sociedade (posto que seria produto do

gênio individual), mas na forma que estabelece sua relação com a realidade social.

Pensar as relações que permeiam a produção musical da segunda metade do século

XIX e do início do séc. XX é pensar um passado não de histórias isoladas, mas de uma teia

onde as ações e relações assumem seu caráter de interdependência. Porém, devemos estar

atentos não somente a essas relações como finalidade, mas à ação social gerada na qual se

articulam e no significado que assumem na sua utilização pelo contexto. A ação social

deste segmento, a sociedade dos músicos, corporifica-se nos lugares de prática musical que,

por sua vez, assumem posições concretas dentro do corpo maior da sociedade. Ao

pensarmos esses lugares dialogamos com Michel de Certeau, que os descreve como

elementos distintos, onde, imperando a “lei do próprio”, assumem uma configuração

instantânea de posições. 24

Como referencial para pensarmos a sociedade dos músicos e sua ação social,

recorremos a Pierre Bourdieu, para quem a ciência das obras culturais pressupõe operações

20CHALHOUB, Sidney e PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. A história contada: capítulos de história social da literatura no Brasil. Sidney Chalhoub e Leonardo Affonso de Miranda Pereira, (org). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p. 7 21 ELIAS, Nobert. Mozart, sociologia de um gênio. Organizado por Michael Schöter. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. 22 RAYNOR, Henry. História social da música: da idade média a Beethoven. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. 23 SHEPHERD, John. Towards a sociology of musical styles. In: Lost in music: culture, style and the musical event. WHITE, Avron Levine et all. Londres, Nova Iorque: Routledge & Kegan Paul, 1987 24 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. p. 201.

11

básicas necessárias e necessariamente ligadas aos planos de realidade social que

apreendem25. Destarte, apresenta como fundamental a análise das relações entre o campo a

ser estudado e o campo do poder, bem como a análise de sua estrutura interna e seus

mecanismos de legitimação. Analisamos assim, a partir do pensamento de Bordieu, as

relações da sociedade dos músicos e de seus lugares de prática com o poder estabelecido e

sua evolução no transcurso do tempo. As disputas por aportes financeiros e simbólicos

ressaltavam a interferência do Governo no cotidiano das instituições ao mesmo tempo em

que revelavam as buscas de organização, codificação e autonomia deste segmento social.

No que concerne à análise da estrutura interna da sociedade dos músicos e suas

concorrências por legitimidade26, observamos os conflitos de definição que marcam este

segmento, através de seus princípios fundadores e das estratégias de manutenção e

sustentação destes, garantidas na criação de mecanismos de imposição de uma definição

legítima de músico: o monopólio do poder de consagração27. Igualmente importante, foi a

necessidade de dar atenção às disputas por posições de prestígio e marcas de distinção que

conferiam o poder de determinar o pertencimento ou não a este segmento social.

O estudo da sociedade dos músicos careceu de um olhar mais específico sobre a

constituição da nacionalidade brasileira em suas articulações com o Estado e com os

espaços de produção cultural por ele subvencionados. Assim, como referencial sobre a

sociedade brasileira do séc. XIX recorremos a autores como José Murilo de Carvalho,

Maria Teresa Chaves de Melo, Manoel Salgado Guimarães, Ilmar Rohloff de Mattos e

Robert Rowland.

Rowland28, em seu artigo Patriotismo, povo e ódio aos portugueses: notas sobre a

construção da identidade nacional no Brasil independente, ofereceu-nos dados para

pensarmos sobre a idéia da construção da nação baseada em um projeto de civilização,

onde a elite imperial brasileira procurava cultivar a imagem de uma civilização européia

transplantada para a América tropical. Esta civilização, agregada de valores “americanos”,

seria edificada e afirmada através do Estado e da Coroa. 25 BORDIEU, Pierre. As regras das artes: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das letras, 1996. p. 243. 26 Idem. Ibidem. 27 Idem. Ibidem. p. 253. 28 ROWLAND, Robert Rowland. Patriotismo, povo e ódio aos portugueses: notas sobre a construção da identidade nacional no Brasil independente. In Istvan Jancó: Brasil. Formação do Estado e da Nação. São Paulo: Hucitec, 2003. P. 365-388.

12

Ilmar Rohloff de Mattos, em seu elucidativo texto Do Império do Brasil ao Império

do Brasil29, observa que a construção do Império do Brasil – e aqui se remete não ao

projeto de Império luso-americano – implicava a própria constituição da Nação. Esta

constituição se estabeleceria no rompimento com idéias geradas pela colonização, na

difusão de valores, signos e símbolos imperiais, na elaboração de uma língua, de uma

literatura e de uma história nacionais. O Império empreende uma expansão para dentro30,

indo ao encontro dos brasileiros que forjava. Neste sentido, Manoel Salgado Guimarães, em

seu artigo Nação e Civilização nos Trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

e o Projeto de uma História Nacional, ampliou nossos subsídios de entendimento da ação

do Estado corporificada em espaços distintos de difusão de conceitos, signos e valores que,

segundo o autor, são indicativos da utilização de tradições intelectuais muito precisas. 31

José Murilo de Carvalho, em A construção da Ordem e Teatro de Sombras32, nos

oferece elementos para a compreensão das vicissitudes políticas inerentes à constituição do

Estado nacional brasileiro e o conseqüente amoldamento da elite política no Brasil a esta

ordem. Os elementos dispostos para a compreensão da relação entre elite e Estado foram

de importância primordial para a realização da nossa pesquisa.

Para um melhor entendimento das relações estabelecidas entre a sociedade dos

músicos e a ordem republicana recorremos a alguns conceitos básicos que serviram de

norte para nosso trabalho. O primeiro destes, quem nos lega é Celso de Castro33, e versa

sobre o espírito cientificista que movia uma geração de militares, responsável pelas ações

que desencadeariam no novo sistema de governo. Ao citar, além de Comte, os diversos

autores que influenciavam o pensamento dessa geração, como Spencer, Darwin, Haeckel,

Büchner, Vogt, Moleschott e Huxley, Castro identifica a transformação do positivismo no

29 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Do império do Brasil ao Império do Brasil. Texto apresentado pelo autor na Disciplina História e Idéias. Prof. Marco Pamplona e Don Doyle. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 1º semestre de 2004. 30 Grifo do autor. 31 GUIMARÃES. Manoel Luiz Salgado Guimarães. Nação e Civilização nos Trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 1, 1988. P.5-27. 32 CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro das sombras: A política imperial. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2003. 33 CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.

13

cientificismo, deixando na maioria dos casos, de representar uma proposta de sistema, para

se tornar uma atitude34. Assim, diz o autor: O mais importante para os jovens "científicos" não eram filigranas doutrinárias, e sim o espírito geral dessas doutrinas. Se havia diferenças entre os autores, estas eram minimizadas por aquilo que afirmavam em comum: a fé no progresso e na posição de destaque devida à ciência. 35

Desta forma, apresenta-se a ciência vinculada à idéia de transformação social. Este

discurso emergia em um grupo social urbano e ilustrado, formado por pequenos

proprietários, profissionais liberais, jornalistas, professores e estudantes que na dinâmica da

sociedade escravista e rural, sufocava-se diante da prevalência do prestígio em detrimento

do mérito. A instituição de um sistema que invertesse essa ordem poderia significar a

possibilidade de acesso ao reconhecimento social.

O modelo desse sistema que mais se adequava aos interesses deste segmento,

segundo José Murilo de Carvalho, era a versão positivista da República, visto que sua

oposição centralizava-se no regime monárquico e não na presença de um Estado forte e

centralizado: (...) a idéia de ditadura republicana, o apelo a um executivo forte e

intervencionista, servia bem a seus interesses. Progresso e ditadura, o progresso pela ditadura, pela ação do Estado, eis aí um ideal de despotismo ilustrado que tinha longas raízes na tradição luso-brasileira, desde os tempos pombalinos do século XVIII. 36

Assim, chegamos à construção exposta por Maria Tereza Chaves de Melo37 de uma

Republica consentida. Este consentimento, segundo a autora, perpassa por um longo

caminho de remodelação da forma discursiva “romântico-liberal-hierárquica” do Império,

através da linguagem cientificista e sua conseqüente elaboração simbólica38. Tratava-se de

apresentar a República como cultura democrática e científica, vinculando a esta o

progresso, a ciência e a valorização do mérito, em oposição a um regime monárquico

vinculado ao atraso, à teologia e à manutenção de privilégios.

34 Idem. Ibidem. P. 72. 35 Idem. Ibidem. P. 73. 36 CARVALHO, José Murilo de. Pontos e Bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. p. 95. 37 MELO, Maria Teresa Chaves. A República Consentida: cultura democrática e cientifica do final do Império. Rio de Janeiro: Editora FGV: Editora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Edur), 2007. 38 Idem. Ibidem. p. 11.

14

Deste modo, atrelava-se à República a idéia de única opção para a vivência de uma

democracia legítima, onde a noção de distinção social advinha do mérito e o do talento. A

dicotomia privilégio e atraso versus talento e progresso foi de grande força persuasiva,

afirma a autora, graças às visualizações de fácil compreensão popular utilizadas em

periódicos como a Revista Ilustrada. 39

Entretanto, se houve uma conformação do povo a modernidade das idéias

republicanas40, não houve uma conformação do novo regime ao povo. Explica José Murilo

de Carvalho: Mais que indiferente, a modernidade era alérgica ao povo brasileiro. As

teorias racistas, consideradas avanços da ciência, difundiam a descrença na capacidade da população negra e mestiça para a civilização. (...) A República foi particularmente hostil aos negros e mestiços que formavam a maior parte das populações de Canudos, do Contestado, e mesmo das classes populares do Rio de Janeiro. Uma das primeiras ações do novo governo foi prender e exilar os capoeiras. 41

Assim, observamos que a República se conforma sobre idéias postuladas a partir de

um imaginário que envolvia ciência, mérito, democracia. Porém suas ações indicam a

ausência do popular e a presença das antigas distinções sociais erguidas sobre novas bases.

A Questão Cavalier, ponto de partida de nossa pesquisa é uma série documental

encontrada no Arquivo Nacional, que transpassa os anos de 1890 a 1911, e é composta de

representações endereçadas a Ministros e até ao Presidente da República; ofícios; avisos;

informações; despachos de altas autoridades que traduzem de maneira simbólica as tensões

que se estabeleciam na sociedade dos músicos na passagem da monarquia para o regime

republicano.

Para podermos dimensionar estas relações e o que representava a documentação da

Questão Cavalier, fez-se necessário entrecruzar a trajetória deste músico com o segmento

social ao qual estava inserido e seus lugares de atuação musical. Assim, a esta

documentação específica, juntamos outras que abrangem a organicidade dos lugares de

prática musical; a atuação do Estado nestas espacialidades, bem como a produção artística

aí realizada. 39 Idem. Ibidem. p. 181. 40 Diz Maria Teresa: “A República já estava na forma da difundida cultura democrática e cientificista, consciente ou inconscientemente. Uma população conformada.” MELO, Maria Teresa Chaves. Op. Cit. p. 231. 41 CARVALHO, José Murilo de. Pontos e Bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. p. 120.

15

Assim, sobre o Conservatório de Música, encontramos no acervo do Museu D. João

VI importantes registros, como livros de atas, ofícios, cartas, relatórios, etc., que nos

permitem entrar no cotidiano deste que foi um dos lugares de atuação da sociedade dos

músicos e em particular de Cavalier Darbilly. Na Biblioteca Nacional encontramos

documentação complementar envolvendo agentes e instituições, assim como periódicos que

nos auxiliam na análise da recepção e na representação destes. Entre os periódicos

consultados, destacamos o Almanak Laemmert, publicação anual que circulou na Corte do

Império entre os anos de 1844 e 1889; o periódico Vida Fluminense onde encontramos

referências primorosas sobre a intensificação das representações de Mágicas a partir de

1870; e os periódicos O Paiz e o Jornal do Comércio, fontes fundamentais para mapear as

atuações e tensões da “sociedade dos músicos”.

Sobre o Instituto Nacional de Música e seus agentes encontramos no Setor de

Documentos Históricos da Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ

os livros de Atas de Congregação (livros I e II), que compreendem o período entre 1890 a

1926, além de correspondências, relatórios, ofícios e outros documentos que fornecem

informações sobre a organicidade da instituição, bem como alguns dados relacionados à

Questão Cavalier.

Para compreendermos a abrangência da atuação do Estado nas instituições culturais,

recorremos aos Relatórios do Ministério dos Negócios do Império; do Ministério da

Justiça; dos Presidentes de Províncias, bem como suas Falas endereçadas às Assembléias

provinciais. De igual forma recorremos a decretos, avisos e decisões oficias do Governo

ligados aos lugares e práticas musicais.

Estas fontes despertam questionamentos em sua natureza e objetivo. Em sua grande

parte composta de documentos oficiais, carregam em si a dubiedade de falarem do

indivíduo que as produz, e da representação tendenciosa de seus intentos. Esta ambigüidade

pode ser exemplificada na série de documentos escritos por Darbilly, onde era necessária a

fixação do seu argumento em torno da injustiça que havia sofrido e das qualidades de seus

lugares de prática musical. Por outro lado, cabia a quem respondia às acusações

desconstruir argumentos e ao mesmo tempo valorizar a ordem recém-instaurada. As

tensões são claramente reveladas na interposição destes documentos, que, analisados

isoladamente, podem conduzir a armadilhas em sua estrutura de significação. Da mesma

16

forma, a documentação oficial do Estado pode levar a uma supervalorização de sua

atuação, cabendo ao pesquisador o rigor da análise contextual para poder definir de maneira

mais apurada a dimensão desta ação.

Os periódicos consultados devem ser pensados em sua potencialidade, com a

observância de seus aspectos originais, como a que público se destinava, quem publicava,

quem escrevia, etc. Assim, é necessário, em um trabalho que pretende discutir música,

músicos e sociedade, a averiguação das fontes no que concerne à sua estrutura de

significação, à configuração de sua base social e à importância e pertinência do objeto

proposto. Com esta finalidade, utilizamos a proposta metodológica de Pierre Bourdieu

explicitada em sua obra Regras das Artes. 42

Bourdieu pondera que para uma ciência social que tenha como objeto uma produção

cultural são necessárias três operações43, que traduzidas para o nosso propósito,

apresentaram-se da seguinte forma: análise das relações da sociedade dos músicos com o

poder estabelecido, através de seus lugares de prática musical; análise de suas estruturas

internas e de seus embates em torno do direito de determinar quem pertence ou não ao

segmento; análise das práticas e conhecimento produzidos refletidos, ou não, em suas

opções estilísticas e formais.

Trilhando esse caminho, esperamos ter-nos aproximado de uma História Social da

Música, não restrita à análise dos sons, mas apta a discutir dialeticamente as possíveis

conexões autor/obra/patrocinador/intérprete/público. Atentos à condição social dos

indivíduos, ligados por dependências recíprocas, claras ou obscuras, que formam sua

personalidade e moldam suas construções, esperamos ter contribuído para desvelar mais

sobre esta espacialidade sócio-cultural, a “sociedade dos músicos”.

42 BOURDIEU, Pierre. Op. Cit. 43 Idem. p. 243

17

Capítulo 1

– A QUESTÃO CAVALIER – Nós entramos em uma época brilhante de prosperidade, de vida e

progresso, e o artista brasileiro conta hoje com o apoio do governo republicano, esclarecido bastante para compreender que o adiantamento de um povo se aquilata pelo seu progresso nas belas-artes. 1

Em seu relatório sobre o primeiro ano de funcionamento do Instituto Nacional

de Música, Leopoldo Miguez festejava a nova era de progresso e prosperidade que a

República trazia. Entronizado como dirigente do estabelecimento musical mais

importante do novo governo, não faltavam motivos para o otimismo exagerado que

demonstrava em suas palavras. O mesmo não aconteceria para Cavalier Darbilly.

A chegada da República para este representou o seu afastamento como docente

do prestigiado Instituto de Música, e o começo de uma longa trajetória de tentativas em

quebrar o impedimento imposto por Leopoldo Miguez ao antes influente professor do

Conservatório de Música do Império. O que poderia ser entendido apenas como uma

discriminação quase natural contra um nome outrora identificado com o Império,

apresenta-se no desenrolar da documentação da Questão Cavalier como algo mais além.

Entreveros pessoais, questionamento de méritos, de métodos e de qualidade profissional

atravessam esses papéis e denunciam uma complexidade nesta postura impeditiva, que

transborda para a própria tensão estabelecida com a adoção de ideais cientificistas na

missão que se auto-atribuíram os novos líderes da “sociedade dos músicos”.

Desta forma, podemos perceber através desta luta por um espaço de prestígio a

própria consolidação de um espaço social e suas atribuições estéticas, doutrinárias e

metodológicas. O impedimento a Cavalier não se resumiria, assim, ao impedimento

imposto a um indivíduo, mas ao que se representava nas práticas e no prestígio

alcançado por este, em seu percurso como artista e como professor.

1 BRASIL. Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Relatório do Diretor do Instituto Nacional de Música Leopoldo Miguez, relativo ao ano de 1890. Documento anexo ao Relatório apresentado pelo Dr. João Barbalho Uchoa Cavalcanti ao Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil, em maio de 1891. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891.

18

O governo republicano foi ágil em organizar o que seria a sua instituição oficial

destinada ao ensino da música. Apenas quinze dias após a proclamação do novo regime,

o Ministro do Interior Aristides Lobo (1838-1896), convoca uma comissão para cuidar

da reorganização da Academia de Belas Artes e do Conservatório de Música. Para esta

finalidade foram convidados Rodolfo Bernardelli2, Rodolfo Amoedo3, Leopoldo

Miguez, Alfredo Bevilacqua4 e José Rodrigues Barbosa.

Este último era o elo entre os novos líderes da sociedade de músicos e o governo

republicano. Músico amador, comerciante, amigo do nomeado Ministro do Interior,

José Rodrigues Barbosa foi a influência que viabilizou a criação do Instituto Nacional

de Música e a nomeação de Leopoldo Miguez como seu diretor. Conta Rodrigues

Barbosa5 que no dia 30 de novembro o Ministro do Interior mandou expedir o seguinte

memorando a cada membro escolhido: 2ª Diretoria da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior, 30 de novembro de 1889. O Sr. Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Interior resolveu nomear-vos para, com Leopoldo Augusto Miguez, Alfredo Bevilacqua, Rodolfo Bernardelli e Rodolfo Amoedo, elaborardes um projeto de reforma da Academia de Belas Artes e do Conservatório de Música, com a audiência do respectivo diretor, ao qual deve a comissão solicitar-lhe comunique as idéias que ao dito funcionário sugerir o assunto; e recomenda à referida comissão que, logo que possa, se informe do prazo que considere necessário para tal fim, e com ela se entenda a respeito das reuniões que terá de celebrar; do que vos dou conhecimento para os devidos efeitos. Saúde e fraternidade. Sr. José Rodrigues Barbosa. O diretor, B. J. Coelho. 6

Na primeira reunião desta comissão, acordaram seus membros que esta se

dividisse em duas, uma responsável pela Academia de Belas Artes e outra pelo

Conservatório de Música. Com a aprovação do Ministro, sacramentava-se a divisão

entre as duas instituições. Os trabalhos não foram demorados, e em 12 de janeiro de

1890 era publicado o decreto nº. 143, que extinguia o antigo Conservatório de Música e

criava o Instituto Nacional de Música, para o qual eram transferidos todos os bens 2 Rodolfo Bernadelli nasceu na cidade de Guadalajara, México, em 1852, e faleceu em 1931 no Rio de Janeiro. Professor de escultura estatuária na Academia Imperial de Belas Artes, foi nomeado diretor da Escola Nacional de Belas Artes após as reformas realizadas pelo governo republicano na antiga Academia. 3 Rodolfo Amoedo (1857-1941). Pintor e decorador, professor honorário da Academia Imperial de Belas Artes, ocupou o cargo de vice-diretor na Escola Nacional de Belas Artes. 4 Alfredo Bevilacqua (1887- 1959). Pianista e compositor carioca estudou na Itália, Áustria e França, sendo nomeado professor catedrático de piano por Leopoldo Miguez no Instituto Nacional de Música. 5 INSTITUTO NACIONAL DE MÚSICA. BARBOSA, José Rodrigues. Instituto Nacional de Música. In: Notícia histórica dos serviços, instituições e estabelecimentos pertencentes a esta instituição, elaborada por ordem do respectivo ministro Dr. Amaro Cavalcanti. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1898. Cap. XXIV. Biblioteca Alberto Nepomuceno. Setor de Documentos Históricos. 6 Idem. Ibidem.

19

materiais do extinto Conservatório. A data não poderia ser mais simbólica: era

aniversário de Rodrigues Barbosa, artífice das negociações que viabilizaram a criação

do novo local privilegiado de ensino musical da República.

Concomitantemente às suas articulações em torno da criação do Instituto,

Rodrigues Barbosa foi o responsável pela idealização de um concurso para a escolha do

novo hino nacional, em substituição ao antigo, de autoria de Francisco Manuel da

Silva7. O concurso foi lançado em 22 de novembro de 1889 e para ele se inscreveram

vinte e nove compositores, esperançosos de terem seus nomes imortalizados como

músicos das glórias republicanas.

Entre os inscritos destacavam-se os nomes de Kinsmann Benjamin (1853-1927),

Jerônimo de Queiroz (1857- 1936), Francisco Braga (1868-1945), Alberto Nepomuceno

e Leopoldo Miguez. A iniciativa despertou no crítico musical do periódico O Paiz,

Oscar Guanabarino (1851-1937), uma incisiva posição contrária, apontando com ironia

a relação entre o idealizador do concurso e Miguez. Foi encerrado o concurso estabelecido pelo cidadão Ministro do interior, para a composição do novo hino nacional brasileiro. Para a poesia não houve concurso, mas apenas escolha do honrado cidadão que dirige os negócios da arte, escolha que recaiu sobre a produção de um distinto poeta republicano – é lógico que para a composição musical também se podia dispensar o concurso. Neste caso, seria comissionado pelo governo um musico capaz (...). Leopoldo Miguez aceitaria essa honrosa incumbência, e o novo hino seria escrito pelo autor da ode sinfônica A Parisina, da grande sinfonia em si bemol e da marcha elegíaca intitulada Camões. 8

Decidido a interromper esta tentativa de criação de um novo hino nacional,

Guanabarino utiliza a estratégia de identificar o antigo hino com a pátria,

desvinculando-o da monarquia, ou mais ainda, da figura do monarca. Para o crítico,

mesmo que se oficializasse a escolha de um novo hino, este nunca seria reconhecido

pelo povo e sugeria que se houvesse de ser escolhido algum, que esse fosse oficializado

como o hino da República. Ao final lançava uma constrangedora questão ao chefe do

Governo Provisório: (...) Tínhamos três hinos: o de D. Pedro I; o da Independência e o Nacional Brasileiro. Este último nunca foi considerado pelo povo como hino do ex-imperador. Era o hino nacional e a ele está associada a idéia de pátria.(...) Adotado outro hino, seria oficial, mas para o povo hino nacional seria sempre o mesmo.(...) O novo, ser for adotado algum, deve ser o hino da republica, mas o antigo deve ser e será o hino nacional brasileiro. Apelamos para o chefe do governo provisório, a quem perguntamos:

7 Em 1888, o republicano Silva Jardim havia lançado um concurso que resultou na escolha de um hino composto por Ernesto Souza, com letra de Medeiros e Albuquerque. 8 O Paiz. Sábado, 4 de janeiro de 1890. Ano VI. Nº. 1915.

20

-Marechal, nos campos do Paraguai, quando a frente das colunas inimigas, a vossa espada conquistava os louros da vitória, e as bandas militares tangiam o Hino Nacional, qual era a idéia, o nome que acudia a vossa mente no instante indescritível do entusiasmo – a pátria ou o imperador? Decidi, portanto, digno cidadão, de acordo com a resposta de vossa consciência. 9

No dia 16 de Janeiro de 1890, nas páginas de O Paiz, um cronista exultante

relatava que, em meio à solenidade que reuniu a Marinha e o Exército em torno do

contra-almirante Wandenkolk (1838-1902) e do Marechal Deodoro da Fonseca (1827-

1892), Serzedelo Corrêa (1858-1932) pediu ao Governo, como “homenagem ao nosso

passado de glórias nos campos das batalhas, aos nomes dos heróis que vivem na nossa

memória, em nome de toda a nação, que o hino nacional fosse considerado o da pátria,

porque ele nunca foi o hino da monarquia”10. O pedido foi aceito e o concurso mantido,

mas agora para a escolha do hino da República. Guanabarino festejou sua conquista,

mas em tom discreto. Afirmava nas páginas de O Paiz que a vitória tinha sido da

opinião pública, e que ele era um mero “despertador” de um sentimento que “estava na

alma de todos”, portanto não havia vencidos, porque “triunfou o direito”. 11

Com este novo objetivo, no dia 20 de Janeiro realizou-se o concurso, tendo

como jurados Carlos de Mesquita (1864-1953), Alfredo Bevilacqua, Frederico

Nascimento (1852-1924), Inácio Porto Alegre (1854-1900) e Miguel Cardoso (1850-

1912). Todos estes haviam sido nomeados por Leopoldo Miguez, através de portaria do

dia 18 de Janeiro de 1890, professores do Instituto Nacional de Música, o que lançava

grandes suspeitas sobre a isenção do corpo de jurados 12. Como bem se sabe, Leopoldo

Miguez foi o grande vencedor do concurso, tendo sua composição, com a letra de

Medeiros e Albuquerque, imortalizada como o Hino da República. A indicação de

Miguez como diretor do Instituto e a tentativa de consagrá-lo como autor de um novo

hino nacional brasileiro demonstram o prestígio que este gozava ante a nova liderança

republicana.

Rodrigues Barbosa, ao discorrer sobre a criação do Instituto, realça as

características necessárias daquele que viria a ser o dirigente desta instituição: (...) era necessário colocar à sua frente um homem que, além de competência incontestável, oferecesse ao governo certas garantias de

9 Idem. Ibidem. 10 O Paiz. Quinta-feira, 16 de janeiro de 1890. Ano VI. Nº. 1927. 11 O Paiz. Sexta-feira,17 de janeiro de 1890. Ano VI. Nº.1928. 12 BRASIL. Ministério da Instrução Pública Correios e Telégrafos. Relatório do Diretor do Instituto Nacional de Música. Documento anexo ao Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. João Barbalho Uchôa Cavalcanti, em maio de 1891. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891.

22

primeiras ações do Ditador Miguez. A primeira parte é dedicada a louvores ao sábio e

patriótico governo republicano que, através dos ministros Aristides Lobo e Benjamin

Constant (1836-1891), soube apoiar a instituição que já podia “apresentar resultados

proveitosos e a bem compensar todos os sacrifícios que têm sido pedidos ao Estado”. 17

Em seguida, sintomaticamente, apresenta seu projeto de criação do Ginásio

Militar. Este projeto, apresentado ao Ministro da Guerra, Benjamin Constant, em maio

de 1890, visava a criação de um novo estabelecimento, anexo ao Instituto, destinado ao

“ensino e organização das músicas de nosso exército”. Pretendia, assim, uniformizar as

bandas e fanfarras desta corporação, melhorando as “condições desta classe do nosso

exército, sempre esquecida pelas reformas”. 18

Após apresentar alguns detalhes sobre as condições físicas do Instituto, Miguez

se detém sobre um assunto digno de um músico que possui uma visão científica19 de

seu objeto. Anunciava ter mandado adotar, para o grande órgão a ser instalado na sala

de concertos do Instituto, o diapasão20 de 870 vibrações simples, utilizado nos grandes

centros como a França, Bélgica, Áustria e Alemanha, e destacava a importância de ser

adotado com urgência, por lei, este padrão para todo o país: No nosso país nunca se cuidou em semelhante necessidade; e daí o uso de diapasões diferentes e extraordinariamente altos, que trazem como conseqüência a impossibilidade de conseguir-se afinação nas nossas orquestras e como resultado sérias dificuldades para os nossos cantores, que lutam por alcançar diapasão muito elevado e só conseguem arruinar a voz, em um clima como o nosso, onde tão raramente aparece uma que seja notável. 21

Para esta decisão, Miguez se baseou no relatório apresentado por uma comissão

instituída pelo Governo francês, em 1858, e formada pelos mais representativos músicos

da época, como Berlioz, Ambroise Thomas, Meyerbeer, Auber, Halévy e Rossini. Nas

recomendações apontadas por esta comissão destacam-se a utilização do diapasão de

17 BRASIL. Ministério da Instrução Pública Correios e Telégrafos. Relatório do Diretor do Instituto Nacional de Música. Documento anexo ao Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. João Barbalho Uchôa Cavalcanti, em maio de 1891. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891. 18 Idem. Ibidem. 19 Observamos este tratamento científico que Miguez destina à música em suas preocupações para além das atividades meramente práticas, como a discussão em torno do estabelecimento de um diapasão, com o objetivo de dotar a afinação praticada no Brasil de um padrão geral; a sua ação em torno da criação do Museu do Instituto Nacional de Música, que seria em seu projeto um centro de referência e pesquisa para músicos e musicólogos nacionais. 20 Aqui Miguez não está se referindo ao aparelho diapasão, que segundo o Grove é um tipo de instrumento que fornece uma ou mais alturas sonoras determinadas, ma

23

870 vibrações por segundo e a determinação em ser utilizada esta referência em todos os

teatros, escolas e outros estabelecimentos musicais. Deste modo, o Governo francês,

através de decreto datado de 16 de fevereiro de 1859, normatiza essa utilização. Este

decreto é transcrito por Miguez em seu relatório, com a clara intenção de sua utilização

como base de uma ação do Governo nesta direção. Tal medida, somente poderia

encontrar eco no ambiente ilustrado da República, pois como explica o diretor: Não valeria à pena, de certo, pugnar por uma medida de necessidade urgente como esta para este ramo da arte no tempo do regime decaído. Encolheriam os ombros os homens públicos, e pensariam que era desnecessário legislar sobre estas coisas, que julgavam futilidades a par da lavoura, do comércio e da política local. 22

Somente naquele momento, de uma época brilhante de prosperidade, de vida e

de progresso, como proclama o Ditador, tínhamos um Governo esclarecido o bastante

para compreender que o “adiantamento de um povo se aquilata pelo seu progresso nas

belas-artes”23. Um velho mote, para os novos tempos!

Ainda neste aspecto cientificista, o diretor anuncia suas ações em direção à

constituição de uma biblioteca, do arquivo e do Museu do Instituto. Este Museu, obra

cara ao Diretor, destinado a abrigar uma coleção de instrumentos de diversas origens,

seria o local onde os artistas brasileiros poderiam se dedicar ao estudo e comparação dos

progressos na arte de sua fabricação, nas modificações executadas no país e no

estrangeiro e na sua utilização entre diferentes povos. 24

Seguindo sua linha de reformador, de legislador da nova realidade que cerca as

atividades musicais da República, Miguez lança mais uma proposta. Expunha ao

Governo a necessidade de unificar o ensino teórico elementar da música, em todo o

país, ou pelo menos na capital federal. Neste sentido, afirmava que, sendo o Instituto o

estabelecimento modelo de ensino musical, todas as escolas deveriam obedecer a seu

programa e método de ensino elementar, eliminando as insuficiências dos compêndios

utilizados e a “opinião controversa dos professores”. 25

Assim, Miguez impunha novos padrões à prática musical, ao ensino e, sobretudo

dirimia opiniões controversas que ameaçassem seu projeto cientificista. Tendo

postulado sobre as bases da atuação de seu campo, faltava anunciar os eleitos para

auxiliá-lo nesta guerra infrene, para usar mais uma vez as palavras de Rodrigues

22 Idem. Ibidem. 23 Idem. Ibidem. 24 Idem. Ibidem 25 Idem. Ibidem.

24

Barbosa. Entre as diversas atribuições do diretor, que Miguez fizera constar nos

estatutos do Instituto, estava a de designar para aprovação do Governo os professores

que comporiam o quadro da instituição. Na lista divulgada pela portaria de 18 de

janeiro, havia cinco professores egressos do antigo Conservatório: Duque-Estrada

Meyer (flauta); João Rodrigues Côrtes (solfejo); José Lima Coutinho (clarinete); Carlos

de Mesquita (harmonia) e Henrique Alves de Mesquita (trompa e congêneres). Entre os

novos, constava Alfredo Bevilacqua (piano); Frederico Nascimento (violoncelo);

Francisco Pereira da Costa (violino); Ignácio Porto Alegre (solfejo) e Miguel Cardoso

(solfejo). 26

A ausência que ressoava era a de Cavalier Darbilly. Assim, em 20 de fevereiro

de 1890, Cavalier representa ao Ministro do Interior contra a “manifesta injustiça que

sofreu por parte da comissão encarregada da reforma do Conservatório”27. O termo

empregado – reforma – é o ponto essencial na argumentação apresentada pelo artista.

Este princípio seria também utilizado na Representação levada ao Ministro do Interior

por grupo de alunas do Conservatório. Em 24 de fevereiro de 1890, organizadas em

uma comissão, 18 alunas da classe de piano endereçam ao Ministro do Interior um

documento onde lamentavam que na reorganização do Conservatório fossem excluídos

os professores de piano, Cavalier Darbilly e Arnaud Duarte Gouvêa. 28

Em sua Representação, Cavalier tentou provar que sendo professor concursado

tinha direito adquirido à vaga de professor do Instituto. Baseava-se para esse intento na

idéia de ser o Instituto uma prolongação do antigo Conservatório, e seu não

aproveitamento um vilipêndio ao direito à vitaliciedade inerente ao cargo exercido

neste. Inicia sua argumentação relatando que após seu retorno de Paris, em 1872, onde

foi graduado no Conservatório daquela cidade, obtendo distinção e vários prêmios,

ofereceu-se ao Governo para criar a aula de piano, até então inexistente naquela

instituição. Aceito o oferecimento, em 1873, inicia suas atividades de professor,

lecionando gratuitamente, três vezes por semana, duas horas por dia durante dez anos.

26 Em seu relatório de 1891, Miguez informa que em março esta lista havia sido acrescida de novos professores, bem como a morte de Francisco Pereira da Costa, substituído por Vincenzo Cernicchiaro e a exoneração de seu amigo Carlos de Mesquita, por estar envolvido em um processo de ofensa a moral pública. Idem. Ibidem. 27 Representação apresentada por Carlos Severiano Cavalier Darbilly à Secretaria de Estados e Negócios do Interior em 20 de Fevereiro de 1890. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. 28 Representação ao Sr. Ministro do Interior apresentada por uma comissão de alunas. 24 de fevereiro de 1890. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.

25

Neste período, negócios de família o obrigaram a abandonar o lugar durante dez meses,

findos os quais voltou a reger a aula de piano nas mesmas condições.

Esta situação se manteve até o ano de 1881, quando, após as reformas nos

estatutos do Conservatório, obrigaram-no a submeter-se a um concurso para sua

efetivação como professor catedrático da aula de piano. Aprovado, em 1883, o Governo

Imperial decreta sua nomeação. Além da aula de piano, Cavalier informava ter exercido

interinamente o lugar de professor da 1ª aula de piano por seis anos; o de professor de

canto durante dois anos; e a de harmonia durante a ausência do professor Carlos

Mesquita. 29

Nos serviços prestados e no concurso, Cavalier depositava sua confiança em ter

direito adquirido e, por conseqüência, direito a ser contemplado na reforma do

Conservatório. Entretanto, a comissão organizadora, nas palavras do artista, “ignorou

completamente e em absoluto” estes direitos, propondo ao Governo a contratação de

outro para seu lugar com o “exorbitante ordenado de 2:400$000 e gratificação de

600$000 anuais, quando o suplicante apenas percebia 1:000$000 anuais de ordenado e

gratificação”. 30

Pela ênfase dada ao elemento “ordenado”, percebe-se que tão grave quanto

ignorar seus direitos era ter-se contratado outro professor com um salário acima do que

por tantos anos havia recebido. Era a perda simultânea do valor simbólico que

representava sua não inclusão entre os meritórios artistas da República, e a

desvalorização material de seu trabalho de magistério.

Após essa parte relativa a sua qualificação e demonstração de seus direitos

usurpados, Cavalier parte ao ataque em relação às reformas efetivadas no ex-

Conservatório. Estas seriam mais ilusórias do que reais, afirmava, posto que de acordo

com o quadro que desenhara – reproduzido a seguir – provava não ter havido nenhuma

inovação técnica ou de melhoramento no ensino:

29 Representação apresentada por Carlos Severiano Cavalier Darbilly à Secretaria de Estados e Negócios do Interior em 20 de Fevereiro de 1890. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. 30 Idem. Ibidem. Sintomaticamente, na Representação apresentada pelas alunas do Conservatório a mesma argumentação é utilizada, acrescida de uma pitoresca sugestão: “No antigo Conservatório havia três professores (de piano), ao passo que agora só há um com ordenado e gratificação superiores à soma do que ganhavam os três. Feita a redução no ordenado, com os mesmos vencimentos agora marcados para um professor poderão continuar três, lucrando com isso o ensino”. Representação ao Sr. Ministro do Interior apresentada por uma comissão de alunas.. 24 de fevereiro de 1890. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.

26

Havia no Conservatório Há no Instituto 3 aulas de solfejo 3 aulas de solfejo 3 aulas de piano: 2 de teclado, 1 de aperfeiçoamento.

1 aula de piano: Sendo 1ª supr. E mais 2 adjuntos

1 aula de canto 1 aula de canto 1 aula de rabeca 1 aula de violino 1 aula de violoncelo 1 aula de violoncelo 1 aula de contrabaixo 1 aula de contrabaixo 1 aula de flauta 1 aula de flauta 1 aula de clarineta 1 aula de clarineta 1 aula de trompa e instrumentos de metais

1 aula de trompa

1 aula de Harmonia e contraponto 1 aula de Harmonia e contraponto

Deduzia da comparação deste quadro que, excluídas as aulas de órgão,

composição, harpa, oboé e estética, que foram indicadas para serem criadas a posteriori,

todas as outras aulas já existiam no antigo estabelecimento, o que tornava o Instituto,

artisticamente, uma continuação do extinto Conservatório. De igual forma, acusava a

comissão organizadora de não cuidar em absoluto do progresso da arte e da difusão da

música. Respaldava sua opinião no fato de que os novos estatutos da instituição

restringiam o número de alunos, enquanto no Conservatório este número era ilimitado.

Se houve reforma, finalizava, “foi só nos vencimentos e na criação de lugares, alguns

dos quais são por enquanto supérfluos”. 31

Exposto seus argumentos, Cavalier acreditava ter “claramente” provado que a

Comissão, “valendo-se do sofisma ocasionado pela significação da palavra Extinção”

agira de má fé em sua exclusão da nova instituição. Por isso, pedia ao Ministro a

reintegração ao lugar que ocupava no extinto Conservatório de Música.

A resposta a este documento é dada por Leopoldo Miguez através de uma

Informação requisitada pela Secretaria Geral do Ministério dos Negócios do Interior ao

diretor do Instituto Nacional de Música. Datado de 29 de Março de 1890, este

documento é um verdadeiro libelo destinado a denegrir o antigo Conservatório e seus

professores, bem como os artistas ligados à instituição. Entre os atingidos pela

ferocidade do ditador, encontrava-se Carlos Gomes (1836-1896) qualificado como um

compositor “cujos trabalhos deixam muito a desejar”. 32

31 Idem. Ibidem. 32 Informação do Diretor do Instituto Nacional de Música, Sr. Leopoldo Miguez ao Ministro do Interior Dr. José Cesário de Faria e Alvim. 29 de Março de 1890. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. Neste documento, Miguez responde também as Representações de Arnaud Duarte Gouvêa (1865-1942) e Leonor Tolentino, que, como Cavalier, não foram incluídos na nova instituição. Duarte não demoraria a ter sua posição revista, apesar das graves

27

Miguez construiu sua argumentação a propósito das deficiências do método de

ensino e da organização do antigo Conservatório, sobre o fato de que em quarenta anos

de existência o estabelecimento não teria preparado “um só discípulo”. Em sua

organização anômala, a instituição oferecia aos seus mestres um ordenado

insignificante, ocasionando que os “bons artistas”, aqueles que “possuíam alunos

particulares”, não participassem nos concursos ficando as cadeiras, com poucas

exceções, entregues aos professores “de segunda ordem”. 33

Apesar de ser referir aos concursos, o diretor fez questão de salientar não ser

partidário desta prática. Para um estabelecimento desta ordem, assevera, devem ser

“nomeados os primeiros professores, os mais distintos artistas”. Os concursos

realizados no Conservatório, onde “artistas ou professores sem mérito” avaliavam os

concorrentes, só contribuíam para a “anarquia que ali reinava”. 34

Para Miguez, esta anarquia também se manifestava nas relações “malquistas”

dos professores, no número ilimitado de alunos, na desorganização administrativa, nas

discussões travadas nos periódicos entre alunos e professores. Ou seja, “tudo era

caótico, desorganizado, sem obedecer a um plano, sem orientação, sem método, eis o

que era o extinto Imperial Conservatório de Música”. 35

Este estado era reflexo direto da “indiferença que sempre tiveram pelas belas-

artes os governos monárquicos”, o que naquele momento era contraposto com o desejo

do Governo provisório de dar às artes no Brasil “o impulso que merecem”. E é nesse

desejo que se inseria a extinção do Conservatório e a criação do Instituto Nacional de

Música. Para Miguez era claro que tendo se extinguido o Conservatório também se

extinguiam com este todos os cargos que ali eram “mal desempenhados e muito

principalmente os dos professores, únicos culpados do atraso em que se achava este

estabelecimento de ensino”36. Desta forma, deduz implacável, seria “caso virgem” que

se reformando uma instituição de ensino por não alcançar os resultados dela esperados,

“fossem conservados os mais culpados desse defeito que obrigou a reforma”. 37

Em seguida, o diretor trata diretamente da comparação entre as instituições

apresentada por Cavalier Darbilly, que, em suas palavras, só prova sua “má fé e vontade

acusações imputadas por Miguez. Sobre Leonor Tolentino, não encontramos nenhuma referência posterior. 33 Idem. Ibidem. 34 Idem. Ibidem. 35 Idem. Ibidem. 36 Idem. Ibidem. 37 Idem. Ibidem.

28

de questionar mesmo desaroadamente (sic)”. Pois o programa da nova instituição se

equiparava ao dos conservatórios de Paris, Munique e Milão, que, sendo “os mais

notáveis do mundo”, não apresentavam programa “superior ao que organizamos para o

Instituto Nacional de Música”. Deste modo, afirma Miguez: Em um prazo não muito longo eu espero, aproveitando as aptidões e as vocações que se encontram no nosso país, obter do Instituto um aluno compositor que vá provar a Europa o nosso adiantamento, provando ao mesmo tempo que, se os trabalhos de Carlos Gomes muito deixam a desejar, porque lhe faltavam os principais elementos de ensino e porque só teve a auxiliá-lo o seu talento e sua inspiração, pode-se hoje conseguir, sem sair do Brasil, adquirir-se todos os conhecimentos necessários a um compositor moderno de mérito real. 38

Depois desta desqualificação de tudo e de todos ligados ao regime Imperial, e da

demonstração da potencialidade dos novos métodos e modelos adotados sob o novo

sistema republicano, Miguez analisa com não menos veemência o caso dos três

professores não aproveitados na criação do Instituto. Em relação à Leonor Tolentino, a

questão passava somente por seus poucos méritos como professora. Mas em relação a

Duarte Gouvêa e Cavalier agregavam-se razões de outra ordem.

Duarte Gouvêa, segundo Miguez, não somente não tinha méritos para pertencer

a escola alguma, como não soubera ocupar convenientemente o seu cargo no extinto

Conservatório. Isto seria facilmente constatado através de violentos artigos publicados

nos jornais contra o professor, e por este nunca contestado, e pela exposição, na Rua do

Ouvidor, de uma carta dirigida ao pai de uma aluna onde o professor pedia determinada

quantia em troca da aprovação de sua filha.

Com relação às restrições ao nome de Cavalier Darbilly, o diretor apresenta duas

razões, expostas na seguinte ordem: (...) não só porque eram repetidas as queixas contra ele pelo seu gênio violento e atrabiliário, como principalmente, porque não conheço um único discípulo de merecimento que tivesse estudado com este professor. Na sua longa carreira de magistério o Sr. Cavalier não apresentou um único artista.39

Para o lugar que caberia a Darbilly, Miguez escolheu entre os professores de

piano o que “mais discípulos têm dado – por conseqüência o que melhor sabe ensinar”,

o “artista de sabido mérito”, “possuidor de uma escola magnífica”, de uma

“reputação bem conhecida”, o incontestável Alfredo Bevilacqua. Bevilacqua, além de

possuir todas as faculdades de um professor de mérito, também se enquadraria nas

expectativas do diretor de implantar um novo sistema de ensino de piano na instituição, 38 Idem. Ibidem. 39 Idem. Ibidem.

29

algo para o qual jamais poderia contar com Cavalier, “cujo método de ensino não

satisfaz absolutamente”. 40

Ao encerrar sua argumentação, Miguez ainda oferece uma provocação a

Cavalier. Afirmava deixar de responder a algumas acusações lançadas por este, posto

que o julgamento dos seus atos devesse ser apenas da apreciação do Ministro e do

Governo provisório que o havia honrado com a sua confiança. 41

Seguindo os trâmites burocráticos da Secretaria do Ministério dos Negócios do

Interior, a Representação de Darbilly e a Informação prestada por Miguez são

analisadas por funcionários, que apontam ao Ministro a pertinência de suas alegações,

indicando o deferimento ou não das pretensões do peticionário. Entre esses

funcionários, destaca-se Candido Augusto Coelho da Rosa, e sua interpretação do

Estatuto do Conservatório anexo ao Decreto nº. 5226 de agosto de 1881. Por esse

Estatuto, alega o funcionário, não eram vitalícios, nem tinham direito a jubilação, os

professores da antiga instituição. Assim sendo, baseado nos argumentos de Miguez

sobre a incompetência profissional de Cavalier, e nos de Candido da Rosa, a cerca da

falta de direito legal do peticionário, o indeferimento foi oficializado no Despacho do

Ministro do dia 28 de abril de 1890. 42

No ano seguinte, promulgada a Constituição de 1891 que no seu artigo 73

proibia a acumulação de cargos públicos remunerados43, criava-se assim nova

oportunidade para Cavalier Darbilly requisitar as atenções do Estado. Assim, em 21 de

março de 1891 representa ao Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, ao

qual naquele momento estava subordinado o Instituto Nacional de Música.

Argumentava Darbilly que sendo habilitado para lecionar música desde os rudimentos

até a harmonia e contraponto, “lembrava” ao Ministro o cumprimento da Constituição,

que obrigaria alguns professores, quer do Instituto Nacional de Música, quer da Escola

Normal a optar por um dos lugares. Pedia, então, ser nomeado para “preencher uma das

vagas que o derem”, “reparando” desta forma “uma injustiça que sofreu por ocasião

40 Idem. Ibidem. 41 Idem. Ibidem. 42 Despacho do Ministro. 28 de abril de 1890. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. 43 Artigo 73 da Constituição de 1891: Os cargos públicos civis ou militares são acessíveis a todos os brasileiros, observadas as condições de capacidade especial que a lei estatuir, sendo, porém, vedadas as acumulações remuneradas. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. (De 24 de Fevereiro de 1891). Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituição 91.htm. Acessado em 24 de outubro de 2007, às 20:14.

30

da organização do atual Instituto Nacional de Música, qual é de ter sido privado do seu

lugar de professor após um trabalho interrupto por mais de 16 anos”. 44

No Instituto de Música dois professores encontravam-se na situação de ter de

optar por uma posição: o de violino, Vicenzo Cernicchiaro (1858-1928) e o de solfejo,

Miguel Cardoso. Era para o lugar deste último, que Cavalier dirigia suas expectativas.

De fato, através de portarias datadas de 14 de abril de 1891, eram os dois servidores

exonerados e seus substitutos nomeados.

Mas, para o desencanto de Darbilly, o escolhido para a cadeira de solfejo foi

exatamente seu ex-aluno, aquele que há um ano havia sido qualificado por Miguez,

como o que não tinha méritos para pertencer à escola alguma, o imoral que pedia

dinheiro aos pais de alunas, o Sr. Duarte Gouvêa! Cavalier foi então nomeado professor

da Escola Normal45, mas para seu desespero a escola foi municipalizada no ano

seguinte e mais uma vez Cavalier perdia seu cargo de professor em uma instituição

pública.

Neste período intensificavam-se os ataques de Oscar Guanabarino ao Instituto e

ao seu diretor. Desafeto de Alfredo Bevilacqua, que impedia sua pretensão de ingressar

no corpo docente da instituição46, e discordante das opções estéticas do ditador Miguez,

em 1893, Guanabarino critica as novas reformas empreendidas por este, chamando-o de

ignorante e ditador por manter vinculada a nomeação dos professores à proposta do

diretor 47. Criticava também a acumulação de cargos por alguns professores do Instituto,

como o professor Frederico Nascimento, que acumulava a cadeira de violoncelo e a de

harmonia. Aproveita a oportunidade para defender a integração de Cavalier Darbilly ao

corpo de professores da instituição, alegando que “seria mais racional que se

conservasse o Sr. Nascimento na sua especialidade e se nomeasse o maestro Cavalier

para o curso de harmonia”. 48

Em 1895, Leopoldo Miguez viaja à Europa, sendo incumbido pelo Governo a

visitar os conservatórios da França, Bélgica, Alemanha e Itália49. Aproveitando a

44 Representação de Carlos Severiano Cavalier Darbilly ao Ministro da Instrução Pública. 21 de março de 1891. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. 45 Correspondência do Diretor da Escola Normal Joaquim Abílio Borges ao Sr. Dr. Pedro Veloso Rebello, Diretor Geral da Secretaria da Instrução Pública. 25 de Maio de 1891. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. 46 Apud. PEREIRA, Avelino Romero. Op. Cit. pp. 72, 73 47 Idem. Ibidem. 48 Idem. Ibidem. p. 73 49 Rodrigues Barbosa transcreve em artigo sobre Leopoldo Miguez, publicado no Estado de São Paulo em setembro de 1922, o Aviso de 18 de março de 1895 do Ministro da Justiça e Interior endereçado a

32

Assim, se Miguez estava ausente e não poderia dar as informações pertinentes ao

requerimento de Cavalier, Rodrigues Barbosa assume o papel de algoz das pretensões

do artista. Apresentando-se como um dos integrantes da comissão que elaborara o plano

completo, na parte que se referia à música, na ocasião da reformas das Belas-Artes,

aceito sem restrições pelo Governo provisório, Barbosa destacava que todos os nomes

que deveriam compor o corpo docente da nova instituição foram apresentados ao

Governo, que nomeou todos os indicados. Enfatizava que o Governo provisório tinha

todos os poderes nessa ocasião e poderia ter “apresentado o Sr. Cavalier, mas não o

fez”. 53

Neste momento, Barbosa se referia talvez ao caso de Henrique Alves Mesquita.

Em Setembro de 1922, em sua série de artigos intitulada “Um século de Música

Brasileira” publicada no jornal Estado de São Paulo, Barbosa dedica um desses artigos

a Henrique Alves de Mesquita, onde relata: Mesquita conseguiu, à custa de muito esforço e de muita coragem, vencer a muralha da má vontade e penetrar no antigo Conservatório, onde conquistou uma cadeira. Veio a República com as suas inovações e o homem, a quem o autor destas linhas confiou a escolha do corpo docente da nova instituição que sucedia ao Conservatório, não se lembrou do nome de Mesquita. 54

Segundo Barbosa, ele mesmo teria lutado para que o nome de Mesquita

constasse entre os indicados à nomeação por Leopoldo Miguez. Porém, afirma, foi

somente com a intercessão de Saldanha Marinho que o velho maestro passou a fazer

parte da lista de professores do Instituto. Marinho teria escrito a Aristides Lobo, o

primeiro Ministro do Interior e fundador do Instituto Nacional de Música: “Meu filho!

(era assim que ele chamava Aristides nas suas cartas) A República foi proclamada há

poucos dias e eu já preciso merecer dela um favor: o de ser nomeado professor do novo

Conservatório na pessoa do meu querido e bom amigo o velho Mesquita”. Sendo

impossível deixar de atender ao benemérito Saldanha Marinho, completa Barbosa,

“Mesquita penetrou no Instituto, mau grado a indisposição que contra ele surgiu”. 55

Mas com Cavalier, Barbosa não demonstra nenhuma condescendência.

Continuando sua informação anexa ao Despacho do Ministro56, afirma que o professor

tentava “iludir o Governo”, posto que em suas alegações não conseguisse provar sua 53 Despacho do Ministro. 18 e 23 de setembro de 1895. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. 54 Apud. CASTAGNA, Paulo. Um século de música brasileira de José Rodrigues Barbosa. Pesquisa referente ao triênio 2004-2006 no Instituto de Artes da UNESP. São Paulo: (s.d.), 2007. 55 Idem. Ibidem. 56 Despacho do Ministro. 18 e 23 de setembro de 1895. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.

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inteiramente diferente da postulada no ano anterior, quando, confirmando o parecer de

Miguez, afirmava falta de méritos profissionais do artista: (...) o nome do Doutor Moreira Sampaio, aureolado por triunfos

anteriores, era uma sólida garantia para os créditos da nova peça, que reunia ainda uma outra recomendação: a música expressamente escrita pelo maestro Cavalier Darbilly, um compositor a quem não faltam os conhecimentos da técnica de sua arte.(...) o conhecido professor compôs quarenta e dois números, alguns dos quais distinguem-se pela deliciosa frescura de suas melodias, todas elas bem orquestradas. 61

No ritmo de seu reconhecimento como artista de mérito, Cavalier, em 1897, alia-

se a Oscar Guanabarino para a criação da Academia Livre de Música. Esta empreitada

deve ter provocado as mais diversas reações no seio da “República Musical”, fato

possível de ser mensurado pelos comentários de Artur Azevedo (1855-1908) em sua

coluna na primeira página do O Paiz, onde festejava a inauguração da instituição,

criação de amigos que “prezo e considero como Oscar Guanabarino, Antonio Rayol,

Cavalier e outros”62. Sintomaticamente, afirma que não reconhecia nos fundadores da

Academia Livre o propósito de serem hostis ao Instituto Nacional de Música, porque se

assim o fosse, “não lhes viria trazer a minha saudação”. O que havia, de acordo com

suas palavras, era uma “dissidência”, com a qual “nada tinha que ver nem se

importava”. 63

Se Artur Azevedo estava sendo cuidadoso, protegendo seus amigos de qualquer

mal entendido em relação ao Instituto de Música – “um estabelecimento sério, que

honra o nosso país”64 – e ao seu diretor, Leopoldo Miguez – “ compositor insigne, que

seria universalmente reconhecido se não fosse meu compatriota”65 –, o mesmo

procedimento não teria Oscar Guanabarino. No mesmo periódico, algumas páginas

adiante, em sua coluna Arte e Artistas, o cronista faz questão de reproduzir na íntegra

seu discurso proferido na ocasião da inauguração do novo estabelecimento. E, se o que

se viu ali foi o reflexo de uma dissidência, nem é bom imaginar o que seria se a intenção

fosse refletir uma hostilidade!

Guanabarino parte para o ataque direto ao Instituto Nacional, logo no primeiro

parágrafo. Informa que a Academia era destinada a educar artistas, visando à criação da

61 Jornal do Comércio. Theatros e música. Sexta-feira, 9 de outubro de 1896. Ano 75. Nº. 283. Grifo nosso. 62 O Paiz. Palestra. Segunda-feira, 29 de março de 1897. Ano XIII. Nº. 4396 63 Idem. Ibidem. 64 Idem. Ibidem. 65 Idem. Ibidem.

35

arte nacional. Se aqui já se anunciava uma crítica ao Instituto, logo em seguida destilaria

com violência: A academia livre de música não é um plano de comércio rendoso

entre o mestre e o discípulo, nem tão pouco reunião de um grupo de invejosos que vem buscar em um centro educador uma recomendação a sua indústria de professor de uma arte recreativa– mas é, é aí que está o seu valor – uma reação no momento culminante de uma crise natural e tão esperada como desprezada. A academia fundou-se fiada na força de vontade de um grupo de artistas que se coligaram numa época de desânimo político, e desesperados diante da triste vontade de um povo de três séculos que ainda não produziu a sua arte. 66

Criticava a ação do Governo republicano, que criando o Instituto Nacional de

Música – “templo em que o primeiro musico do Brasil que se impôs a Europa, recebeu

a pena de excomunhão” – e investindo elevada soma de dinheiro, “não conseguiu senão

um grande colégio de meninas, só incompleto por faltar ali uma cadeira de trabalhos

de agulha e um confessor para preparar a primeira comunhão”. 67

Criticava também as bases do pensamento artístico da República Musical,

traçado entre “Beethoven, como código de princípios, e Wagner, como aspiração”68.

Desta forma, repele, oferecia-se o passado das nações européias como o futuro da arte

brasileira, tendo como resultado a esterilidade: E, de fato, a criação oficial, apesar dos grandes sacrifícios da União,

em sete anos nada produziu. Mas a causa originária do atraso vem exatamente do erro de se pretender parar a evolução do espírito humano e julgar que a arte já encontrou as suas formas definitivas, que devem servir de modelo a todas as nações e em todas as épocas futuras; e, não mais longe, procuram ressurgir na música as modalidades gregas, servindo-se das escalas modernas, criando assim aos psiquiátricos a enorme dificuldade de classificar esta nova forma de loucura, que delira no passado e perde a noção do futuro. 69

Para além dos méritos desta iniciativa, que atenderia a uma camada diferenciada

da população que não podia freqüentar os cursos diurnos do Instituto, estava claro que

Cavalier e sua tropa transformariam esse projeto em mais uma provocação à “República

Musical” de Miguez. Em suas palavras, a Academia era fruto da expansão natural do

meio artístico, forjada da exigência de circunstâncias naturais, propícias e poderosas

70. Nesta oposição ao Instituto, a Academia, que teria surgido facilmente, em poucos

66 O Paiz. Arte e Artistas. Segunda-feira, 29 de março de 1897. Ano XIII. Nº. 4396 67 Idem. Ibidem. 68 Idem. Ibidem. 69 Idem. Ibidem. 70 Representação do diretor da Academia Livre de Música Carlos Severiano Cavalier Darbilly ao Ministro da Justiça e Interior. 27 de agosto de 1897. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.

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meses já sentia a necessidade de expandir suas atividades, com a criação de um curso

noturno.

Dizia Cavalier que se o Governo não se preocupasse tanto com economias, a

criação de um curso noturno já teria sido realizada e a Academia não teria se imposto

tão cedo como se impôs71. Desta forma, solicitava do Governo o apoio que este dava a

todas as instituições que, sem ônus para a nação, se dedicam à obra civilizadora da sua

cultura artística. Este apoio se concretizaria na cessão de salas em algum prédio

público72, como o Externato do Ginásio Nacional onde, com a extinção da Escola

Normal Livre, haveria salas desocupadas no período noturno. Deste modo, afirma

Cavalier: E permiti, Sr. Ministro, que sejamos francos a ponto de manifestar-vos que, com essa concessão, não faríeis um sacrifício pela arte. Muito mais custaria à nossa Pátria fundar uma escola noturna, sob o mesmo plano; muito mais pesaria no orçamento da União a verba que a decretasses, por mínima que ela fosse para se realizar o que prometemos mediante esse simples favor. Com esse vosso ato de patriotismo a “Academia” se obrigará a dar freqüência gratuita a 20 alunos das escolas oficiais que tenham revelado, nos respectivos cursos, aptidão talentosa para a música. 73

Cavalier encerra sua petição dizendo-se no aguardo da patriótica proteção do

Ministro, reforçando sua tentativa em vincular o apoio oficial a um ato de patriotismo.

O apelo, entretanto, não surte efeito. O diretor do Ginásio Nacional, José Veríssimo

(1857-1916), em resposta ao encaminhamento do Ministério da Justiça74, explana que

não somente a ocupação do edifício por corporações estranhas resultava em prejuízo à

autoridade da Diretoria, como o indispensável serviço de limpeza do edifício e a maior

usura dos móveis e do mesmo edifício acarretavam em gastos que consumiam em pouco

tempo as escassas verbas que dispunha para esse fim.

Por todos estes motivos, pede que não seja atendida a pretensão de Darbilly, “em

nome de uma associação, que quaisquer que sejam os seus intuitos, visa também a fins

lucrativos e não está, pois no caso de merecer tão alto favor dos poderes públicos”75.

71 Idem. Ibidem. 72 Explica Darbilly que a Academia funcionava nas salas do Liceu de Artes e Oficio que “gentilmente lhe foi cedida e fornece local preciso”. Entretanto, por conta de suas atividades o Liceu não podia dispor de salas no período noturno. Idem. Ibidem. 73 Idem. Ibidem. 74 Oficio do Diretor do Externato Ginásio Nacional ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores. 23 de setembro de 1897. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. 75 Idem. Ibidem.

37

O Governo acata as alegações de Veríssimo, e mais uma vez responde negativamente a

Cavalier Darbilly. 76

O sucesso da Academia não importaria na desistência das pretensões de Darbilly

em relação ao Instituto de Música. A nova oportunidade surgiria logo após a morte de

Leopoldo Miguez, em julho de 1902. A ausência do ditador impulsionava novas

adequações na sociedade dos músicos, suas relações hierárquicas e brigas por espaço de

prestígio. A própria atuação de Miguez, que alguns reconheciam como autoritária,

despótica e equivocada artisticamente, passa a ser revista e os possíveis erros,

imputados a terceiros, como o fez Guanabarino: Os falsos amigos que o segregavam daqueles que podiam ser consultados, e isso no interesse de manter as acumulações de cadeiras, sacrificando o interesse geral ao próprio – forçaram as tendências cordatas do eminente musico brasileiro, tornaram-no despótico, criaram jornais que, de artísticos que eram em sua origem, se transformaram em polemistas e mais tarde em francos agressores, que não mediam as injurias nem pautavam a linguagem de seus artigos nos moldes talhados a gente de boa educação. 77

Artur Azevedo redimia o antigo ditador, afirmando que Miguez fora “vítima do

cargo” que exercia. Entretanto, pontuaria posições pessoais deste, que o fizeram afastar

do campo de atuação musical, personagens dignos como Cavalier Darbilly78. Relatando

o afastamento deste artista, e a tentativa de não incluir Henrique Alves Mesquita no

então recém-formado Instituto de Música, Azevedo afirma que Miguez não gostava de

Cavalier, como não gostava de Carlos Gomes, como não gostava de Francisco Braga.

Assim, conclui, tendo o antigo diretor morrido, “bem poderia o governo em havendo

oportunidade restituir ao ensino oficial um músico bem competente e provecto”. 79

Na semana seguinte, em artigo intitulado Voltando a Carga, Azevedo publica

uma carta de Rodrigues Barbosa, o fiel escudeiro do ditador Miguez. Nesta, rebatia as

afirmações de Azevedo, argumentando que o ex-diretor havia promovido concertos em

benefício de Carlos Gomes e fora o responsável pela nomeação de Francisco Braga ao

cargo de professor do Instituto. Quanto a Cavalier, a explicação foi a seguinte: É verdade que ele não fez parte da corporação docente nomeada para

as diversas cadeiras do Instituto, mas o governo deu-lhe uma compensação logo depois. (...) Não me parece bem provado que o Miguez não gostasse do Cavalier: posso afirmar-te mesmo que chegou a convidá-lo em tempo para reger a cadeira de harmonia, e só a discordância em que ambos se encontraram sobre a orientação a dar ou o método a adotar para o ensino

76 Despacho do Ministro. 27 de setembro de 1897. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. 77 O Paiz. Leopoldo Miguez. Segunda feira, 7 de julho de 1902. Ano XVIII. Nº. 6481. 78 O Paiz. Alberto Nepomuceno. Segunda-feira 14 de julho de 1902. Ano XVIII. Nº. 6488. 79 Idem. Ibidem.

38

desta matéria, impediu o Miguez de propor a nomeação ao governo, recusando-se o maestro Cavalier a aceitar o programa e o método de que fazia questão o glorioso autor de Os Saldumes. Entretanto, penso também que a reintegração do maestro Cavalier é um ato de justiça. (grifo nosso). 80

Estranha afirmação para quem, há poucos anos, havia pessoalmente articulado o

impedimento de uma certeira reabilitação do artista. Azevedo não se comoveu com as

afirmações de Barbosa e reafirmou suas posições esclarecendo ter ouvido do próprio

Miguez que este não gostava de Carlos Gomes81, e que a nomeação de Braga parecia-

lhe muito mais fruto da pressão da opinião pública, manifesta em várias oportunidades

na imprensa, onde, inclusive, teriam sido evidenciadas as opiniões de Miguez em

relação ao mesmo sem que nem ele ou os seus amigos refutassem. Novamente

contemporizava, afirmando que Leopoldo Miguez, antes de assumir o cargo de diretor

do Instituto, “era a meiguice que se fizera homem” e por isso repetia o que havia dito

anteriormente: “foi uma vítima do cargo que exerceu”. 82

Com a morte de Miguez, assume a direção do Instituto o compositor Alberto

Nepomuceno. Republicano e abolicionista de longa data, o que o levou a ter sérios

desconfortos no período monárquico83, Nepomuceno não tardaria a dar ao Instituto

conformação diferenciada, encerrando as práticas autoritárias de Miguez. No entanto,

este fato não representa uma contradição ao legado do ex-diretor, considerado por ele

como “artista de mérito incontestado, dono de uma ilustração invejável”, chegando

mesmo a afirmar que o Instituto seguiria a “orientação fecunda traçada pelo inolvidável

artista”. 84

Mas o respeito aos anos de convivência e a admiração sincera dispensada ao

antigo mestre não impediram de traçar uma reforma no regulamento do Instituto,

80 O Paiz. Voltando a carga. Segunda-feira 21 de julho de 1902. Ano XVIII. Nº. 6495. 81 Essa prevenção de Miguez para com Carlos Gomes, também se pode notar na Informação de 1890, citada anteriormente, bem como as restrições que fazia ao temperamento e a competência de Cavalier Darbilly. 82 O Paiz. Voltando a carga. Segunda-feira 21 de julho de 1902. Ano XVIII. Nº. 6495. 83 Em 1885, uma Petição enviada ao Governo Imperial pela Assembléia Legislativa Cearense, solicitando recursos para a realização de viagem de estudos à Europa, é indeferida por conta de suas atividades abolicionistas e de divulgação de idéias republicanas. Em 1886, convidado pela Princesa Isabel a tomar chá no Paço Imperial, é recebido com reservas por conta da divulgação na imprensa de suas de suas atividades republicanas. CORREA, Sergio Alvim. Alberto Nepomuceno, catálogo geral. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1985. p. 9 84 BRASIL. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. J. J. Seabra, Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores em Abril de 1903. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1903.

39

imprimindo sua visão pessoal à condução da instituição. Na essência desta reforma85

estava a flexibilização das relações entre a figura do diretor e o corpo docente e

discente. Desta forma, segundo Avelino Romero, opunha-se à figura do ditador

positivista o liberal Nepomuceno, em concordância com os novos tempos vividos pela

República Brasileira. 86

Entre os diversos pontos abordados na nova regulamentação do Instituto,

constava a ampliação de seu corpo docente, o que instiga Cavalier a mais uma tentativa

de ser integrado à instituição. Em 27 de março de 1903, ele apresenta uma nova

Representação ao Ministro da Justiça “reclamando a reparação de uma injustiça

clamorosa de que foi vítima e sofre há longos anos”87. Por esta razão, informando que

pelo último regulamento dado ao Instituto Nacional de Música haviam sido criadas mais

uma cadeira de piano e outra de harmonia, pede ser nomeado para uma delas. 88

Se a linha do discurso permanece a mesma, a reparação de uma injustiça, a

argumentação agora toma um outro tom e se dirige de maneira mais direta em

responsabilizar o Governo por sua desventura. Assim, após iniciar o documento com a

descrição de praxe sobre sua estada em Paris, os anos de dedicação ao serviço público,

Cavalier assevera: Um longo período de tempo consagrado a serviço público, pois como tal deve ser considerado o professorado exercido em estabelecimento custeado pelo Governo, cuja direção administrativa e técnica incumbia a empregados de sua nomeação, confere direitos respeitáveis cuja violação não pode ser amparada pelos poderes públicos. A República prometeu e tem garantido os direitos permanentes de atos e fatos provindos dos Governos do Império; o suplicante era professor catedrático num estabelecimento público; só por malversação ou incapacidade podia ser dispensado do cargo ganho em concurso, a sua eliminação, pois do quadro dos professores constitui uma acintosa ofensa a seus direitos. Cumpre, V. Ex. reparar essa ofensa e restabelecer o domínio do direito. 89

As palavras de Darbilly causaram certo desconforto entre os funcionários do

Ministério da Justiça. Seguindo os trâmites do Ministério, o diretor do Instituto deveria

ser instado a informar sobre as pretensões do requerente. Mas o 2º oficial da Diretoria

do Interior, Bento de Barros, manifesta sua dúvida por conter a Representação “termos

85 O Regulamento do Instituto Nacional de Música foi sancionado através dos Decretos Nº. 968 de 2 de janeiro de 1903 e Nº. 4.779 de 2 de Março de 1903. 86 PEREIRA, Avelino Romero. Op. Cit. p. 143 87 Representação de Carlos Severiano Cavalier Darbilly ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores da República dos Estados Unidos do Brasil. 27 de março de 1903. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. 88 Idem. Ibidem. 89 Idem. Ibidem.

40

que não deveriam figurar em petição dirigida ao Governo”90. O 1º oficial, A. J. Silva,

entretanto, baseado na existência de um precedente, indica que seja enviado ofício ao

diretor do Instituto com o pedido de informações. 91

Alberto Nepomuceno respondeu não “desconhecer os serviços prestados” por

Cavalier Darbilly no extinto Conservatório, mas entendia que nenhum direito lhe

assistia à cadeira de piano ou de harmonia criadas através do decreto de janeiro de 1903.

Baseava-se no argumento da falta de direito à vitaliciedade dos professores do

Conservatório, e que no decreto que o extinguiu nenhum direito assegurava-se a estes.

Assim sendo, concluía o novo diretor, só mediante concurso, parece-me poderá ser

nomeado professor deste Instituto. 92

Se de algum modo o reconhecimento de Nepomuceno aos serviços prestados por

Darbilly era um dado novo à Questão Cavalier, mais surpreendente seria o

posicionamento do funcionário do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, Candido

Augusto Coelho da Rosa, o mesmo que, em 1890, subscreveu a informação de Miguez,

ocasionando o indeferimento das pretensões de Darbilly.

Candido Rosa, agora na posição de diretor-geral da Diretoria do Interior do

Ministério da Justiça, inicia seu parecer relembrando as razões apresentadas por Miguez

para a não inclusão do pianista como professor do Instituto de Música. Destaca a

referência a seu gênio atrabiliário, sua suposta falta de mérito, por não ter formado um

único artista dos seus discípulos e a intenção de criar um sistema único de ensino do

piano, sob a supervisão de Alfredo Bevilacqua. Na época em que essas afirmações

foram ministradas, diz Candido Rosa, pareciam concludentes, mas posteriormente fatos

ocorridos viriam a demonstrar a improcedência dos fundamentos da exclusão. 93

Para o funcionário, o finado diretor teria indicado a incompetência de Cavalier e

não foi de certo modo contestado. Entretanto, contestava-o agora o diretor Nepomuceno

quando reconhecia os serviços do peticionário, e consequentemente seu mérito como

professor. Somente por este fato, de “importância capital”, apresentava-se a

necessidade de um novo estudo sobre a Informação prestada pelo ex-diretor,

90 Despacho do Ministro. 2 de Abril e 9 de maio de 1903. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. 91 Idem. Ibidem. 92 Informação do Diretor Alberto Nepomuceno ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores Sr. José Joaquim Seabra. 18 de abril de 1903. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. 93 Despacho do Ministro. 2 de Abril e 9 de maio de 1903. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.

41

verificando-se, “desde logo, que já em 1890, poderia tal conceito ser refutado com

vantagem”. 94

Neste sentido, Rosa apresenta suas conclusões tópico a tópico. Para as alegações

de incompetência como professor, imputa essa possibilidade como decorrência da má

organização do Conservatório. Arguto, baseia sua alegação nas próprias palavras de

Miguez, que depois de criticar com severidade o estabelecimento, terminou com as

seguintes palavras: “Foram estes abusos, foi esta má organização, foi esta falta de

método, este caos que se reformou com a criação do Instituto”. Assim, se considerava o

Conservatório uma instituição imprestável pela sua defeituosa organização, o que não

dependia dos professores, não poderia o ex-diretor, responsabilizá-los pela nulidade dos

resultados do ensino. 95

De igual maneira Candido Rosa recorre ao texto de Rodrigues Barbosa,

divulgado em “Notícia histórica dos serviços, instituições e estabelecimentos do

Ministério da Justiça e Negócios Interiores”, publicação oficial de 1898. Nesta

oportunidade, Barbosa estabelecia a relação entre a singular organização do

Conservatório e a contribuição desta na deficiência que se pretendeu imputar aos

professores. Enfatizava que apesar da nomeação de professores que tinham sido alunos

do estabelecimento - O Sr. Cavalier que obtivera o prêmio de viagem à Europa foi um

dos professores nomeados – isso poucos resultados representariam, pois “o esforço

individual de poucos nada podia diante da anormalidade daquela organização,

apendiculada à administração pública” pela dependência das subvenções, das

nomeações do pessoal e das disposições estatuídas pelo Governo que regia sua ação

docente e administrativa. 96

Com relação ao gênio atrabiliário do professor Cavalier – “ainda admitindo que

o vocábulo haja sido empregado na sua verdadeira acepção, e que também não tenha

havido exageração” – Candido Rosa observa que o atrabílis não o impediu o exercício

do magistério particular, visto que, desde 1897, dirige ele o Conservatório Livre de

Música97, exercendo também o cargo de professor. Contra a última razão alegada por

Miguez contra Cavalier Darbilly, a necessidade de unificar o ensino de piano, o

94 Idem. Ibidem. 95 Idem. Ibidem. 96 Idem. Ibidem. 97 Pela coincidência da data possivelmente Candido Rosa refere-se à Academia Livre de Música. Tanto Cernicchiaro em sua Storia della Musica nelle Brasile quanto a Enciclopédia de Música Brasileira também mencionam a existência do Conservatório de Música Livre, entretanto nenhuma outra referência a essa instituição foi encontrada nas fontes consultadas durante nossa pesquisa.

42

funcionário do Ministério da Justiça esclarece que por pouco tempo esta prevaleceu.

Com a criação posterior de outras cadeiras daquela matéria, cada uma das quais

dirigidas por professor ou adjunto, este também vitalício e, de fato, autônomo,

desapareceu a unidade do ensino “que tão poderosamente influíra para a exclusão do

peticionário”. 98

Mas havia outras razões para Candido Rosa acreditar que as declarações do

finado Diretor houvessem perdido seu valor. Ao lado das provas de competência que

Cavalier continuou a dar, havia um fato que ele sentia a obrigação de expor, revivendo,

a seu pesar, “questão finda, porque assim é preciso para completar a demonstração da

tese que estou procurando sustentar por amor à justiça”. Neste momento Rosa se

referia ao caso de Duarte Gouvêa, qualificado por Miguez como o que não tinha mérito

de pertencer à escola alguma, e citado no caso da carta exposta na Rua do Ouvidor, com

pedidos de dinheiro para aprovação de uma aluna: Isto escrevia o finado Diretor em 29 de março de 1890. Pois bem. Pouco tempo depois, a 8 de abril do ano seguinte (oficio junto, nº. 143, da mesma data) o dito Diretor propunha aquele mesmo ex-professor do Conservatório para fazer parte do corpo docente do Instituto Nacional de Música. O ofício nº143, cujo singular laconismo contrasta, de modo flagrante, com a grandiosidade da acusação feita anteriormente, é documento que, aniquilando-o evidencia a precipitação do juízo expresso em 29 de março, precipitação que também atingiu o professor Cavalier. (grifo nosso) 99

A escolha do vocábulo precipitação, alerta Rosa, foi marcado pela dúvida de

qual termo caberia corretamente ao caso em questão. Dúvida esta, conclui poeticamente,

“agravada pelo constrangimento de dissentir, de modo tão profundo, de quem, em vida,

grande consideração mereceu-me”100. Nestes termos, Candido Rosa definia sua opinião

atinente às habilitações de Cavalier Darbilly. Restava agora apreciar a questão do

direito.

Apesar de reconhecer que nenhum direito cabia a um ex-professor do

Conservatório, pela não-vitaliciedade desta posição, entendia ser perfeitamente lícito

permitir a volta de Cavalier ao magistério oficial, revestindo o ato da forma de uma

nomeação. A licitude de tal ato devia-se ao fato de ter-se através de seu parecer

invalidado a informação que servira de base à exclusão. E, estando vagas uma cadeira

98 Despacho do Ministro. 2 de Abril e 9 de maio de 1903. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. 99 Idem. Ibidem. 100 Idem. Ibidem.

43

de piano e outra de harmonia, seria de justiça restituir o lugar de que foi Cavalier

privado.

Tudo indicava que finalmente a vitória estava próxima para Cavalier. O

Ministro J. J. Seabra (1855-1942) informa que o peticionário seria atendido e tudo

parecia caminhar para o bom desfecho da Questão Cavalier. Parecia, mas não

aconteceu. Quase que concomitantemente a avaliação da Representação de Cavalier, um

impasse inusitado levaria ao afastamento de Alberto Nepomuceno da direção do

Instituto contribuindo para a não realização das indicações do Ministério.

No cerne deste impasse, um velho conhecido nosso: o jornalista e músico

amador, Rodrigues Barbosa. Na reforma do Instituto perpetrada por Nepomuceno, foi

efetivada a criação da Congregação, órgão consultivo e deliberativo da instituição,

composta de todos os professores e de três membros honorários por ela indicados. Na

primeira sessão da Congregação, exatamente quando esta deveria deliberar sobre a

escolha de seus membros honorários, surge o impasse com a indicação do nome de

Rodrigues Barbosa realizada por Duque-Estrada Meyer (1848-1905). Esta indicação foi

referendada por outro professor, Lima Coutinho, afirmando na ocasião que “já era

tempo de o Instituto dar uma prova de gratidão ao seu fundador”. 101

Esta indicação provocou uma enorme discussão entre os membros da

Congregação. Para alguns, ela violava o artigo 5º do regulamento, onde ficava

estipulado que os membros honorários deveriam ser indicados dentre os artistas mais

notáveis residentes na Capital Federal e estranhos ao corpo docente do Instituto. Assim,

era questionado por alguns membros, se o fato de exercer a posição de crítico musical

qualificava Rodrigues Barbosa como artista ou não. Ciente da importância de defender

o espaço de atuação profissional do músico, Nepomuceno foi um dos que

combativamente se posicionaram contra a indicação de Barbosa.

Entretanto, não foi o que decidiu a Congregação: por 11 votos a favor e 10

contrários decidiu-se pela indicação do jornalista ao cargo. Nepomuceno, certo de que

esta decisão contrariava o regulamento da instituição, resolveu levar o caso ao Ministro

J. J. Seabra. A princípio o Ministro apóia a visão de Nepomuceno, mas só até o

recebimento do parecer de Candido Rosa – sim, ele novamente – completamente

101 INSTITUTO NACIONAL DE MÚSICA. Ata da sessão da Congregação efetuada no dia 15 de Abril de 1903. Atas da Congregação e Conselho do Instituto Nacional de Música. Livro I, 1890-1912. Documento manuscrito. Acervo Biblioteca Alberto Nepomuceno. Setor de Documentos Históricos.

44

favorável à indicação de Rodrigues Barbosa, que naquele tempo ocupava um cargo na

Diretoria de Contabilidade do Ministério da Justiça e Interior.

Estava criada uma celeuma que rapidamente escapou para os jornais, com

acusações e suposições das mais diversas, incluindo suspeições de trocas de favores,

que se não podem ser confirmadas, pelo menos ficam cercadas de certas evidências,

como a nomeação, em 9 de abril de 1904, para o cargo de amanuense do Instituto de

Augusto Leal Coelho da Rosa102, (filho de Candido Rosa), depois transferido para a

Diretoria Geral de Saúde Pública. Para o seu lugar é nomeado o bacharel Christiano

Rodrigues Barbosa (filho de Rodrigues Barbosa), por portaria de 3 de junho de 1905. 103

O certo é que ao ter conhecimento do parecer favorável de Candido da Rosa,

Alberto Nepomuceno apresentou seu pedido de demissão, em 3 de maio de 1903: Depois da leitura que V. Exª. teve a gentileza de fazer-me da informação do Sr. Diretor Candido Rosa sobre a indicação do Sr. José Rodrigues Barbosa pela Congregação para membro honorário do Instituto Nacional de Música, medi bem minha situação, quer perante aquela Congregação, sendo nomeado o referido Sr. Barbosa, quer perante as diretorias do Interior e da Contabilidade não o sendo. É um dilema que devo evitar a todo o transe, e o faço depositando nas mãos de V. Exª. meu pedido de demissão de Diretor do Instituto Nacional de Música, pedido este irrevogável, qualquer que seja a solução que V. Exª. der à referida questão. 104

No dia seguinte Nepomuceno publica um artigo no Jornal do Comércio,

afirmando que “a dialética do Sr. Diretor Geral do Interior teve mais peso que a

lei”105, acusando-o de estar, juntamente com o Ministro e Rodrigues Barbosa,

cometendo uma irregularidade. Nota-se que o último parecer de Candido Rosa sobre a

Representação de Cavalier foi escrito em 9 de maio, ou seja, após o envio da carta de

demissão e o artigo no Jornal do Comércio. As tensões que permeavam essa disputa

com certeza transparecem na facilidade com que o funcionário do Ministério enfrentou

as opiniões do diretor do Instituto. Além de qualificar como erradas algumas de suas

afirmações, Rosa não pestanejou em dirigir um ataque direto a Nepomuceno.

Neste sentido, citou o caso de Miguel Cardoso pondo em dúvida a

imparcialidade do diretor. Cardoso, em 1891, tivera que decidir entre os cargos que

102 BRASIL. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. J. J. Seabra, Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores em Abril de 1904. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1904. 103 BRASIL. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. J. J. Seabra, Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores em Março de 1906. Volume II. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1906. 104 Carta de Alberto Nepomuceno a José Joaquim Seabra. Petrópolis, 3 de maio de 1903. Apud. PEREIRA, Avelino Romero. Op. Cit. p. 150. 105 Apud. PEREIRA, Avelino Romero. Op. Cit. p. 151.

46

velhos recursos de retórica invocando a injustiça, o homem ferido em seu amor próprio

e etc., a discussão passa ao largo da questão do mérito, tão pontuada nas ocasiões

anteriores. A questão agora é apresentada no âmbito da legalidade, e as alegações

baseadas em argumentos jurídicos, tanto por parte do peticionário, quanto pelo

funcionário incumbido de relatar o caso ao Ministro.

Deste modo, após se referir aos “memoráveis acontecimentos de 1889”, Cavalier

apresenta sua argumentação, contra a exclusão “ilegal e odiosa” de seu “humilde

nome” da lista dos professores: O Governo Provisório declarou peremptoriamente que a sua principal missão era “garantir a todos os habitantes do Brasil o respeito aos direitos individuais e políticos”. “Reconhecer e acatar todos os compromissos nacionais contraídos durante o regime anterior...os contratos vigentes e mais obrigações legalmente estatuídas” (Diário Oficial de 16 de Novembro de 1889). Esse ato do Governo viola ainda a Constituição da Republica que, no art 72, exara por extenso a garantia dos direitos individuais, e no art° 74 a especifica dizendo: “as patentes, os postos e os cargos são garantidos em toda a sua plenitude”, e o Decreto de 2 de Junho de 1892 interpretativo, assim se exprime: art°-1° “os direitos adquiridos por empregados vitalícios, na conformidade às leis anteriores à Constituição Federal, continuam garantidos em toda a sua plenitude”. 110

Os argumentos são todos contestados, inclusive o que se baseia no citado artigo

74 da Constituição, e que abarca de maneira generalizada cargos militares e civis. Numa

incrível argumentação, diz o funcionário da 1ª seção da Diretoria do Interior, J. Cruz,

que o preceito do art. 74, que garantia as patentes, os postos e os cargos inamovíveis,

não deve ser tomado lato sensu, em face do art. 76 da mesma Constituição. Este artigo,

explica, prescreve que “os oficiais do Exército e da Armada só perderão suas patentes

por condenação a mais de dois anos de prisão, passada em julgado nos tribunais

competentes, e em obediência às leis criminais”. 111

Desta forma, conclui o funcionário a vitaliciedade desaparece quando o

“respectivo agente está legalmente privado de funcionar”. Ou seja, como Cavalier

esteve “privado de funcionar”, sua suposta vitaliciedade estaria suspensa! 112 Suposta,

por que em seguida o funcionário completaria o raciocínio: “não tendo o suplicante

adquirido direito à vitaliciedade do dito cargo, não podia ter sido lesado tal direito, e,

se o tivesse adquirido, poderia tê-lo perdido”.

110 Idem. Ibidem. 111 Despacho do Ministro. 25 e 31 de agosto de 1908. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. 112 Idem. Ibidem.

48

Talvez atento a este detalhe, Cavalier tenha recorrido a uma outra instância em

busca de apoio. Entre o requerimento deste e a informação daquele, o 1ª Secretário da

Câmara dos Deputados envia requerimento ao Ministro da Justiça e Interior instando

que, conforme solicitado pela Comissão de Finanças, este emita seu parecer sobre o

pedido de Cavalier. 117

No trâmite pelas seções do Ministério, a representação de Darbilly é avaliada

pelo 1º oficial da seção do Interior que reafirma falta de base legal para o pedido de

integração no Instituto. Entretanto, opina que se fosse de entendimento do Governo, o

músico poderia ser aproveitado na futura reforma do Instituto Nacional de Musica, não

importando tal ato em reconhecimento de direito do peticionário. Ressaltava ainda que o

Ministro devesse se dignar a informar a Câmera dos Deputados se o requerimento fora

indeferido ou se o peticionário fora aproveitado no corpo docente do Instituto. 118

O Diretor Geral respondeu ao oficial em tom que demonstrava a tensão existente

entre as instituições. Afirmando que o governo “não tem que dizer à Câmara dos

Deputados o que pretende fazer por ocasião da reforma do Instituto Nacional de

Musica”, indicava que o Ministro deveria apenas se limitar a informar sobre o pedido

constante do requerimento. Quanto a este pedido, era claro para o Diretor Geral que não

havia direito a reintegração, por não haver vitaliciedade no extinto Conservatório; e não

era o caso de jubilação por o requerente não se considerar em estado de invalidez, ao

contrário, requeria voltar à efetividade por nomeação ou reintegração. 119

A resposta do Ministro Rivadávia Corrêa (1866-1920) foi lacônica, não

deferindo o requerimento por estarem preenchidos os lugares120. Entretanto, foi através

de uma reforma realizada sob os auspícios deste Ministro que Cavalier vislumbraria a

oportunidade para estabelecer vínculos com o Instituto. A Lei Orgânica do Ensino

Superior e Fundamental da República, conhecida como a Reforma Rivadávia Corrêa,

promulgada em Abril de 1911, possibilitava a criação de cursos livres nas instituições

oficiais de ensino, por profissionais de mérito. Neste sentido, o Instituto Nacional de

117 Requerimento do 1º Secretário da Câmara dos Deputados ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores. Secretaria da Câmera dos Deputados. 27 de setembro de 1911. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. 118 Despacho do Ministro. 6 de outubro de 1911. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. 119 Despacho do Ministro. 11de outubro de 1911. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. 120 Despacho do Ministro. 27 de outubro de 1911. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221.

49

Música aprovou em outubro do mesmo ano novo regulamento, onde se normatizam as

regras para o exercício da livre docência na instituição.

De acordo com a Lei Orgânica, aquele que pertencia à categoria dos livres

docentes não era considerado como funcionário estável e efetivo do Estado. Não tinha

vínculos, nem recebia diretamente do Governo. Seu salário deveria advir da própria

instituição onde exercesse suas funções, através do pagamento dos alunos. Segundo as

normas do Instituto os candidatos a livre docência deveriam submeter um trabalho

escrito a uma comissão nomeada pelo Conselho Docente, a qual seria responsável pela

produção de um relatório para a aprovação ou não do pretendente.

Foi assim, na 6ª sessão do Conselho Docente realizada no dia 17 de Março de

1913, que o professor Lima Coutinho defendeu os méritos artísticos de Cavalier

Darbilly, candidato à livre docência de piano. Seus argumentos foram aceitos e na

votação realizada contou com 26 votos a favor e 2 votos contrários. Finalmente

estabelecia Cavalier uma ligação com o Instituto, ainda que sem direito à estabilidade,

pagamento ou qualquer outra vantagem de um funcionário estável. Agora, aos 67 anos

de idade, de alguma forma Darbilly era aceito na fechada “República Musical”, sediada

no Instituto Nacional de Música.

Entretanto, no ano seguinte, o diretor Alberto Nepomuceno informava ao

Ministro da Justiça121 que dos professores aprovados para a livre docência no Instituto,

apenas Maria dos Santos Melo havia efetivamente exercido sua função, por ter sido a

única a contar com alunos inscritos em seu curso. O desfecho da Questão Cavalier veio

tarde demais. Esquecido e longe dos seus áureos tempos de reconhecimento, não contou

com nenhum discípulo interessado em receber sua orientação. Cavalier morreria pouco

tempo depois, pobre e abandonado na cidade de São Paulo.

Podemos observar no desenrolar desta trama envolvendo Cavalier Darbilly que a

adoção de discursos em suas alegações e argumentações não pode ser desvinculada de

seu entorno sócio-político. Deste modo, a discussão em torno do mérito, tão cara aos

primeiros letrados que se auto-atribuíam a missão de iluminar os caminhos do povo-

nação122, toma relevância nos primeiros anos do longo processo movido por Cavalier.

Essa prática advinda dos propagandistas da República vinculava a idéia do novo regime

121 Ofício do Diretor, Relatório de 1913. Apud. PEREIRA, Avelino Romero. Op. Cit. p. 243 122 GOMES, Angela de Castro e FERREIRA, Marieta de Moraes. Primeira República: um balanço historiográfico. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 4, 1989, p. 244-280.

50

baseado nos valores do talento, do progresso em detrimento das práticas do velho

regime ao qual se agregavam noções como o privilégio e o atraso.

Portanto, vincular ao antigo Conservatório de Música e seus professores

qualificações como caótico, anárquico, incompetente era de certa forma reproduzir a

prática de denegrir as instituições e personagens ligados ao velho regime, ao mesmo

tempo em que se afirmava a nova perspectiva republicana. Mas, nas suas entrelinhas,

verifica-se a facilidade com que esse novo grupo recém-chegado à distinção social,

manipulava os favores do governo consubstanciados nas nomeações, privilégios e

proteção dos mandatários do poder do Estado.

A partir do decênio de 1900, o foco dos discursos apresentados muda de direção.

Centralizados num primeiro momento em argumentos jurídicos e no próprio

questionamento das atitudes do governo republicano, tais discursos passam a ser

revestidos da substância política que os marcariam. As utilizações desses argumentos

refletem a dinâmica do novo Regime, distinguido agora pela ação dos primeiros

presidentes civis e seu apego aos postulados do liberalismo clássico, bem como a

ampliação da burocracia estatal e dos campos de ingerência do Governo.

Entretanto, pode-se observar na documentação da Questão Cavalier que a

exclusão de Cavalier Darbilly não se baseia em um fato concreto, e está muito além de

uma simples discussão legal sobre um pretenso direito ao exercício do magistério em

uma instituição oficial republicana. Como dissemos anteriormente, a exclusão do

pianista pela “República Musical”, personificada no seu líder Leopoldo Miguez, não se

resumiria ao impedimento imposto a um indivíduo, mas a um gênero, a uma prática

representada no percurso deste artista e professor.

José Murilo de Carvalho afirma que a busca de uma identidade coletiva para o

País, de uma base para a construção da nação, foi tarefa que perseguiu a geração

intelectual da Primeira República123. Não é difícil inferir que, da mesma forma, a

“República Musical” se atribuísse a missão de construção das bases para uma identidade

musical brasileira. Essas bases, como ironizava Guanabarino, tinham “Beethoven, como

código de princípios, e Wagner, como aspiração” 124, ou seja, era na escola alemã, na

tradição musical germânica que os músicos-iluministas dos primeiros tempos da

República encontravam seus modelos.

123 CARVALHO, José Murilo de. Pontos e Bordados. Op. Cit. p. 102 124 O Paiz. Arte e Artistas. Segunda-feira, 29 de março de 1897. Ano XIII. Nº. 4396

51

Desta forma, não causa estranhamento notar que entre os artistas desqualificados

por Miguez incluíam-se os que exerciam uma prática musical distante dos padrões

estéticos pretendidos pelo Ditador. É assim que Carlos Gomes, seguidor da escola

italiana, foi considerado um compositor que deixa muito a desejar; que Henrique Alves

Mesquita e Cavalier Darbilly, formados em Paris e ligados à prática do teatro-musicado

– principalmente à Mágica, como veremos posteriormente – não eram meritórios de

pertencer à nova ordem que se impunha.

Neste sentido, observar a exclusão de Cavalier por parte da “República Musical”

como uma exclusão de uma prática que trazia em seu cerne a utilização de uma forma

popular urbana, reveste a Questão Cavalier de um novo sentido. E sob este novo prisma

é interessante observar que num primeiro momento esta prática não é digna por seus

méritos de estar presente na nova instituição, em seguida seu dirigente reconhece seus

serviços e depois até percebe a veracidade de suas alegações, embora não reconheça seu

direito de pertença à ordem musical republicana. Curiosamente, no que se apresenta

como uma espécie de ápice da trajetória desta forma musical, em 1916, substituindo o

diretor Alberto Nepomuceno, foi nomeado para a direção do Instituto Nacional de

Música um compositor de mágicas: o pianista e teatrólogo Abdon Milanez (1858-1927).

Para realizarmos esta discussão, é necessário olhar a instigante trajetória de

Cavalier Darbilly, observando os fatores que propiciaram seu reconhecimento no

Segundo Reinado e sua exclusão do Instituto Nacional de Música, espaço de prestígio

da nova ordem republicana. Esta trajetória será entrecruzada com a constituição de uma

rede de relações sócio-culturais, a “sociedade dos músicos” que, por sua vez,

corporifica-se em lugares voltados à produção e prática musical: o Conservatório de

Música, o teatro e os clubs e sociedades Musicais.

Observaremos como se estabelece a articulação desses lugares com o poder do

Estado Imperial; as afinidades entre tais lugares e a formação de um segmento cultural

particular – o dos músicos; e as imbricações entre esses mesmos lugares e os

gêneros/formas musicais em vogas na segunda metade do século XIX, em nosso caso

observado a partir de um produto cultural específico: a Mágica.

52

Capítulo 2

– OS LUGARES DE PRÁTICA MUSICAL –

Em 1872, o pianista e compositor Carlos Severiano Cavalier Darbilly

retornou ao Rio de Janeiro após ter concluído seus estudos no Conservatório de

Paris. Nesta instituição, freqüentou a classe de composição de François Emmanuel–

Joseph Bazin (1816-1878) e a classe de piano do célebre professor Antoine-François

Marmontel (1816-1898), responsável pela formação de grandes nomes da música

francesa, como Georges Bizet, Claude Debussy, Vincent d'Indy, entre outros.

Nesta ocasião, ofereceu ao Governo seus préstimos para criar gratuitamente

uma aula de piano1 no Conservatório de Música da corte, aula que não existia de

maneira regular. Segundo o próprio Cavalier Darbilly, o ensino do piano era

ministrado pelo então professor de canto, o maestro Arcângelo Fioritto (1813-1887),

recebendo a “gratificação de 20$000 mensais para lecionar uma vez por semana

algumas alunas que desejavam estudar piano. Aula de piano, pois realmente não

existia” 2. Tendo o seu oferecimento sido aceito pelo Governo, o então Ministro de

Estado dos Negócios do Império, Conselheiro João Alfredo Correa de Oliveira,

através do Aviso de 20 de fevereiro de 1873, nomeia-o professor da aula de piano,

que ficava assim criada. 3

Por dez anos consecutivos ele exerceria gratuitamente o magistério,

lecionando três vezes por semana, duas horas por dia. Neste período, motivos

estranhos a sua atribuição junto ao Conservatório o obrigaram a abandonar o lugar

durante dez meses, findos os quais, voltou a reger a aula de piano nas mesmas

1 O termo “aula de piano” refere-se ao que seria hoje a disciplina Piano na grade curricular de um estabelecimento de ensino musical. 2 Representação apresentada por Carlos Severiano Cavalier Darbilly à Secretaria de Estado dos Negócios do Interior em 20 de Fevereiro de 1890. Documento manuscrito. Acervo Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221 3 Esta seria a primeira classe de piano a ser instituída em um estabelecimento oficial de ensino musical.

53

condições4. Por ocasião da reforma levada a efeito no Conservatório em 1881, a

aula de piano passou a ser dividida em duas cadeiras: uma de teclado e peças fáceis

e outra de aperfeiçoamento e peças difíceis. Relata Darbilly: Suscitando-se dúvidas se o Aviso do Senhor Conselheiro João

Alfredo era suficiente para tornar efetiva a nomeação do suplicante [Cavalier Darbilly] para catedrático da aula de piano, e abrindo-se a inscrição para o concurso à 1ª cadeira de piano, o suplicante concorreu e obteve o lugar sem competidor; requereu mais tarde transferência para a 2ª cadeira e foi-lhe concedida por a junta dos professores julgado proveitosa ao ensino tal transferência.

Durante este longo lapso de tempo de 16 anos, o suplicante exerceu interinamente o lugar de professor da 1ª aula de piano 6 anos; o de professor de canto durante 2 anos e a de Harmonia durante a ausência do Senhor Carlos Mesquita. Em resumo os serviços do suplicante correspondem a 25 anos, dos quais dez foram gratuitos. 5

Portanto, Cavalier ao longo de quase três décadas desempenhou a função de

professor do Conservatório ao mesmo tempo em que se tornava um compositor de

realce do Império, atuando no teatro, na Capela Imperial e nos clubs musicais.

Através de suas obras e de suas aulas, a sociedade brasileira ganhava um

revestimento sofisticado, erudito, vinculado ao projeto civilizatório que inspirava o

imaginário do Império. Com o passar dos anos, todavia, novos elementos foram

incorporados à atuação musical de Cavalier, culminando com seu paulatino

afastamento dos padrões clássicos da música do final do segundo reinado.

4 Representação apresentada por Carlos Severiano Cavalier Darbilly à Secretaria de Estado dos Negócios do Interior em 20 de Fevereiro de 1890. Documento manuscrito. Acervo Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221 5 Idem.Ibidem.

54

2.1 O Conservatório de Música

Os anos seguintes à proclamação da Independência do Brasil e à abdicação do

primeiro Imperador foram intensos. A necessidade de criar uma nação para o novo

Estado que se formava, era questão fundamental. Neste processo, a elite imperial

brasileira procuraria cultivar a imagem de uma civilização européia transplantada

para a América tropical. Esta civilização, agregada de valores “americanos”, seria

edificada e afirmada através do Estado e da Coroa. Assim, a consolidação política

no início do Segundo Reinado abria espaço para a emergência de um discurso

político que conferia ao Estado, personificado no imperador, a missão histórica de

constituição da nação. 6

O Governo, então, como artífice dessa construção, inicia uma série de

atitudes bem representadas na criação do Instituto Histórico Geográfico (1838), do

Museu Nacional (1842), ao mesmo tempo em que inaugura e reformula

estabelecimentos formadores de sua elite nacional, como o Colégio D. Pedro II

(1837) e a Imperial Academia de Belas-Artes (1842). Da mesma forma demarca

seus lugares de atuação no que diz respeito à música, reorganizando a orquestra da

Capela Imperial (1843), retomando as temporadas de óperas (1844) e inaugurando o

Conservatório de Música (1848). Robert Peachman pondera: Essas instituições têm como "missão" colocar o país no fluxo

civilizatório europeu e, por isso mesmo, buscam um "padrão civilizatório" que possa se tornar uma referência para todos os brasileiros, mesmo aqueles excluídos do pacto do poder. É a partir desse padrão mínimo, dessa referência elementar que o nacional e o civilizatório se fundem, que o particular e o universal se estreitam, redefinindo uma nova dinâmica. 7

O Conservatório revela em sua natureza a ambigüidade de ser uma

instituição governamental e ao mesmo tempo particular. Em 1875, no seu primeiro

relatório como diretor do Conservatório de Música, Antonio Nicolau Tolentino

(1810-1888) explanava sobre esta dupla constituição: No entanto é evidente defectiva a anômala organização do

Conservatório tal qual existe. Estabelecimento de origem particular, apenas auxiliado pelas dezesseis loterias que para a sua fundação foram concedidas em 1841, o Conservatório desde 1847 tomou o caráter

6 ROWLAND, Robert. Patriotismo, povo e ódio aos portugueses: notas sobre a construção da identidade nacional no Brasil independente. In: Istvan Jancó: Brasil. Formação do Estado e da Nação. São Paulo: Hucitec, 2003. P. 365-388. 7 PECHMAN, Robert Moses. Cidades estreitamente vigiadas: o detetive e o urbanista. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002. p. 31

55

ambíguo de associação privada e instituição pública, pelo mecanismo que lhe imprimiu o Governo, tanto então como em janeiro de 1855, subordinando-o por um lado, em todos os seus atos e funções a regras pelo mesmo Governo pré-estabelecidas, e deixando-o por outro desprovido dos elementos indispensáveis ao bom desempenho dos deveres que lhe ficavam pautados, e entregue a seus meios particulares.8

Essa duplicidade já estava presente antes mesmo da inauguração do

Conservatório. A primeira manifestação governamental sobre a necessidade de se

oficializar na corte do Império o ensino da música foi realizada pelo Ministro

Antonio Pinto Chichorro da Gama (1800-1887), em seu relatório sobre o ano de

18339. Ali, indicava a conveniência de se criar na ambiência da Academia de Belas-

Artes “uma aula de música, onde o talento dos Brasileiros, tão propenso as Belas-

Artes, possa também neste ramo desenvolver-se, e aperfeiçoar-se”. 10

No mesmo ano de 1833, reunia-se um grupo de músicos, capitaneados por

Francisco Manuel da Silva (1795-1865), para a criação da Sociedade de

Beneficência Musical, ou simplesmente Sociedade de Música, como ficou

conhecida11. Além das finalidades que envolviam a promoção de benefícios sociais

para seus membros, a Sociedade envolver-se-ia com a proposta de criação de um

Conservatório de Música na corte.

Assim, em 1841, é requerida ao Governo a concessão de duas loterias

anuais, pelo período de oito anos, a serem destinadas para esta finalidade, o que é

atendido pelo Governo através do Decreto nº. 238 de 27 de Novembro de 1841. No

entanto, apesar do Ministro Joaquim Marcellino de Brito (1799-1879) anunciar em

1846, que já estava nomeada e em exercício a Comissão Diretora responsável pela

efetiva instalação do estabelecimento12, o Governo demorava a concretizar a

8 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Relatório do diretor da Academia de Belas-Artes e do Conservatório de Música, Antonio Nicolau Tolentino, ao Ministro dos Negócios do Império em 30 de abril de 1875. Biblioteca Nacional, 255.402 a.a. 9 BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro Antonio Pinto Chichorro da Gama. Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral Legislativa na Sessão Ordinária de 1834. Rio de Janeiro, Typographia Nacional. 1834. 10 Idem. P. 9. 11 18 November. Statutes elaborated by Francisco Manuel da Silva for the creation of the Sociedade Beneficência Musical (variously known as Sociedade de Beneficência Musical, Sociedade Musical Beneficência, Sociedade Musical Beneficente, Sociedade Musical, Sociedade de Música) are approved; the society is installed at the church of Nossa Senhora do Parto (erected in 1653) twenty-eight days later. cf. HAZAN, Marcelo. The Sacred works of Francisco Manuel da Silva (1795-1865). Dissertation submitted to the Faculty of the Department of Musicology School of Music of The Catholic University of America. In partial fulfillment of the requirements for the degree Doctor of Philosophy. Catholic University of America: Washington, D.C., 1999. p. 31. 12 BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro Joaquim Marcellino de Brito. Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral Legislativa na 4ª Sessão da 6ª Legislatura. Rio de Janeiro, Typographia Nacional. 1847.

56

extração das loterias, o que levaria Martins Pena (1815-1848) a protestar em seu

folhetim publicado no Jornal do Comércio em 14 de outubro de 1846: Há três para quatro anos, senão mais, que o corpo legislativo

concedeu loterias para a criação de um conservatório de música: aplaudimos semelhante concessão por muito útil e louvamos as pessoas que lhe tinham dado impulso. (...) O Sr. Francisco Manuel da Silva, professor bem conhecido, devia figurar à testa deste estabelecimento, e isto já era por si a garantia de bom êxito.

A desgraça, porém quis que a realização dessa idéia encontrasse obstáculos. Dezenas de loterias correm todos os anos para diferentes objetos; só as concedidas para o mencionado fim não tem podido achar uma aberta para serem extraídas. Lá se vão alguns anos e uma só ainda não se vendeu ou nela não se cuidou.

Pensávamos que a chegada de uma companhia italiana, o bom acolhimento que teve e a necessidade de cultivar-se com mais atenção a arte de Rossini, desse mais impulso a este negócio. Infelizmente nos enganamos. Um só passo não se tem caminhado e o marasmo continua. (...)

Eia, senhores, coragem! Sacudam essa indolência que tantos males causa: digam para que vieram ao mundo, e cumpram com dever que tem todo o cidadão de contribuir com o seu contingente para o edifício social. Nada de indolência, ou o ferrete de homens inúteis recairá sobre vós!13

O protesto surte efeito e no ano seguinte, 1847, extraía-se a primeira das

loterias autorizadas pelo Governo. Mas Francisco Manuel da Silva, já designado

diretor interino do estabelecimento, teria ainda de esperar a conclusão dos reparos

de uma das salas do Museu Nacional, destinada ao funcionamento do

Conservatório. 14

A sessão solene de inauguração ocorre, enfim, no dia 13 de agosto de 1848,

em um salão do andar térreo do Museu Nacional, que ficava no Campo da

Aclamação (atual Praça da República), com a presença do Ministro dos Negócios do

Império e autoridades civis e militares. No discurso proferido pelo Diretor Interino,

destaca-se a ênfase na contribuição que uma instituição de tal ordem, a primeira a

ser fundada no Brasil, proporcionaria ao progresso da nossa civilização.

Francisco Manuel revela as bases de seu pensamento ao buscar na utilização

dada pelos gregos à música sua função social. Estabelece desta forma uma ligação

direta entre música e nação, formalizada através da construção e estabelecimento de

princípios morais: Por todas estas considerações de palpitante interesse, e por ser a cultura da música útil, moral, e necessária, é que as Nações mais ilustradas do

13 Martins Pena Folhetins. P. 48-49 14 BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro José Carlos Pereira de Almeida Torres (Visconde de Macahé). Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 7ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1848.

57

século em que vivemos têm-se esmerado em estabelecer Conservatórios, tendentes a propagar e conservar a arte em toda a sua pureza, cônscia de que as instituições humanas devem ter por base a moralidade, e que as Belas-Artes são essencialmente morais, porque tornam o indivíduo que as cultiva mais feliz e melhor cidadão. 15

O discurso da moralidade como base da arte, ou da arte como possuidora de

uma essência moral, refletia diretamente os anseios de uma sociedade que buscava

sobremaneira distinguir-se como culta e, portanto, detentora dos quesitos básicos a

ser recebida no âmbito das nações civilizadas. A arte não só “amaciaria os gostos”,

como formaria cidadãos que, dentro de um projeto civilizatório voltado para a

estetização do cotidiano, pudessem integrar a ordem que se estabelecia: a ordem

cortesã, estimuladora da boa moral e da doçura dos costumes. 16

Estava, então, lançada oficialmente a instituição que iria alargar o

“patrimônio moral e intelectual da pátria”, desenvolver vocações predestinadas e,

sobretudo, formar artistas de mérito que glorificariam a cena lírica e levariam aos

confins do globo “as inspirações do gênio Americano”. 17

A partir desse momento, Francisco Manuel afirmava ser o Conservatório não

mais um produto da Sociedade de Música, mas um estabelecimento nacionalizado

pelos Poderes Supremos do Estado18, destacando o papel que o Governo teria como

mantenedor e regulamentador da instituição. A ele caberia nomear a comissão

dirigente, composta de diretor, tesoureiro e um secretário, bem como os professores

sugeridos em um primeiro momento pela Sociedade de Música e posteriormente

pela Congregação do Conservatório.

Apesar de todo entusiasmo de Francisco Manuel com a ingerência do

Governo em relação ao Conservatório, somente em 1852 seria extraída a segunda

loteria das que foram autorizadas pelo Governo, sendo assim instalada em 13 de

novembro a segunda aula, dedicada ao ensino de Rudimentos e Solfejo para o sexo

feminino. As demoras e incertezas desanimavam os envolvidos no projeto de

sedimentação do Conservatório, e a despeito do enorme prestígio que Francisco

Manuel detinha, a situação tornava-se cada vez mais precária.

15 SILVA, Francisco Manuel. Discurso pronunciado por ocasião da instalação do Conservatório de Música. Rio de Janeiro, 1848. Documento manuscrito. Biblioteca Nacional. Seção de Manuscrito: II, 34,26,42. 16 PECHMAN, Robert Moses. Idem. P. 15 17 SILVA, Francisco Manuel da. Discurso pronunciado por ocasião da instalação do Conservatório de Música. Idem .ibidem. 18 Idem. p. 22-28.

58

Denunciando esta situação Francisco Manuel, no Almanaque Laemmert19 de

1854, em anúncio dedicado ao Conservatório de Música, informava em um adendo

que o desenvolvimento desta instituição estava fora do alcance da comissão de

artistas que a dirigiam, pela falta de regularidade na extração das loterias, sobretudo

pela pouca atenção que ainda merecem as artes neste país20. Forte manifesto de um

artista que gozava das graças do Estado, mais uma reação do Governo.

No mesmo ano é decidida a incorporação do Conservatório à Academia de

Belas-Artes, acrescendo a música ao quadro de especialidades existentes

(arquitetura, escultura, pintura, ciências) nesta instituição. Em janeiro do ano

seguinte, através de decreto21, o governo instituía uma nova organização para o

estabelecimento.

Duas mudanças seriam realizadas imediatamente: a mudança de sua sede do

Museu Nacional para o prédio da Academia e a ampliação de seu corpo docente e

discente, como podemos observar nos gráficos a seguir. Apesar de se tornar uma

seção da Academia, o Conservatório ainda continuava um corpo independente, com

direção e administração próprias. Entretanto, passava a incorporar certas facilidades

antes particulares da Academia, como a possibilidade de enviar à Europa alunos que

se destacassem.

19 O 'Almanaque Laemmert' foi publicado anualmente pela Editora Laemmert, na cidade do Rio de Janeiro, no período de 1844 a 1889. Seu conteúdo relaciona nominatas dos oficiais da Corte e seus ministérios, Guarda Nacional, nobreza titulada, profissionais dos mais diversos ramos de atividade, além de suplementos com informações sobre legislação, dados do censo e propaganda comercial, entre muitos outros. 20 Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1854. Organizado e Redigido por Eduardo Laemmert. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1854. p. 324 21. BRASIL. Decreto nº. 1542 de 23 de janeiro de 1855. Dá nova organização ao Conservatório de Música. Collecção das leis do Império do Brasil de 1855. Tomo XVIII. Parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1856. p. 54-57

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Número de alunos do Conservatório

Fontes: Acervo Museu D. João VI; Relatórios do Ministro de Estado dos Negócios de Estado (1848-1889); Almanaque Laemmert (1849-1889); Relatórios dos Diretores do Conservatório de Música ao Ministro de Estado dos Negócios do Império

(1856-1887).

Gráfico 2

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Número de Professores do Conservatório

Fontes: Acervo Museu D. João VI; Relatórios do Ministro de Estado dos Negócios de Estado (1848-1889); Almanaque Laemmert (1849-1889); Relatórios dos Diretores do Conservatório de Música ao Ministro de Estado dos Negócios do Império

(1856-1887).

O Relatório do Ministro dos Negócios do Império sobre o ano de 1855

festejava as mudanças e comemorava seus efeitos:

O Decreto nº. 1.542, de 23 de Janeiro do ano passado, que reorganizou o Conservatório, dando-lhe o desenvolvimento que tanto carecia, vai-se executando, e apresenta já resultados que se podem considerar satisfatórios. Assim o demonstraram os exercícios públicos que, no dia 15 de Março último, fizeram os alunos, em uma das salas da Academia das Belas-Artes, onde em geral manifestaram adiantamento, e deram algumas provas de vocação e talento especial, que lhes promete um futuro esperançoso. (...) Continuam os alunos mais adiantados a ser aproveitados no Coro da Capela Imperial, e nos de diversas Igrejas, onde recebem um estipêndio, embora por em quanto limitado [sic], suficiente para acoroçoá-los desde já na carreira a que se dedicam, fazendo-lhes entrever um futuro que os acobertará da indigência. Seu prestante Diretor, o Professor Francisco Manoel da Silva, prossegue no

60

desempenho de suas funções, com zelo e dedicação dignos de bem cabido elogio. 22

A anexação do Conservatório era uma das várias facetas que marcaram a

reformulação da Academia de Belas-Artes, empreendida dentro da Reforma

Pedreira. Esta reforma, comandada pelo Ministro Luiz Pedreira do Couto Ferraz

(1818-1886), tinha como objetivo reformular a instrução pública, dotando as

instituições de ensino, incluindo os cursos superiores e as academias, com estatutos

e regras internas meticulosas.

Essas medidas disciplinadoras conferiam sustentação ao projeto de

centralização monárquica, delegando o controle da instrução ao governo central, e

utilizando-a como meio de difusão de valores como ordem, monarquia, entre

outros23. Em igual medida, a Reforma Pedreira refletia o processo civilizatório

capitaneado pelo Imperador, ao adotar para instrução pública modelos que,

observados à distância, escriturassem a possibilidade da participação do Brasil no

grande conjunto das nações civilizadas.

Para além de uma política de instrução pública, estava em jogo a construção

de um Estado imperial, embasado numa classe senhorial que forjava seus

mecanismos de expansão. Tratava-se, pois, de distinguir os cidadãos da massa de

escravos e, sobretudo, libertá-los da barbárie ao mesmo tempo em que, adotando

princípios diferenciadores e hierarquizantes presentes na sociedade, tornava-se claro

o papel que se reservava a cada um, de acordo com a posição social ocupada. 24

Sintomaticamente, ao Conservatório não seria destinado, ainda, um estatuto

próprio. Somente um Plano25, que deveria nortear a nova organização pretendida

para o estabelecimento. Neste Plano, retirava-se do Conservatório a finalidade de

formar artistas para o culto e o teatro como previsto em 1847. Agora, ele

simplesmente continuaria a admitir gratuitamente pessoas que quisessem se dedicar

ao estudo da música. O Governo afirmava sua ingerência na instituição ao

determinar que somente na forma de decretos poderia se nomear professores e 22 BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro Luiz Pedreira do Couto Ferraz. Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral Legislativa na 4ª Sessão da 9ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1856. P. 68-69. 23 SQUEFF, Letícia Coelho. A reforma Pedreira na Academia de Belas-Artes (1854-1857) e a constituição do espaço social do artista. Cadernos Cedes, ano XX, nº. 51, novembro de 2000. p. 106. 24 MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema. São Paulo: Hucitec, 2004. p. 287 25 BRASIL. Decreto 1.542 de 23 de Janeiro de 1855. Dá nova organização ao Conservatório de Música. Collecção das leis do Império do Brasil de 1855. Tomo XVIII. Parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1856. p. 54-57.

61

funcionários, criar novas aulas, determinar salários e aprovar os estatutos que

deveriam ser organizados e submetidos ao Governo pela Junta dos Professores.

O fato de não haver sido o Conservatório objeto de uma intervenção

disciplinar mais rígida, com a criação dos estatutos e definição de regras

meticulosas de funcionamento, pode ser entendido de duas maneiras. A primeira

delas está relacionada ao estágio ainda embrionário da instituição, que a despeito

dos anos de funcionamento, somente naquele momento passaria a ter aulas de canto,

regras de acompanhar e órgão, instrumentos de sopro (clarinete e flauta) e

instrumentos de corda (rabeca e violoncelo). Estas viriam a agregar-se às aulas de

rudimentos de música, solfejo e noções gerais de canto para sexo masculino e

feminino, que já existiam anteriormente. De fato, foi a partir desta nova organização

que tomava a instituição os ares de um pretenso Conservatório.

A segunda explicação está relacionada ao desconhecimento da posição

social a ser ocupada pelos músicos dentro da expansão pretendida na construção do

Estado Imperial. Segundo José Murilo de Carvalho26, o ensino superior somado à

ocupação contribuía para a unidade da elite imperial. A ocupação, explica o autor,

se “aliada a profissão pode constituir importante elemento unificador mediante a

transmissão de valores, do treinamento, e dos interesses materiais que se baseia”.

A ocupação “pode também ser vista como um indicador de posição social”.

Manuel Araújo Porto Alegre (1806-1879), nomeado diretor da Academia de

Belas-Artes em 1854, não estava alheio a estas particularidades. Ao realizar na

Academia uma vasta reforma, alinhada à Reforma Pedreira, foi além da simples

reestruturação curricular do estabelecimento: delimitou em espaços distintos

artífices e artistas.

Nas aulas de matemáticas aplicadas, de desenho geométrico, de escultura de

ornatos e de desenho de ornatos, os estatutos da Academia previam a existência de

duas espécies de alunos: os artistas e os artífices, ou seja, os que se dedicam às

Belas-Artes e os que professam as artes mecânicas27. Os artífices teriam ainda um

livro próprio de matrícula, no qual declarariam a profissão que exercem, para que

tivessem seus estudos convenientemente direcionados pelos professores.

26 CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro das Sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 95. 27 BRASIL. Decreto 1603 de 14 de maio de 1855. Estatutos da Academia de Belas-Artes. Collecção das Leis do Império do Brasil de 1855. Tomo XVIII. Parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1856. p. 414.

62

Em discurso realizado na abertura solene das aulas em 2 de Junho de 1855,

Porto Alegre conclamava: Mocidade deixai o prejuízo de almejar os empregos públicos, o

tilosses28 (sic) das repartições, que vos envelhece prematuramente, e vos conduz a pobreza e a uma escravidão contínua; aplicai-vos às artes e à indústria: o braço que nasceu para o rabote29 ou para a trolha30 não deve manejar a pena. Bani os preconceitos de uma raça decadente, essas máximas da preguiça e da corrupção: o artista, o artífice e artesão são tão bons obreiros na edificação da pátria sublime como o padre, o magistrado e o soldado: o trabalho é a força, a força inteligência, e a inteligência poder e divindade. 31

Desta forma, afirmando a importância do profissional das artes plásticas e

elevando o seu reconhecimento social ao mesmo nível das profissões destinadas à

elite, como o magistrado, o soldado ou o religioso, Porto Alegre afastava o

preconceito que cercava as atividades manuais e oferecia uma alternativa digna aos

membros da elite em busca de uma ocupação.

No âmbito do Conservatório, essa era uma distinção ainda não possível de

ser elaborada. Ao dedicar ao Imperador o seu Compêndio de Princípios

Elementares de Música32, que seria utilizado nas aulas do estabelecimento,

Francisco Manuel da Silva ao mesmo tempo em que concebe o Conservatório como

instituição destinada às diversas gamas da sociedade ainda limita o exercício da

profissão de músico a um determinado segmento: A instituição de um Conservatório de Música pressagia grandes e

salientes vantagens; (...) já facilitando a todas as classes da sociedade o ensino regular e metódico de uma arte, cujas fruições puras e agradáveis dão vigor ao operário em suas fadigosas tarefas, minoram as provações do pobre, dando-lhe uma profissão útil e lucrativa, expelem o tédio do abastado (grifo nosso), e embelezam a existência do gênero humano.33

Todavia, o século XIX traria mudanças na própria organização interna da

“sociedade dos músicos”. A autoridade do compositor representado, por exemplo,

na figura do Mestre de Capela, ou Mestre da Música do Teatro, já não residia

somente na sua capacidade de compor obras para as finalidades circunscritas à sua

posição: a circularidade das partituras das obras musicais obrigava-o a atuar também 28 Pensamos que Porto Alegre se refere a týlosis, calosidade s. f., pequeno calo também chamado olho-de-perdiz; calosidade em geral. 29 Espécie de plaina de carpinteiro. 30 Espécie de pá, em que o carpinteiro coloca a argamassa de que se serve. 31 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Manuel de Araújo Porto Alegre. Discurso proferido na abertura solene das aulas. 2 de junho de 1855. Livro de registo das atas (1841-1857). Acervo Museu D. João VI. Notação: 6151. 32 SILVA, Francisco Manuel da Silva. Compendio de Princípios Elementares de Música para uso do Conservatório do Rio de Janeiro. 4ª edição Rio de Janeiro: Narciso Arthur Napoleão. Biblioteca Nacional. Divisão de Música: OR. A-II. T-19fa. 15p. 33 Idem, ibidem. p. 2

63

como regente, cuja principal tarefa era organizar para que o crescente repertório

disponível fosse cuidadosamente ensaiado e apresentado. 34

Portanto, qual seria, no campo da música, a posição correlata ao “artista” de

Porto Alegre? O compositor, o regente, ou o virtuose instrumentista que começava a

ocupar seu espaço de distinção? Era necessário procrastinar as hierarquizações e as

adoções de princípios diferenciadores. Esperar fazer-se clara a posição a ser

ocupada pelos músicos na sociedade Imperial.

E foram necessários vinte anos para que o estatuto do Conservatório viesse a

ser tratado como uma questão imperativa. Em seu relatório de 1875, anteriormente

citado, Antonio Nicolau Tolentino, comunica ao Ministro do Império: Prevalecendo-me da circunstância de se não haver ainda até hoje

cumprido a previdente disposição do artigo 15 do referido plano de 1855, que diz: “A Junta de Professores organizará e submeterá a aprovação do Governo os estatutos do Conservatório, providenciando de harmonia com as disposições dos artigos antecedentes sobre tudo quanto for concernente ao regime, disciplina e economia das aulas, método de ensino, admissão dos alunos, exames e prêmios destes, bem como ao processo dos concursos para o provimento das aulas, e a maneira de se regularem as condições e proposta para as viagens a Europa dos alunos ou artista de que trata o artigo11 §2º”; entendi oportuno dar execução a tão bem concebido preceito, e por isso, desde logo reunindo uma junta de Professores, incumbia-a desse importante trabalho, que espero, depois de revisto e discutido, ter em breve a honra de submeter ao juízo esclarecido de V. Ex. 35

Reúnem-se então os professores, entre os anos de 1875 e 1876 para formular

o Projeto de Estatutos e Reorganização do Conservatório, a ser apresentado ao

Ministério dos Negócios do Império36. Entre os diversos nomes envolvidos na

formulação destacam-se os nomes de Joaquim Antonio Callado, Hugo Bussmeyer

(1842-1912) e Cavalier Darbilly que teria sido o relator do projeto37. Este projeto,

aprovado pelo Ministério, foi posto por em execução provisoriamente, pelo Aviso de

16 de julho de 1878. Provisoriamente – é a ressalva do governo –. Mais uma vez

procrastina a chancela e definição das regras específicas de funcionamento da

34 RAYNOR, Henry. História Social da Música, da idade média a Beethoven. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. p. 407. 35 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Relatório do diretor da Academia de Belas-Artes e do Conservatório de Música, Antonio Nicolau Tolentino, ao Ministro dos Negócios do Império em 30 de abril de 1875. Biblioteca Nacional, 255.402 a.a. 36 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Projeto de estatutos do conservatório de música: organizado para o cumprimento do art. 15 do Decreto n° 1542 de 23 de janeiro de 1855, e mandado por em execução provisoriamente pelo Aviso de 16 de Junho de 1878. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1878. 19p. Biblioteca Nacional. Divisão de Música: OR. A-II. I-24. 37 PAOLA, Andrely Quintella de; GONSALES, Helenita Bueno. Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro: História & Arquitetura. Rio de Janeiro: UFRJ, SR5, 1998. p. 34

64

instituição. Somente em 1881 seriam formalmente decretados os Estatutos do

Conservatório38. Na oposição destes dois estatutos percebemos o embate travado

entre professores e governo, em torno da regulamentação da instituição.

Enquanto para os professores, segundo os estatutos de 1878, o Conservatório

teria além da função de ensino da música a responsabilidade da propagação e

aperfeiçoamento no Império, o governo, laconicamente, mantém sua definição de

ser esta instituição simplesmente destinada ao ensino gratuito da música vocal e

instrumental. Ou seja, se na proposta dos professores havia a intenção de

transformar o Conservatório em instituição modelar para o ensino e difusão da

música no Império, o governo refuta tais pretensões, restringindo suas funções a

uma perspectiva meramente pedagógica, sem corroborar sua idéia de expansão.

Em geral, os estatutos de 1878 tentam dar destaque à atuação do professor,

ampliando sua ingerência, principalmente nas questões do ensino. Mas também

experimentam uma ampliação no que diz respeito à efetivação e controle do

concurso para preenchimento de vagas, bem como tentam intermediar a punição dos

professores faltosos, colocando-se como interlocutores do diretor ou do Ministro do

Império, conforme a gravidade da falta. Mas o governo rejeita esta participação,

limitando a ação da Junta dos Professores à questão pedagógica e à formulação das

instruções que regulam o concurso para os lugares de professor.

Os estatutos de 1878 trazem a inclusão na hierarquia do Conservatório do

cargo de Inspetor de Ensino39. Esta função seria desempenhada por um professor ou

por algum músico estranho ao Conservatório, de reconhecida distinção. O inspetor

de ensino seria a figura máxima do Conservatório, abaixo apenas do diretor e vice-

diretor da Academia de Belas-Artes, que também acumulava a direção do

Conservatório. Podia mesmo, segundo os estatutos de 1881, substituir o diretor

quando este não estivesse presente no estabelecimento ou em casos de seu

impedimento40.

A criação do cargo de Inspetor de Ensino era mais uma tentativa do

Conservatório de conseguir certa autonomia em relação à direção da Academia de

Belas-Artes. A definição do cargo de diretor41, no projeto dos professores,

38 BRASIL. Decreto n. 8.226 de 20 de agosto de 1881. Dá estatutos ao Conservatório de Música. Collecção das Leis do Império do Brasil de 1881. Parte II. Tomo XLIV. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1882. 39 O cargo de inspetor de ensino será mantido nos estatutos de 1881. 40 Estatutos 1878. Art. 4. 41 Estatutos 1878. Art. 4.

65

mencionava vagamente a responsabilidade da direção e administração geral do

Conservatório, sem estabelecer qualquer vínculo para a ocupação do cargo.

Entretanto, o governo, em 1881, reafirma a dependência da instituição à Academia

ao estabelecer claramente que a direção do Conservatório seria exercida pelo diretor

da Academia, assim como também dividiriam os dois estabelecimentos o mesmo

secretário. 42

Outro ponto em comum aos dois estatutos era o caráter altruísta da função de

diretor, secretário e tesoureiro do Conservatório: as mesmas continuavam a ser

exercidas sem o direito de receber qualquer pagamento. Também professores

exerciam gratuitamente seus cargos sem gerar custos para o governo, tornando-se

esta particularidade uma rotina no Conservatório.

Como vimos anteriormente, Cavalier Darbilly ofereceu seus préstimos

gratuitamente para o Governo, exercendo o magistério, nestas condições, pelo longo

período de dez anos. Luiz Pedreira do Couto Ferraz destaca em seu relatório de

185543 os votos de louvor que merecem o Professor Francisco da Mota e o Padre

Manoel Alves Carneiro, por terem desempenhado gratuitamente os cargos de

secretário e tesoureiro do Conservatório. De igual forma, o flautista Joaquim

Antonio da Silva Callado foi nomeado por portaria de 4 de maio de 1870 para o

lugar de professor interino da cadeira de flauta, sem vencimento algum, conforme

requereu. 44

Esse fato permite um paralelo ao que Pierre Bordieu45 chama de interesse

pelo desinteresse da ordem artística. Verdadeiro desafio a todas as formas de

economismo, esta atitude desinteressada assume relevante grau de autenticidade

pelo fato de em sua iniciativa não objetivar o ganho material. Entretanto, como bem

elucida o sociólogo francês, haveria uma lógica econômica embutida nesta atitude

altruísta: a possibilidade de acesso aos lucros simbólicos, que são eles próprios, nas

palavras do autor, suscetíveis de serem convertidos, em prazo mais ou menos longo,

em lucros econômicos. 46

42 Estatutos 1881. Art. 4. 43 BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro Luiz Pedreira do Couto Ferraz. Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral Legislativa na 4ª Sessão da 9ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1856 44 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do diretor ao Ministro dos Negócios do Império Carlos Leôncio de Carvalho. 25 de Fevereiro de 1878. Documento manuscrito. Acervo Museu D. João VI. Notação 2109. 45 BORDIEU, Pierre. As regras das artes: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das letras, 1996. p. 245 46 Idem. p. 245

66

Assim, observamos que estar integrado ao Conservatório poderia ser a porta

de entrada para outros trabalhos nos diversos campos de atividades musicais, como

o teatro e a Capela Imperial, que representariam o ganho material necessário à

subsistência. É o caso, por exemplo, de Antonio Luiz de Moura, professor de

clarinete por várias décadas no Conservatório. A partir de 1851, ele passa a ser

citado como 1º secretário da Sociedade de Música47; em 1855, é nomeado professor

do Conservatório e começa atuar no Teatro Lírico Fluminense48; em 1856, já está

integrado como clarinetista da Capela Imperial. 49

No caso de Cavalier Darbilly, esta realidade se faz ainda mais presente ao

percebermos o músico à frente de uma instituição comercial que fornecia material de

escritório, desenho e pintura para a Academia de Belas-Artes, pela qual o

Conservatório fora anexado em 1855. Esta relação se estabelece por volta de 185650,

quando surgem as primeiras notas de compras efetuadas pela Academia na Casa C. J.

Cavalier, a empresa familiar de Darbilly. A partir do decênio de 1870, a firma é

assumida por Cavalier Darbilly, que empresta seu nome à razão social da empresa:

Carlos Severiano Cavalier e Companhia.

Nas transcrições abaixo, podemos observar que o volume dos negócios era

significativo, e que esta relação antecede a chegada do pianista e compositor ao

Conservatório e permanecerá até o último ano de funcionamento desta instituição51.

Ela ainda continuaria após a proclamação da República e ao afastamento de Darbilly

de suas funções de professor de música do Conservatório.

Relação das Contas das diferentes despesas feitas na Academia das Belas-Artes durante o mês de

Março do ano financeiro de 1873 a 1874. Nº. 1 Conta de Carlos Severiano Cavalier e Companhia. Papel de desenho e

outros artigos que forneceu. 249$400

Nº. 2 Conta de Antonio Bernardes Pereira Netto; sua gratificação como ajudante do conservador da Pinacoteca.

20$000

Nº. 3 Conta de Antonio Joaquim Pereira Falcão; sua gratificação como ajudante do conservador da Pinacoteca.

20$000

Nº. 4 Conta de João da Costa; Porteiro da Academia. 70$780 Somma 360$180

Thomaz Gomes dos Santos Fonte: Museu D. João VI. Demonstrativo de receitas e despesas da Academia de Belas-Artes. Notação 2769

47 Almanaque Laemmert, 1851, 1853, 1854, 1855, 1856. 48 Almanaque Laemmert, 1855, 1856. 49 Almanaque Laemmert, 1856 e 1859. 50 No Almanaque Laemmert de 1888, há um anuncio da casa comercial de Cavalier Darbilly, sucessora da Casa Cavalier, em atividade a partir do ano de 1855. Almanaque Laemmert, 1888. 51 No Acervo do Museu D. João VI encontramos a minuta de contrato entre o diretor da academia e o negociante Carlos Severiano Cavalier Darbilly, para fornecimento de artigos de escritório, desenho e pintura durante o ano de 1889. Acervo Museu D. João VI. Notação nº. 2639.

67

Relação das Contas das diferentes despesas feitas na Academia das Belas-Artes durante os meses de Julho a Agosto do ano financeiro de 1887

Nº. 1 Conta de Carlos Severiano Cavalier Darbilly 604$900 Nº. 2 Conta de Manoel Pereira da Silveira Junior 40$320 Nº. 3 Conta de Aurélio Ferreira dos Santos 41$000 Nº. 4 Conta de Eusébio Pires Ferreira 70$120 Nº. 5 Conta de Benvenuto Berna 40$000 Nº. 6 Conta de João José da Silva 80$000 Somma 876$360

Importa esta relação em oitocentos e setenta e seis mil trezentos e sessenta reis. Antonio Nicolau Tolentino

Fonte: Museu D. João VI. Demonstrativo de receitas e despesas da Academia de Belas-Artes. Notação 2769.

Notas Fiscais de compra de material pela Academia de Belas-Artes e Escola Nacional de Belas-Artes, fornecidas pelas diversas razões sociais da Casa Cavalier.

Razão Social Data Valor C. J. Cavalier e Cia. 1863 1.435$808

Carlos Severiano Cavalier e Companhia

31 de Março de 1877 1:572$380

C. S. Cavalier-Darbilly – Antiga Casa Cavalier

31 de Dezembro de 1890 365$800

Fonte: Museu D. João VI. Notas de despesas efetuadas pela academia, várias até o ano de 1890. Notação 451.

Com a formalização do concurso para o preenchimento do cargo de professor,

a possibilidade de oferta gratuita para o exercício do magistério ficava

comprometida, mantendo-se somente para os cargos altos da hierarquia do

Conservatório.

A normatização da relação dos professores com o Conservatório também

seria objeto dos estatutos de 1878, no que diz respeito à disciplina dos mesmos. Ao

estabelecer as penalidades aplicáveis às faltas e aos delitos praticados pelos

professores52, oferecem uma escala de valores a respeito de comportamentos e atos

considerados inadequados. A falta mais grave era usar de palavras afrontosas contra

os superiores ou contra seus colegas nas reuniões do Conservatório, mesmo depois

de ser chamado a atenção pelo diretor. Para esta falta, a maior das penas: suspensão

do exercício com o correspondente desconto do vencimento de 15 a 30 dias. Esta

suspensão, porém, só seria aplicada depois de aprovada pelo Governo.

Menos importante do que a falta de bons modos para com seus pares era a

ausência em sala de aula. Para os que sem motivo justo deixassem de dar aulas

quatro vezes seguidas, a penalidade era apenas o desconto de 10 a 30 dias do

vencimento. Para os que sem motivo justificado faltassem à sessão da junta; não

comparecessem a atos e funções para os quais fossem nomeados; ausentassem-se

antes do devido tempo das suas aulas ou dos deveres que tivessem que desempenhar,

52 Estatutos 1878. Art. 70.

68

a penalidade era o desconto de um dia dos vencimentos. E por último, para aquele

que deslizasse do cumprimento do dever, a penalidade da repreensão e admoestação.

Os alunos também seriam contemplados com normas rígidas de

comportamento e disciplina, bem como na fixação de regras para exames, concursos,

prêmios e admissão. Pela primeira vez era exigido dos alunos que desejassem

ingressar no Conservatório um mínimo de escolaridade a ser comprovado por exame

ministrado pelo inspetor de ensino, onde deveriam mostrar que sabem ler, escrever e

contar53. Nos estatutos de 1881, a regra ainda seria mais abrangente, devendo os

alunos comprovar através de documentos terem sido vacinados em prazo menor do

que quatro anos, apresentar certificado de exame em escola pública, ou atestado

passado por professor público ou particular de que sabiam ler, escrever corretamente

e praticar as quatro operações aritméticas. 54

Esperava-se dos alunos um comportamento exemplar, devendo estes estar

sempre presentes as aulas com antecedência, conservando-se em silêncio até a

entrada dos professores e somente se retirando após os mesmos55. Poderiam ser

responsabilizados por qualquer dano causado ao prédio do Conservatório como a

qualquer material utilizado. Não lhes era permitida a recusa na participação de

qualquer ato público ou particular do Conservatório, nem poderiam atuar em

qualquer atividade musical fora deste sem a prévia autorização do inspetor de

ensino.56

Nos atos públicos ou particulares da instituição, era proibida aos alunos

qualquer manifestação de aplauso ou de reprovação57. Mesmo fora do Conservatório,

os alunos ficavam sujeitos à autoridade e à vigilância da instituição, podendo, em

caso de cometerem qualquer ato considerado imoral ou indecoroso, serem

penalizados de acordo com as regras previstas nos estatutos. 58

Em 1881 o governo reitera essas normas de comportamento e define as

circunstâncias de aplicabilidade e o valor das penas59. Os delitos contra os costumes

eram considerados os mais graves, prevendo a imediata expulsão do aluno. Os alunos

que durante os exames, concursos ou atos públicos desrespeitassem o diretor, o

53 Estatutos 1878. Art. 30. 54 Estatutos 1881. Art. 22. 55 Estatutos 1878. Art. 64. 56 Estatutos 1878. Art. 66. 57 Estatutos 1878. Art. 67 58 Estatutos 1878. Art. 68 59 Estatutos 1881. Art. 50.

69

inspetor de ensino ou os professores, poderiam perder o direito de participação nos

concursos anuais, ou perder o ano escolar, ou mesmo serem expulsos, dependendo

das circunstâncias dos delitos.

Os alunos reincidentes na irregularidade de conduta ou na recusa em

participar de atos públicos do Conservatório poderiam perder o direito de

participação nos concursos anuais e perder o ano escolar, conforme a avaliação da

Junta dos Professores. Os alunos que apenas deixassem de comparecer uma vez a

estas ocasiões, seriam repreendidos particularmente ou em sala de aula.

Apesar de toda a regulamentação, o número de alunos que participavam dos

exames finais continuava a corresponder quase à metade dos alunos matriculados,

demonstrando que um significativo número de alunos não concluía seus estudos no

Conservatório.

Gráfico 3

R e l a ç ã o e n t r e a l u n o s m a t r i c u l a d o s e q u e p r e s t a r a m e x a m e s

1 5 5

1 3 9

1 5 2

1 2 4

1 0 81 1 6 1 1 2

1 4 6

1 1 2

1 4 2

1 6 81 7 5

1 3 71 2 7

9 9

1 1 8

1 4 8

1 8 1

2 0 0

6 0 5 66 1 6 5

4 55 3

6 5 6 6

7 88 3 8 4

6 0

4 8

6 06 8

8 0

9 61 0 3

6 3

0

5 0

1 0 0

1 5 0

2 0 0

2 5 0

1 8 7 0 1 8 7 1 1 8 7 2 1 8 7 3 1 8 7 4 1 8 7 5 1 8 7 6 1 8 7 7 1 8 7 8 1 8 7 9 1 8 8 0 1 8 8 1 1 8 8 2 1 8 8 3 1 8 8 4 1 8 8 5 1 8 8 6 1 8 8 7 1 8 8 8

núm

ero

tota

l de

alun

os m

atric

ulad

os

t o t a l d e m a t r i c u l a d o s p r e s t a r a m e x a m e s

Fontes: Acervo Museu D. João VI; Relatórios do Ministro de Estado dos Negócios de Estado (1871-1889); Almanaque Laemmert (1871-1889); Relatórios dos Diretores do Conservatório de Música ao Ministro de Estado dos Negócios do Império

(1871-1887).

Entre os aptos a realizar os exames, que podiam incluir também alunos-

ouvintes, o número de ausentes era significativamente maior que o de aprovados e

reprovados. O elevado número de ausentes poderia indicar uma tática para evitar a

expulsão após duas reprovações. Podemos observar no Gráfico 4 que logo após a

instauração dos estatutos de 1881, o número de ausentes cai e o número de

reprovados cresce significativamente. Os estatutos previam a possibilidade de

repetição do ano em caso de reprovação, sendo aplicada a pena de expulsão em caso

de reincidência. Mas não apresentava nenhuma previsão punitiva para os ausentes.

70

Entre os aprovados, havia diferença de categorias, sendo elas qualificadas em

“simplesmente”, “plenamente” e “com distinção”. Dentro dos estatutos de 1878, os

resultados dos exames eram obtidos através de escrutínio60, sendo aprovado

“simplesmente” o aluno que só tivesse a seu favor a maioria de esferas brancas, e

“plenamente”, o que obtivesse todas brancas. Os alunos aprovados plenamente

poderiam, por sugestão de um dos membros da comissão examinadora, ser objeto de

nova votação, recebendo o título de “aprovado com distinção” aquele que obtivesse a

unanimidade dos votos.

Gráfico 4

R e s u lt a d o s d o s e x a m e s

0

2 0

4 0

6 0

8 0

1 0 0

1 2 0

1 4 0

núm

ero

de a

luno

s

n ã o c o m p a r e c e r a m a p r o v a d o s p le n a m e n te a p r o v a d o s s im p le s m e n te a p r o v a d o s c o m d is t in ç ã o r e p r o v a d o s

n ã o c o m p a r e c e r a m 2 5 4 5 4 9 6 1 5 3 1 0 8 1 3 0 8 7 3 6 8 3 4 0 4 8 8 0

a p r o v a d o s p le n a m e n te 2 1 1 3 2 9 2 2 2 6 1 9 5 5 2 9 2 5 3 2 3 6 2 8 3 7

a p r o v a d o s s im p le s m e n te 1 8 3 7 2 4 3 8 2 5 4 9 1 6 2 9 1 5 1 9 2 5 3 7 2 9

a p r o v a d o s c o m d is t in ç ã o 2 2 5 3 1 5 8 1 1 9 8 9 1 7 2 4 2 7

r e p r o v a d o s 4 1 7 2 1 1 7 2 7 1 0

1 8 7 4 1 8 7 5 1 8 7 6 1 8 7 7 1 8 7 8 1 8 7 9 1 8 8 0 1 8 8 1 1 8 8 3 1 8 8 4 1 8 8 6 1 8 8 7 1 8 8 8

Fontes: Acervo Museu D. João VI; Relatórios do Ministro de Estado dos Negócios de Estado (1871-1889); Relatórios dos Diretores do Conservatório de Música ao Ministro de Estado dos Negócios do Império (1871-1887).

Observamos que na distribuição dos alunos pelas diversas aulas oferecidas

pelo Conservatório, grande número de estudantes concentra-se na aula de rudimentos

de música, solfejos e noções gerais de canto, a matéria elementar do curso de

música. A esperada migração dos alunos para os cursos de instrumento ou canto não

acontecia seja pela reprovação ou desistência de participar dos exames.

60 Estatutos 1878. Art. 38. Nos estatutos de 1881 o resultado dos exames era obtido através de votação nominal, mas mantinham os critérios de aprovação. 1881. Art. 34.

71

Gráfico 5

D i s p o s i ç ã o d o s a l u n o s n a s a u l a s d o C o n s e r v a t ó r i o

05

1 01 52 02 53 03 54 04 55 05 56 06 57 07 58 0

Núm

ero

de a

luno

s

R u d im e n to s m a s c . 7 2 4 1 6 0 6 4 5 3 3 8 2 8 3 7 2 5 2 5 2 5 2 8 1 5 3 1 1 1

R u d im e n to s f e m . 4 9 4 0 3 1 5 0 4 0 6 1 5 0 5 4 3 9 5 3 7 0 5 9 5 2 5 7

C a n t o G e r a l 2 7 2 7 3 3 4 5 4 4 2 5 1 9 1 4 2 4 1 5 1 8 1 2

R a b e c a 6 1 0 1 0 6 1 1 5 1 1 1 0 1 0 7 7 5 2

C la r in e te 3 3 8 4 5 3 6 6 1 2 2 3 2

C e l lo e C . B a ix o 6 7 8 6 7 4 7 6 4 5 6 2 3

F la u ta 3 1 6 6 1 3 2 4 2 5 3

R e g r a s d e a c o m p a n h a r a o o r g ã o 2 5 1 6 1 1 1 1 1 0 1 0

P ia n o g e r a l 8 1 0 1 6 4 3 3 5 1 5 1 2

1 8 4 8 1 8 5 3 1 8 5 5 1 8 6 7 1 8 6 8 1 8 6 9 1 8 7 0 1 8 7 1 1 8 7 3 1 8 7 4 1 8 7 5 1 8 7 7 1 8 7 8 1 8 8 3 1 8 8 4

Fontes: Acervo Museu D. João VI; Relatórios do Ministro de Estado dos Negócios de Estado (1848-1889); Almanaque Laemmert (1849-1889); Relatórios dos Diretores do Conservatório de Música ao Ministro de Estado dos Negócios do Império

(1856-1887).

Outro ponto que se destaca em relação aos alunos do Conservatório é a

participação das mulheres no corpo discente da instituição. É interessante observar

que o acesso de mulheres a estabelecimentos de ensino era extremamente limitado.

Por volta de 1870 o Império possuía 5.077 escolas primárias, públicas e particulares,

freqüentadas por 114.014 alunos e 46.246 alunas. 61

O Imperial Colégio de Pedro II, estabelecimento de ensino secundário

modelar, era exclusivamente masculino, havendo curto período, no decênio de 1880,

quando algumas alunas foram admitidas. Este pequeno espaço de tempo foi

interrompido, de acordo com Ângela Reis62, pela recusa do governo em destinar

fundos para contratar uma mulher que acompanharia e vigiaria as alunas nas aulas.

Outra opção de ensino, diz a autora, era o Liceu de Artes e Ofícios, que em

1881 acrescenta para moças cursos especializados e de grande procura em música,

desenho e português, mas não em filosofia, álgebra e retórica, como existia no Pedro

II. Sendo o ensino secundário de difícil acesso, por conseqüência era ainda mais

restrito o ingresso a cursos superiores, que só a partir de 1879 passam a admitir a

inscrição de mulheres.

61 REIS, Ângela. Cinira Polônio, a divette carioca: estudo da imagem pública e do trabalho de uma atriz no teatro brasileiro da virada do século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999. P. 63 62 Idem. P. 64.

72

No Conservatório de Música, entretanto, a partir do decênio de 1870 elas já

são maioria, e no decênio de 1880 o número de alunas é o dobro de alunos que

freqüentavam o estabelecimento.

Gráfico 6

V a r i a ç ã o d o s a l u n o s d o C o n s e r v a t ó r i o d e a c o r d o c o m g ê n e r o

0

2 0

4 0

6 0

8 0

1 0 0

1 2 0

1 4 0

1 6 0

1 8 0

1848

1853

1855

1856

1857

1858

1859

1860

1861

1862

1863

1864

1865

1866

1867

1868

1869

1870

1871

1872

1873

1874

1875

1876

1877

1878

1879

1880

1881

1882

1883

1884

1885

1886

1887

1888

N° d

e al

unos

m a s c . f e m .

Fontes: Acervo Museu D. João VI; Relatórios do Ministro de Estado dos Negócios de Estado (1848-1889); Almanaque Laemmert (1849-1889); Relatórios dos Diretores do Conservatório de Música ao Ministro de Estado dos Negócios do Império

(1856-1887).

Em seu relatório anual de 1871 sobre o Conservatório, apresentado ao

Ministério dos Negócios do Império, o diretor da Academia de Belas-Artes e do

Conservatório de Música Thomas Gomes dos Santos (1803-1874) desvenda o perfil

das alunas do estabelecimento:

Esta instituição, criada por iniciativa particular, e sem pesar aos cofres da nação, tem dado um meio de vida honesto a grande número de donzelas pobres, que tiram os meios de sua subsistência do exercício da música. (...) Se for concedida ao Conservatório de Música uma suficiente subvenção, dever-se-á em minha opinião, e na de seus professores, criar imediatamente uma cadeira de piano, e outra de instrumentos de metal, que serão de imensa utilidade. Muitas alunas, depois de aprenderem bem a solfejar, e as principais teorias da música, vêem-se impossibilitadas de aproveitar os seus estudos por faltar-lhes a voz para o exercício do canto, ou por não terem sido pela natureza dotadas de um bom órgão, ou por perderem a voz em conseqüência de qualquer enfermidade. A cadeira de instrumentos de metal aumentará o número de profissões em que se empreguem aqueles alunos que não podem ser cantores. 63

Da mesma maneira, o Dr. Antonio José de Souza em carta endereçada ao

prof. Arcângelo Fioritto, reclamando da atuação de Cavalier Darbilly em relação a

uma aluna, sua “afilhada e recomendada”, pondera que as moças por pertencerem

63 BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música Thomas Gomes dos Santos. Documento anexo ao Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na terceira sessão da décima quarta legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Dr. João Alfredo Corrêa de Oliveira. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1871.

73

em geral a classes menos favorecidas não deixam de ter direito a um tratamento

cheio de condescendências e atenções64. Percebe-se a delimitação da classe social a

qual pertenciam as alunas do Conservatório, como se percebe que a elas estava

destinado ou a prática do canto ou a do piano. Os instrumentos de metais, como

explana o diretor da Academia, serviriam aos alunos, também como uma segunda

opção em caso de não terem o talento para o canto.

O canto foi a principal opção dos alunos do Conservatório, como podemos

observar no Gráfico 5, até a instalação da aula de piano em 1873. A partir de 1875, o

número de alunos matriculados na aula de piano é superior ao de alunos matriculados

em canto, fato que se estende pela última década de funcionamento do

estabelecimento.

Entretanto, a proveniência de classes menos favorecidas não marcaria apenas

as alunas do Conservatório. Era representativo o número de alunos provenientes de

instituições como o Asilo dos Menores Desvalidos65, que o governo autorizava a

freqüentar as aulas do Conservatório. 66

Observa-se nos estatutos de 1878 e 1881 a tentativa de regulamentar em

vários aspectos o funcionamento do Conservatório. Se em alguns pontos estes

documentos revelavam a tentativa dos docentes de se integrar a uma nova ordem,

como por exemplo, ao determinar a existência de concursos para o preenchimento de

cadeiras vagas, o que predominava era uma concepção conservadora da vida e da

sociedade. A proposta minuciosa dos professores desvendava mais um apego às

velhas doutrinas do que uma irradiação de novas formas de conceituação. Prendiam-

se a um elaborado estatuto, que rapidamente se tornaria obsoleto, como obsoleta se

tornava a organização política e social do Império.

Enquanto no período do primeiro Plano de organização do Conservatório

estava em jogo a definição dos espaços sociais dentro da rígida estrutura senhorial,

no momento dos estatutos de 1878 e 1881 o crescimento urbano, principalmente no 64 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Dr. Antonio José de Souza. Carta ao Maestro Archangelo Fiorito. 27 de julho de 1878. Documento manuscrito. Acervo Museu D. João VI. Notação 4640. 65 Instituição criada em 1875 por iniciativa do Governo Imperial, com o apoio de negociantes e industrialistas da Corte. Era destinada a crianças de rua, órfãs, desvalidas, pobres ou indigentes. RIZZINI, Irma. O cidadão polido e o selvagem bruto: a educação dos meninos desvalidos na Amazônia Imperial. Rio de Janeiro: UFRJ/PPGHIS, 2004. Tese (doutorado) – UFRJ/IFCS/ Programa de Pós-Graduação em História Social, 2004. p. 179 e 184. 66 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofícios do Ministério dos Negócios do Império. Documentos manuscritos. Acervo Museu D. João VI. Notação 2110, 2151, 2093, 2097 e etc. No documento de notação 2110, destaca-se o nome de Raul Villa-Lobos, pai do compositor Heitor Villa-Lobos, como um dos meninos do Asilo de Meninos Desvalidos a serem matriculados no conservatório.

74

sudeste, e o aumento de trabalhadores livres e de pessoas com educação superior,

ampliava os limites da sociedade para além da classe senhorial e escravista. 67

A questão do trabalhador livre se impunha diante da falência do sistema do

trabalho escravo, que agonizava diante das opções intelectuais influenciadas por

doutrinas como o positivismo, o materialismo e o germanismo. Diz Octávio Ianni68: No plano moral a escravidão estava condenada por contradições

insuportáveis para os agentes da situação e para os grupos sociais identificados com a civilização urbana florescente. O principio da igualdade dos homens perante Deus precisava também ser instaurado na esfera do comportamento efetivo das pessoas. Os subterfúgios utilizados pelos senhores de escravos até meados do século dezenove já se haviam tornado gastos e insustentáveis. O próprio clero e o exército não estavam mais dispostos a dar cobertura a uma instituição condenada moral e politicamente.

Na delicada polifonia da sociedade imperial dos decênios finais do Império, a

atuação do Conservatório se desvelava em atenções às diversas camadas que a

formavam69. Uma minuta de ofício da Academia de Belas-Artes70, com a data de 22

de março de 1884, comunicava aos professores e alunos o convite para os festejos

que a sociedade abolicionista cearense promovia em honra do Ceará, pela

emancipação total de seus escravos. Atendendo ao convite, anunciava que uma

comissão representando a Academia e o Conservatório de Música se apresentaria na

chegada à Corte do jangadeiro Francisco do Nascimento. 71

O Corpo Coletivo União Operária, fundado em 1882, cujos estatutos o

definiam com a finalidade de “tratar dos interesses gerais da classe operária e das

artes do país”72, solicita através de ofício de seu secretário José Ponciano de Oliveira

ao diretor do Conservatório de Música, em 3 de agosto de 1885, que os alunos

67 ABREU, Martha. O Império do Divino: festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Fapesp, 1999. P. 316 68 IANNI, Octavio. O progresso econômico e o trabalhador livre. In: O Brasil Monárquico, v. 3: reações e transações / por Francisco Iglesias... [et.al.] – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. P. 304 69 Utilizamos o termo polifonia de empréstimo da técnica composicional. Ele se refere à técnica que junta duas ou mais linhas (vozes) melódicas sobrepostas e simultâneas. 70 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Minuta de Oficio. Documento manuscrito. Acervo Museu D. João VI. Notação 4122. 71 O jangadeiro Francisco do Nascimento liderou o movimento que impediu o desembarque dos escravos no porto de Fortaleza em 1881. 72 Apud. MATTOS, Marcelo Badaró Mattos. Trabalhadores escravos e livres no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX. Disponível em www.labhstc.ufsc.br/VI%20jornada%20trabalho/escravos%20e%20livres%20pel.rtf, acessado em 27/01/2006.

75

tomem parte da sessão solene comemorativa da Independência do Império. Nesta

ocasião os alunos cantariam “em acompanhamento o hino da independência”. 73

Igualmente, para uma solenidade de comemoração da Independência, o

Conservatório atende ao convite da comissão de solenidade da Sociedade

Comemorativa da Independência do Império74, que tinha entre seus membros o

próprio Imperador e o Conselheiro Senador Manuel Francisco Correia. Através de

minuta de ofício da Academia de Belas-Artes75, datada de 8 de agosto de 1887, é

informado ao Sr. Francisco Augusto de Almeida que o prof. Cavalier Darbilly levaria

as alunas para participar do festejo.

O Conservatório construía, assim, sua teia de relações que legitimava sua

atuação. Ao participar de atividades ligadas a diferentes frentes da construção social

do Império, as reconhecia ao mesmo tempo em que era reconhecido por elas como

instituição de destaque na área da prática musical. Ao mesmo tempo, não deixava de

atender às solicitações do governo que, a partir do exercício orçamentário de 1875-

1876, iniciara o pagamento de subvenção que garantia seu funcionamento76, após

vigoroso protesto do diretor Antonio Nicolau Tolentino: Desde o exercício de 1872-1873 que nas leis de orçamento tem

vindo consignada uma subvenção de 7:200$000 para o adjutório deste estabelecimento (...). Entretanto, encerram-se já três desses exercícios, está a findar-se o quarto, e ainda o Conservatório não recebeu uma só dessas consignações anuais. Apenas em 1874 mandou-se-lhe dar 3:796$000 para a compra de dois pianos usados, e de alguns móveis de que tinha urgente necessidade. Entendo do meu rigoroso dever pedir com instância a V. Ex. para que não permita a reprodução de um fato,que, sobre ser incoerente, deixa ao desamparo uma instituição merecedora da proteção do Estado por sua insinuante e feliz influência na civilização do povo. (...). Mais valera poupar ao sentimento nacional o vexame de permitir que uma instituição pública assim subsista tão abandonada: fora preferível mandá-la fechar até que possamos compreender as vantagens e queiramos prover as necessidades de um Conservatório de Música. 77

73 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do secretário do Corpo Colletivo União Operária ao Diretor do Conservatório de Música. Acervo Museu D. João VI. Notação 3674. 74 No Almanaque Laemmert para o ano de 1888 encontramos o anúncio da diretoria da Sociedade: Presidente honorário. D. Pedro II. Presidente: Conselheiro Senador Manoel Francisco Correia. Vice-Presidente Francisco Augusto de Almeida. Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Império do Brasil para 1888. Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1888. P. 1537 75 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Minuta de Ofício da Academia de Belas-Artes para a comissão de solenidade da Sociedade comemorativa da Independência. Documento manuscrito. Acervo Museu D. João VI. Notação 431. 76 Em ofício ao Ministério dos Negócios do Império, o diretor do Conservatório Antonio Nicolau Tolentino revela que o pagamento da subvenção só inicia no exercício de 1875-76. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Oficio do diretor do Conservatório ao Ministério dos Negócios do Império. Documento manuscrito. Acervo Museu D. João VI. Notação 2147. 77 BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música Antonio Nicolau Tolentino. Documento anexo ao Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na primeira sessão da décima sexta legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Conselheiro Dr. José Bento da Costa e Figueiredo. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1877.

76

As críticas da falta de atenção do Governo para com o Conservatório são uma

constante até os últimos anos de atividade da instituição. A existência da subvenção

oficializaria o estabelecimento como instituição de ensino musical, mas não

garantiria aos professores e funcionários salários e vantagens que outras instituições

oficiais tinham direito. Em seu relatório de 26 de março de 1889, o diretor Ernesto

Gomes Maia reclamava que apesar da respeitabilidade do corpo docente, estes ainda

eram retribuídos com extrema exigüidade e mesquinhez de vencimentos, o que

produziria efeitos sempre mais ou menos desfavoráveis ao Conservatório78.

A aspiração do Conservatório em sua origem era a de ser o centro formador

dos artistas que atuariam no teatro e no culto. Em 1878, tenta se tornar a instituição

modelar da prática musical para todo o Império. A estas pretensões o governo

responde com a falta de recursos e desatenções que impediram o desenvolvimento

pleno da instituição.

Se na procrastinação da regulamentação do Conservatório havia uma

tentativa de viabilizar este estabelecimento como uma possível alternativa de

ocupação para uma classe privilegiada da sociedade imperial, isto não acontece. Em

seus últimos anos era evidente o destaque dado por seus administradores ao fato do

Conservatório munir as mulheres e homens pobres com a possibilidade de manterem-

se com decência na sociedade, através do exercício da música como executantes ou

como professores. 79

Exatas foram as palavras de Antonio Nicolau Tolentino citadas acima: melhor

seria fechar as portas da instituição até que houvesse a verdadeira vontade política de

satisfazer as necessidades básicas do estabelecimento. Entretanto, identificada como

uma instituição diretamente ligada ao discurso de civilidade e progresso, a opção

pelo encerramento seria um descompasso, ou mesmo um sinal evidente da ineficácia

do governo em garantir este tão almejado estágio de civilização. Optou-se pela

procrastinação, esta sim a marca indelével do Conservatório e de sua trajetória na

sociedade imperial.

78 BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música Ernesto Gomes Maia. Documento anexo ao Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na quarta sessão da vigésima legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Antonio Ferreira Vianna. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889. 79 BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música Ernesto Gomes Maia. Documento anexo ao Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na quarta sessão da décima oitava legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Francisco Antunes Maciel. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1884.

77

2.2 Os Teatros do Império

Olhava para o espelho, ia de um lado para outro, recuava, gesticulava, sorria e o vidro exprimia tudo. Não era mais um autômato, era um ente animado. Daí em diante, fui outro. Cada dia, a uma certa hora, vestia-me de alferes, e sentava-me diante do espelho, lendo olhando, meditando; no fim de duas, três horas, despia-me outra vez. Com este regime pude atravessar mais seis dias de solidão sem os sentir...80

Em seu conto Espelho, esboço de uma nova teoria da alma humana, Machado

de Assis relata a incrível história de Jacobina, que feito alferes percebe o antagonismo

de sua alma interior com a sua exterior. De tantos rapapés e deferências, o alferes

eliminou o homem. Se por um tempo as duas naturezas puderam conviver, não tardou

que a primitiva cedesse espaço, reduzindo-se a uma parte mínima de humanidade. A

parte vitoriosa era aquela identificada com o novo posto, com as coisas e formalidades

da patente; a outra ficou no ar e no passado.

Não é difícil relacionar a criação dos Teatros-Monumento com o conto de

Machado. Com a grandiosidade de suas edificações impactavam os modestos espaços

urbanos onde se inseriam, fixando a ruptura com a simplicidade da arquitetura

colonial ainda presente nas principais capitais do país. Para além de sua utilidade

como espaço de práticas culturais, esses edifícios tornavam-se com sua presença o

marco reconhecível dos princípios de modernidade de uma sociedade ansiosa por se

reconhecer como detentora dos mais altos níveis de civilidade. Desta forma, esta

sociedade criava enormes espelhos em seus centros urbanos, onde pudesse ver

refletida a perfeita imagem que desejava construir de si mesma. E durante algumas

horas, ou mesmo em breve instantes de passagens, podiam olhar e se perceber como

participantes de um mundo civilizado e polido. “Termômetro da civilização” é como,

em diversas ocasiões, os documentos oficiais do Estado se referem a essa instituição.

Através da elaboração de severas regras de convivência, desenvolveu-se com o

passar dos anos, e principalmente depois de 1850, este espaço de sociabilidade que,

embora insistisse em expressar as suas rígidas hierarquias sociais, pelo menos deixava

do lado de fora os sinais de sua barbárie. A nova ordem, estimuladora da boa moral e

80 ASSIS, Machado de. O Espelho. In: Machado de Assis, Obra completa, org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1997. Vol. II, p. 352

78

da doçura dos costumes, espalha-se pelas Províncias e em várias delas, as sociedades

locais se esmeram em captar e reproduzir seus discursos e práticas. Essa ordem,

servindo-se de imagens e conceitos cunhados em países distantes, buscava

adequações a suas limitações particulares, mas nunca perdia de vista a pretensão de

criar condições de semelhança às nações apresentadas como portadoras de uma

civilização.

A construção de teatros opulentos vai servir de estratégia para essa sociedade,

ao tornar visíveis, reais, os seus estágios adiantados de progresso e desenvolvimento.

Pois, afinal, entre todas as nações, estes estabelecimentos são o termômetro seguro

para se medir seu estado de civilização81. Dentro dessa lógica, teatros são fundados,

como o Santa Isabel, em Pernambuco, em 1850; o São Pedro, no Rio Grande Sul, em

1858; o Teatro da Paz, no Pará, 1878; ou readaptados à estética da nova ordem, como

os teatros São Luis, no Maranhão; São João, na Bahia; e o Imperial Teatro de S. Pedro

de Alcântara, no Rio de Janeiro.

O Teatro São Luis foi inaugurado em 1817, com o nome de Teatro União,

sendo seus proprietários Eleutério da Silva Varella e Estevão Gonçalves Braga. Anos

mais tarde, a parte deste último, em razão de dívidas, foi incorporada aos próprios

nacionais. Em 1850, a Presidência da Província comprou a parte pertencente aos

herdeiros de Eleutério Varella, realizando reformas e abrindo suas portas, já sob a

denominação de São Luis em 14 de Março de 1852. Atualmente é conhecido como

Teatro Artur Azevedo.

O Teatro São João, em Salvador, foi inaugurado a 13 de maio de 1812, sob os

auspícios do Conde dos Arcos, localizando-se na extremidade norte do então “largo

das portas de São Bento”. Sua entrada voltava-se para uma ampla praça (hoje Praça

Castro Alves), no centro da cidade. Em 1848, o Presidente da Província João José de

Moura Magalhães, após reformas realizadas, anunciava que o teatro estaria nos níveis

de asseio e decência que exigia o status da capital da Província da Bahia82.

Desaparece, destruído por um incêndio, em 1923.

81 BAHIA. Fala que recitou o Presidente da Província da Bahia, o Desembargador João José de Moura Magalhães n’abertura da Assembléia Legislativa da mesma Província em 25 de Março de 1848. Bahia: Typographia de João Alves Portella. 1848.

79

Ilustração 1 Teatro São João. Bahia

O Teatro de São Pedro do Rio de Janeiro tem uma longa história de

denominações: inaugurado em 12 de outubro de 1813, com o nome de Real Teatro de

São João, foi destruído por incêndio em 25 de março de 1824. Reconstruído, recebe o

nome de Imperial Teatro de São Pedro de Alcântara e, embora ainda inacabado, abriu

suas portas no dia 22 de janeiro de 1826, por ocasião das comemorações de

aniversário da Imperatriz. A abertura oficial seria no dia 4 de abril do mesmo ano.

Por motivos políticos, em 03 de maio de 1831 passa a ser chamado de

Constitucional Fluminense. Em 1838, passa a ser denominado Teatro São Pedro.

Após um segundo incêndio é reaberto em 18 de agosto de 1852, já sob a direção de

João Caetano. Um terceiro incêndio determina novas obras, e, em 3 de janeiro de

1857, ressurge novamente para o seu público. A 24 de agosto de 1923, passa a ser

denominado Teatro João Caetano. Demolido, construiu-se no mesmo local o atual

Teatro João Caetano, inaugurado em 28 de junho de 1930.

O Estado cedo percebeu as vantagens e os perigos da utilização dos teatros

como instrumento de propagação ideária, e de várias maneiras tentou controlar, não

somente o que se apresentava sobre os palcos, como todos os agentes envolvidos.

Decretos, leis e regulamentos tentavam limitar e dirigir desde a ação dos autores ao

comportamento do público, em um processo onde civilização, moralidade, e outros

conceitos de modernidade se confundiam com submissão.

80

As finalidades e direcionamentos destes estabelecimentos podem bem ser

representados pelo Regulamento do Teatro São Luis, de 185483. Ali está determinado

seu objeto central: promover o aperfeiçoamento da arte dramática, quer pelo trabalho

de artistas de reconhecido merecimento, quer pela escolha e representação de peças

nacionais e estrangeiras, cuja ação, linguagem e moralidade pudessem servir de lição

e ilustrar o público desta cidade.

Também define o que poderia ser representado em seu palco: a tragédia; a

comédia de caráter e de costume, bem como a comédia ligeira; o drama histórico, o de

paixão e o de atualidade; óperas líricas cantadas em língua nacional ou estrangeira;

danças completas com mímicas e bailados parciais; farsas, entremezes e todas as

peças de cômica vulgar, desde que não resultasse delas a depravação do gosto, o

atraso da boa declamação dramática, a ofensa da moral, da razão e da arte.

Do mesmo modo, proibia a representação de toda e qualquer diversão que

pudesse, direta ou indiretamente, alterar a seriedade da arte e ferir o decoro do

primeiro teatro da Província. Ficavam então, proibidos os intermédios de canto ou

dança que, por gestos ou palavras, ofendessem a moralidade pública e os bons

costumes, e causassem detrimento ao progresso das belas-artes, de que é o teatro uma

escola prática; dramas mímicos e peças mistas próprias de circo, ou admitidas

unicamente em teatro de ordem muito inferior; jogos de força e destrezas, habilidades

e prestidigitações, visualidades ou ilusões de física.

Ao largo dessas atribuições conceituais, o regulamento previa, ainda, a

delimitação do espaço, de acordo com a ordem social vigente, resguardando a

utilização do salão superior do teatro, dos camarotes e dos corredores destes, às

pessoas livres e decentemente trajadas. Nos camarotes, serventes decentemente

vestidos serviriam água aos seus ocupantes, assim como empregados vigiariam e

evitariam a aglomeração nos corredores de pessoas que ali não devessem ter entrada.

O teatro era público, mas as diferenças precisavam ser mantidas. Era a ritualização

das desigualdades, reflexo imarcescível de uma sociedade senhorial escravista, que

teimava em se esconder sob as tênues sedas dos discursos de civilidade.

As iniciativas de construção de um teatro no Império se distinguem em dois

modelos básicos: os que eram construídos por uma iniciativa particular, por vezes

83 BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Regulamento do Teatro. Relatório do presidente da província do Maranhão, o doutor Eduardo Olimpio Machado, na abertura da Assembléia Legislativa Provincial no dia 3 de maio de 1854, acompanhado do orçamento da receita e despesa para o ano de 1855. Maranhão: Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1854.

81

uma sociedade organizada para essa finalidade, e os que eram fruto da iniciativa direta

do Estado. Entretanto, mesmo os de organização privada dependiam dos recursos

públicos, ou para sua construção ou na sua imediata sustentação.

Como exemplo da iniciativa privada, podemos nos deter sobre a construção do

Teatro São Pedro, no Rio Grande do Sul. Em 1850, o Tenente General Soares de

Andréa (1781-1858) anunciava: As mais sentidas necessidades públicas em qualquer grande povoação são os espetáculos. De todos os tempos, e por todas as formas de governo, tem sido reconhecida esta necessidade. Hoje, e entre nós, os mais aceitos divertimentos são os teatros, e as grandes reuniões de famílias, por sociedades de baile, ou canto. Em muitos lugares desta província há teatros, devidos a sociedades particulares mais ou menos abastadas; e são muito regularmente construídos os dois, das cidades do Rio Grande e Pelotas. Os outros são obras de menos importância, e de mais duvidosa duração, mas quase todos superiores ao armazém, arvorado em teatro, desta capital. (...) foi pois organizada uma nova sociedade, a qual, por ações de 550$rs. sem premio ou juro, e ajudada do empréstimo provincial, se encarregou da obra.84

Nos documentos anexos ao Relatório do Presidente da Província, de 1858,

encontramos os estatutos da Sociedade do Teatro S. Pedro. Em seu artigo primeiro, a

finalidade maior da sociedade: a conclusão e manutenção do novo teatro; além disso,

deveria cuidar de sua conservação, nomear e demitir empregados quando fosse

necessário, entender-se com as autoridades, decidir as dúvidas que ocorressem, e

tomar todas as medidas indispensáveis para o desempenho de suas funções. 85

Entretanto, em 1856, o Presidente da Província, Barão de Muritiba (1807-

1896), advertia que apesar de ser iniciativa de uma associação particular, nem por isso

deixaria de estar sujeito à inspeção do Governo, visto como muito importantes tem

sido os auxílios prestados em diversas épocas pelos cofres públicos86. Em 2 de abril

de 1861, com o não cumprimento das metas da Sociedade, o Teatro S. Pedro seria

desapropriado e incorporado aos próprios nacionais. 87

84 RIO GRANDE DO SUL. Relatório do Estado da Província do Rio Grande de S. Pedro apresentado ao Exm. Sr. Conselheiro José Antonio Pimenta Bueno pelo Tenente General Francisco José de Souza Soares de Andréa tendo entregado a presidência da província no dia 6 de Março de 1850. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert. 1850. 85 RIO GRANDE DO SUL. Estatutos da Sociedade do Teatro de S. Pedro. Documentos anexos ao Relatório do presidente da província de S. Pedro do Rio Grande do Sul, Angelo Moniz da Silva Ferraz, apresentado a Assembléia Legislativa Provincial na 1.a sessão da 8.a legislatura. Porto Alegre: Typ. do Correio do Sul, 1858. 86 RIO GRANDE DO SUL. Relatório com que o Conselheiro Barão de Muritiba entregou a Presidência da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul ao Exm. Sr. Presidente e Commandante das Armas, Conselheiro, e General Jerônimo Francisco Coelho no Dia 28 de abril de 1856. Porto Alegre: Typographia do Mercantil, 1856. 87 RIO GRANDE DO SUL. Relatório com que o Desembargador Francisco de Assis Pereira Rocha entregou a Presidência da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul ao Exm. Sr. Vice-Presidente

82

Ilustração 2 Teatro São Pedro. Rio Grande do Sul

No extremo oposto do país, na cidade de Belém, capital da Província do Grão-

Pará, reconhecida a necessidade indeclinável de um teatro decente, e que corresponda

a população e importância d’esta capital,88 a Assembléia Provincial, em 11 de

outubro de 1867, autoriza a Presidência a contratar a construção de um teatro público.

Mas somente em 1869, José Bento da

83

executando as obras de conformidade com a planta e o orçamento respectivo,

utilizando argamassa feita na proporção de uma parte de areia, duas de terra amarela e

duas de cal, sendo a cal, de forno ou de pedra. 90

Se, de início, a proporcionalidade do edifício do teatro não estava claramente

proposta, as várias modificações feitas durante o processo de construção o tornariam

um imenso edifício que ocuparia a Praça de Pedro II, como relata impressionado o

Presidente da Província Domingos José da Cunha Junior91. Porém, mesmo antes de

ser entregue ao Governo Provincial, sérias dúvidas pairavam não somente sobre os

custos elevados da construção, mas sobre a solidez e segurança do prédio construído.

Quando, então, o arrematante João Fernandes dá por concluída a obra do teatro

e tenta, na conformidade do regulamento, entregar provisoriamente o edifício ao fiscal

nomeado pela Província, Dr. Antonio Joaquim de Oliveira Campos, este, pressionado

pelas acusações propagadas pela imprensa, requer a nomeação de uma comissão para

examinar o edifício e decidir sobre a conveniência do recebimento deste pela

Província92. Em 1876, o Presidente da Província, Francisco Maria Corrêa de Sá e

Benevides (1833-1901), relata o parecer da comissão e determina algumas atitudes: Por ato de 10 de Fevereiro do ano passado foi nomeada uma

comissão de engenheiros para examinar este edifício a fim de ser recebido provisoriamente. Reconhecendo-se do relatório e mapa apresentados pela dita comissão:

Que pelo arrematante foi excedido o prazo para a conclusão das obras, estipulado na clausula 2 do contrato; Que as obras não estavam feitas de conformidade com os planos respectivos; Que do mapa comparativo entre as obras executadas, orçadas e pagas, organizado pela comissão, resultou diferença contra província de reis 170:363$400; Que para a segurança do edifício se fazem precisas algumas obras e que a elas estão o arrematante obrigado; bem como que das obras executadas devem algumas ser substituídas e há moveis que não podem ser aceitos;por não serem os estipulados no contrato; resolvi por ato de 30 de junho do mesmo ano, impor ao arrematante, de conformidade com a 2a.condição do contrato, a multa de reis 41:466$866, correspondente a 10a. Parte da arrematação, que foi de 414:668$605 e sujeitá-lo de acordo com a condição 6a., a indenização do que demais recebeu, calculado no mapa; não sendo recebido o teatro sem que sejam feitas as obras e alterações mencionadas no relatório. E porque se verificasse ter sido defraudada a

90 PARÁ. Cópia do contrato com João Francisco Fernandes. Relatório com que o Excelentíssimo Senhor Presidente da Província Conselheiro José Bento da Cunha Figueiredo entregou a administração da Província do Grão-Para ao Excelentíssimo Senhor 2º Vice-Presidente Coronel Miguel Antonio Pinto Guimarães em 16 de Maio de 1869. Para: Typographia do Diário do Grão-Pará, 1869. 91 PARÁ. Relatório com que o Excelentíssimo Senhor Doutor Domingos José da Cunha Junior, Presidente da província, abriu a 2.a sessão da 18.a legislatura da Assembléia Legislativa Provincial em 1.o de julho de 1873. Pará: Typ. do Diário do Grão-Pará, 1873. 92 PARÁ. Relatório que o Excelentíssimo Senhor Doutor Guilherme Francisco Cruz 3º Vice-Presidente passou a administração da Província do Pará ao Excelentíssimo Senhor Doutor Pedro Vicente de Azevedo em 17 de Janeiro de 1874. Pará: Typographia do Diário do Grão-Pará. 1874

84

fazenda provincial com a medição feita em 1872 pela comissão anteriormente nomeada, resolvi também mandar responsabilizar os funcionários encarregados daquela comissão e os mais comprometidos, sendo demitidos o engenheiro Antonio Joaquim de Oliveira Campos e José Manuel Rodrigues, que nela fizeram parte. (...) o arrematante não deu começo as obras no prazo estipulado, pelo que serão elas feitas administrativamente, ou por nova arrematação por conta e responsabilidade do mesmo.93

No dia 15 de Fevereiro de 1878, o mesmo em que a Presidência da Província

recebe definitivamente o edifício lavrando o termo competente, é inaugurado o Teatro

da Paz, nove anos depois de iniciada a obra, quatro depois de concluída, e com um

custo total de 763:422$678 réis, algo bem distante dos 298:449$217 réis orçados pela

Assembléia Provincial em 1867.

Assim, não importando se a iniciativa era do Estado ou privada, os recursos

destinados à construção destes teatros estavam sempre ligados aos fundos públicos. E

como o Estado estava invariavelmente limitado em suas questões orçamentárias, um

dos mecanismos disponíveis e amplamente utilizado foi o das loterias. Esse hábito

remonta aos tempos de D. João VI, que, quando ainda Príncipe Regente, concede,

através de Carta Régia de 27 de Janeiro de 1809, uma loteria para a conclusão do

teatro da cidade da Bahia. De 1809 a 1858 serão pelo menos 23 decretos concedendo

loterias para iniciativas ligadas aos teatros.

Em 1843, em Recife, o Barão de Boa-Vista, discorrendo sobre o estado das

obras do Teatro Santa Isabel, lamentava que estas andassem lentamente devido aos

baixos lucros obtidos com a loteria concedida para essa finalidade. Assim ele explica

o fato: Cheia a Capital de bilhetes a venda de diversas loterias, começou a

diminuir a procura, até mesmo dos do teatro, e perdendo o povo toda a confiança pela falta do andamento das rodas nos dias anunciados, e por algumas irregularidades provenientes de descuidos dos operários, tornou-se difícil a extração das Loterias, e nenhum o lucro dos beneficiados, que depois de faltarem a vários anúncios, viram-se na necessidade de verificar a extração, tendo ainda grande porção de bilhetes por vender.

Para que as vossas benéficas intenções não continuem a ser frustradas com prejuízo do cofre Provincial, que tem de ocorrer ás precisões de uma obra indispensável no estado, a quem tem chegado esta populosa cidade, parecia-me conveniente, que suspendêsseis a execução das Leis, que permitirão o ano passado tantas loterias, continuando somente com as do teatro, as concedidas ao Seminário Episcopal, e as três igrejas desta cidade, que estão em concerto, até que este Edifício estivesse em termo de fazer ao publico o interessante serviço, que tais

93 PARÁ. Relatório apresentado pelo exm. sr. dr. Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides, presidente da província do Pará, à Assembléia Legislativa Provincial na sua sessão solene de instalação da 20.a legislatura, no dia 15 de fevereiro de 1876. Pará, 1876.

85

estabelecimentos prestam aos Paises, que encetam o caminho da civilização. 94

Ao longo da informação, quase descritiva, da utilização em larga escala do

instrumento da loteria, o Barão oferece outro elemento para nossa reflexão: ao dividir

a concessão destas entre o Teatro e a Igreja, o Presidente da Província coloca estes

dois espaços públicos em níveis de importância iguais, e mais do que isso, defere ao

Teatro a posição de ser privilegiado, assim como a Igreja, dos favores do Estado. O

Teatro seria a alternativa profana, um novo lugar de sociabilidade da elite imperial.

Nele se criariam ritos e costumes, retratando fielmente suas ordenações sociais, e,

sobretudo, suas indagações e projetos em busca do civilizado, do progresso, do que a

distinguisse como uma sociedade culta e superior.

Esse novo templo, não devotado ao culto, mas às coisas do mundo, não

demora a entrar em conflito com a Igreja. O Teatro S. Luis, no Maranhão, teve seu

projeto original alterado, pois os frades Carmelitas, considerando anti-religioso um

teatro próximo à Igreja Nossa Senhora do Carmo, embargaram a obra. Desta forma, a

frente do teatro, que no projeto original estava voltada para o Largo do Carmo, foi

construída em direção oposta, para a rua do Sol, após os entendimentos entre o

Presidente da Província, Silva Gama, e o Padre José Antonio da Cruz Ferreira.95

Como a Igreja interferia no teatro, este também promovia mudanças nos

rígidos cânones musicais do culto. Em 1846, O Mercantil proclamava que ao

introduzir as algazarras das sinfonias manchava-se a sublime pureza do caráter. As

ladainhas teriam sido convertidas em contra-danças, as súplicas em árias joco-sérias,

o Te Deum em música de folia. Saí do teatro, concluía, entrai na igreja, a diferença é

nenhuma! 96

94 PERNAMBUCO. Relatório que á Assembléia Legislativa de Pernambuco, apresentou na sessão ordinária de 1843 o excelentíssimo barão de Boa-Vista, presidente da mesma província. Recife: Typ. de M.F. de Faria, 1843. 95 SOTÃO, Lucy Mary Seguins; SILVA, Josimar Mendes. Diversidade Cultural Maranhense no Século XIX In: Revista "Nova Atenas" de Educação Tecnológica. Cefet-Maranhão. Disponível em www.cefet-ma.br/Revista. Acessada em 18 de novembro de 2004. 96 Apud Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva e seu tempo. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro. 1967. Vol. I P. 220

87

motivo de não haver mais teatros subvencionados101; da mesma forma, o Presidente

da Província da Bahia lançava empresários e artistas à dura realidade das regras do

mercado livre: Em tempos críticos como estes que correm, não havendo meios para melhorar a viação indispensável à lavoura e ao comércio, parece que basta conceder aos artistas que quiserem trabalhar em conta própria por empresa ou associação, deixando ao seu interesse particular o esforço por bem agradar ao público, que encontrando atrativos no desempenho e escolha dos dramas e comédias por certo concorrerá para fazer face a todas as despesas de pessoal e casa, com sobras para algum lucro como por vezes tem acontecido. 102

Ao lançar a escolha do repertório a ser representado aos ditames do gosto do

público, o Presidente da Província da Bahia rompia com a ação do Estado marcada

pelo controle sobre o conteúdo ideológico dos textos, garantia da propagação de

idéias da boa moral, da imagem identitária de povo tranqüilo e ordeiro, do incentivo à

doçura das atitudes “civilizadas”. Cedo havia o Estado compreendido o poder de

propagação ideária do teatro. É assim que, em 21 de julho de 1829, D. Pedro I, através

de sua Secretaria de Estado dos Negócios do Império, determina que não se represente

mais no Teatro S. Pedro de Alcântara texto algum que não sofresse o julgamento

prévio do Desembargador encarregado do expediente da Intendência Geral da

Polícia103. Em 1830, ao proibir a representação de dramas ofensivos às corporações e

autoridades públicas, o Imperador realizava uma apreciação mais completa da

necessidade da censura: Desejando ao mesmo tempo prevenir e evitar, por meio de uma circunspeta vigilância e prévio exame das peças que se hajam de representar, que tão úteis estabelecimentos degenerem daqueles louváveis fins pela introdução de doutrinas, umas opostas aos bons costumes e à moral publica, e outras tendentes a inflamar as paixões exaltadas, e a destruir por qualquer maneira o sistema constitucional que felizmente nos rege: Há por bem o mesmo Augusto Senhor que V. Ex. não consinta em teatro algum, seja público ou particular, a representação de dramas em que se ofendam corporações ou autoridades, que pelo contrário se devem respeitar, para conservação da boa ordem, e pública tranqüilidade. 104

101 BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório apresentado a Assembléia Geral na Terceira Sessão da Décima - quarta Legislatura pelo Ministro e Secretario d’ Estado dos Negócios do Império Dr. João Alfredo Correa de Oliveira. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1871. p. 25 102 BAHIA. Relatório apresentado a Assembléia Legislativa da Bahia pelo excelentíssimo senhor Barão de S. Lourenço em 11 de abril de 1869. Bahia: Typographia de J. G. Tourinho. 1869. p. 52 103 BRASIL. Decisões do Governo do Império do Brasil. N. 123 - Império –Em 21 de Julho de 1829. Colleção das Decisões do Governo do Império do Brasil 1829. Rio de Janeiro: Typographia Nacional. 1877. p. 109 104 BRASIL. Decisões do Governo do Império do Brasil. Nº. 141- Império - em 21 de Julho de 1830. Proíbe a representação nos theatros de dramas offensivos de corporações e autoridades publicas. Colleção das Decisões do Governo do Império do Brasil de 1830. Rio de Janeiro: Typographia Nacional. 1877. p. 112.

88

Na fundação, em 1843, do Conservatório Dramático Brasileiro, com a

finalidade de promover os estudos dramáticos e o melhoramento da cena brasileira, o

Governo outorgaria a esta instituição, em troca de uma subvenção de 600$000 por

ano, a censura das peças a serem representadas, e, através do Decreto nº. 425 de 19 de

julho de 1845, estabelecia regras extensivas, quando pertinentes, a todas as Províncias

do Império.

Determinava o Governo que as peças a serem encenadas nos teatros da Corte

fossem previamente remetidas pelas diretorias dos mesmos ao Secretário do

Conservatório Dramático Brasileiro. Este, após lançar o recebimento em um protocolo

para isso destinado, e dar recibo de entrega, as enviaria sem demora ao Presidente do

mesmo Conservatório, para que este, então, mandasse rever e censurar a peça por um

dos membros desta instituição. Se este censor não colocasse dúvidas à representação

da peça, o Presidente expediria logo a licença.

Porém, se o Presidente não se conformasse, ou entendesse que a matéria

deveria ser mais bem elucidada, mandaria a peça a um novo censor. Em caso de

concordância dos dois censores, o Presidente seria obrigado a licenciar a

representação; mas não havendo concordância, ficaria ao arbítrio do Presidente

conceder ou não a referida licença. No caso do Presidente não querer usar o poder de

arbítrio, a peça seria submetida ao Jury Dramático. Aos censores era garantido o

anonimato, guardando-se uma lembrança no protocolo, não sendo lícito publicá-la

jamais.

Depois de cumprido este ritual de censura, a peça estava apta a ser apresentada

ao Chefe de Polícia para a sua aprovação e conveniente imposição do “visto”. Se

algum teatro tentasse levar à cena alguma obra sem o “visto”, o Chefe de Polícia

imediatamente podia mandar fechar o teatro naquela noite ou obrigar a encenação de

outra peça. Neste caso, caberia ao responsável dar ciência ao público através de

anúncios fixados na porta do estabelecimento e mais lugares de costume. Insistindo na

representação da peça sem o “visto”, a pessoa, ou pessoas encarregadas da

representação, ficavam sujeitas a multa e prisão por três meses

89

submete ao Governo um plano para sua reestruturação, com a ampliação de suas

funções. Não mais se limitaria à censura das peças, mas também exerceria a crítica

literária nas produções subvencionadas, exerceria a inspeção interna dos teatros e

instituiria aulas necessárias ao progresso da arte, e da literatura dramática nacional.

O Governo reconhecia a necessidade de melhorar o estado de nossos teatros, e

de favorecer o desenvolvimento daquele ramo da literatura, concedendo ao

Conservatório bases mais convenientes106, mas apesar deste reconhecimento não

disponibiliza recursos financeiros para a instituição e nem realiza nenhuma ação

efetiva para manter a entidade.

Assim, em Assembléia do dia 11 de maio de 1864, o Conservatório Dramático

Brasileiro decide por sua dissolução. Ressurgiria em 1870, através do Decreto nº.

4.666 de 4 de janeiro, que garantia a prática da crítica literária, mas não a inspeção

dos teatros, que continuava prerrogativa da polícia interna dos teatros, que tinha suas

atribuições definidas pelo Aviso de 10 de junho de 1833, como veremos a seguir.

Quase que paralelamente à instituição da prática da censura, o Estado tomava

medidas com a intenção de normatizar o comportamento do público e dos artistas

durante as apresentações teatrais. Era a institucionalização de um rito social, que tinha

a aspiração de conter e direcionar não só as atitudes, como também as demonstrações

espontâneas de reação às obras e aos artistas que se apresentavam. O controle seria

exercido pela Polícia Interna do Teatro e, através do Aviso de 10 de Junho de 1833, o

Governo aprovava as instruções que regeriam tal instituição.

Em relação ao público, as instruções eram claras a respeito do comportamento

desejável: durante a representação, os espectadores deveriam estar sentados e

descobertos (sem chapéu); porém, na presença de alguma pessoa da Família Imperial,

entre os atos, deveriam estar descobertos e ficar em pé, voltados para o camarote

Imperial. Eram admitidos moderados sinais de aprovação, ou desaprovação, durante a

representação, porém sem perturbar a tranqüilidade com vozerias e estrépitos, nem

mesmo conversar de maneira que pudesse distrair a atenção.

Dos camarotes ou da platéia não era permitido pronunciar discurso nem

poesias, a não ser em dias solenes, durante os entreatos, e com a devida permissão do

Inspetor. Em caso de necessidade, por qualquer motivo, da interrupção de tais

106 BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na Terceira Sessão da Décima – primeira Legislatura pelo Ministro e Secretario d’ Estado dos Negócios do Império Marquez de Olinda. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1863. p. 15

90

pronunciamentos, o Inspetor deverá mandar tocar a orquestra. Não seria permitido

entrar na platéia com capote, bengala, chapéu de chuva ou armas, nem tão pouco seria

permitido o acesso ao palco a qualquer pessoa que não fizesse parte do serviço do

mesmo. Também era vetada a permanência de pessoas paradas nas portas de entrada e

saída do público, nas escadas, corredores e coxias.

O Inspetor empregaria na Polícia do Teatro os oficiais dos Juizes de Paz, e os

da Polícia, encarregando aos que julgasse necessário vigiar a platéia, os corredores e

salas, trazendo oculta, uma medalha com a inscrição – Poíicia – que só apresentarão,

quando for necessário fazerem-se conhecer: Se dentro da platéia, ou fora, mas no recinto do Teatro, se infringir algum dos artigos deste Regulamento Policial, o Oficial da Policia intimidará com toda a civilidade ao infrator, para que imediatamente o acompanhe á presença do Inspetor; se o recusar, fará ver a medalha mencionada (...), reiterando a intimação; se nem assim obedecer-lhe, dará a voz de preso á ordem do Inspetor, sendo fora da platéia, ou camarote, fará logo efetiva a prisão pelos meios que a Lei tem posto ao alcance dos Oficiais de Justiça para esse fim; porém se for dentro da platéia, ou camarote, esperará que saia vigiando-o sempre. 107

Ao público ficava garantido o direito à devida satisfação em caso de alteração

do espetáculo anunciado, da hora prevista ou de demoras maiores que as de costume.

Nestes casos, para se fazer menos sensível a demora, a orquestra, por ordem do

Inspetor, executará alguma peça de música.

Os atores também não escaparam à regulamentação de suas atitudes. Além de

respeitar a regularidade e a pontualidade do espetáculo deveriam, ainda, cumprir

prontamente as ordens do Inspetor, caso contrário estariam sujeitos a processo

judicial, como desobedientes. Da mesma forma, o ator que por gestos ou palavras,

ofendesse em cena a decência pública, ou cometesse algum abuso contrário à moral e

ao devido respeito com o público, seria preso em flagrante e conduzido à cadeia, ao

término da representação.

Cedo havia o Governo entendido que precisaria, dentro dos teatros de

representantes que observassem e garantissem suas determinações, o que foi feito de

diversas formas, através de comissões, diretorias e, sobretudo na figura do

administrador. A princípio, esse representante exercia uma função meramente de

observação do contrato empreendido entre o Estado e o empresário. Este sim, seria o

responsável por todos os aspectos práticos de administração e funcionalidade do 107 BRASIL. Aviso de 10 de Junho de 1833. Manda observar o Regulamento da Policia Interna do Teatro. Colleção das Decisões do Governo do Império do Brasil 1833. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1873. p. 214-215

91

teatro. Exemplo desta função consultiva pode ser observado em Pernambuco, em

1855: A Diretoria do teatro de Santa Izabel tem-se até hoje conservado silenciosa a observar as deploráveis irregularidades da atual empresa nestes dois últimos meses, por que ainda entretinha a esperança de ver o respectivo empresário remediar os seus infortúnios sem grande detrimento do público sem menosprezo da moral, e sem comprometimento da Diretoria. Com estas vistas lhe foi sempre a Diretoria favorável em suas exigências, e em extremo indulgente no exercício de suas atribuições. Assim é que, por exemplo, ela consentiu que o empresário despedisse ou licenciasse a vários atores de um e outro sexo, alguns dos quais fazem uma notável falta na companhia, (...) e que desde o principio da empresa assentou em deixar ampla liberdade ao empresário na escolha dos dramas que devia por em cena, limitando-se a aprová-los ou rejeitá-los simplesmente, mas não o obrigando nunca a representar tais ou tais outros que lhe pareciam preferíveis, a fim de que ele pudesse conciliar os seus próprios interesses com as necessidades do teatro. Assim é, que a Diretoria nunca o obrigou a ter um tradutor dos teatros estrangeiros, que nos desse o que hoje há de melhor no gênero histórico e familiar na Europa, (...). Finalmente não tem querido a Diretoria obrigar o empresário a ter completa a sua orquestra com o número de músicos a que se obrigou por seu contrato, por que vê que todos esses rigores que usasse iriam reduplicar a aflição de um homem que, na melhor fé do mundo e com as mais nobres intenções, tomou a si a atual empresa, que o tem arruinado. (...) não é possível que a Diretoria se conserve por mais tempo em silencio, sem acudir ao formoso navio que lhe foi confiado (...). O clamor não é só da tripulação: a gente de terra, a cidade inteira, começa a murmurar com receio de que se interrompam os espetáculos até o fim da empresa. 108

Em 1856, o Presidente da Província da Bahia anuncia sua preferência em

entregar a um administrador de confiança o teatro público, ao invés de fazê-lo a

alguma empresa que o pretendesse. Porque não podendo ambos jogar se não com os

recursos provenientes da subvenção e dos rendimentos do teatro, resulta em favor da

administração a vantagem de ficar nos cofres não só o excedente das receitas sobre as

despesas, que em outro caso ficaria para a empresa, mas também todos os objetos de

guarda-roupa, cenário, e mobília que se fizerem109. A figura do administrador

passaria a ser para o Governo uma fonte segura de informação e observância de seus

interesses.

A influência do administrador era exercida em várias esferas, modificando a

relação do Estado com o teatro e deste com as empresas que o ocupavam, bem como

introduzindo normas que até hoje ainda são preservadas. Em 1861, o administrador do

108 PERNAMBUCO. Documento anexo ao Relatório que á Assembléia Legislativa Provincial de Pernambuco apresentou no dia da abertura da sessão ordinária de 1855 o exm. sr. conselheiro Dr. José Bento da Cunha e Figueiredo, presidente da mesma província. Recife: Typ. de M.F. de Faria, 1855. 109 BAHIA. Fala recitada na abertura da Assembléia Legislativa da Bahia pelo presidente da província, o doutor Alvaro Tiberio de Moncorvo e Lima em 14 de maio de 1856. Bahia: Typ. de Antonio Olavo da França Guerra e Comp., 1856. p. 83-84

92

Teatro Santa Isabel, João Pinto de Lemos, solicita que no teatro de Pernambuco passe

a ser cobrada uma taxa percentual sobre o rendimento bruto de cada espetáculo. Essa

prática havia surgido em 1879, na Bahia, onde, afirma Lemos, eram cobrados 2% do

valor bruto de cada espetáculo110. Sendo o Teatro Santa Isabel, ainda de acordo com o

administrador, uma casa muito superior ao Teatro São João, essa taxa poderia atingir

o valor de 5%, o que não seria oneroso comparando-se aos aluguéis mensais pagos

nos teatros do Rio de Janeiro. 111

Até o final da regularidade de concessões de subvenções a ocupação dos

teatros era feita por uma ou duas companhias responsáveis pelas representações e, por

vezes, pela manutenção do prédio do teatro112. Essas companhias podiam ser líricas

ou dramáticas e, em alguns casos, lírico-dramáticas; e através dos contratos firmados

com os empresários responsáveis, o Estado garantia sua ingerência no produto final a

ser apresentado ao público local. Analisamos 12 desses contratos, realizados no

período que compreende os anos de 1853 a 1866, nas províncias de Pernambuco,

Bahia e Maranhão, e encontramos vários pontos em comum.

Em todos os 12 contratos ao lado do período de ocupação, que variava de seis

meses até seis anos, era constante o detalhamento do elenco da companhia, do

repertório e do número de récitas a serem apresentadas. Assim, em 1857, no

Maranhão, o empresário José Maria Ramonda comprometia-se a representar uma

ópera nova completa a cada mês, sendo obrigado a festejar com espetáculo novo os

dias de grande gala: 28 de julho e 7 de setembro. Ainda de acordo com esse contrato,

não apresentando o empresário todos os artistas mencionados no artigo referente ao

elenco da companhia (salvo por morte comprovada), estaria sujeito a descontos na

subvenção mensal, com valores que variavam de acordo com a importância do artista

ausente.

Da mesma forma, os representantes da Sociedade Dramática, que firmaram

contrato com a Província de Pernambuco em 1854, obrigavam-se a representar quatro

peças novas em cada um dos meses do seu trabalho, sendo sempre dois dramas ou

110 Essa é uma prática que perdura até os dias de hoje, tanto nos teatros da rede pública, como da rede privada. O percentual atualmente varia entre 15% e 25% do rendimento bruto, dependendo das condições técnicas ou de localização oferecidas pelo teatro. 111 PERNAMBUCO. Fala com que o Exm. Sr. dr. Lourenço Cavalcanti de Albuquerque abriu a sessão da Assembléia Provincial de Pernambuco no dia 1 de março de 1880. Pernambuco: Typ. de Manoel Figueiroa de Faria & Filhos, 1880. p. 34 112 A partir de 1869, em várias províncias, os teatros eram cedidos a diversas empresas dramáticas ou líricas, sem subvenção, que os ocupavam por curtos períodos de tempo. Isso era visto como vantajoso não só por livrar o Estado de despesas, como por oferecer ao público espetáculos variados.

93

melodramas, e duas comédias ou vaudevilles. Já o empresário Vicente Pontes de

Oliveira comprometia-se na Bahia, em 1864, a representar, durante cada ano de seu

contrato, quatro peças de autor brasileiro, esforçando-se para que durante as récitas

dos dias 2 de julho e 7 de setembro os textos abordassem assuntos históricos

nacionais.

Os contratos ainda abordavam questões como a manutenção dos preços dos

ingressos, a responsabilidade do custeio e fabricação de cenários e figurinos (sempre

de material de boa qualidade e depois incorporados aos bens do teatro), o número de

músicos que comporia a orquestra da companhia, e a exclusividade na utilização do

teatro. São constantes as observações contratuais sobre multas e garantias financeiras,

a submissão à Inspetoria dos Teatros e, em dois casos – na Bahia (1864) e Maranhão

(1862) –, a previsão de um “benefício” social, com a doação do produto líquido de um

número determinado de récitas para instituições de caridade escolhidas pelo Estado.

Até aqui, estamos explanando sobre uma atitude de vigilância do Estado sobre

o teatro, no que se refere ao seu controle e funcionamento. Entretanto, houve

momentos em que esse patrocinador tornou-se uma ameaça não só à integridade física

do teatro, como também às finalidades a que estava destinado. Em 1866, o Presidente

da Província do Rio Grande do Sul anunciava que devido à aglomeração de tropas na

capital e na falta absoluta de edifícios que servissem de quartéis, havia lançado mão

do Teatro S. Pedro para servir de alojamento a parte dessas forças. Informava ainda

que, a despeito do cuidado recomendado, não havia sido possível evitar estragos no

edifício113. Nove anos depois, a Presidência da mesma Província tenta vender o teatro

ao Governo Imperial, para que nele funcionasse o Tribunal de Relação. A transação

não foi efetuada por falta de recursos do Governo Imperial. 114

Em Pernambuco, 1860, a Presidência da Província compreendia que o edifício

do teatro não fazia justiça à grandeza da província, sua população e riqueza de sua

capital, além do que sua disposição fazia perder em beleza a grande praça onde estava

construído. Sugeria que, para o embelezamento e formosura da cidade era necessária a

demolição do teatro, sobretudo se tivesse de realizar a construção da nova ponte, que

113 BRASIL. Relatório apresentado ao Exmº Sr. Vice-Presidente da Província de S. Pedro do rio Grande do Sul Dr. Antonio Augusto Pereira da Cunha pelo Visconde da Boa-Vista ao passar-lhe a Administração da mesma Província no dia 16 de Abril de 1866. Porto Alegre: Typ. Do Jornal do Commercio, 1866. p. 10 114 RIO GRANDE DO SUL. Fala dirigida á Assembléia Legislativa da província de S. Pedro do Rio Grande do Sul pelo presidente, dr. João Pedro Carvalho de Moraes, em primeira sessão da 16ª Legislatura. Porto Alegre: Typ. do Rio-Grandense, 1875. p. 40

94

por ordem de S. M. havia mandado orçar e planear115. Em 1870, ao anunciar a

destruição do teatro por um incêndio, o Presidente da Província se valeria dos mesmos

argumentos: Como sabeis, esse belo teatro, que tanto servia para distrair e

divertir os habitantes desta capital, em poucas horas foi devorado pelas chamas. (...) Convencido como estou da utilidade que resulta de um teatro nesta populosa e mui importante cidade, todavia não estou de acordo com os que entendem que deve ser reedificado o de que trato. A minha opinião é que se deve construir um teatro em outro lugar. A praça mais importante e mais espaçosa que há nesta cidade, é sem duvida o campo das Princesas, onde se acham as ruínas do teatro; não convém que aquele espaço seja ocupado por edifício algum, devendo ser aproveitado para um passeio público, do que resulta máxima utilidade pública, tanto mais não havendo localidade mais adaptada para isso, visto ser o ponto mais central com relação aos três bairros em que esta dividida a cidade. 116

Notamos então que aos conceitos de moralidade, adoçamento dos costumes, de

honra e virtude, com a interferência direta do Estado no teatro, eram agregados

discursos sobre tranqüilidade e ordem pública e do respeito a ser observado com as

corporações e autoridades constituídas. O Estado concebia o teatro como um grande

instrumento nas suas estratégias de dominação, estando porém atento às possíveis

táticas de subversão e questionamento do sistema vigente que poderiam surgir deste

espaço, e amarra com suas teias as diversas faces desse artefato.

Esses teatros têm em comum a opção arquitetônica neoclássica; inspirados em

modelos do classicismo francês e italiano, ou nos neoclássicos franceses. Em seus

aspectos monumentais fugiam da simplicidade da arquitetura colonial, condicionando

suas presenças às aspirações visuais e estéticas de uma sociedade que pretendia se

reconhecer como culta e civilizada. De acordo com Marialice Faria Pedroso117, essas

edificações contrastam com as do período colonial em sua solidez, posicionamento, e

por serem relacionadas a uma idéia da arquitetura vinculada ao lazer.

Em seus aspectos externos, apresentavam-se isolados, com tratamento

arquitetônico que os valorizava e os destacava do ambiente urbano em seu entorno.

Eram concebidos em formas simples e com clara articulação de volumes, possuindo

115 PERNAMBUCO. Relatório que à Assembléia Legislativa Provincial de Pernambuco apresentou por ocasião de sua abertura em 1º de março de 1860 o Excelentíssimo Senhor Doutor Luiz Barbalho Muniz Fiúza. Pernambuco: Typographia de M. F. de Faria, 1860. p. 12-13 116 PERNAMBUCO. Relatório com o qual s. exc. o sr. senador Frederico de Almeida e Albuquerque abriu a primeira sessão da Assembléia Legislativa Provincial no 1.o de abril de 1870. Pernambuco: Typ. de M. Figueirôa de Faria & Filhos, 1870. p. 21 117 PEDROSO, Marialice Faria. Metáfora da modernidade: Theatro Municipal Carlos Gomes. Campinas, SP: [s.n.], 2003. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. P. 58

95

arcadas, pórticos para acesso de coches e terraços para a sociabilidade de seus

freqüentadores.

Nos seus interiores observava-se a busca do luxo, presente nas decorações dos

ambientes e no uso da mitologia greco-romana. Mas, sobretudo, destacavam-se as

divisões em camarotes e cadeiras de várias ordens, em uma espacialidade que refletia

a rígida e hierarquizada sociedade na qual se inseriam. Deste modo, o público

requintado desses espaços, cercados por iguais, engessados pelas severas regras de

convivência desenvolvidas, viviam instantes de civilidade, distantes sobremaneira da

pobreza dos excluídos.

Estes somente podiam olhar para os enormes espelhos de seus centros urbanos

e, quem sabe, imaginarem-se participantes de um mundo civilizado e polido.

96

2.3 Os Teatros da Capital do Império

Observamos na parte anterior que as origens dos teatros-monumento do Império

estavam diretamente ligadas ao projeto de construção da nação empreendido pelo

Estado. Qualificados como “termômetro de civilização”, refletiam em sua

grandiosidade os predicados sobre os quais se pretendeu edificar esse projeto:

modernidade e civilização. Na capital do Império, o Teatro S. Pedro era o representante

fiel desse modelo.

No entanto, após a Guerra do Paraguai, a cidade apresenta mudanças

significativas, sobretudo na instalação de negócios e empreendimentos de natureza

pública. A capital do Império nesse momento perdia sua feição de vilarejo, ao mesmo

tempo em que às lideranças políticas somavam-se outros agentes, além dos tradicionais

ligados à agricultura. Esta ampliação, segundo Maria Alice de Carvalho118, resultou na

alteração dos códigos convencionais da “civilização agrária” e dos limites institucionais

e públicos que derivavam dela.

Dessa nova dinâmica surge o confronto com o Estado centralizado, cuja

existência relacionava-se diretamente ao fortalecimento das bases de poder das elites119,

e com a máquina institucional pesada, lerda e excessivamente distante da vida ordinária.

Questionava-se, desta forma, a cultura constitucionalista da geração precedente e sua

ação política, que havia tornado possível tanto a manutenção de diferentes segmentos da

classe senhorial, bem como a própria experiência urbana que havia servido de moldura a

esta. 120

Assim, ainda guardando a idéia dos teatros como enormes “espelhos”, qual seria

a imagem a ser refletida pelos teatros da capital construídos ou reformulados a partir do

decênio de 1870, que longe do aspecto monumental inscreviam com a sua presença um

novo enredo para a trama social? Surgidos no contexto desse processo de

questionamento à ordem do estado centralizado, e por conseqüência às bases de poder

da elite, com certeza espelhavam um novo padrão de entendimento para os predicados

de modernidade e civilização com os quais outrora se pretendeu identificar a nação.

118 CARVALHO, Maria Alice Rezende de. Quatro vezes cidade. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1994. 119 CARVALHO, José Murilo. A construção da ordem: a elite imperial. Teatro das sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 235 120 CARVALHO, Maria Alice Rezende de. Quatro vezes cidade. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1994.

97

Na esfera da ampliação dos espaços de atuação musical no século XIX incluem-

se os Clubs musicais, que juntamente com os teatros têm nos decênios de 1870 e 1880 o

momento de expansão de suas atividades na capital do Império. Através do Almanaque

Laemmert, podemos observar a linha de crescimento do número dessas instituições121:

Gráfico 7

Teatros e Clubs na Capital do Império Almanaque Laemmert (1860-1888)

0

2

4

6

8

10

12

14

16

1860 1861 1862 1863 1864 1865 1866 1867 1868 1869 1870 1871 1872 1873 1874 1875 1876 1877 1878 1879 1880 1881 1882 1883 1884 1885 1886 1887 1888

Ano

N° d

e in

stitu

içõe

s

Teatros Clubs de música Fonte: Almanaque Lammert (1860-1888)

No Almanaque Laemmert destacam-se, até o ano de 1865, os teatros S. Pedro,

Lírico Fluminense, S. Januário e Ginásio Dramático122. Esses teatros, de certa maneira,

orbitavam em torno do S. Pedro, nas semelhanças e diferenças de suas origens e de suas

propostas de repertório que os faziam existir dentro da sociedade da capital do Império.

Esta vinculação pode também ser observada em suas opções arquitetônicas. De

alguma forma, inspiravam-se no modelo neoclássico deste teatro, reproduzindo em sua

espacialidade a rígida hierarquização da sociedade senhorial a que estavam submetidos.

É certo que nem todos possuíam a amplidão, o luxo e o isolamento externo que marcam

este modelo. Alguns eram distinguidos pelas proporções exíguas de suas edificações,

mas tentavam projetar uma imagem de conforto e riqueza, mantendo em seu interior a

divisão de camarotes e cadeiras de várias ordens, que bem se adequava ao público que

pretendiam alcançar.

121 Nos anos de 1873 e 1874, somente o Teatro Phênix aparece citado no Almanaque Laemmert; consideramos para efeito de formatação desta tabela os teatros anunciados em 1872 e que em 1875, voltam a ser citados pelo anuário. 122 Um quinto teatro é também citado, o Santa Leopoldina, em Botafogo. O Almanaque Laemmert para o ano de 1861 anuncia como diretor do teatro Manoel De-Giovanni, que era ao mesmo tempo diretor da companhia dramática do teatro S. Januário. O teatro é citado entre os anos de 1861 e 1864.

98

O primeiro exemplo de teatro que tinha sua origem ligada ao São Pedro é o

Teatro Januário. Construído por um grupo de atores portugueses da Companhia

Dramática contratados por D. Pedro I, em 1829, para o Teatro S. Pedro. Com a cessão

desses contratos, após a abdicação do Imperador em 1831, este grupo composto, entre

outros, por Ludovina Soares da Costa, João Evangelista da Costa, Vitor Porfírio de

Borja solicita ao Governo autorização para a edificação de um teatro na capital do

Império.

O Governo autoriza a construção com a condição contratual de que ao término

de três anos após a inauguração o teatro passasse a ser propriedade nacional. Desta

forma, inaugurado em agosto de 1834 sob a denominação de Teatro da Praia de D.

Manuel, em 1838, após a entrega à administração do Governo, passa a ser denominado

S. Januário. 123

Poucas são as informações sobre seu aspecto original, mas aparentemente não

possuía uma fachada de teatro. Lafayette Silva nos informa sobre o seu interior após

reforma realizada em 1842, quando o espaço foi dotado de mais conforto e elegância,

através de elementos como as pilastras dos camarotes ornadas por molduras douradas,

acompanhadas de varetas do mesmo metal e recamada de ornamentos verdes124. Apesar

desses incrementos, Martins Pena, ao noticiar a apresentação da Companhia Lírica

Francesa instalada no São Januário, definiu este espaço como um “pombal”125 indigno

de ser chamado de teatro: Apesar de todos os defeitos da sala de São Januário, que não merece o nome de teatro, apesar do triste aspecto dos trapos a que por irrisão se dá o pomposo nome de cenários, apesar do enfumaçado da pintura, cujas cores fazem tão grande contraste com o asseio dos trajes e roupas dos atores, apesar da má colocação da orquestra metida em uma cova com grande prejuízo da harmonia, apesar, enfim, de todos os pesares, o público vai ouvir e aplaudir os chefes da obra da escola francesa. 126

Apesar de todos os pesares, imitando Martins Pena, após o incêndio que destruiu

o Teatro São Pedro em 1851, a sociedade mobilizou-se em torno da discussão sobre a 123 Este teatro por um curto período de tempo recebeu outras denominações: em 1859 foi conhecido como Variedades; durante o ano de 1862, passou a ser o Atheneu Dramático, mas já em 1863 retoma sua denominação original, que permanece até o ano de 1868, quando é demolido. SOUZA, Silvia Cristina Martins de. O TEATRO DE SÃO JANUÁRIO E O “CORPO CAIXEIRAL”: teatro, cidadania e construção de identidade no Rio de Janeiro oitocentista. Associação Nacional de História – ANPUHXXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – 2007. Disponível em: http://snh2007.anpuh.org/resources/content/anais/Silvia%20Cristina%20Martins%20de%20Souza.pdf. Acessado em 21 de junho de 2007. 124 SILVA, Lafayette. História do teatro brasileiro. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1938. p. 39. 125 “Sobre o cenário nada diremos, porque é coisa que não há nesse pombal chamado Teatro São Januário.” Jornal do Comércio. 11 de novembro de 1846. In: PENA, Martins. Folhetins. Op. Cit. p. 66 126 Jornal do Comércio. 7 de outubro de 1846. In: PENA, Martins. Folhetins. Op. Cit. p. 44

99

possibilidade de o S. Januário vir a ser a nova sede das companhias lírica e dramática

antes sediadas no S. Pedro. O próprio Imperador, como relata José Maria da Silva

Paranhos127, teria visitado o teatro para analisar o estado do prédio e decidir sobre as

intervenções necessárias para este fim. Contra ele pesavam fortes restrições não

somente em relação a seu aspecto físico (Paranhos o definia como “estreito, acaçapado,

velho e feio Teatro de S. Januário” 128), como também à sua localização, próximo à

ponte de descarga geral da cidade.

Silvia Cristina de Souza129 observa um outro aspecto sobre a localização do

teatro e como esta contribuía para sua desqualificação no cenário da corte imperial.

Construído na Praia de D. Manuel, próximo ao cais Pharoux, em uma área onde se

concentrava grande número de escravos, libertos e homens livres pobres, este entorno

influenciava diretamente o público que freqüentava o teatro, tornando-o o preferido dos

caixeiros viajantes, de indivíduos de baixo poder aquisitivo e de condições sociais

humildes. A estes grupos, juntava-se outra parcela desconsiderada da vida social: as

mulheres de vida “duvidosa”. 130

Por conta desses aspectos o São Januário não foi considerado digno de substituir

o destruído São Pedro e continuou sua obscura trajetória no seio da sociedade

fluminense até sua demolição em 1868. O fato da não adequação do São Januário

proporcionou o surgimento de um novo teatro na capital do Império: o Teatro Lírico

Fluminense, denominado em seus primeiros anos como Teatro Provisório, erguido,

assim como o nome indica, como espaço provisório para as encenações líricas131. Em

uma primeira proposta, deveria existir somente pelo período de três anos, tempo suficiente, na imaginação das autoridades, para que se construísse um novo espaço

adequado para estas encenações.

As primeiras etapas da construção deste edifício foram seguidas de perto por

José Maria da Silva Paranhos, que em suas “Cartas ao amigo ausente” 132 publicadas

127 Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 18 de agosto de 1851. 128 Idem. Ibidem. 129 SOUZA, Silvia Cristina. Op. cit. pp.51-52 130

Idem, ibidem, p. 52

131 Após o incêndio do Teatro São Pedro, o ator João Caetano, diretor da Companhia Dramática sediada neste teatro, toma para si à responsabilidade de reconstrução do Teatro São Pedro, que desta forma passaria a ser um espaço preferencial de representações dramáticas, enquanto as representações líricas ficariam sediadas no Teatro Provisório. 132 As crônicas foram reunidas e editadas sob o título Cartas ao Amigo Ausente, pelo Ministério das Relações Exteriores em 1953. PARANHOS, José Maria da Silva. Cartas ao amigo ausente. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores Instituto Rio Branco, 1953.

101

Logo que findem os três anos dados de antemão ao provisório, o que se fará dele? Será demolido? Não se me daria apostar que o tal teatro há de ficar no Campo enquanto durar: – quem viver verá. 139

Não foi preciso viver muito. Em 1854, a despeito de suas condições pouco

adequadas140, o teatro assume sua condição definitiva, sendo nomeado Lírico

Fluminense. A precariedade desta sala de espetáculo pode ser medida pelo relato de

José de Alencar, apenas três anos após a fundação: (...) o Provisório começa de novo a revoltar-se contra a permanência.

Na segunda-feira alguns barrotes do soalho entenderam que, estando passados os três anos de existência, tinham todo o direito de apodrecerem e partiram-se. E assim o fizeram, dando ao governo e à empresa um grande exemplo de exatidão e lealdade no cumprimento dos contratos. A polícia, que assistiu ao fato, registrou-o, e, como o soalho estava no seu direito, assentou que seria uma violência inaudita o contrariá-lo. Vejam que respeito se vota entre nós à lei dos contratos! Que boa-fé preside às convenções! O Teatro Provisório pode cair em cima das nossas cabeças, e ninguém tratará de prevenir semelhante desastre; porque enfim o edifício só tem obrigação de existir três anos e estes três anos estão concluídos. Assim, pois, estamos bem servidos de teatros líricos; um está em projetos, o outro em ruínas. Veremos quem ganha a aposta: se o novo se constrói antes do velho cair.141

O novo nunca foi construído e o velho manteve-se ainda por muitos anos em

funcionamento, apesar das ameaças que podia representar a seu público, oriundo das

mais abastadas classes sociais. Na verdade, somente em 1857 o Governo toma medida

efetiva em direção à construção de um grande teatro que pudesse abrigar de maneira

eficaz as representações líricas: a realização de um grande concurso internacional de

arquitetura com a finalidade de construir no Campo de Santana um imponente edifício

teatral.

Segundo Evelyn Lima142, o edital lançado em 13 de novembro de 1857 alcançou

enorme repercussão, inscrevendo-se para o certame arquitetos de vários países. No

resultado divulgado em 1859, o vencedor foi o arquiteto prussiano Gustav Waehneldt,

mas seu projeto nunca seria realizado. Desta forma manteve-se o provisório até o abril

de 1875, quando enfim foi demolido.

139 Idem. Ibidem. 140 “Construído sem as regras da arte, este edifício é defeituoso e indigno de servir de teatro em uma capital. Não deve ser conservado; seria indecoroso para nós deixar viver esse mau edifício. O governo, a quem pertence esse teatro, deve demoli-lo, erguendo outro, belo, vasto, majestoso, que seja um dos monumentos que tenha de ornar a cidade do Rio de Janeiro”. MARINHO, Henrique. O teatro brasileiro; alguns apontamentos para a sua história. Paris/Rio de Janeiro, H. Garnier, 1904 - p. 70-1 e 75. Disponível em http://www.ctac.gov.br/centrohistorico/TeatroXPeriodo.asp?cod=62&cdP=19. Acessado em 6 de agosto de 2007. 141 Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 28 de Abril de 1855. 142 LIMA, Evelyn Werneck. Arquitetura do espetáculo: teatros e cinemas na formação da Praça Tiradentes e da Cinelândia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000.

102

Com a demolição do Lírico Fluminense, as representações líricas passam a ter

como palco preferencial o Teatro D. Pedro II. Construído em 1871, localizava-se na rua

da Guarda Velha, na região onde hoje fica a rua Treze de Maio. Este teatro, propriedade

de Bartholomeu Corrêa da Silva, em setembro de 1875, através de despacho do

Imperador, passa a ser distinguido com título de Imperial. Vivaldo Coaracy143 refere-se

a este espaço como o “vasto e feio casarão” que teria durante mais de trinta anos sido

um dos “centros de vida cultural e de comparecimento da sociedade elegante da

cidade”.

Ilustração 4

Teatro Imperial D. Pedro II

Fonte: Funarte. CTAC

Apesar da opinião depreciativa de Coaracy, o Teatro D. Pedro II tinha um

aspecto suntuoso para sua época, sendo descrito pelo Almanaque Laemmert como o

maior teatro da capital: É o maior teatro da corte, e pode, quanto as suas vastas dimensões, competir com os maiores teatros da Europa; comporta 2.500 pessoas, inclusive a orquestra e os artistas cênicos, e tem 40 camarotes de 1ª classe, 40 ditos de 2ª, 426 cadeiras de 1ª classe, 384 ditas de 2ª, 234 cadeiras nas varandas e 500 lugares nas galerias. 144

Curiosamente, o teatro foi construído com a dupla finalidade de servir como

teatro e circo. O piso da platéia era removível, e uma vez retirado transformava-se em

picadeiro para exibições circenses. Em sua longa história, o D. Pedro II viveu

143 COARACY, Vivaldo. Memórias da cidade do Rio de Janeiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. p. 130 144 Almanaque Laemmert, 1883.

103

momentos memoráveis como a estréia do maestro Arturo Toscanini à frente de uma

orquestra e apresentações de renomados artistas nacionais e internacionais. Sobreviveu

até o ano de 1935, quando foi demolido.

Percebemos nos dois exemplos de teatros da corte apresentados acima a

reprodução do modelo legado pelo Teatro São Pedro. Edifícios grandiosos, talvez não

em suas concepções arquitetônicas, mas em seus aspectos físicos imponentes e

destacados do cenário urbano nos quais estavam inseridos. Entretanto, o Teatro São

Pedro de alguma forma também influenciaria, através de uma contraposição, a criação

de outros espaços cênicos, de proporções pequenas, mas que rivalizariam com ele na

tentativa de conquistar a preferência das classes sociais mais “distintas”.

O primeiro destes foi o Ginásio Dramático, inaugurado em 1855. Na verdade, o

Ginásio utilizava o espaço físico do antigo Teatro São Francisco, construído em 1832, e

reformado, em 1846, por João Caetano (1808-1863), para abrigar além dos espetáculos

de sua companhia dramática as representações da Companhia Lírica Francesa. Ao

comentar esta reforma, Martins Pena afirmou que o S. Francisco não passava de um

teatro irregular, pois não tinha “a forma e dimensões exigidas nos edifícios dessa

qualidade” 145: Um grande defeito se notava nesse teatro, e era a sua pouca largura; na sua forma primeira menos sensível, por isso que havia uma só ordem de camarotes ou varanda que ia encontrar-se nas paredes laterais: tornou-se depois extremamente restrita pela necessidade dos corredores que dão ingresso aos camarotes, cujas ordens superpostas deixavam perceber o defeito nomeado. (...) O arco do proscênio, sentimos dizer, não tem estilo a não ser o que lhe prestam as quatro colunas egípcias que figuram sustentá-lo, e as quais faltam toda a elegância e proporção pela muita altura e pouco diâmetro que tem. 146

Outra reforma de grande proporção, com a alteração de vários elementos de seu

aspecto físico acontece quando o espaço é batizado com o nome de Ginásio Dramático.

Entre essas alterações destacam-se no seu interior a criação da tribuna imperial e de

mais uma ordem de camarotes no interior da sala. Na sua composição exterior, recebeu

no primeiro pavimento três portas e, no segundo, duas janelas com sacadas, entre

pilastras com capitéis. Nas palavras de Silvia Cristina de Souza, essas mudanças

denotavam a preocupação da administração do teatro com a construção de uma imagem

de distinção social, que entre outros resultados, possibilitaria atrair para o Ginásio um

público específico: o das famílias e senhoras “distintas”. 147

145 PENA, Martins. Folhetins. 25 de setembro de 1846. p. 27 146 Idem. Ibidem. 147 SOUZA. Silvia Cristina. Op. cit. p. 61

104

Entretanto, se a arquitetura acanhada e as poucas dimensões físicas impediam

uma competição mais ampla com o Teatro São Pedro, o Ginásio trouxe em seu bojo um

conjunto de inovações à cena nacional que o elevou a um patamar de destaque entre a

elite intelectualizada da capital. A própria adoção da denominação Ginásio Dramático

representava a nova perspectiva sobre a qual se pretendeu distinguir este espaço dos

demais existentes na cidade148. A palavra ginásio deriva do grego, gymnásion,

significando o lugar para os exercícios corporais. O termo sofreu alterações semânticas,

passando a significar também o lugar dos exercícios intelectuais e morais, a escola, etc.

Desta forma, o teatro vinculava-se a uma idéia de espaço educativo, o que prontamente

é compreendido por José de Alencar: O Ginásio por ora é apenas uma escola; mas uma escola que promete

bons artistas. A sala é pequena; entretanto a circunspeção que reina sempre nos espectadores, a lotação exata das cadeiras e gerais, a regularidade da representação, fazem que se passe uma noite agradável, e muito mais divertida do que no Teatro de São Pedro de Alcântara. 149

Podemos observar que para Alencar, a proposta educativa do teatro não se

limitava apenas aos artistas envolvidos: já sentia o autor os efeitos da atmosfera

intelectualizada no próprio público que o freqüentava, despertando nestes a

circunspeção necessária para o perfeito entendimento e elevado entretenimento que uma

gente culta e educada podia alcançar. Nesta mesma perspectiva, outros literatos, como

Machado de Assis e Quintino Bocaiúva, distinguiam o Ginásio como o espaço da

inovação, e celebravam os resultados em relação a seu público, que forçosamente

pretendiam divulgar. 150

Como os teatros Lírico e S. Januário, o Teatro Ginásio também não resistiu às

mudanças urbanas sendo desativado em 1884. Em comum esses espaços dividiram, até

o decênio de 1860, as atenções do Governo e a disputa pelo público socialmente

distinto, o que marcaria sua existência social na capital do Império. A atuação do

Governo era concretizada nas subvenções que, até 1868151, viabilizavam não somente a

148 De acordo com Evelyn Werneck Lima, a opção do termo Ginásio estaria vinculada à existência, em Paris, do Teatro Gymnase Dramatique, espaço que a partir de 1830 seria palco das encenações de peças realistas de autores franceses, o que seria também a opção estética do Ginásio Dramático. LIMA, Evelyn Werneck. Arquitetura do espetáculo. P. 75 149 Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 22 de abril de 1855. 150 Silvia Cristina de Souza argumenta ser impossível que em tão pouco tempo pudesse se mudar toda uma série de comportamentos e condicionamentos sociais incorporados ao longo de vários anos. Baseia sua argumentação em relatos da imprensa sobre a ocorrência de incidentes envolvendo polícia e platéia, em conseqüência de balbúrdias nos teatros, que “não deixavam de fora nem o Teatro Lírico considerado o reduto finesse fluminense da época”. SOUZA, Silvia Cristina Martins. Op. Cit. p. 62-63. 151 Somente os teatros S. Pedro e Provisório receberam subvenções permanentes do Governo. Os teatros S. Januário e Ginásio receberam subvenções em determinados períodos ao longo de seu funcionamento.

105

manutenção de seus prédios como a contratação de artistas e companhias responsáveis

pelas representações realizadas.

É certo que o público que freqüentava os teatros deste período era heterogêneo.

Podemos tanto encontrar indicações da presença do Imperador no Teatro S. Januário,

como a presença de “dorotéias” no teatro Ginásio Dramático152. Entretanto, a conquista

de uma marca de distinção, representada na freqüência de cidadãos ilustres e das

senhoras de família, poderia garantir o sucesso desses espaços. A opulência e o

conforto, condições básicas para atrair a atenção deste tipo de público, podiam ser

substituídos, como no caso do Ginásio, pela aceitação por parte da elite letrada, o que

garantia a este teatro a projeção de uma imagem ligada a termos como civilização,

modernidade e inovação.

Desta forma, freqüentar um espaço assim qualificado, mesmo sendo este

desprovido das condições de conforto e luxo pertinentes, era estar de acordo com todo o

imaginário construído em torno dele. Apenas três meses após a inauguração do Ginásio,

José de Alencar comemorava a aristocrática composição de seu público: Ia-me esquecendo dar-vos notícia do vosso pequeno teatro, do vosso

protegido, minhas belas leitoras. Se soubésseis como vos agradece a bondade que tendes tido em animá-lo, como se desvanece pelo interesse que vos inspira!

Agora já não é somente um pequeno círculo de homens de bom gosto que aí vai encorajar o seu adiantamento e aplaudir aos seus pequenos triunfos. Na balaustrada dos seus camarotes se debruçam as senhoras mais elegantes, as moças as mais gentis dos nossos aristocráticos salões. 153

Se o Ginásio surgiu na capital como um rival à altura do São Pedro, no decênio

de 1870 ele inspiraria a construção de um outro espaço cênico, o Teatro São Luiz.

Inaugurado em 1870 pelo ator Furtado Coelho, localizava-se exatamente ao lado do

Ginásio Dramático e pretendia rivalizar com este, na sedução de um público distinto.

Nesta disputa, Furtado Coelho lançou mão de dois artifícios: o repertório similar ao

praticado no Ginásio e de certo aprimoramento na sua opção arquitetônica.

Possuía, como podemos observar na gravura abaixo, publicada no periódico

Vida Fluminense em janeiro de 1870, uma fachada voltada para a rua do Teatro,

obedecendo aos padrões estéticos do estilo neoclássico.

152 SOUZA, Silvia. Op. cit. p? 153 Correio Mercantil, 8 de julho de 1855.

106

Ilustração 5 Teatro São Luiz. Rio de Janeiro

Fonte: Vida Fluminense. 08 de janeiro de 1870. nº. 106

Além de publicar a gravura do novo teatro, o periódico descrevia a reação do

público às instalações deste:

107

em seu aspecto físico a forma de teatro, mas com suas encenações de operetas e cenas

francesas, sedimentou-se na capital como espaço privilegiado deste repertório. 155

Ao lado do aspecto musical, com a introdução definitiva ao gosto pela música

ligeira francesa, cançonetas e cancãs esfuziantes, o Alcazar promoveu uma revolução

nos costumes, tendo sido alvo das mais calorosas críticas, que qualificavam este espaço

tanto como uma ameaça ao bom gosto musical como à construção da moralidade

pretendida pela elite letrada. França Junior, em folhetim publicado no Correio Mercantil

em 20 de julho de 1868, resume os “malefícios” desta instituição: Como moralistas que somos, sem querermos ter todavia a pretensão

de pregar moral, não vamos também ao tal teatro francês; porque se Offenbach está matando a música, as tais étoiles estão destruindo o que nossos pais com tanto sacrifício construíram – o edifício da moralização.156

Machado de Assis também promoveu uma verdadeira campanha contra o

Alcazar atacando os desvios de conduta moral vivenciados neste espaço. No período de

27 de março a 10 de abril de 1864, publicou na Semana Ilustrada uma série de cartas

sob o pseudônimo de Dr. Semana, onde questionava a permissividade do ambiente, e,

sobretudo, sua (do Alcazar) oposição à idéia de um teatro movido por uma missão

social: a educação moral da nação.

Embora críticos do Alcazar, tanto Machado como o literato França Junior se

rendiam aos encantos da diversão proporcionada pelo espaço, e principalmente aos

encantos da atriz francesa Aimée157. Machado de Assis imortalizou a atriz, ao se referir

a esta com a memorável descrição de “demoninho louro” 158, enquanto França Junior

afirmava, em 1867, que para ele só restavam duas distrações: o Alcazar e a Câmara dos

Deputados, mas ao teatro da Rua da Vala só ia a soirées particulares, quando “o cancan

de Mlle. Aimée é mais inocente”. 159

155 Antes do Alcazar, o público da capital do Império já teria desfrutado do contato com a música francesa, principalmente através da Companhia Lírica Francesa sediada no teatro de São Januário, contratada por João Caetano em 1846. Com a reforma do Teatro São Francisco, empreendida por este empresário, a companhia transfere-se para esse teatro em dezembro do mesmo ano. Martins Pena, em seu folhetim publicado no Jornal do Comércio no dia 19 de dezembro de 1846, noticiava: “Efetuou-se, como havíamos anunciado, a mudança desta companhia (Companhia Lírica Francesa) para o Teatro de S. Francisco”. PENA, Martins. Folhetins. Op. cit. p. 93. 156 Correio Mercantil. 20 de julho de 1868. FRANÇA JUNIOR, José Joaquim de. Políticas e costumes – folhetins esquecidos (1867-1868). Organização: R. Magalhães Júnior. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1957. p. 278 157 Aimée encantava os freqüentadores do Alcazar com suas performances, que incluíam participações em operetas de Offenbach. Chegou ao Rio de Janeiro em 1864 e regressou à Europa em 1868. 158 Machado de Assis descrevia Aimée como “um demoninho louro, uma figura leve, esbelta, graciosa, uma cabeça meio feminina, meio angélica, uns olhos vivos, um nariz como o de Safo, uma boca amorosamente fresca, que parece ter sido formada por duas canções de Ovídio”. Apud. SOUZA, J. Galante. O teatro no Brasil. Tomo I. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1969. p. 223 159 Correio Mercantil. 11 de agosto de 1867. FRANÇA JUNIOR. Op. Cit. p. 89

108

Ao lado dos literatos citados, havia uma lista considerável de homens ilustres

que freqüentavam o Alcazar, incluindo nomes representativos da política nacional,

como o Barão de Cotegipe, o conselheiro Silveira da Mota, o Barão de Rio Branco, o

Conde de Porto Alegre, Gaspar Silveira Martins, entre outros160. Ao lado desta

expressiva presença da elite imperial juntavam-se diferentes tipos, oriundos das mais

diversas origens sociais, compondo a heterogeneidade que marcava o público deste

espaço.

De acordo com Fernando Mencarelli161, o Alcazar refletia ao mesmo tempo o

gosto afrancesado das elites locais e a demanda por divertimento gerada pela população

heterogênea que se instalava na cidade em processo de modernização. Desta forma,

observa o autor, o Alcazar consolidava na capital do Império uma visão do espetáculo

como divertimento urbano.

Esta visão, completamente em desacordo com o projeto educativo e moralizante

dos literatos, teria enorme influência nos espaços de práticas dramáticas surgidos após o

Alcazar, como podemos observar neste relato de Joaquim Manuel de Macedo: Maligna foi sob todos os pontos de vista a influência do Alcazar, venenosa planta francesa que veio medrar e propagar-se tanto na cidade do Rio de Janeiro. (...) O Alcazar determinou a decadência da arte dramática e a depravação do gosto. O Alcazar francês propagou o seu veneno em Alcazares de maculada língua portuguesa, que se foram chamando - Jardim de Flora, Cassino (...) e outros mal chamados teatros. 162

Assim, para Macedo, o Alcazar, com sua influência “epidêmica, perniciosa,

palustre” 163, marcaria de maneira indelével a existência dos teatros surgidos no final

do decênio de 1860. Exageros a parte, é certo que a opção do teatro-musicado, do

espetáculo como entretenimento, foi a marca que distinguiria esses espaços na

sociedade da capital do Império. Além da opção estilística, um outro elemento pode ser

agregado, o do aspecto físico simples e despojado que inscrevia com sua presença

outros significantes na vivência urbana fluminense.

Joaquim Manoel de Macedo refere-se, na citação acima, diretamente aos teatros

Jardim de Flora, depois nomeado Phênix Dramática, e ao Cassino, conhecido anos

depois como Teatro Santana. Esses espaços privilegiavam, usando ainda os termos de

160 Apud. SOUZA, J. Galante. Op. Cit. p. 223 161 MENCARELLI, Fernando Antonio. A voz e a partitura: teatro musical, indústria e diversidade cultural no Rio de Janeiro (1868-1908). Tese de doutorado. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2003. p. 17-18 162 MACEDO, Joaquim Manuel de. Memórias da Rua do Ouvidor. Brasília: Editora UnB, 1988. 163 Idem. Ibidem.

109

Macedo, “as indecências da cena corrompida com o recurso de dramas fantásticos e

mágicos”. 164

O teatro Jardim de Flora, também conhecido como Francês das Variedades, foi

fundado em 1866, sendo localizado na Rua da Ajuda, 57, nos jardins do Hotel Brisson.

Anteriormente, este mesmo espaço era ocupado pelo Teatro Eldorado, inaugurado em

1863. Mas foi em 1868, sob a denominação de Phênix Dramática que este espaço

ocupou uma posição de destaque na cena dramático-musical da capital. Esse processo

iniciou-se com as representações das paródias do ator Vasques, das mágicas e operetas

de Henrique Alves de Mesquita, e com a profunda relação deste espaço com a

companhia do empresário Jacinto Heller, responsável por bem sucedidas produções do

teatro musicado nacional.

Existem poucas informações sobre o seu aspecto físico. Por sua localização nos

jardins do Hotel Brisson, não possuía uma fachada externa, sendo de pequena dimensão,

como podemos observar na descrição existente no Almanaque Laemmert de 1883: É campestre e tem 12 camarotes, 368 cadeiras, 40 galerias nobres e 500 lugares nas galerias gerais. Preços: camarotes 12$, cadeiras e galerias nobres 2$, galeria geral ou entrada geral 1$500.

Silvia Cristina de Souza observa que parte do público que freqüentava o teatro

de São Januário, com o desaparecimento deste em 1868, elege o Phênix Dramática

como seu teatro cativo. Como exemplo, cita o caso dos caixeiros que nos últimos anos

da existência do São Januário foram os responsáveis pela sua sobrevivência165. A autora

cita o comparecimento em massa desta classe para assistir a um espetáculo que, além de

incluir a representação de uma cena cômica do ator Vasques intitulada O Advogado dos

caixeiros, foi encerrado com a execução do “Hino dos Caixeiros”.

A ligação com o gosto francês também marca o Teatro Cassino, nome pelo qual

ficou popularmente conhecido o Theatro Casino Franco-Brésilien. Fundado em 1872,

nos jardins do Hotel Richelieu, no Largo do Rocio, sendo a entrada para o teatro feita

por um corredor na Rua do Espírito Santo. Não possuía, assim, uma fachada para a rua,

164 Idem. Ibidem. 165 “Até esta data, e contrariando os prognósticos críticos que procuraram isolá-lo em relação às outras salas de espetáculo da Corte, o teatro de São Januário manteve seu poder de sedução sobre os caixeiros contando com eles para sua sobrevivência e oferecendo-lhes seu palco como um espaço de negociação simbólica e de afirmação de diferenças e afinidades que expressavam conflitos vivenciados no cotidiano.” SOUZA, Silvia Cristina Martins de. O Teatro de São Januário e o “corpo caixeiral”: teatro, cidadania e construção de identidade no Rio de Janeiro oitocentista. Associação Nacional de História – ANPUH XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – 2007. Disponível em: http://snh2007.anpuh.org/resources/content/ anais/Silvia%20Cristina%20Martins%20de%20Souza.pdf. Acessado em 21 de junho de 2007.

110

mas gozava a fama de ser uma sala fresca e agradável, aberta pelos três lados sobre o

jardim que a cercava.

Este espaço foi rapidamente um sucesso de público, movido pelas produções de

mágicas realizadas pelo empresário e ator Antonio Martins. Entretanto, seus

freqüentadores eram apresentados pelo periódico Vida Fluminense, como algo bem

distante das moças aristocráticas e senhoras elegantes de outros teatros: Na sala há rapazes folgazões, cocotes alambicadas, velhos gaiteiros e russos endinheirados. Os primeiros riem a bom rir de tudo e de todos; as segundas são, pela maior parte, candidatas à eleição russa e não poupam trejeitos nem ademanes para conquistar um votinho; os terceiros encostam-se amuados para os cantos, ou afogam em cerveja o despeito de se verem fora da cotação cocotiana; os últimos, porém levam a coisa: a garrafas de champagne, que, digam lá o que disserem, será sempre a flor em volta da qual adejarão as abelhas (não sei se são mestras) que estabeleceram nos jardins do Cassino a sua colméia predileta. 166

Não demorou muito para essa espécie de freqüência se tornar um problema para

o teatro. A associação do espaço com a prostituição, desordens e bebedeiras afastavam o

público apesar das boas encenações ali realizadas. Alguns anos depois de sua

inauguração, o teatro passa por reformulações que teriam seu ápice na mudança de sua

denominação para Teatro Santana, em 1880.

Este processo é retratado com muito humor por Artur Azevedo, na revista O Rio

de Janeiro em 1877: Eu sou o Cassino. Andava dantes maltrapilho e malcheiroso... cheirava a angu. As famílias tinham fugido de mim. Os pais não queriam que os filhos me visitassem. A polícia tinha-me os olhos em cima. Andava por lá, apesar de tudo isso, o primeiro cômico nacional... Quando, de repente, um homem limpo enfeitou-me, lavou-me, ensaboou-me, almiscarou-me: as famílias voltaram, os filhos obtiveram de novo licença dos pais para visitar-me, a polícia descansou sobre o meu comportamento... Vejam: ando de casaca, gravata branca, chapéu de pasta... Hein? Que lhes pareço?

Quando em 1880 o teatro é comprado por Pedro Ferreira de Oliveira Amorim,

passando a chamar-se Teatro Santana, seu proprietário tenta revesti-lo de alguma

distinção social. Ainda não apresenta uma fachada para rua – o que só iria acontecer no

século XX, já sob a denominação de Teatro Carlos Gomes, que ostenta até os nossos

dias – mas possuía agora um camarote imperial, camarotes de 1ª e 2ª ordem, varandas e

galerias. Agora o teatro era reconhecido na imprensa como um espaço elegante e

garrido 167, digno de ser freqüentado pela alta sociedade, como podemos observar

através do periódico Novidades:

166 Vida Fluminense.18 de maio de 1872. nº 229 167 Méssager du Brésil. 25 de junho de 1880. Apud. LIMA, Evelyn. Op. Cit. p. 80

111

O Sant'Anna achava-se repleto: platéia e camarotes ocupados por pessoas da melhor sociedade; as galerias cheias da gente que de ordinário a freqüenta. No camarote imperial achavam-se, além de SS. MM. o Imperador e a Imperatriz, SS. AA. a Sra. Princesa Imperial e o Sr. D. Pedro Augusto e camaristas de semana. O espetáculo correu na melhor ordem. A atitude do povo era de todo o ponto, pacífica e cortês. 168

A Rua do Espírito Santo (atual D. Pedro I), que abrigava o Teatro Santana,

surgiria na década de 1880 como o centro do teatro musicado, da boemia. Ao Santana,

agregaram-se os teatros Recreio Dramático, Lucinda e o Variedades, que com seu

repertório de teatro “ligeiro” atraíam grande número de freqüentadores de todas as

categorias e classes.

O teatro Recreio Dramático foi inaugurado em 1877, onde antes funcionava uma

antiga fábrica de sabão, com o nome de Teatro de Variétés. Em 1878, adotou a

denominação de Teatro Variedades; em 1879, era o Brazilian Garden; e finalmente, em

1880, recebeu o nome de Recreio Dramático, tornando-se um sucesso de público, com

as montagens de comédias nacionais, revistas, óperas e Mágicas. Ilustração 6 Teatro Recreio Dramático.

Fonte: Acervo do CTAv - Centro Técnico Audiovisual Minc, 1910

Este teatro localizava-se ao fundo da estreita Rua Espírito Santo. Pouco se

avistava de sua fachada simples, mas aparentemente tinha uma boa proporção interna,

como podemos observar a partir da descrição contida no Almanaque Laemmert de

1883: Este bonito teatro campestre tem 16 camarotes, 310 cadeiras e galerias, e lugares de entrada geral para mais de 500 pessoas. Atualmente nele funciona uma excelente companhia portuguesa, dando espetáculos todas as noites. Preços: Camarotes 15$, cadeiras e galerias 2$, entrada geral 1$000.169

168 Novidades. 16 de julho de 1889. 169 Almanaque Laemmert. 1883

112

De menor proporção era o Teatro Lucinda, localizado no nº 24 da Rua do

Espírito Santo. Construído pelo ator Furtado Coelho, o mesmo do Teatro São Luiz

citado anteriormente, em homenagem a sua esposa, a atriz Lucinda Simões. As

proporções exíguas do teatro renderam comentários na imprensa como este bem

humorado escrito pelo articulista do jornal O Paíz: Estamos a espera do dia em que o empresário terá de pedir no anúncio que a população da Corte compareça por partes, por turmas ou frações; pois assim tudo por junto é impossível acomoda-la; o teatro é pequeno.170

Entretanto, este detalhe não impediu que o Lucinda fosse um ponto de encontro

de intelectuais e políticos, e o primeiro teatro a adotar a iluminação elétrica, em 1888.

Para não fugir à regra, também teve diferentes denominações, como Teatro Novidades,

no período de 1882 a 1884, e Éden Dramático, em 1888.

O último teatro que viria a colaborar para a consolidação do entorno da Praça da

Constituição (atual Praça Tiradentes) como espaço privilegiado do teatro musicado

surgiu em 1881, com o nome de Príncipe Imperial. Em 1886 era denominado Éden

Fluminense; em 1887, Recreio Fluminense; e finalmente, em 1888, adota o nome pelo

qual seria reconhecido: Variedades Dramáticas.

Estes teatros afastavam-se do modelo de construção neoclássica que por longo

período influenciou a arquitetura dos espaços cênicos da capital. Alguns eram

localizados em jardins de hotéis, não apresentando fachadas externas, outros eram

edificações adaptadas ou construções sem o arrojo esperado em uma casa de

espetáculos. Mas a grande novidade era a adoção do estilo teatro-campestre. Ao redor

dos edifícios simples e despojados, como falamos anteriormente, agregava-se em seu

entorno uma área ao ar livre, um jardim. Este espaço, onde eram servidas bebidas e

refeições era utilizado como área de sociabilidade, colaborando para uma mudança de

hábitos e comportamentos. Se no seu interior a espacialidade ainda era marcada pela

divisão das classes sociais, nos jardins dos teatros-campestres essa divisão se perdia.

Contudo, é importante observar que esta hierarquização da sociedade –

representada em uma espacialidade onde os lugares ocupados podiam indicar sua

posição na pirâmide social – encontra nos teatros-campestres uma disposição mais

simples. Em sua maioria, estes teatros possuíam somente uma ordem de camarotes e de

cadeiras, apontando para uma estratificação menos complexa de seu público.

170 Apud. LIMA, Evelyn. Op. Cit. p. 82

113

Em 1883, o Almanaque Laemmert trazia em suas páginas detalhes sobre a

composição física dos teatros em funcionamento na cidade, distribuída da seguinte

forma: Tabela 1

Composição interna dos teatros (1883) Camarotes Cadeiras Galerias

Imperial 1ª Classe

2ª Classe

3ª Classe

1ª Classe

2ª Classe Varanda Nobre

(lugares) Geral

(lugares) Imperial D. Pedro II sim 40 40 426 384 234 500

São Pedro sim 30 27 30 288 244 28 400 Santana (campestre) sim 18 4 81 129 500

Phênix Dramática (campestre) não 12 368 40 500

Recreio Dramático (campestre) não 16 310 500

Príncipe Imperial (campestre) não 14 465 60 150

Lucinda (campestre) não 13 306 96 200 São Luiz não 18 356 150

Fonte: Almanaque Laemmert para o ano de 1883.

Percebe-se que dos oito teatros citados, somente três dispunham de camarote

imperial, o que em si já representava uma marca de distinção, por pressupor a

possibilidade da presença da família Imperial. Entre os teatros-campestres, somente o

Santana possuía, além do camarote Imperial, mais de uma ordem de camarote. Os

outros apresentavam uma espacialidade simples, com poucas divisões internas.

Evelyn Lima observa a precariedade das linhas arquitetônicas destes espaços,

através de inúmeros comentários nos periódicos da época. Segundo a autora, é possível

observar nas entrelinhas das notícias publicadas a relação entre a arquitetura não

elaborada e o público a que se destina, pouco exigente em matéria de conforto e

solidez171. Esta afirmação de alguma maneira está em desacordo com vários

trabalhos172 que apontam para a diversidade social do público que freqüentava esses

espaços. Assim, essa precariedade arquitetônica parece-nos mais vinculada ao estado

efêmero desses espaços, que com rapidez mudavam de arrendatários, eram reformados e

tinham suas denominações alteradas para se adequar ao gosto volátil do heterogêneo

público urbano, como podemos observar nos exemplos expostos na tabela a seguir:

171 LIMA, Evelyn. Op. Cit. P. 80 172 Podemos citar como exemplo os trabalhos de MENCARELLI, Fernando Antonio; SOUZA, Silvia Martins; já referidos neste capítulo, bem como GOMES, Thiago de Melo. Um espelho no palco: Identidades sociais e massificação da cultura no teatro de revista dos anos 1920. Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), 2004.

114

Tabela 2 Denominações dos teatros (1863-1888)

LOCALIZAÇÃO DENOMINAÇÃO/ANO

R. da Ajuda, 57 Eldorado (1863)

Recreio do Comércio

(1864)

Francez das Variedades ou

Jardim de Flora (1866)

Phênix Dramática

(1868)

Variedades Dramáticas

(1888)

Phênix Dramática

(1888)

Rua do Espírito Santo, 43 e 45.

Variétés (1877)

Variedades (1878)

Brazilian Garden (1879)

Recreio Dramático

(1880)

Rua do Espírito Santo, 24.

Lucinda (1880)

Novidades (1882) Lucinda (1884) Novidades Santo, 43 e 40)

116

da produção a ser realizada. Entretanto, Artur Azevedo, em sua revista O Rio de Janeiro

em 1877, oferece uma perspectiva sobre este aspecto: Eu sou o teatro Pedro II, o teatro dos extremos, ou o circo dos saltimbancos, ou a sala da grande ópera. Este ano apareceu por lá uma novidade: as ocarinas sopraram muito, mas não assopraram o público. Depois vieram Fuci, Roles e Mendoros, artistas de primo cartello. Grandes espetáculos a quarenta mil réis por camarote! (grifo nosso) Lindas óperas, Fausto, Trovador, Aída... Vocês não vieram a Aída?176

Quarenta mil réis por camarote! Parece soar como mais uma sátira de Artur

Azevedo, mas através de Machado de Assis percebemos que talvez esse valor não fosse

assim tão exagerado. Em 15 de setembro de 1876, nas crônicas intituladas História de

quinze dias, Machado reclama dos valores cobrados pela companhia lírica: “Cadeiras a

40 bicos! Camarotes a 200 paus!”. Em 26 de julho de 1883, agora nas crônicas

intituladas Balas de estalo, publicadas na Gazeta de Notícias, o autor informa: “Nem

todos terão treze mil-réis para dar por uma cadeira do Teatro Lírico. Eu tenho cinco;

faltam-me oito. Podia ir ao Teatro São Pedro onde a cadeira custa menos”.

Desta forma, podemos observar que se o acesso às representações líricas era

limitado à classe de alto poder aquisitivo, por conta dos valores cobrados de seus

ingressos, entre os demais teatros mencionados este dado não seria fator impeditivo.

Lílian Schwarcz nos informa que um bom almoço na corte custava entre 1$500 e 2$000

réis, e um mais modesto ficava em seiscentos177. Assim, notamos que outros fatores,

além dos preços praticados nestes espaços, podiam ser determinantes na escolha do

público.

Evelyn Lima178 afirma que os edifícios teatrais construídos no final do século

XIX tinham uma identidade própria, tendo a arquitetura praticada um papel

identificador no sentimento do público, talvez tão significativo quanto o papel do

repertório ou dos artistas que se vinculavam a estes. Sob esta perspectiva, não é difícil

imaginar que a escolha do público sobre qual teatro freqüentar pudesse estar

diretamente ligada a sensação de pertencimento ao espaço escolhido. Desta forma, é

possível inferir que parte da heterogênea população da capital do Império que não se

encaixava nos espaços rígidos, hierarquizados, encontrava nos teatros-campestres o

espaço público para sua sociabilidade.

176 AZEVEDO, Artur. Teatro de Artur Azevedo - Tomo 1. Instituto Nacional de Artes Cênicas- INACEN. V. 7: Coleção Clássicos do teatro Brasileiro. 177 SCHWARCZ, Lílian. As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 107 178 LIMA, Evelyn. Op. Cit. p. 85

117

Voltemos ao início deste capítulo, quando colocamos alguns pontos sobre os

quais observaríamos os teatros da capital do Império. O primeiro destes pontos era

entender a relação entre os teatros-monumentos edificados em várias partes do Império

e os aqui construídos. Outro ponto importante era observar as relações destas

edificações com o processo de transformação urbana da capital, que perdia suas feições

de vilarejo e assumia uma feição de metrópole.

Esta transformação urbana por sua vez estava carregada de significantes, e

expressava a alteração dos códigos convencionais de uma civilização agrária, de seus

limites institucionais e públicos que dela derivavam. Tratava-se, pois, de questionar a

cultura constitucionalista e a ação política que havia tornado possível a manutenção de

diferentes segmentos da classe senhorial, e a própria experiência urbana que havia

servido de moldura a esta.

Por fim, lançamos a pergunta sobre qual seria a imagem a ser refletida pelos

teatros da capital construídos ou reformulados a partir do decênio de 1870. Talvez não

seja possível uma única resposta, mas no caminho percorrido até este momento algumas

considerações talvez sejam necessárias.

A consideração inicial diz respeito às opções arquitetônicas realizadas nas

edificações desses teatros. Basicamente poderíamos definir duas vertentes que se

solidificaram na capital do Império. A primeira estava relacionada ao modelo

neoclássico estabelecido pelo Teatro São Pedro. Este modelo se encaixava

perfeitamente à moldura urbana construída por uma sociedade senhorial, fortemente

hierarquizada e sustentáculo de um poder fortemente centralizado. Reproduzia em sua

espacialidade interior as rígidas divisões que marcavam esta sociedade, e em seu

aspecto externo grandioso impactava o espaço público com a presença monumental de

seus ideais de modernidade e civilização.

A segunda vertente estava relacionada a um modelo inverso ao da primeira,

vinculado ao despojamento e simplicidade do edifício teatral, com uma espacialidade

interna não elaborada e poucas divisões visíveis. A este aspecto juntava-se a

característica campestre que estes espaços exploraram. Com a presença de jardins no

entorno desses edifícios, toda uma gama de comportamentos e hábitos são revistos e

novas possibilidades de sociabilidade são geradas a partir do deslocamento da função

original desses espaços. Agora, além do espetáculo, esses teatros também oferecem uma

área para interlocução, refeições e bebidas.

118

Precisamos também considerar sobre o crescimento populacional da capital do

Império, que se traduzia em uma heterogeneidade nunca antes vivenciada. Desta

forma, diversos segmentos sociais que não se encaixavam nos espaços rígidos,

hierarquizados, nem tão pouco nas propostas intelectualizadas que transformavam os

teatros em escolas de moral e bons hábitos, substanciaram a criação de espaços que

pudessem atender as suas demandas. A população urbana descobria o prazer do teatro

como entretenimento, como possibilidade de expressão de seu cotidiano, como lugar

de ouvir sua própria voz, e, sobretudo, através das trocas de experiências e

interlocução, como um espaço propício a ampliação de sua existência social.

A última consideração necessária diz respeito à convivência desses modelos

arquitetônicos até o final do Império. Ou seja, o surgimento de um modelo não levou

ao desaparecimento de outro. O São Pedro, símbolo maior da experiência urbana

senhorial manteve-se ao lado dos teatros-campestres, formando perfeita moldura à

heterogeneidade que marcava a população da capital imperial.

Deste modo, não é possível mais pensar em um espelho somente. Agora são

vários os espelhos que refletem esta incrível polifonia social que marca os últimos

anos da cidade do Rio de Janeiro como capital do Império.

119

2.4 As Sociedades e Clubes Musicais

Em 23 de fevereiro de 1851, no Jornal do Comércio, José Maria da Silva

Paranhos comentava sobre as numerosas sociedades de baile, dança, musica e drama

que existiam naquele período na cidade do Rio de Janeiro. Citava as sociedades de

baile, como as do Cassino Fluminense, Cassino da Floresta, Recreação Campestre,

Recreação Brasileira, Terpsícore, Lísia, Paraíso, Uliséa, Sílfide, Nova Eleusina,

Vestal, Fidelidade, Filo-Euterpe, Assembléia Familiar Fluminense e Amante do

Recreio; sociedades dramáticas, como a Academia Dramática Niteroiense,

Melpomene, Recreio do Comércio e Recreio Botafogo; e as sociedades de música,

Filarmônica e Euterpe. 179

Em 1885, associações deste tipo ainda proliferavam de tal maneira na cidade,

que Machado de Assis sob o pseudônimo de “o cronista Lélio”180, dizia que não havia

“rua digna deste nome, que não possuísse uma ou duas sociedades de música como o

Clube Terpsícore, a Sociedade Musical Prazer da Glória ou o Clube Politécnico com

seus saraus dançantes” 181. Em espaços como o Cassino Fluminense, diz o cronista, a

alta sociedade se reunia para ouvir a música dos grandes mestres, em momentos

sublimes marcados pela sensação do belo e do gozo.

No transcorrer do Império, as sociedades e clubes de música iriam marcar

profundamente a prática musical do século XIX. Além de oferecer um espaço de

sociabilidade destacado, onde se reunia seleto grupo da sociedade, viabilizava a

convivência de músicos amadores com os que exerciam profissionalmente esta

atividade. Estes seriam também os espaços onde novos musicistas sedimentariam suas

carreiras. Não pertencentes ao círculo que envolvia a Capela Imperial e o

Conservatório de Música e o teatro, alguns deles tornar-se-iam personalidades

influentes no meio musical, na passagem da Monarquia para a República.

Foi durante o século XIX que a prática dos concertos públicos tomou forma,

saindo do ambiente palaciano e privilegiando o repertório instrumental. Neste

processo, destaca-se a atuação das “sociedades musicais”, que, organizadas por 179 Jornal do Comércio. 23 de fevereiro de 1851. In: PARANHOS, José Maria da Silva. Cartas ao amigo ausente. Rio de Janeiro: Instituto Rio Branco, 1953. p. 51 180 Apud. BORGES, Valdeci Rezende. Em busca do mundo exterior: sociabilidade no Rio de Machado de Assis. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n° 28, 2001. 181 Idem. ibidem

120

músicos e apadrinhadas por nomes distintos da sociedade local, tiveram papel

fundamental na divulgação e acesso à música orquestral e de câmera. 182

Embora as origens das sociedades musicais remontem ao século XVIII, é em

1805 que o Allgemeine Musikalische Zeitung divulga com comentários e elogios as

normas da recém-formada Musikalische Gesellschaft de Varsóvia, revelando o que

parecia ser o esquema ideal para uma organização musical deste tipo: Devia haver membros – músicos amadores que, como cantores ou instrumentistas, tomariam parte nos concertos (a recusa a tocar ou cantar quando isso fosse solicitado devia ser considerada como o equivalente a um aviso de afastamento) – e membros honorários que não participariam da direção da sociedade, mas que teriam prioridade com as assinaturas dos membros; os membros integrais pagavam 1,5 táler por mês, e os membros honorários 1 táler. A sede da sociedade tinha uma sala de concertos, salas para reuniões e relaxação e uma biblioteca com livros e periódicos sobre música. O simples pagamento de uma subscrição tornava alguém membro honorário, mas os candidatos a membros tinham de submeter-se a uma prova para demonstrar à sociedade os seus valores como futuros executantes. (...) A subscrição era bastante barata a fim de permitir ingresso de membros de todas as classes sociais; os dois diretores musicais, com um mestre de coro e um professor de canto, eram músicos profissionais empregados pela sociedade. 183

Este esquema influenciaria a sistematização das sociedades musicais no

mundo inteiro, inclusive as do Brasil. De acordo com Cristina Magaldi184, no Rio de

Janeiro estas organizações eram comumente baseadas em um sistema de membros

associados; contratavam professores de música e diretores musicais entre os mais

reconhecidos instrumentistas da cidade e eram gerenciadas por um quadro de

dirigentes formado por aristocratas e novos-ricos. Este tipo de organização já era

observado pela primeira das grandes sociedades de música instituídas na capital do

Império, a sociedade Filarmônica.

A data de início das atividades desta sociedade é controversa. Ayres de

Andrade185 afirma que o ano de fundação da Filarmônica teria sido 1834 ou mesmo

antes, pois, em 24 de agosto deste ano Francisco Manuel da Silva era nomeado

regente da orquestra da sociedade. Entretanto, em vários anúncios da sociedade 182 Um bom exemplo disso é o relato que nos faz Henry Raynor sobre o surgimento da Filarmônica de Viena, um dos mais tradicionais organismos orquestrais de nossos tempos. Henry Raynor afirma que somente em 1842 foi possível, em Viena, a realização de concertos profissionais, quando o Kapellmeister da Ópera Imperial, Otto Nicolai, realizou um concerto em favor das viúvas e órfãos de membros finados desta instituição. Entretanto, somente em 1860, a orquestra da Ópera Imperial obteve permissão para a realização de concertos regulares, embora ainda limitados aos dias de que não houvesse funções de ópera. Surgia, assim, a Sociedade Filarmônica de Viena, reconhecida em nossos dias como uma das mais importantes orquestras do mundo. 183 Idem. Ibidem. pp. 365-366 184 MAGALDI, Cristina. Music for the Elite: musical societies in Imperial Rio de Janeiro. In: Revista de Música Latino-americana. 1995, Vol. 16, nº. 1. pp. 1-41. 185 ANDRADE, Ayres de. Francisco Manuel da Silva e seu tempo. Op. Cit. pp. 177

121

publicados no Almanaque Laemmert186, como no ano de 1851, lê-se que a sociedade

foi “instalada no dia 24 de agosto de 1835”. Em seus concertos mensais, realizados

nos salões de sua sede, cada sócio recebia um convite extensivo à sua família, sendo

restrito o número de convites extras a que cada um tinha direito. O acesso a estes

convites era vinculado à aprovação de uma comissão especialmente destinada para

esta finalidade. 187

Esta sociedade, segundo Araújo Porto Alegre, apesar dos sacrifícios e do amor

à música de seus sócios, não resistiu ao avanço das encenações líricas na capital188.

Em 1851 encerrou suas atividades, para somente ressurgir quinze anos depois com a

denominação de Sociedade Filarmônica Fluminense. A receptividade às

apresentações realizadas pela Filarmônica nesse período parece ter sido intensa, como

relata o periódico Vida Fluminense, em 1870, sobre um concerto que reunia duas

atrações: trechos da ópera O Guarany, de Carlos Gomes, e a presença do Imperador e

sua família: O Sr. Moutinho – a quem deve a Filarmônica a sua crescente prosperidade – não era procurado para se lhe pedirem, com o sorriso nos lábios, os cartões de ingresso: exigiam-lhos desta vez, punham-lhe uma pistola ao peito; e alta noite, ao entrar em casa, ao entrar em casa, via-se o digno presidente assaltado por alguns indivíduos de má cara e piores bigodes, que, longe de empregarem o rifão [sic] do salteador a bolsa ou a vida, diziam-lhe em voz cavernosa, um convite, ou era uma vez o sustentáculo da Filarmônica! Os sócios cujo número tem crescido prodigiosamente, e as respectivas famílias enchiam por tal forma o salão principal, as salas adjacentes, a escada e o vestíbulo que, se um alfinete caísse do teto só tocaria o chão após porfiada luta entre panos, rendas, gazes e filós. O aspecto da casa era, pois, imponente, e mais imponente se tornava ainda perante a curiosidade que pairava no rosto de todos, e a ânsia com que se esperava o começo da festa. 189

Ao lado da Filarmônica, outras sociedades como a Campesina, o Clube

Fluminense e o Cassino Fluminense, contribuíam para a construção do hábito da

realização de concertos na capital. Ofereciam concertos ou saraus de forma regular,

semanalmente ou mensalmente, em ocasiões que podiam incluir, além de 186 Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1851. Organizado e Redigido por Eduardo Laemmert. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1851. 187 MAGALDI, Cristina. Op. Cit. p. 6 188 “A Filarmônica foi uma filha necessária, que engrandeceu, brilhou e adornou a sua época enquanto não preencheu a sua missão; porque o gosto da música se generalizou e reapareceu a necessidade do teatro italiano e se formaram espetáculos líricos, a sua queda era inevitável. Os sacrifícios dos sócios eram todos por amor da música, eram todos por esta necessidade que devia minorar com a presença dos espetáculos líricos e suas diárias representações”. Apud. ANDRADE, Ayres de. Francisco Manuel da Silva e seu tempo. Op. Cit. pp. 178-179 189 Vida Fluminense. 24 de setembro de 1870. nº. 143

122

performances musicais de canto e música instrumental, leituras de poemas e

encenações de peças teatrais curtas. Após as exibições artísticas, eram oferecidos

jantares, chá, biscoitos e bebidas ao que se seguia um baile até as altas horas da noite.

Ilustração 7

Concerto em favor da família do finado Francisco Manuel da Silva, na noite do dia 1º de dezembro de 1871.

Fonte: Vida Fluminense. 23 de Dezembro de 1871

Em 1867, um grupo de jovens diletantes reunidos no Hotel Provenceaux

fundou o Club Mozart190, que se tornaria junto com o Club Beethoven, fundado em

1882, referência na prática de concertos orquestrais e de câmera no Brasil. Sua

finalidade, de acordo com seus estatutos de 1868, era “o culto e o desenvolvimento da

música vocal e instrumental”. 191

Como na Musikalische Gesellschaft de Varsóvia, seus sócios se dividiam em

categorias: sócios prestantes, que pagavam somente a taxa de entrada, mas que

deveriam saber música e participar nas atividades promovidas pelo Club; sócios

contribuintes, que deveriam pagar uma taxa de admissão no valor de 10$000, além de

190 Diz Cernicchiaro: “Fu nel 1867 che um gruppo di giovani dilettanti, in un bel pomeriggio dopo um lauto pranzo all’ Hotel Provenceaux, fondare il nominato Club, coll’intento di coltivare la musica.” CERNICCHIARO, Vincenzo. Storia della musica nel Brasile: daí tempi coloniali sino ai nostro giorni, 1549-1926. Milano: Fratelli Riccioni, 1926. p. 544 191 Estatutos do Club Mozart no Rio de Janeiro. 1868. Rio de Janeiro: Tipografia Perseverança, 1868. Capítulo I Artigo 3º.

123

adquirir assentos nos concertos mensais no valor de 5$000; sócios beneméritos, que

deveriam contribuir com uma soma substancial, nunca menor que 500$000, além do

compromisso de trazer pelo menos trinta novos sócios192. Outra categoria era a dos

sócios honorários, título oferecido pelo club a artistas de reconhecido mérito.

A entrega dos títulos de sócios honorários era realizada em grande evento que

mobilizava os associados e o público geral, e merecia destaque na imprensa local: Não despreza a atual diretoria do Club Mozart o ensejo de tornar-se credora dos louvores da imprensa. Se um artista notável aporta às nossas plagas hospitaleiras, recebe horas depois o diploma de sócio honorário e um convite especial para assistir aos saraus daquela sociedade; se dentre os seus membros algum se distingue por qualquer ato meritório, não olvida ela a necessidade de galardoar quem assim contribui para o seu progresso e esplendor.(...) José Heine (o rabequista cego), Mme. Ada Heine193 e o baixo cômico Pedro Ferranti tomavam parte do programa, eram acolhidos no meio de aclamações espontâneas, e recebiam o quinhão da glória respectivo ao talento especial de qualquer deles; André Grewestein, o atual regente da oquestra, agradecia comovido a magnífica batuta de prata, que em nome de todos os sócios do Club lhe fora oferecida na ocasião de começar o sarau, e bem dizia a hora em que aceitara o honroso encargo de dirigir a parte artística de uma associação que sabia aquilatar os seus esforços por forma tão digna, quão adequada.194

Desta forma, ao ungir com sinais de distinção artistas de reconhecido talento, o

Club Mozart criava em torno de si a áurea de detentor do poder de consagração. Nesta

ação dinâmica, como se refere Pierre Bordieu, a instituição se reveste de distinção ao

promover a consagração dos artistas, tornando-se detentora do poder de definição

entre arte e não arte, entre artistas que merecem ser expostos publicamente como tal, e

os outros, que nas palavras de Bordieu, seriam “devolvidos ao nada pela recusa do

júri”. 195

Nesta estratégia, cabe também a redescoberta ou reavaliação de artistas e suas

obras. Em 1871, o Club Mozart realiza um grande concerto em homenagem a

Henrique Alves Mesquita. Este artista, de reconhecido mérito, não gozava das graças

do Imperador, como veremos em detalhes no próximo capítulo, o que limitava sua

atuação a espaços menos “dignos”. Por esta ocasião, foram oferecidos ao compositor

192 MAGALDI, Cristina. Op. Cit. p. 9 193 “Se trataba del virtuoso ciego Josef Heine y de su mujer, pianista acompanante Ada Heine, que actuaron tambien en Rio de Janeiro, Montevideo y Buenos Aires.” LANGE, Francisco Curt. Los conjuntos musicales ambulantes de Salzgitter y su propagacion en Brasil y Chile durante el siglo XIX. In: Latin American Music Review / Revista de Música Latinoamericana, Vol. 1, No. 2 (Autumn - Winter, 1980), pp. 213-252 194 Vida Fluminense, 3 de setembro de 1870. n° 140. 195 BORDIEU, Pierre. As regras da arte. Op. Cit. p. 260

124

objetos de valor material repletos de significados, bem como realizaram a execução

de uma de suas obras mais representativas: É como disse França Junior no seu primoroso folhetim do Jornal da Tarde, os membros daquela sociedade, tomados de admiração e simpatia por Henrique Alves de Mesquita, foram desencavar da poeira do esquecimento a pérola mais luminosa do diadema do artista; e a ópera O Vagabundo, cujas harmonias soavam ainda em nossos ouvidos como murmúrios de uma harpa eólia, ressurgiu em todo brilho do seio protetor daquela plêiade de distintos amadores. É que as ovações justas que se fizeram ao talentoso maestro, distinguindo-se entre elas a oferta de uma pena de ouro e de um álbum com capa de veludo carmezim enfeitado nos cantos com ornatos de ouro e tendo no centro uma lira cujas cordas são entrelaçadas por um ramo de louro (trabalho artístico devido à perícia do Sr. Valentim) haviam por tal forma interessado os verdadeiros amadores do belo que nem um só deles desejava perder o ensejo de assistir a esse sarau esplendido, de que tantas maravilhas se esperavam. 196

O prestígio conquistado pelo Club Mozart pode ser observado através dos

anúncios do Almanaque Laemmert. Em 1874, anunciava já possuir cerca de 400

sócios, entre os quais perto de cem amadores; em 1875, este número é de 500 sócios,

entre os quais 150 amadores. Divulgava também que anualmente eram dados de

quatro a seis grandes concertos, quase sempre com assistência da família Imperial197,

e que seus salões eram franqueados aos sócios todos os dias das 6 às 12 horas da

noite, para todos os divertimentos concebidos nos estatutos198. Entre seus dirigentes,

agora apareciam nomes de elevada posição social, como Dr. Antonio Agripino Xavier

de Brito, Dr. Francisco Maria Correa de Sá e Benevides, Conselheiro Dr. Antonio

José do Amaral, e artistas como Joaquim da Rocha Fragoso e João Maximiano Mafra.

Cristina Magaldi199 afirma que os clubes surgidos no Império eram

empreendimentos dirigidos por poucos privilegiados que por seu dinheiro, posição

política ou por status intelectual eram qualificados a se tornar sócios. Esta afirmação

pode levar à falsa idéia de que somente membros de uma elite econômica ou

intelectual estariam aptos a freqüentar e participar das atividades promovidas pelo

Club. É certo que para a sobrevivência da instituição, a aceitação e o acolhimento por

parte da sociedade “distinta” eram fatores necessários; mas em sua origem o Club não

estava vinculado somente a esta particular gama da sociedade fluminense, como

podemos observar na crônica publicada no Vida Fluminense dias antes do primeiro

concerto ali promovido: 196 Vida Fluminense. 18 de Fevereiro de 1871. N° 164 197 Almanaque Laemmert. Anos de 1874 a 1882. 198 Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial para o ano de 1875. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1875. 199 MAGALDI, Cristina. Op. Cit. p. 8

125

A mocidade que, após o trabalho penoso do dia dedica as horas livres da noite ao estudo consciencioso das belas artes, dá uma prova tal de sentimentos elevados, que dispensa toda a sorte de comentários. Nem é intento meu fazê-los aqui. A imprensa, porém não deve deixar desapercebidas as ações que concorrem para o engrandecimento de um país; embora seja ainda acanhado o apreço que entre nós se dê as coisas da arte. As sociedades de música são o passatempo mais útil e agradável de todos quanto por aí se vêem; e é para sentir que as tentativas feitas até hoje no Rio de Janeiro para estabelecê-las solidamente, não tenham sido coroadas de um resultado brilhante e duradouro. O luxo matou umas; a intriga ou a inveja deu cabo de outra e todas se flúaram (sic) sem que delas se colhessem bem maduros os frutos que prometiam dar. O club Mozart começou modestamente: começou como devia: a continuar assim encontrará na própria modéstia os elementos de duração e estabilidade, que o luxo não pôde conceder às outras sociedades, que o precederam.200

A clara citação ao trabalho penoso executado pela “mocidade” que se dedica

à prática musical revela que pelo menos dentro da categoria sócios prestantes, não

encontraríamos nem pessoas ricas, nem de posição política de destaque. O trabalho

penoso não se vincula ao conceito do bourgois gentil-homme, típico da elite brasileira,

como nos informa Emília Viotti da Costa. 201

Magaldi também embasa sua argumentação sobre o Club Mozart ser um

ambiente restrito à elite do Império no fato de seus concertos não serem divulgados na

imprensa, nas colunas dedicadas às atividades de entretenimento202. Entretanto, vale

notar que em seus primeiros anos, as atividades do Club eram constantemente

anunciadas e analisadas nas colunas dedicadas às atividades musicais – Assunto de

Várias Cortes e Crônicas Musicais – do periódico Vida Fluminense. Nestes anúncios,

feitos com a antecedência necessária, divulgavam-se os nomes dos artistas envolvidos

e estimulava-se a presença do público em geral nas atividades do Club, como

podemos observar no exemplo abaixo: Quarta-feira próxima é o sarau musical do Club Mozart. A execução do programa acha-se a cargo dos sócios honorários Arthur Napoleão, Pedro Ferranti, Reichert, Domingos Miguel e de vários amadores distintos. A noite promete, pois, ser uma das mais próprias a registrar nos anais festivos daquela sociedade.203

200 Vida Fluminense. 23 de maio de 1868. n° 21 201 Emilia Viotti descreve esse grupo como “empreendedor” em suas ações e “aristocrático” em suas convicções, variando entre o lucro e a etiqueta, identificados por sua relação com a ordem providencial católica. Nesta ordem, pontificava o conceito hierárquico e estático de organização de classe, sacramentando-se as desigualdades sociais. COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo: Editora Grijalbo, 1977. pp. 196 e 219 202 MAGALDI, Cristina. Op. Cit. p. 8 203 Vida Fluminense. 27 de agosto de 1870. n° 139

126

Assim, observamos que estratégias como a vinculação da imagem do Club a

um local privilegiado da sociedade “distinta”, de acesso restrito a seus membros; de

instituição detentora do poder de consagrar, e, portanto, digna de distinção, é

construída paulatinamente no percurso desta associação na vida social da corte. Este

fato pode também ser mesurado nas condições físicas do Club. Até 1870, o club

funcionava em um espaço pequeno e “antigo” que o impedia de apresentar o “caráter

imponente que deveria caracterizar as festas de uma sociedade daquela ordem”204.

Mas, em dezembro deste mesmo ano, o Club inaugurava suas novas instalações,

somente comparáveis ao suntuoso Cassino Fluminense205, o que seria a garantia de

um “futuro lisonjeiro e brilhante sob todos os pontos de vista”. 206

Ilustração 8

Concerto dado pelo Club Mozart na noite de dez de dezembro de 1870. Aspecto do salão principal na noite da inauguração.

Fonte: Vida Fluminense, 24 de dezembro de 1870. nº. 156

204 Vida Fluminense. 17 de dezembro de 1870. N° 155 205 Idem. Ibidem. 206 Vida Fluminense. 10 de dezembro de 1870. N° 154

127

A comparação com o Cassino Fluminense não era sem propósito. O Cassino

desfrutava da posição de espaço privilegiado da alta sociedade fluminense, onde se

realizavam concertos, bailes e festas que marcaram um novo período de luxo e de

riquezas na Corte207. Deste modo, depois dos salões do Cassino, somente o Club

Mozart podia oferecer um espaço onde as comodidades e o caráter imponente, podiam

ser desfrutados pela parte elegante da sociedade fluminense.

Para o cronista do Vida Fluminense, o Club Mozart “encontraria na própria

modéstia os elementos de duração e estabilidade” que o luxo não pôde conceder às

outras sociedades que o precederam”208. Este, entretanto, não foi o caminho trilhado

por esta associação. Contudo, ao contrário dos prognósticos, o luxo não a matou:

continuou em atividade até os últimos tempos do Império, ofuscada em seus últimos

anos pelo afamado Club Beethoven.

Sobre o Club Beethoven, quem nos fala é Machado de Assis, que durante

alguns anos serviu como bibliotecário da associação: Assim como a história política e social têm antecedentes, é de crer

que esta parte da história artística do Rio de Janeiro tenha os seus também, e quer-me parecer que podemos ligá-la ao quarteto do Clube Beethoven. Esse clube era uma sociedade restrita, que fazia os seus saraus íntimos, em uma casa do Catete. Nada se sabendo cá fora senão o raro que os jornais noticiavam. Pouco a pouco se foi desenvolvendo, até que um dia mudou de sede e foi para a Glória. Aquilo que hoje se chama profanamente Pensão Beethoven, era a casa do clube. O salão do fundo, tão vasto como o da frente, servia aos concertos, e enchia-se de uma porção de homens de várias nações, várias línguas, vários empregos, para ouvir as peças do grande mestre que dava nome ao clube, e as de tantos outros que formam com ele a galeria da arte clássica. O nome do clube cresceu, entrou pelos ouvidos do público; este, naturalmente curioso, quis saber o que se passava lá dentro. Mas, não havendo público sem senhoras, e não podendo as senhoras penetrar naquele templo, que o não permitiam as disciplinas deste, resolveu o clube dar alguns concertos especiais no Cassino. Não relembro o que eles foram, nem estou aqui contando a crônica desses tempos passados. Pegou tanto o gosto dos concertos Beethoven, que o Clube, para obedecer aos estatutos sem infringi-los, determinou construir no jardim aquele edifício ligeiro, onde se deram concertos a todos sem que a casa propriamente da associação fosse violada. Os dias prósperos não fizeram mais que crescer; entrou a ser mau gosto não ir àquelas festas mensais. Mas tudo acaba, e o clube Beethoven, como outras instituições idênticas, acabou. 209

Machado inicia suas palavras revelando o aspecto restrito da associação. Ao

contrário do Club Mozart, a presença de proeminentes personalidades da vida social e

207 PINHO, Wanderley. Salões e Damas do Segundo Império. São Paulo: Livraria Martins Editora, (s.d.) 2ª. Edição. p. 290 208 Vida Fluminense. 23 de maio de 1868. n° 21 209 ASSIS, Machado. A semana. Obra Completa, vol. III, Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994.

128

política fluminense foi uma constante em toda a sua trajetória210. Não poderia ser

diferente, pois, de acordo com seus estatutos, a proposta do Club era “proporcionar

aos homens de boa sociedade (grifo nosso) um ponto de reunião onde gozassem de

todas as vantagens dos principais clubes europeus” e ao mesmo tempo oferecer aos

seus associados a música “da mais alta escola, interpretada pelos melhores

executantes que o Rio de Janeiro possuísse”211. Para essa finalidade, o club fundado

pelo violinista e regente Robert Kinsman Benjamin212 mantinha um quarteto de

cordas permanente, que teve como integrantes em diferentes períodos os violinistas

Kinsman, Vincenzo Cernicchiaro, Felice Bernadelli, Otto Beck, o violista L.

Gavenstein e os violoncelistas J. Cerrone e Benno Niederbuger. 213

Seguindo ainda o esquema da Musikalische Gesellschaft de Varsóvia, o Club

mantinha várias categorias de sócios. No Almanaque Laemmert de 1885214 divulgava

o número de associados: 553, divididos entre sócios contribuintes, temporários,

visitantes, honorários e prestantes. Estes podiam usufruir dos salões do Club, aberto

todos os dias, das 11 horas da manhã até 1 hora da madrugada, dispondo da

biblioteca, buffets, sala de esgrima, de bilhar, de leitura, de jogos de xadrez, whist215,

e dos 80 principais jornais recebidos da Europa. 216

Quando fala sobre os freqüentadores do Club, Machado de Assis refere-se aos

homens de várias nações, várias línguas. Na verdade, o Beethoven incentivava a

participação destes agentes, convidando a freqüentá-lo o corpo diplomático

estrangeiro, assim como a oficialidade dos navios de guerra durante a sua

permanência na corte217. A presença de mulheres, até o ano de 1888, era vetada nos

210 Nas diversas diretorias que se sucederam nos sete anos de existência do club, encontramos nomes como Barão Homem de Mello, M. J. Amoroso Lima, Conselheiro Antonio Ferreira Viana entre outros. 211 Apud. MAGALDI, Cristina. Op. Cit. p. 10 212 Segundo Carlos Wehrs, Kisman Benjamin era regente, compositor e violinista amador. As estas atividades e ao Club Beethoven, dedicava suas horas vagas do cargo de gerente da famosa empresa de seguros de vida, The New York Life Insurance Company. WEHRS, Carlos. Machado de Assis e a magia da música. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1997. p. 41 213 Sobre o quarteto de cordas do Club Beethoven ver: ALMEIDA , Renato. História da música brasileira. Rio de Janeiro: F. Briguiet e comp. Editores, 1942. p. 390. CERNICCHIARO, Vicenzo. Op. Cit. p. 548 214 Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Império do Brazil para 1885. Rio de Janeiro: Laemmert e C., 1885. 215 O Whist é um jogo de raciocínio utilizando baralho de cartas. Surgiu na Inglaterra no século XVIII e, rapidamente, tornou-se um dos jogos mais populares do país, atingindo também os Estados Unidos no século XIX com grande impacto. O Whist tornou-se tão importante na época que acabou sendo o primeiro jogo para o qual se escreveu um livro de regras, isto em 1742. 216 Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Império do Brazil para 1885. Rio de Janeiro: Laemmert e C., 1885. 217 Idem. Ibidem.

129

salões do Club, mas permitida nos grandes concertos anuais realizados nos suntuosos

salões do Cassino Fluminense.

Ao iniciar suas palavras sobre o Club, Machado de Assis pondera que se a

história política e social tem antecedentes, a história artística do Rio de Janeiro

também teria os seus, e, com certeza ligados ao Club Beethoven218. Não poderiam ser

mais acertadas as palavras do escritor. Nas apresentações promovidas pelo Club,

constavam os nomes dos que mais tarde atuariam no Instituto Nacional de Música,

estabelecimento criado na República em substituição ao Conservatório. Cernicchiaro

cita como músicos atuantes no Beethoven os futuros diretores Leopoldo Miguez e

Alberto Nepomuceno, os professores nomeados Duque Estrada-Meyer, Vicenzo

Cernichiaro, J. Cortes, Frederico Nascimento, Carlos Mesquita Alfredo Bevilacqua,

entre outros, e um professor excluído e nosso personagem central: Carlos Severiano

Cavalier Darbilly. 219

Desta forma, podemos observar alguns aspectos importantes na trajetória

dessas associações musicais. Intimamente ligadas à prática de música instrumental, na

forma de câmera ou orquestral, esses espaços seriam o local privilegiado de atuação

da sociedade dos músicos em seus diferentes estágios de consolidação. A este

elemento agrega-se a função educativa destes espaços, que mantinham aulas de

instrumento e de teoria musical para seus sócios. O Club Beethoven manteve, por

exemplo, uma Academia de Música que contava com mais de vinte professores e

duzentos alunos. 220

Os freqüentadores dessas aulas como podemos observar mais claramente no

Club Mozart, apontam para uma diversificada origem social o que consequentemente

nos impede de reduzir estes espaços somente a um local de sociabilidade da elite

imperial, como indica Cristina Magaldi221. É certo que a presença de membros

oriundos desta classe poderia ser fator essencial para a sobrevivência e distinção

destas sociedades na vida social da corte. Entretanto, da mesma forma era necessária a

adesão de músicos prestantes, na sua maioria aprendizes e amadores, para o sucesso

das apresentações públicas realizadas por estas sociedades. Assim, além de um local

exclusivo das elites, estes espaços eram apropriados, ainda que com objetivos

diferentes, por uma gama ampla da sociedade local.

218 ASSIS, Machado. A semana. Obra Completa, vol. III, Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994. 219 CERNICCHIARO, Vincenzo. Op. Cit. p. 547 220 ALMEIDA, Renato. Op. Cit. p. 390 221 MAGALDI, Cristina. Op. Cit.

130

Outro aspecto importante a ser observado é sobre a prática de concertos de

música instrumental, na qual os clubs Mozart e Beethoven e o Conservatório de

Música tiveram papel fundamental. É preciso ressaltar que durante a segunda metade

do século XIX a música instrumental erudita, desprovida do recurso cênico da ópera

ou do teatro musicado, ainda causava certo estranhamento, como podemos observar

em uma crônica publicada em 1870, no periódico Vida Fluminense, sobre uma

apresentação da 6ª sinfonia de Beethoven, A Pastoral: Não há ali ilusão cênica, personagem que fale, nem os mil

acessórios de uma ópera. Nada disso. O leitor vê apenas uns sessenta músicos sentados em face das respectivas estantes, e um regente a cujos sinais obedece a plêiade musical. Nada mais há sobre o palco. 222

Ao se referir a falta de ilusão cênica, o cronista revela a ligação direta entre

práticas de música erudita e representações líricas. Desta forma, neste momento de

passagem da música erudita do teatro para os salões dos clubes e do Conservatório –

onde a performance sem a intermediação da cena ou de qualquer outro recurso visual

entre o público e a música se fez presente –, o repertório operístico e a música vocal

ainda exerciam forte influência.

Entretanto, na análise de 259 obras apresentadas nestes três espaços223 , entre

1868 e 1887, foi possível perceber a gradual diminuição dessa preponderância, como

podemos ver abaixo: Gráfico 8

Relação Ópera e Música de Concerto

0

10

20

30

40

50

60

70

80

Club Mozart Conservatório Club Beethoven

Tot

al d

e ob

ras

Ópera Música de concerto

222 Vida Fluminense. 30 de julho de 1870. n° 135. Esta apresentação da 6ª sinfonia de Beethoven fazia parte do ciclo de Concertos Patti. Este ciclo, composto de seis apresentações, tinha como estrela a soprano Carlota Patti. 223 Esta análise foi realizada tendo como fontes programas de concertos destas três instituições encontrados no Setor de Obras Raras da Divisão de Música da Biblioteca Nacional; e de referências encontradas no periódico Vida Fluminense. Foram analisadas 99 obras executadas no Club Mozart; 65 no Conservatório e 95 no club Beethoven.

131

Podemos observar que embora os três espaços fossem lugares privilegiados à

prática da música erudita, suas opções de repertório evidenciavam certas diferenças.

Enquanto o Club Mozart, fundado em 1867, manteve o seu repertório mais vinculado

à tradição operística, o Conservatório e principalmente o Club Beethoven

apresentavam como opção o enfoque ao repertório de cunho instrumental.

Contudo, dentro da esfera do repertório operístico e do instrumental

apresentados nesses espaços também havia diferenças. No Club Mozart e no

Conservatório, o repertório vinculado à ópera era apresentado não somente em forma

de árias ou aberturas, mas também em fantasias para instrumentos e piano. Fantasia é

uma forma musical, de acordo com o Dicionário Grove de Música224, onde a

imaginação do compositor tem precedência sobre os estilos e formas convencionais.

Este termo foi muito utilizado no século XIX, por compositores na designação de

peças virtuosísticas baseadas em temas de uma ópera.

É exatamente este tipo de Fantasias que vamos encontrar com freqüência no

Club Mozart e no Conservatório: peças onde a virtuosidade dos instrumentistas era

intermediada, em sua entusiasta receptividade, pelo conhecido repertório das óperas

encenadas na Capital do Império. Assim percebemos, nesses dois espaços, a seguinte

distribuição desse repertório de cunho operístico:

Gráfico 9

Club Mozart: Repertório vinculado à ópera

72%

28%

Aria ou abertura fantasia p/ instrumento

224 Dicionário Grove de música. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994. p. 311

132

Gráfico 10

Conservatório: Repertório vinculado à ópera

76%

24%

Aria ou abertura fantasia p/ instrumento

Esse processo de aproximação da música instrumental através das fantasias

sobre temas de ópera pode ter viabilizado a implementação do repertório do Club

Beethoven em 1882. Desta forma, discordamos da historiografia que reveste o

repertório praticado no Club Beethoven com um sentido de ruptura dos padrões até

então vigentes. Neste clube, o repertório vinculado à ópera era apresentado em forma

de árias e aberturas, executadas principalmente nos grandes concertos anuais, quando

a presença de uma grande orquestra era praxe. Na temporada de concertos que se

estendia durante o ano, a presença rotineira era de um quarteto de cordas, mantido

pelo clube e que ocupou importante papel na divulgação da prática de música de

câmera no Brasil.

A presença de um quarteto de cordas, formação tradicional da música de

câmera instrumental, por si só já se reveste de significados. Ao manter um quarteto de

cordas permanente, o Club Beethoven explicita sua devoção à tradição musical não-

vocal, que tem sua fixação, como gênero, vinculada a compositores austríacos e

alemães, como Haydn, Mozart e Beethoven. Goethe definia o quarteto de cordas

como uma “conversa entre quatro homens racionais”225 e essa definição não poderia

ser melhor para ilustrar a aura pretendida: a perfeita associação entre intelectualidade

e música.

Os reflexos desta posição são percebidos em outros dois aspectos do repertório

praticado nesse espaço e que merecem destaque. O primeiro é sobre a presença de

obras nacionais. No Club Mozart, dentro do universo das obras analisadas, 20% eram

225 Apud: BASHFORD, Christina. The string quartet and society. In: The Cambridge companion to the string quartet. Robin Stowell et all. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p. 4

133

de autores nacionais; no Conservatório, 15%; no Club Beethoven, 6%. Esta gradual

queda da presença de autores nacionais, que tem seu cume no Club Beethoven, pode

ser explicada pela opção preferencial à música de cunho instrumental, sinfônica ou de

câmera. A grande maioria dos compositores nacionais tinha sua produção voltada para

as encenações líricas ou do teatro musicado; a prática da composição sinfônica ou de

música de câmera havia há pouco se instalado no Brasil, e entre os novos nomes

comprometidos com esse exercício encontramos Leopoldo Miguez e Alberto

Nepomuceno, diretamente ligados ao Club Beethoven.

Outro aspecto importante é a forte presença, dentro do repertório do Club

Beethoven, de compositores alemães, em total contraste com a clara preferência do

Club Mozart pelos autores italianos, como Verdi e Donizetti. Assim, através de suas

apresentações, o público carioca entra em contato com as obras de R. Schumann, F.

Schubert, F. Mendelssohn e Richard Wagner. A presença de Wagner neste repertório

é associada à atuação de Leopoldo Miguez como regente dos grandes concertos

anuais, como o de 1884, quando é executada a Kaiser Marcha, do célebre compositor

germânico. Seguem-se, em 1887, a abertura do Tanhauser e, em 1889, a abertura da

ópera Rienzi.

Segundo Luiz Heitor226, Miguez teria se deixado “arrastar pela correnteza

wagneriana”, como aconteceu a jovens compositores em várias partes do mundo. O

uso do cromatismo, do leitmotive227, e as orquestrações rebuscadas estão entre os

elementos de transformação técnica que tornaram Wagner um paradigma da música

erudita. Com ele não somente a música é transformada, mas a própria arte, a maneira

de pensá-la e sua conseqüente ação social. E é com este manto de mudança e

novidade impregnado do pensamento wagneriano que Miguez vai se cobrir, ao se

tornar um dos mais influentes líderes da sociedade dos músicos sob as asas da

República.

Ao falar sobre o Club Beethoven, Machado de Assis – como citamos

anteriormente – ponderou que a história artística do Rio de Janeiro encontrava neste

espaço de atuação uma referência significativa228. Podemos de certa forma, ampliar

esta observação às demais sociedades e clubs musicais do Império. Pois além de

oferecer um espaço de sociabilidade onde músicos amadores, profissionais e 226 HEITOR, Luiz. Música e músicos do Brasil: história, crítica, comentários. Rio de Janeiro: Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1950. p. 231 227 Leitmotiv: um tema ligado a algum significado alusivo, como um personagem, um conceito, um objeto e etc. Dicionário Grove de Música. Op. Cit. p. 1011. 228 ASSIS, Machado. A semana. Obra Completa, vol. III, Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994.

134

aprendizes podiam desfrutar das atenções e aplausos da sociedade fluminense, ali

também seria o local privilegiado para troca de conhecimentos e de opções estéticas.

É nesses espaços que a prática de concertos instrumentais, longe do aparato da

ópera, toma forma e se instala no gosto e apreço de uma gama representativa da

sociedade dos músicos. Esta opção, para além de seu elemento estético, apresenta-se

como uma mudança de mentalidade que, ao aproximar-se das vertentes cientificistas

que dominavam os últimos anos do Império229, encontram eco certeiro nas novas

lideranças que dominariam a sociedade dos músicos nos tempos da República.

229 CARVALHO, José Murilo de. Pontos e bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998. p. 109

135

Capítulo 3

– Da Sociedade de Música à Sociedade dos Músicos –

Neste terceiro capítulo traçaremos as afinidades entre os lugares de atuação

musical e a formação de um segmento cultural particular – o dos músicos –. Destacamos

a utilização desses lugares pelos agentes musicais, como forma de obter posições de

prestígio e a conseqüente legitimidade para dizer quem está autorizado a denominar-se

músico. Bourdieu define esta como uma das questões centrais da rivalidade literária, no

nosso caso das rivalidades musicais, ou seja, o monopólio do poder de consagração dos

produtores ou dos produtos, ou, mais precisamente, do poder de legitimação do músico. 1

No início do reinado de Pedro II, a sociedade dos músicos apresentava-se

fortemente hierarquizada e, sobretudo, centralizada na figura de Francisco Manuel da

Silva. Representado como o “anjo que governa a arca possuidora dos códices”2 da

música no Brasil; a “garantia de êxito”3 em qualquer projeto, este músico vai exercer

forte influência na regulamentação da profissão, na distribuição de posições e de marcas

de distinção.

Sua atuação acontece nas principais instituições musicais do Império: a Sociedade

de Música, a Sociedade Philarmônica, o Conservatório de Música, a Capela Imperial,

bem como o Conservatório Dramático, onde era um dos responsáveis pela censura das

obras a serem representadas. Nos teatros, exercia a função de diretor tendo o poder de

escolha e veto dos agentes envolvidos na produção. Determinava, deste modo, quem

poderia ou não ter acesso aos espaços privilegiados das práticas musicais.

Após sua morte, já em meio ao questionamento da sociedade hierárquica senhorial

e às alterações da ordem política, a luta pela ocupação do espaço deixado por ele torna-se 1 BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 253 2 ANDRADE, Ayres. Francisco Manuel da silva e seu tempo. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1967. Vol. 1. pag. 177. 3 PENA, Martins. Op. cit. p. 49

136

complexa. Não havia ambiente para tamanha centralização em torno de um único nome,

não só pelo contexto geral, mas pelo próprio crescimento da população de músicos e a

ampliação de seus espaços de atuação. A despeito das impossibilidades da antiga ordem,

embates eram travados na tentativa de ocupar a posição conspícua de Francisco Manuel,

e o acesso aos locais privilegiados de produção musical.

No dia 14 de abril de 1831 ouvia-se no Teatro S. Pedro, neste período sob o nome

de Constitucional Fluminense, o hino ao Grande e Heróico Dia 7 de Abril de 18314,

composto por Francisco Manuel da Silva, com letra do Desembargador Ovídio Saraiva de

Carvalho e Silva: Os bronzes da tirania/Já no Brasil não rouquejam; Os monstros que o escravizavam/Já entre nós não vicejam. ..................... Arranquem-se aos nossos filhos/Nomes e idéias dos lusos... Monstros que sempre em traições/Nos envolveram, confusos. Ingratos à bizarria/Invejosos do talento, Nossas virtudes, nosso ouro, /Foi seu diário alimento. Homens bárbaros, gerados/De sangue judaico e mouro, Desenganai-vos: a Pátria/Já não é vosso tesouro. ...................... Uma prudente regência, /Um monarca brasileiro Nos prometem venturoso/O porvir mais lisonjeiro. ......................

Não é impossível imaginar a euforia com que tal hino foi recebido, em meio aos

recentes fatos políticos que propiciavam as mais variadas expectativas. Em versos

precisos, rejeitava-se a herança lusitana, afirmava-se nossa superioridade de virtudes, e

ainda deslumbrava-se a trajetória venturosa que um novo monarca brasileiro garantiria ao

futuro da nação. Com a aceitação popular deste novo Hino Nacional, estava Francisco

Manuel da Silva iniciando sua escalada ao cargo de músico mais influente do reinado de

D. Pedro II.

A sentida ausência do Estado como promotor da vida musical no decênio de 1830

– quando foram interrompidas as temporadas de óperas e a Capela Imperial é reduzida

em seus componentes músicos ao mínimo necessário para os ofícios religiosos – propicia

o surgimento de novas lideranças. Sensível ao momento político, Francisco Manuel, ao

4 A mesma melodia deste hino, serviria para o Hino da Consagração, e para o Hino Nacional Brasileiro de nossos dias com letra de Osório Duque Estrada.

137

lado de destacados nomes da música do Rio de Janeiro, funda em 1833 a Sociedade

Beneficência Musical5.

Esta sociedade, elaborada aos moldes da antiga Irmandade de Santa Cecília6,

destinava-se a propagar a arte musical, bem como oferecer auxílios pecuniários a seus

membros. Para além de suas funções, a Sociedade vai se tornar neste período, citando as

palavras de seus membros, na instituição que evita a “ruína da música” 7 no Brasil, a

ordenadora do ofício de músico.

Através dos Estatutos da Sociedade Musical editados em 18538 podemos alcançar

sua organização interna e perceber seus mecanismos de controle do fazer musical. O

número de associados era limitado a cem músicos (Cap. I; art. 2º), e para se tornar

membro da Sociedade era exigido, nesta ordem exata, ser morigerado; ter o

conhecimento da arte da música e a exercer por pelo menos três anos no Rio de Janeiro;

não ter mais do que quarenta anos (Cap. II; art. 3º). A admissão como membro efetivo

dependia da aprovação da Assembléia Geral da Sociedade, onde o candidato, obtendo a

terça parte mais um voto contrário, seria reprovado, podendo requerer nova admissão

passado o período de um ano. Aprovado, efetuaria o pagamento da jóia de admissão: se

menor de 30 anos, 80$; acima desta idade, o valor dobrava (Cap. II; art. 5º, 6º e 7º).

Os associados não poderiam exercer a sua arte em atos públicos religiosos sem ser

por convite dos diretores da Sociedade (Cap. III; art. 3°). Entendia-se por diretores,

aqueles sócios autorizados pela Sociedade, por meio de uma patente, a dirigir funções

públicas da arte9. Esta patente poderia ser obtida por aqueles que estivessem no gozo de

5 Em toda bibliografia que trata da Sociedade de Música encontramos a afirmação que Francisco Manuel da Silva, além de primeiro sócio e organizador de seu primeiro estatuto, teria sido também diretor da instituição até 1865, ano de sua morte. Curiosamente, nos Anais da Biblioteca Nacional 1881-1882, encontramos a seguinte referência: Discurso pronunciado pelo presidente da Sociedade Beneficência Musical (Manuel Joaquim Corrêa dos Santos) no dia 10 de Julho de 1834, por ocasião da posse da nova administração. Rio de Janeiro. Typ Nac. 1834, in-16° de 11 pp (BN). Infelizmente, apesar de termos percorrido todos os setores da biblioteca, e da ajuda de seus funcionários, ainda não foi possível localizar o documento citado. 6 Sobre a Irmandade de Santa Cecília, seus estatutos e finalidades, ver ANDRADE, Ayres de. Op. cit. 7 Petição para a criação de um Conservatório de Música na Corte. Documento Manuscrito. Biblioteca Nacional. Seção de Manuscritos: C 774,35. 8 Estatutos da Sociedade de Música do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Emp. Typ. Dous de Dezembro de Paula Brito Impressor da Casa Imperial, 1853. 19p. Biblioteca Nacional. Divisão de Música. OR. A-II. L-85 9 BRASIL. Decreto nº. 2.769 de 6 de abril de 1861. Concede à sociedade Musical de Beneficência, estabelecida nesta Corte autorização para continuar a exercer suas funções e aprova os respectivos Estatutos. Collecção das leis do Império do Brasil de 1861. Tomo XXIV. Parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1861. p. 228-238.

138

todos os direitos garantidos pela Sociedade; tivessem três anos como associados, e

pagassem por ela a jóia de cem mil réis.

Obrigavam-se, os diretores, a desempenhar suas atividades com decência e ordem,

de maneira a não prejudicar os sócios e a Sociedade. Seriam obrigados ainda a contribuir

com determinada percentagem sobre seus ganhos em funções religiosas ou de teatro. A

Sociedade poderia, quando entendesse conveniente aos seus interesses, tomar ao seu

encargo a direção da parte musical nos atos públicos, cessando o direito concedido aos

Diretores.

Da Sociedade de Música, através de sua Assembléia Geral, seria a competência da

escolha de professores para as escolas de música que houvessem de se estabelecer na

Corte (Cap. VI; art. 22; § 6). Abrangia, deste modo, o controle sobre duas práticas

musicais essenciais no século XIX: os ofícios religiosos, que importavam tanto os cultos

internos, quanto as festividades que, de acordo com Marta Abreu, não cessaram de

crescer ao longo do século10; e o ensino da música, que, como podemos observar através

dos anúncios no Almanaque Laemmert, crescia ao longo dos anos em oferta de

professores.

Gráfico 11

Professores de Música no Rio de Janeiro (1847-1888)

010

2030

4050

6070

8090

100

110

1847

1848

1849

1851

1852

1853

1854

1855

1856

1857

1858

1859

1860

1861

1862

1863

1864

1865

1866

1867

1868

1869

1870

1871

1872

1873

1874

1875

1876

1877

1878

1879

1880

1881

1882

1883

1884

1885

1886

1887

1888

ano

nº d

e pr

ofes

sore

s

Professores de Música na cidade Fonte: Almanaque Laemmert: 1847 a 1888

Além de suas funções regulamentares, a Sociedade iria se tornar um espaço de

sociabilidade, promovendo apresentações que além de reunir os melhores instrumentistas

10 ABREU, Marta. Op. cit. p. 36

139

e cantores, agregavam ao redor da Sociedade a elite carioca. A cada uma de suas

apresentações, a Sociedade era consagrada como a entidade que mantinha a arte musical

viva e ao mesmo tempo consagrava os músicos que participavam das Academias11

promovidas.

Reconhecida então como a entidade que conservava a prática musical viva, a

Sociedade parte para seu projeto maior, a criação do Conservatório de Música: A missão de conservar está realizada, mas esta não pode durar, se a

criação de novos Artistas não vierem substituir aqueles que desaparecem para sempre. Desde meio século a Música tem sido o florão mais belo do Brasil, o seu mais brilhante ornato, e que até mesmo o caracterizava e distinguia entre todas as Nações do nosso Mundo; já pela vocação e talento natural de seus filhos, já pela eficaz proteção que recebera sempre dos diferentes governos até 1831, e hoje caminha a passos rápidos para a decadência, ou talvez para a sua total extinção, se a mão daqueles a quem foi cometido a direção dos destinos públicos, a não suster e reanimar.12

Em 1848, o Conservatório é efetivado e Francisco Manuel conduzido ao cargo de

Diretor. Nesta época, seu nome já estava consagrado. Era mestre compositor de música

da Imperial Câmera (1841), Cavaleiro da Ordem da Rosa (1846), Regente da Sociedade

Filarmônica (1846), e representado na imprensa, como citamos anteriormente, como a

“âncora que suspendeu o naufrágio”13 da música, o hábil professor14, a presença que

agregava valor a qualquer projeto que estivesse envolvido.15

Como vimos no capítulo anterior, somente em 1855, com a anexação do

Conservatório à Academia de Belas Artes, é que se delimita um formato mais completo

desta instituição, com a efetiva contratação de professores que completariam o quadro

das sete disciplinas oferecidas pelo estabelecimento, como podemos observar na tabela a

seguir:

11 Nobert Elias refere-se ao termo Academia como sendo um concerto cuja renda ia diretamente para o bolso dos artistas. No casa das Academias patrocinadas pela Sociedade, a renda era revestida em fundos para a própria Sociedade Beneficência Musical. ELIAS, Nobert. Mozart, sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995. p. 34 12 Petição para criação na Corte de um Conservatório de Música. Acervo Biblioteca Nacional. Documento manuscrito. Seção de Manuscritos, C-0774,035. 13 ANDRADE, Ayres. Op. cit. p. 177 14 ALENCAR, José. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 17 de Dezembro de 1854. 15 PENA, Martins. op. cit. p. 48

140

Tabela 4 Professores do Conservatório de Música (1848-1865)

Rudimentos Masc. Rudimentos Fem. Flauta Clarineta Rabeca (violino)

Violoncelo e C. Baixo

Contraponto, regras de acompanhar

1848 a

1852

Francisco da Luz Pinto

1853 Francisco Manuel da Silva

1854 Dionísio Vega

1855 João Scaramela

Antonio Luiz de Moura

Demetrio Rivero

José Martini Giochino Giannini

1856 1857 Francisco da

Motta

1858 1859 Vago 1860 1861 Demetrio Rivero Vago 1862 1863 1864 1865

Na parte administrativa, poucas alterações ocorreram no período de Francisco

Manuel como diretor da instituição:

Tabela 5

Administração do Conservatório de Música (1848-1865) Diretor Secretário Tesoureiro Arquivista Porteiro

1848 - 1858

Francisco Manuel da Silva

Francisco da Motta Padre Manoel Alves Carneiro

1859 - 1860

Dionísio Vega Eloy José da Cunha

1861 - 1865

Antonio Luiz de Moura

Todos os nomes escolhidos por Francisco Manuel para compor os quadros do

Conservatório estavam ligados aos seus espaços de atuação: a Sociedade de Música, a

Capela Imperial e o Teatro Lírico16. Estes músicos, por sua vez, também integravam a

rede dos que transitavam entre estes locais privilegiados da prática musical.

Através de sua atuação como diretor do Conservatório, Francisco Manuel

ampliaria a ação de delimitar a população de músicos, contribuindo para o

estabelecimento de elementos de distinção, como a concessão de medalhas e prêmios de

viagem aos alunos destacados do Conservatório, bem como influenciando na outorga de

condecorações como a Ordem da Rosa. Mas, sobretudo, tentaria expandir o controle e a

regulamentação do exercício do ensino musical, como podemos observar quando intenta

16 Ver anexos.

141

estender aos professores de música as regras impostas ao demais professores de nível

primário e secundário.

Em 10 de outubro de 1859, Francisco Manuel assina, com Manuel Alves

Carneiro, uma proposta para que, de acordo com os Avisos de 23 de abril e 29 de julho de

1856, o Conservatório de Música assuma a responsabilidade da comprovação das

habilidades específicas daqueles que se dedicam ao ensino musical, bem como suas

provas de boa moralidade: Chegando ao conhecimento do Diretor do Conservatório de Música

desta Corte os repetidos abusos praticados por indivíduos que se apresentam ostensivamente lecionando Música por colégios e casas particulares sem terem exibido prova de sua capacidade artística na 5ª seção desta Academia, bem como de sua moralidade, como expressamente determinam os Avisos de 23 de Abril de 1856 e 29 de Junho do mesmo ano, dando lugar a contínuas reclamações, [a] diretoria pelas justas queixas de diversos chefes de família, e estabelecimentos de educação, não só por serem tais indivíduos inábeis no exercício do Magistério como pelo comportamento menos regular de alguns deles: propõe:

Que se façam extensivas ao Conservatório de Música as medidas e multas estabelecidas pela Repartição de Instrução Pública, aos que não se acharem munidos dos títulos de habilitação artística e de moralidade.

Digne-se V. S. levar ao conhecimento do Sr. Diretor esta proposta para que se sirva solicitar das Repartições competentes s medidas que a Diretoria do Conservatório de Música propõe, e as que V. S. julgar em sua sabedoria. 17

A proposta encaminhada ao secretário da Academia das Belas Artes, João Mafra,

é apresentada à congregação da instituição em 12 de outubro18 e defendida pelo

secretário do Conservatório, Dionísio Vega. A congregação decide que para poder

debater sobre a questão deveria ter acesso aos Avisos citados, o que é providenciado por

Vega. Em 15 de outubro, ele solicita que a Secretaria de Estado dos Negócios do Império

se digne mandar passar por certidão os Avisos de 23 de Abril e 29 de Julho de 1856, na

parte em que diz respeito aos professores de artes liberais, bem como tudo e mais que

houver a este respeito. 19

17 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Proposta assinada por Francisco Manuel da Silva, Manuel Carneiro do Conservatório de Música ao Secretário da Academia para que se façam extensivas ao Conservatório as medidas e multas estabelecidas pela Repartição de Instrução Pública. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2126 18 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Livro de Registros das Atas da Congregação da Academia de Belas-Artes 1856-1874. Ata da Sessão de 12 de Outubro de 1859. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 6152. 19 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Requerimento do secretario interino do Conservatório de Música Dionísio Vega ao Ministro do Império. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2120.

142

No Aviso de 23 de Abril era clara a determinação da obrigatoriedade da

apresentação de provas de moralidade aos professores de artes liberais: Sua Majestade o Imperador conformando-se com o parecer de Vossa

Excelência, e do Conselho diretor, sobre as medidas propostas no mesmo ofício relativamente à exigência de provas de habilitação não só para serem admitidos a lecionar os professores de artes liberais, mas também para se permitir aos de instrução primária e secundária o exercício do magistério por casas particulares, houve por bem determinar:

Primeiro. Que os professores de artes liberais devem ser obrigados a exibir provas de moralidade não só quando forem chamados pelos Diretores de Colégios e outros Estabelecimentos de Instrução e educação, mas ainda quando lecionarem por casas particulares, sendo que façam profissão habitual do magistério em qualquer dos ramos das referidas matérias apresentando-se pública e ostensivamente como professores e recebendo retribuição pecuniária.

Segundo. Que devem ser sujeitos às provas de moralidade e habilitação os professores de instrução primária e secundária que lecionarem em casas particulares, achando-se nas mesmas circunstâncias que acabam de ser especificadas. O que comunico a V. Excelência para sua inteligência e execução. 20

O Aviso de 29 de Julho atesta a necessidade da prova de títulos e diplomas para o

exercício do magistério: O Conselho Diretor resolveu submeter à decisão do Governo que

determinando o Aviso de 23 de Abril do corrente ano que os professores de artes liberais, e os de instrução primária e secundária que lecionam por casas particulares devem prestar provas de sua moralidade para continuarem no exercício do magistério, suscita-se a dúvida, para a execução do citado Aviso, se os referidos professores para provarem que se acham autorizados para o magistério deverão munir-se de Título ou Diploma igual ao que se confere aos professores que ensinam por colégios, (...); tenho de declarar-lhe que a respeito dos ditos professores se deve seguir o mesmo que se pratica com os que ensinam por Colégios.21

Diante dos Avisos e da argumentação de Dionísio Vega, a congregação da

Academia de Belas-Artes, novamente reunida em 31 de outubro, resolve não apenas

acatar a sugestão de Francisco Manuel, mas ampliá-la para todas as seções da Academia: Resolve a Academia que se solicite do governo Imperial para tornar

extensivas aos Professores de Belas Artes, que ensinarem sem título de habilitação conferida por esta Academia, as multas estabelecidas para os professores de Instrução primária e secundária pela Inspetoria Geral de Instrução Pública. Resolve-se igualmente que poderão ser, pelo diretor, dispensados de exibir provas de capacidade artística perante as respectivas

20 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Idem. ibidem. 21 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Idem.ibidem.

143

secções da Academia, aqueles professores que apresentarem documentos autênticos de sua habilitação. 22

Se antes, através da Sociedade de Música, Francisco Manuel teria o poder sobre a

designação dos professores que lecionariam nas escolas, agora, através do Conservatório,

estendia seu poder a todos os envolvidos na prática do magistério, mesmo os que

atuavam em casas particulares. Desta forma, ao pretender exigir dos professores de

música a titularidade, codificava juridicamente um ofício, e afirmava o Conservatório

como a entidade que poderia determinar quem estava apto a ser chamado de músico.

O prestígio do músico é facilmente observável no acúmulo de posições de poder na

produção musical da Corte, em 1852: era diretor do Conservatório, Mestre-Capela da

Capela Imperial, e diretor da Companhia Lírica Italiana. Esta companhia deveria fazer parte

do elenco do Teatro S. Pedro e havia sido recrutada, na Itália, por Dionísio Vega, velho

companheiro de Francisco Manuel. Com o incêndio de 1851, ela é removida, juntamente

com a companhia dramática, para o Teatro de S. Januário.

Esta soberania somente seria ameaçada em 1856, com a decisão do Governo de criar

uma nova instituição, descrita nas palavras de seus organizadores como agradável, útil, e

até mesmo necessária ao País em seu presente estado de civilização23. No Programma,

anexado ao relatório do Ministro Luiz Pedreira do Couto, de 1856, anunciava-se que o

Governo de sua Majestade, o Imperador, havia acolhido benignamente a idéia da instalação

de uma Academia de Ópera Nacional, destinada a propagar e desenvolver o gosto pelo

canto em língua pátria, e criar um Teatro Lírico Nacional em que possa ser cultivado o

natural talento e a reconhecida vocação de tantos brasileiros. 24

Na assinatura do Programma, o nome de Francisco Manuel da Silva e outras

personalidades25. Entretanto, seria o espanhol José Amat que o Governo nomearia como

empresário da companhia. Como estímulo à realização do novo e “necessário”

22 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Livro de Registros das Atas da Congregação da Academia de Belas-Artes 1856-1874. Ata da Sessão de 31 de Outubro de 1859. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 6152. 23 BRASIL. Programma da Academia de Ópera Nacional. Anexo do Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 1ª Sessão da 10ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1857. 24 Idem. Ibidem. 25Assinando o Programma, aparecem os nomes, nesta ordem, do Marquês de Abrantes, Visconde de Uruguay, Barão do Pilar, Manoel Araújo Porto Alegre e os músicos Joaquim Gianini, Dionizio Vega, Isidoro Bevilacqua e Francisco Manuel da Silva.

144

empreendimento, concedia diversos favores: dava à Academia o título de “Imperial” –

honraria nunca dispensada ao Conservatório de Música –; franqueava o Theatro Lyrico para

suas representações; comprometia-se a promover e auxiliar a educação de quatro a oito

meninos de ambos os sexos destinados à Academia; proibia, durante oito anos, que em

teatro algum subvencionado pelo Governo Imperial se representasse óperas líricas em

língua nacional; obrigava o Conservatório de Música cooperar, pelos meios ao seu alcance,

para o bem da Academia. Esta última determinação poderia ser entendida como uma

provocação a Francisco Manuel, ou seria uma estratégia do mestre para manter seu tão

sonhado Conservatório vinculado a uma iniciativa que recebia tantos favores do Governo

Imperial?

De certo parecia soar estranho. Francisco Manuel gozava de destacada posição na

Corte, mas no Almanaque Laemmert de 1854, no anúncio dedicado ao Conservatório de

Música, informava em um adendo que o desenvolvimento desta instituição estava fora do

alcance da comissão de artistas que a dirigiam, pela falta de regularidade na extração das

loterias, e, sobretudo, desabafava, pela pouca atenção que ainda merecem as artes neste

país26. Forte manifesto de um artista que gozava das graças do Estado. Mas voltemos à

Ópera Nacional.

Embora o Governo houvesse cedido as instalações do Teatro Lírico para suas

apresentações, o que não foi do agrado de seus dirigentes27, a então Imperial Academia de

Música e Ópera Nacional tem sua estréia no teatro do Ginásio Dramático no dia 17 de julho

de 1857. Não fica muito tempo nesse teatro, passando a representar no Teatro de S.

Januário e em seguida no S. Pedro de Alcântara, onde foi acolhida mais por benevolência

do que por interesse do respectivo diretor e empresário28.

No ano seguinte, no mês de setembro, o Conselho Diretor da Imperial Academia de

Música e Ópera Nacional representa ao Governo, expondo a irregularidade com que fora

estabelecida e continuava a existir esta instituição, e pedia autorização para reorganizá-la,

26 Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1854.Organisado e Redigido por Eduardo Laemmert. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1854. p. 324 27 Ver SOUZA, Silvia Cristina Martins de. Op. cit. p. 84-85 28 BRASIL. Ministro Pedro de Araújo Lima, Marquez de Olinda. Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 2ª Sessão da 10ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1858 P. 13.

145

formulando Estatutos que a regessem29. Aceitando o Governo os argumentos do Conselho,

nomeia um novo Conselho, composto pelo Marquês de Abrantes, Visconde de Uruguay e o

Conselheiro Luiz Pedreira do Coutto Ferraz, encarregando-os não somente da

reorganização como da administração superior da Academia. O novo Conselho decide

sobre a impossibilidade da manutenção desta, suspendendo suas atividades e propondo que

a mesma fosse convertida em um conservatório de música que preparasse novos artistas

para a formação de uma futura companhia de ópera nacional. Sobre essa proposta o

Ministro Sergio Teixeira de Macedo manifesta: Devo declarar-vos eu, existindo já um conservatório de música, no qual

são mantidas diversas aulas com o auxilio das loterias que lhe tem sido concedidas, e com os rendimentos do seu patrimônio, me parece uma inutilidade a sustentação da Academia de Música, como estabelecimento de idêntica natureza; e por isso, tendo ouvido o parecer de pessoas competentes, tenciono reunir ambas as instituições em um só estabelecimento, dando-lhe maior desenvolvimento. Por este modo, melhorando-se o ensino da música em suas diversas aplicações pela uniformidade e maior extensão do plano de estudos que se organizar, conseguir-se-á ao mesmo tempo notável economia de despesas.30

Somente no ano seguinte, em 1859, o Governo extingue oficialmente a Academia,

dada a conveniência de oferecer mais desenvolvimento ao já existente Conservatório de

Música31.Vitória de Francisco Manuel? Talvez. Mas José Amat não desistiria de sua

empreitada. No ano seguinte o Ministro José Antonio Saraiva noticiava que depois da

extinção da Imperial Academia o Governo tratou de estabelecer as condições para a

concessão dos favores outorgados pela Assembléia Geral Legislativa para a manutenção de

uma Ópera Lírica Nacional. 32

De acordo com essas condições, firma novamente o Governo contrato com José

Amat, para a fundação da companhia Ópera Lírica Nacional. Alerta o Ministro que as

condições estipuladas são convenientes aos interesses da fazenda pública, e que são

tomadas as seguranças necessárias para que tenham a devida aplicação os auxílios

29 BRASIL. Ministro Sergio Teixeira de Macedo. Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 3ª Sessão da 10ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1859. P. 20 30 Idem. Ibidem. 31 BRASIL. Ministro João de Almeida Pereira Filho. Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 4ª Sessão da 10ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1860. p. 54 32 BRASIL. Ministro José Antonio Saraiva. Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 11ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1861. P. 41-42

146

concedidos pelo Tesouro. E é esta nova companhia que vai realizar o projeto da primeira

ópera com música e libreto nacional. Intitulada A noite de S. João, teve sua estréia em 14 de

dezembro de 1860, no Teatro S. Pedro de Alcântara, sendo a composição musical do

paulista Elias Álvares Lôbo e o libreto de José de Alencar.

Apesar de todo o sucesso da companhia, novamente envolve-se o empresário José

Amat em circunstâncias que levam o Governo a interromper as atividades desta empresa33.

Assim, no relatório de 1862, o Marquês de Olinda, Ministro dos Negócios do Império,

informa que tendo findado o contrato da Ópera Lírica Nacional e havendo sido extinta a

companhia de Ópera Italiana, o Governo resolve reunir as duas companhias em uma só

empresa34, assinando contrato para essa finalidade com Francisco Manuel da Silva, Dr.

Antonio José de Araújo e Joaquim Norberto de Souza e Silva. Francisco Manuel logo se

afastaria da sociedade, passando a exercer a função de fiscal do Governo na parte

puramente artística. A proposta da nova companhia de ópera era mais arrojada do que suas

antecessoras: em um espaço de 22 meses realizaria 110 apresentações, sendo pelo menos 46

em língua nacional.

Além disso, obrigavam-se a apresentar a cada ano duas óperas de língua nacional, o

dobro do que propusera a antiga Imperial Academia de Música e Ópera Nacional. Em uma

clara demonstração da influência de Francisco Manuel a companhia obrigava-se ainda:

admitir entre seus artistas os alunos do Conservatório de Música; sustentar uma aula de

canto aperfeiçoado e outra de declamação, que segundo o relatório do Ministro já estavam

abertas e anexas ao dito Conservatório35, bem como um pequeno teatro para os exercícios

dos respectivos alunos; e manter na Europa um aluno do Conservatório, designado pelo seu

Diretor, a fim de aperfeiçoar-se na composição de música. Brilhava mais forte a estrela de

Francisco Manuel da Silva e fechavam-se as portas da Corte para José Amat36.

33 Sobre as circunstâncias “desagradáveis” criadas pelo empresário José Amat,ver Ayres de Andrade. Francisco Manuel da Silva e seu tempo 1808-1865 uma fase do passado musical do Rio de Janeiro a luz de novos documentos. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1967. vol II, p. 94-95 e 103-106. 34 BRASIL. Ministro Pedro de Araújo Lima, Marquez de Olinda. Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 3ª Sessão da 11ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1863. P. 29-30 35 Idem. Ibidem. 36 Interessante observar que a Enciclopédia da Música Brasileira, no seu verbete dedicado a Amat, indica 1865 como o ano de sua morte, e diz que “a partir de 1864 não se tem mais notícias sobre ele”. Entretanto, analisando os relatórios de presidentes de províncias, constatamos que a informação não procede. Incluiremos como anexo à tese alguns dados sobre José Amat que se estendem até o ano de 1869. Enciclopédia da Musica Brasileira: popular, erudita e folclórica. 2. ed. São Paulo: Art Editora: Publifolha, 1998. p. 30

147

O prêmio de viagem a ser patrocinado pela nova companhia lírica, não era uma

novidade. Após se tornar uma das seções da Academia de Belas Artes, instituía-se no

Conservatório, através da Instrução de 27 de abril de 185737, a premiação dos alunos e,

sendo o prêmio de viagem o de maior importância. Desta forma, ao incluir tal prêmio entre

as obrigações da nova companhia, Francisco Manuel consegue garantir a manutenção desta

prática, sem depender dos parcos recursos financeiros do Conservatório.

O prêmio de viagem era ao mesmo tempo um atestado de mérito e a real

oportunidade de aperfeiçoamento técnico nas escolas européias, o que constituía uma

importante marca de distinção. Roger Chartier, ao comentar a obra Regras das Artes de

Pierre Bordieu, afirma: Bourdieu considera as lutas de representação, que levam ao estabelecimento de quem é digno da categoria de artista, ou de um título, como no caso do título acadêmico. Quem é artista? Quem é escritor? Quem é intelectual ou filósofo? Estes conflitos para definir essas identidades remetem à luta pelo direito ou pelo monopólio do poder da consagração estética ou intelectual, isto é, diria Bourdieu, o monopólio do poder para dizer, como autoridade, quem está autorizado a chamar-se escritor, ou até mesmo para se designar quem é escritor e quem tem autoridade para dizer quem é escritor, artista ou filósofo. Aqui, a dimensão fundamental das tensões ou dos conflitos dentro deste espaço diz respeito aos limites destes espaços e ao direito de dizer quais são estes limites, e ao direito de dizer quem pertence a este espaço social particular.38

Desta forma, percebemos Francisco Manuel sendo revestido mais uma vez do

poder de, através da atribuição de uma marca de distinção, determinar quem era digno de

ser reconhecido como músico. Para além do pertencimento a este espaço social particular,

Francisco Manuel seria determinante na escolha dos que mereceriam a atribuição de

marcas de distinção.

As obrigações dos alunos agraciados com tal distinção eram minuciosamente

detalhadas na Instrução de 1857. O aluno distinguido receberia do Estado ou do

Conservatório a pensão anual de três mil francos, valor igual aos pensionistas da

Academia de Belas Artes. O pagamento seria realizado trimestralmente, e a primeira

37 BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. 25 de abril de 1857. Instruções concernentes aos alunos do Conservatório e Música que forem mandados à Europa como pensionistas, afim de se aperfeiçoarem no estudo da música e do contraponto. Documento anexo ao Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Primeira Sessão da Décima Legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Luiz Pedreira do Couto Ferraz. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1857. 38 CHARTIER, Roger. Pierre Bordieu e a história. Debate com Jorge Sergio Leite Lopes. Transcrição de Ana Luiza Beraba e Virna Virgínia Platino. In: Topoi: Revista de História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ. Nº. 4, março de 2002, pp. 139-182. p. 142

148

cota, solicitando o Diretor do Conservatório de Música, poderia ser paga ainda no Brasil.

Curiosamente, a Instrução já determinava o local de estudos: Paris, mais precisamente o

conservatório de música desta capital.

Chegando à cidade o pensionista teria um prazo de quinze dias para se apresentar

ao ministro brasileiro39, para que este lhe facilitasse os meios de ser admitido no

Conservatório, concluindo no mesmo prazo sua inscrição na instituição. O pagamento da

pensão estava vinculado à apresentação de atestado de freqüência assinado pelo professor

ou pessoa competente do estabelecimento. Poderia o pensionista requisitar da legação

brasileira em Paris os serviços necessários para, sem prejuízo dos seus estudos, assistir

aos concertos e reuniões nos quais se executassem músicas clássicas.

O pensionista deveria manter estreita comunicação com o diretor do

Conservatório, enviando-lhe de seis em seis meses, as lições ou exercícios que realizar;

atestados de seus professores referentes ao seu aproveitamento e progresso; as obras que

compusesse; e, finalmente, os regulamentos e métodos adotados no Conservatório de

Paris, ou em qualquer outro que freqüentasse, bem como as obras clássicas e notícias

cujo conhecimento pudesse interessar ao estudo e progresso da música no Brasil.

Esta comunicação seria condição básica para uma possível permissão do Governo,

precedida de requisição do Diretor do Conservatório, para visitas às instituições

conceituadas de outros países, onde pudesse o pensionista continuar a aperfeiçoar sua

instrução musical. Em caso de premiação por algum Conservatório que freqüentar com a

permissão do Governo, receberia o pensionista mais mil francos anuais, até completar o

tempo de sua estadia como pensionista na Europa.

O pensionista não poderia dar publicidade a nenhuma obra sua, por pequena que

fosse, sem sujeitá-la previamente à revisão e aprovação de seu mestre. Porém, aquele que

no prazo de dois anos não enviasse nenhuma composição que demonstrasse o progresso

na sua técnica teria de retornar ao Brasil, perdendo a pensão. O mesmo aconteceria nos

casos de falta de aplicação; exclusão do Conservatório onde estivesse estudando;

processos envolvendo dívidas; apresentação de falsos atestados à legação brasileira ou ao

Diretor do Conservatório de Música; e aquele que tivesse um procedimento contrário à

39 Denominação do período para Embaixador.

149

moral e aos bons costumes, depois de advertido duas vezes, por escrito, pelo Ministro do

Brasil.

O primeiro aluno a ser distinguido com o prêmio de viagem foi Henrique Alves

Mesquita. Em 20 de março de 1857, portanto antes mesmo da portaria que regulamentava

as obrigações dos pensionistas, Francisco Manuel apresentava à congregação da

Academia o nome do premiado: O Sr. Diretor apresenta a proposta da 5ª seção, para que seja mandado

pela Academia, como Pensionista do Estado, a completar os seus estudos na Europa, o aluno da aula de Contraponto e Composição Henrique Alves de Mesquita, premiado o ano passado com a grande medalha de ouro. Discutida a proposta é unanimemente aprovada. O Sr. Diretor traz à Academia a questão que se tem suscitado a cerca da cidade que mais servirá preferir para residência do Pensionista, se Paris ou Bolonha, e depois de ouvida a opinião de alguns Srs. Professores, decide-se por indicação do Sr. Diretor que seja mandado para Paris, transferindo-se para Bolonha no caso de que ali se não dê bem de saúde, ou se a Academia assim julgar necessário.40

Partia Henrique Alves Mesquita, em julho de 1857, no vapor Petrópolis rumo a

Paris, aonde iria se tornar discípulo do célebre compositor Basin – que anos depois teria

entre seus alunos Cavalier Darbilly – no Conservatório de Paris. Se o prêmio de viagem

poderia representar uma carreira gloriosa para um jovem compositor, no caso de

Mesquita esta expectativa não se cumpriu totalmente. Envolto em uma circunstância não

totalmente explicada, a estadia do jovem maestro em Paris é motivo até hoje de uma série

de desencontros na bibliografia musical. Parece ser certo o envolvimento do músico em

uma aventura amorosa que o levaria a amargar algum tempo de prisão e ao descrédito do

Imperador, que não o perdoaria por tal falta. Mas não é certo que este incidente galante

como descreve Luiz Heitor41, o faria perder os estudos42, sendo expulso do Conservatório

de Música de Paris. 43

Em agosto de 1858, o diretor da Academia de Belas Artes comunica à Secretaria

de Negócios do Império a falta de informações sobre o pensionista Henrique Alves de

40 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Livro de registro das Atas 1856-1874. Ata da Sessão de 20 de março de 1857. Acervo Museu D. João VI. Documento Manuscrito. Notação 6152. 41 HEITOR, Luiz. 150 anos de música no Brasil (1800-1950). Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1956. p. 70 42 SIQUEIRA, Baptista. Três vultos históricos da música brasileira: Mesquita-Callado-Anacleto. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1969. p. 46. 43 VASCONCELLOS, Ary. Raízes da música popular brasileira. Rio de Janeiro: Rio Fundo Ed., 1991. p.184.

150

Mesquita44. Luiz Pedreira do Couto Ferraz, agora diretor da Instrução Pública, requer que

seja feita uma sindicância junto a Legação do Brasil em Paris sobre o pensionista45. Em

11 de setembro é encaminhado ao Ministro de Paris o pedido de informações sobre o

músico46.

Em 3 de dezembro, o Ministro responde ao pedido anunciando ter recebido uma

representação onde Henrique Alves de Mesquita explicava a falta e suplicava desculpas.

Acrescentava ter as melhores informações quanto ao comportamento e aplicação deste

jovem artista47. O próprio professor do Conservatório de Paris, já havia atestado a

freqüência e a aplicação aos estudos do aluno: Je me fais un plaisir de certifier qui jusqu’a ce jour Mr. Henrique

Mesquita, qui suit mon cours d’ harmoni, traivaille avec assiduité. Je constate aussi qu’il a obtenu de trés heureux resultats dans ses etudes. François Basin, Professeur au Conservatoire Imperial de Musique. Paris 20 Juillet 1858.48

Diante dos resultados alcançados pelo artista o Governo decide em 1861 prorrogar

por 18 meses o prazo de estadia do artista em Paris. Ele seria a partir de 1º de maio deste

ano subsidiado pela Ópera Lírica Nacional, nas formas do contrato celebrado entre o

Governo e o empresário José Amat49. Em 5 de junho de 1862, Francisco Manuel da Silva

encaminha ofício ao diretor da Academia, informando que no mês de agosto, Henrique

Alves completaria seus estudos no Conservatório de Paris. Entretanto, sem meios para

pagar seu regresso, pedia ao diretor da Academia que solicitasse do Governo Imperial

44 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minutas de ofícios da Academia sobre a falta de noticias do pensionista Henrique Alves Mesquita. Minuta de ofício de 5 de agosto de 1858. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 3702. 45 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Documentos relativos ao pensionista do Conservatório de Música, Henrique Alves de Mesquita, baseado em Paris. 10 de agosto de 1858. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2123. 46 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Documentos relativos ao pensionista do Conservatório de Música, Henrique Alves de Mesquita, baseado em Paris. 10 de novembro de 1858. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2123. 47 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Documentos relativos ao pensionista do Conservatório de Música, Henrique Alves de Mesquita, baseado em Paris. Extrato do ofício do Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil em Paris de 3 de Dezembro de 1858. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2123. 48 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Cópia de atestado de freqüência escolar de Henrique Mesquita passado por François Bazin, professor do curso de Harmonia, do Conservatório de Música de Paris. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 3347. 49ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofício do Ministério dos Negócios do Império ao Diretor da Academia de Belas-Artes. 1 de maio de 1861. Notação: 2265.

151

qualquer coadjuvação de que já há exemplo, a fim de que o referido aluno possa

recolher-se ao país no vapor francês de Setembro. 50

A resposta do Marquês de Olinda, então Ministro dos Negócios de Estado do

Império, foi seca: Em solução ao oficio de 18 do corrente mês, em qual V. S. acedendo ao

pedido do diretor do Conservatório de Música, e de acordo com o parecer da Congregação dessa Academia, solicita ao Governo Imperial uma ajuda de custo para as despesas de torna-viagem do pensionista do mesmo Conservatório Henrique Alves Mesquita, que se acha em Paris: declaro a V.S. que não havendo verba especial para esta despesa, nenhum auxílio pode ser concedido pelo governo para aquele fim, tanto mais quanto este mesmo favor foi ultimamente negado ao pensionista do Estado Joaquim José da Silva Guimarães Junior. 51

Mas em 7 de julho, a Secretaria de Estado dos Negócios do Império comunica ao

Diretor da Academia que naquela mesma data estava dirigindo Aviso ao ministro

brasileiro em Paris, para que se efetuasse no mês de agosto próximo o regresso do

pensionista. As despesas de torna-viagem correriam por conta do adiantamento de dois

meses da subvenção, mandadas pagar pelo empresário da Ópera Lírica Nacional52.

Como podemos observar à luz desses documentos, em nenhum momento é citado

qualquer transtorno em relação aos estudos de Mesquita em Paris. Além do atestado do

Prof. Basin aludindo a felizes resultados, Francisco Manuel afirma que o músico, em

agosto de 1862, completaria seus estudos no Conservatório daquela cidade, e seu

regresso, marcado para Agosto do mesmo. Entretanto, Baptista Siqueira afirma que

somente em 1866, Mesquita retornou ao Brasil53. Podemos deduzir que o fato que teria

levado Mesquita a ser privado de sua liberdade somente pode ter ocorrido no final de

seus estudos em Paris, portanto não sendo pertinente a versão corrente de que o músico

não teria completado seus estudos por ter sido expulso do Conservatório de Paris.

Mais feliz foi a viagem do segundo distinguido com o prêmio de viagem. Antonio

Carlos Gomes foi indicado à congregação da Academia de Belas Artes por Francisco

Manuel, em 13 de novembro de 1863. Autor das Óperas Noite do Castelo e Joana de

50ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do Diretor do Conservatório de Música ao Diretor da Academia de Belas-Artes. 5 de Junho de 1862. Notação: 2265. 51 ACADEMIA DE BELAS-ARTES . Ofício do Ministro dos Negócios do Império Marques de Olinda ao diretor da Academia de Belas-Artes. 28 de Junho de 1862. Notação: 2265. 52ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofício da Secretaria de Estado dos Negócios do Império ao diretor da Academia de Belas-Artes. 7 de Julho de 1862. Notação: 2265. 53 SIQUEIRA, Baptista. op. cit. p. 48

152

Flandres, como destaca o diretor do Conservatório, o jovem músico deveria, às expensas

da Empresa de Ópera Lírica Nacional conforme o contrato desta com o Governo,

aperfeiçoar-se no estudo de sua arte em qualquer dos Conservatórios de Música da

Itália54.

Essa era conseqüência do impacto que a chegada do compositor ao Rio de Janeiro

em 1859 ocasionara no meio musical. Francisco Manuel não tardou a perceber que estava

diante de um caso singular e rapidamente tratou de vincular o talento do músico ao

Conservatório. Logo em 1861, depois da apresentação da Ópera a Noite do Castelo, que

ocorreu em 4 de setembro do mesmo ano, escrevia ofício ao diretor da Academia, onde

informava a prova de talento e aplicação que acaba de exibir o aluno do Conservatório

Antonio Carlos Gomes. 55

Este jovem filho da província de São Paulo chegou ao Rio de Janeiro em fins do ano de 1859, e manifestando desejo de se iniciar na ciência da composição a fim de poder com mais segurança por em prática as inspirações do seu gênio, matriculou-se na aula de contraponto, e sendo incansável neste estudo, conseguiu de dia em dia fazer progressos consideráveis. Sem fazer menção de pequenas obras, compôs em 1860 uma cantata oferecida a Sua Majestade a Augusta Imperatriz, a qual foi executada no dia 19 de março desse ano nesta Academia, e na Augusta presença de suas Majestades Imperiais, pelo que lhe foi conferida uma pequena medalha de ouro. 56

Ao contrário do que afirma Francisco Manuel, não foi no Conservatório de

Música que Carlos Gomes se iniciou na ciência da composição. Filho de um reconhecido

mestre de banda e professor de música, Manoel José Gomes desde cedo recebia do pai

noções de contraponto, tendo suas obras apresentadas ao público ainda em sua terra natal,

Campinas57. De igual forma é conhecida a pouca atenção que dispensava ao jovem

compositor (e a todos os alunos do Conservatório) o mestre Giochino Gianinni, professor

de contraponto e composição do Conservatório de Música. Luiz Heitor cita dois

biógrafos de Carlos Gomes que afirmavam com a mesma convicção a falta de paciência

para ensinar e a pouca assiduidade do mestre às aulas do Conservatório. 58

54ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Livro de registro das Atas 1856-1874. Ata da Sessão de 13 de novembro de 1863. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação 6152. 55 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do diretor do Conservatório de Música solicitando que esta obtenha do governo imperial uma condecoração para o aluno Antonio Carlos Gomes. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2263. 56 Idem. ibidem. 57 CARVALHO, Ítala Gomes de. A vida de Carlos Gomes. Rio de Janeiro: A Noite Editora, 1937. p. 23 e 24 58 Os dois biógrafos são André Rebouças e Luiz Guimarães Junior. HEITOR, Luiz. Músicos e música do Brasil. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1950. p. 161,162.

153

Se a ligação do compositor com o Conservatório não seria na exata proporção que

afirmava Francisco Manuel, correta era a descrição do efeito das apresentações realizadas

na corte, da obra do compositor campineiro: Nesse mesmo ano fez uma Oratória que foi executada na Igreja de Santa Cruz dos Militares por ocasião das Festas de Nossa Senhora da Piedade, com geral aceitação dos artistas e de pessoas gradas e de apurado gosto. Esse ano escreveu a Ópera lírica A Noite do Castelo que foi executada no dia 4 de Setembro aniversário de consorcio de Suas Majestades Imperiais: esta composição produziu verdadeiro entusiasmo, sendo que o público vitoriou o artista por maneira tão surpreendente, quanto surpreendente foi a composição do jovem Mestre.59

Já contava Carlos Gomes então com o reconhecimento de seus pares, bem como

dos que, como cita Francisco Manuel, se destacavam como pessoas gradas e de apurado

gosto. A estréia da ópera A Noite do Castelo, a que se refere o ofício do diretor do

Conservatório, foi um verdadeiro ritual de consagração, onde em meio ao delírio

frenético do público foi entregue ao jovem compositor pelo mesmo Francisco Manuel

uma batuta de unicórnio, como homenagem da orquestra; por uma comissão vinda

especialmente de Campinas, recebeu um valioso presente em nome de sua cidade natal; e

a Sociedade Campesina60 ofertou uma coroa de ouro maciço. Em representação da ópera

semanas depois, um grupo de senhoras fluminenses ofereceu ao compositor, em cena

aberta, uma batuta de ouro finamente lavrada. 61

Para finalizar a consagração, faltavam as honras do Imperador. E é esta a

finalidade do ofício de Francisco Manuel para o diretor da Academia: É para galardoar esse artista que hoje me dirijo a esta Academia a fim de obter do Governo Imperial uma condecoração, como prêmio para esse moço de talento e bom comportamento; animando-o assim a prosseguir em semelhantes trabalhos. A Ópera – A Noite do Castelo – é na realidade uma inspiração que honraria qualquer Mestre digno desse nome: esta é a opinião da seção de Música, e geralmente dos artistas, os pequenos defeitos que por ventura possam ser notados nesta composição não a obscurecem, e são inerentes ainda aos maiores prodígios da arte, quando enceta tão difícil carreira.62

59ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do diretor do Conservatório de Música solicitando que esta obtenha do governo imperial uma condecoração para o aluno Antonio Carlos Gomes. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2263. 60 A Sociedade Campesina, criada em 12 de Abril de 1851, iniciou seus concertos no Pavilhão Paraíso. A princípio se caracterizava como uma orquestra composta de músicos amadores. Em pouco tempo com o aumento do número de participantes e de sua qualidade artística, ocupou o espaço deixado pela Sociedade Philarmônica. ANDRADE, Ayres. Op. cit. p. 239. 61 HEITOR, Luiz. Músico e música do Brasil.... p. 176 62 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do diretor do Conservatório de Música solicitando que esta obtenha do governo imperial uma condecoração para o aluno Antonio Carlos Gomes. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2263.

154

O Imperador responde com rapidez e no dia 20 de outubro concede o hábito da

Ordem da Rosa ao compositor, ocasião em que distingue com a mesma condecoração o

pintor Vitor Meirelles, autor de A primeira missa no Brasil. Na imprensa a comparação

entre os dois homenageados não tardou. Qualificava-se o fato da condecoração de

Meirelles ter partido de maneira espontânea do monarca, enquanto a do compositor teria

sido a pedido de uma corporação, bem como as diferenças de estágio artístico: enquanto

Carlos Gomes era a inteligência virgem a quem faltava a lição do tempo, o pintor seria o

exemplo do talento robustecido pelo estudo. 63

O prêmio de viagem aconteceria após a apresentação na corte da segunda ópera

de Carlos Gomes Joana de Flandres, em setembro de 1863. O Imperador assistiu a

performance e, segundo Luiz Heitor64, teria recomendado a Francisco Manuel que criasse

as condições para mandar o jovem compositor completar seus estudos na Europa. No

final do mês de outubro o Marquês de Olinda, em resposta à recomendação do diretor do

Conservatório, aprova a designação de Carlos Gomes ao prêmio de viagem65. Portanto, a

comunicação de Francisco Manuel à congregação da Academia em 13 de novembro é

apenas o cumprimento de uma formalidade, estando a indicação já acertada em instâncias

superiores.

Francisco Manuel depositava sua confiança na volta dos premiados como maneira

de ampliar a respeitabilidade técnica do Conservatório. Em carta endereçada a Carlos

Gomes, aconselhava a não se perder em poéticas inspirações que o afastasse do método

indicado por Lauro Rossi, emérito compositor e professor do Conservatório de Milão, e

antevia o momento no qual o jovem artista, completados os seus estudos científicos da

arte, haveria de transmitir seus conhecimentos aos alunos do nosso jovem

Conservatório.66

A constante atenção com o Conservatório não deixaria de se revelar nem mesmo

nos últimos dias da vida do renomado músico. Quatro dias antes de sua morte, já

combalido, escreve ao Ministro dos Negócios do Império solicitando uma licença de três

meses, que deveria ser concedida sem delongas, pela natureza grave de sua enfermidade e 63 Diário do Rio de Janeiro, 17 de novembro de 1861. apud. HEITOR, Luiz. Músicos e música... p. 177 64 HEITOR, Luiz. Músicos e música no Brasil....p. 199 65 Idem, ibidem. 66 Carta de Francisco Manuel da Silva a Carlos Gomes. Apud: HEITOR, Luiz. Músicos e músicos do Brasil.....p. 209

155

pelo risco de comprometer o restabelecimento de sua saúde ou mesmo da sua própria

vida67. Mesmo sob o impacto da ameaça à sua existência, Francisco Manuel ainda

encontra espaço para orientar o Ministro sobre duas de suas preocupações centrais: a

construção do novo prédio para o Conservatório e a sua sucessão na direção da

instituição: No estado atual a minha ausência deve acarretar alguns obstáculos a marcha do Conservatório de Música, que o Governo Imperial confiou a minha direção, por isso peço respeitosamente permissão para dar alguns esclarecimentos para que na minha ausência se possam remover as dificuldades. Logo que fui autorizado para mandar construir o edifício do Conservatório ofereceu-se o Major Dr. José Carlos de Carvalho para gratuitamente tomar a direção da obra. Aceitei imediatamente esta oferta e considerei-a de imensa vantagem porque além do mais me exonerava de toda a responsabilidade. (...) A não ser o estado valetudinário do Tesoureiro do Conservatório o Reverendíssimo Padre Manuel Alves Carneiro seria ele incontestavelmente a pessoa idônea para dirigir o Conservatório não só pelo conhecimento pleno que tem dos negócios do mesmo Conservatório, mas ainda por sua reconhecida e proverbial sisudez. Devia imediatamente na falta deste substituir-me o mui digno secretário deste Conservatório Antonio Luiz de Moura a este, porém faltam as habilitações e conhecimentos que sobram naquele, com quanto seja um excelente artista e pessoa de reconhecida probidade. 68

Reconhecendo o Padre Manuel Alves de Carneiro como seu mais idôneo sucessor,

156

qualidades artísticas ou pessoais, era necessário que o novo Diretor tivesse acesso aos

níveis de decisão da administração do Governo Imperial. Thomaz Gomes dos Santos,

diretor da Academia, por suas atribuições já assumidas dentro do Governo70, poderia ser

o nome indicado para esta finalidade.

O Aviso determinando ser o diretor da Academia o responsável pela condução do

Conservatório durante o período de licença de Francisco Manuel chega às mãos do

Conselheiro Thomaz Gomes dos Santos momentos antes do anúncio da morte do bravo

músico71. Ainda sob o impacto da notícia, o Conselheiro aconselha o Governo a colocar

na frente do estabelecimento um sucessor digno do falecido maestro, um mestre que pelo

seu mérito profissional, mereça o respeito dos alunos e a deferência dos professores72. A

quem caberia tal distinção?

A morte de Francisco Manuel abre o ambiente para os embates em torno das

tentativas de preencher a lacuna de liderança deixada pelo mestre. Entretanto, as

atividades musicais vão assumindo uma proporção maior do que a realidade vivenciada

até então na sociedade dos músicos. A próxima década revelará novos espaços sociais de

atuação, assim como o aumento das atividades relacionadas com a produção musical.

Entre esses espaços, o teatro será um importante lugar de atuação da sociedade dos

músicos. Esta atuação estava sobremaneira vinculada a uma estrutura denominada

“companhia”, comandada de maneira estrita pelo empresário. O empresário era o

responsável pela arregimentação dos artistas, músicos e técnicos que davam vida e cor aos

espetáculos líricos ou dramáticos que dominavam a cena nacional.

Em um primeiro momento a atuação dos empresários está diretamente relacionada à

subvenção do Governo aos espaços de atuação profissional destes agentes. Assim, além dos

aspectos técnicos que mencionamos, o empresário necessitava ser um hábil articulador,

pois era do sucesso de suas relações sociais e políticas que dependia a possibilidade de

acesso ao patrocínio governamental, representado nas concessões de subvenções que

viabilizavam a produção cultural no âmbito dos teatros.

70 Médico da Câmera Imperial, Vice-Presidente da Província do Rio de Janeiro. 71 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minuta de ofício do Diretor Interino do Conservatório de Música ao Ministro do Império informando o falecimento do seu diretor Francisco Manuel da Silva. Notação: 2127. 72 Idem. Ibidem.

157

Silvia Martins de Souza afirma que a prática das concessões de subvenção estava

diretamente relacionada a uma política de boas relações entre os empresários e os

deputados e senadores responsáveis por sua aprovação. Logo, diz a autora, os favorecidos

eram sempre aqueles que usufruíam de uma situação de livre trânsito entre parlamentares

influentes. Destaca ainda o peso simbólico de que estas deferências eram revestidas, como

marcas de reconhecimento e diferenciação. 73

As relações, obrigações e poucos direitos destas companhias eram estipulados em

forma de “regulamento”, que além de normatizar detalhes da atuação profissional também

regulamentava as regras de convivência e trabalho, revelando uma intrincada rede de

hierarquias e funções. Nada que pudesse arrefecer as intrigas e brigas por posições de

destaque. Conta Martins Pena, em seu Folhetim sobre a temporada lírica do Teatro São

Pedro, publicado no Jornal do Comércio no dia 3 de agosto de 1847, o caso do tenor

Clemente Mugnay74, que ouvindo uma observação picante de sua colega, a Sra. Canonero,

durante os ensaios da ópera Safo, jurou vingar-se em pleno espetáculo.

Mugnay teria às suas ordens, segundo as palavras de Martins Pena, uma companhia

de cavalheiros de lustro, tornando assim fácil concretizar as ameaças que impingia aos seus

colegas de palco. Também imprimia um periódico, distribuído gratuitamente, em cujas

colunas alguns de seus colegas são maltrados por maneira pouco decente. No dia do

espetáculo a expectativa era grande: Desceu o pano para finalizar o primeiro ato, e subiu para dar começo ao

segundo. Viu-se então Climene sentada a uma mesa, mirando jóias e as suas damas toucando-a. Aproximava-se o momento da pateada. O juiz, que havia recebido denúncia da ameaça que o Sr. Mugnay fizera a Sra. Canonero, olhava para a platéia com escrutadora atenção; a platéia olhava para Sua Senhoria e para a Sra. Canonero, e esta olhava para a platéia; e neste cruzar de vistas o coro das damas ia seguindo o seu caminho. Levantou-se a Sra. Canonero e o tumulto rebentou. Não se lhe pode dar o nome de pateada, porque esta tem também as suas fórmulas; foi, pois uma assuada que rompeu na platéia contra a cantora, à qual se dirigiam insultos e doestos. 75

A ação do Juiz Inspetor foi implacável: estando junto à platéia, prendeu um dos

ouvintes que participou da manifestação, e tendo confirmado através deste o envolvimento

do tenor Mugnay e não aceitando, deste, os esclarecimentos, espera o final da representação 73 SOUZA, Silvia Martins. As noites do Ginásio: teatro e tensões culturais na Corte (1832-1868). Campinas, SP: Editora da Unicamp, CECULT, 2002. p. 48 74 Clemente Mugnay foi também empresário, contratado pela Província da Bahia durante os anos de 1857 a 1860, para com uma companhia lírica ocupar o Teatro de S. João. 75 PENA, Martins. Folhetins - A semana Lírica. INL: Rio de Janeiro, 1965. p. 311-313

158

para recolher à prisão, por uma noite, o artista indelicado. Sua atuação era completamente

respaldada pelo Regulamento da Polícia Interna do Teatro, editado em 10 de junho de

183376, uma tentativa do Estado em ordenar e controlar comportamentos no interior do

teatro. Dos seus 16 artigos, três são dedicados diretamente aos artistas que se apresentavam

nos palcos77:

Art. 4º. Se qualquer ator por gestos, ou palavras, ofender em cena a decência publica, ou cometer algum abuso contrário a moral, e ao respeito devido ao público será preso em flagrante, logo que se recolher aos bastidores, e conduzido a cadeia depois que acabar a parte, que tiver que executar.

Art. 15º. Em tudo que respeita a regularidade, decência, e pontualidade do espetáculo, deverão os atores, e mais empregados no Teatro cumprir prontamente as ordens do Inspetor, tendentes ao bom desempenho de cada um.

Art. 16º. Os atores, e mais empregados no Teatro que não cumprirem as ordens do Inspetor, e bem assim quaisquer outras pessoas, que infringirem as disposições deste Regulamento Policial, serão processados como desobedientes, na forma dos arts. 203 e 204 do Código do Processo, e incorrerão nas penas do art. 128 do Código Criminal.

Mas não eram somente às normas e punições do Estado que estavam sujeitos os

artistas dos teatros do Império. Havia também uma regulamentação interna das

companhias, que não somente determinava as regras de convivência e trabalho como

revelava uma intricada rede de hierarquias e funções a serem observadas, como demonstra

o Regulamento78 de uma companhia lírica italiana que em 1855 atuava no Teatro São Luis.

Esse Regulamento compõe-se de dez capítulos, organizados na seguinte ordem:

Capitulo I, dos ensaios; Capitulo II, dos espetáculos, Capitulo III, do regente e professor de

orchestra; Capitulo IV, dos mestres; Capitulo V, do contra-regra; Capitulo VI, do fiel;

Capitulo VII, do ponto; Capitulo VIII, do arquivista; Capitulo IX, do avisador; Capitulo X,

disposições gerais. Esses capítulos estão subdivididos em um total de 50 artigos, 22 deles

demarcando valores de multas para diversas infrações, 20 artigos garantindo as

responsabilidades e poderes do empresário, e o restante especificando detalhes de funções

de cada cargo e outras conveniências.

76 BRASIL. Aviso de 10 de Junho de 1833. Colleção das Decisões do Império do Brasil. 1833. N.º 307. - Justiça. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1873. p. 212-215 77 Os outros artigos referem-se aos empresários, a função do Inspetor e, sobretudo, ao comportamento do público. Voltaremos a esse documento no capítulo destinado ao Público. 78 MARANHÃO. Relatório do presidente da província do Maranhão, o doutor Eduardo Olimpio Machado, na abertura da Assembléa Legislativa Provincial no dia 3 de maio de 1855, accompanhado do orçamento da receita e despesa para o anno de 1856, e mais documentos. Marannão [sic]: Typ. Const. de I.J. Ferreira, 1855.

159

O empresário reunia em si as funções de diretor artístico e administrativo da

companhia, exercendo o seu domínio através de aplicações de multa e distribuição de

cargos. Assim, de acordo com o Regulamento, cabe ao empresário o pleno arbítrio na

distribuição dos papéis, que mesmo depois de distribuídos ou executados poderiam, se

assim fosse conveniente, ser trocados e confiados a outros artistas, sem que ninguém

pudesse julgar-se com direito de protestar contra essa deliberação (Cap. X art. 39). Era ele

quem designava as posições que os professores deveriam ocupar na orquestra e concedia

dispensas de ensaios ou de espetáculos (Cap. III, art. 20 e 23). Também determinava as

tarefas do mestre, proibindo que sem a sua permissão, mesmo sob a requisição dos artistas,

fosse suprimido, transportado79 ou substituído qualquer trecho da música a ser executada

(Cap. IV. art. 25 e 26). Sem a sua licença era vetada a pessoa alguma estranha à companhia

assistir aos ensaios, excetuando os pais, irmãos, esposos e criados das damas (Cap. I, art. 1).

Aos artistas cabia comparecer aos ensaios, para os quais poderiam ser convocados

em casa ou mesmo na rua até meia hora antes do início destes (Cap. I, art. 4), e estar no

teatro, nos dias de espetáculo, uma hora antes de seu início. Nos dias de festividade

nacional, essa antecedência era maior ainda, a fim de que o mesmo pudesse ter lugar, logo

que estivesse presente a primeira autoridade da Província (Cap. II, art. 6). Era dever

também dos artistas, quando houvesse a primeira representação de uma ópera, observarem

se estavam ou não providos de tudo o que lhes fosse necessário para o espetáculo, a fim de,

no caso de falta, prevenir até o meio dia o empresário ou diretor, que tomaria as

providências como fosse conveniente (Cap. II, art. 15).

A eles não era permitido sair dos limites da cidade sem a devida licença do

empresário (Cap. X, art. 38), nem recusar-se a desempenhar um papel secundário nos dias

de festividade nacional ou para remediar uma falta repentina, evitando assim alteração de

última hora do espetáculo (Cap. X, art. 40). No caso de realização de Benefício em seu

favor80, cabia ao artista toda a despesa extraordinária, assim como a diária, ficando a

79 O sentido de transportar aqui, se refere à tonalidade da música. Desta forma, tentava-se policiar a prática, por parte dos cantores, de baixar a tonalidade para facilitar o alcance de notas agudas, o que era encarado com severidade pela crítica e diletantes. A utilização deste recurso demonstraria a pouca habilidade técnica do intérprete, ou sua inadequação ao papel a ser representado. 80 Benefício era um espetáculo onde a renda era revertida em favor do artista (ou de uma determinada pessoa ou instituição). Muitas vezes o número de benefícios ou mesmo a existência dele era objeto de contrato entre artistas e empresários.

160

escolha do espetáculo dependente da aprovação do empresário, sendo obrigado a repeti-lo

em proveito da companhia (Cap. X, art. 41 e 42).

Um dos itens mais curiosos do Regulamento que está diretamente ligado aos artistas

é o que determina o tempo máximo de estudo e preparação das obras musicais (Cap. 1, art.

2). Assim, para o estudo ou ensaio de uma ópera o tempo máximo fixado era de 15 dias;

para uma ária, um dueto, outra peça de música, 2 dias. Imaginando que uma ópera compõe-

se de dezenas de árias, duetos, trios e coros, pode-se ter uma idéia do quão inapropriado

representavam 15 dias como tempo máximo de preparação.

Ao regente da orquestra competia, além de manter a ordem da mesma e exigir os

ensaios que julgasse convenientes para a perfeita execução musical das peças, providenciar

os substitutos para as faltas temporárias de qualquer professor81, devendo sempre informar

a tal respeito ao empresário ou na falta deste, ao mestre da companhia. Era de sua obrigação

assistir aos últimos ensaios dos cantores com piano82, e desta forma tomar conhecimento

dos andamentos83 que o mestre determinar (Cap. III, art. 17), bem como fornecer, quando a

empresa o ordenasse, aberturas e sinfonias para os intervalos.

Esta ultima função devia ser bem observada, pois não era somente no caso de desejo

ou necessidade da companhia que a orquestra deveria executar peças avulsas. Também o

Inspetor do Teatro poderia demandar tal participação, de acordo com os artigos 1º e 3º do

Regulamento da Polícia Interna do Teatro84. Em duas ocasiões o Inspetor fará tocar a

orquestra, diz o Regulamento: quando os intervalos se prolongarem além do necessário,

para se fazer menos sensível a demora, e quando houvesse de ser interrompida, por

qualquer motivo, as récitas de discursos ou poesias realizadas pelo público.

Aos músicos da orquestra caberiam duas funções básicas: tocar e obedecer.

Obedecer ao empresário, ao mestre e ao regente. A desobediência era considerada falta

grave, e, junto com a falta de freqüência, a negligência, a omissão, o erro indesculpável e o

mau procedimento no serviço poderiam levar à demissão sumária, efetivada pelo

empresário. Esse também era o caso quando injúrias, ofensas e/ou ameaças eram dirigidas

pelos músicos ao mestre ou empresário. Interessante observar, que nas categorias listadas 81 Professor de Orquestra é como são chamados os músicos que compõe o corpo orquestral. Esse tratamento é utilizado até hoje. 82 Essa é uma pratica regular na montagem de óperas: primeiro ensaios com piano, depois com a orquestra completa. 83 O termo Andamento refere-se ao “tempo” que a obra deve ser executada, se mais rápida ou mais lenta. 84 Aviso de 10 de Junho de 1833. op. cit. p. 213

161

pelo Regulamento, a única em que era prevista a possibilidade de demissão era a categoria

dos professores de orquestra (Cap. III, art. 24). Ao mesmo tempo, os músicos não eram

tratados como artistas, nem tampouco como empregados, e a listagem de situações que

poderiam levar à demissão revelam uma relação de tensão entre estes e a companhia. Sobre

isso falaremos detalhadamente nos próximos parágrafos.

Dos mestres era incumbência executar os trabalhos determinados pelo empresário

ou diretor, como ensaios, espetáculos, revisão de partituras, instrumentação de qualquer

peça ou composição. Como citamos anteriormente era proibido ao mestre, sem a permissão

do empresário, mesmo sob requisição dos artistas, suprimir, transportar ou substituir

qualquer trecho da música a ser executada (Cap. IV. arts. 25 e 26). O mestre deveria, ainda,

participar ao empresário as faltas de comparecimento dos artistas, tanto aos ensaios, como

aos espetáculos, bem como qualquer infração ao Regulamento, com a finalidade de tornar

efetivas as multas nele estabelecidas.

O contra-regra deveria assistir a todos os ensaios de cena e espetáculos,

apresentando-se diariamente ao empresário na hora marcada. Era sua função prevenir os

artistas a tempo, indicando-lhes o lugar e a ocasião das entradas e saídas; dar com

antecedência a nota dos comparsas, e da gente de movimento (figurantes) que tivessem de

entrar no espetáculo ou ensaio; exigir antecipadamente todos os arranjos e preparativos de

cena, a fim de que nunca faltasse nada; verificar nos ensaios e espetáculos se os comparsas,

a gente de movimento, e os serventes estavam em seus respectivos lugares. Como última

obrigação, nunca dar o sinal de levantar o pano sem ordem do empresário ou diretor.

O fiel da companhia era o responsável pela guarda dos móveis, alfaias e demais

objetos do teatro; bem como pela limpeza do edifício e tudo que disesse respeito ao seu

asseio interno e externo. Era ainda de sua função providenciar que não faltasse água potável

e fiscalizar a iluminação; velar sobre os depósitos de água e outros objetos necessários para

o caso de incêndio; mandar afixar os cartazes; e cumprir as ordens dadas pelo empresário

(Cap. VI, art. 32).

Ao ponto da companhia85, além das funções próprias de seu cargo, deveria

comparecer à hora marcada para os artistas e empregados; e assistir não só aos ensaios de

orquestra, como aos quatro últimos de piano, se assim fosse preciso (Cap. VII, art. 33). O

85 A principal função do ponto é ler a fala dos atores para evitar falhas de memória.

162

arquivista, além de manter em boa ordem toda a música da empresa, deveria ter total

controle sobre qualquer tipo de empréstimo de partituras, não podendo realizar nenhuma

concessão, a não ser sob as ordens diretas do empresário ou do mestre. Como responsável

pela música, era sujeito a pagar indenização por extravio de qualquer partitura (Cap. VIII,

art. 35). O avisador tinha a obrigação de estar todo o dia às ordens da companhia, para

qualquer serviço que fosse preciso, assim como obedecer às ordens dos mestres (Cap. IX,

art. 37).

Como citamos anteriormente, dos 50 artigos que compõe o Regulamento, 22

contemplam punições em forma de multas. Essa listagem de atitudes ou comportamentos

indesejáveis forma um painel da hierarquia de valores que deveriam reger as relações

internas das companhias, agindo, sobretudo, como uma tentativa de controle,

principalmente dos artistas, no que diz respeito aos hábitos e à submissão ao poder do

empresário. 86

A multa mais severa, que correspondia à totalidade do salário mensal, era aplicada

em três casos: quando o artista faltasse ou ocasionasse por algum motivo alteração ou

transferência do espetáculo; quando o artista por qualquer motivo promovesse, direta ou

indiretamente, insultos e pateadas a alguns de seus companheiros (nosso Mugnay, além de

passar uma noite na cadeia, se fosse membro dessa companhia, ainda perderia seu rico

ordenado!); e na desobediência em objeto de serviço. A desobediência é explicada: toda

ação que perturbar a ordem e o decoro em ocasião de serviço, assim como qualquer

alteração entre artistas e empregados que não terminar às primeiras advertências do

empresário, ou do mestre, será qualificada de desobediência, e como tal punida. (Cap. X,

art. 45). Uma segunda faixa de punição também era exclusiva dos artistas. Ela poderia

variar entre 20 e 50% do salário mensal e era aplicada em caso de recusa ao desempenho de

um papel secundário, para remediar uma falta repentina, ou evitar a alteração do espetáculo

à última hora ou em dia de festividade nacional.

As multas que variavam entre 10 e 50% do salário, e que integram um terceiro nível

de punição, estavam ligadas diretamente ao espetáculo e eram, por conseqüência, aplicáveis

essencialmente aos artistas. Eram motivos para a aplicação da multa: chegar atrasado, faltar

86 Anexo a este trabalho, uma tabela completa das multas previstas no Regulamento.

163

ou ausentar-se antes do término do ensaio geral87, sem impedimento justificado; fazer

demorar o espetáculo em sua exibição ou continuidade; escusar-se de cantar nos

espetáculos, a não ser por motivo de moléstia. Estava também sujeito à multa, o artista que

por negligência ou quaisquer outros motivos, cometesse erros notáveis em cena, praticasse

ações que deturpassem o papel, ou alterasse o figurino.

A quarta faixa de punição, variando entre 5 e 50% do salário, era uma tentativa de

resguardar a imagem artística da companhia e suas opções de repertório. Assim, era

proibido ao artista ou empregado do teatro, diante de pessoas estranhas à companhia, emitir

juízo desfavorável sobre qualquer peça, que se ache em ensaios ou execução, sob pena de

sofrer a multa.

Uma quinta faixa de punição era destinada exclusivamente aos professores da

orquestra. Variava entre 5 e 40% do salário e era aplicada no caso de desobediência, injúria,

ofensa ou ameaça ao mestre ou empresário. Mas a multa era aplicada apenas uma vez;

havendo reincidência, a solução prática e eficiente era a demissão.

A próxima faixa de punição era direcionada a ordenar os bastidores das

apresentações, podendo ser aplicada aos artistas, empregados, comparsas e serventes. Era

da ordem de 4 a 30% do salário, e punia aquele que não mantivesse seu respectivo lugar,

conversasse em voz alta, fumasse, “passeasse”, ou praticasse alguma ação que alterasse a

ordem, a decência e a regularidade dos trabalhos. Também proibia aos citados aproximar-se

dos bastidores ou de outro lugar de onde pudessem ser vistos pelo público.

O artista ou empregado que tivesse dado parte de doente não poderia sair à rua sob

pena de incorrer em multa, que variava entre 10 e 20% dos salários. A última faixa de

multas, novamente bastante direcionada para os artistas, criava mecanismos de

subordinação destes à companhia; assim, sob a pena de serem multados em valores que

variavam de 2 a 20% dos salários, não poderiam os artistas sair dos limites da cidade sem

licença do empresário; chegar atrasado, faltar ou se ausentar antes do término do ensaio

parcial88, sem impedimento justificado (essa penalidade era aplicada também aos

empregados); nem recusar o figurino fornecido pela companhia. Ainda podia ser aplicada

no caso de não se encontrar o artista em casa ou no teatro, mesmo que não tenham sido

87 É o último ensaio que precede o espetáculo. Geralmente é feito sem interrupções para correções e com todo o material de cena a ser utilizado, como figurinos, cenários, iluminação e etc. 88 Ensaio que não é o Geral.

164

designados para determinado serviço, em caso de necessidade de sua atuação para suprir as

faltas que pudessem ocorrer.

De certo, assim como podemos ver com o caso da pateada organizada pelo

Mugnay, os comportamentos que o Regulamento tentava ordenar eram uma constante no

dia-a-dia das companhias, marcado principalmente pela rígida presença do empresário. As

punições mais severas estavam relacionadas com a desobediência, a injúria, a ofensa, e as

ameaças à não realização dos espetáculos, pelos quais recebiam os empresários as

subvenções. A própria vida particular dos artistas, estava de alguma maneira controlada por

esta figura, uma vez que deveriam os primeiros estar sempre de sobreaviso para compensar

as faltas de outros, nem mesmo podendo ausentar-se da cidade sem a devida autorização.

Mais explícita fica a tensa relação entre músicos e a rígida organização das companhias.

Como citamos anteriormente, é com dificuldade que entendemos como situar,

dentro da companhia, os professores da orquestra. Em alguns pontos poderíamos supor que

o Regulamento os fixava como artistas, mas logo em seguida poderíamos entender que

eram reconhecidos como empregados, para adiante ver um capítulo dedicado ao Regente e

Professores colocando-os como categoria à parte. E é desta forma que a comissão

encarregada de reorganizar o Teatro S. Pedro, em 1851, relacionava em suas Informações

sobre o estado do Theatro da Corte89, os professores da orquestra: nem como artistas nem

como empregados da Companhia Lírica. Como artistas constavam os cantores solistas de 1ª

e 2ª partes e os coristas; a única exceção era Giovanni Tronconi, harpista contratado na

Europa para integrar a orquestra do teatro. Como empregados da companhia figuravam

apenas o regente da orquestra, o violinista João Victor Ribas; o diretor da companhia,

Francisco Manuel da Silva; os diretores de cena, dos coros e o ponto; o mestre, o

escriturário e o arquivista da música.

Tronconi era mesmo uma exceção, não somente pela deferência de ser tratado como

artista, como pelo salário que recebia: 1:848$000. No mesmo documento citado, a

Comissão relatava ter gasto com a orquestra, em cem apresentações, a quantia de

21:000$000, ou seja, 210$000 por récita! Só a Prima-dona Regina Stolz recebia anualmente

89 BRASIL. Informações dadas pela Comissão Diretora do Teatro da Corte sobre o estado do mesmo Teatro. Documento anexo ao Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na quarta Sessão da oitava legislatura pelo Ministro e Secretario d’ Estado Visconde de Monte Alegre. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1852.

165

a quantia de 28:000$000, como podemos ver abaixo, na reprodução da relação de

vencimentos da companhia90:

Ilustração 9

Fonte: Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa

na quarta Sessão da oitava legislatura pelo Ministro e Secretario d’ Estado Visconde de Monte Alegre. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1852.

Se pensarmos que na temporada lírica de 1851 e na de 1852 foram levadas à

cena óperas de Donizzeti (Lucia de Lammermoor, O Elixir de Amor, entre outras) e Bellini

(Norma, A sonâmbula, e os Puritanos)91, podemos deduzir que a orquestra utilizada não

90 Idem. Ibidem. 91 Sobre as óperas apresentadas nos Teatros do Rio de Janeiro entre 1851e 1852, ver Ayres de Andrade, op. cit. p. 20 a 29.

167

músicos receberam por quatro funções, quando na realidade trabalharam outras 19. Prejuízo

certo!

Mas as negociações para um novo método de pagamento não eram simples de serem

realizadas. Os temores e desconfianças de ambas as partes, embora muito mais por parte

dos músicos, refletia-se na tentativa de elaboração de uma representação a ser enviada aos

empresários. Na tentativa de evitar retaliações contra um possível chefe da “revolta”, os

músicos resolveram assinar a dita representação em círculo, evitando assim a

personificação de um primeiro signatário como “cabeça” do movimento.

Mas a alguém cabia entregar o documento. A escolha recaiu sobre Cláudio Antunes

Benedito, trompista e também regente da orquestra do S. Pedro, que durante as tentativas

de negociação acabou sendo declarado como opositor aos interesses da Companhia, e,

portanto, demitido. Todos os professores pediram demissão e ficou assim o Teatro S. Pedro

sem orquestra. Não por muito tempo, pois se aproximavam os dias de festividade nacional,

onde por contrato os empresários deveriam dar espetáculos de gala. Assim, tentam

convencer o clarinetista João Bartholomeu Klier a arregimentar uma nova orquestra, no que

não foi bem sucedido.

A diretoria da Companhia resolve então representar ao Ministro da Justiça,

prevendo o terrível constrangimento que iria passar se não realizasse os seus espetáculos

nos dias de gala, 4 e 7 de setembro. O Ministro convoca Francisco Manuel da Silva para

intermediar a difícil situação, e, não querendo os músicos assumir o ônus de uma briga

política a esse nível, nomeiam uma comissão para oferecer ao Senhor Ministro seus

serviços para os dias de gala, sem retribuição alguma. Assim resolveu-se a complicada

situação e de todos quem levou a melhor foi o clarinetista João Bartholomeu Klier, que no

Almanaque Laemmert de 184894 figura como regente da orquestra do Teatro S. Pedro.

Notamos no episódio envolvendo os professores da orquestra do S. Pedro, a

presença de Francisco Manuel da Silva e mais uma vez sua relação de proximidade com os

círculos de poder do Império. Aliás, uma coisa que chama a atenção é o fato de que os

vencimentos deste compositor não aparecem na listagem dos artistas e empregados da

Companhia Lírica, que reproduzimos anteriormente. Refizemos os cálculos da listagem e

vimos que, somando os valores que aparecem, o resultado não poderia ser de 145:315$600,

94 Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1848. Organizado e Redigido por Eduardo Laemmert. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1848.

168

como está escrito ali. A soma encontrada resulta no valor de 136.828$000, ou seja, uma

diferença de 8:487$600. Seria este o valor do vencimento anual do diretor da Companhia?

Na verdade, de acordo com o contrato de Francisco Manuel com a Companhia

Diretora do Theatro Lyrico firmado em 27 de setembro de 185195, seus vencimentos seriam

calculados da seguinte maneira: 3% de toda a receita que produzirem os espetáculos e mais

10% sobre a economia que houver na despesa de todo o material, comparada com a do

orçamento que a Comissão fizer quando se julgar para isso habilitada. Podemos perceber

nesta negociação o reconhecimento e a diferenciação que Francisco Manuel gozava entre

seus pares.

Refletindo sobre a posição de Francisco Manuel como diretor da companhia,

podemos enxergar uma questão que não havia ficado esclarecida anteriormente. No

Regulamento da Companhia Lírica, ao qual nos referimos anteriormente, embora não

constasse discriminado o cargo de diretor da companhia notamos que em algumas

passagens o texto se refere às atribuições desta função.

A necessidade deste cargo surgia no momento em que os empresários

encarregados de determinadas companhias não tinham o conhecimento – ou o

reconhecimento – artístico para exercer com autoridade esse poder específico, ou

simplesmente quando o empresário não podia estar presente no dia-a-dia da companhia.

Podemos então afirmar que as atribuições de um diretor, como constam no contrato de

Francisco Manuel, em muito se assemelham com as de empresário, subentendidas no

Regulamento maranhense: fazer a programação artística, distribuir o serviço dos mestres

e demais artistas, conceder aos artistas licenças de ensaios, escolher o regente e formar a

orquestra, mandar verificar as partes de doente dos artistas pelo médico da casa, entre

outras.

*****

Mas voltemos ao ano da morte de Francisco Manuel e ao âmbito do Conservatório

de Música. Francisco Manuel da Silva, preocupado com a sobrevivência do

estabelecimento, designa como seu sucessor o diretor da Academia de Belas Artes, o

Conselheiro Thomaz Gomes dos Santos. Este, por sua vez, demonstrava ser imperativa a

95 Apud Ayres de Andrade. Op. cit. Vol II, p. 25-26

169

presença de um músico de mérito na direção da instituição, um mestre que pudesse ao

mesmo tempo ter a deferência dos professores e o respeito dos alunos96. O Governo não

ouviria o argumento do Conselheiro, mantendo até os últimos dias de funcionamento do

estabelecimento a direção do Conservatório sob a égide da Academia de Belas Artes.

Porém, durante toda a gestão do Conselheiro Thomaz Gomes de Souza, os anúncios do

Conservatório no Almanaque Laemmert o qualificavam como Diretor Interino da

instituição. 97

O novo diretor encontrou em Arcângelo Fioritto os seus ideais de músico de

mérito. Cantor, nascido em Nápoles, Itália, freqüentou no Real Conservatório desta

cidade a classe de harmonia de Saverio Mercadante98, a de canto de Louis Lablache99.

Veio para o Brasil na comitiva da Imperatriz Tereza Cristina, em 1843, sendo no mesmo

ano nomeado para o coro da Capela Imperial100. Pouco assíduo às funções desta

instituição, era, no entanto, participante ativo das temporadas líricas da Corte até o ano de

1852, quando interrompeu as suas atividades no teatro. A crítica de Martins Pena nem

sempre era favorável às performances do baixo: Cumpre-nos agora felicitar os dilettanti pela reaparição do Sr. Fioritto (...). Está a mesma pessoa, seja Deus louvado; gordo e anafado como sempre o conhecemos. Ainda é o grande depósito de voz de toda a companhia; mas está na mesma posição de um milionário alienado que, não sabendo empregar proficuamente seus cabedais, atira as burras cheias de ouro pelas janelas fora e esmaga as cabeças dos que vão passando. O Sr. Fioritto entende que basta ter voz, que não é mister modulá-la como a música lhe indica, que isto de cadências, de harmonia, são tudo pêtas....101

Não só no Conservatório Fioritto ocupa os espaços deixados por Francisco

Manuel. Em 1866 é nomeado Mestre Compositor Honorário da Imperial Câmera, e na

Capela Imperial, onde exercia de maneira discreta a função de mestre-capela, ante a

ampla liderança de Francisco Manuel, passa a ter domínio sobre a instituição, afastando

96 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minuta de ofício do Diretor Interino do Conservatório de Música ao Ministro do Império informando o falecimento do seu diretor Francisco Manuel da Silva. Notação: 2127. 97 Almanaque Laemmert, 1866 a 1874. 98 Saverio Mercadante (1795-1870). Compositor e professor italiano, considerado uma figura de transição na escola de composição de óperas italianas, estando entre Gaetano Donizetti, Rossini, Bellini e Giuseppe Verdi. 99 Luigi (Louis) Lablache (1794-1858). Cantor franco-italiano, nascido em Nápoles. Professor de canto da Rainha Vitória em Londres. Reconhecido como um dos maiores baixo-cantante de sua época apresentou-se nos principais teatros da Europa entre os anos de 1830 e 1851. 100 Enciclopédia da Música Brasileira: popular, erudita e folclórica. 2ª Edição. São Paulo: Art Editora: Publifolha, 1998. p.293 101 PENA, Martins. op. cit. p. 72

170

com astúcia seus concorrentes102. Fioritto fora nomeado mestre-capela em 1861, após a

morte de Giochino Giannini, cuja vaga foi pleiteada por outros quatro músicos: Francisco

da Luz Pinto, Dionísio Vega, Romualdo Pagani e José Joaquim Goyano.

André Cardoso, em seu livro A música na Capela Real e Imperial do Rio de

Janeiro103, transcreve um documento com informações sobre cada um dos pretendentes,

a partir de dados fornecidos pelo inspetor da Capela Imperial: O 1º peticionário, Francisco da Luz Pinto, mostra que na qualidade

de músico cantor foi transferido da antiga Sé, no ano de 1808, para a Imperial Capela, onde serve até hoje, havendo nela ocupado o lugar de arquivista, regido o coro musical muitas vezes e apresentado boas composições que até hoje são executadas com satisfação: que serviu de Professor da cadeira de rudimentos e solfejos do Conservatório de Música desta Corte; que exerceu as funções de Mestre de música do Colégio de Pedro II, e que finalmente, por Aviso de 12 de Novembro de 1855 foi nomeado substituto dos Mestres de Capela. O Monsenhor Inspetor informa que serviços tão valiosos, como os que o suplicante apresenta juntos à perícia artística, assíduo comparecimento e fiel desempenho das respectivas obrigações e ordens superiores, o tornam digno de louvor e consideração, e que por isso o julgo nos termos de ser atendido.

O 2º peticionário, Dionísio Vega, serve na Imperial Capela, como músico cantor, desde 15 de Setembro de 1842, e foi agraciado com as honras de Mestre de Capela por portaria de 27 de setembro do ano próximo passado. É Professor do Conservatório de Música desta Corte, e nele exerce as funções de Secretário. O Monsenhor Inspetor informa que suplicante está nos termos de ser atendido.

O 3º peticionário, Arcângelo Fioritto, não é atualmente empregado na Capela, porém já exerceu nela o lugar de músico cantor desde outubro de 1843 até maio de 1859. O Monsenhor Inspetor informa que o suplicante, mestre de música e composição pelo Conservatório de Nápoles, teve a honra de acompanhar à S. M. a Imperatriz quando veio ao Brasil, que já ocupou o lugar de músico da Capela por espaço de sete anos e que por isso lhe parece estar nos termos de ser atendido.

Sobre o 4º e 5º peticionários, Romualdo Pagani e José Joaquim Goyano, não pode o Monsenhor Inspetor da Capela emitir juízo algum, como diz em seu oficio de 16 e 18 do corrente mês, por não haverem provado com documentos as suas habilitações, e por isso nenhum deles se acha no caso de ser escolhido.104

Ainda no ano de 1866, encontramos Fioritto no Conservatório de Música

apresentando ao diretor a lista dos alunos a serem premiados com as pequenas medalhas

de ouro, prata e menção honrosa105. Esta não seria, entretanto a primeira ligação entre o

102 CARDOSO, André. A música na Capela Real e Imperial do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Música, 2005. p. 119 103 Idem. Ibidem. 104 Idem. Ibidem. p. 118 e 119 105 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Relação dos alunos do Conservatório de Música selecionados para ser premiados com a pequena medalha de ouro, de prata e menção honrosa, segundo o Maestro Arcângelo Fioritto. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2137.

171

cantor italiano e o Conservatório. Em 26 de outubro de 1859, depois de sua participação

como cantor nas na missa de Réquiem nas exéquias do Rei das Duas Cecílias106,

Francisco Manuel indica seu nome para receber o título de Professor Honorário do

Conservatório de Música. 107

No ofício encaminhado ao secretário da Academia de Belas Artes, assinado pela

diretoria do Conservatório (Francisco Manuel, diretor; Manuel Alves Carneiro,

tesoureiro; Dionísio Vega, secretário interino), reconhecia-se o talento artístico e o

serviço que havia prestado às Artes e ao Governo ao participar generosamente da missa

de Réquiem. Desejavam, ao indicar o título para o cantor, manifestar o apreço que davam

aos artistas desta ordem108. O Governo comunica, em 7 de novembro de 1859, ter

aceitado a indicação do artista Fioritto ao título de professor honorário da 5ª seção da

Academia de Belas Artes. 109

Rapidamente Fioritto foi assumindo funções de destaque no Conservatório. Em

1866 já era diretor de concertos da instituição, responsável pela programação e produção

das apresentações vocais e instrumentais realizadas. Em 1869, a Congregação da

Academia solicita ao Governo que conceda a honra da Ordem da Rosa ao artista

italiano110. Esta era a marca de distinção que afirmaria Arcângelo Fioritto como o nome

mais importante neste período do Conservatório de Música.

Em carta ao Imperador Pedro II, Fioritto desenha sua atuação como mentor das

opções estéticas seguidas pelo Conservatório:

Senhor, Depositando nas Augustas Mãos de Vossa Majestade Imperial, o Kyrie

que compus e foi executado pelos meus discípulos no Imperial Conservatório de Música na Augusta Presença de Vossa Majestade Imperial e de Sua Majestade a Imperatriz, na Pinacoteca da Academia das Belas Artes, tenho a

106 Pai da Imperatriz Tereza Cristina. 107 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício da diretoria do Conservatório de Música ao secretário da Academia propondo a concessão de titulo de professor honorário a Arcângelo Fioritto e Rafael Mirate por terem participado da execução musical da missa de réquiem por ocasião das exéquias de sua Majestade o Rei das Duas Sicílias. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação 2121. 108 Idem. Ibidem. 109 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofício da 4ª seção do Ministério do Império ao diretor da Academia aprovando a eleição do artista Arcângelo Fioritto para professor honorário da 5ª seção da Academia. 07 de novembro de 1859. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2119. 110 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Documento da academia aprovado em seção, propondo que se solicite do governo imperial para o professor de Canto do Conservatório de Música e diretor dos concertos Arcângelo Fioritto. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2246.

172

maior satisfação de poder assim mostrar a profunda gratidão que conservarei toda a minha vida pelas graças que de Vossa Majestade Imperial hei recebido.

Encarregado há quatro anos pelo EXMO.SR. Conselheiro Dr. Thomaz Gomes dos Santos de inspecionar o ensino e dirigir os concertos do Conservatório, reconheci, desde logo, a necessidade de implantar nos alunos o gosto pela música clássica única que deve fazer o estudo de um ensino acadêmico, e Vossa Majestade Imperial, dignando-se de aceitar o fruto de minhas lucubrações, fez-me a subida honra de aprovar a direção técnica com que me tenho esforçado por corresponder a confiança em mim depositada.

Digne-se, pois Vossa Majestade Imperial de permitir que beije suas sagradas mãos e as de Sua Alteza, a Imperatriz.

Rio de Janeiro, em março de 1870. Archângelo Fioritto.111

Destaca-se a observação feita por Fioritto sobre a “necessidade de implantar o

gosto pela música clássica”. Ao mesmo tempo em que remete a uma possível crítica a

anterior direção artística do Conservatório, revela seu desejo de se afirmar diante do

Imperador, como aquele que implementa no Conservatório a opção pelo gênero, único

objeto digno de ser tema do estudo acadêmico. Delimita, ainda, os que podem freqüentar

a instituição: os que desejam aprender e os que podem ensinar a música clássica.

Entretanto, na década de 1870, dois fatos apontam para modificações no

Conservatório: a inauguração da nova sede, que colocaria o conservatório como novo

espaço de sociabilidade para músicos e membros da sociedade letrada; e o ingresso de

novos nomes no corpo discente da instituição, propiciando disputas por espaços dentro e

fora da instituição. Com a chegada dos novos professores, também penetram no

Conservatório as influências da música popular urbana, que precisamente nesta década

inicia seus processos de formalização, e nos quais as ações de Antonio Joaquim Callado e

Henrique Alves Mesquita seriam fundamentais.

111 Carta de Arcângelo Fioritto ao Imperador D. Pedro II. Biblioteca Nacional. Documento manuscrito. Seção de manuscrito: I- 35, 6, 26.

173

Tabela 6 Professores do Conservatório de Música (1866-1880)

Rudimentos Masc.

Rudimentos Fem.

Flauta Clarineta Rabeca (violino)

Violoncelo e C. Baixo.

Contra ponto, regras de acompanhar

Canto (masc. e fem.)

Piano

1866 Archangelo Fioritto

D. Leonor Tolentino

Vago Antonio L. de Moura

Demetrio Rivero

José Martini Vago

1867 José de Santa Rosa

Archangelo

Fioritto

1868 1869 Antonio L.

de Moura

1870 Demetrio Rivero

Joaquim Callado

1871 1872 Henrique A.

Mesquita

1873 Cavalier Darbilly

1874 Hugo Bussmeyer

1875 1876 Vago 1877 Cavalier

Darbilly

1878 1879 1880

Em 1872 é inaugurada a nova sede do Conservatório. Foram oito anos de obras

para a construção de um prédio suntuoso, visitado pelos turistas e admirado pela

sociedade local112. O Almanaque Laemmert de 1864 anunciava a autorização do Governo

para a construção do prédio que estava há anos em projeto. Os custos seriam de

59:414$100rs., a serem obtidos através da extração das seis loterias que restavam das 16

concedidas ao Conservatório. O novo prédio seria erigido onde anteriormente existiam

três pequenas casas, compradas em anos passados para esta finalidade. A cerimônia de

assentamento da pedra fundamental ocorreu no dia 15 de março do mesmo ano, com a

presença de SS. MM. Imperiais e das Augustas Princesas. 113

No programa do concerto que encerrou a solenidade de inauguração da nova sede

constavam obras dos mais ilustres nomes ligados a história do Conservatório. Iniciava-se

com uma Overture, de Archângelo Fioritto; o Hino às Artes, de Francisco Manuel da

Silva; Batalha da ópera O Guarani, de Carlos Gomes; um Dueto da ópera O Vagabundo,

112 SIQUEIRA, Baptista. Do conservatório a Escola de música- ensaio histórico. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1972. 113 Almanaque da Corte e Província do Rio de Janeiro para o ano bissexto de 1864. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1864.

174

de Henrique Alves Mesquita. A novidade estava na inclusão do Trio para piano, violino e

violoncelo de Cavalier Darbilly. 114

O recém-chegado pianista, formado no Conservatório de Paris, iria em seguida

juntar-se a Antonio Callado e Henrique Alves de Mesquita no quadro de professores do

Conservatório de Música. Callado e Darbilly ofereceram seus préstimos ao Governo

Imperial para lecionar gratuitamente no Conservatório. Callado, em 1870, foi nomeado

por portaria de 4 de maio para o lugar de Professor interino da cadeira de flauta, sem

vencimento algum conforme requereu115. A proposta de Darbilly foi aceita pelo Ministro

dos Negócios do Império em fevereiro de 1873, sendo festejado pelo diretor do

Conservatório o generoso oferecimento deste ex-aluno desta instituição, ressaltando ser o

músico vantajosamente conhecido como pianista habilíssimo e da pertinência de se poder

oferecer de maneira proveitosa o utilíssimo estudo do piano. 116

Henrique Alves de Mesquita foi um caso diferente. Sua contratação, com direito a

receber salário, foi um ato direto do Governo dispensando a indicação da Congregação

dos professores. Este fato é ressaltado pelo Conselheiro Thomaz Gomes dos Santos em

seu Relatório apresentado em março de 1872: Dignou-se o Governo Imperial de nomear ultimamente professor

interino da aula de rudimentos e solfejos para o sexo masculino o distinto compositor, filho e ex-pensionista do Conservatório, Henrique Alves de Mesquita: nomeação por certo muito honrosa, pois que partiu espontaneamente do Governo. 117

Embora fosse uma marca de distinção ser indicado diretamente pelo Governo para

ocupar uma das cadeiras do Conservatório, destaca-se o fato de Mesquita não ter sido

nomeado para a cadeira de Regras de Acompanhar e Órgão118, que se encontrava vaga e

114 SIQUEIRA, Baptista. Do conservatório a Escola de Música... p. 50 115 ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS-ARTES. Ofício do Diretor da Academia ao Ministro do Império propondo a efetivação dos professores Joaquim Callado e Henrique Alves Mesquita, que já estão servindo interinamente e o concurso para todas as vagas que sobrarem no Conservatório de Música. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2109 116 BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música apresentado em março de 1873. Documento anexo ao Relatório apresentado à Assembléia Geral na Terceira Sessão da Décima Quinta Legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Dr. João Alfredo Corrêa de Oliveira. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1874. 117 BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música apresentado em março de 1872. Documento anexo ao Relatório apresentado à Assembléia Geral na Quarta Sessão da Décima Quarta Legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Dr. João Alfredo Corrêa de Oliveira. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1872. 118 Esta aula seria a disciplina Composição, dentro da grade curricular de uma Escola de Música de nossos dias.

176

Cumpre acrescentar que não vejo razão para o adiantamento que pede o Mestre Fioritto. O Inspetor da Capela tem quantia adiantada para despesas de prompto pagamento.122

Fioritto não demoraria a ser exonerado do cargo. Em 30 de Janeiro de 1875 o

Governo decretava seu afastamento nomeando, em fevereiro do mesmo ano, o alemão

Bussmeyer para o cargo de Mestre de Capela, criando a inusitada situação de ter um

protestante à frente da mais representativa instituição religiosa do Império123. A despeito

dos ataques recebidos pela sua condição de não-católico, Bussmeyer reinou sozinho na

Capela Imperial até o ano de 1880, período em que conseguiu aumentar os salários dos

músicos, colocando-se em uma posição de prestígio junto aos mesmos, o que em muito

contribuiu para sua permanência na direção da instituição.

A Capela Imperial previa que o trabalho da direção musical em suas cerimônias

deveria ser exercido por dois mestres de capela que se revezariam semanalmente na

função. Fioritto e Bussmeyer, que exerceram sozinhos a função de mestre de capela,

recebiam os dois salários previstos, sendo o segundo pago a título de gratificação. O fato

do Regimento de Estatutos da Capela Imperial determinar a existência de dois mestres de

capela foi o argumento para Manoel Joaquim Macedo124 pedir ao Imperador a graça

dessa nomeação125. Entretanto, mesmo atendido em sua solicitação, o músico nunca

assumiu as funções, nem mesmo tomou posse do cargo, abrindo, em 1881, nova disputa

para ocupação do espaço.

Nesta ocasião apresentaram-se dois concorrentes: Bento das Mercês e Carlos

Severiano Cavalier Darbilly. Esta não seria a primeira tentativa de ingressar na Capela

por parte de Darbilly: em 1874, ele havia requerido ao Governo o posto de organista,

desistindo posteriormente da disputa pela vaga. Pela importância do cargo o Governo

realizou a regular consulta às pessoas de sua confiança sobre os pretendentes. O diretor

122 Apud. CARDOSO, André. Op. cit. p. 127-128. 123 É importante observar que a nomeação do protestante Bussmeyer ocorre durante os processos da Questão Religiosa. Principais agentes desta querela entre Estado e Igreja os bispos D. Vital Maria Gonçalves de Oliveira, bispo de Olinda, e D. Antônio de Macedo Costa, do Pará, determinaram que as Ordens Terceiras e Irmandades excluíssem os seus membros que também pertencessem à Maçonaria. Estas apelaram ao Imperador, alegando abuso de poder por parte dos bispos. D. Macedo Costa reagiu de forma firme: reconhecer no poder civil autoridade para dirigir as funções religiosas equivalia a uma apostasia. D. Vital foi preso em janeiro e D. Macedo em abril de 1874. Os dois foram anistiados em setembro de 1875. 124 Compositor e violinista, estudou no Real conservatório de Bruxelas e foi spalla da Orquestra do Covent Garden. Sobrinho do romancista Joaquim Manuel de Macedo, escreveu sob o libreto deste, a opereta Antonieta da Silva. 125 Apud. CARDOSO, André. Op. cit. 144.

177

da Academia de Belas Artes, Antonio Nicolau Tolentino, foi um dos consultados, e sobre

eles manifestou-se com clara preferência ao professor do Conservatório: Em cumprimento da respeitável ordem de V.Exª. pra que eu informe

sobre as habilitações de Bento Fernandes das Mercês e Carlos Severiano Cavalier Darbilly, que pedem para ser providos no lugar de Mestre da Capela Imperial, tenho a honra de informar que Cavalier Darbilly tem as habilitações precisas; pois tendo seguido todo o curso do Conservatório de Paris, onde alcançou diversos prêmios, e as melhores aprovações até a aula superior de contraponto e fuga, é compositor e hábil regente; quanto ao outro sei que é Diretor de Música da Sociedade Musical de Beneficência desta Corte, e não tenho nenhum conhecimento de suas habilitações. 126

Apesar das boas referências e dos méritos do pianista a escolha do Governo recaiu

sobre Bento das Mercês, que, após trinta anos de serviços na Capela, finalmente seria

designado para o cargo que já exercia esporadicamente, sendo nomeado no dia 7 de

janeiro de 1881127. Por este período, já se sentia na Capela o desgaste das reformas

implementadas por Bussmeyer. A falta de aumento dos vencimentos dos músicos faria os

salários chegarem novamente a um nível deplorável, e a solução para uma sobrevivência

digna estava na busca de trabalhos fora da esfera da instituição. Em conseqüência, a

qualidade musical dos serviços religiosos atingia também os mais baixos níveis.

Em 1886, o Governo começa a dar sinais de sua insatisfação em relação aos

trabalhos da Capela, chegando a sugerir medidas drásticas, como podemos ver no

documento assinado pelo funcionário Jacy Monteiro, da 2ª diretoria do Ministério dos

Negócios do Império: Se parecer conveniente, podem ser demitidos os atuais Mestres de

Capela. Para substituí-los, talvez estejam nas condições precisas os professores do Conservatório de Música Cavalier e Côrtes. È muito habilitado Henrique de Mesquita; mas consta que não pode ser nomeado. O Diretor do Conservatório provavelmente terá conhecimento de outros professores de música aptos para o cargo de Mestre de Capela.

Substituídos os Mestres atuais, aos novos caberá apresentar ao Inspetor da Capela os seus planos para o melhoramento do serviço da música.128

Novamente Cavalier Darbilly é citado como um músico nas condições de

preencher o mais alto cargo da instituição. Ao seu lado, João Rodrigues Côrtes, recém

aprovado em concurso para o Conservatório de Música para o lugar de professor de

126 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Minuta de oficio do diretor da Academia ao ministro do império, informando sobre as habilidades de Bento Fernandes das Mercês e Carlos Severiano Cavalier Darbilly, candidatos ao lugar de mestre de Capela Imperial. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2679. 127 CARDOSO, André. Op. cit. p. 152. 128 Apud. CARDOSO, André. Op. cit. p. 159

178

Trompa e instrumentos de metais e presidente da Sociedade Musical de Beneficência,

desde 1879. Novamente, também, recaía sobre Henrique Alves de Mesquita o misterioso

impedimento. Mesmo reconhecido como muito habilitado e já com uma carreira de

sucesso estabelecida, ao grande compositor não era possível nem ao menos concorrer a

um lugar de prestígio, como o cargo de Mestre de Capela.

No documento de Jacy Monteiro é clara a intenção do Governo de operar mais

uma reforma na Capela Imperial. Para este fim dirige ofícios ao diretor da Academia e do

Conservatório129, requerendo uma análise do estado da Capela e uma proposta de reforma

que incluísse nomes de músicos gabaritados para assumir o cargo de Mestre de Capela.

Em sua resposta, o diretor Antonio Nicolau Tolentino indicava como as principais causas

do estado precário da Capela a inconveniente direção dos serviços e a deficiência dos

meios pecuniários para realizá-los.

Entendia que, com seus 80 anos de idade, Bento das Mercês não tinha mais forças

para o cargo e criticava Bussmeyer por não conseguir, nem nas menores festas, que não

exigiam tantas despesas, melhorar o serviço musical. A solução apontada era a nomeação

de um bom Mestre de Capela, a aposentadoria de alguns artistas e a dispensa dos que não

se encontrassem em condições. Apontava a urgência da organização de um novo quadro

de pessoal necessário ao serviço musical da Capela, com vencimentos referentes à sua

categoria. Para isso era necessário que o Governo elevasse a despesa com a Capela, fato

que não obteve apoio imediato da administração Imperial.

Ao fazer um aditamento ao parecer de Antonio Tolentino, o funcionário Jacy

Monteiro tece comentários sobre a inadequação do plano de reforma ao orçamento

vigente e revela que o plano apresentado foi realizado, na verdade, por Carlos Severiano

Cavalier Darbilly130. Durante as tentativas de adequar o plano de reforma ao orçamento

disponível para a Capela, um fato abre novas possibilidades: a morte do Mestre de Capela

Bento das Mercês no dia 12 de julho de 1887.

Esta era a oportunidade para a nomeação de um músico com as características

necessárias para a realização da desejada reforma. Como verdadeiro autor do plano

apresentado ao Governo pelo diretor da Academia e do Conservatório, por seus méritos 129 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofícios do Ministério do Império solicitando ao diretor da academia a necessidade de se melhorar o serviço de música da Capela Imperial e propondo sua reorganização. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2385. 130 CARDOSO, André. Op. cit. p. 163

179

de pianista formado no Conservatório de Paris e por sua posição como professor do

Conservatório de Música, Cavalier Darbilly despontava como o nome mais cotado para

assumir a função. Outros dois concorrentes apresentaram-se para a disputa, Miguel

Cardozo e João Pereira da Silva. O resultado é surpreendente: nenhum dos postulantes é

indicado ao cargo, ficando o Governo com a opção mais improvável, a manutenção de

Bussmeyer como Mestre de Capela e a realização de um plano de reforma proposto pelo

mesmo, que nada mais era do que uma cópia do apresentado por Darbilly, com a devida

redução de custos.

Se na Capela Imperial as investidas de Cavalier Darbilly não teriam resultados

favoráveis, no âmbito do Conservatório de Música seus embates por um lugar de

prestígio não seriam mais simples. A entrada de Cavalier Darbilly no Conservatório

coincide com várias mudanças que ocorriam na instituição, como a inauguração da nova

sede e a reformulação de seu corpo discente, com a contratação de quatro novos

professores. Mas a maior das mudanças foi a criação do Estatuto do Conservatório,

processo comandado pelo diretor Antonio Nicolau Tolentino, como vimos no capítulo

anterior.

A participação de Cavalier Darbilly na realização do projeto de estatuto foi

intensa. De acordo com Baptista Siqueira131 no livro de Atas do Conservatório dos anos

de 1875 e 1876132 encontrava-se referência sobre o papel de Darbilly: “uma junta de

professores foi eleita para elaborar o Projeto de Estatuto de Reorganização do

Conservatório. O Professor Carlos Severiano Cavalier Darbilly ficou incumbido de

relatar a matéria”133. Em outro texto, Baptista Siqueira afirma: Pelo livro de atas do antigo Conservatório, nos anos de 1875 e 1876,

vemos que Mesquita [Henrique Alves de Mesquita] nessa época era obrigado a estar ausente da repartição, justamente quando se tratava de um dos períodos mais importantes para a música: a reorganização do Conservatório Musical (sic.). Vemos ali discutindo o relevante problema Callado, Bussmeyer, Darbilly, sem que Mesquita se pudesse manifestar a respeito da reforma auspiciosa.134

Ao lado de Mesquita outra ausência se destaca: a de Fioritto. Talvez ressentido

com a exoneração da Capela Imperial sob rajadas de críticas às performances artísticas e 131 SIQUEIRA, Baptista. Do Conservatório a Escola de Música....Op. cit. 132 Baptista Siqueira afirma que durante o processo de pesquisa para a escrita de seu texto, o livro de atas desapareceu “misteriosamente”. 133 SIQUEIRA, Baptista. Do Conservatório a Escola de Música....Op. cit. p. 53 134 SIQUEIRA, Baptista. Três Vultos Históricos.... p. 63

180

suspeições de sua conduta administrativa, concentra-se na sua função de diretor de

concertos, como podemos ver em 1875, quando, por ocasião do concerto da solenidade

de distribuição de prêmios, solicita a contratação de músicos extras135. Sintomaticamente,

neste caso, com o devido cuidado de anexar a nota de despesas relativas à orquestra a ser

formada.

Como podemos observar, Darbilly estava na linha de frente da discussão em torno

do que viria a se tornar os Estatutos do Conservatório de Música. Entretanto, em junho de

1876, alegando motivos independentes a sua vontade136, pede demissão do cargo de

professor de piano do Conservatório. No mesmo ano, desiste de concorrer ao cargo de

organista da Capela Imperial. Na verdade, negócios de família levariam Cavalier a passar

alguns meses fora da Corte137, mas em abril de 1877 tendo cessado os motivos que o

obrigaram a demitir-se e desejando ele continuar 138 requeria novamente ser admitido

ao Conservatório de Música.

Para Archângelo Fioritto esta não foi uma boa notícia. Desprovido de seus

vencimentos dobrados como Mestre de Capela, o baixo italiano assumira as aulas de

piano durante a ausência de Darbilly, e no mesmo mês de abril requeria do Governo a

gratificação a que teria direito pelo trabalho realizado. No entanto, a 2ª diretoria do

Ministério do Império informa ao diretor da Academia não ser possível conceder a

Arcângelo Fioritto uma gratificação pelas lições de piano, e que Cavalier Darbilly seria

admitido, novamente, para lecionar a matéria. O Secretário da Academia apressa-se a

informar ao professor e diretor de concertos a decisão do Governo e sua imediata

135 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Carta de Arcângelo Fioritto solicitando auxílio de professores para o concerto da solenidade de distribuição de prêmios, visto que o Conservatório de Música não está organizado. Contém nota com a despesa da orquestra. Acervo Museu D. João VI. Documento Manuscrito. Notação 2302. 136 ARQUIVO NACIONAL. Questão Cavalier. Documento Manuscrito. Acervo Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221 137 ARQUIVO NACIONAL. Questão Cavalier. Representação ao ILMO.SR. Ministro da Justiça e Negócios da República dos Estados Unidos do Brasil. Documento manuscrito. Acervo Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221 138 ARQUIVO NACIONAL. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221

181

dispensa dos serviços de professor da aula de piano139. Na mesma data escreve a Cavalier

Darbilly comunicando sua readmissão ao Conservatório de Música. 140

182

professores interinos para as cadeiras que na época estivessem vagas ou que viessem a

vagar pela primeira vez143, mas para Henrique Alves de Mesquita não havia subterfúgios

a serem propostos. Entretanto, afirma o diretor: (...) o concurso, embora regra geral estabelecida foi sempre letra morta,

nunca teve o lugar no provimento das cadeiras do Conservatório, e recorrer agora a este, nas vésperas da abertura das aulas, seria pelas delongas de sua realização prejudicar o ensino. E se esta observância do preceito estabelecido recair tão somente no atual Professor Mesquita quando a respeito de todos os outros assim se não tem praticado; e, sobretudo se não for esta extensiva aos atuais professores interinos Bussmeyer e Callado, talvez podia parecer que os ditames da equidade não foram consultados para todos os três casos ocorrentes.

Nestas circunstâncias como sair das dificuldades em que tem sido enredada uma questão na qual tantos arbítrios se praticaram?144

Na opinião do diretor só havia uma possibilidade: confirmar como efetivos os três

professores interinos, por, nas palavras de Antonio Nicolau Tolentino, possuírem para

isso notória e provada aptidão145. Assim, quando chegou a hora da escolha do novo

inspetor de ensino, de acordo com os Estatutos mandados observar pelo Aviso de 16 de

Julho de 1878, os indicados pelo diretor do Conservatório foram os professores efetivos

do Conservatório, Arcângelo Fioritto, Antonio Luiz de Moura e Demétrio Rivero146.

Sendo que, dentre estes, o vice-diretor da Academia, Ernesto Maia, consideraria

Arcângelo Fioritto como o mais idôneo para o cargo147. Sua opinião foi acatada pelo

Governo, e Fioritto nomeado inspetor de ensino do Conservatório de Música, cargo que

exerceria até a sua morte, em 1887.

143 As duas cadeiras ocupadas por Callado e Bussmeyer estavam vagas pela primeira vez após a publicação do Decreto de 1859. A de Callado, através de uma complicada operação que incluía a anexação da cadeira de Flauta a cadeira de corne-inglês e fagote, regida pelo Prof. Francisco da Mota entre os anos de 1857 e 1859. Desta forma, ao reabilitar a cadeira de Flauta, esta vagava pela primeira vez desde a morte de João Scaramella, que ocupou a função entre 1855 e 1857. O mesmo acontecia com Bussmeyer. A cadeira de Regras de acompanhar e órgão vagara pela primeira vez em 1860, com a morte de Giochino Giannini, primeiro professor desta matéria no Conservatório, tendo sido preenchida somente com a contratação do músico alemão. 144 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do Diretor do Conservatório de Música Antonio Nicolau Tolentino. 27 de fevereiro de 1878. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2109. 145 Idem. Ibidem. 146 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minuta de ofício do Vice-diretor da Academia ao Ministro do Império apresentando os nomes dos professores efetivos do Conservatório de Música para inspetor de ensino. 28 de junho de 1879. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2107. 147 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minuta de ofício do Vice-diretor da Academia informando que o professor Arcângelo Fioritto é o mais idôneo para o cargo de inspetor de ensino do Conservatório de Música. 17 de julho de 1879. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2106.

183

Cavalier Darbilly, ocupando a cadeira de piano criada após a reforma, estava livre

de questionamentos a respeito de sua condição legal de professor interino, mas não dos

embates travados pela disputa de posição de prestígio. Em 27 de julho de 1878, Antonio

José de Souza endereça uma carta a Arcângelo Fioritto, queixando-se do comportamento

de Darbilly, bem como a maneira que tratou sua afilhada, e pedindo providências para

reprimir abusos do referido professor de música: Permita V.S. que leve-lhe minha queixa pelo procedimento incivil, e brutal do Sr. Carlos Cavalier, seu colega no Conservatório para com suas discípulas; proceder tanto mais repreensível, quanto se dá para com moças, e que por pertencerem em geral à classe menos favorecida, não deixam de ter direito a um tratamento cheio de condescendências e atenções. Minha afilhada, sua discípula e recomendada foi há pouco chamada de – sem vergonha – e que no andamento da lição procedia como cavalos [?]. Eu estou disposto a lançar mão de outros meios para reprimir tais abusos, desde que pela intervenção de V. S., o mestre não proceder como deve. Espero que o meu ilustre amigo e colega faça a ver a seu colega professor de música, que eu não quero, por ora, mais do que é de justiça e da boa educação.148

Fioritto escreveu acima do texto: como inspetor antigo, tenho obrigação de

remeter a V.Ex. esta carta, para V.Ex. saber. Sinal que não perdeu a oportunidade de

comunicar a seus superiores a queixa contra o colega professor.

Como que para dissolver as rusgas internas causadas pela disputa do cargo e o

grau de tensão que marcava as relações internas, o Imperador decide condecorar com o

Grau de Cavaleiro da Ordem da Rosa, pelos relevantes serviços que prestaram na

qualidade de professores do Conservatório, Demétrio Rivero, José Martini, Antonio Luiz

de Moura, Joaquim Antonio da Silva Callado e Carlos Cavalier Darbilly. Se de alguma

forma nivelou os professores com a mesma marca de distinção que somente Fioritto

possuía, o Governo acabou criando duas situações incômodas com o ato. A primeira foi o

anúncio da condecoração dos cinco professores de uma vez só, tirando destes a graça da

conquista individual. Não era mais a distinção de um indivíduo, mas de um grupo

passível de ser observado com olhares críticos e mordazes por seus oponentes. E a

segunda, ao deixar de fora da lista o mais ilustre dos professores: Henrique Alves de

Mesquita, mais uma vez penalizado pelas agruras do passado.

A Revista Musical e de Bellas Artes, editada por Arthur Napoleão e Leopoldo

Miguez, deu destaque à notícia com um acentuado tom de humor e ironia: 148 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Carta de Antonio José de Souza ao Maestro Arcângelo Fioritto. 27 de julho de 1878. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 4640.

185

passando a dedicar-se à Capela Imperial e a seus negócios particulares, que o levariam a

despender cada vez mais tempo longe da capital do Império. 151

Darbilly por sua vez aumentava seu espaço de atuação envolvendo-se em produções

teatrais com Arthur Azevedo. Em março 1879, no Teatro Phênix Dramática, estreava a

comédia em um ato Amor por Anexins. Segundo Azevedo, esta obra já havia sido musicada

pelo compositor maranhense Leocádio Rayol, mas na versão apresentada no Teatro Phênix

tinha agora nova música, e não inferior, de Carlos Cavalier. 152

Ainda no ano de 1879, no mês de outubro, o Jornal do Comércio anunciava As

mulheres do mercado, um magnífico drama, em um prólogo e cinco atos divididos em sete

quadros, ornado em música e bailados, original francês de Anicet Bourgeois e Michel

Masson, tradução do muito festejado escritor Arthur Azevedo153. No mês de novembro,

grandes anúncios destacavam a estréia no Teatro São Pedro do drama A torre negra, de

Paul Feval e Ponson du Terrail, com música do Maestro Cavalier154 e a participação da

grande atriz Ismênia dos Santos e de Guilherme Silveira nos papéis principais.

Estavam abertas as portas dos teatros para Darbilly, que em parceria com grandes

nomes da cena nacional, como Artur Azevedo, Moreira Sampaio, Fagundes Varela,

Chiquinha Gonzaga e Henrique Alves de Mesquita, entre outros, participava desta forma da

verdadeira revolução estética que tomaria conta dos palcos dos teatros da capital do

Império. Esta revolução, marcada em sua essência pela utilização das formas populares

urbanas, alcançaria enorme sucesso através das representações de Mágicas, como veremos

em detalhes no próximo capítulo.

Paralelamente a sua atuação nos teatros, Darbilly, em 1883, é aprovado em

concurso para o Conservatório155, conseguindo a efetividade e afirmação de sua posição

de destaque no âmbito da instituição. É freqüente sua participação em bancas de

151 CARDOSO, André. Op. cit. 164. 152 AZEVEDO, Arthur. Amor por anexins. Rio de Janeiro: Typ. de Serafim José Alves, 1879. Disponível em www.terra.com.br/virtualbooks. 153 Jornal do Comércio. 1 de outubro de 1879; Rio de Janeiro, ano 58, n° 273. p. 6 154 Jornal do Comércio. Sábado, 15 de novembro de 1879; Rio de Janeiro, ano 58, n° 318. 155 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minutas de ofício comunicando como vencedor do concurso Darbilly para 1 cadeira de piano. Sendo já professor da 2ª aula pede a efetiva transferência e sua nomeação conforme o Programa e Instrução e dos Estatutos. 18 de maio de 1883 a 24 de dezembro de 1884. Acervo Museu D. João VI. Documentos manuscritos. Notação: 2697.

186

concursos e mesmo na elaboração dos programas destes156. Darbilly havia se tornado a

referência musical para a direção do Conservatório, como podemos observar no plano

elaborado para a reforma da Capela e assinado por Antonio Nicolau Tolentino, e em sua

indicação para o cargo de inspetor de ensino e professor de canto, quando morre

Arcângelo Fioritto em 1887. 157

Ao se referir sobre o caráter cosmopolita do Rio de Janeiro nas últimas décadas do

Século XIX, representado na proliferação de atividades musicais e teatrais na cidade

Cristina Magaldi lista as principais atrações que incluíam companhias líricas italianas no

Teatro D. Pedro II e concertos no Cassino Fluminense, e destaca: Em julho [1888], cariocas que gostavam da música de concerto

podiam ouvir Mendelssohn, Haydn, Mozart e Beethoven num concerto regido por Cavalier Darbilly apresentado no teatro São Pedro de Alcântara.158

Em oposição ao que acontecia nos tempos de Francisco Manuel, que imperava no

Conservatório, na Capela Imperial e no teatro, o último decênio de 1880 apresenta os

espaços divididos entre as lideranças que se firmaram musicalmente. Bussmeyer na

Capela; Fioritto, até sua morte em 1887, no Conservatório; Henrique Alves de Mesquita

no Teatro Phênix Dramática – onde foram representadas várias de suas obras até o ano de

1885, quando se afastou do teatro –; Carlos Gomes no Teatro Lírico; e Leopoldo Miguez

e Alberto Nepomuceno, os líderes musicais da República, no Club Beethoven. Cavalier

Darbilly por sua vez ainda insistia em acumular posições concorrendo ao cargo de Mestre

de Capela, atuando fortemente no Conservatório e envolvendo-se em produções nos

teatros Santana e Phênix Dramática, além de apresentações no Teatro S. Pedro, como a

citada por Magaldi. Transitava, assim, por todos os lugares de prática musical, bem como

pelo repertório praticado e que marcava cada um desses lugares.

Ao pensar sobre esta divisão de espaços nos remetemos a Nobert Elias, que, em

seu livro Mozart, a sociologia de um gênio, aborda dois aspectos sobre música/músicos e

156 Sobre a participação de Darbilly em bancas ver: Acervo D. João VI. Documentos manuscritos. Notações: 2337 e 2350. Sobre elaboração do programa das provas de concursos: Acervo D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2367. 157 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do diretor da academia ao ministro do império comunicando o falecimento do professor de canto e inspetor de ensino, Arcângelo Fioritto, e a designação interina de Carlos Darbilly para os cargos, até que sejam abertos concursos. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2170. 158 MAGALDI, Cristina. Chiquinha Gonzaga e a música popular do Rio de Janeiro do final do séc. XIX. Disponível em http://www.dc.mre.gov.br/brasil/textos/46a49%20Po.pdf. Acessado em 20/03/2006 às 23h:01m.

187

suas relações com a sociedade de corte do séc. XVIII. O primeiro refere-se ao caráter

pessoal da relação entre músicos e senhores, que ocorria de igual forma em cortes mais

pomposas, como a imperial de Viena, ou em pequenas, como a corte do arcebispo de

Salzburgo159. Embora a distância social fosse enorme, afirma, a distância espacial era

pequena. As pessoas estavam sempre juntas, o senhor estava sempre presente. 160

O segundo aspecto abordado por Elias, destaca a relação entre o acesso aos postos

de trabalho musical e o desenvolvimento da música. Exemplifica, com a comparação

entre países como Alemanha e Itália em oposição à Inglaterra e França, como o

desenvolvimento da arte musical nestes países estava diretamente ligada à estrutura do

poder e ao número variado de seus organismos musicais. Na Alemanha e na Itália,

fragmentadas em um grande número de territórios soberanos, os governantes desses

territórios mantinham uma organização oficial que incluía como item essencial de

prestígio uma orquestra permanente e remunerada. Este fato permitia uma circularidade e

até certa possibilidade de escolha por parte dos músicos das condições e lugares que lhes

fossem mais vantajosas.

Em países como França e Inglaterra as posições musicais mais importantes

estavam, em razão da centralização estatal, localizadas em suas capitais, Paris e Londres.

Contra estas poderosas cortes, não havia outras que rivalizassem em poder e prestígio.

Desta forma, havendo algum conflito que inviabilizasse a presença de determinado

músico nas organizações musicais destes países, não havia uma alternativa de refúgio que

não representasse uma ameaça à existência social deste artista161. Atribui, assim, a

extraordinária produtividade da música de corte nos territórios do Império alemão e na

Itália à rivalidade e aos embates pelo prestígio entre as cortes, e, por conseqüência, ao

grande número de possibilidades de trabalho musical. 162

Guardadas as devidas proporções, podemos fazer uma relação entre as colocações

de Elias e o desenvolvimento da sociedade dos músicos no Brasil de D. Pedro II. A

princípio a presença do Imperador, consolidada através das instituições subvencionadas

diretamente ou indiretamente pelo Estado, era fator primordial para a vida musical da

cidade e para a própria subsistência dos músicos. Exercia destarte o controle e a direção 159 ELIAS, Nobert. Mozart... p. 21 160 Idem. ibidem 161 Idem. Ibidem. p. 30 162 Idem. Ibidem. p. 30

188

das práticas musicais da mesma forma que controlava o acesso ao trabalho em sua

faculdade de nomear e/ou recusar aqueles de seu entendimento. Não havia cortes rivais

onde se encontrar refúgio. De igual forma, internamente a sociedade dos músicos refletia

essa hierarquização representada em Francisco Manuel da Silva e na Sociedade Musical

de Beneficência, como pudemos observar no início deste capítulo.

A partir do decênio de 1870 esta presença do Imperador, através da ação do

Estado, entra em declínio. Cessam as subvenções aos teatros, os serviços da Capela

Imperial decaem e o Conservatório arrasta sua existência sem os devidos aportes de

verbas. Ao mesmo tempo, ou talvez por conseqüência, surgem novos espaços de atuação,

abrindo acesso a novos postos de trabalho. Multiplicam-se as sociedades, clubes e teatros,

possibilitando que mesmo os que sofreram grandes sanções por parte do Imperador

continuassem a produzir, criar e serem reconhecidos em seu talento, como no caso de

Henrique Alves de Mesquita.

Havia agora a alternativa do refúgio. Havia a possibilidade de uma existência

social mesmo para os não protegidos pela longa capa do poder imperial. Se não eram

cortes rivais, como no séc. XVIII de Elias, eram grupos que competiam, demarcavam

seus lugares de atuação e não se furtavam ao embate na manutenção ou na criação de

suas posições de prestígio. Estes embates e disputas pelo prestígio, além do surgimento

de novos postos de trabalho, refletiriam diretamente sobre a produção musical. E é isto

que vamos detalhar no próximo capítulo.

189

Capítulo 4

- A Mágica -

“Os governos não são os competentes para imporem o gosto à população; ele há de regular-se segundo as tendências que nela forem desenvolvidas pelos seus novos hábitos, ou imitados de nações mais adiantadas, ou inspiradas pelas luzes do século” 1

Em 11 de fevereiro de 1861, Agrário de Souza Menezes2 redige seu relatório

anual como administrador do Teatro São João. Movido pelas mudanças que aconteciam

no campo da encenação dramática, representada na estréia da companhia de Joaquim

Heleodoro, em 1855, no Teatro Ginásio do Rio de Janeiro, que inaugurava o realismo

teatral no Brasil, escreve um verdadeiro libelo sobre a situação artística dos teatros do

Império.

Entendia que naquele momento esses teatros reproduziam o que acontecia em

vários paises do mundo ilustrado: sobre o palco aparecia sucessivamente toda a sorte de

mediocridade, e até mesmo de nulidade. Pois, desde que Sófocles e Eurípides sumiram da

Grécia; desde que Shakespeare repousou na Inglaterra; desde que Corneille e Racine

deixaram de falar à França, desde que Schiller soltou o extremo suspiro no coração da

Alemanha, a cena dramática foi se anuviando, como se o astro que a iluminara houvesse

desaparecido no espaço. Desta forma, prossegue Menezes: O teatro dramático é quase um nome, uma tradição, um monumento: ou

cairá em breve para sempre, ou há de ainda nascer o gênio que lhe regenere a gloria. Os governos da Europa têm mais ou menos deixado correr à solta os elementos civilizadores, em cujo número se conta o teatro e então a cena dramática ressente-se por seu turno do geral desfalecimento. 3

1 BAHIA. Agrário de Souza Menezes. Relatório do Administrador do Theatro São João. Documento anexo a Falla recitada na Abertura da Assembléia Legislativa da Bahia pelo Presidente da Província Antonio Costa Pinto. Bahia: 1861. 2 Agrário Menezes foi nomeado administrador do Teatro S. João pelo Conselheiro Francisco Xavier de Paes Barreto, ex-presidente da Província. Menezes era advogado, ex-deputado provincial e autor de dramas como Calabar, Mathilde, O Dia da Independência. 3 Idem, ibidem. p. 2

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Assim, a cena dramática não se propunha mais, de acordo com Menezes, a uma

função civilizadora, mas continha em sua nova fase aplicações mais diversas, longe da

função moralizadora e educativa propagada pelos literatos. Agregado ao fato das

profundas alterações de seu desenvolvimento estético, Menezes vislumbrava o drama em

um profundo estado de desfalecimento. Mas se morria o drama o que o substituiria?

Para Agrário Menezes a resposta não era de todo surpreendente, pois desde a

idade média lograva-se a concatenação de dois elementos que, se aparentemente

discordes, encontravam nessa época sua cabal satisfação, um nobre desideratum das

belas-artes: a poesia e a música, unidas, compreendendo o que há de mais

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dinâmica livre do pensamento, utilizando-se, por vezes, exatamente do que contradiz as

expectativas da ordem estabelecida.

E é exatamente nas vagas desta tensão que surgiu com impacto devastador,

durante o decênio de 1870, um gênero dramático-musical que rapidamente cairia no

gosto popular, arrasando ao mesmo tempo com o projeto idealizado das cenas lírica e

dramática e com a possível utilização destas à “formação” de um público civilizado e

moralmente instruído: a Mágica. Envolvidos em sua produção encontramos agentes

culturais de destaque no cenário artístico do Império, entre eles, Cavalier Darbilly.

A repercussão da Mágica é registrada por Machado de Assis em Noticia da Atual

Literatura Brasileira - Instinto de Nacionalidade, publicada em 1873, onde o escritor

afirmava que já não havia teatro brasileiro: Hoje, que o gosto do público tocou o último grau de decadência e

perversão, nenhuma esperança teria quem se sentisse com vocação para compor obras severas de arte. Quem lhes receberia, se o que domina é a cantiga burlesca ou obscena, o cancã, a mágica aparatosa, tudo o que fala aos sentidos e aos instintos inferiores? (...)

A província ainda não foi de todo invadida pelos espetáculos de feira; ainda lá se representa o drama e a comédia, - mas não aparece, que me conste, nenhuma obra nova e original. E com estas poucas linhas fica liquidado este ponto.6

Decadência e perversão! Assim Machado de Assis qualifica o gosto do público

cada vez mais voltado para os espetáculos dramático-musicais, onde o apelo aos recursos

cênicos, ao entretenimento fácil e descompromissado rivalizava e expunha os limites da

ação moralizadora e educativa de um teatro pautado, usando as palavras do autor, em

severas obras de arte. Entretanto, para além da atração do público por espetáculos

aparatosos e ricos em recursos cênicos, havia um novo elemento que se incorporava ao

teatro e à música e com o qual os que sonhavam com uma prática artística de cunho

civilizador não sabiam lidar: a cultura popular urbana. Essa cultura popular, impregnada

das contradições sociais do espaço urbano, desorganizava e questionava a visão

centralizada, homogênea e paternalista da cultura nacional, idealizada pela elite letrada

do Império.

6 ASSIS, Machado de. Noticia da Atual literatura Brasileira - Instinto de Nacionalidade. In: Machado de Assis, Obra completa, org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1997. Vol. III p. 808

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Desta forma, não era a decadência ou o final do teatro brasileiro, mas sim uma

transformação, onde o teatro musicado, especialmente a Mágica, traria para os palcos o

som das ruas e as vozes de uma população urbana cada vez mais numerosa e heterogênea.

A Mágica, caracterizava-se por sua forma híbrida, contendo elementos da ópera

italiana, da zarzuela e da opereta francesa, além das peculiaridades de elementos como a

utilização de temas fantásticos em seus enredos e a engenhosa maquinaria empregada em

seus recursos visuais. Mas no centro de suas inovações estava o uso de formas musicais

urbanas como o tango de negros, a polca e o maxixe. Assume desta maneira a

característica de verdadeira síntese das diversas práticas musicais e dramáticas realizadas

no Brasil Império.

Sendo a síntese uma das principais características da Mágica, para entendê-la é

necessário lançar um olhar sobre estas práticas e observar os diversos movimentos da

dinâmica cultural do Império. Era praxe nos teatros do Império a divisão dos palcos entre

companhias líricas e dramáticas, alternando suas temporadas de representações a fim de

preencher a pauta anual. No Teatro S. Pedro, no Rio de Janeiro, essa situação só seria

alterada a partir do incêndio de 1851, quando se dividem os espaços: João Caetano e sua

companhia dramática assumem o teatro, ficando as representações líricas concentradas no

Teatro Provisório, mais tarde chamado de Lírico Fluminense. Até a reconstrução do S.

Pedro, a companhia dramática de João Caetano poderia utilizar o novo espaço destinado

às representações líricas, mas seus limites eram claros, e bem mais clara ainda era a

intenção de proteger as encenações líricas de quaisquer transtornos, como observamos em

documento anexo ao Relatório do Ministro dos Negócios do Império de 1851: A comissão pretende continuar a permitir essas Recitas Dramáticas em

quanto deixarem ao Teatro livres de despesas para mais de 400$000 em cada noite: com tanto que essas representações não sirvam de embaraço algum aos ensaios e espetáculos da Companhia Lírica, e que a Companhia Dramática, ou seu Empresário não tenha no Teatro domínio, ou autoridade alguma, o que não é possível admitir sem grave transtorno, e perturbação da marcha dos espetáculos Líricos. 7

O inverso se dera no ano de 1829, quando D. Pedro I, na tentativa de ordenar a

cena nacional, mandou vir de Lisboa uma companhia dramática para o Teatro S. Pedro,

liderada pela atriz Ludovina Soares da Costa. A média de montagens de óperas que desde 7 BRASIL. Informações dadas pela comissão diretora do Teatro da Corte sobre o estado do mesmo Teatro. Documento anexo ao Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa, na Quarta Sessão da Oitava Legislatura, pelo Ministro e Secretário d’ Estado dos Negócios do Império, Visconde de Monte Alegre. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1852.

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1826 mantinha uma média de quatro por ano, em 1829 e 1830 passara a duas

representações, cessando no ano seguinte, para retornar aos palcos cariocas somente em

1844 com a chegada da Companhia Lírica Italiana.8

A chegada da Companhia Dramática é saudada como a possibilidade de colocar a

cena nacional voltada para os princípios civilizadores e em sintonia com as novas

dimensões da dramaturgia mundial, fugindo das representações que atentavam contra a

boa conduta da população e aos atentados à cultura social: Falamos das farsas abjetas, e obscenas com que se corrompe a moral

publica, e se torna o Teatro uma verdadeira escola de indecência, e de perversidade. Entremezes, como o da “Parteira Anatômica” e outros do mesmo jaez, nunca deveriam ser oferecidos na cena a um Povo polido, e que já saiu das mantilhas da ignorância bárbara. [...] Por não aparecer no tablado o “Capitão Mor das Mauricias” ou outros personagens de igual sal, e força cômica, não é que este há de ficar deserto: os mesmos que dão hoje palmas a semelhantes inépcias, se amoldarão a peças de melhor gosto, saberão por fim apreciá-las, e todos ganharão nesta necessária reforma.9

Pouco tempo ter-se-ia para a realização deste projeto de reforma. Em 1831, após

os embates em torno da abdicação do Imperador, os contratos com estrangeiros foram

suspensos, e os atores portugueses passaram a ocupar o Teatro da Praia de Dom Manuel.

Ao contrário do pretendido, o palco do Teatro S. Pedro não serviu à esperada reforma.

Carl Seidler relata que nesse período pós-abdicação a principal atração do teatro era o

fandango de Ricardina Soares, marcado pela sensualidade e beleza da artista. Ao lado

dessas apresentações eram encenados, nas palavras do viajante, alguns dramas modernos

e traduções horríveis das novidades estrangeiras, condimentadas com as mais ridículas

alusões aos funestos dias de abril. 10

Mas a idéia da reforma nas práticas dramáticas não desapareceu. Em 1834,

assumiu a direção do São Pedro o ator João Caetano, marcando o que anos mais tarde

Machado de Assis chamou de reforma romântica. É desta forma que Machado nomeia a

entrada em cena da nova escola dramatúrgica, constituída sob a direção de Victor Hugo11

e distinguida pelo início da longa carreira de João Caetano e das encenações da produção

teatral de Gonçalves Magalhães, Martins Pena e Luis Antonio Burgain. 8 Ver em Anexos a tabela referente às óperas encenadas no teatro S. Pedro no período entre 1822-1830. 9 Aurora Fluminense, 1º de maio de 1829. apud. SOUZA, Carlos Eduardo de Azevedo e. Dimensões da vida musical no Rio de Janeiro: de José Mauricio a Gottschalk e além, 1808-1889. Tese de Doutorado em História apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, 2003. 10 SEIDLER, Carl. Dez anos no Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003. p. 71-73 11 ASSIS, Machado de. O Teatro Nacional. In: Machado de Assis, Obra completa, org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1997.vol. III p. 861-862

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Considerada por muitos como a obra que marca o início do teatro brasileiro,

Antonio José ou o Poeta e a inquisição, de Gonçalves Magalhães, estreou em 13 de

março de 1838 no Teatro S. Pedro, com João Caetano no papel principal. Magalhães

viveu na Europa entre 1833 e 1837, presenciando, como nos informa João Roberto Faria,

o processo de afirmação da estética romântica12. Escreve portanto a sua obra ainda sob o

impacto das inovações que assistira em Paris. Entretanto, não utiliza a forma de drama,

como se poderia esperar, mas opta pela tragédia, embora empregando elementos

estranhos a esta, como não obedecer a unidade de tempo e envolver tipos comuns.

Essas liberdades em relação ao modelo clássico de tragédia se explicariam,

segundo Faria, pelo fato de Magalhães considerar o ecletismo em arte uma solução para

fugir dos extremos13, em uma tentativa de apropriação dos elementos que considerava

positivos nos dois sistemas dramáticos. Sobretudo, destacava-se na representação de

Antonio José o fato de ser obra escrita por brasileiro, encenada por brasileiros, tendo

como tema um assunto nacional. Da mesma forma, sobressaíam-se as mudanças na

encenação, que abandona a forma recitativa clássica para dar espaço à encenação natural.

Ao contrário de Magalhães, Martins Pena tem como opção estilística a comédia

marcada por uma crítica de costumes. Décio de Almeida Prado, em sua História Concisa

do Teatro Brasileiro14, associa a comédia de Martins Pena à prática do entremez,

afirmando que este chegara ao Rio de Janeiro com a companhia dramática de Ludovina

Soares da Costa, em 1829. Esta informação pode ser questionada a partir da citação que

fizemos acima, do periódico Aurora Fluminense, que explicita a existência desta prática

anteriormente. Entretanto, não restam dúvidas de que a prática de complementar os

espetáculos com encenações de vinte ou trinta minutos adquiriu uma nova dimensão com

Martins Pena. Sobre sua obra nos informa Prado: Martins Pena assimilou (...) processos tradicionais, na medida em que

se foi assenhoreando da técnica e dos truques do ofício, mas sempre adicionando-lhes uma nota local, de referência viva ao Brasil, de crítica de costumes, na linha de certas comédias de Molière, de quem foi logo considerado discípulo. O seu teatro revela um pendor quase jornalístico pelos fatos do dia, assinalando em chave cômica o que ia sucedendo de novo na

12 FARIA, João Roberto. Idéias Teatrais – o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2001. p. 31 13 Idem, Ibidem. p. 32 14 PRADO, Décio de Almeida. História Concisa do Teatro Brasileiro: 1570-1908. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. p. 56

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atividade brasileira cotidiana, com destaque especial para a cidade do Rio de Janeiro.15

Desde O juiz de paz da roça, comédia em um ato representada pela primeira vez

em 4 de outubro de 1838, no Teatro São Pedro, até A barriga de meu tio, comédia

burlesca em três atos, representada no mesmo teatro em 17 de dezembro de 1846, Martins

Pena escreveu aproximadamente 30 peças, marcando o nascimento da comédia de

costumes no Brasil.

Luis Antonio Burgain, francês de nascimento, mas que escreveu em português as

suas peças, assemelha-se a Martins Pena, no que João Roberto Faria16 nomeia universo

teatral de João Caetano. Enredos emaranhados, repletos de surpresas, coincidências

extraordinárias, reviravoltas e muita imaginação são ingredientes utilizados, inspirados

nos autores franceses de melodramas que promoviam a justa recompensa da virtude e a

punição do crime. Em 1837, João Caetano representou duas obras deste autor: Glória e

infortúnio ou a morte de Camões e A orfã ou a última Assembléia dos condes livres.17

O caminho que demonstrava seguir em direção a tornar o São Pedro o centro de

referência da vanguarda das representações dramáticas é interrompido, em 1840, com a

exclusão de João Caetano da companhia do teatro18 e a posterior chegada ao teatro da

Companhia Lírica Italiana, que dominaria a cena até o fatídico incêndio de 1851. O

recomeço das representações líricas são marcadas pela clara preferência a Donizetti e

Bellini em lugar do Rossini dos primeiros anos do Império.

Os dois compositores podem ser considerados uma síntese do movimento

romântico italiano no decênio de 1830, tendo suas obras marcadas pelas influências das

peças de Vitor Hugo, Friedrich Schiller; dos romances de Walter Scott e Alexandre

Dumas (pai); da poesia de Ossian, Goeth e Byron, nas quais, como afirma Lauro

15 Idem, ibidem. p. 57 16 FARIA, João Roberto. Idéias teatrais – o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2001. p. 38 17 Ver em anexo a lista de obras de Magalhães, Pena e Burgain encenadas no Teatro S. Pedro. 18 João Caetano foi empresário e ator do S. Pedro no período entre 1834 e 1838. Neste ano, o teatro, que na época era denominado Constitucional Fluminense e era propriedade do Banco do Brasil, vai à venda, sendo adquirido por uma sociedade comercial que, sem recursos, desmembra a companhia dramática. João Caetano passa a atuar em teatros como o S. Januário e o de Niterói. A volta de Caetano para o S. Pedro se dá em 1839, como ator e ensaiador, mas logo em dezembro de 1840, após desavenças com o diretor geral do teatro, motivada por um novo regulamento, ele é sumariamente despedido não somente do S. Pedro como também do S. Januário. Ver PRADO, Décio de Almeida. João Caetano: o ator, o empresário, o repertório. São Paulo: Perspectiva, EDUSP, 1972. p. 55

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Coelho19, os libretistas encontravam suas inspirações temáticas. Outra forte influência era

a forma livre e natural com que Shakespeare expunha suas idéias e emoções em suas

peças, longe da formalidade e das regras características do teatro clássico francês, que por

mais de um século serviu de modelo para os libretos das óperas barrocas e clássicas.

Estava a Corte em dia com as mais novas produções européias. Donizetti havia

realizado a estréia da Filha do Regimento na Ópera Cômica de Paris em 1840; Pacini

estreara A Rainha do Chipre em 1846, Safo em 1840 e A Noiva da Córsega em 1846;

Mercadante ouvira as estréias mundiais de suas óperas A Vestal, em 1840, e A Nau de

Vasco da Gama, em 1845; Verdi estreara Ernani em 1844, em Veneza, que apenas dois

anos depois era encenada no Teatro São Pedro. 20

Martins Pena21 relata a velocidade com que as óperas eram montadas, seguindo as

orientações dos empresários para evitar o afastamento do público dos teatros. Assim,

descreve Pena, hoje dão a Norma, amanhã Safo, depois Norma e Safo juntas e mexidas,

levando ao êxtase a audiência que se dividia cada vez mais em torno de seus artistas

preferidos.22

Com a demanda do repertório exibido pela Companhia Lírica, a necessidade de

profissionalização de técnicos e artistas brasileiros era uma realidade que demandava

adaptações. Não havia centro oficial de formação de músicos e cantores. Nos Folhetins,

Martins Pena denunciava a ausência de medidas para a viabilização do Conservatório de

Música, para o qual havia sido destinado um número de loterias anos atrás23. A

profissionalização das atividades relacionadas à representação lírica era uma demanda e

ao mesmo tempo uma nova possibilidade de inserção social para as camadas menos

privilegiadas. 24

Ao relatar a deficiência dos coros nas encenações levadas a cabo no Teatro São

Pedro, Martins Pena evidencia que embora havendo na Corte mulheres com o

19 COELHO, Lauro Machado. A ópera romântica italiana. São Paulo: Perspectiva, 2002. p. 26 20 Citando as óperas encenadas nesse período, Ayres de Andrade atribui a autoria da A prisão de Edimburgo a Caetano Rossi. Entretanto vários compêndios atribuem a autoria a Federico Ricci, que estreou La prigione di Edimburgo (título original) em 13 de Março de 1838, na cidade de Trieste, Itália. 21 PENA, Martins. Op. cit. p. 49 22 Ver em anexo a tabela referente às representações de óperas no Teatro S. Pedro no período entre 1844-1850. 23 Idem, ibidem. p. 48 24 Como vimos anteriormente, o aumento das atividades líricas representavam o incremento de postos de trabalhos para músicos, coralistas e demais agentes envolvidos na produção cenográfica e técnica dos espetáculos.

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conhecimento musical necessário para formar um bom grupo de coralistas, esta função

ainda permanecia com o estigma de pertencer a uma condição menos digna: Muitas existem entre nós com tal prenda; porém demonstrando essa

uma educação mais cultivada, coloca as pessoas que a possuem em circunstâncias de não aceitarem uma posição no teatro tão mal conceituada e de insignificantes vantagens. O resultado, pois, é darem-se a esse emprego pessoas sem as necessárias habilitações, e que, não tendo outro meio de ganhar a vida, procuram-no na garganta que Deus lhes deu. 25

Mas o sucesso das representações líricas era inquestionável, tomando conta por

completo do palco do Teatro São Pedro. Nenhum drama novo era preparado, mantinha-se

a Companhia Dramática a repetir o velho e safado repertório, como nos informa Martins

Pena26, concluindo que os Empresários mantinham um simulacro de Companhia

Dramática apenas para honrar seus compromissos contratuais com o Governo. A

possibilidade de lucros com o gosto lírico disseminado no público teatral da Corte neste

período, anima outros empreendimentos.

João Caetano, banido dos teatros subvencionados pelo Governo, havia encontrado

como alternativa de espaço o pequeno e desprestigiado S. Francisco27. E é para esse

teatro que leva em 1847 a Companhia Lírica Francesa que havia pouco tempo iniciara

suas representações no Teatro S. Januário. As montagens dessa Companhia revelavam ao

público da Corte as obras de Auber, Meyerbeer, Halevy entre outros, bem como

realizavam montagens de óperas italianas cantadas em francês. Mais um sucesso para

João Caetano, mais um importante elemento na construção de um repertório de ar

nacionalista que anos depois teria sua eclosão.

Mas se empresários, folhetinistas, público e artistas estavam atentos às revoluções

impostas pelo Teatro Lírico, também a censura, na figura do Conservatório Dramático –

que Martins Pena chama de uma associação quase literária28 –, observava e apontava

seus tentáculos ao que era representado nos palcos da Corte. O Conservatório Dramático,

em seus esforços moralizantes, impediu, por exemplo, a montagem do Barbeiro de

Sevilha durante o período da quaresma29, e mutilava textos que tivessem como temas

quaisquer referências consideradas impróprias. Assim acontece na tentativa de encenação

25 Idem, ibidem. p. 46 26 Idem, Ibidem. p. 271 27 PRADO, Décio de Almeida. João Caetano... p. 53-54 28 PENA, Martins. Folhetins..., p. 109 29 Idem, ibidem. p. 183

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da ópera Les Diamants de la Couronne30, no início do ano de 1847. O libreto conta a

façanha de uma rainha portuguesa, que nas vésperas de sua maioridade, encontrando

vazios os cofres do Governo, junta-se a bandidos, contrabandistas e joalheiros

falsificadores, para substituir por diamantes falsos todas as jóias da Coroa, vendendo os

originais em outras cidades européias. Traz, assim, riquezas para seu povo e a

possibilidade de iniciar seu reinado sem empréstimos ou novas taxações.

Bom exemplo de Governante? Não para o Conservatório Dramático, que associa a

imagem da protagonista a Maria I de Portugal, bisavó do Imperador Pedro II, vista em

posição indigna ao negociar com a baixa laia de criminosos, investindo em ações ilegais e

de moralidade duvidosa. Mesmo com a argumentação utilizada por aqueles que

defendiam a encenação, invocando: o fato de ser uma peça em língua estrangeira, e assim

sendo, poucos entenderiam as falas; o fato da mesma ópera ter sido encenada até em

Lisboa, aplaudida como em todas as outras capitais onde fora representada; o fato de, no

final, a atitude da Monarca ser por uma causa mais do que justa – o bem estar do

Governo e da população –, nada demovia os censores da proibição da representação.

A solução afinal acontece quando se resolve alterar o texto da ópera, dando a

Rainha uma nova nacionalidade. A peça deveria se passar na Dinamarca, e em

conseqüência tudo deveria tomar ares dinamarqueses. Explica Martins Pena: Santa Cruz passou a ser Tuvik, Pedro passou a ser Peters e assim por

diante. Feita essa transformação, Jesus, meu Deus! Que espantoso milagre se operou! A ópera cessou de ser antimonárquica, antidinástica; (...) Nesse dinamarquesamento da peça a atenção não podia ser completa que não deixassse alguma cousa aportuguesada, nem a memória dos atores tão fiel que tivesse sempre pronta a substituição: assim, se Santa Cruz chamou-se Tuvik, um Sebastião sempre lá ficou para dizer que a ação da peça era portuguesa; se deram à coroa de Dinamarca um diamante de grande valor chamado – a brasileira – em compensação deram-lhe a inquisição, que nunca fez em Kopenhagen arder as suas fogueiras. 31

Talvez se levada à cena no decênio de 1830, a trama provocasse emoções

diversas. O processo de criação de uma identidade “brasileira”, em oposição a uma

identidade “portuguesa” ou “africana”32, era embalada aos sons da degradação da

imagem portuguesa. Vale lembrar a letra do Hino a Sete de abril:

30 Esta ópera de Daniel Auber, compositor francês, foi estreada na Ópera Cômica de Paris em 6 de março de 1841. 31 Idem, ibidem. P. 112-113 32 ROWLAND, Robert. Patriotismo, povo e ódio aos portugueses: notas sobre a construção da identidade nacional no Brasil independente. In Istvan Jancó: Brasil. Formação do Estado e da Nação. São Paulo: Hucitec, 2003. p. 372

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Arranquem-se aos nossos filhos/Nomes e idéias dos lusos... Monstros que sempre em traições/Nos envolveram, confusos. Ingratos à bizarria/Invejosos do talento, Nossas virtudes, nosso ouro, /Foi seu diário alimento. Homens bárbaros, gerados/De sangue judaico e mouro, Desenganai-vos: a Pátria/Já não é vosso tesouro.

Mas os tempos eram outros, e a questão anti-lusitana perdia relevância, como nos

informa Rowland33, diante do processo civilizador cujo sujeito e impulsionador era o

Estado, representado pelo Imperador. Assim, nesta perspectiva de agente reformulador, o

Estado resolve intervir fortemente no Teatro São Pedro com a intenção de trazer de volta

a este palco não somente uma boa companhia lírica, mas também uma dramática e outra

de baile que pudessem dividir com igual qualidade artística os aplausos da Corte.

Em 1850, nomeia uma comissão de sua confiança para administrar o teatro e

finalmente saber com exatidão qual o valor necessário a ser subsidiado a fim de manter

no teatro as três companhias completas34. Com a subvenção concedida, esta comissão não

demorou a mostrar sua produtividade: compraram-se novos cenários, figurinos, objetos

de cena para a Companhia Dramática; mandou-se contratar na Itália cantores necessários

para o incremento das representações líricas, e da mesma forma procedeu-se em relação à

Companhia de Baile. E efetivamente, no dia 14 de março de 1851, aniversário da

Imperatriz, o teatro foi aberto com a Companhia Dramática capitaneada por João

Caetano, que voltava aos palcos do S. Pedro, desta vez para um longo período que

somente seria interrompido com sua morte, em 1863.

Como mencionamos anteriormente, um terrível incêndio pôs abaixo o S. Pedro

em agosto de 1851, destruindo não somente o teatro, mas os planos do Governo de

manter ali as três grandes companhias. João Caetano toma para si a reconstrução do

teatro que passa a ser quase exclusivo para representações dramáticas35, passando a

Companhia Lírica a representar no Teatro Provisório, mais tarde batizado de Lírico

Fluminense. Com João Caetano, retornam aos palcos do S. Pedro as tragédias francesas,

os dramas românticos, autores espanhóis e portugueses. Mas sem perder de vista a

33 Idem, Ibidem. p. 382 34 BRASIL. Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa, na Quarta Sessão da Oitava Legislatura, pelo Ministro e Secretário d’ Estado dos Negócios do Império, Visconde de Monte Alegre. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1852. 35 O Decreto N° 1.307 de 30 de Dezembro de 1853 aprova e manda executar as Instruções porque se deve regular o empresário do Teatro S. Pedro d’Alcantara. Nestas Instruções, no artigo 2°, parágrafo 1º, proibia-se ao empresário dar no Teatro de S. Pedro representações líricas de operas italianas ou francesas, o que, todavia não compreende os vaudevilles em qualquer língua que sejam.

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necessidade de manter o público freqüentando o teatro, também os melodramas eram

montados em profusão, como relata Décio de Almeida Prado: O seu mais duradouro título de glória consistiu na criação da

personalidade selvagem de Otelo – o Otelo de J. F. Ducis, é verdade, classicizado e domesticado na versão francesa do séc. XVIII, mas de algum modo ainda ligado à grandeza shakesperiana. Quanto ao pão de cada dia, medido pela média da bilheteria, quem se encarregou de fornecê-lo ao ator brasileiro foi o imbatível melodrama, que, transbordando do palco para o romance, tingia de cores berrantes tanto a imaginação popular quanto a letrada. Nesta linha forte de teatralidade, que por isso mesmo ensejava vigorosas interpretações cênicas, J. C. percorreu toda a série de melo dramaturgos franceses, de Guilbert de Pixderécourt a Anicet-Bourgeois.36

A presença de João Caetano, a quem o Estado entregava suas esperanças de

manter na Corte uma companhia dramática de qualidade, afastaria do Teatro São Pedro

uma geração de jovens intelectuais que introduzia no Brasil uma nova forma de

realização cênica. A partir de 1855, com a criação do Teatro Ginásio Dramático, na

verdade o mesmo Teatro S. Francisco que poucos anos atrás era administrado por

Caetano, começa a ser ameaçada a hegemonia do empresário do S. Pedro. Em lugar dos

surrados dramas e tragédias encenados por este, oferecia o empresário do Ginásio,

Joaquim Heleodoro Gomes dos Santos, um repertório renovado pelas últimas realizações

francesas. Obras de Alexandre Dumas Filho, Émile Augier atraíam para o teatro não

apenas o público comum, mas também uma jovem geração de literatos, jornalistas e

críticos de teatro. José de Alencar, Quintino Bocaiúva, Machado de Assis figuram entre

os intelectuais que vão tomar o Ginásio como centro de suas referências.

Desta forma, tendo como modelo a comédia realista francesa, inicia-se uma

produção intensa de dramaturgia nacional. Convergiam os literatos para a criação do

teatro nacional que retrataria os costumes da vida social não com a proposta de divertir

ou entreter, mas para através de uma crítica civilizadora educar, regenerar e moralizar a

sociedade brasileira. Rapidamente a nova tendência foi se espalhando pelos vários

redutos literários nacionais, chegando mesmo aos mais declaradamente românticos, como

o de Agrário de Souza Menezes. Em 1862, apenas um ano depois de seu libelo sobre a

situação da arte dramática que apresentamos acima, Menezes experimentava os novos

procedimentos dramáticos em seu Os miseráveis, representado no teatro Ginásio. 37

36 PRADO, Décio de Almeida. História Concisa do Teatro Brasileiro..., p. 38 37 FARIA, João Roberto de. Idéias..., p. 128

201

Se no decênio de 1830 João Caetano impressionava pela introdução nos palcos

nacionais de uma nova maneira de atuação, desprezando o recitativo monótono, no

decênio de 1859 sua escola já era considerada ultrapassada. Com o surgimento em cena

de Furtado Coelho no teatro Ginásio e sua técnica realista de atuação, mais claro ainda

ficava o envelhecimento artístico do ator e empresário do Teatro S. Pedro. Machado de

Assis não se conformava em ver o maior teatro do Rio de Janeiro entregue a alguém que

representava as “velhas concepções teatrais” e, mais do que isso, impedia com sua busca

de fortuna e realização pessoal o encontro do São Pedro com as aspirações mais

meritórias do fazer artístico. 38

Entretanto, não seria a atuação de João Caetano que impediria o alcance do nível

teatral idealizado pelos literatos. Assim como o Governo, nas palavras de Agrário, não

podia impor o gosto à população, tampouco poderiam aqueles que haviam se devotado à

construção de uma dramaturgia voltada à questão nacional. Pouco a pouco o público se

afasta das encenações realistas, deixando aberta a porta para outras manifestações

dominarem o espaço cênico.

Essas novas manifestações utilizavam novos elementos que se tornariam

fundamentais no gosto do público da corte: a diversão e o prazer do entretenimento

descompromissado. A inserção desses elementos foi iniciada em 1859, com a abertura no

Rio de Janeiro do Alcazar Lírico, aonde cançonetas, cenas cômicas e vaudevilles vindas

da França eram representadas por artistas franceses. Iniciava-se o processo de

substituição do teatro de cunho literário pelas formas mais populares do teatro musicado

em nossos palcos. 39

A penetração do teatro musicado francês tem seu ápice em 1865, com a

representação no Alcazar, da opereta Orphée aux Enfers, música de Offenbach40, texto de

Hector Crémieux e Ludovic Halévy. A receptividade à opereta foi tamanha, que

permaneceu um ano inteiro em cartaz acenando aos empresários com uma forma nova e

fácil de lucros, e por conseqüência decretando enormes dificuldades às futuras

encenações de peças de cunho literário.

38 FARIA, João Roberto de. Machado de Assis, leitor e crítico de teatro. In: Estudos Avançados 18 (51), 2004. p. 309-310 39 FARIA, João Roberto de. Machado de Assis..... p. 324-325 40 Compositor francês, de origem alemã. Nasceu em Colônia em 20 de junho de 1819 e morreu em Paris a 5 de outubro de 1880.

202

Um dos reflexos imediatos à encenação da opereta de Offenbach é o sucesso de

um gênero considerado menor entre os literatos: a paródia. O responsável por esse

movimento é o ator e dramaturgo Francisco Correa Vasques, que em 31 de outubro de

1868, no Teatro Phênix, realiza a representação de Orfeu na roça, paródia da opereta

Orphée aux Enfers de Offenbach. Se a opereta original havia sido um sucesso de público,

o Orfeu na roça em poucos meses atingiria a incrível marca de quatrocentas

apresentações, realizando uma verdadeira transformação na cena teatral brasileira, como

nos informa Silvia Martins de Souza: Essa recepção estrondosa das platéias fluminenses ao Orfeu na roça é

paradigmática e a transforma em testemunho importante sobre um momento de transformação da cena teatral brasileira quando se aumentou a encenação de diferentes gêneros de teatro musicado pelas companhias teatrais em funcionamento no Rio de Janeiro, o que significou uma mudança nas concepções estéticas então vigentes e um aumento ponderável de público com benefícios financeiros para atores, autores e empresários.41

Podemos perceber até aqui a ausência do Teatro São Pedro nas renovações e

conquistas das representações dramáticas. É certo que em um pequeno período o teatro

abrigou a iniciativa de criação da Ópera Nacional, mas isso ocorreu mais por

benevolência do que por interesse do respectivo diretor e empresário, como explicitado

no Relatório do Ministro do Império de 185742. A Imperial Academia de Música e Ópera

Nacional, criada pela iniciativa do espanhol José Amat, que pouco interessou a João

Caetano, também contribuiria, em seus poucos anos de funcionamento, com novos

elementos que seriam agregados ao processo que Silvia Martins de Souza denomina de

mudança nas concepções estéticas vigentes.

Entre esses elementos, além de ópera escrita e musicada por brasileiros, a capital

imperial foi apresentada a um novo gênero do teatro musicado: a Zarzuela. Suas origens

remontam ao século XVII, mas foi no decênio de 1840 que a zarzuela toma na Espanha a

configuração de entretenimento popular, com revestimento de caráter nacionalista. Em

sua forma, que intercalava trechos falados e cantados, eram incluídas árias e danças

populares, e seus enredos abrangiam da farsa à tragédia. Amat, que chegou ao Rio de

41 SOUZA, Silvia Cristina Martins de. Um Offenbach tropical: Francisco Correa Vasques e o teatro musicado no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX. In: Histórias e Perspectivas. Uberlândia (34): 225-259, jan.jun. 2006. p. 229 42 BRASIL. Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na Segunda Sessão da Décima Legislatura pelo Ministro e secretario d’ Estado dos Negócios do Império, Marquez de Olinda. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1858.

203

Janeiro em 1848, acompanhou o estabelecimento desse gênero como expressão musical

nacionalista espanhola. Talvez, em seu pensamento, a Zarzuela pudesse ser o modelo

para o alcance da tão desejada expressão lírica nacional.

Ayres de Andrade observa que nos periódicos da época, possivelmente sob

influência de Amat, eram publicadas referências a Zarzuela e sua serventia como modelo

para a ópera brasileira, como podemos ver nesta citação do Correio Mercantil: A ópera nacional, que deve inaugurar-se por estes dias, terá de recorrer

por muito tempo à ópera espanhola; com isso ganhará o nosso teatro mais novidade: os compositores e poetas nacionais terão belos modelos para estudar, avigorando assim a própria inspiração.43

Desta forma, a Imperial Academia de Música e Ópera Nacional apresenta no

Teatro Ginásio, em 17 de julho de 1857, seu primeiro espetáculo, a zarzuela A estréia de

um artista, tradução do espanhol realizada por José Feliciano de Castilho44. Ainda em

1857, a empresa levaria à cena no teatro S. Januário, em 26 de outubro, Boas noites, D.

Simão, zarzuela em um ato de Cristobal Oudrid; e no mesmo teatro, em 7 de dezembro, a

tradução de Quintino Bocaiúva para a zarzuela As colisões de um ministro, de Asenjo

Barbieri.

Além de zarzuelas e óperas cômicas de diversos autores, como Arrieta, Ricci,

Copola, Ferrari, Degiosa, a Ópera Nacional realizou representações de óperas italianas

cantadas em português. A primeira foi Norma, de Bellini, encenada no Teatro S. Pedro

em 1858; e a segunda, com um toque pitoresco, foi La Traviata, de Verdi, que na versão

para o português foi apresentada como A Transviada em sua representação no Teatro

Lírico Fluminense, em março de 1862.

Somente nos últimos anos de existência da companhia de Ópera Nacional foram

montadas óperas compostas por brasileiros. A primazia coube ao compositor paulista

Elias Álvares Lobo, com sua ópera Noite de São João, libreto de José de Alencar,

encenada no Teatro S. Pedro em 14 de dezembro de 1860. A ópera de Elias Lobo foi

recebida com muitos aplausos, mas nem de longe causou o impacto que um ano depois

distinguiria um outro jovem compositor paulista.

43 ANDRADE, Ayres. Francisco Manuel e seu tempo. Op. Cit. Vol II, p. 90 44 Os nomes dos autores espanhóis são desconhecidos, não constando nos periódicos da época. Segundo Luiz Heitor, a ausência dos nomes dos autores devia-se evitar o pagamento de direitos autorais. HEITOR, Luiz. Música e músicos do Brasil. Op. Cit. p. 61.

205

tinha como empresários Charles Ducommun e Charles Dengremont. Logo estaria a

Companhia do Alcazar ocupando os palcos do teatro, o que foi registrado pelo periódico

Vida Fluminense: Asseguram que na próxima semana a Companhia do Alcazar Lyrico Francez dará uma representação no Theatro S. Pedro. A opereta escolhida é a moderna Reine Crinoline, que tantos aplausos têm merecido no teatro da Rua da Valla. As famílias que tem escrúpulos de freqüentar o Alcazar não devem perder este ensejo de apreciar não só as belíssimas e frescas melodias, como também as engraçadas peripécias e xistosas frases da opereta. 49

Assim, de lugar permitido somente a determinado segmento da sociedade, as

representações do Alcazar tornavam-se acessíveis até às respeitosas famílias que ainda

mantinham distância de um local de reputação tão dúbia. Oficializavam-se desta maneira

os espetáculos marcados pelos imbatíveis cortejos de diabretes, fogos de bengala e

visualidades do seu PetitFaust 50. Esse elemento da visualidade, da utilização do recurso

cenográfico como centro das encenações marcaria fortemente mais uma etapa da

transformação da linguagem teatral no Brasil do século XIX.

O decênio de 1870 marca o fortalecimento de um gênero musical que questionaria

de maneira avassaladora os projetos de um teatro civilizado e culto e que de certa forma

marcaria a produção de Cavalier Darbilly: a Mágica. Geralmente associada à opereta e a

revista, gêneros do teatro musicado que fizeram grande sucesso na segunda metade do

século XIX, a Mágica, entretanto, antecede a estes, sendo já nos primeiros anos de 1870

encenada costumeiramente na capital do Império. 51

Para Décio de Almeida Prado52 e João Roberto de Faria53 a Mágica seria uma

simples tradução da féerie francesa. A féerie, como gênero de teatro musicado, foi muito

popular no século XVIII e tem sua origem ligada à prática da utilização de temas 49 Vida Fluminense. Sábado, 19 de setembro de 1868. N° 38 50 Vida Fluminense. Sábado, 15 de janeiro de 1870. N° 107. Esse artigo refere-se a outra apresentação da companhia do Alcazar no Teatro S. Pedro em 1870. 51 Segundo João Roberto Faria, a opereta em sua trajetória é vinculada à paródia, gênero criado por Francisco Correa Vasques, posteriormente explorado por Augusto de Castro e Joaquim Serra. A paródia explorava as operetas francesas, como as de Offenbach, encenadas no Alcazar Lírico, mantendo a música original e adaptando o roteiro à cena brasileira. Após essa primeira fase, somente em 1877, Artur Azevedo escreveria sua primeira opereta original, mas sem música composta especificamente para a encenação. Isto somente acontece em 1880, quando, nas palavras de Faria, se nacionalizaria a opereta. FARIA, João Roberto. Op. Cit. p. 147. Neyde Veneziano afirma que a revista somente se instala no Brasil em 1884, com a estréia de O Mandarim, também de Artur Azevedo. VENEZIANO, Neyde. O teatro de revista. In: O teatro através da história. Carlinda Fregale Pate Nuñez et alii. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil; Entourage Produções Artísticas, 1994. p. 152. 52 PRADO, Décio de Almeida. História Concisa do Teatro Brasileiro. p. 32 53 Além da opereta, diz Faria, outro gênero que obteve o favor do publico naqueles anos foi a Mágica (na França, féerie). FARIA, João Roberto de. Idéias Teatrais. p. 147

206

mitológicos, tendo sido iniciado na França por Jean-Philippe Rameau e suas opéras-

ballet, como Les fêtes d'Hébé or les Talens Lyriques (1739), e Les fêtes de Polymnie

(1745). Esse gênero tem seu ápice no século XIX, nas obras de Offenbach: Le Voyage

dans la Lune (opéra-féérie, 1875) e Les Contes d'Hoffmann (opéra fantastique, 1881).

Em 1870 foi encenada no Teatro S. Luis a Mágica Amor e o diabo, muito

possivelmente uma tradução da opéra-féerie Les amours du diable, música de Albert

Grisar e libreto de Henri Saint-Georges, editada em Paris em meados de 1853. Além do

título semelhante, a divisão cênica em quatro atos e nove quadros realça esta

possibilidade. Juntando-se a esse elemento, observamos que Eduardo Garrido,

personagem fundamental na introdução da Mágica no Brasil, como será visto em seguida,

não somente adaptou outra féerie de Albert Grisar54, como realizou traduções, como a

Viagem à lua (traduzida da férrie de Offenbach) e a Corça do bosque (tradução da féerie

La biche au bois55).

Essas informações denotam a clara presença da féerie francesa e sua influência

nas Mágicas realizadas no Brasil. Entretanto, tratar a Mágica como uma simples tradução

desse gênero da ópera francesa é não estar atento a um de seus elementos fundamentais: a

música. Não só, desde suas primeiras apresentações, a parte musical das Mágicas

encenadas era de compositores brasileiros, como já em 1872 a introdução de uma forma

popular urbana, o tango brasileiro, definiria um padrão, sendo constante a presença destas

formas (tangos, tangos-serenata, maxixes, polcas e valsas). Porém, mesmo em seu

aspecto literário, é necessário destacar que, se em uma primeira fase a Mágica enfatiza os

temas do sobrenatural, do mitológico, do fantástico, o que a coloca bastante próxima da

féerie, em uma segunda fase, ainda utilizando o recurso do fantástico, aproxima-se da

crítica social e do relato dos acontecimentos da vida cotidiana.

Assim, a Mágica estabelecida como gênero no Brasil realiza uma verdadeira

síntese das práticas musicais e dramáticas que ocuparam os palcos dos teatros do Império,

como pudemos observar ao longo deste capítulo, todas subjugadas pelo impacto da

enorme receptividade deste espetáculo ante ao público. De alguma forma as trajetórias

destas duas linguagens caminharam à procura da criação de uma expressão nacional,

54 GARRIDO, Eduardo. A filha do inferno. Peça phantástica em 4 atos e 12 quadros, música de Grisar. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1877. 55 La nouvelle biche au bois : grande féerie en 5 actes et 17 tableaux. De Théodore Cogniard e Hippolyte Cogniard. Paris : Barbé, 1867.

207

balizadas pelas produções desenvolvidas na Europa. O percurso desta busca pode bem ser

simbolizado por João Caetano e suas encenações das obras de Magalhães, Pena e

Burgain; pelo realismo teatral iniciado pela companhia de Joaquim Heleodoro e seu

repertório de autores nacionais representados no Teatro Ginásio; bem como na tentativa

de criação de uma Ópera Nacional, que revelou ao público o talento de Henrique Alves

de Mesquita e Carlos Gomes em suas produções de óperas ao estilo italiano, mas

cantadas em português.

Mas a ópera italiana não seria a única influência do gênero lírico. As zarzuelas

espanholas e particularmente a música francesa e sua ópera bouffe, personificadas na

figura do compositor Jacques Offenbach, também marcaram fortemente os palcos do

Império. Sua obra foi levada ao público da corte pelo Alcazar Lírico, pela Companhia

Lírica Francesa e especialmente pela companhia dos Bouffes Parisiennes, que

freqüentaram além dos palcos da corte os de diversas províncias do Império. Offenbach

foi o responsável pela popularização e fama da opereta, gênero no qual empregava seu

talento na criação de melodias atraentes e fáceis de memorizar, geralmente em ritmo de

dança, como no famoso cancan de Orfeu no inferno.

Desta forma, concordamos com a afirmação de Vanda Freire a propósito da

síntese musical realizada na Mágica: Parece-nos claro que a Mágica resulta de uma curiosa síntese de

características musicais diversas, de gêneros musicais brasileiros e estrangeiros, como a opereta francesa, a ópera italiana e a zarzuela, entre outros, cabendo-nos, ainda, supor que ela não é uma simples ‘tradução’ da féerie francesa. (...) Configurar-se-ia, assim, na Mágica, a articulação de significados residuais, atuais e latentes (...), assinalando-se, nessa articulação, a construção de uma das instâncias do nacionalismo musical brasileiro. 56

Vanda Freire57 observa a articulação de significados residuais, atuais e latentes da

Mágica com a féerie, como a presença de personagens mitológicos ou fantásticos e a

utilização de efeitos especiais; mas também observa essa articulação com a ópera italiana

e a opereta, as farsas e o vaudeville. Entre os elementos que a aproximam da ópera

italiana podemos citar a utilização formal de uma introdução orquestral e o virtuosismo

vocal, com árias que exigem conhecimento da técnica do bel-canto. As semelhanças com

com a zarzuela manifestam-se na presença de partes faladas, intercaladas a outras 56 FREIRE, Vanda Lima Bellard. A Mágica. In: Opus Revista Eletrônica da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música. ANPPOM. Volume 6, Outubro de 1999. 57 Idem. Ibidem

208

estritamente instrumentais; mas, sobretudo, na utilização de danças populares na

composição de sua estrutura musical.

Nas partituras remanescentes, observamos o emprego da formação tradicional de

orquestra: cordas completas (violinos I e II, violas, violoncelos e baixos), madeiras em

pares (duas flautas, dois oboés, duas clarinetas e dois fagotes), metais (dois trompetes,

duas trompas, dois trombones tenores e um trombone baixo) e percussão (tímpanos,

bumbo, pratos e triângulo). Sua organização cênica aparece sob a forma de atos e

quadros, e em alguns casos, acrescidas de prólogo ou apoteose. Das 78 Mágicas58 que

catalogamos, conseguimos obter informações sobre a organização cênica em 35 casos: 26

eram divididas em três atos; seis em quatro atos e uma em cinco atos. O número de

quadros apresenta-se bastante variável, com o menor número de quatro e o maior de

dezenove. 59

A adição de prólogo e apoteose ocorre a partir do decênio de 189060, quando a

Mágica, em sua segunda fase, apropria-se de alguns elementos da revista. Assim, sete

apresentam prólogo e três apresentam apoteose, como na Mágica A bicha de sete cabeças

– apresentada em sua partitura como uma "deslumbrante e espirituosa Mágica acomodada

à cena brasileira”61 –, conta com três atos, quinze quadros e uma "ofuscante" apoteose. A

Bota do diabo62 ia mais além, conta com três atos, dez quadros e três apoteoses!

Nas Mágicas catalogadas em nossa pesquisa, pudemos observar a utilização do

fantástico em seu material temático, através de referências satânicas (diabos, satanases,

inferno); personagens e símbolos mitológicos e/ou mágicos; animais fantásticos; objetos

mágicos; lugares fantásticos ou mitológicos; personagens vinculados à nobreza (reis,

rainhas, príncipes, princesas e etc.); lugares mágicos ou mitológicos e sentimentos como

58 Nesse número total incluíram-se obras que em sua denominação utilizam o termo fantástico como subtítulo, como operetas fantásticas, operetas cômico-fantásticas, dramas fantásticos ou peças fantásticas. Não incluímos nesse total as denominações que denotam vinculação com a revista, como as revistas fantásticas ou cômico-fantásticas. 59 A Mágica Pandora, de Cavalier Darbilly e Moreira Sampaio, é dividida em três atos e quatro quadros. Já a Mágica A cornucópia do amor, de Costa Junior e Moreira Sampaio, é dividida em três atos e 19 quadros. Esta Mágica foi representada no Teatro Santana em 5 de dezembro de 1894. 60 A exceção é o drama lírico-fantástico Remorso Vivo, de 1867, que utiliza a organização cênica de 1 prólogo; quatro atos e oito quadros. Esse drama foi representado no Teatro Ginásio Dramático em 21 de fevereiro de 1867. Música de Arthur Napoleão. Libreto de Francisco Serra, Furtado Coelho e Machado de Assis. 61 Música de Henrique Alves Mesquita, Chiquinha Gonzaga, R. Domenech e Luiz Moreira. Libreto de Moreira Sampaio. Encenada no Teatro Santana, com estréia em 19 de novembro de 1892. 62 Música de Chiquinha Gonzaga. Libreto de Avelino de Andrade. Encenada no Teatro Avenida de Lisboa. Estréia em 18 de dezembro de 1908.

209

o remorso e a tentação. A preponderância destas referências pode ser visualizada no

gráfico abaixo: Gráfico 12

Mágicas: Material temático

23%

22%

13%

13%

8%

5%

5%

11%

22%

Referências Satânicas Símbolos ou personagens mitológicos, fantásticosAnimais fantásticos Objetos mágicosLugares fantásticos ou mitológicos Nobres (reis, principes, etc)Sentimentos Não definido.

A utilização dessas referências não era marcada pela verossimilhança, mas sim

pela liberdade no tratamento do material temático, como podemos observar na Mágica

Pandora, de Cavalier Darbilly. Na Ária de Pandora, a personagem descreve seus poderes

e a sua inteligência em enganar o próprio destino e os fantásticos percalços que encontra: Bem sei que não és ladino, mas aqui vou te contar como foi que do destino soube Pandora zombar. Mal eu vi dormir o dragão, sem demora fui tratando de escapar à prisão e ir-me embora. Altaneiras montanhas escalando sem parar; vales, prados, campinas fui cortando pelo ar. Para ao homem ser, foi que eu fugi. Pois que ele é meu tesouro, mas a correr quando saí, tirei os pomos de ouro. Não chames por compaixão, deixe a terra namorada guardar a mulher que adora. Deixa, deixa que a pobre Pandora seja muito, muito amada. Ouve o bosque, o prado, a flor cantando a canção do amor. Deixa a terra namorada guardar a mulher amada. Ah!63

No texto, destaca-se a referência aos pomos de ouro e ao dragão. Tais elementos

em nenhum momento aparecem na descrição do mito grego de Pandora, mas

assemelham-se em muito ao mito de Hércules e os doze trabalhos sobre-humanos por ele

realizados como expiação pelo assassinato involuntário de seus filhos com Mégara.

63 Biblioteca Alberto Nepomuceno. Mágica Pandora de Carlos Cavalier Darbilly e Moreira Sampaio. Setor de Documentos manuscritos.

210

Condenado pelo Oráculo de Delfos a realizar essas façanhas, o 11º trabalho era

exatamente resgatar os Pomos de Ouro das Hespérides.

Esses pomos de ouro foram presentes de casamento de Gaia para Hera, que

mandou plantá-los em seu jardim no extremo oriente. As belíssimas hespérides e um feio

e imortal dragão de cem cabeças (ou uma serpente, conforme a versão) guardavam as

preciosas árvores. De acordo com Ribeiro Jr.64, há uma discordância entre os mitógrafos

na maneira como Hércules teria conseguido se apossar dos pomos. Para alguns ele

encontrou o jardim no extremo Ocidente e fez o dragão adormecer (ou matou a serpente),

e as hespérides deram-lhe as maçãs de ouro. Outra versão, igualmente muito difundida,

relata que Hércules conseguiu as maçãs com a ajuda de Atlas. Enquanto Atlas estava no

Jardim colhendo maçãs, Héracles teria ficado em seu lugar, sustentando o céu...

Essa liberdade no tratamento dispensada ao material temático original é uma das

características marcantes do gênero, pois, como explica Faria, o enredo proposto é

simplesmente um pretexto para a encenação repleta de truques e surpresas65. Essas

liberdades, entretanto, somente incomodavam aos literatos, no público o efeito parecia ser

exatamente o contrário.

Em 1873, como citamos anteriormente, Machado de Assis, em sua Noticia da

Atual Literatura Brasileira - Instinto de Nacionalidade 66, afirmou que já não havia teatro

brasileiro, referindo-se ao impacto das Mágicas e de outros gêneros “menores” que

roubavam a cena na capital do Império. Suas palavras concretizavam o que já previra em

1871 o cronista67 do periódico Vida Fluminense, quando afirmou que “o futuro é das

mágicas”68. Chamando a atenção para profusão de Mágicas na cidade, o autor informava

as produções que estavam sendo ensaiadas nos teatros: no S. Luiz se preparava a Pêra de

Satanás; no Phênix Dramática “se davam os últimos toques” na Flor de Maio; e no

Ginásio em breve estrearia o Mazalipatão.

Essas produções parecem marcar o ápice de um lento processo impulsionado pela

disposição do público da capital em favorecer os espetáculos aparatosos, para usar um

64 RIBEIRO JR., W.A. Héracles. Portal Graecia Antiqua, São Carlos. Disponível em http://greciantiga.org/mit/mit06.asp. Data da consulta: 17.06.2007. 65 FARIA, João Roberto. Op. Cit. p. 147 66 ASSIS, Machado de. Noticia da Atual literatura Brasileira - Instinto de Nacionalidade. In: Machado de Assis, Obra completa, org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1997. Vol. III p. 808 67 Algumas crônicas deste periódico eram assinadas por A de A., de quem não conseguimos desvendar a identidade. 68 Vida fluminense. 11 de novembro de 1871. n° 202.

211

termo da época, que recorriam cada vez mais ao luxo, aos efeitos cênicos e à temática do

fantástico. Em 1870, esses espetáculos não eram denominados de Mágicas, como

podemos notar nas crônicas do periódico Vida Fluminense, mas de peças fantásticas ou

de efeito mágico – como era citada a obra o Amor e o diabo, representada no Teatro S.

Luis69 –; ou como fantasia, composição galhofeira e fantástica, como era referida a obra

Ilha do amor, representada no Teatro Phênix. 70

A partir de 1871, a denominação Mágica parece estar estabelecida, e em 1872,

quando Amor e o diabo foi reapresentado no Teatro Cassino, o periódico a anunciava

como “a mágica outrora muito aplaudida no S. Luis” 71. De toda forma, era evidente a

intenção de ressaltar o aspecto aparatoso dessas encenações e a reação entusiasta da

platéia: Vão ao Teatro S. Luis em qualquer noite que se represente o Amor e o diabo. Verão como a sala se enche, as palmas rebentam, e são espontâneas as ovações ao Rocha, que pintou um incêndio capaz de intimidar o nosso corpo de bombeiros e pôr a arder o juízo do respectivo comandante. 72

O fim das subvenções do estado aos teatros, em 1868, acirrava a disputa pelo

público, que cada vez mais se distanciava das encenações do teatro “sério”. Na tensão

criada por este afastamento e na conseqüente baixa rentabilidade das encenações

dramáticas, sobravam acusações para todos. Questionavam-se a qualidade artística das

obras e dos atores que as representavam, e os empresários e suas buscas por lucros; e

atribuía-se responsabilidades ao público, por sua indiferença aos dramas encenados nos

palcos da capital do Império. Era necessário encontrar um elemento novo, algo que

modificasse a situação lamuriosa dos teatros, e esse elemento surge através de Eduardo

Garrido, como afirma o cronista da Vida Fluminense: O drama já não dá dez reis de mel coado à empresa alguma. (Rossi e

Salvini tornaram-no impossível no Rio de Janeiro). A alta comédia está fora de moda, por falta de um núcleo de artistas habilitados a representá-la. A farsa propriamente dita ainda chama gente ao teatro nas duas ou três representações...mas depois as vazantes sucedem-se com incrível rapidez, e, esvaziando burras das empresas, levam os empresários direitinhos ao abismo bancarrota.

Tornava-se, pois necessário um salvatério (sic) que de um momento para outro mudasse a face das coisas teatrais, e obrigasse o nosso público a pôr de lado essa indiferença, que o persegue há tempos a esta parte. Eduardo Garrido achou o almejado salvatório, e olhando desdenhosamente para o

69 Vida Fluminense. 5 de novembro de 1870. n° 149 70 Vida Fluminense. 30 de Julho de 1870. n° 135 e Vida Fluminense. 27 de agosto de 1870. n° 139 71 Vida Fluminense. 21 de setembro de 1872. n° 247 72 Vida Fluminense. 12 de novembro de 1870. n° 150

212

drama, sem atender as súplicas da comédia, que lhe gabava o espírito, e despedindo a pontapés a farsa que bem desejava entrar-lhe pela casa dentro – foi-se direitinho à mágica, que há muito lhe piscava olho, e lançando-se-lhe nos braços exclamou: Sê minha, e eu serei todo teu. A mágica gostou do rapaz, aceitou a proposta, e brasdessous, brás dessus, em breve verá o leitor por esse Rio de Janeiro fazendo o diabo a quatro. 73

Se a inexistência de atores habilitados à representação da alta comédia pode de

alguma forma ser uma opinião extremamente pessoal, e por isso questionável, a

constatação que o público se afastava das encenações dos dramas e farsas, levando os

empresários a sérios transtornos financeiros e à aproximação com as elaboradas e

lucrativas encenações das Mágicas, parece ser irrefutável. E mais irrefutável era a

profecia em torno de Eduardo Garrido e do sucesso dessas encenações.

Menos de um ano depois o periódico destaca a encenação de uma obra de

Eduardo Garrido que recebeu uma verdadeira multidão em suas representações: era o Ali-

Babá, encenada pela companhia Heller, no Teatro Phênix, com música original composta

pelo maestro Henrique Alves de Mesquita. A estréia aconteceu em outubro de 1872, e

mais uma vez o periódico Vida Fluminense74 relaciona a presença das Mágicas nos

palcos da capital com a decadência das representações de dramas e comédias e a

disposição do público para o teatro fantástico. E seria exatamente esta pronta

receptividade do público que justificaria, nas palavras do cronista, o empenho da

companhia Heller em não poupar despesas na realização desta montagem.

O autor chama atenção à falta de escola literária do libretista Garrido e à distância

que este toma em relação ao conto original, mas reconhece sua maestria em prender a

atenção da platéia do primeiro ao último ato, bem como a utilização de recursos técnicos

como a prosa rimada e as cenas de efeito. Destaca ainda a atuação dos atores principais

Francisco Lisboa, Correia Vasques, José Severiano da Costa Galvão, Júlia Heller e

Eugenia Câmara, que por sua boa interpretação receberam do público aplausos constantes

e calorosos. Entretanto, são dois elementos que merecem sua maior atenção: os efeitos

cenográficos e a música de Henrique Alves de Mesquita: Ficamos deslumbrados diante de tanta magnificência, e nossa imaginação incitada por cenas tão bem reproduzidas galopava através desses desertos em caravanas, visitando todos os haréns e até fomos a Meca orar sobre o túmulo do Profeta! Á que a ilusão era completa. (...)

73 Vida fluminense. 11 de novembro de 1871. N° 202. 74 Vida fluminense. 26 de outubro de 1872. N° 252. Crônica assinada por P. R.

213

Os coros e os dançados satisfazem por estarem bem ensaiados, e a sua execução em correspondência com o capricho, fantasia e detalhe da peça. Todo o ornado de música, o drama perderia muito de seu efeito se a composição lírica não fosse, como é, de um efeito maravilhoso, acrescendo a isso que, além de bem adaptada ao pensamento literário, tem o grande mérito de ser original. Felicitamos ao ilustre maestro, o Sr. Mesquita, por ter tido mais esta ocasião de exibir os seus talentos, mantendo-se na altura de suas glórias.

P. R. 75

O cronista destaca a elaborada cenografia que permitia a mais completa ilusão em

seu perfeito acabamento. Essa sensação da ilusão, da fantasia descompromissada, foi um

dos elementos que contribuíram para a aproximação e identificação do público com esse

gênero dramático musical. A Mágica obrigava a utilização de um elaborado esquema de

maquinaria, fundamental para a grandiosidade do espetáculo e a criação de efeitos visuais

impactantes. Em outra situação, o cronista do Vida Fluminense tenta de maneira irônica

restringir a Mágica aos efeitos de seus aparatos cênicos, acabando por nos revelar alguns

destes elementos que compunham seus efeitos cenográficos: - Sabe o que é a mágica nos

teatros? Pergunta para responder com humor: “É uma câmara-ótica de vistas, um arsenal

de acessórios, um armazém de costumes, uma fábrica de alçapões, um novelo de cordas,

uma casa de fogueteiro e uma verdadeira sucessão de milagres”. 76

As funções de maquinista (o operador de cenários e efeitos), cenógrafo e

figurinista eram assim elevadas a um grau de importância igual ao dos artistas envolvidos

na encenação, como atesta outra crônica na Vida Fluminense: O futuro é das mágicas, disse eu na minha crônica passada. Só podem duvidar desta profecia os que não tiverem freqüentado a Phênix nestas últimas noites. Os que já se extasiaram perante o dragão, e admiraram a cidade iluminada acreditam piamente como eu, que o salvatério dos teatros repousa agora na exibição desse gênero de peças onde o maravilhoso predomina e o luxo impera. (...) Recebam, pois o autor, o empresário, os atores, o maquinista, o Vasques, o cenógrafo, e o alfaiate as contumelias (sic) a que tem direito. 77

O destaque dado aos cenógrafos responsáveis pelo deslumbramento cenotécnico

torna-se tão dimensionado que, em janeiro de 1890, ao comentar a encenação no Teatro

de Variedades da Mágica Gato Preto, Arthur Azevedo protesta contra os altos salários

recebidos por esses profissionais, o destaque de seus nomes nos anúncios das

75 Idem. Ibidem. 76 Idem. Ibidem. 77 Vida fluminense. 25 de novembro de 1871. n° 204.

214

representações e, sobretudo, o exagero nos efeitos que acabavam sendo colocados no

primeiro plano da encenação, o que ofuscaria a arte de escrever e de representar peças78.

Ao lado das rebuscadas encenações, a música também assumiu importante papel

na receptividade das Mágicas pelo público do Império. Ao levar à cena as formas

populares urbanas, como a polca, o tango e o maxixe, os compositores de Mágicas levam

os sons das ruas para dentro dos teatros, em um processo de apropriação que Vanda

Freire79 compreende como uma “ciranda”. Como nesta dança de roda, sem início nem

fim certo, esta apropriação estabelece um processo onde diferentes percepções se

unificam, gerando, ainda que parcialmente, a sensação de identidade.

O público do teatro por sua vez também tem a possibilidade de se apropriar das

músicas compostas para a Mágica, trazendo essas obras para dentro de suas residências e

salões. Da mesma forma que, durante o período áureo das temporadas de ópera na corte,

era costume arranjar as principais árias ou trechos instrumentais em versão para canto

e/ou piano, o mesmo aconteceu com as Mágicas. Seus temas principais, suas árias mais

melodiosas, os tangos e maxixes que provocavam a excitação da platéia, eram reduzidos

em versões para canto e piano, arranjados em fantasias ou quadrilhas para serem tocados

e cantados na intimidade familiar, nas recepções e saraus.

Grande número de partituras de Mágicas que sobreviveram são exatamente essas

reduções para piano solo ou piano e canto, como podemos observar no exemplo abaixo,

na versão para piano de um Tango da Mágica Ali-Babá de Henrique Alves de Mesquita,

editada pela Casa Viúva Canongia e Cia:

78 AZEVEDO, Artur. Folhetim publicado no Correio do Povo, a 9 de janeiro de 1890. Apud. FARIA, João Roberto. Op. Cit. 173 79 FREIRE, Wanda. Óperas e Mágicas em Teatros e Salões no Rio de Janeiro - Final do Século XIX, Início do Século XX. In: Latin American Musica Review. Vol. 25, n.1. Texas / USA: University of Texas, 2004. Texto gentilmente cedido pela autora.

215

Ilustração 10

Fonte: Biblioteca Nacional. Divisão de Música.

Na impressão dessas partituras dois detalhes chamam a atenção. Primeiro, a

prática de nas próprias publicações se fazer propaganda de outras partituras lançadas pela

mesma casa de impressão. Observando essas listas, podemos constatar a presença

significativa de peças oriundas de espetáculos teatrais (trechos de óperas, operetas,

revistas e mágicas), adaptadas em repertório de salão na forma de fantasias, quadrilhas ou

arranjos dos principais temas para canto e piano.

Dentro desse universo de peças oriundas de espetáculos teatrais e impressas para o

consumo do público, destaca-se a presença das formas populares urbanas. Assim, além da

receptividade das composições realizadas para as encenações dramático-musicais,

observa-se a circularidade desse material, deslocado em uma primeira ação para o teatro,

e em seguida conduzido em novas versões aos salões, ao uso cotidiano. Em uma possível

terceira ação, este material volta aos próprios teatros e outros espaços de prática musical

na forma de peças de concerto.

A apropriação da Mágica pelo público da Corte toma um vulto de dimensão

inquestionável. Novamente o periódico Vida Fluminense nos oferece uma bem humorada

216

visão desse fenômeno: o cronista que assina com o pseudônimo de X. reconhece as

qualidades das encenações dramáticas produzidas no Teatro Ginásio pelo seu diretor,

José Antonio do Valle, embora a ausência de público demonstrasse exatamente o

contrário. Diante desta s

pertório interpretado por atores de primeira rre às mágicas.

Ele tem artes para encher o Cassino sete noites por semana, e acredita, meu 80

ento assume sua condição ativa na determinação das linhas estéticas a serem

s intenções de intervenção social marcada pelo discurso da modernidade e

ituação, somente uma solução: Luta o empresário para dotar a capital do Império com um teatro que mostre o nosso adiantamento em matéria de bom gosto, e o público deixa-lho às moscas! Não tens outro recurso diante de ti, meu pobre Valle: põe de parte a realização da idéia, ante a qual o próprio Governo recuou; não apenas penses mais na criação de uma cena, onde o bom re

oplana, seja o principal atrativo,e recMágicas meu bom amigo, mágicas. O povo quer divertir-se, diverte-o. Talvez a consciência te chore; mas olha, isto de consciências sem vintém é coisa que não enche a barriga. Resigna-te, meu Valle: pede lições ao Martins sobre as nossas tendências teatrais e verás se o conselho te aproveita ou não.

Valle, que ninguém lá vai pelos seus belos olhos.

Essa pequena crônica nos revela as tensões que permeavam as produções

artísticas daquela época. De um lado a tensão interna entre os agentes que desenvolviam

essa ou aquela linha de encenação, representada na contínua oposição entre Mágica e

teatro de “bom gosto”; a tensão entre o Governo, que encerra a prática das subvenções, e

os agentes responsáveis pela produção de um teatro de cunho civilizador ou moralizante,

entregues a uma sensação de abandono; a tensão entre esses agentes e o público, que

nesse mom

seguidas.

A ação social representada em um projeto de teatro civilizador, sonhado pelos

literatos que utilizavam o palco, a imprensa e o Conservatório Dramático na propagação

de sua visão de mundo, enfrenta seus limites diante da falta de apoio financeiro do

Governo e do pouco interesse do público. Qualificar de maneira negativa essas novas

tendências, marcadas por recursos da cultura popular urbana, era o que restava para

nobilitar sua

civilização.

Entretanto, para além de um processo de decadência ou vulgarização que os

literatos tentaram atribuir às novas tendências artísticas, o que se viu foi um processo de

transformação no qual as práticas culturais refletiam e correspondiam à sociedade na qual

80 Vida Fluminense. 21 de setembro de 1872. N° 247

217

estavam inseridas. Empresários, atores, autores e músicos foram sensíveis a esta

transformação, oferecendo produtos culturais longe dos idealizados pelos homens de

letras, mas próximos a uma população cada vez mais heterogênea e carente de voz e

rosto. Assim, a Mágica foi um dos primeiros gêneros dramático-musicais no qual o

res, foi a Mágica. Desta

forma p

e Azevedo e Moreira Sampaio –, que o gênero fixa sua trajetória nos palcos

nacion

público das cidades viu reproduzidos os sons das ruas e as vozes de seus habitantes.

Como citamos anteriormente, Agrário Menezes previa que a cena lírica seria o

teatro da civilização moderna, a perfeita junção de dois elementos distintos e

complementares. Com certeza, imaginava a ópera italiana como modelo dessa perfeita

junção, mas na dinâmica livre da sociedade o modelo que iria realizar essa síntese de

maneira mais completa, com a inclusão de elementos popula

odemos concebê-la como uma ópera popular nacional.

As influências da Mágica na produção teatral não demoraram a surgir no cenário

do Império. Operetas-fantásticas e operetas cômico-fantásticas, peças-fantásticas,

tragédias-fantásticas e dramas-fantásticos, e, mais posteriormente, as revistas-fantásticas

e cômico-fantásticas, denunciam a apropriação que os autores realizaram para adequar e

atender à demanda do público. Alguns autores, como Vanda Freire e Paulo Queiroz81,

observam as semelhanças entre Mágicas e revistas; porém, vale lembrar que embora a

primeira revista tenha sido apresentada em 185982, é somente em 1884, com o Mandarim

– parceria d

ais.

Podemos assim afirmar que, quando a revista sedimenta-se como um gênero no

Brasil, a Mágica já estava estabelecida tanto em sua forma como em sua receptividade

pelo público. É certo que na dinâmica de suas trajetórias os dois gêneros irão se

aproximar, apropriando-se de características antes restritas a um ou a outro. A revista

utilizará o elemento do fantástico em sua construção, bem como a Mágica irá utilizar o

81 QUEIROZ, Paulo Sérgio Trindade. A Mágica e sua inserção nos processos culturais do Rio de Janeiro: Final do século XIX e inicio do século XX. Dissertação de mestrado. Escola de Música da UFRJ, Janeiro de 2004. 82 A primeira revista apresentada no Brasil foi As surpresas do Sr. Piedade, de Figueiredo Novais. As próximas revistas representadas antes de O Mandarim, foram Rei morto, rei posto de Joaquim Serra, apresentada no Teatro Vaudeville em 1875 e, em 1878, Rio de Janeiro em 1877, de Artur Azevedo, encenada no Teatro S. Luis. Sobre o tema, ver: RUIZ, Roberto. O teatro de revista no Brasil: das origens à primeira guerra mundial. Rio de Janeiro: INACEN, 1988. VENEZIANO, Neyde. O teatro de revista. In: O teatro através da história. Carlinda Fregale Pate Nuñez et alii. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil; Entourage Produções Artísticas, 1994.

218

relato e

Pataca, em

referência à desvalorizada moeda brasileira. O momento de destaque dessa personagem

acontece no segundo ato

A pataca antigamente taí quem sabe informá era muito mais decente, era

moeda brasileira. Entre os resultados desta reforma urbana encontra-se a

demoli

a crítica do cotidiano como elemento narrativo, fato mais perceptível no final do

século XIX e início do XX.

Um exemplo dos resultados desta dinâmica pode ser observado na Mágica A

Rainha da Noite, música de Barroso Neto83, datada de 1905 e sem informações sobre

data e local de estréia. Em meio a um enredo que mistura personagens fantásticos como

satanases, o rei de latão e a rainha da noite, aparecem as brasileiríssimas figuras do

malandro e da mulata maxixeira. A mulata, segundo Neyde Veneziano84, é tipo

paradigmático da revista, e, na Rainha da Noite, apresenta-se personificada na

, 11º quadro, com apresentação do maxixe da pataca: Sou a pataca do pobre, sou dinheiro populá. Não brio por sê de cobre, mas ora, Deus, não faz má. Vaio trezentos e vinte, trezentos e vinte só. Mas como eu não há quem pinte, não há quem se dê mió. Não sou de oiro nem de prata, mas não é por me gabá o maxixe esta mulata mostra saber maxixá.

preço de jorná. Mas chegando o bota abaixo tudo, tudo se mudou, de dez tostões para baixo, dinheiro não tem valo.

Neste exemplo podemos observar a assimilação de elementos peculiares à revista

pela Mágica como a tipificação social, o relato e a crítica de acontecimentos cotidianos

recentes. A mulata era aqui associada a uma moeda de baixo valor, ao uso popular da

língua portuguesa e, sobretudo, atrelada ao imaginário sensual da dança do maxixe. O

relato e a crítica social aparecem nas alusões ao bota abaixo, a reforma urbana

empreendida por Pereira Passos, e que entre suas conseqüências obriga a população

pobre a se deslocar do centro da cidade para bairros distantes ou morros adjacentes. Além

das mudanças geográficas havia o desmonte de uma trama complexa de relações sociais e

seus reflexos econômicos, aludidos no Maxixe da Pataca através da referência à perda do

valor da

ção, em 1905, do Teatro Phênix Dramática, berço importante das encenações de

Mágicas.

83 Paulo Sérgio Queiroz afirma que na partitura do terceiro ato existe uma indicação ao texto de Artur Azevedo. J Galante lista A Rainha da Noite como uma das obras de Raul Pederneiras. QUEIROZ, Paulo Sergio. op. cit, p. 110. GALANTE, J. op. cit, p. 404. 84 VENEZIANO, Neyde. O teatro de revista. In: O teatro através da história. Carlinda Fregale Pate Nuñez et alii. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil; Entourage Produções Artísticas, 1994. p. 152.

219

Essa apropriação de elementos da revista pela Mágica pode ser uma das

explicações para a gradual dissipação das encenações deste gênero dramático-musical, o

que acontece a partir da primeira década do século XX. A este fato agrega-se a divisão

dos espaços de atuação dos agentes culturais envolvidos na produção desses espetáculos.

No período que compreende os decênios de 1860 e 1870, as representações de Mágicas

ocorriam nos teatros São Pedro, Ginásio Dramático, São Luis, Cassino e Phênix

Dramática. Os três primeiros tidos como símbolos do teatro erudito. Os teatros Ginásio e

São Luis foram palcos dos dramas realistas, e o São Pedro dos dramas vitorianos e

franceses do repertório de João Caetano. Eram freqüentados por parte da população que

podia

va denominação do Teatro Cassino a partir de 1880), Lucinda, Recreio

Dramático, Variedades, Éden Lavradio . Dentre as 78 Mágicas catalogadas

encontramos 29 ref rências sobre os es s i t i ídos na seguinte

proporção: Tabela 7

as Mágicas nos Teatros 1905)

arcar com o elevado preço de seus ingressos e exibir as luxuosas toaletes

costumeiras entre os freqüentadores 85. Porém, eram os teatros Cassino e Phênix

Dramática os responsáveis pelo maior número de encenações de Mágicas.

A partir do decênio de 1880, a Mágica passa a ocupar os palcos dos teatros

Santana (no

e Apolo

e paço cên cos u ilizados, d stribu

Ocupação d (1888- 1888 1890 1895 1899 1900 1905

Teatro Santana 45%

Teatro Apolo 19%

Teatro Lucinda 12%

Teatro Variedades 12%

Teatro Recreio Dramático 4% Teatro Éden lavradio 8%

Fonte: vários

Para podermos estabelecer uma relação entre os teatros ocupados pela Mágica e

pela revista, realizamos um levantamento dos espaços de encenação das revistas de Artur

Azevedo, Moreira Sampaio, Oscar e Raul Pederneiras e da maestrina Chiquinha

Gonzaga86, profundamente identificados de encenação.

com a produção deste gênero

85 LIMA, Evelyn Furquim Werneck. Arquitetura do espetáculo: teatros e cinemas na formação da Praça Tiradentes e da Cinelandia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000. p. 84 86 As listagens das obras de Artur Azevedo, Moreira Sampaio, Oscar e Raul Pederneiras foram retiradas do livro O teatro no Brasil de J. Galante. A listagem das obras de Chiquinha Gonzaga foi retirada do livro Chiquinha Gonzaga de Edinha Diniz. GALANTE, J. O teatro no Brasil. Op. cit. DINIZ, Edinha. Chiquinha Gonzaga: uma história de vida. Rio de Janeiro: Record, 1999.

220

Totalizamos 29 referências sobre esses espaços, e os teatros listados foram exatamente os

mesmos das encenações de Mágicas, distribuídos nesta proporção: Tabela 8

ação das Revistas nos Teatro -1905) Ocup s (1888

1888 1890 1895 1899 1900 1905

Teatro Apolo 31% Teatro Recreio Dramático 23%

Teatro Lucinda 19%

Teatro Variedades 15% Teatro Santana 8%

Teatro Éden lavradio 4% Fonte: J. Galante e Edinha Diniz

O Teatro Apolo foi, em seu curto período de funcionamento, entre os anos de

1890 e 1916, o grande centro das representações de Mágicas e revistas. Evelyn Lima87

afirma

teatro era

denom

ios, identificado como “ligeiro”, permitiam um

comportamento mais d

possibilitava uma freqü

discorrer sobre o Teatro(...) Isto significa simplesmente que a opereta é de todos os trabalhos

nde a atenção e que nos merece alguns desvelos.

que o Apolo era um dos melhores teatros da área da Praça Tiradentes, e entre

outros grandes momentos, foi em seu palco que representou, em outubro de 1905, a

célebre atriz francesa Sarah Bernhardt, em sua última apresentação no Brasil.

O Teatro Santana, entretanto, desponta como o palco preferencial das encenações

de Mágicas. O início destas representações data do decênio de 1870, quando o

inado Teatro Cassino, e perduraram até o início do século XX, quando é

reformado por Paschoal Segreto e passa a se chamar Teatro Carlos Gomes. Nas décadas

de 1920 e 1930 vai ser o palco preferencial dos grandes espetáculos de revista.

Como todos os teatros relacionados88, o Santana estava localizado nos arredores

da Praça Tiradentes, que no final do século XIX tornou-se o centro da boemia e ponto de

encontro dos artistas. Pelas suas próprias características arquitetônicas, como também

pelo caráter de seus repertór

esenvolto e de menos ostentação de seu público. Este aspecto

ência bastante heterogênea, como demonstra Aluízio Azevedo ao

Santana:

literários o único que nos pre

87 LIMA, Evelyn Furquim Werneck. Op. Cit. p.117 88 O Teatro Variedades, que depois de 1900 havia se transformado no Moulin Rouge Café-Concerto, em 19passa a se chamar S. José. O Teatro Recreio Dramático existiu até o ano de 1933, enquanto o Teatro Lucindaclamado como o primeiro teatro a utilizar a iluminação elé

03 a,

trica e por suas amplas galerias perfeitamente

1895 e 1899. ventiladas88, passa a ser denominado, em 1909, Teatro Novidades. O Éden Lavradio teve curto período de funcionamento entre os aos de

221

E se assim não fosse, o Santana não seria o teatro mais popular, mais

o e compartilhamento não se dava apenas nesse

aspecto

i ões

Nunes

de Arthur Napoleão. Furtado Coelho anos

depois

procurado e mais querido, não só do público grosso (grifo nosso), mas igualmente do público escolhido e da imprensa e até, valha-nos a paciência, até de sua Majestade, o senhor Imperador. 89

Portanto podemos notar que a Mágica rivalizava com outros gêneros dramático-

musicais, entre eles a revista, nas disputas pelos mesmos espaços e, possivelmente, pelo

mesmo público. Mas esse dado de tensã

. A Mágica, a revista e outros gêneros musicais compartilhavam os mesmos

empresários, autores, atores e músicos.

A primeira encenação de Mágica no segundo reinado já seria fruto desse

compartilhamento “indiscriminado”. Segundo Artur Azevedo, foi João Caetano,

reconhecido ator dramático e empresário do Teatro São Pedro, o responsável pela

introdução da Mágica no Rio de Janeiro. Caetano trouxe de Portugal o ator José S m

Borges, e com este encenou a Romã Encantada. Diz Azevedo90 que “efetivamente,

antes da Romã Encantada, nenhuma outra peça do gênero foi aqui representada”. 91

A próxima encenação de que se tem notícia foi o Remorso Vivo, encenada no

templo do teatro realista, o Ginásio Dramático, em 1867. O texto é de Furtado Coelho,

Joaquim Serra e Machado de Assis, a música

seria o responsável pela construção do Teatro S. Luis, palco importante para a

explosão das Mágicas na capital do Império.

89 AZEVEDO, Aluísio. Nosso Teatro. Gazeta da Tarde. Rio de Janeiro, 8 de fevereiro de 1882. Apud. FARIA, João Roberto. Op. Cit. p. 582 90 AZEVEDO, Artur. Em defesa. Publicado no jornal O País, 16 de maio de 1904, Rio de Janeiro. Apud. FARIA, João Roberto. Op. Cit. p. 609 91 Apesar desta afirmação de Artur Azevedo, a pesquisadora Vanda Freira destaca a presença esporádica da Mágica nos palcos do Rio de Janeiro: “A referência mais antiga que encontramos à Mágica, até o presente momento, embora não possamos precisar se já se reporta especificamente ao gênero em questão, está na Gazeta do Rio de Janeiro, de 25 de janeiro de 1815, que anuncia para o Teatro São João a nova comédia mágica, intitulada o Mágico em Valença. Outra referência antiga está no Jornal do Comércio, de 31 de agosto de 1833, que anuncia para 1 de setembro, no Teatro Constitucional Fluminense (denominação, à época, do teatro S. Pedro), a peça mágica Adele e Alfeno, ou a Tirania Castigada, pela companhia cômica, em dois atos. O periódico O Despertador, de 24 de abril de 1838, anunciou o drama mágico em três atos O Gênio do Bem ou Os Mouros de Ormuz, e, em 29 de outubro do mesmo ano, a comédia mágica em três atos O Mágico em Catalunha ou O Mouro Beneficente”. FREIRE, Vanda. A Mágica: Um gênero musical esquecido. In: OPUS-Revista Eletrônica da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – ANPPOM. Volume 6, Outubro de 1999. Texto gentilmente cedido pela autora.

222

Outros empresários responsáveis pela expansão desse gênero nos palcos cariocas

foram Eduardo Garrido, Antonio de Souza Martins e Jacinto Heller. Garrido, ao lado de

ter seu nome associado às representações de Mágicas na capital, em sua longa carreira

como empresário atuou na produção das mais diversas encenações do teatro musicado.

Martins iniciou sua carreira teatral como ator do Teatro S. Pedro, em 1854, quando ali

ainda era João Caetano o empresário. Foi contratado das companhias de Furtado Coelho e

de Bra

s diversos gêneros do teatro dramático-musical.

Recebi

araci.

gêneros dramático-musicais. É curioso observar que as parcerias eram

costum

ga Junior antes de se tornar o empresário do Teatro Cassino e de promover

encenações de Mágicas, que, nas palavras do cronista da Vida Fluminense,

correspondiam a inundação na sala, a cobre grosso na gaveta e a sorriso perene nos

lábios do Martins. 92

Jacinto Heller tem uma longa história no teatro brasileiro. Como ator, foi

contratado pelas companhias de João Caetano e de Joaquim Heliodoro. Em 1870, ao

assumir o Teatro Phênix, iniciou a carreira de empresário, formando a Companhia Heller,

que até o ano de 1905 estaria em atividade nos palcos cariocas. Heller é o nome mais

significativo do compartilhamento entre o

a aplausos por suas produções de Mágicas93; tinha forte presença nas produções de

operetas e revistas de Artur Azevedo e Moreira Sampaio e nas paródias realizadas pelo

ator Vasques, bem como podemos encontrá-lo na direção de dramas, como o Novo

Guarany, de Corina e Visconti Co

Essa múltipla atuação do empresário fica mais clara quando a partir do final do

século XIX surgem as companhias de operetas, mágicas e revistas. Com esta

denominação tiveram companhias os empresários Pepa Ruiz , Paschoal Segreto, Dias

Braga e o próprio Jacinto Heller.

Entre os autores de Mágicas encontramos com uma representativa produção os

nomes de Moreira Sampaio, Eduardo Garrido, Artur Azevedo, Orlando Teixeira, Augusto

de Castro, Soares de Souza e Vicente Reis. Todos esses reconhecidos escritores dos mais

diversos

eiras, o que demonstra a rede de relacionamentos criada por esses dramaturgos.

Neste aspecto, destaca-se o nome de Moreira Sampaio e sua capacidade de criação

92 Vida Fluminense. 28 de setembro de 1872. n° 248. 93 Vida Fluminense. 26 de outubro de 1872.n° 252.

223

coletiva, associando-se a nomes como Artur Azevedo, Orlando Teixeira e Eduardo

Garrido.

Entre os atores figuram os nomes de Francisco Lisboa, José Severiano da Costa

Galvão, Júlia Heller, Eugenia Câmara, Isabel Porto e João Cólas. Mas merecem especial

destaque os nomes de Francisco Correia Vasques e Xisto Bahia. Correia Vasques tem seu

nome

tes de Oliveira, e torna-se um dos

mais r

ares da música popular brasileira, sendo o primeiro compositor a publicar um

tango

ligado à Mágica ainda na década de 1870, nas montagens do Teatro Phênix.

Entretanto, em suas atuações e como autor de paródias, burlescas e paródias-fantásticas,

atinge um universo muito mais amplo, tornando-se uma importante referência na prática

do teatro musicado oitocentista94. Apresenta-se pela última vez em 1892, no Teatro

Apolo, fazendo papel de Tribofe, na revista de mesmo nome de Artur Azevedo.

Xisto Bahia foi um dos mais proeminentes atores do teatro musicado no Brasil do

século XIX. Iniciou sua carreira profissional em 1859, na companhia lírica de Clemente

Mugnai, no Teatro São João da Bahia. Viajou pelo norte do país como membro de

companhias dramáticas, entre elas a Companhia de Mágicas de Lopes Cardoso. Em 1875

vem ao Rio de Janeiro na companhia de Vicente Pon

equisitados atores da capital. Nesta cidade trabalhou para as companhias de

Furtado Coelho, Jacinto Heller e Braga Junior, realizando com esta, como diretor da

companhia, produções de revistas e mágicas no Teatro Lucinda, em 1897. Encerrou sua

carreira como membro da Companhia Garrido, sendo seu último espetáculo a Mágica O

filho do averno, encenada em 1892, no Teatro Apolo.

Entre os compositores de Mágicas, indubitavelmente o nome de Henrique Alves

Mesquita é o que mais se destaca no decênio de 1870. Mesquita foi o grande responsável

pela parte musical das mais variadas produções do teatro oitocentista. Sua obra se tornou

um dos pil

brasileiro, forma que seria explorada aos extremos por Ernesto Nazareth95. Na

Mágica Ali-Babá, de 1872, Mesquita incorpora o tango brasileiro à Mágica, abrindo

94 SOUZA, Silvia Cristina Martins de Souza. Um Offenbach tropical: Francisco Correa Vasques e o teatro musicado no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX. In: Histórias e Perspectivas, Uberlândia (34): 225-259, jan.jun.2006. Disponível em http://www.historiaperspectivas.inhis.ufu.br/include/getdoc.php?id=43&article=33&mode=pdf. Acessado em 21 de junho de 2007. 95 Ernesto Nazareth (1863-1934). Pianista e compositor reconhecido como um dos mais importantes na música brasileira. Foi o grande sedimentador do tango brasileiro, escrevendo mais de noventa obras com esta forma, utilizando diversas denominações, como tango característico, tango carnavalesco, tango meditativo, tango de salão, tango fado, tango habanera, tango milonga e etc.

224

portas para que as formas musicais urbanas, entre elas o maxixe, se incorporassem a esse

gênero, permitindo a circularidade destas formas pelas diversas camadas da sociedade

brasileira.

Nas décadas seguintes outros nomes de relevo na música brasileira agregam-se ao

de Mes

ilizando as formas do “popular”

acabara

máticos

musica

egressou ao Rio de Janeiro em 1872, após completar seus estudos no

Conser

teatro musicado.

, de

quita como importantes compositores de Mágicas. Entre eles destacamos Abdon

Milanez, Assis Pacheco, Barroso Neto, Chiquinha Gonzaga, Costa Junior e Cavalier

Darbilly. É importante ressaltar que, diferente da revista, a Mágica se caracteriza por ter

música composta por um único autor, criada especificamente para cada peça96, o que

demanda do artista um alto conhecimento de orquestração, harmonia e escrita para a voz.

Esses requisitos técnicos obrigavam o envolvimento nessas produções de

compositores de sólida formação erudita, que ut

m criando um produto cultural distinto. Este produto, até a entrada das

transmissões de rádio nas décadas de 1920 e 1930, tinha no teatro musicado seu mais

importante meio de circularidade. Portanto, se a Mágica e outros gêneros dra

is impulsionaram uma transformação da linguagem teatral, o mesmo se pode

afirmar em relação à linguagem e práticas musicais.

Com a Mágica inicia-se um processo, onde a música vai estar fortemente

vinculada às encenações teatrais em seus mais diversos gêneros. E entre os agentes

musicais que atuaram ativamente neste processo, encontramos Cavalier Darbilly.

Darbilly r

vatório de Paris, encontrando a cidade tomada pelas encenações de Mágicas, nas

quais se destacava a figura de Henrique Alves Mesquita, então maestro do Teatro Phênix.

Após se fixar como professor do Conservatório de Música e tentar ocupar um posto na

Capela Imperial, Darbilly inicia seu percurso em direção a um outro espaço de atuação: o

Assim, em 1879, assinava a partitura de três importantes produções teatrais: em 3

de março estreava no Teatro Phênix Dramática a farsa em um ato Amor por Anexins

Arthur Azevedo; em outubro, no Teatro S. Pedro, o drama As mulheres do mercado, uma

96 Encontramos entre as mágicas catalogadas, apenas dois exemplos que quebram essa regra. Estão incluína segunda fase da Mágica, quando esta se apropria de alguns elementos da revi

das sta. A primeira é A bicha de

sete cabeças, já citada anteriormente e a Filha do fogo, música do maestro português Ciríaco Cardoso, Offenbach e Lecoq. O texto é uma tradução livre de Artur Azevedo.

225

tradução de Artur Azevedo da obra de Anicet Bourgeois e Michel Masson97; e em

novembro, no mesmo Teatro S. Pedro A Torre Negra, encenada pela companhia de

Guilhe

além de compor algumas partes foi o responsável pela coordenação e

sultou na revista D. Sebastiana, encenada em 22 de janeiro de 1889 no

Teatro

acidade de criar redes de relacionamento e parcerias de

sucesso

rme Silveira. 98

A parceria com Azevedo renderia muitas outras obras, como a revista cômica

Cocota, representada em 6 de março de 1885 no Teatro Santana; e a revista O Carioca,

representada no dia 31 de dezembro de 1886 no Teatro D. Pedro II, ambas com texto de

Artur Azevedo e Moreira Sampaio. Nesta revista, que utilizava música de vários

autores99, Cavalier

arranjos das obras.

Com Moreira Sampaio, Cavalier Darbilly produziu, além de sua Mágica Pandora,

estreada no dia 7 de outubro de 1896 no Teatro Recreio Dramático, as comédias

Mulheres garantidas por atacado e a varejo, e Os Botucudos, ambas encenadas no

mesmo teatro, em 17 de junho de 1882 e 30 de setembro de 1882, respectivamente. Esta

parceria ainda re

Santana.

Com o jornalista e literato França Junior, Darbilly realizou a comédia Como se

fazia um deputado, encenada em 1882 no Teatro Recreio Dramático, e em 1884, no

Teatro da Paz, em Belém. É claro o envolvimento de Darbilly com os grandes autores

teatrais de sua época, o que demonstraria seu prestígio entre os literatos. Entre os seus

companheiros músicos essa cap

não parecia ser menor.

97 No Jornal do Comércio encontramos um grande anúncio sobre essa peça: Teatro São Pedro de Alcântara: Companhia Dramática dirigida pelo Artista Guilherme da Silveira. Hoje, quarta 1 de outubro. Esplendido sucesso! Novidade: Quarta representação do magnífico drama em 1 prólogo e 5 atos, divididos em 7 quadros,ornado em música e bailados, original francês de Anicet Bourgeois e Michel Masson, tradução do muito festejado escritor Arthur Azevedo. As mulheres do Mercado. Tomam parte os artistas Guilherme da Silveira, Silva Pereira, Areas, Ferreira, Phebo, Pereira, Lopes, Marques, Pecedo, Villas, Mello, Germano, Souza, Alberto, DD. Apolônia, Gertrudes, Dolores, Ignez, Lucinda, Vicência, Amélia.

Título dos quadros: 1° O incêndio; 2° A colareja do Rei; 3° O jogo da loteria; 4° O ramilhete!; 5° A prisão; 6° O carnaval de Paris!; 7° A justiça de Deus. Música do Maestro Cavalier. O bailado é ensaiado pelo artista coreógrafo E. Poggiolesi. Mise-en-scene do artista Amoedo. Principiará as 8 e 1/4 e terminará as 11 ½. Jornal do Comercio: 1 de outubro de 1879; Rio de Janeiro, ano 58, n° 273. p. 6 98 No Jornal do Comércio encontramos o anuncio: Teatro São Pedro de Alcântara, A Torre Negra, de Paul Feval e Ponson du Terrail. Música de Cavalier Darbilly. Companhia de Guilherme Silveira. Com a atriz Ismênia Santos e Guilherme Silveira. Jornal do Commercio. Sábado, 15 de novembro de 1879. Ano 58, nº 318 99 A revista utilizava obras de Offenbach, Genée, Audran, Sullivan e L. Gregh, Abdon Milanes, José Simões, além do próprio Darbilly.

226

Em 12 de janeiro de 1886, no Teatro Santana, ocorreria a estréia de A mulher

homem, de Valentim Magalhães e Filinto de Almeida. Era uma revista cômico-fantástica

dos acontecimentos de 1885, e que pelo gênero utilizado parecia mesmo ser uma síntese

da prática musical de Darbilly no espaço do teatro: em um só espetáculo a revista, a

coméd

haveria a amargura. Não percebia Azevedo a íntima

associa

ociais do espaço urbano, desorganizava e questionava a visão centralizada,

ia e o fantástico das Mágicas. Para tal empreitada, Darbilly foi cercado de grandes

nomes da música nacional, parceiros nas composições utilizadas na encenação: o

aclamado Henrique Alves de Mesquita; o mineiro Miguel Cardoso, formado no Real

Conservatório de Milão, autor da opereta fantástica Ramo de Ouro100; a pianista,

maestrina e compositora Chiquinha Gonzaga, um dos grandes pilares da música popular

brasileira; e Henrique Magalhães, possivelmente o irmão de Valentim Magalhães, autor

entre outras obras da Mágica A mosca azul.

Percebe-se mais uma vez que a prática do teatro musicado tecia uma enorme rede

de relacionamento que se cristalizava em uma ação cultural de grande efeito social. Esta

ação estava longe dos ideais moralizantes e formadores, sonhados pelos literatos que não

cansavam em denegrir e reprovar a transformação que ocorria nos palcos brasileiros.

Aluísio de Azevedo afirmou, em 1882, que o teatro acompanha as transformações de seu

tempo e “toma feição e sabor do povo que representa”, e conclui com alguma amargura:

Nós nos fazemos representar no teatro pela mágica e pela opereta. 101

Talvez naquele momento Aluísio Azevedo não pudesse entender a exata dimensão

de suas palavras, do contrário não

ção entre muitos dos textos produzidos no teatro musical e a matéria histórica de

seu tempo; o fato de que, através destes, era dada voz a muitos segmentos sociais

ignorados, por exemplo, pelos dramaturgos realistas; que através da exposição de

assuntos do cotidiano, abriam-se novos espaços de debates e trocas de experiências. E,

sobretudo, não se atentava ao fato de que se o público foi a elas receptivo é porque o que

era ali vinculado falava diretamente a ele, sobre ele, à maneira dele, possibilitando novas

dimensões à sua existência social.

Dissemos no começo deste capítulo que a cultura popular, impregnada das

contradições s

100 Libreto de Eduardo Garrido, tradução da peça Chatte merveilleuse, de Dumanoir e Enery e adaptada por Moreira Sampaio. Apresentada em 6 de março de 1888, no teatro Santana, pela companhia Heller. 101 AZEVEDO, Aluisio. A flor-de-lis. Gazeta da Tarde. Rio de Janeiro, 3 de fevereiro de 1882. Apud. FARIA, João Roberto. Op. Cit. p. 577-578

227

homog

ção identitária, sob a longa batuta do

Impera

lma, da poesia austera e pura, da feição

melanc

dos os detalhes, pendendo a cabeça, levantando a perna, fechando os olhos

nos mo

ênea e paternalista da cultura nacional, idealizada pela elite letrada do Império.

Esta noção orgânica da cultura nacional servira durante os anos de predomínio de uma

classe senhorial e a seus processos de constru

dor. Agora, instituída a articulação com a vida e a cultura popular, esse processo

se estabelece exatamente na ruptura com a prevalência do Estado sobre uma massa

amorfa de indivíduos e com seus processos de construção de uma cultura homogênea e

centralizada.

Neste ponto, cabe citar um conto de Machado de Assis102 intitulado O Machete103

(1878). Nele, Assis apresenta a história do violoncelista Inácio Ramos e sua esposa

Carlotinha, e um tocador de machete, o Barbosa.

Ao primeiro era reservado o âmbito da a

ólica e severa. Morava em lugar afastado, em um dos recantos da cidade alheio à

sociedade que o cercava e que não o entendia; quando executava seu instrumento entrava

em uma espécie de transe: “não via a mulher, nem o lugar, nem o instrumento sequer”.

Ao segundo era destinado o mundo dos “nervos”; quando tocava, o corpo acompanhava a

música em to

mentos “patéticos”. “Ouvi-lo tocar era o de menos; vê-lo era o mais. Quem

somente o ouvisse não poderia compreendê-lo”.

Carlotinha, a esposa amada do violoncelista, não alcançava o amor de Inácio pelo

violoncelo e sua música melancólica, mas “acostumara-se a ouvi-lo, apreciava-o, e

chegara a entendê-lo alguma vez”. Ao ouvir o machete de Barbosa, entretanto,

reconheceu a “infinita graça e vida naquela outra música, e não cessava de o elogiar em

toda parte”.

O sucesso alcançado por Barbosa junto à esposa leva Inácio a um mergulho na

preocupação e tristeza, até que revela em desespero: “estou arrependido do violoncelo; se

eu tivesse estudado o machete!”, e ainda pensa em outra possibilidade (colocada como

uma ironia?): “penso em fazer uma coisa inteiramente nova; um concerto para violoncelo

e machete.” O final da história é marcado pelo anúncio de Inácio: “ela foi-se embora, foi-

102 Machado de Assis. “O machete”. In: Obra completa v. II , org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1962, p. 856-865. 103 Machete: Pequena viola de quatro cordas, popular em Portugal e no Brasil, também conhecida como cavaquinho. Apud. Mário de Andrade. Dicionário Musical Brasileiro. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros: Editora da Universidade de São Paulo, 1989. p.295

228

se com

apreciá-la, mas no encontro com a música popular urbana, sem

escond

Essa dinâmica obriga um

rearran

o com o

teatro musicado encontra paralelo na função que Michel de Certeau destina aos contos e

lendas104, como um espaço excetuado e isolado das competições cotidianas, revelando-se

em aspectos que incluem o maravilhoso, o passado, as origens. Assim, vestidos como

deuses ou heróis, modelos são expostos e tornam-se passíveis de serem utilizados na vida

cotidiana. A própria formalidade das práticas cotidianas e suas relações de força são

invertidas nessas obras, garantindo ao oprimido a vitória em um espaço maravilhoso,

utópico. Desta forma, é na Mágica que a população urbana da capital do Império encontra

a possibilidade de redimensionamento da dura realidade da ordem estabelecida.

o machete. Não quis o violoncelo, que é grave demais. Tem razão; machete é

melhor”.

Machado de Assis, com seu estilo inconfundível, revela de maneira clara a tensão

que permeava naquele momento a relação do erudito com o popular na cultura musical

brasileira. Inácio, a personificação da música culta, reservada às coisas da alma, mora

distante, isolado da sociedade que o cerca e não o entende. Esta sociedade, até se

acostumara a ouvi-la,

er sua empolgação, não cessa de elogiá-la “em toda parte”.

A música “elevada”, outrora hegemônica, agora se confrontava com outro gênero,

que não somente ameaçava a sua prática como o seu espaço social. Ao sair das ruas e

invadir o teatro, as formas populares urbanas ocuparam um lugar de atuação antes

reservado aos apreciadores e agentes da música erudita.

jo de posições e conquistas de espaços, pois o público, como Carlotinha, preferia

cada vez mais a música dos “nervos”, reconhecendo nela sua voz e a expressão de suas

vivências cotidianas.

Neste sentido, vamos observar que os espaços de práticas musicais vão estar

territorialmente demarcados no final do Império de acordo com seu repertório. Os clubes

e o Conservatório de Música exercitam a música instrumental de concerto; o Teatro D.

Pedro II é o templo da ópera; e nos teatros-campestres as Mágicas, operetas e revistas,

desfrutam as atenções de grande parte da população urbana.

A contribuição da Mágica neste processo de identificação da populaçã

104 CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. pp. 84-85.

229

Capítulo 5

– Mágicas Tensões –

Através da análise da documentação da Questão Cavalier, notamos que para

além das demandas materiais e de direito, um embate era travado em torno da ocupação

de um lugar de prestígio. Figurar entre os escolhidos a participar da instituição modelar

de ensino musical era ocupar uma posição de destaque no seio da “sociedade dos

músicos”, agora sob a égide da nova ordem republicana. Para atingir essa finalidade

seus agentes não se furtavam às mais diversas estratégias, incluindo o acionamento de

uma rede de relações que perpassava por vários níveis da hierarquia social e política da

capital, ligadas ao centro do poder.

Entretanto, o que estava em jogo era a própria consolidação deste espaço e suas

atribuições estéticas, doutrinárias e metodológicas. Desta forma, o impedimento a

Cavalier não se resumiria ao impedimento imposto a um indivíduo, mas também ao que

se apresentava nas práticas e no prestígio alcançado por este, em sua trajetória social.

Tratava-se da afirmação do direito de poder dizer quem era digno de ser chamado

músico, e qual música era digna de ser reconhecida como arte. A Questão Cavalier foi

um embate que envolvia relações de poder e práticas culturais e as conseqüentes

disputas por sua legitimação.

Na “República Musical”, embasada em um projeto estético e ideológico que a

colocava como detentora e propagadora da música culta, elevada, não cabia a presença

de uma prática musical identificada com os termos mais baixos, ligada a formas

populares urbanas. Contudo, na dinâmica das mudanças que se impunham à sociedade –

com a consolidação do regime republicano e sua inserção num mundo cosmopolita e

cada vez mais movido pelas engrenagens do capital –, essa posição assume vários

matizes.

Assim, cabe relembrarmos no percurso da Questão Cavalier os discursos

utilizados na fundamentação do afastamento do artista. Se em um primeiro momento a

falta total de méritos era o argumento principal, gradativamente este se reveste de

“reconhecimento aos seus serviços” e, posteriormente, de um reconhecimento a uma

possível veracidade de suas alegações. Não é difícil fazer a transposição destes

230

argumentos para a própria relação estabelecida entre a “República Musical” e as

práticas que envolviam a música popular urbana.

Em um primeiro estágio a “República Musical” busca, para longe destas, sua

construção de uma música nacional, para em seguida, em sintonia com as grandes

escolas européias, reconhecer seu valor como elemento temático e sua possível

“veracidade” como instrumento de uma criação musical de características próprias. Mas

diante da estrutura que baseia sua existência, esta relação com o popular não consegue

ultrapassar a fronteira de uma vizinhança perturbadora que é bem representada no

desenlace da Questão Cavalier: ela pode até penetrar em seu espaço, porém sem

vínculos, mantida à distância suficiente que não implique um aceite oficial de

pertencimento.

Esta tentativa de concepção de uma música nacional estava inserida no contexto

da busca de uma identidade coletiva para o País, de uma base para a construção da

nação republicana. Segundo José Murilo de Carvalho1, a construção desta identidade foi

tarefa que perseguiu a geração intelectual da Primeira República. As tentativas foram

muitas, como demonstra Carvalho2, mas no final as mais intensas se revelaram na

permanência do velho hino nacional de Francisco Manuel da Silva e uma bandeira

remodelada, onde as velhas cores do império prevaleceram. A ruptura republicana de

alguma forma se adequava ao diálogo com o passado e suas memórias coletivas.

No caso específico da música, a entronização de Leopoldo Miguez como líder da

“sociedade dos músicos” – respaldada em sua indicação como diretor do Instituto

Nacional de Música e na tentativa de fazê-lo o bardo republicano através do mal-fadado

concurso do hino nacional – revela o desejo da ruptura com as idéias musicais que

marcaram o império. Mas essa ruptura haveria também de ser marcada pelo diálogo

com as práticas do império. Não é difícil conectar os preceitos estéticos que marcavam

as opções de Miguez com o repertório praticado no Club Beethoven, nem esquecer a

importância de seu congênere mais antigo, o Club Mozart, na viabilização da música

puramente instrumental, a grande modernidade introduzida pelo primeiro.

Da mesma forma, a prática do teatro-musicado oriunda dos tempos

monárquicos, continuava sua trajetória em muito imbricada com as formas da música

popular urbana. Raul Pompéia, descrevendo os dias que sucederam a “suprema febre

1 CARVALHO, José Murilo. Pontos e bordados. Op. Cit. p. 102 2 CARVALHO, José Murilo. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

231

política” da Proclamação da República, dizia que quem esperava ver o povo reunido em

“comício palpitante de cidadãos, ao redor da urna do sufrágio miúdo”, donde deveria

“sair a constituição da nova nacionalidade”, encontrava-o no teatro, absorto “na

suprema ansiedade de verificar que nova surpresa vai produzir, ali na cena, a cauda

prodigiosa de um gato de mágica”. 3

Referia-se Pompéia à Mágica Gato Preto, de Eduardo Garrido, que, como as

diversas montagens de Mágicas ocorridas após a proclamação4, alcançava um

expressivo sucesso de público. Compartilhando o mesmo espaço cênico das “elevadas”

representações dramáticas e por vezes as do teatro lírico, as mágicas e os outros gêneros

do teatro-musicado continuavam a incomodar com sua aparatosa vizinhança as

aspirações dos letrados envolvidos com o teatro de cunho literário. Antonio Sales, em

1898, afirmava: A nossa cidade é bastante civilizada para que não conte na sua população uma certa quantidade de pessoas que possam freqüentar um teatro onde se representem peças de valor literário; por outro lado ela é bastante populosa para que não possua, e em grande maioria, um público refratário às obras de artes e que pelas suas condições intelectuais e morais não pode gostar de outras coisas que não sejam revistas, mágicas e coisas semelhantes. 5

Aqui já se percebe um discurso, que analisaremos com mais detalhes em

seguida, segundo o qual a sociedade é dividida entre os que podiam compreender uma

obra-de-arte e os que, por sua condição moral e intelectual inferior, não conseguiam

alcançar seus sentidos mais profundos. Nesta linha de pensamento, mágicas, revistas e

“coisas semelhantes” eram revestidas de um sentido raso, vulgar, destinado ao

entretenimento fácil dos desprovidos de tais condições intelectuais e morais.

Deste modo, era necessária a definição de espaços de atuação que ordenassem,

sob a lógica missionária dos intelectuais republicanos, as ações artísticas que deveriam

combater a “perversão do gosto” que corrompia e atrofiava o sentimento geral da

população. Entre as primeiras ações neste sentido encontramos a solicitação endereçada

ao “Generalíssimo chefe do governo provisório” pelo ator Furtado Coelho para a

construção de um teatro e das bases que deveriam nortear a manutenção das companhias

lírica e dramática a serem subvencionadas pelo Estado 6. Esta solicitação era assinada

3 Jornal do Comércio, 12 de janeiro de 1890. Apud. FARIA, João Roberto. Idéias Teatrais. Op. Cit. p. 598 4 Ver, em anexo, tabela sobre as mágicas pesquisadas. 5 Apud. FARIA, João Roberto. Idéias Teatrais. Op. Cit. p. 599 6 O Paiz. Artes e Artistas. Terça-feira, 11 de março de 1890. Ano VI. Nº. 1981

232

por 400 nomes ligados aos mais diversos ramos da sociedade7, incluindo Leopoldo

Miguez e outros membros ilustres da “República Musical”.

No documento, transcrito por Oscar Guanabarino em sua coluna de O Paiz, os

signatários lastimavam a falta de um teatro nacional, onde a arte dramática e a ópera

lírica concorressem “com os elementos indispensáveis para o desenvolvimento

intelectual da população desta grande capital”. Esta ação, entretanto, só poderia ser

desenvolvida com a subvenção do Estado, que ao mesmo tempo influiria na formação

do gosto pelas artes e promoveria o concurso dos escritores e compositores nacionais,

garantindo a estes, como aos artistas intérpretes de suas obras, um futuro tranqüilo e

honroso. 8

Como não poderia faltar em um documento que recorria à retórica da inserção

do Brasil nas “repúblicas americanas”, que a exemplo das nações “adiantadas”

demonstravam seu apoio às artes, a culpa pelo estado de depravação da cena nacional

era depositada no regime monárquico: Durante o regime monárquico, a cena brasileira foi sempre desdenhada pelos poderes públicos, os quais, culposamente indiferentes permitiam a sua exploração, pelo lado lírico a empresários aventureiros, e, pelo lado dramático, a maior parte das vezes se não sempre ao baixo mercantilismo de meros especuladores, que arrastaram o nosso infeliz teatro ao estado de degradação ignóbil de que é hoje documento clamoroso a maioria dos palcos fluminenses. 9

Ao mesmo tempo em que declarava como responsáveis pela “degeneração da

arte” no Brasil o descaso do regime monárquico, os empresários aventureiros e o

espírito mercantilista, apontava que a “regeneração”, pelo menos na visão dos

signatários da proposta de Furtado Coelho, deveria não somente passar pela construção

de um espaço destinado às representações de cunho “elevado”, como também garantir o

futuro tranqüilo de escritores, compositores e intérpretes. A República deveria, deste

modo, cobrir com suas asas protetoras os envolvidos no projeto iluminista, os

missionários dos novos tempos, que levariam a luz da razão e da arte a um povo

desprovido de predicados morais e intelectuais.

7 Guanabarino se propôs a divulgar em sua coluna todos os signatários da solicitação de Furtado Coelho. Desta forma sabemos que além do citado Leopoldo Miguez, assinaram artistas como Ignácio Porto Alegre, professor do INM; Aloísio Azevedo e Arthur Azevedo e o pintor Henrique Bernadelli assim como pessoas de outros ramos de atividade como Joaquim da Rosa, médico; Fernando Dobbert, corretor de fundos públicos; Eduardo Gelley, empregado no comércio. 8 Idem. Ibidem. 9 Idem. Ibidem.

233

O Governo, entretanto, não parecia movido a atender em curto espaço de tempo

as pretensões de tal feita. Não se sensibilizou a estender seu manto protetor – garantia

de futuro tranqüilo – sobre os artistas, escritores, compositores e intérpretes e somente

atenderia a pretensão da construção de um teatro em 1909, com a inauguração do Teatro

Municipal do Rio de Janeiro. Arthur Azevedo, um dos maiores entusiastas da criação

deste espaço, morreria como outros, sem ver concluída a obra tão sonhada.

Desiludidos com a falta de iniciativa do Governo na promoção da “cultura

intelectual”, que nas palavras de Coelho Neto preferia destinar suas atenções à “cultura

do voto e das batatas”10, um grupo formado de distintos artistas e intelectuais ensaia

uma reação materializada na criação do Centro Artístico. Segundo Rodrigues Barbosa, o

Centro foi criado em 12 de outubro de 1897 e liderado pela seguinte diretoria: Leopoldo

Miguez, Rodrigues Barbosa, Delgado de Carvalho e Fertin de Vasconcelos11. Nas

diversas comissões que compreendiam sua organização encontramos nomes como

Arthur Napoleão, Alberto Nepomuceno e Alfredo Bevilacqua (comissão de música);

Arthur Azevedo, Luís de Castro e Henrique Chaves (comissão de teatro); Henrique

Bernadelli, Rodolpho Amoedo e Ângelo Agostini (comissão de pintura); Rodolpho

Bernadelli e Augusto Girardet (comissão de escultura e arquitetura); Ferreira Araújo,

Araripe Junior e Coelho Neto (comissão de letras).

Assim, sob a liderança de Leopoldo Miguez, as maiores notabilidades artísticas

da época se reuniram em torno de um programa destinado a regenerar a cena dramática

e ressuscitar o teatro lírico nacional12. Ao lado deste objetivo primeiro, o Centro

organizou concertos de música de câmera e sinfônicos, como o realizado em setembro

de 1898, tendo Leopoldo Miguez como regente da orquestra. No repertório, o PeerGint

de Grieg; Idílio de Siegfried de Wagner; Prelúdios, poema sinfônico de Liszt; e Pelo

Amor!, melodrama em dois atos de Miguez, com libreto de Coelho Neto.

Mas a grande realização do Centro, nas palavras de Rodrigues Barbosa, e que

por si só já justificaria a curta existência deste13, foi a apresentação da ópera Ártemis, de

Alberto Nepomuceno. Este, junto com Coelho Neto, o libretista oficial da nova ópera

10

234

nacional14, criaram uma obra baseada na estética Wagneriana, na nova linguagem

moderna que nortearia os preceitos musicais deste primeiro momento da “República

Musical”. A obra, entretanto, não alcançou o sucesso esperado, como relata Luiz Heitor: Malgrado a finura e as múltiplas belezas da partitura, a obra foi recebida com reservas pelo público e pela crítica, devido à crueza do argumento imaginado por Coelho Neto, no qual um escultor ateniense, maravilhado com a estátua da deusa que acabara de esculpir, e não se conformando em vê-la inerte, assassina friamente sua própria filha e lhe arranca o coração para oferecer a Ártemis, na esperança de que o sopro da vida, roubado à criança venha a animar as formas ideais lavradas no mármore. 15

Embora Heitor confira ao libreto a responsabilidade da pouca aceitação, a

música longe do padrão operístico a qual estava acostumado o público carioca muito

contribuiu para o estranhamento em relação à obra. Esta opção pela estética “moderna”

da música Wagneriana, não era entretanto, uma primazia de Nepomuceno. Ela

correspondia aos ditames estabelecidos pela nova ordem musical vigente.

Quando erguido à função de liderança na “República Musical”, Miguez não

titubearia em apresentar seus modelos, que se tinham Beethoven como princípio,

desembocavam nas caudalosas águas Wagnerianas e sua poderosa construção musical.

Esta, por sua vez, resvalava em uma nova concepção de uma possível ação social da

música e dos músicos. Esta ação, se não em seu corpus principal, mas com certeza no

centro de seus gestos, incorporava os conceitos de uma identidade nacional musical e

sua potência como doadora de uma voz, o canto único de uma nação.

Esta proposta encontrava eco no regime republicano que trazia em seu advento,

citando Sevcenko16, a vitória sonora do cosmopolitismo. Desta forma, seus padrões

básicos de referência operavam com abstratos universais como os de humanidade,

nação, bem, verdade e justiça. A tensão se apresentava no conflito entre pretender ser

membro do grande concerto das nações e a interferência na ordenação de sua

comunidade de origem.

Na busca desta sonoridade cosmopolita, garantia de participação no grande

concerto das nações, é na música erudita e não nas formas populares que a “República

Musical” vai buscar seus instrumentos de criação identitária. Entretanto, não bastaria

apenas essa utilização, visto que no Império a presença da ópera italiana, da música

14 HEITOR, Luiz. Música e músicos do Brasil. Op. Cit. p. 51. Além das duas obras citadas, Coelho Neto realizou o libreto de Hóstia, do compositor Delgado Carvalho. 15 HEITOR, Luiz. 150 anos de música no Brasil (1800-1950). Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1956. pp. 167-168 16 SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 31

235

francesa e da zarzuela espanhola eram uma constante e marcavam com sua presença o

gosto e os gestos da produção artística local. A ruptura teria de ser mais profunda.

Sintomaticamente, Miguez revela, em seu relatório sobre suas andanças pelos

conservatórios europeus, sua percepção de determinadas escolas. Nos conservatórios

italianos observa a “falta de disciplina” e o “conservatorismo17 impertinente”, e em

Paris, a “promiscuidade de alunos com alunas”. Somente na Alemanha encontra a

ordem e a disciplina desejáveis, abalizadas por professores que são “verdadeiros

ministros do culto artístico e sinceros apóstolos da evolução”18. Ali havia tudo a ser

aprendido, organizações, programas, prática de ensino, ordem, disciplina, etc.

Estas observações encontram paralelos com as de Wagner, expostas em 1849,

quando propõe ao Rei de Saxe a criação de um teatro nacional alemão. Dizia o

compositor poder afirmar com alguma segurança que os entusiastas da música de

Beethoven foram cidadãos mais ativos e mais energéticos; em contrapartida, entre os

admiradores da música italiana – Rossini, Bellini e Donizetti – encontrava-se uma

classe de ricos e nobres ociosos. Com a mesma virulência, via Paris como a “prova

conclusiva” dos efeitos corruptores da música ruim. 19

Como explica Esteban Buch, a reflexão estética em Wagner é sempre, ao mesmo

tempo, pensamento político20. Se na citação acima é claro o seu tom anti-aristocrático,

com o tempo esse registro é alterado para a crítica anti-modernista de uma cultura

burguesa que ele entendia dominada pelo dinheiro e a frivolidade. Operava assim o

deslocamento de seu foco para a civilização francesa, fonte de toda degenerescência,

mas que influenciava de maneira inconteste a produção musical daquele período.

Quando, em 1870, esta vive os embates da guerra franco-prussiana, Wagner festeja a

penetração vitoriosa das armadas alemães no centro da civilização francesa, porém não

sem deixar aflorar um sentimento de vergonha porque “vivemos da dependência dessa

civilização”. 21

17 Miguez utiliza esse termo em referência à metodologia empregada nos conservatórios italianos, considerada por ele, arcaica e ultrapassada. 18 INSTITUTO NACIONAL DE MÚSICA. Leopoldo Miguez. Organização dos Conservatórios de Música na Europa. Relatório apresentado ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores por Leopoldo Miguez, Diretor do Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, em desempenho da comissão de que foi encarregado em aviso do mesmo Ministério de 16 de Março de 1895. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1897. Biblioteca Alberto Nepomuceno. Setor de Documentos Históricos. 19 Apud. BUCH, Esteban. Música e política: a nona de Beethoven. Bauru, SP: EDUSC, 2001. p. 202 20 Idem. Ibidem. 21 Idem. Ibidem. p. 203

236

Desta forma, alinhando-se nesta negação das dimensões aristocráticas da música

italiana e na dubiedade corruptora da civilização francesa22, Miguez não hesita em

ofertar à elite republicana o norte das opções estéticas musicais a ser seguido: a

elaborada concepção Wagneriana da “religião da música”, marcada pela ideologia do

nacionalismo musical23. Restava somente inventar esta tradição músico-nacionalista

republicana.

Enio Squeff afirma que a emergência do nacionalismo artístico tem relação

freqüente com a solidificação de uma consciência nacional, dos direitos de uma classe

sobre o resto da nação24. Deste modo, estabelece a relação direta entre nacionalismo e

confrontos políticos, sendo o nacionalismo a ideologia da classe que ascende ao poder.

Ilustrando essa concepção, Squeff remete-se ao exemplo de Carlos Gomes, músico que

pertence a uma geração que se segue imediatamente à Independência, portanto envolta

em um processo identitário que tinha seu centro na oposição ao português.

Deste modo, segundo o autor, embora não produzindo uma arte autenticamente

nacional, é ao figurar entre os grandes de seu tempo, tendo suas obras aplaudidas em

grandes teatros, como o Scala de Milão e do São Carlo, de Nápoles, e sendo

reconhecido por personagens ilustres, como Verdi, que Carlos Gomes insere o Brasil no

concerto das nações civilizadas, dignas portanto de gerirem seu próprio destino. Assim,

Squeff infere um conceito de nacionalidade baseado na naturalidade, ou seja, o ser

nascido brasileiro. Para o autor esta geração não tinha outro ideal que a “emulação com

os estrangeiros no terreno deles, sem reivindicar nada mais do que a igualdade com os

êmulos europeus”. 25

Squeff, entretanto, assevera que com o advento da República este processo,

assegurado por sua simples condição de brasileiro, seria diferenciado por um “mundo

que exige algo mais do que simples rivais ou iguais aos grandes estrangeiros da

época”26. Citando nomes cuja atuação profissional ocorreu em diferentes períodos

como Henrique Oswald, Alexandre Levy, Luciano Gallet e Leopoldo Miguez, o autor

22 Optamos por este termo baseados no fato que neste período, se era clara a aversão de Miguez à música italiana, o mesmo não acontece em relação à música francesa, que, como bem destaca Avelino Pereira, ora se harmonizava como matriz “moderna” com a música alemã, ora entrava em choque. PEREIRA, Avelino. Op. Cit. p. 113 23 Idem. Ibidem. p. 204 24 WISNIK, José Miguel e SQUEFF, Enio. O nacional e o popular na cultura brasileira. Música. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 34 25 Idem. Ibidem. p. 35 26 Idem. Ibidem. p. 35

237

infere a prática de um nacionalismo atuante, cristalizado em sua sistemática por Alberto

Nepomuceno. Parece-nos que esta ampliação merece um olhar mais criterioso.

A própria dinâmica da estabilização do regime Republicano sugere que não

houve uma idéia sobre arte nacionalista, mas sim diferentes matizes que foram

incorporados, digeridos e estabelecidos em processos que desaguaram na Semana de

Arte Moderna de 1922. Neste sentido, é revelador o que expressou Miguez em 1890, na

Informação apresentada à Secretaria de Negócios do Interior, citada anteriormente: O nosso programa foi equiparado ao dos conservatórios de Paris, Munique e Milão que, sendo os mais notáveis do mundo, não apresentam programa superior ao que organizamos para o Instituto Nacional de Música. (...) Em um prazo não muito longo eu espero, aproveitando as aptidões e as vocações que se encontram no nosso país, obter do Instituto um aluno compositor que vá provar a Europa o nosso adiantamento, provando ao mesmo tempo que, se os trabalhos de Carlos Gomes muito deixam a desejar, porque lhe faltavam os principais elementos de ensino e porque só teve a auxiliá-lo o seu talento e sua inspiração, pode-se hoje conseguir, sem sair do Brasil, adquirir-se todos os conhecimentos necessários a um compositor moderno de mérito real. 27

Se de algum modo, Miguez externava uma oposição ao regime monárquico,

simbolizado na sua referência demeritória a Carlos Gomes, clara era a permanência da

emulação com o estrangeiro. Neste momento, ele não só definia a Europa como o

território de nossa afirmação como nação adiantada, como implicitamente revelava que

era a partir das matrizes européias – Paris, Munique, Milão – que se tornaria possível o

surgimento de um artista nacional, de um “compositor moderno de mérito real”.

Nacional, ainda era música feita por brasileiro, nos padrões das modernas escolas

européias.

Esse padrão se revela nas obras de Miguez, ora direcionadas ao culto

republicano – como Ave Libertas, poema sinfônico comemorativo da Proclamação da

República e dedicado ao Marechal Deodoro e a Ode Fúnebre a Benjamim Constant –

ou à música dramática, como a ópera Os Saldumes ou o Crepúsculo das Gálias e Pelo

Amor, drama lírico com sua ação passada na Escócia. Os Saldumes, segundo Luiz

Heitor, elaborado a partir de um libreto de Coelho Neto, é como um resumo em

linguagem musical facilitada de todos os processos, “das próprias situações musicais

mais marcantes do conjunto de dramas do divino” Wagner. 28

27 Informação do Diretor do Instituto Nacional de Música, Sr. Leopoldo Miguez ao Ministro do Interior Dr. José Cesário de Faria e Alvim. 29 de Março de 1890. Questão Cavalier. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. 28 HEITOR, Luiz. Música e músicos do Brasil. Rio de Janeiro: Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1950. p. 30

238

Em seu poema sinfônico Ave Libertas, Miguez pretendeu imortalizar os

processos de construção do ideário republicano e a figura de seu “chefe-maior”, o

marechal Deodoro da Fonseca. O enredo, em descrição realizada por Rodrigues

Barbosa29, na qual se ressalta sua própria apologia ao regime, iniciava com um olhar ao

passado onde era possível ouvir o gemido das primeiras vítimas “que foram esmagadas

pelos tiranos, por terem sonhado com um ideal republicano”.

Essas vítimas teriam deixado como herança suas aspirações democráticas, seus

sofrimentos e torturas para um grupo agora mais numeroso ao qual cabia este

“sacrossanto legado de fé política”. Estes sucessores, por sua vez, retemperados e

revigorados na sua fé multiplicavam-se: “se um cai morto, erguem-se dez combatentes

novos” para a luta que recrudesce. Ao avanço dos “apóstolos da idéia santa”, que

desfraldavam o lábaro da liberdade, segue-se o dia da vitória e do triunfo, representado

nas fanfarras triunfais e na marcha heróica dos vencedores30: A alma dilata-se num êxtase, e nas gradações do entusiasmo sentimos, no final daquele poema, o deslumbramento de uma apoteose, e na vitalidade da nossa memória reaviva-se com relevo de escultura o perfil marcial e glorioso do herói: M. Deodoro da Fonseca. Efetivamente nada de mais fortemente ousado em colorido, de mais pujante e viril, mais sanguíneo e luminoso, do que aquele estilo maravilhosamente dominador, que a arte estruturou com uma assombrosa simetria de projeções e uma convulsa opulência de relevos.31

A utilização da forma poema sinfônico por Miguez é perfeitamente adequada

para inserção da música no contexto da formação de uma identidade de nação. Com seu

aspecto descritivo, Miguez dispunha do instrumento perfeito para a visualização que

associava à Republica um passado de lutas, cuja herança era fundamental na realidade

que se formava, ao mesmo tempo em que incorporava a presença mítica de um herói

nacional, o Marechal Deodoro. Em seu didatismo, apropriava-se de um gesto que

revestia sua obra de um sentido objetivo, como o fizeram os compositores da Boemia e

da Rússia ao utilizarem esta forma como veículo de suas idéias nacionalistas. 32

29 BARBOSA, Rodrigues. Um século de Música Brasileira. Leopoldo Miguez. Estado de São Paulo, 14 de setembro de 1922. Texto transcrito em: CASTAGNA, Paulo. Um século de música brasileira de José Rodrigues Barbosa. Pesquisa referente ao triênio 2004-2006 no Instituto de Artes da UNESP. São Paulo, 2007. 30 Idem. Ibidem 31 Idem. Ibidem. 32 Em 1857, o compositor Smetana deu início a uma série de poemas sinfônicos entre os quais se destaca Má vlast (Minha Pátria), baseado sobre episódios e idéias da história Tcheca. Na Rússia Balakirev, Mussorgsky e Borodin compuseram poemas sinfônicos baseados em temas nacionais. Dicionário Grove de Música. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. p. 731

239

A morte de Leopoldo Miguez, em 1902, propicia a elevação de Alberto

Nepomuceno à liderança da “República Musical”, e, com ele, novos gestos e ações

revestem a busca da nacionalidade musical. Esta direção ele já desvendara quando de

volta de seus estudos na Europa promove, em 1895, um concerto onde além da

demonstração de seus potenciais como instrumentista apresenta canções de sua lavra,

em idioma vernáculo, e a obra Quatro Peças Líricas. Nesta, a última peça, intitulada a

Galhofeira, foi composta sob a clara influência do maxixe fluminense.

Em 1896, Nepomuceno foi mais além ao apresentar sua Série Brasileira33,

música de caráter descritivo, dividida em quatro partes, a saber: Alvorada na Serra,

onde se remete à imagem de uma floresta tropical, com os gorjeios de aves e a

utilização da melodia folclórica Sapo Cururu; Intermezzo, desenvolvido a partir de um

motivo rítmico do lundu; Sesta na rede, onde os instrumentos de cordas reproduzem o

ranger dos ganchos na rede, sob uma melodia langorosa; por fim, o Batuque, em versões

anteriores apresentado como Dança de Pretos, onde além de introduzir ritmos afro-

brasileiros Nepomuceno inclui o reco-reco entre os instrumentos da orquestra.

Desta forma, incorpora o compositor uma outra forma de pensar a música de

inspiração nacionalista, agregando o particular à forma composicional européia. Embora

ainda no Brasil já abordasse esses elementos em suas obras, a consolidação desta

técnica composicional reflete de alguma maneira sua convivência, durante seus anos de

estudos na Europa, com compositores como Grieg, Herzogenberg (amigo de Brahms) e

Vincent D’Indy.

Na imprensa os comentários tratavam a presença do popular com empolgação.

Rodrigues Barbosa, no Jornal do Comércio, poetizava que através da obra de

Nepomuceno vislumbrava-se a “cor tropical”, a “luz intensa do nosso belo

continente”. No periódico A Notícia, Luís de Castro enaltecia o uso das “melodias

ingênuas”, elevadas ao nível de “aperfeiçoamento”, e pontuava que todas as escolas de

música tiveram suas origens na canção popular. 34

De fato, a transposição de danças ou temas populares para a música de concerto

estava longe de ser uma novidade. Compositores como Dvorak, Smetana, Grieg entre

outros, mesmo compondo em formas tradicionais como sinfonias, poemas sinfônicos ou

concertos incorporavam a temática popular de seus países em suas produções musicais.

33 Algumas partes desta obra foram apresentadas anteriormente. O Intermezzo em 1895, e o Batuque, sob a denominação de Dança de Pretos em 1888. 34 Apud. PEREIRA, Avelino. Op. Cit. p. 152

240

Neste sentido, vale observar as considerações de José Maria Neves sobre a produção

musical brasileira deste período: Tratava-se de um trabalho composicional caracterizado pelo emprego de temas (quase sempre melódicos) da música popular, temas que eram tratados segundo métodos harmônicos e polifônicos europeus. Este material de base era sempre deformado, uma vez que os esquemas estruturais eram mais importantes que ele (grifo nosso). (...) Em termos estruturais, as influências predominantes são as de Grieg e Brahms (com os modelos das “Rapsódias Húngaras”), além da escola russa da segunda metade do século XIX. 35

Destaca-se nesta citação a relação entre o material primário utilizado e os

esquemas estruturais aos quais era submetido. A forma tem preponderância sobre a

temática, tornando-se essa um elemento de diferenciação. Música nacional era, então,

aquela que utilizava o material temático folclórico ou popular submetido às formas e

cânones da música européia.

A ascensão de Nepomuceno à liderança da “República Musical” coincide com o

período que Sevcenko36 descreve como frenético na definição das mudanças sociais,

políticas e econômicas. Aqui já haviam sido extintos os focos monarquistas organizados

e dispersada a oposição jacobina, atrelada ao fechamento da Escola Militar da Praia

Vermelha. O regime estava consolidado e a estabilidade política garantida através da

“política dos governadores” efetivada no governo Campos Sales. No plano econômico,

os empréstimos estrangeiros garantiam a restauração financeira e a credibilidade do país

junto aos centros internacionais. Assim, conclui o autor, “estava aberto o caminho para

o desfecho inadiável desse processo de substituição das elites sociais: a remodelação

da cidade e a consagração do progresso como o objetivo coletivo fundamental”. 37

Estas mudanças, que operavam uma transformação na espacialidade da cidade,

no seu cotidiano e na mentalidade carioca, diz Sevcenko, eram regidas por princípios

que iam da condenação dos hábitos e costumes ligados pela memória à sociedade

tradicional à exclusão dos grupos populares da área central da cidade. Atrelada a essa

ação havia a negação de qualquer elemento de cultura popular que pudesse macular a

imagem civilizada da sociedade dominante. 38

Neste sentido, o popular só era digno de se levar aos palcos fluminenses

emoldurado pelas formas e técnicas de composição européias. Era botar a “casaca do

35 NEVES, José Maria. Música Contemporânea Brasileira. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1981. p. 19 36 SEVCENKO, Nicolau Op. Cit. p. 38 37 Idem. Ibidem. p. 42 38 Idem. Ibidem. p. 43

241

contraponto” no maxixe, para usar uma expressão de Guanabarino39. Sintomaticamente,

no mesmo momento em que se aplaudia a inclusão de elementos da cultura popular na

música de concerto, os críticos musicais louvavam a não inclusão do maxixe na Mágica

Pandora de Cavalier Darbilly, levada aos palcos apenas três meses após a estréia da

versão completa da Série Brasileira de Nepomuceno.

Rodrigues Barbosa, no final de sua crítica à Mágica festejava: “Não podemos

deixar de consignar um fato importante: A Pandora não tem maxixe!!!”40. Guanabarino

por sua vez ressaltava que os números alegres e saltitantes haveriam de popularizar-se,

em que pesasse “a ausência absoluta, e muito para louvar, do gênero que já agora não

perde e denominação de maxixe” (grifo nosso). 41

Aplaudia-se na produção elaborada da música de concerto a inserção do popular;

e na produção tida como aparatosa, voltada ao entretenimento vulgar, primeira entre as

formas do teatro musicado a levar o maxixe para os palcos, louvava-se exatamente sua

ausência! Aqui já se percebe o que José Miguel Wisnik reflete sobre o posterior

nacionalismo musical modernista: O popular pode ser admitido na esfera da arte quando, olhado à distância pela lente da estilização, passa a caber dentro do estojo museológico das suítes nacionalistas, mas não quando, rebelde à classificação imediata pelo seu próprio movimento ascendente e pela sua vizinhança invasiva, ameaça entrar por todas as brechas da vida cultural, pondo em xeque a própria concepção de arte do intelectual erudito. 42

Ampliando o enunciado de Wisnik, percebe-se um grupo social que se coloca

como detentor do poder de impor sua visão musical para o resto da sociedade. Implícita

nesta imposição, encontramos a premissa – questionável – que a sociedade é dividida

entre os que possuem uma inerente superioridade intelectual e os intelectualmente

inferiores. Neste sentido, origina-se uma visão de arte, e da própria cultura, onde

somente aqueles com mente superior podem abarcar os mais profundos sentidos de uma

expressão artística, ao mesmo tempo em que somente os que podem alcançar esse

sentido são os que por definição possuem mentes superiores. De igual forma, aqueles

com mente inferior não conseguem alcançar estes sentidos, e exatamente por não o

39 Expressão utilizada por Oscar Guanabarino em sua crítica ao concerto de Alberto Nepomuceno, realizado em 27 de outubro de 1895. O Paíz. Artes e Artistas. 28 de outubro de 1895. 40 Jornal do Comércio. Theatros e Música. 9 de outubro de 1896. Ano 75. Nº. 283 41 O Paíz. Artes e Artistas. Sexta-feira, 9 de outubro de 1896. Ano XII. Nº. 4390. 42 WISNIK, José Miguel. Getúlio da Paixão Cearense (Villa-Lobos e o Estado Novo). In: WISNIK, José Miguel e SQUEFF, Enio. O nacional e o popular na cultura brasileira. Música. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 133

242

conseguirem são os que possuem uma mente inferior 43. Este tipo de pensamento

viabilizava discursos como o de Antonio Sales, citado anteriormente. Viabilizava

também um olhar sobre a produção artística independentemente da existência social de

seu criador, ou do grupo social que a propagava. Reveste-se desta forma a criação

musical de elementos míticos, imarcescíveis, fruto glorioso do trabalho individual do

gênio. Esta deificação, diz Norbert Elias, apresenta uma outra face, que é o desprezo

pelas pessoas comuns 44: Ao elevar o primeiro [o gênio] acima da medida humana, reduzem-se as outras a um nível abaixo dela. Nossa compreensão das realizações de um artista e a alegria que se tem com suas obras não diminui, mas se reforçam e aprofundam quando tentamos captar a conexão entre as obras e o destino do artista na sociedade de seus semelhantes. O dom especial - ou, como se dizia no tempo de Mozart, o “gênio” que uma pessoa tem, mas não é - em si mesmo constitui um dos elementos determinantes de seu destino social e, neste sentido, é um fato social, assim como os dons simples de uma pessoa sem gênio. 45

Sob esta linha de pensamento, dois pontos distintos se apresentam. O primeiro

permite que observemos nosso objeto em seu recorte temporal, percebendo as

implicações deste olhar à música, como o produto de um processo de um indivíduo

regido por forças que extrapolam o humano. O produto do gênio individual, desprovido

portanto, de qualquer sentido como fato social, embasa uma visão de mundo onde

poucos têm o direito de impor sua idéia de música sobre muitos. Retirar o aspecto

sublime, quase divino, e de qualidades perceptíveis apenas a poucos, seria

implicitamente colocar em questionamento a própria estrutura social e política em que

viviam. Ou seja, na medida em que fosse possível reconhecer em uma forma urbana –

como o maxixe – os méritos de uma “música artística” significaria, parafraseando John

Shepherd, aceitar a relatividade social e moral de diferentes padrões de realidade que ela

representa e articula46. Reconhecimentos deste tipo desarrumariam esta sociedade

fortemente centralizada, que dependia, e muito, do controle e manipulação de elementos

referenciais, como os desta ordem, para sua manutenção e sobrevivência.

O segundo ponto nos remete as práticas músico-historiográficas que utilizam

largamente da dicotomia superior versus inferior, alto versus baixo, que se em si já

possuem um forte componente moral, acabam revelando a concepção de um mundo

43 SHEPHERD, John. Towards a sociology of musical styles. In: Lost in music: culture, style and the musical event. WHITE, Avron Levine et all. Londres, Nova Iorque: Routledge & Kegan Paul, 1987. pp. 64-67 44 ELIAS, Norbert. Mozart, sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995. p. 54 45 Idem. Ibidem. p. 54 46 SHEPHERD, John. Towards a sociology of musical styles. Op. Cit. p. 65

243

partido na simples oposição do “elaborado” contra o “simples”. Esse embasamento

permite um discurso comumente usado que vincula o popular a um estado “primitivo”,

não somente no que representa e articula, mas no seu próprio corpus musical. Assim, a

partir de um conjunto fixo de critérios musicais, geralmente baseados na linguagem do

grupo dominante, acredita-se ser possível julgar todos os tipos de música.

Este posicionamento, bem exemplificado na obra de Mário de Andrade, assume

amplo contorno, como desvenda Arnaldo Contier: Essa concepção de História da Arte proposta por Mário de Andrade, de natureza evolucionista, iluminista e de traços positivistas, ainda é muito imitada por historiadores brasileiros contemporâneos. Essa análise nega o estudo intrínseco da linguagem, desvinculando-a de seu contexto sócio cultural e, além disso, prende-se a uma visão eurocêntrica da História da Arte e à recuperação de valores estéticos defendidos pelos agentes sociais contemporâneos aos “fatos históricos”. O gosto musical, neste caso, não é discutido de acordo com sua função social no âmbito de uma sociedade historicamente determinada. 47

Sob esta linha de pensamento é possível entender a dificuldade de compreensão

da produção musical do teatro-musicado, e especialmente a Mágica, no tempo de seu

acontecimento, bem como sua ausência como objeto na produção historiográfica. Esta

forma não encontra seu lugar nem entre a música culta, elevada, nem tampouco pode ser

reconhecida como uma produção inferior, primitiva, conectada somente com a camada

mais baixa dos estratos sociais da população. A dificuldade desta classificação também

se apresenta na trajetória social de seus compositores e em seus aspectos técnicos de

elaboração.

Como exemplos emblemáticos, podemos nos deter nos casos de Cavalier

Darbilly e Henrique Alves Mesquita, primeiro grande compositor de mágicas no Brasil.

Afro-descendente, Mesquita, nas palavras de Batista Siqueira48, teve “a pouca sorte de

nascer num lar humilde, em condições adversas”. Porém, em sua trajetória pessoal

Mesquita conseguiu atingir não somente uma sólida formação musical – que inclui anos

de estudos no Conservatório de Paris sob a orientação de célebres professores – como o

reconhecimento de seu talento e de sua atividade profissional, o que o levava a transitar

entre os diferentes espaços de atuação musical.

47 CONTIER, Arnaldo Daraya. História e música: novas abordagens. In: História hoje: balanços e perspectivas. IV Encontro Regional da ANPUH-RJ, 16 a 19 de outubro de 1990. Rio de Janeiro: Associação Nacional dos Professores Universitários de História, 1990. pp. 91-92 48 SIQUEIRA, Baptista. Três vultos históricos da música brasileira: Mesquita, Callado, Anacleto. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1969. p. 41

244

Era professor do Conservatório de Música e organista da Igreja de São Pedro, ao

mesmo tempo em que regia e escrevia Mágicas e outras partituras destinadas ao teatro-

musicado. Seu vasto campo de atuação musical levou à produção de uma obra que

inclui com a mesma qualidade ópera, música sacra, polcas, jongos, lundus, modinhas,

quadrilhas e tangos, denominação transversal do maxixe49. Cabe a Mesquita a primazia

como compositor de tangos, que incorporados à mágica tornam-se um de seus

elementos formais.

Cavalier Darbilly por sua vez, era filho de um trompetista da Capela Imperial e

dono de uma pequeno comércio fornecedor da Academia de Belas Artes. Sua formação

também compreendia uma estada em Paris, onde foi aluno de célebres professores do

Conservatório desta cidade. Sua obra também compreende além de música de concerto,

Mágicas e tangos, além de ser, segundo Mello Moraes Filho50, um dos que contribuíram

efetivamente para a sobrevivência da modinha.

A própria estrutura formal da Mágica, que utilizava elementos da ópera italiana e

da férrie francesa, empregando em suas performances orquestra, coros e solistas, exigia

uma sólida formação musical e um amplo domínio da técnica de composição. Esta

característica, que podia indicar sua localização dentro de uma arte culta, alta, era

transgredida em seus processos formais pela incorporação da música popular urbana. O

detalhe perturbador, no entanto, talvez não fosse somente a questão da incorporação do

popular, mas o fato de que, em seu percurso na mágica, o tango, ou tango de pretos, ou

o gênero que já agora não perde e denominação de maxixe, como relatou Guanabarino

em 189651, trazia para os palcos a complexa presença do “gestual negro”. 52

Ainda no Império, a presença deste gestual definido não somente pela utilização

de ritmos afro-brasileiros, mas por suas imbricações com a dança, provocavam, além 49 José Ramos Tinhorão relata que havia uma dificuldade para se designar qualquer forma que não viesse estruturada da Europa (como a valsa, a quadrilha, a mazurca, a schottisch ou a polca). Desta forma a palavra tango serviu durante muito tempo para encobrir - embora sem exclusividade - o tipo de música que mais se adaptava à dança maxixe. De igual forma, a denominação tango era utilizada nas versões impressas do maxixe, pois “sua origem popular de última categoria, estava de tal maneira ligado à noção de coisa reles e imoral, que a sua indicação ostensiva implicava necessariamente no desagrado e no veto dos compradores de partituras para piano, que era gente de classe média para cima”. TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música popular. São Paulo: Circulo do livro, s.d. pp. 70-71 50 Apud. FERLIM, Uliana Dias Campos. A polifonia das modinhas: diversidade e tensões musicais no Rio de Janeiro na passagem do século XIX ao XX. Dissertação (mestrado). Universidade Estadual de Campinas. Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. 2006. p. 43 e 99 51 O Paíz. Artes e Artistas. Sexta-feira, 9 de outubro de 1896. Ano XII. Nº. 4390. 52 Enio Squeff relaciona o gestual negro presente na música a uma reminiscência do trabalho escravo. Nos movimentos repetidos durante a execução de suas tarefas o negro incorpora elementos que seriam transpostos em sua rítmica para o universo da dança e da música. SQUEFF, Enio e WISNIK, José Miguel. O nacional e o popular na cultura brasileira. Música. São Paulo: Brasiliense, 1982.

245

das possíveis aversões estéticas, a delicada situação de se reconhecer como arte o

produto de uma raça desprovida de humanidade. Reconhecer sua expressão era

dignificá-la e, por conseqüência, questionar o sistema sócio-político que viabilizava a

existência da sociedade senhorial e hierárquica. A República por outro lado, coloca-se

de maneira ambígua em relação ao negro, pois, como bem explana Letícia Reis, se seu

legado cultural fazia dele um ator social, o paradigma evolucionista impedia a sua

incorporação ao novo pacto como ator político. 53

A abordagem à questão da presença negra no país toma corpo a partir do final do

século XIX, quando as transformações sociais – em particular a Abolição –

demandavam esforços em sua compreensão. Neste sentido, iniciou-se a construção de

uma imagem de nação forjada na união das três raças e, como expõe Martha Abreu, na

ideologia da mestiçagem54. Esta construção, influenciada pelo ideário cientificista,

naturalista, positivista e evolucionista, atrelada a teorias sobre a inferioridade das raças

não-brancas, acendia a discussão em torno da preocupante mistura racial,

principalmente dos malefícios da mestiçagem e das possibilidades virtuosas do

embranquecimento da população. A mestiçagem, diz Abreu, quando reconhecida, vinha

associada a uma segura alternativa para um futuro embranquecimento. 55

Desta forma, era possível aplaudir a presença da música negra em uma obra

artística como a de Alberto Nepomuceno. O gesto negro, diluído na perfeita moldura

das estruturas harmônicas e formais oriundas das mais respeitadas escolas européias, se

embranquecia aos olhos e ouvidos dos distintos freqüentadores das salas de concertos

cariocas. Era digna de méritos. Mas quando aparecia mais próxima de sua forma pura

com a presença de sua rítmica sensual56 merecia ser, invertendo a expressão de

Guanabarino, expressamente não-louvada.

No entanto, a dinâmica frenética com que se definiam as mudanças sociais,

políticas e econômicas nesse período concorria para a fragmentação do poder que

instituía a poucos o direito de impor sua visão sobre arte, sobre a música. Diz Sevcenko

53 REIS, Letícia Vidor de Sousa. “O que o rei não viu”: música popular e nacionalidade no Rio de Janeiro da Primeira República. In: Estudos Afro-Asiáticos, Ano 25, nº. 2, 2003, pp. 237-279 54 ABREU, Martha. Mello Moraes Filho: festas, tradições populares e identidade nacional. In: A história contada: capítulos de história social da literatura do Brasil. CHALHOUB, Sidney e PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda et all. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. p. 181 55 Idem. Ibidem. 56 Ao falarmos da sensualidade nos referimos a Oscar Guanabarino: “O maestro Cavalier sem apelar para o gênero já estafado dos ritmos sensuais tão em voga em nossos teatros, conseguiu uma peça de fina elegância, graciosa e por vezes de muito efeito”. O Paíz. Artes e Artistas. Quinta-feira, 15 de outubro de 1896. Ano XII. Nº. 4396.

246

que a penetração do capital estrangeiro, ativando energicamente a cadência dos

negócios e a oscilação das fortunas, viria corroborar o ritmo dessa dinâmica, alastrando-

a numa amplitude que arrebataria todos os setores da sociedade57. No caso da música, a

indústria cultural que se consolidava contribuiria muito para esse processo.

Apesar da franca resistência às formas da música popular urbana, as casas de

impressão musical propiciavam sua circulação na sociedade. Já em 1879, um leitor da

Revista Musical escrevia sobre a sua insatisfação com as edições musicais, relatando

que “quase todos os dias se publicam peças de música”, o que tornaria o Rio de Janeiro

em seu movimento de produção musical comparável aos grandes centros de produção

artística, como Milão, Paris, Viena e etc. Entretanto, lamentava o autor, estas

publicações compreendiam apenas polcas, valsas, contradanças e lundus que em sua

opinião revelavam apenas duas coisas: “muito talento e pouco estudo”. 58

Se a vizinhança invasiva – usando a expressão de Wisnik – da produção popular

no setor da imprensa musical já se mostrava perturbadora neste período, no final do

século XIX e início do XX a situação se provaria ainda mais ameaçadora. Mônica Leme

afirma que a edição musical se tornou um pólo dinamizador do mercado musical,

refletindo a grande diversidade social e cultural carioca. Desta forma, a produção

musical erudita contrastava com uma modalidade de consumo musical representada nas

modinhas, lundus, polcas, maxixes e outros gêneros. Tornando-se um dos importantes

braços desta “indústria de músicas”, este repertório reconhecido como “música ligeira”

constituirá a base para aquilo que pouco a pouco será reconhecido como “música

popular”. 59

Como mencionamos no capítulo anterior, dentro desse universo de publicações

do repertório “ligeiro”, é significativa a presença de peças oriundas de espetáculos

teatrais, destacando-se as que recorrem a formas populares urbanas. Assim, para além

da receptividade das composições realizadas para as encenações dramático-musicais,

observa-se a circulação deste material, deslocado em uma primeira ação para o teatro,

e em seguida conduzido em novas versões aos salões, ao uso cotidiano. Sua presença

57 SEVCENKO, Nicolau. Op. Cit. p. 38 58 Revista Musical e de Bellas Artes. 02 de agosto de 1879. Ano I. Nº. 31. Biblioteca Nacional. Setor de Obras Raras. PR-Sor 3317 (1). 59 LEME, Mônica. Mercado editorial e música impressa no Rio de Janeiro (século XIX) - modinhas e lundus para “iaiás” e “trovadores de esquina”. I Seminário Brasileiro sobre Livro e História Editorial. Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro. 8 a 11 de novembro de 2004. Disponível em: http://www.livroehistoriaeditorial.pro.br/pdf/monicaleme.pdf. Acessado em 18 de novembro de 2007, às 19h28.

247

significativa no comércio de música impressa reflete a existência de uma clientela de

consumidores ampla o suficiente para tornar possível e sustentar este braço editorial.

A apropriação desse material impresso por esses consumidores pressupõe a

existência de condições materiais suficientes para o emprego de capital na aquisição

de partituras, assim como o conhecimento musical suficiente para a leitura e execução

da notação musical. A “música ligeira” competia, desta forma, com a produção

erudita pelo mesmo público consumidor.

A dimensão deste mercado seria impactada na primeira década do século XX

com o início das produções fonográficas no Brasil. A produção fonográfica opera uma

revolução nas práticas musicais, comparável ao surgimento da notação e da impressão

musical. Se a escrita – ou notação – musical havia permitido a difusão de uma música

antes restrita ao seu local de origem e a impressão havia viabilizado um largo acesso e

a conseqüente interação musical entre diferentes culturas60, a produção fonográfica

implicaria processos que garantiriam a emergência de novos gêneros e estilos

musicais; a influência sobre as políticas editoriais da imprensa musical; e a

massificação do acesso à música popular e sua posterior adoção como forma

identitária.

A história dos registros fonográficos no Brasil muito se mistura com a de

Frederico Figner, ou simplesmente Fred Figner, como ficou conhecido. Figner que

havia conhecido o fonógrafo em San Antonio, no Texas, em 1889, resolveu em

parceria com um cunhado comprar um punhado de cilindros, e saiu exibindo o

aparelho por países latinos. Durante esta viagem, conta Humberto Franceschi61,

Figner teria encontrado um judeu, vendedor de vernizes, que o aconselhou a vir para o

Brasil.

Aceito o conselho, em agosto de 1891 embarcava em um navio de cargas e

doze dias depois, aportava em Belém do Pará, para finalmente se instalar no Rio de

Janeiro em abril de 1892. Seu sucesso em terras brasileiras materializar-se-ia na

fundação da Casa Edison, em 1900. Em 1902, em seu catálogo informava a venda de

diversos produtos, que variavam entre graduadores de punho – “indispensáveis” à

toillete do “gentleman” – até os vários modelos de fonógrafos, grafofones,

60 Ver Henry Raynor, Música Impressa. RAYNOR, Henry. História Social da Música: da idade média a Beethoven. Op. Cit. pp. 118-128 61 FRANCESCHI, Humberto. A casa Edison e seu tempo. Rio de Janeiro: Sarapuí, 2002. p. 17

248

gramofones e zonofones, de diferentes tamanhos, além de uma infinidade de

acessórios. Ilustração 11 Ilustração 12 Fonógrafo “Concerto” Lirofone

Fonte: CD-Rom Casa Edison e seu tempo. Fonte: CD-Rom Casa Edison e seu tempo. Uliana Ferlim descreve dois modelos de fonógrafos vendidos na Casa Edison:

o mais caro e o mais acessível. O fonógrafo “Concerto”, vendido ao preço de 700$000

(setecentos mil réis), era próprio para a utilização de cilindros de 11 centímetros,

funcionando por meio de cordas duplas que davam para a exibição de seis a oito

fonogramas de uma vez. Possuía detalhes ornamentais, sendo enfeitado com filetes a

ouro e esmalte, e era apresentado como o auge da evolução dos fonógrafos de Thomas

Edison. O mais barato deles, o lirofone, era um modelo que utilizava cilindros de cera,

colocado sobre uma caixa ou tábua envernizada, mais simples e menor, e portanto “de

preço ao alcance de qualquer bolsa”; custava entre 29$000 e 25$000 (vinte e nove e

vinte e cinco mil réis). Diz Ferlim: A julgar pelo salário de um professor do quadro do funcionalismo municipal do Rio de Janeiro, em 1897, que era de 333$000 (trezentos e trinta e três mil réis), o lirofone parecia ser acessível. Um amanuense ganhava em torno de 300$000 (trezentos mil réis) e um servente, em torno de 75$000.3 Se observarmos as estratégias de venda de Figner, veremos que essas quantias podiam parecer mais acessíveis ainda. 62

No mesmo catálogo de 1902, a Casa Edison também anunciava sua lista de

cilindros de cera gravados com artistas brasileiros. O processo de gravação neste

primeiro período obedecia ao modo mecânico de gravar, ou seja, havia a produção do

som, e o deslocamento de ar produzido por este som fazia com que um diafragma

62 FERLIM, Uliana Dias Campos. A polifonia das modinhas: diversidade e tensões musicais no Rio de Janeiro na passagem do século XIX ao XX. Dissertação (mestrado). Universidade Estadual de Campinas.Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. 2006. pp. 55-56

249

fizesse um desenho na cera63. Desnecessário dizer que quanto maior a massa de som

produzida maior a qualidade do desenho na cera e maior a qualidade da reprodução.

Desta forma, o piano, por exemplo, sofria com as restrições impostas pelo

processo mecânico, tornando-se um instrumento inadequado para a limitada faixa de

registro de freqüências da gravação em cera. Franceschi afirma que daí resulta a

preferência pelos grupos de sopro e cordas que rapidamente se profissionalizavam

para atender à demanda da Casa64, assim como as potentes vozes masculinas como as

de Cadete, Bahiano e Eduardo Neves.

O catálogo, em sua sessão dedicada aos cilindros, apresenta duas divisões

básicas, uma dedicada ao repertório estrangeiro, com franca predileção à ópera

italiana, em forma de duetos, solos e trechos instrumentais, e outra ao repertório

nacional, onde se destaca a presença de modinhas, lundus, valsas, polcas, tangos e

maxixes. Entre os registros de tangos, a presença do teatro musicado: a mágica Bico

de Papagaio, de Abdon Milanez; as revistas fantásticas O Jocoto, de Costa Junior e

Amapá; a revista cômico-fantástica Rio Nu, de Costa Junior.

Ilustração 13 Catálogo da Casa Edison, 1902.

Fonte: Humberto Franceschi. Registro sonoro por meios mecânicos no Brasil. p. 50

63 FRANCESCHI, Humberto. Registros sonoros por meios mecânicos no Brasil. Rio de Janeiro: Studio HMF, 1984. pp. 11-15 64 FRANCESCHI, Humberto. A casa Edison e seu tempo. Op. Cit. p. 148

250

Nota-se a ausência da música de concerto nacional. Na verdade, os dois líderes

da “República Musical” somente teriam obras gravadas décadas depois da introdução

do mercado fonográfico no Brasil. Alberto Nepomuceno teria seu primeiro registro

fonográfico em 1953, o Batuque da Série Brasileira realizado pela Orquestra

Sinfônica Brasileira, sob a regência de Eleazar de Carvalho65. Já Leopoldo Miguez

teria seu primeiro registro66 realizado em 1958, o Noturno (opus 10), pelo pianista

Arnaldo Estrela. 67

O descompasso das duas produções musicais – erudita e popular – no setor de

gravações era o primeiro sinal, ainda que não percebido, das importantes mudanças

que se operavam em torno da “sociedade dos músicos”. Essas mudanças abrangiam

não só a ampliação e a regulamentação do mercado de trabalho de instrumentistas e

compositores como a dinâmica da relação entre o mercado fonográfico e a imprensa

de música e sua conseqüente influência nas práticas musicais.

Se antes o acesso e a permanência de uma obra eram viabilizados pela

imprensa musical agora se agregava o fonograma a esta função. E não demoraria a

que o registro fonográfico passasse a representar a garantia real para o sucesso e a

permanência da obra na sociedade. Diz Franceschi68 que a chegada até a gravação era

muito mais difícil do que o acesso à impressão, por ser aquela o resultado final de um

sistema em que a vendagem das partituras é que indicava, embora tacitamente, o que

deveria ser gravado. Esta relação não tardaria a apresentar também o caminho

inverso: o sucesso de uma gravação suscitava a impressão ou novas edições de

partituras para o ávido mercado que se formava.

Se antes a legitimação e o reconhecimento de uma obra, ou do artista, estavam

vinculados a um grupo restrito que detinha o poder de consagração, o direito de impor

o que era música e quem era digno de ser chamado de músico – bem expresso no

mote do compositor alemão Arnold Schoenberg “se é arte não é para as massas, se é

para as massas não é arte”69 –, este direito passa a ser também vinculado ao gosto e

aceitação do público e aos ditames capitalistas da indústria cultural que se

consolidava. 65 CORREA, Sergio Alvim. Alberto Nepomuceno: Catálogo geral. Rio de Janeiro: Funarte, 1985. p. 43 66 Excetua-se aqui o Hino da República, que consta no catálogo de 1913 da Casa Edison. 67 CORREA, Sergio Alvim. Catálogo de obras: Leopoldo Miguez. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Música, 2005. p. 73 68 FRANCESCHI, Humberto. Registros sonoros por meios mecânicos no Brasil. Op. Cit. p. 88 69 Apud. LEIBOWITZ, René. Schoenberg. São Paulo: Editora Perspectiva, 1981. p. 21

252

para o velho mundo. Foi nomeado Secretário da Superintendência Geral de Imigração na Europa. Vai residir em Bruxelas. 70

O autor aproveitava para indicar ao compositor, não sem alguma ironia, que

estando em uma cidade que possuía um dos melhores Conservatórios do mundo, que

dedicasse suas horas vagas aos estudos musicais. A falta de uma formação rebuscada

e sua ligação com o popular valeram a Milanez as mais duras críticas da “República

Musical”, que não tolerava ver na direção do “mais alto estabelecimento” de ensino

musical o autor de “Assim Yayá!, Até nisso me querem tirar, Gosto dela só por isso,

Quem me dança sente cócegas, etc. etc.”, como citavam os professores do Instituto71.

Na mesma ocasião deste emprego pejorativo da obra de Milanez, os docentes

argumentavam que Milanez não dispunha dos mais elementares conhecimentos da

teoria musical e no que concernia à ilustração geral, também comprometia a

instituição, “chamando sobre esta o ridículo”. 72

Diversas foram as tentativas de expurgo do “estranho” que se infiltrara no

cerne da “República Musical”, porém não encontraram eco junto ao Governo, que

apoiava a presença de Milanez na direção do estabelecimento. Entre os principais

agentes destas ações encontramos alguns fundadores da “República” como Rodrigues

Barbosa, Alberto Nepomuceno e Frederico do Nascimento.

Assim, nota-se a fragmentação do recurso amplamente utilizado na criação e

sustentação deste grupo que, sob as fortes lideranças de Rodrigues Barbosa, Leopoldo

Miguez e Alberto Nepomuceno, controlaram por anos este subgrupo da “sociedade

dos músicos”: o apoio do Estado. A prerrogativa do apoio do Estado, fundamental

para a existência da “República Musical”, apresentava-se como uma via de duas

mãos. Ao mesmo tempo em que sustentava suas ações, constrangia o limite de suas

atuações, limite este codificado em suas opções estéticas perfeitamente emolduradas

pelo ideário cientificista e positivista vigente.

Do mesmo modo, internamente, articulado em suas redes de relacionamento

ligadas ao centro do poder, constrangiam a “sociedade dos músicos” à conformidade

de seus modelos, únicos dignos de serem consagrados como artísticos, profundos,

conectados com a modernidade pretendida. A não aceitação destes princípios indicava

a falta de predicados morais e intelectuais suficientes para a compreensão de seus

70 O Álbum. Março de 1893. Ano I. Nº. 12. 71 Apud. PEREIRA, Avelino. Op. Cit. p. 353 72 Idem. Ibidem.

253

mais profundos objetos, ao mesmo tempo em que qualquer produção realizada fora

deles representa a manifestação de uma arte indigna, e, portanto, recusável.

Entretanto, esta adoção do discurso de modernidade não se enquadra aos

ditames da experimentação levadas ao extremo na Europa, matriz básica de seus

modelos. Embasados na visão Wagneriana “da música serva do drama”, os

compositores ligados à “República Musical” construíram suas referências formais

erguidas sobre a canção, a micro-peça lírica, o drama musical. Quando inseridos à

linguagem puramente instrumental recorriam à música programática, descritiva, o

poema sinfônico, onde a música em posição subalterna servia ao comentário de um

texto literário, a aspiração máxima do compositor73. Afastavam-se, desta maneira, da

instauração da independência musical74 e das novas concepções harmônicas e

estruturais bem representadas nas obras de Stravinsky (Sagração da Primavera, 1913)

e Schoenberg (Pierrot Lunaire, 1912).

Sintomaticamente, mantiveram-se imunes às experiências de Schoenberg em

direção a atonalidade, realizadas a partir de 1908, mantendo-se fiéis, em suas opções

harmônicas, ao sistema tonal. Neste sistema, onde uma nota é o centro, a tônica, as

demais assumem posições hierarquicamente dispostas em uma ordem de importância.

Esta opção, longe de ser uma demonstração de submissão a uma superestrutura sócio-

político-econômica, revela a interação possível entre realidade social e prática

musical. Se por um lado esta realidade social recebia de maneira cômoda os sons

produzidos dentro de um sistema reconhecível, de igual maneira, não havia interesse

por parte dos compositores, através de suas práticas, em suscitar nenhum

questionamento a uma realidade social na qual o espaço confortavelmente ocupado

garantia sua atuação e sobrevivência.

Entretanto, ao conformar sua produção a uma determinada vertente, a música

de concerto, a “República Musical” romperia com a prática musical do Império, que,

principalmente a partir de 1870, era marcada exatamente pelo trânsito de seus agentes

entre o popular, a música religiosa e a ópera. É desta forma que Francisco Manuel da

Silva, outrora importante líder da “sociedade dos músicos”, fundador do 73 PAZ, Juan Carlos. Introdução à música de nosso tempo. São Paulo: Duas Cidades, 1976. p. 26 74 Juan Carlos Paz define a produção pós-romântica inserida em busca que pretendia despir a música de seus truques literários e sentimentais, concedendo-lhe autonomia estética, delimitação definida, concretude espacial. Desta forma, previa-se a criação de uma música pura, desvinculada de qualquer outro fator que não a criatividade, a música pela música: “a música não mais consistirá na aplicação de cânones de beleza adaptados à simples assimilação das coisas, mas sim no que o músico criador for capaz de conceber e realizar além de qualquer cânone consagrado, estabilizado, oficializado e mumificado”. Idem. Ibidem. p. 28

254

Conservatório de Música, mestre da Capela Imperial e músico atuante do teatro lírico,

foi também reconhecido por obras como o Lundu da Marrequinha e a valsa O

primeiro beijo. Também Carlos Gomes, autor de famosas óperas, compôs modinhas,

valsas e schottischs. A esses nomes podemos agregar os de Henrique Alves Mesquita,

Cavalier Darbilly, Luiz Antonio Moura e tantos outros que, possuidores de uma

formação musical rebuscada, não se furtavam à exploração das formas populares.

É deste modo que Henrique Alves Mesquita após ter lançado em 1871 a

primeira peça a ser denominada tango, Olhos Matadores, incorpora com naturalidade

esta forma ao corpo estrutural da Mágica. E o que se percebe neste primeiro momento

da Mágica é que as críticas a ela dirigidas não têm origem na “sociedade musical”,

mas partiam dos literatos que questionavam seu valor dramático e literário. A Mágica

incomoda enquanto ameaça a um projeto ilustrado, que tinha no teatro dramático um

instrumento de educação sócio-moralizante.

Em 1872, durante as encenações da Mágica Ali-Babá, o cronista do periódico

Vida Fluminense, ressentia-se que o libreto não possuísse uma “escola puramente

literária”, mas exaltava a música original de Mesquita, composição de “efeito

maravilhoso”, “bem adaptada ao pensamento literário”, e digna do talento e “altura

das glórias” alcançadas pelo ilustre maestro75. Em 1879, a Revista Musical e de

Bellas Artes, editada por nada menos que Leopoldo Miguez e Arthur Napoleão,

lamentava a não inclusão de Mesquita entre os condecorados com a Ordem da Rosa

louvando de igual maneira suas obras “eruditas” e “populares”: Como os hábitos da Rosa foram despejados de um só jato sobre o grupo, só depois de algumas horas é que se verificou que um dos professores tinha ficado sem venera. Era Henrique de Mesquita! Era Mesquita - o autor do Vagabundo e d'Une nuit au chateau, da Missa de Pariz e da de D. Pedro V. O compositor de tantas músicas populares que ainda são hoje ouvidas e dançadas com frenesi, em alguns bailes públicos de Paris (grifo nosso). É tão grande esta injustiça, é tão mesquinha esta desconsideração que não vemos senão motivos para tirar dela causa de hilaridade. 76

O domínio da técnica musical também seria característica de compositores

plenamente identificados com a produção da música popular urbana, como Chiquinha

Gonzaga, Joaquim Callado (professor do Conservatório de Música), Anacleto de

75 Vida Fluminense. 26 de outubro de 1872. Nº. 252 76 Revista Musical e de Bellas Artes. Sábado 20 de Dezembro de 1879. Ano I. N°. 51. Biblioteca Nacional. Setor de obras raras. PR-Sor 3317 (1)

255

Medeiros, Ernesto Nazareth, que nas palavras de Samuel Araújo, já haviam

construído em sua música, sólidas pontes entre as diferenças étnicas e sociais. 77

E é exatamente na sua inadequação às diferenças étnicas e sociais que a

“República Musical” buscou, para longe destas fontes, seu arcabouço modelar. E de

maneira não menos emblemática a Mágica passa a ser criticada, além de suas

implicações dramático-literárias, também em seus aspectos musicais, principalmente

no que concernia a presença das formas populares urbanas, expressão das diferenças

ameaçadoras.

Entretanto, é curioso que em sua estrutura musical a Mágica operava com os

mesmos padrões da música de concerto. Era completamente tonal, apresentava uma

métrica rítmica tradicional, utilizava orquestras, cantores, coros, e era cantada em

língua portuguesa, o que seria um dos baluartes dos nacionalistas republicanos como

Nepomuceno. Nas críticas à Mágica Pandora de Cavalier Darbilly destacam-se as

referências ao domínio técnico do compositor – “A partitura da Pandora é um primor

de harmonia”78; “um compositor a quem não faltam os conhecimentos da técnica de

sua arte”79 –, aos coros escritos para cinco e seis vozes, e a menção ao trecho “o

despertar da natureza, página de música descritiva e imitativa, além de ser feita com

muita arte e gosto” (grifo nosso)80. Mas apesar destes elementos em comum, do

reconhecimento à técnica e instrução musical de seus compositores, a Mágica

continuava a ser vista como uma arte menor, sem sentidos profundos.

Porém, independente desta qualificação imposta pelos líderes da “República” e

os literatos e intelectuais, a Mágica – e o teatro-musicado em geral – gozava da clara

preferência do público. Esta preferência refletia-se também, para além do ganho

direto com suas montagens, em seu sucesso nos mercados circundantes, como a

impressão musical e, posteriormente, a produção fonográfica. Nesta vizinhança cada

vez mais ameaçadora, a crítica às Mágicas passa a abranger também as suas práticas

musicais, associando-se a música assim, aos aspectos “vulgares” e “mercenários”

desta. Desta forma, utilizando um recurso já empregado pelos literatos do Império em

relação a arte dramática, estabelece-se a divisão entre “música comercial”, destinada à

77 ARAÚJO, Samuel. Identidades brasileiras e representações musicais: músicas e ideologias da nacionalidade. In: Brasiliana. Revista Quadrimestral da Academia Brasileira de Música. Nº. 4, janeiro de 2000. p. 43 78 O Paiz. Artes e Artistas. Oscar Guanabarino. Quinta feira, 15 de outubro de 1896. Nº. 4396 79 Jornal do Comércio. Theatros e Música. Rodrigues Barbosa. 9 de outubro de 1896. Ano 75. Nº. 283 80 O Paiz. Artes e Artistas. Oscar Guanabarino. Quinta feira, 15 de outubro de 1896. Nº. 4396

256

mercenária obtenção de lucros, e “música culta”, liberta dos baixos interesses

materiais.

Esta divisão, para além de uma qualificação realizável no seio da “sociedade

dos músicos”, resvala para os próprios públicos que as consomem, sendo estes

também qualificados de acordo com seus gostos, de seus consumos musicais. Neste

sentido, cria-se a sensação de independência em relação ao público reconhecido como

inferior, colocando-se a produção realizada sob os preceitos “desinteressados” do

capital comprometida somente com os possuidores de um determinado nível moral,

intelectual e social. Não há compromissos com o todo, mas com uma parte distinta da

sociedade, culta o suficiente para entender e absorver os princípios mais profundos da

música artística.

Ao se encastelarem nesta gloriosa torre de marfim, a “República Musical”

fecha os olhos para o processo de articulação empreendido pelo teatro-musicado,

igual ao destacado por Samuel Araújo em relação à música popular urbana: a criação

de pontes sólidas entre as diferenças étnicas e sociais. Aluisio de Azevedo, já em

1882, como citamos no capítulo anterior, detectava esta realidade ao afirmar que “nós

nos fazemos representar no teatro pela mágica e pela opereta” 81. Na manipulação de

elementos da “música culta”, acrescidos da gestualidade negra e da musicalidade

popular urbana, criava-se, nestes gêneros do teatro-musicado, outra gama de

significantes a princípio desprezíveis à “elite” musical republicana.

E aqui novamente recorremos ao paralelo que firmamos no capítulo anterior

entre a Mágica e a função que Michel de Certau destina aos contos e lendas82. A

Mágica tornando-se um espaço isolado do cotidiano através de seus elementos

cênicos que remetem ao maravilhoso, ao imaginário, inverte a formalidade das

práticas deste cotidiano e suas relações de forças, oferecendo neste espaço utópico,

mítico, a possibilidade do triunfo do oprimido.

Aliavam-se a estes elementos a possibilidade de ouvir seus próprios sons,

originados nas ruas de sua cidade; de ouvir os sons do outro, e num gesto astuto

apropriar-se dele em um novo significante; de se reconhecer sobre o palco nos seus

personagens extraídos do seu cotidiano; de ouvir suas vozes elevadas ao plano do

fantástico e retornarem revestidas dos mais diversos sentidos em suas existências

81 AZEVEDO, Aluisio. A flor-de-lis. Gazeta da Tarde. Rio de Janeiro, 3 de fevereiro de 1882. Apud. FARIA, João Roberto. Op. Cit. p. 577-578 82 CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. pp. 84-85.

257

sociais. Desta forma, a Mágica servia à população urbana como instrumento de

redimensionamento da ordem estabelecida ao impregnar com seu imaginário esta

massa que, assumindo uma posição ativa, afirma suas preferências e gostos

desorganizando e questionando a visão centralizada, homogênea e paternalista da

“República Musical”.

Não é à toa que, quando em sua busca de se apropriar do particular

emoldurando-o nas estruturais harmônicas e formais das escolas nacionalistas

européias, os compositores da “República Musical” vão buscar exatamente neste

mesmo gestual negro e popular urbano, já amplamente utilizado na Mágica, o material

temático de suas obras: “reconhecem seus serviços” na construção desta ponte entre

as diversidades étnicas e sociais e percebem a “veracidade em suas alegações”

coletivas, mas insistem em engessá-lo nos seus padrões estéticos estrangeiros. Assim,

cultivavam-no na distância suficiente da estilização, na tentativa de ordená-lo para

que não perturbasse sua visão de mundo.

Acontece que este gestual acaba assumindo a própria posição de uma

identidade musical nacional, dispensando qualquer interlocução formal. Apresenta-se

puro e reconhecível a quem de direito: a população urbana que o formatou. Dispensa

desta forma tanto a moldura escolástica da “música culta” quanto a intermediação

sócio-cultural da Mágica. Impõe-se soberano nos discos de domingo, nas ondas do

rádio, e dissemina com sua força novos embates na “sociedade dos músicos”.

Em 1914, a apresentação do Corta-Jaca de Chiquinha Gonzaga em uma

recepção presidencial provocava a revolta dos que não aceitavam a elevação deste

gênero à altura de uma instituição social, como definiu Rui Barbosa. Do alto da

tribuna do Senado Federal, Barbosa protestava: Diante do corpo diplomático, da mais fina flor da sociedade do Rio de Janeiro, aqueles que deveriam dar ao país o exemplo das maneiras mais distintas e dos costumes mais reservados, elevaram o corta-jaca à altura de uma instituição social. Mas o corta-jaca de que eu ouvira falar há muito tempo, que vem a ser ele, Sr. Presidente? A mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque do cateretê e do samba. Mas nas recepções presidenciais o corta-jaca é executado com todas as honras de música de Wagner, e não se quer que a consciência deste país se revolte, que as nossas se enrubesçam e que a mocidade se ria. 83

83 Apud. DINIZ, Edinha. Chiquinha Gonzaga, uma história de vida. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1999. p. 205

258

Rui Barbosa manifestava seu desprezo a uma expressão popular, seu repúdio a

presença desta no círculo do poder, e evocava o modelo primeiro da “República

Musical” como contraste de qualidade e elevação. Colocando-se entre os que seriam a

“consciência deste país”, demonstrava o que José Murilo de Carvalho descreve como

a marca da modernidade republicana: a alergia ao povo. 84

Em sua visão missionária, estes reformadores da sociedade percebiam-se como

“salvadores de um povo doente, analfabeto, incapaz de ação própria, bestializado, se

não definitivamente incapacitado para o progresso”85. Para além de uma visão

reducionista do outro, este discurso se adequava à própria manutenção de um grupo

que se arvorava o direito de impor sua branca e eurocêntrica visão de mundo. Reduzir

o outro, negar seus méritos, constituía-se em mais que um preconceito, era a

demarcação de seu espaço, a defesa de uma posição de prestígio.

84 CARVALHO, José Murilo. Pontos e bordados. Op. Cit. pp. 120 85 Idem. Ibidem. p. 121

260

ocupar posições de prestígio nos lugares de atuação disponíveis naquele período,

afirmava o monopólio do poder de reconhecer aquele que poderia ser definido como

músico, e não se esquivava de ações que visavam delimitar o campo de atuação deste.

Nos anos seguintes a sua morte, em 1865, deflagram-se os embates em torno da

ocupação de sua posição, para a qual concorreriam, entre outros, o agora respeitado

artista Cavalier Darbilly, que retornava ao Rio de Janeiro após completar seus estudos

em Paris. Entretanto, as mudanças que marcavam a capital do Império no decênio de

1870 – como o aumento de lugares de prática musical, o crescimento e a feição cada vez

mais heterogênea da população local e o fim das subvenções do Governo aos teatros –,

tornavam tal centralização impossível, ao mesmo tempo em que ampliavam as

possibilidades de uma existência social do músico, já não necessariamente submissa às

ações do Governo.

O fim da subvenção oficial aos teatros gerava uma ampla disputa pelo público,

empreendida pelos artistas e empresários envolvidos na produção cultural do período.

Tratava-se não apenas de criar laços entres os espaços e determinados segmentos da

sociedade, como também de realizar um produto cultural que motivasse e despertasse

interesse em uma população cada vez mais movida pelo apelo da arte como

entretenimento.

Atento a este movimento, Darbilly não se furtaria a participar, como compositor,

das produções do teatro-musicado, entre elas as encenações de Mágicas, que levavam

pela primeira vez aos teatros da capital os sons e os ritmos da música popular urbana. A

identificação gerada entre o público e esse gênero do teatro musicado é possível de ser

mensurada não somente através da incrível aceitação por parte deste, como pela

extremada reação da elite intelectual, que enxergava nesta prática dramático-musical

uma ameaça aos seus projetos de uma arte culta, moralizante e sócio-educativa.

Estas críticas ficam ainda mais acirradas quando, com o advento da República, o

compositor Leopoldo Miguez é elevado à condição de líder da “sociedade dos

músicos”. Novamente este subgrupo é submetido a uma liderança centralizadora, que

tenta impor não somente um controle sobre a atuação dos músicos, como uma visão de

mundo e de prática musical embasada em princípios rígidos, que dividiam a sociedade

entre os que podiam alcançar os sentidos mais profundos da verdadeira obra de arte e os

que não podiam.

Neste sentido, a presença da música popular urbana, e principalmente de uma

forma gerada a partir de um gestual negro, o maxixe, era indubitavelmente considerada

261

uma expressão artística menor e, portanto, não digna desta nova ordem que se

estabelecia. O afastamento de Darbilly do centro desta nova ordem, o Instituto Nacional

de Música, impunha-se assim, não somente como uma ação direcionada a um indivíduo,

mas a todo significante que sua prática musical trazia.

Entretanto, esta liderança não percebia a sólida ponte que havia sido construída

pelos músicos que utilizavam o elemento popular urbano em suas composições e o

público que as consumia. Ao tentar afastar de sua vizinhança a perigosa presença do

popular, enclausurava-se em uma “torre de marfim” que a distanciava da realidade

social que a circundava.

E não demoraria a que sua produção artística viesse a ser incluída, juntamente

com a que tentava sufocar, na terrível qualificação de arte-menor, de imitação

pretensiosa, como se refeririam à produção musical do século XIX os envolvidos no

movimento modernista, na década de 1920. Villa-Lobos definiria a produção musical

erudita desse período como bonecas de biscuit, bem vestidas à maneira e costumes

estrangeiros; o popular somente podia ser admitido quando olhado à distância, filtrado

pelas lentes da estilização e moldado às conveniências das suítes nacionalistas, de

acordo com as normas estabelecidas por Mário de Andrade.

É sob a influência desta ótica que a representativa produção cultural do século

XIX – em especial a música e as manifestações do teatro-musicado –, permanece com

tanto a ser desvendado, apropriado e, sobretudo, utilizado com a propriedade devida nos

debates que envolvem questões como identidade, nação e arte brasileira. Neste sentido

esta tese, longe de ser conclusiva ou de preencher lacunas, propõe-se como um

instrumento de auxílio e motivação para a intensificação desses debates.

No processo de escrita desta tese, além de todo o aprendizado que a pesquisa

trouxe, descobrimos o quão afetivamente o assunto nos motiva. Sendo objeto de estudo,

tornou-se objeto de paixão. E é movido por esta paixão que almejamos trazer aos

vastos palácios da memória a história de um artista e de sua arte, arte de um tempo

imarcescível, que o esquecimento, por pouco, ainda não absorveu e sepultou.

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QUESTÃO CAVALIER. Despacho do Ministro. 27 de setembro de 1897. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. QUESTÃO CAVALIER. Representação de Carlos Severiano Cavalier Darbilly ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores da República dos Estados Unidos do Brasil. 27 de março de 1903. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. QUESTÃO CAVALIER. Despacho do Ministro. 2 de Abril e 9 de maio de 1903. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. QUESTÃO CAVALIER. Informação do Diretor Alberto Nepomuceno ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores Sr. José Joaquim Seabra. 18 de abril de 1903. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. QUESTÃO CAVALIER. Representação de Carlos Severiano Cavalier Darbilly ao Doutor Augusto Tavares de Lyra, Ministro de Estado dos Negócios do Interior e Justiça. 19 de julho de 1908. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. QUESTÃO CAVALIER. Despacho do Ministro. 25 e 31 de agosto de 1908. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. QUESTÃO CAVALIER. Requerimento de Carlos Severiano Cavalier Darbilly ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores. 6 de Setembro de 1911. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. QUESTÃO CAVALIER. Oficio de Alberto Nepomuceno ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores. 5 de outubro de 1911. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. QUESTÃO CAVALIER. Requerimento do 1º Secretário da Câmara dos Deputados ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores. Secretaria da Câmera dos Deputados. 27 de setembro de 1911. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. QUESTÃO CAVALIER. Despacho do Ministro. 6 de outubro de 1911. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. QUESTÃO CAVALIER. Despacho do Ministro. 11de outubro de 1911. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. QUESTÃO CAVALIER. Despacho do Ministro. 27 de outubro de 1911. Documento manuscrito. Acervo do Arquivo Nacional. Localização: GIFI 4H-221. 2. Documentos do Acervo Museu D. João VI ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Manuel de Araújo Porto Alegre. Discurso proferido na abertura solene das aulas. Livro de atas (1841-1856). Ata da sessão de 2 de junho de 1855. Acervo Museu D. João VI. Notação: 6151.

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ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Projeto de estatutos do conservatório de música: organizado para o cumprimento do art. 15 do Decreto n° 1542 de 23 de janeiro de 1855, e mandado por em execução provisoriamente pelo Aviso de 16 de Junho de 1878. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1878. 19p. Biblioteca Nacional. Divisão de Música: OR. A-II. I-24. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do diretor ao Ministro dos Negócios do Império Carlos Leôncio de Carvalho. 25 de Fevereiro de 1878. Documento manuscrito. Acervo Museu D. João VI. Notação 2109. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Minuta de contrato entre o diretor da academia e o negociante Carlos Severiano Cavalier Darbilly, para fornecimento de artigos de escritório, desenho e pintura durante o ano de 1889. Acervo Museu D. João VI. Notação nº. 2639. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofícios do Ministério dos Negócios do Império. Documentos manuscritos. Acervo Museu D. João VI. Notação 2110, 2151, 2093, 2097. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Minuta de Oficio. Documento manuscrito. Acervo Museu D. João VI. Notação 4122. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Oficio do secretario do Corpo Colletivo União Operária ao Diretor do Conservatório de Música. Acervo Museu D. João VI. Notação 3674. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Proposta assinada por Francisco Manuel da silva, Manuel Carneiro do Conservatório de Música ao Secretário da Academia para que se façam extensivas ao Conservatório as medidas e multas estabelecidas pela Repartição de Instrução Pública. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2126 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Livro de Registros das Atas da Congregação da Academia de Belas-Artes 1856-1874. Ata da Sessão de 12 de Outubro de 1859. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 6152. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Requerimento do secretario interino do Conservatório de Música Dionísio Vega ao Ministro do Império. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2120. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Minuta de Oficio da Academia de Belas-Artes para a comissão de solenidade da Sociedade comemorativa da Independência. Documento manuscrito. Acervo Museu D. João VI. Notação 431. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Oficio do diretor do Conservatório ao Ministério dos Negócios do Império. Documento manuscrito. Acervo Museu D. João VI. Notação 2147. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Livro de registro das Atas 1856-1874. Ata da Sessão de 20 de março de 1857. Acervo Museu D. João VI. Documento Manuscrito. Notação 6152. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minutas de ofícios da Academia sobre a falta de noticias do pensionista Henrique Alves Mesquita. Minuta de ofício de 5 de agosto de 1858. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 3702.

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ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Documentos relativos ao pensionista do Conservatório de Música, Henrique Alves de Mesquita, baseado em Paris. 10 de agosto de 1858. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2123. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Documentos relativos ao pensionista do Conservatório de Música, Henrique Alves de Mesquita, baseado em Paris. 10 de novembro de 1858. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2123. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Documentos relativos ao pensionista do Conservatório de Música, Henrique Alves de Mesquita, baseado em Paris. Extrato do ofício do Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil em Paris de 3 de Dezembro de 1858. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2123. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Cópia de atestado de freqüência escolar de Henrique Mesquita passado por François Bazin, professor do curso de Harmonia, do Conservatório de Música de Paris. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 3347. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofício do Ministério dos Negócios do Império ao Diretor da Academia de Belas-Artes. 1 de maio de 1861. Notação: 2265. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do Diretor do Conservatório de Música ao Diretor da Academia de Belas-Artes. 5 de Junho de 1862. Notação: 2265. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofício do Ministro dos Negócios do Império Marques de Olinda ao diretor da Academia de Belas-Artes. 28 de Junho de 1862. Notação: 2265. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofício da Secretaria de Estado dos Negócios do Império ao diretor da Academia de Belas-Artes. 7 de Julho de 1862. Notação: 2265. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Livro de registro das Atas 1856-1874. Ata da Sessão de 13 de novembro de 1863. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação 6152. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do diretor do Conservatório de Música solicitando que esta obtenha do governo imperial uma condecoração para o aluno Antonio Carlos Gomes. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2263. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício do diretor do Conservatório de Música ao Ministro do Império solicitando três meses de licença por motivos de saúde. Acompanha esclarecimentos sobre as obras de construção do Conservatório de Música. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2128 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minuta de ofício do Diretor Interino do Conservatório de Música ao Ministro do Império informando o falecimento do seu diretor Francisco Manuel da Silva. Notação: 2127. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Relação dos alunos do Conservatório de Música selecionados para ser premiados com a pequena medalha de ouro, de prata e menção honrosa, segundo o Maestro Arcângelo Fiorito. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2137.

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ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Ofício da diretoria do Conservatório de Música ao secretário da Academia propondo a concessão de titulo de professor honorário a Arcângelo Fiorito e Rafael Mirate por terem participado da execução musical da missa de réquiem por ocasião das exéquias de sua Majestade o Rei das Duas Sicílias. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação 2121. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofício da 4ª seção do Ministério do Império ao diretor da Academia aprovando a eleição do artista Arcângelo Fiorito para professor honorário da 5ª seção da Academia. 07 de novembro de 1859. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2119. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Documento da academia aprovado em seção, propondo que se solicite do governo imperial para o professor de Canto do Conservatório de Música e diretor dos concertos Arcângelo Fiorito. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2246. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofício do Diretor da Academia ao Ministro do Império propondo a efetivação dos professores Joaquim Callado e Henrique Alves Mesquita, que já estão servindo interinamente e o concurso para todas as vagas que sobrarem no Conservatório de Música. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2109 ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Minuta de oficio do diretor da Academia ao ministro do império, informando sobre as habilidades de Bento Fernandes das Mercês e Carlos Severiano Cavalier Darbilly, candidatos ao lugar de mestre de Capela Imperial. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2679. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofícios do Ministério do Império solicitando ao diretor da academia a necessidade de se melhorar o serviço de música da Capela Imperial e propondo sua reorganização. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2385. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Ofício da 2ª diretoria do Ministério do Império ao Diretor da Academia declarando que não foi possível conceder a Arcângelo Fiorito uma gratificação pelas lições de piano. Acompanha minuta de carta do secretário minuta da carta do secretario a Arcângelo informando o fato e sua dispensa dos serviços. 10 de abril de 1877 e 16 de abril de 1877. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2307. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Minuta de oficio do secretario da academia a Carlos Severiano Cavalier, comunicando sua readmissão para ensinar piano, gratuitamente, no Conservatório de Música. 16 de abril de 1877. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 3366. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Oficio do Diretor do Conservatório de Música Antonio Nicolau Tolentino. 27 de fevereiro de 1878. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2109. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minuta de oficio do Vice-diretor da Academia ao Ministro do Império apresentando os nomes dos professores efetivos do Conservatório de Música para inspetor de ensino. 28 de Junho de 1879. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2107. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minuta de oficio do Vice-diretor da academia informando que o professor Arcângelo Fiorito é o mais idôneo para o cargo de inspetor

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de ensino do Conservatório de Música. 17 de julho de 1879. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2106. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Carta de Antonio José de Souza ao Maestro Arcângelo Fiorito. 27 de julho de 1878. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 4640. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Carta de Arcângelo Fiorito solicitando auxílio de professores para o concerto da solenidade de distribuição de prêmios, visto que o Conservatório de Música não está organizado. Contém nota com a despesa da orquestra. Acervo Museu D. João VI. Documento Manuscrito. Notação 2302. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Minutas de oficio comunicando como vencedor do concurso Darbilly para 1 cadeira de piano. Sendo já professor da 2ª aula pede a efetiva transferência e sua nomeação conforme o Programa e Instrução e dos Estatutos. 18 de maio de 1883 a 24 de dezembro de 1884. Acervo Museu D. João VI. Documentos manuscritos. Notação: 2697. ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Oficio do diretor da academia ao ministro do império comunicando o falecimento do professor de canto e inspetor de ensino, Arcângelo Fiorito, e a designação interina de Carlos Darbilly para os cargos, até que sejam abertos concursos. Acervo Museu D. João VI. Documento manuscrito. Notação: 2170. 3. Documentos do Acervo Biblioteca Nacional ACADEMIA DE BELAS-ARTES. Conservatório de Música. Relatório do diretor da Academia de Belas-Artes e do Conservatório de Música, Antonio Nicolau Tolentino, ao Ministro dos Negócios do Império em 30 de abril de 1875. Biblioteca Nacional, 255.402 a.a. SILVA, Francisco Manuel da Silva. Compendio de Princípios Elementares de Música para uso do Conservatório do Rio de Janeiro. 4ª edição Rio de Janeiro: Narciso Arthur Napoleão. Biblioteca Nacional. Divisão de Música: OR. A-II. T-19fa. 15p. Estatutos da Sociedade de Música do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Emp. Typ. Dous de Dezembro de Paula Brito Impressor da Casa Imperial, 1853. 19p. Biblioteca Nacional. Divisão de Música. OR. A-II. L-85 Petição para criação na Corte de um Conservatório de Música. Acervo Biblioteca Nacional. Documento manuscrito. Seção de Manuscritos, C-0774,035. Carta de Arcângelo Fiorito ao Imperador D. Pedro II. Biblioteca Nacional. Documento manuscrito. Seção de manuscrito: I- 35, 6, 26. SILVA, Francisco Manuel. Discurso pronunciado por ocasião da instalação do Conservatório de Música. Rio de Janeiro, 1848. Documento manuscrito. Biblioteca Nacional. Seção de Manuscrito: II, 34,26,42.

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4. Documentos da Biblioteca Alberto Nepomuceno - Setor de Documentos Históricos INSTITUTO NACIONAL DE MÚSICA. Leopoldo Miguez. Organização dos Conservatórios de Música na Europa. Relatório apresentado ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores por Leopoldo Miguez, Diretor do Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, em desempenho da comissão de que foi encarregado em aviso do mesmo Ministério de 16 de Março de 1895. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1897. INSTITUTO NACIONAL DE MÚSICA. BARBOSA, José Rodrigues. Instituto Nacional de Música. In: Notícia histórica dos serviços, instituições e estabelecimentos pertencentes a esta instituição, elaborada por ordem do respectivo ministro Dr. Amaro Cavalcanti. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1898. Cap. XXIV. INSTITUTO NACIONAL DE MÚSICA. Ata da sessão da Congregação efetuada no dia 15 de Abril de 1903. Atas da Congregação e Conselho do Instituto Nacional de Música. Livro I, 1890-1912. Documento manuscrito. INSTITUTO NACIONAL DE MÚSICA. Ata da sessão da congregação efetuada no dia 25 de novembro de 1903. Atas da Congregação e Conselho do Instituto Nacional de Música. Livro I, 1890-1912. Documento manuscrito. 5. Documentos Oficiais. BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro Antonio Pinto Chichorro da Gama. Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral Legislativa na Sessão Ordinária de 1834. Rio de Janeiro, Typographia Nacional. 1834. BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro Joaquim Marcellino de Brito. Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral Legislativa na 4ª Sessão da 6ª Legislatura. Rio de Janeiro, Typographia Nacional. 1847. BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro José Carlos Pereira de Almeida Torres (Visconde de Macahé). Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 7ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1848. BRASIL. Informações dadas pela Comissão Diretora do Teatro da Corte sobre o estado do mesmo Teatro. Documento anexo ao Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na quarta Sessão da oitava legislatura pelo Ministro e Secretario d’ Estado Visconde de Monte Alegre. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1852. BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro Luiz Pedreira do Couto Ferraz. Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral Legislativa na 4ª Sessão da 9ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1856. BRASIL. Programma da Academia de Ópera Nacional. Anexo do Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 10ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1857.

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BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. 25 de abril de 1857. Instruções concernentes aos alunos do Conservatório e Música que forem mandados à Europa como pensionistas, afim de se aperfeiçoarem no estudo da música e do contraponto. Documento anexo ao Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Primeira Sessão da Décima Legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Luiz Pedreira do Couto Ferraz. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1857. BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro Pedro de Araújo Lima, Marquez de Olinda. Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 2ª Sessão da 10ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1858. BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro Sergio Teixeira de Macedo. Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 3ª Sessão da 10ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1859. BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro João de Almeida Pereira Filho. Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 4ª Sessão da 10ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1860. BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Ministro José Antonio Saraiva. Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assembléia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 11ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1861. BRASIL. Ministro Pedro de Araújo Lima, Marquez de Olinda. Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 3ª Sessão da 11ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1863. BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música Thomas Gomes dos Santos. Documento anexo ao Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na terceira sessão da décima quarta legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Dr. João Alfredo Corrêa de Oliveira. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1871. BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório apresentado a Assembléia Geral na Terceira Sessão da Décima - quarta Legislatura pelo Ministro e Secretario d’ Estado dos Negócios do Império Dr. João Alfredo Correa de Oliveira. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1871. BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música apresentado em março de 1872. Documento anexo ao Relatório apresentado à Assembléia Geral na Quarta Sessão da Décima Quarta Legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Dr. João Alfredo Corrêa de Oliveira. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1872. BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música apresentado em março de 1873. Documento anexo ao Relatório apresentado à Assembléia Geral na Terceira Sessão da Décima Quinta Legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Dr. João Alfredo Corrêa de Oliveira. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1874. BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música Antonio Nicolau Tolentino. Documento anexo ao Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na primeira sessão da décima sexta legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos

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Negócios do Império Conselheiro Dr. José Bento da Costa e Figueiredo. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1877. BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música Ernesto Gomes Maia. Documento anexo ao Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na quarta sessão da décima oitava legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Francisco Antunes Maciel. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1884. BRASIL. Ministério dos Negócios do Império. Relatório do Diretor do Conservatório de Música Ernesto Gomes Maia. Documento anexo ao Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na quarta sessão da vigésima legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Antonio Ferreira Vianna. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889. BRASIL. Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Relatório do Diretor do Instituto Nacional de Música Leopoldo Miguez, relativo ao ano de 1890. Documento anexo ao Relatório apresentado pelo Dr. João Barbalho Uchoa Cavalcanti ao Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil, em maio de 1891. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891. BRASIL. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. J. J. Seabra, Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores em Abril de 1903. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1903. BRASIL. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. J. J. Seabra, Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores em Abril de 1904. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1904. BRASIL. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. J. J. Seabra, Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores em Março de 1906. Volume II. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1906. BRASIL. Aviso de 10 de Junho de 1833. Colleção das Decisões do Império do Brasil. 1833. Nº 307. - Justiça. – Em 10 de Junho de 1833. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1873. p. 212-215 BRASIL. Decreto nº. 2.769 de 6 de abril de 1861. Concede à sociedade Musical de Beneficência, estabelecida nesta Corte autorização para continuar a exercer suas funções e aprova os respectivos Estatutos. Collecção das leis do Império do Brasil de 1861. Tomo XXIV. Parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1861. p. 228-238. BRASIL. Decreto nº 425 de 19 de Julho de 1845. Estabelece as regras que se devem seguir para a censura das peças que houverem de ser representadas nos Teatros desta Corte; e faz extensivas aos das Províncias as que lhes são aplicáveis. Collecção das Leis do Império do Brasil. Tomo VIII. Parte II. Secção 24ª. Rio de Janeiro: Typographia Nacional. 1846. BRASIL. Decreto n° 496 de 21 de Janeiro de 1847. Estabelece as bases segundo as quais se deve fundar nesta Corte um Conservatório de Música, na conformidade do Decreto nº. 238 de 27 de Novembro de 184l. Collecção das Leis do Império do Brasil de 1847. Tomo X. Parte II.. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1848. BRASIL. Decreto 1.542 de 23 de Janeiro de 1855. Dá nova organização ao Conservatório de Música. Collecção das leis do Império do Brasil de 1855. Tomo XVIII. Parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1856.

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BRASIL. Decreto 1603 de 14 de maio de 1855. Estatutos da Academia de Belas-Artes. Collecção das Leis do Império do Brasil de 1855. Tomo XVIII. Parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1856. BRASIL. Aviso de 10 de Junho de 1833. Manda observar o Regulamento da Policia Interna do Teatro. Colleção das Decisões do Governo do Império do Brasil 1833. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1873. BRASIL. Decreto n. 8.226 de 20 de agosto de 1881. Dá estatutos ao Conservatório de Música. Collecção das Leis do Império do Brasil de 1881. Parte II. Tomo XLIV. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1882. BRASIL. Decisões do Governo do Império do Brasil. N. 123 - Império –Em 21 de Julho de 1829. Colleção das Decisões do Governo do Império do Brasil 1829. Rio de Janeiro: Typographia Nacional. 1877. BRASIL. Decisões do Governo do Império do Brasil. Nº. 141- Império - em 21 de Julho de 1830. Proíbe a representação nos theatros de dramas offensivos de corporações e autoridades publicas. Colleção das Decisões do Governo do Império do Brasil de 1830. Rio de Janeiro: Typographia Nacional. 1877. BAHIA. Agrário de Souza Menezes. Relatório do Administrador do Teatro São João. Documentos anexos a Fala recitada na Abertura d´Assembléa Legislativa da Bahia pelo Presidente da Província Antonio Costa Pinto. Bahia: 1861. BAHIA. Relatório apresentado a Assembléia Legislativa da Bahia pelo excelentíssimo senhor Barão de S. Lourenço em 11 de abril de 1869. Bahia: Typographia de J. G. Tourinho. 1869. p. 52 BAHIA. Relatório com que o excelentíssimo senhor doutor José Bonifácio Nascentes de Azambuja, presidente da província, abriu a Assembléia Legislativa da Bahia no dia 1. de março de 1868. Bahia: Typ. de Tourinho & Comp., 1868 BAHIA. Documentos annexos ao relatório com que abriu a Assembléa Legislativa Provincial da Bahia o excellentissimo senhor doutor José Nascentes de Azambuja, no dia 1.o de março de 1868. Bahia: Typ. de Tourinho & Comp., 1868. BAHIA. Relatorio que apresentou a Assembléa Legislativa da Bahia o excellentissimo senhor Barão de S. Lourenço, presidente da mesma provincia, em 11 de abril de 1869. Bahia: Typ. de J. G. Tourinho, 1869. BAHIA. Fala recitada na abertura da Assembléia Legislativa da Bahia pelo presidente da província, o doutor Alvaro Tiberio de Moncorvo e Lima em 14 de maio de 1856. Bahia: Typ. de Antonio Olavo da França Guerra e Comp., 1856. BAHIA. Fala que recitou o Presidente da Província da Bahia, o Desembargador João José de Moura Magalhães n’abertura da Assembléia Legislativa da mesma Província em 25 de Março de 1848. Bahia: Typographia de João Alves Portella. 1848.

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MARANHÃO. Regulamento do Teatro. Documento anexo ao Relatório do presidente da província do Maranhão, o doutor Eduardo Olimpio Machado, na abertura da Assembléia Legislativa Provincial no dia 3 de maio de 1854, acompanhado do orçamento da receita e despesa para o ano de 1855. Maranhão: Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1854. MARANHÃO. Relatório com que o Excelentíssimo Senhor Doutor Antonio Epaminondas de Mello passou a administração deste Província ao Excelentíssimo 1º Vice-Presidente Doutor Manoel Jansen Ferreira no dia 5 de maio de 1868. S. Luiz do Maranhão: Typ. Imperial e Constitucional de I. J. Ferreira, 1868. MARANHÃO. Relatório do presidente da província do Maranhão, o doutor Eduardo Olimpio Machado, na abertura da Assembléa Legislativa Provincial no dia 3 de maio de 1855, accompanhado do orçamento da receita e despesa para o anno de 1856, e mais documentos. Marannão [sic]: Typ. Const. de I.J. Ferreira, 1855. PARÁ. Relatório que o Excelentíssimo Senhor Vice-Almirante e conselheiro de Guerra Joaquim Raymundo de Lamare passou a administração da Província do grão-pará ao Excelentíssimo Senhor Visconde de Arary, 1º Vice-Presidente em 6 de Agosto de 1868. Pará: Typographia do Diário do Gram-Pará. 1868 PARÁ. Relatório com que Excelentíssimo Senhor Presidente da Província Conselheiro José Bento da Cunha entregou a administração da Província do Grão-Pará ao Excelentíssimo Senhor 2º Coronel Miguel Antonio Pinto Guimarães em 16 de Maio de 1869. Pará: Typographia do Diário do Grão-Pará, 1869. PARÁ. Cópia do contrato com João Francisco Fernandes. Relatório com que o Excelentíssimo Senhor Presidente da Província Conselheiro José Bento da Cunha Figueiredo entregou a administração da Província do Grão-Para ao Excelentíssimo Senhor 2º Vice-Presidente Coronel Miguel Antonio Pinto Guimarães em 16 de Maio de 1869. Para: Typographia do Diário do Grão-Pará, 1869. PARÁ. Relatório com que o excelentíssimo senhor doutor Domingos José da Cunha Junior, presidente da província, abriu a 2.a sessão da 18.a legislatura da Assembléia Legislativa Provincial em 1.o de julho de 1873. Pará: Typ. do Diário do Grão-Pará, 1873. PARÁ. Relatório que o Excelentíssimo Senhor Doutor Guilherme Francisco Cruz 3º Vice-Presidente passou a administração da Província do Pará ao Excelentíssimo Senhor Doutor Pedro Vicente de Azevedo em 17 de Janeiro de 1874. Pará: Typographia do Diário do Grão-Pará. 1874 PARÁ. Relatório apresentado pelo exm. sr. dr. Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides, presidente da província do Pará, á Assembléia Legislativa Provincial na sua sessão solene de instalação da 20.a legislatura, no dia 15 de fevereiro de 1876. Pará, 1876. PARÁ. Falla com que o exm. sr. general visconde de Maracajú presidente da provincia do Pará, pretendia abrir a sessão extraordinaria da respectiva Assembléa no dia 7 de janeiro de 1884. Pará: Diário de Noticias, 1884. p. 123 PARÁ. Relatório que o Excelentíssimo Senhor Coronel Miguel Pinto Guimarães, segundo Vice-Presidente da Província dirigiu a Assembléia Legislativa Provincial no dia 15 de Agosto de

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1869, ocasião da Abertura da segunda sessão da 16ª Legislatura da mesma Assembléia. Pará: Typographia do Diário do Grão-Pará. 1869 PERNAMBUCO. Relatório que á Assembléia Legislativa de Pernambuco, apresentou na sessão ordinária de 1843 o excelentíssimo barão de Boa-Vista, presidente da mesma província. Recife: Typ. de M.F. de Faria, 1843. PERNAMBUCO. Documento anexo ao Relatório que á Assembléia Legislativa Provincial de Pernambuco apresentou no dia da abertura da sessão ordinária de 1855 o exm. sr. conselheiro Dr. José Bento da Cunha e Figueiredo, presidente da mesma província. Recife: Typ. de M.F. de Faria, 1855. PERNAMBUCO. Fala com que o Exm. Sr. dr. Lourenço Cavalcanti de Albuquerque abriu a sessão da Assembléia Provincial de Pernambuco no dia 1 de março de 1880. Pernambuco: Typ. de Manoel Figueiroa de Faria & Filhos, 1880. PERNAMBUCO. Relatório que à Assembléia Legislativa Provincial de Pernambuco apresentou por ocasião de sua abertura em 1º de março de 1860 o Excelentíssimo Senhor Doutor Luiz Barbalho Muniz Fiúza. Pernambuco: Typographia de M. F. de Faria, 1860. PERNAMBUCO. Relatório com o qual s. exc. o sr. senador Frederico de Almeida e Albuquerque abriu a primeira sessão da Assembléia Legislativa Provincial no 1.o de abril de 1870. Pernambuco: Typ. de M. Figueirôa de Faria & Filhos, 1870. PERNAMBUCO. Relatório que o Exmo. Sr. 1º vice-presidente Manoel Clementino Carneiro da Cunha apresentou ao Exmo. Sr. Conselheiro Dr. Francisco de Paula Silveira Lobo por occasião de entregar-lhe em novembro de 1866, a administração da Província de Pernambuco. Pernambuco: Tipographia de Manoel Figueiroa de Faria & Filhos, 1867. PERNAMBUCO. Relatório com que o Sr. Desembargador José Manoel de Freitas entregou a administração da Província ao Exm. Sr. Dr. Sancho de Barros Pimentel em 20 de setembro de 1884. Recife: Typ. De M. Figueiroa de Faria & Filhos, 1884. p. 31 PERNAMBUCO. Relatório que á Assembléia Legislativa Provincial de Pernaambuco [sic] apresentou na sessão ordinária do 1. de março de 1852 o excelentíssimo presidente da mesma província, o dr. Victor de Oliveira. Pernambuco: Typ. de M.F. de Faria, 1852. p. 27 PERNAMBUCO. Relatório que á Assembléa Legislativa Provincial de Pernaambuco [sic] apresentou na sessão ordinaria do 1. de março de 1852 o excellentissimo presidente da mesma provincia, o dr. Victor de Oliveira. Pernambuco: Typ. de M.F. de Faria, 1852 RIO GRANDE DO SUL. Fala dirigida á Assembléia Legislativa da província de S. Pedro do Rio Grande do Sul pelo presidente, dr. João Pedro Carvalho de Moraes, em primeira sessão da 16ª Legislatura. Porto Alegre: Typ. do Rio-Grandense, 1875. RIO GRANDE DO SUL. Francisco José de Souza Soares de Andréa. Relatório do estado da Província do Rio Grande de S. Pedro apresentado ao Exmo. Sr. Conselheiro José Antonio Pimenta Bueno tendo entregado a presidência no dia 6 de março de 1850. Rio de Janeiro: Typographia Universal Laemmert, 1850. p. 30

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RIO GRANDE DO SUL. Relatório do Estado da Província do Rio Grande de S. Pedro apresentado ao Exm. Sr. Conselheiro José Antonio Pimenta Bueno pelo Tenente General Francisco José de Souza Soares de Andréa tendo entregado a presidência da província no dia 6 de Março de 1850. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert. 1850. RIO GRANDE DO SUL. Estatutos da Sociedade do Teatro de S. Pedro. Documentos anexos ao relatório do presidente da província de S. Pedro do Rio Grande do Sul, Angelo Moniz da Silva Ferraz, apresentado a Assembléia Legislativa Provincial na 1.a sessão da 8.a legislatura. Porto Alegre: Typ. do Correio do Sul, 1858. RIO GRANDE DO SUL. Relatório com que o Conselheiro Barão de Muritiba entregou a Presidência da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul ao Exm. Sr. Presidente e Commandante das Armas, Conselheiro, e General Jerônimo Francisco Coelho no Dia 28 de abril de 1856. Porto Alegre: Typographia do Mercantil, 1856. RIO GRANDE DO SUL. Relatório com que o Desembargador Francisco de Assis Pereira Rocha entregou a Presidência da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul ao Exm. Sr. Vice-Presidente o Comendador Patrício Correa da Câmera no dia 18 de dezembro de 1862. Porto Alegre: Typographia do Mercantil, 1865. RIO GRANDE DO SUL. Relatório do presidente da província de S. Pedro do Rio Grande do Sul, o conselheiro José Antonio Pimenta Bueno, na abertura da Assembléia Legislativa Provincial no. 1.o de outubro de 1850; acompanhado do orçamento da receita e despesa para o ano de 1851. Porto Alegre: Typ. de F. Pomatelli, 1850. RIO GRANDE DO SUL. Relatório apresentado ao Exmº Sr. Vice-Presidente da Província de S. Pedro do rio Grande do Sul Dr. Antonio Augusto Pereira da Cunha pelo Visconde da Boa-Vista ao passar-lhe a Administração da mesma Província no dia 16 de Abril de 1866. Porto Alegre: Typ. Do Jornal do Commercio, 1866. 6. Periódicos Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro. (1848 - 1888) Correio Mercantil. (1854) Jornal do Comércio. (1879 - 1914) Revista Musical e de Bellas Artes. (1879) Vida Fluminense, Folha Joco-Seria-Illustrada. (1868; 1870; 1871) O Álbum. (1893-1895) O Paiz. (1890 - 1914)

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São Paulo: Editora brasiliense, 1982.

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