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DERMEVAL SAVIANI: Dez análises sobre o Plano Nacional de Educação - A QUESTÃO DO MAGISTÉRIO NO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO Por Dermeval Saviani Publicado 01.12.2014 Neste sétimo artigo, Saviani discute as questões que da formação dos docentes e seu exercício profissional. Os pontos de estrangulamento nestes aspectos precisam ser sanados para que a carreira seja reconhecida em seu valor social. O adequado equacionamento do magistério é crucial porque dele depende o alcance das metas voltadas para a elevação da qualidade da educação básica. A questão do magistério envolve dois aspectos reciprocamente relacionados entre si: a formação e o exercício docente. O trabalho docente é condicionado pela formação, pois uma boa formação é premissa necessária a um trabalho docente qualitativamente satisfatório e, inversamente, uma formação precária resulta em um trabalho docente de qualidade insatisfatória. No entanto, embora esse aspecto não seja muito enfatizado, as condições do exercício do magistério reciprocamente determinam a qualidade da formação. E isso, em vários sentidos: a) a formação dos professores se dá, também, como um trabalho docente por parte dos formadores. Portanto, se as condições de trabalho não são adequadas, também os cursos de formação dos professores se desenvolverão em condições insatisfatórias, o que resultará numa formação igualmente insatisfatória; b) as condições de trabalho docente das escolas a que se destinam os professores em formação também influenciam a própria formação porque se o funcionamento das escolas é precário, os estágios também serão precários e, no limite, podem até mesmo ser inviabilizados ou reduzidos a procedimentos meramente formais; c) finalmente e este talvez seja o aspecto mais importante as condições de trabalho docente têm um impacto decisivo na formação, uma vez que elas se ligam ao valor social da profissão. Assim, se o ensino se realiza em situação difícil e com remuneração pouco compensadora, os jovens não terão estímulo para investir tempo e recursos numa formação mais exigente e de longa duração. Em consequência, os cursos de formação de professores terão de trabalhar com alunos desestimulados e pouco empenhados, o que se refletirá negativamente em seu desempenho. Considerando a situação atual da educação brasileira, há dois pontos de estrangulamento que precisam ser sanados. Trata-se da carreira docente e da formação. 1) É necessário instituir a carreira dos profissionais da educação aumentando

A questão do magistério no plano nacional de educação

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Page 1: A questão do magistério no plano nacional de educação

DERMEVAL SAVIANI: Dez análises sobre o Plano Nacional de Educação - A QUESTÃO DO MAGISTÉRIO NO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO Por Dermeval Saviani Publicado 01.12.2014

Neste sétimo artigo, Saviani discute as questões que da formação dos docentes e seu exercício profissional. Os pontos de estrangulamento nestes aspectos precisam ser sanados para que a carreira seja reconhecida em seu valor social.

O adequado equacionamento do magistério é crucial porque dele depende o alcance das

metas voltadas para a elevação da qualidade da educação básica.

A questão do magistério envolve dois aspectos reciprocamente relacionados entre si: a

formação e o exercício docente.

O trabalho docente é condicionado pela formação, pois uma boa formação é premissa

necessária a um trabalho docente qualitativamente satisfatório e, inversamente, uma

formação precária resulta em um trabalho docente de qualidade insatisfatória. No

entanto, embora esse aspecto não seja muito enfatizado, as condições do exercício do

magistério reciprocamente determinam a qualidade da formação. E isso, em vários

sentidos: a) a formação dos professores se dá, também, como um trabalho docente por

parte dos formadores. Portanto, se as condições de trabalho não são adequadas, também

os cursos de formação dos professores se desenvolverão em condições insatisfatórias, o

que resultará numa formação igualmente insatisfatória; b) as condições de trabalho

docente das escolas a que se destinam os professores em formação também influenciam

a própria formação porque se o funcionamento das escolas é precário, os estágios

também serão precários e, no limite, podem até mesmo ser inviabilizados ou reduzidos a

procedimentos meramente formais; c) finalmente – e este talvez seja o aspecto mais

importante – as condições de trabalho docente têm um impacto decisivo na formação,

uma vez que elas se ligam ao valor social da profissão. Assim, se o ensino se realiza em

situação difícil e com remuneração pouco compensadora, os jovens não terão estímulo

para investir tempo e recursos numa formação mais exigente e de longa duração. Em

consequência, os cursos de formação de professores terão de trabalhar com alunos

desestimulados e pouco empenhados, o que se refletirá negativamente em seu

desempenho.

Considerando a situação atual da educação brasileira, há dois pontos de estrangulamento

que precisam ser sanados. Trata-se da carreira docente e da formação.

1) É necessário instituir a carreira dos profissionais da educação aumentando

Page 2: A questão do magistério no plano nacional de educação

significativamente o valor do piso salarial dos professores e estabelecendo a jornada de

tempo integral em uma única escola com no máximo 50% do tempo destinado a

ministrar aulas. O restante do tempo será dedicado à preparação de aulas, correção dos

trabalhos dos alunos, atendimento diferenciado aos alunos com mais dificuldades de

aprendizagem, participação na elaboração do projeto político-pedagógico e na gestão da

escola e atendimento a eventuais necessidades da comunidade. Sem desatar esse nó, sem

o reconhecimento do valor social do trabalho docente traduzido em boas condições de

trabalho e salários dignos, a própria questão da formação não poderá ser resolvida

adequadamente.

2) É preciso corrigir uma grande distorção do processo de formação docente no Brasil: a

grande maioria dos docentes que atuam nas redes públicas de educação básica é formada

em instituições particulares de ensino superior de duvidosa qualidade. Com isso a

educação básica pública fica refém do ensino privado mercantilizado, sem possibilidade

de resolver seus problemas de qualidade. Impõe-se, pois, a criação de uma rede publica

de formação docente ancorada nas universidades públicas para assegurar o preparo

adequado dos professores que irão atuar nas escolas públicas de educação básica. O PNE

trata da questão do magistério nas metas 15 e 16 (formação) e 17 e 18 (condições de

exercício). Apesar de alguns avanços o que se prevê é insuficiente, pois não assegura a

formação centrada em instituições públicas e não garante as condições necessárias à

carreira docente e ao exercício do magistério.

Série de dez artigos publicados no Jornal “A Fonte”, de São Sepé (RS), entre 19 de julho

e 27 de setembro de 2014.

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