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1 INTRODUÇÃO No período da pré-história os cur- dos se localizavam entre o planalto do Irã e o Rio Eufrates. Atualmente cerca de 30 milhões de curdos vi- vem em uma região montanhosa que compreende parte dos territórios da Turquia, Síria, Irã, Iraque e Armênia. Esse grupo apresenta diferentes reli- giões e línguas e representa o quar- to maior grupo presente no Oriente Médio. 2 Os curdos se organizam em um sistema de tribos que muitas ve- zes lutam entre si e não se unem por uma causa comum. 3 No início do século XX, os curdos co- meçaram a considerar a criação de um Estado próprio. O Tratado de Sévres 4 , de 1920, entre os países vencedores da Primeira Guerra Mundial, considerou essa possibilidade. Porém, com a fun- dação da Turquia em 1923, a situação dos curdos passou a ser negligenciada. 5 A Turquia é o país com a maior con- centração de curdos, cerca de 15 mi- lhões, que representam 18% da po- pulação do país. Em 1984, foi criado o Partido dos Trabalhadores Curdos (Parti Karkerani Kurdistan - PKK) e com isso a relação entre curdos e turcos começou a se degradar, inclu- sive com confrontos diretos entre os dois grupos. 6 No Irã, os curdos repre- sentam 7% da população e, apesar de conseguirem expressar sua identida- de cultural de forma livre, não con- seguiram o direito de se autogover- narem. 7 Na Síria os curdos são 15% da população e se concentram no norte do país. Com a guerra civil e o auxílio militar curdo contra o Esta- do Islâmico (EI), o grupo conseguiu levar a necessidade de uma região autônoma curda para discussões em órgãos internacionais. 8 No Iraque, os curdos contam com uma região relativamente estável e semiau- tônoma conhecida como Curdistão, organizado de maneira democrática, bem contrastante com situação curda nos países ao redor. Essa região chegou a se desenvolver e prosperar de manei- ra significativa. Porém a autonomia foi fruto de muita luta e só se consumou após a invasão dos EUA e a queda de Saddam Hussein. 9 Com o avanço do Estado Islâmico no Iraque e na Síria, os curdos passaram a se defender em meio ao caos que se estabeleceu e a buscar o estabele- cimento de seu próprio Estado. Para dificultar ainda mais a situação, os países que fazem fronteiras com Ira- que e a Síria não apoiam a ideia de independência curda. 10 OS CURDOS E A TURQUIA A Turquia moderna e laica foi criada em 1923, após a queda do Império Otomano e o fim da Primeira Guer- A QUESTÃO CURDA João Victor Scomparim Soares Poliana Garcia Ribeiro Carolina Soprani Hajar Jihad Jomaa Isabela Maria Madureira Salcedo Daniel Zem Bernardes 1

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V. 4, n. 1 - Fevereiro de 2017

Introdução

No período da pré-história os cur-dos se localizavam entre o planalto do Irã e o Rio Eufrates. Atualmente cerca de 30 milhões de curdos vi-vem em uma região montanhosa que compreende parte dos territórios da Turquia, Síria, Irã, Iraque e Armênia. Esse grupo apresenta diferentes reli-giões e línguas e representa o quar-to maior grupo presente no Oriente Médio.2 Os curdos se organizam em um sistema de tribos que muitas ve-zes lutam entre si e não se unem por uma causa comum.3

No início do século XX, os curdos co-meçaram a considerar a criação de um Estado próprio. O Tratado de Sévres4, de 1920, entre os países vencedores da Primeira Guerra Mundial, considerou essa possibilidade. Porém, com a fun-dação da Turquia em 1923, a situação dos curdos passou a ser negligenciada.5

A Turquia é o país com a maior con-centração de curdos, cerca de 15 mi-lhões, que representam 18% da po-pulação do país. Em 1984, foi criado o Partido dos Trabalhadores Curdos (Parti Karkerani Kurdistan - PKK) e com isso a relação entre curdos e turcos começou a se degradar, inclu-sive com confrontos diretos entre os dois grupos.6 No Irã, os curdos repre-sentam 7% da população e, apesar de conseguirem expressar sua identida-de cultural de forma livre, não con-seguiram o direito de se autogover-narem.7 Na Síria os curdos são 15% da população e se concentram no norte do país. Com a guerra civil e o auxílio militar curdo contra o Esta-do Islâmico (EI), o grupo conseguiu levar a necessidade de uma região autônoma curda para discussões em órgãos internacionais.8

No Iraque, os curdos contam com uma região relativamente estável e semiau-

tônoma conhecida como Curdistão, organizado de maneira democrática, bem contrastante com situação curda nos países ao redor. Essa região chegou a se desenvolver e prosperar de manei-ra significativa. Porém a autonomia foi fruto de muita luta e só se consumou após a invasão dos EUA e a queda de Saddam Hussein.9

Com o avanço do Estado Islâmico no Iraque e na Síria, os curdos passaram a se defender em meio ao caos que se estabeleceu e a buscar o estabele-cimento de seu próprio Estado. Para dificultar ainda mais a situação, os países que fazem fronteiras com Ira-que e a Síria não apoiam a ideia de independência curda.10

os Curdos e a turquIa

A Turquia moderna e laica foi criada em 1923, após a queda do Império Otomano e o fim da Primeira Guer-

a questão curdaJoão Victor Scomparim Soares

Poliana Garcia Ribeiro

Carolina Soprani

Hajar Jihad Jomaa

Isabela Maria Madureira Salcedo

Daniel Zem Bernardes1

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ra Mundial. Seu fundador, Mustafa Kemal Atatürk, se tornou presiden-te do país exercendo o cargo até sua morte em 1938. Em 1946 foi implan-tada a democracia multipartidária, e entre 1960 e 1980 o país sofreu três golpes militares: o primeiro em maio de 1960, marcado por tensões entre o governo e a oposição, envolvendo questões religiosas e de censura; o se-gundo aconteceu em março de 1971 quando, devido à recessão econômi-ca e à inflação que chegou a 80% ao ano, a população se descontentou e o exército interveio para “restabelecer a ordem”; o terceiro ocorreu em se-tembro de 1980 em razão da situação econômica e política que causou de-sordem civil e uma nova intervenção dos militares.11

A Turquia é o país que mais recebe refugiados em todo o mundo, ten-do acolhido cerca de 2,7 milhões de sírios desde o início da guerra civil. Sua posição geográfica é importante devido a sua ligação territorial com o Oriente Médio e Europa, sendo um ponto estratégico de extrema impor-tância, além do país ser membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) há mais de 60 anos.12

PKK - Parti KarKerani Kurdistan

O Partido dos Trabalhadores do Cur-distão é uma organização armada que luta para a criação de um Estado autônomo curdo.13 Desde 1984, lide-ra uma rebelião armada na Turquia, inicialmente com investidas contra as forças turcas, representações di-plomáticas e pontos turísticos, tendo sido adicionado às listas europeia e estadunidense de facções terroristas.14

Em 1999 com a captura do seu cria-dor, Abdullah Öcalan, as articula-ções do partido enfraqueceram.15 Todavia, no início dos anos 2000, o

PKK criou a União das Comunidades do Curdistão (Koma Civakên Kur-distan - KCK), com o intuito de unir aos curdos-turcos, os partidos curdos da Síria e do Iraque.16

Em 2009 começaram as negocia-ções de paz entre o PKK e o governo turco que culminaram com o esta-belecimento de um cessar fogo em 2013.17 A trégua terminou em julho de 2015, por conta de um ataque sui-cida organizado pelo Estado Islâmico que matou 32 ativistas pró-curdos. O atentado desencadeou ataques de militantes e respostas militares, fazendo com que o governo turco lançasse uma operação dupla con-tra os curdos na Turquia e contra os extremistas do Estado Islâmico na Síria. Atualmente, o PKK está jun-to com a milícia curda do Iraque –

peshmerga – combatendo o EI. Essa situação acabou colocando em dúvi-da se o grupo deve continuar nas lis-tas de organizações terroristas, uma vez que está auxiliando coalizões in-ternacionais na guerra contra aquele grupo extremista.18

Para o governo turco, os curdos sírios e o presidente Bashar al-Assad são ameaças maiores do que o próprio Estado Islâmico. Ou seja, os turcos perceberam que oferecendo suporte aos curdos sírios estariam ajudando o PKK, que é considerado um inimi-go terrorista que tenta fragmentar o país há mais de 30 anos.19

os Curdos no Iraque

A relação entre os curdos e as demais comunidades no Iraque é marcada

Guerrilheira do PKK na celebração do ano novo curdo em Qandil

BijiKurdistan/CC

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por conflitos diretos desde o início da década de 1960, quando eclodiu a Primeira Guerra Curdo-Iraquia-na na qual os curdos buscavam sua independência.20 Entre 1974 e 1975 ocorreu a Segunda Guerra Curdo- Iraquiana, que teve seu início com uma ofensiva iraquiana contra os rebeldes do Partido Democrático do Curdistão (Kurdistan Democrat Party - KDP). O governo iraquiano tentava estender seu controle sobre a área curda no âmbito de um projeto de “arabização” da mesma.21

Na década de 1980, o ditador ira-quiano Saddam Hussein usou armas químicas para atacar os curdos que habitavam o norte do país, rico em petróleo. A partir deste momento, o Iraque sofreu grande pressão de di-versos países do mundo para criar uma região autônoma curda, que ia além das Zonas de Exclusão cria-das após a Guerra de Golfo em 1991 com o intuito de proteger os curdos no norte e os xiitas no sul do país.

A ideia era a criação de uma região fede-ral autônoma, uma unidade federativa com presidente e constituição pró-pria, ligada ao go-verno iraquiano.22 A luta para conseguir maior independên-cia do Iraque conti-nua, mas é contesta-da, principalmente pelos Estados Uni-dos que temem que um Estado curdo no Oriente Médio pos-sa desencadear mais conflitos.23

A t u a l m e n t e , o s curdos combatem a repressão do go-

verno iraquiano e o Estado Islâmi-co. No Iraque, o exército curdo é conhecido como Força Peshmerga -“aqueles que enfrentam a morte”. Sem a ação dos peshmergas, calcu-la-se que o EI teria alcançado mais territórios e seria capaz de produ-zir mais terror.24

KdP - Kurdistan democratic Party

O Partido Democrático do Curdis-tão (Partiya Demokrat a Kurdista-nê - PDK, em curdo) é o mais anti-go partido do Curdistão Iraquiano e foi fundado em 1946 com incentivo da União Soviética que apoiava um movimento nacionalista curdo que se opusesse às monarquias do Irã e Iraque que eram ‘patrocinadas’ pelo Ocidente. Desde sua criação, o KDP liderou a luta pela autonomia e inde-pendência curda no Iraque. Apesar de ter sofrido derrotas contínuas por parte do exército iraquiano, o KDP manteve uma base de alianças polí-

ticas atuando como eixo entre tribos conservadoras e grupos socialistas. O Partido não é reconhecido pelo go-verno iraquiano, sendo considerado uma ameaça pelo Estado, visto que controla a milícia conhecida como peshmergas, que conta com cerca de 10.000 homens.25 Não se tem notícia de sua cooperação com o PKK ou com os curdos-sírios.26

PuK – Patriotic union of Kurdistan

A União Patriótica do Curdistão (Yekêtiy Niştîmaniy Kurdistan, em curdo) é um grupo dissidente do Partido Democrático do Curdistão, composto por cinco distintas facções que procuram estabelecer um Esta-do curdo independente. Apesar de buscar a autonomia do Curdistão e a democracia, em 1985 o PUK passou a defender a autodeterminação na-cional explícita de forma enfática.27 Em 1992, a vitória dos candidatos do KDP nas eleições realizadas no Curdistão iraquiano resultou em um acordo de partilha de poder com o PUK nascendo a rivalidade entre as duas partes, que logo se transformou em confrontos armados. Depois de anos de luta intermitente, em agos-to de 1996 o KDP solicitou apoio de Saddam Hussein contra o PUK. Com a ajuda de tropas do governo iraquia-no, as forças do KDP apoderaram-se da cidade de Arbil - sede do parla-mento curdo - no início setembro de 1996. O PUK reivindica jurisdi-ção de todo o Curdistão desde então, mas não aparenta possuir relações externas muito importantes, apesar de ter obtido apoio da Síria e da Lí-bia anteriormente. O PUK mantém boa relação com o Partido Democrá-tico Curdidtão Iraniano (Democratic Party of Iranian Kurdistan - KDPI) e com o Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK) da Turquia.28

Membros da Milícia Peshmerga

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os Curdas na sírIa

Os cerca de 300 mil curdos-sírios nunca tiverem pleno direito à ci-dadania, o que causava dificuldades para qualquer tipo de reivindicação de direitos na Síria. Essa situação resultou também na divisão curda em mais de 30 facções concentradas, majoritariamente, no norte do país.29 A partir de 2011, com guerra civil no país, os curdos assumiram o controle de algumas áreas do território sírio.30 No bojo da guerra, Rojava (como é chamada a região do Curdistão Sí-rio), passou a gozar de autonomia a partir de 2012 e o sustento da co-munidade curda síria é garantido em razão da região se situar em áreas pe-trolíferas. Com a evolução da guerra civil os curdos sírios passaram a lutar em duas frentes, contra o governo sí-rio e contra os extremistas do Estado Islâmico.31

Em meados de 2012, as forças do presidente Bashar al-Assad foram retiradas das regiões curdas da Síria na fronteira da Turquia, permitindo que o Partido da União Democrática (Partiya Yekîtiya Demokrat - PYD) assumisse seu controle. No entan-to, alguns ativistas curdos acusam o PYD de colaborar com o governo do presidente sírio, o que mostra que,

como em todos os movimentos po-líticos, o Partido não representa todo o povo curdo. O partido é filiado ao PKK turco.32

Segundo um censo publicado pelo jornal The New York Times, Rojava possui uma população de aproxima-damente 4,6 milhões de habitantes.33 Por enquanto, não está na agenda do ditador sírio dar uma ampla autono-mia ao povo curdo. Além disso, os Estados Unidos se colocaram contra qualquer proposta de formação de um Estado Curdo nas negociações de paz de Genebra.34

As milícias denominadas Unidades de Proteção Popular (Yekîneyên Paras-tina Gel - YPG, em curdo) são o braço armado do PYD, responsáveis pela oposição ao atual governo. Elas ga-nharam reputação por: destruir cen-tros comunitários, eliminar as mídias independentes, incluindo a detenção de jornalistas; saque de vilarejos; blo-queios de estradas; assassinatos; e re-crutamento forçado. Porém, muitos curdos não se opõem às táticas repres-sivas do YPG porque acreditam que “ser perseguido por curdos é melhor do que ser perseguido por árabes”. O YPG foi considerada a força síria mais efetiva na luta contra o Estado Islâ-mico pela administração do ex-pre-sidente estadunidense Barak Obama, que patrocinou, armou e auxiliou no treinamento de seus milicianos.35

os Curdos no Irã

O território iraniano foi marcado por diversas revoltas curdas, todas elas reprimidas e vencidas pelo governo iraniano. A primeira, a Revolta de Simko, entre 1918 e 1922, consistiu em uma revolta tribal curda apoia-da pela Turquia contra a dinastia

Membros das YPG na linha de frente em Raqqa (Dezembro de 2016)

Kudishstruggle/CC

Membros das YPG na batalha de Kobané (Fevereiro de 2015)

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do Irã.36 Em 1967, uma série de dis-túrbios tribais curdos, eclodiram na parte oeste do país.37 Em 1979, uma nova rebelião contra o novo regime iraniano foi considerada a mais grave e ocorreu logo após a Revolução Islâ-mica que alterou o regime do país.38

O Partido Democrático do Curdis-tão Iraniano (Partî Dêmokiratî Kur-distanî Êran - PDKI, em curdo) e o

Partido da Vida Livre do Curdistão (Partiya Jiyana Azad a Kurdistanê – PJAK, em curdo) são partidos políti-cos curdos que atuam no Curdistão Iraniano, não sendo reconhecidos pelo governo central. O PDKI foi fundado em 1945, obtendo, no iní-cio, apoio soviético. Com as ofensi-vas do governo iraniano abandonou a luta armada na década de 1990. Desde então, o partido perdeu sua

influência e se tornou fraco e desor-ganizado. O PJAK possui apoio entre as mulheres, visto que se comprome-te com os direitos destas no Curdis-tão. Em 2009, o grupo foi considera-do terrorista pelos Estados Unidos, e em 2011 assinou um cessar-fogo com as forças militares iranianas.39

algumas ConsIderações sobre a questão Curda

Como foi possível observar, existem diversos grupos de representação curda espalhados por diversos países. Todavia, não há ligação, comuni-cação ou cooperação entre todos os grupos curdos existentes. Por vezes, isso ocorre também entre os grupos curdos presentes num mesmo país cujo melhor exemplo foi a luta en-tre o PUK e o KDP no Iraque. Nesse sentido, existem iniciativas de con-gressar os grupos curdos, como é o caso do KCK, encabeçado pelo PKK.

Basicamente, de forma bastante re-ducionista, a luta dos curdos em to-dos os países onde estão presentes, se resume na busca por maior autono-mia e, se possível, a constituição de um Estado. O papel geopolítico de-sempenhado pela etnia no Oriente Médio é fundamental atualmente, uma vez que os curdos são um dos maiores opositores ao Estado Islâmi-co na Síria e no Iraque. Nesses países os militantes do Partido dos Traba-lhadores Curdos, a Força Peshmerga e as milícias YPG são os principais atores locais que combatem os extre-mistas do EI. O papel desempenhado por esses grupos provocou discussões sobre considerá-los ou não como or-ganizações terroristas, uma vez que auxiliam as coalizões internacionais na luta contra o EI.

O PKK é um importante ator em aspectos internos da Turquia, repre-sentando oposição ao atual regime

Membros de Milícia Yazidi e do PKK com pintura do líder político Abdullah Öcalan

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1 Discentes do Curso de Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) - Campus de Marília e membros do Observatório de Conflitos Internacionais (OCI).

2 WHO are the Kurds? BBC NEWS. 2016. Disponível em: <http://www.bbc.com/news/world-middle-east-29702440>. Acesso em: 14 jun. 2016.

3 FERNANDES, José Pedro Teixeira. A Turquia e a questão curda: é na Turquia que a questão curda tem a sua maior dimensão e complexidade política. Público. 2014. Disponível em: <https://www.publico.pt/ mundo/noticia/a-turquia-e-a-questao-curda-1673094>. Acesso em: 14 jun. 2016.

4 O Tratado de Sèvres foi um tratado de paz entre a Turquia e os países aliados da Primeira Guerra Mundial (exceto Rússia e os Estados Unidos), assinado em 10 de agosto de 1920. O Tratado deixou o Império Otomano sem a maioria de suas antigas possessões, limitando-se a Constantinopla e Ásia Menor. Com o tratado, no leste da Anatólia foi criado um Estado autônomo curdo. DIPUBLICO.org. 2010. Disponível em < http://www.dipublico.org/3680/tratado-de-sevres-1920/> Acesso em: 25 fev. 2017

5 FULLER, Graham E. The Fate of the Kurds. Foreign Affairs, [s.l.], v. 72, n. 2, p.108-121, 1993. JSTOR. http://dx.doi.org/10.2307/20045529. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/20045529?seq=1# page_scan_tab_contents>. Acesso em: 13 jun. 2016.

6 FERNANDES, 2014, op. cit.

7 MORADI, Arina. Iran will not tolerate Kurdish independence: ‘ISIS and Israel benefit only’. Rudaw. 2016. Disponível em: <http://rudaw.net/english/kurdistan/170220162>. Acesso em: 15 jun. 2016.

8 CURDOS da Síria anunciam criação de região federal no norte do país. France Presse. 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/03/curdos-da-siria-anunciam-criacao-de-regiao-federal-no-norte-do-pais.html>. Acesso em: 14 jun. 2016.

9 CINCO pontos sobre os curdos no Iraque. O Globo. Disponível em: <http://infograficos.oglobo.globo.com/mundo/cinco-pontos-sobre-os-curdos-no-

iraque/curdistao-iraquiano-19013.html#description_ text>. Acesso em: 22 jul 2017. NORTE, Diego Braga. Curdistão, um ‘oásis’ em meio ao caos do Iraque. Veja. 2014. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/mundo/curdistao-um-oasis-em-meio-ao-caos-do-iraque/>. Acesso em: 22 jul. 2016.

10 AMEAÇADO, Curdistão virou polo de estabilidade no Iraque. BBC. 2014. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/08/140816_curdistao_oasis_lab>. Acesso em: 22 jul. 2016.

11 TIMELINE: A history of Turkish coups. Aljazeera. 2016. Disponível em: <http://www.aljazeera.com/ news/europe/2012/04/20124472814687973.html> Acesso em: 20 jul. 2016

12 TURQUIA rachada entre o EI e os combatentes curdos; entenda. UOL. 2016. Disponível em: <http://noticias.ne10.uol.com.br/mundo/noticia/2016/07/15/turquia-rachada-entre-o-ei-e-os-combatentes-curdos-entenda-626364.php>. Acesso em: 19 jul. 2016.

13 PKK: Grupos terroristas. Terra. Disponível em: <http://www.terra.com.br/noticias/infograficos/ataques-terroristas/grupos/pkk-50.htm>. Acesso em: 14 jun. 2016.

14 O QUE é o PKK? Publico. 2007. Disponível em: <https://www.publico.pt/mundo/noticia/o-que-e-o-pkk-1308489>. Acesso em: 14 jun. 2016.

15 WHELAN, Brian. Kurdish spring: What are the PKK fighting for? Channel 14. 2014. Disponível em: <http://www.channel4.com/news/pkk-kurdistan-workers-party-islamic-state-kurdish-spring>. Acesso em: 14 jun. 2016.

16 ENTREVISTA com Mehmet Dogan: A atualidade do povo curdo no Oriente Médio. A atualidade do povo curdo no Oriente Médio. Passa Palavra. 2014. Disponível em: <http://www.passapalavra.info/ 2014/10/100311>. Acesso em: 13 jun. 2016.

17 REBELDES curdos do PKK começam a se retirar da Turquia. G1. 2013 Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/05/rebeldes-curdos-do-pkk-comecam-a-se-retirar-da-turquia.html>. Acesso em: 14 jun. 2016.

do presidente Erdogan que, por sua vez, percebe os curdos como amea-ças maiores do que o próprio Estado Islâmico. Nesse sentido, oferecendo suporte aos curdos sírios estaria in-diretamente fortalecendo o PKK e, com isso, aumentando a capacidade do grupo na sua luta pela fragmenta-ção do território turco.

As guerras na Síria e no Iraque fo-ram, de certa forma, benéficas para a comunidade curda. Os curdos ira-quianos, com a autonomia de seu território, atuaram com mais inde-pendência e apresentaram um siste-ma político democrático e um mode-lo econômico bem sucedido.40

A possibilidade dos curdos conquis-tarem a independência, ou maior au-

tonomia, é mais complicada na Tur-quia. Apesar da organização curda mais conhecida e organizada – o PKK – estar localizada no país, a percepção da ameaça curda é mais evidente por parte do governo, resultando numa barreira às suas reivindicações e em mais violência de ambos os lados.

No Irã, onde os grupos são mais disper-sos e menos representativos, uma certa autonomia dos curdos poderia ocorrer como consequências da autonomia conquistada na Síria e no Iraque, caso elas se consumem plenamente.

A oposição de governos contra a au-to-determinação do povo curdo é muito forte. A manutenção do status quo, evitando a criação de um Esta-do curdo, ainda é vista como fun-

damental pelos governos dos países habitados pela etnia. Porém, segun-do Idris Baluken, um jurista curdo-turco, a situação além das fronteiras, como em Rojava e na região autô-noma curda do Iraque, mostra que as situações na Turquia e no Irã es-tariam prestes a se transformar em uma nova era baseada nas noções de uma nação democrática, para que to-dos, independente da etnia, tenham os mesmo direitos.41

Por fim, se por um lado a conquista de maior autonomia e até mesmo a criação de um Estado curdo poderia favorecer a estabilidade na região, por outro, essas reivindicações levam governos a adotarem medidas violen-tas, a fim de defender a soberania dos Estados, causando mais instabilidade.

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Série Conflitos Internacionais é editada pelo Observatório de Conflitos Internacionais da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP) - Campus de Marília – SP

Editor: Prof. Dr. Sérgio L. C. AguilarLayout: Paula Schwambach MoizesISSN: 2359-5809Comentários para: [email protected]ível em: www.marilia.unesp.br/#oci

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18 LEVY, Bernard-henri. Stop Calling Our Closest Allies Against ISIS “Terrorists”. 2014. Disponível em: <https://newrepublic.com/article/119939/pkk-not-terrorist-organization-theyre-fighting-isis-terrorists>. Acesso em: 14 jun. 2016.

19 GUNTER, Michael M. Iraq, Syria, Isis and the Kurds: Geostrategic Concerns for the U.S. and Turkey. Middle East Policy, [s.l.], v. 22, n. 1, p.102-111, mar. 2015. Wiley-Blackwell. http://dx.doi.org/10.1111/mepo.12116. Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/ mepo.12116/full>. Acesso em: 12 set. 2016.

20 LORTZ, Michael G. (Ed.). The Kurdish Warrior Tradition and the Importance of the Peshmerga: Primeira Guerra Curdo-Iraquiana. 2004. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Primeira_Guerra_Curdo-Iraquiana>. Acesso em: 15 jun. 2016.

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40 GUNTER, 2015, op. cit.

41 BAYRAMOGLU, Ali. What’s next for Turkish Kurds’ political movement? Turkey Pulse. 2017. Disponível em: <http://www.al-monitor.com/pulse/originals/2017/02/turkey-crackdown-on-kurdish-political-parties.html> Acesso em: 25 fev. 2017. DALAY, Galip. Where do Iranian Kurds fit in Iran’s Kurdish policy? Midlle East Eye. 2015. Disponível em: <http://www.middleeasteye.net/columns/what-place-do-iranian-kurds-have-iran-s-purported-new-regional-kurdish-policy-212236589> Acesso em: 25 fev. 2017.