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A questão da habitação (Frederick Engels)

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Stefanie B. Pereira

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Page 1: A questão da habitação (Frederick Engels)

Grupo de Pesquisa Análise e Planejamento Territorial – GPAPT http://www.rc.unesp.br/igce/planejamento/gpapt/gpapt.htm

A questão da habitação (Frederick Engels)

Stefanie B. Pereira, 2008

A obra de Friedrich Engels “A questão da habitação” compõe o conjunto das obras que constituem as bases para o marxismo. O livro é composto por três artigos reunidos pelo autor que tratam da habitação, envolvendo polêmicas com as propostas de Proudhon de socialismo e as propostas burguesas para a solução dos problemas da habitação. Muito embora escritos em 1872 e, publicados em 1887, a obra é extremamente atual tendo em vista que a habitação ainda é um problema para as classes menos favorecidas e as propostas burguesas ainda vigoram sem, contudo, trazer solução definitiva.

Os três artigos foram escritos no contexto de uma Alemanha no início de sua industrialização, onde a afluência dos trabalhadores do campo para a cidade era crescente, tornando inevitável o problema de ausência de infra-estrutura para atender e abrigar essa população. Tendo em vista tal problemática, o médico Arthur Mülberger publica um artigo de tendência proudhoniana afirmando que o grande problema da classe trabalhadora é a exploração por meio dos aluguéis da moradia. Em resposta a tal artigo, Engels publica “Como Proudhon resolve a questão do alojamento”, que é a primeira parte do livro em questão. O autor deixa claro que muito embora a questão da habitação tenha tomado, naquela época, grande interesse e se tenha discutido várias formas de solução, na verdade, a questão do alojamento para o trabalhador não deve ser o foco da análise, uma vez que é efeito do modo capitalista de produção. Dessa forma, afirma Engels, só o fim da exploração da classe trabalhadora pela classe dominante pode por fim à crise da habitação, bem como outros males gerados pelo capitalismo. A proposta de solução do problema realizada por Mülberger baseia-se na idéia de que a figura do assalariado frente ao capitalista é correspondente à do inquilino frente ao proprietário. Dessa forma, bastaria banir o aluguel e tornar o inquilino proprietário da casa, rompendo assim com a “produtividade do capital”. Para desconstruir tal idéia, Engels parte do que a teoria marxista desenvolveu sobre a questão do lucro na teoria da mais valia. A terminologia “produtividade do capital” é utilizada por economistas burgueses para designar a origem do lucro. Dessa forma, apoiavam-se na idéia de que o capital obtinha certa produtividade. Em contrapartida, a teoria marxista afirma que o lucro se dá na apropriação do trabalho não pago aos trabalhadores assalariados, ou seja, a mais valia. (p.15) Com base nessa argumentação Engels combate a idéia de Mülberger no que se refere ao banimento do aluguel. À medida que o lucro é aferido na exploração do trabalho não pago e o capital não possui produtividade, banir o aluguel não libertaria o operário definitivamente da exploração. Além disso, mais adiante, o apelo de Mülberger pelo fim do aluguel é apontado por Engels como corolário da tendência Proudhoniana de distanciamento da reflexão econômica e o apego à questão da “justiça”. Engels então aproveita para condenar a concepção de justiça para análise da questão, à medida que esta não possui objetividade. Dessa forma, pensar a justiça está muito mais ligado à religião do que à questão social.

Engels tem como objetivo quando tece a crítica ao artigo de Mülberger alcançar a crítica principal à teoria de Proudhon que não compreende a dimensão econômica das relações visto que admite a “produtividade do capital”. Sendo assim, assume que a abolição dos juros seria capaz de cessar a produtividade do capital e conseqüentemente promover a “justiça”. Ao rejeitar pensar a mais valia, Proudhon ignora a exploração do trabalho que realmente é responsável pela reprodução do capital.

A segunda parte da obra intitula-se “Como a burguesia resolve a problema da habitação”. Como sugere o título, Engels discorre sobre a preocupação que passou a atormentar a alta burguesia alemã: a insalubridade das habitações dos trabalhadores. Logo de inicio, Engels já explicita que tal preocupação fundamenta-se na potencialidade desses espaços em tornarem-se foco de epidemias, que começavam a alastrar-se pela Alemanha. Baseando-se em tal preocupação tem início a produção de literatura com sugestões a fim de combater a insalubridade. Para a redação da crítica, Engels se utiliza do livro do doutor Emil Sax: “As condições de habitação das classes trabalhadoras e a sua reforma”.

A obra de Dr. Sax é caracterizada por Engels como típico discurso burguês haja vista que aceitando a conservação das bases do capitalismo, poder-se-ia abolir seus males. Segundo Engels, eles

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pretendem “a burguesia sem o proletariado”. Logo, assume também, tal como os proudhonianos, o combate pontual da questão da habitação, mas conservando o modo capitalista de produção. Em refutação a tal discurso, Engels insiste na necessidade de combate à ordem social geradora do problema a fim de que os problemas sejam resolvidos pela raiz. Não há como alcançar a igualdade das classes dentro do capitalismo pois que o modo de produção capitalista depende da distinção de classes. A obtenção da mais valia pressupõe a exploração de uma classe dominante a uma classe trabalhadora, ou seja, deve haver quem se aproprie do trabalho não pago de outro. Engels argumenta que não há como chegar à “burguesia sem proletariado”, tal como sugere o Dr. Sax. Segundo o pensamento burguês, a solução da questão da habitação estaria na concessão da propriedade da sua moradia aos trabalhadores. Engels combate com veemência essa proposta afirmando que se trata de uma solução reacionária e que contém claramente o interesse dos capitalistas neste fim. Segundo tal proposta, o operariado tendo posse da sua moradia estaria seguro e protegido contra o risco do desemprego. A contra-argumentação de Engels vai no sentido de apontar que isso é ilusório porque a propriedade da habitação não tiraria o operário da condição de dependente do capitalista, logo, não obteria a segurança de que fala o Dr. Sax. Para defender tal argumento, Engels faz uso do exemplo dos camponeses, que embora proprietários de suas terras, estas estão hipotecadas e a sua produção já pertence de antemão aos seus credores. Indo mais além na reflexão sobre a propriedade da habitação, Engels aponta que o interesse da burguesia nessa matéria é justamente a possibilidade de redução dos salários. Isso se dá a medida que, se o trabalhador possui sua moradia pode-se abater do seu salário os custos que teria com habitação, que é parte das necessidades para a reprodução da força de trabalho.

Ao final da segunda parte da sua obra, Engels faz referência ainda ao papel do Estado frente a questão da habitação. Faz uma rígida critica então ao Estado burguês a medida que este seria a forma de associação dos burgueses e, enquanto burguês na essência, não teria compromisso com a crise da habitação. “... se os capitalistas, tomados individualmente, deploram, é certo, a crise da habitação, embora nada façam para aliviar, mesmo superficialmente, suas terríveis conseqüências, os capitalistas, tomados no seu conjunto, isto é, o Estado, não farão muito.” (p.46) Mais adiante, Engels acusa ainda o Estado de ser responsável por promover “o paliativo superficial que se tornou usual” (p.46) para sanar pontualmente e, mais que isso, superficialmente os problemas nos quais a classe operária está envolvida e que acabam por denegrir a imagem da cidade. Isso porque as regiões centrais das grandes cidades foram tomadas por trabalhadores morando da forma mais insalubre possível, o que prejudica a imagem dessas cidades não as tornando muito atrativas à burguesia. Tendo em vista essa perspectiva, Engels cita o exemplo da reforma urbana Haussmanniana em Paris. Esta foi uma iniciativa do Estado para atender a burguesia que reformou por completo o centro de Paris, expulsando os trabalhadores sem dá-los outra perspectiva de moradia. Essa seria então a solução burguesa: não eliminar os problemas de habitação dos trabalhadores, mas sim transferi-los para regiões onde não possam estar a vista dessa mesma burguesia.

A terceira parte da obra retoma a polêmica com Proudhon tendo em vista a publicação de uma resposta por parte de Mülberger à Engels. Os mesmos pontos são destacados, mas dessa vez com maior rigor por parte de Engels porque faz a desconstrução da argumentação de Mülberger, por parágrafo.

Em resposta definitiva, não apenas dirigida a Mülberger, mas aos proudhonianos, Engels destaca os pontos cruciais dessa perspectiva no embate com a teoria marxista. Reafirma assim a necessidade de abolir a propriedade privada do solo porque o banimento apenas dos aluguéis em nada alteraria o modo de produção capitalista. Além disso, a resposta de Mülberger acusa Engels de não considerar alternativa que não a completa transformação da sociedade e que isso não seria uma forma prática de resolver a crise da habitação. Engels por sua vez, em resposta, afirma que “Não há nada menos prático que estas “soluções práticas”, preparadas de antemão e aplicáveis a todos os casos e que o socialismo prático consiste essencialmente no conhecimento exato do modo de produção capitalista, sob todos os aspectos.” (p.75) Notas: (1) Esta resenha foi feita a partir da publicação: ENGELS, Friedrich. A questão da habitação. (tradução da edição francesa La Question du Logment pela equipe da Aldeia Global), Aldeia Global Editora, 1979. (2) Os textos de Marx e Engels, bem como de outros socialistas estão disponíveis em vários sítios na Internet, entre eles: http://www.marxists,org e, especificamente este livro está em sua versão inglesa na página: http://www.marxists.org/archive/marx/works/download/Marx_The_Housing_Question.pdf