A questão do sentido - Luís Cláudio Figueiredo

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  • 7/27/2019 A questo do sentido - Lus Cludio Figueiredo

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    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    by Editora Escuta para a edio em lngua portuguesaI" edio: agosto de 2009 ..

    CAPATeresa BerlinckPRODU O EDITO RIALAraide Sanches

    CDU 159.974.2CDD 616.8917

    Para M.M.

    F475d Figueiredo, Lus CludioAs diversas faces docuidar: novos ensaios de psicanlisecontempornea 1 Lus Cludio Figueiredo - So Paulo: Escuta, 2009.232p ; 14x21 em

    ISBN 978-85-7137-291-71. Psicanlise. 2. Clnica psicanaltica. 3. Confiana (psicologia)4. Metapsicologia. 5. Adolescncia. r. Ttulo.

    Bibliotecria responsvel: Sabrina Leal Araujo - CRB 10 /150 7

    Editora Escuta Ltda.Rua Dr. Homem de Mello, 44605007 -001 So Paulo, SPTelefax: (11) 3865-8950 /3675-1190 /3672-8345e-maiI: [email protected]

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    A QUESTO DO SENTIDO, A INTERSUBJETIVIDADEE AS TEORIAS DAS RELAES DE OBJETO

    Consjderaes preliminaresII A transformao da pura passionalidade em sentido, vale di-zer, a passagem da experincia 'da loucura precoce para o funcio-namento psquico estruturado, dotado da capacidade depressiva delidar com intensidades e convert-Ias em qualidades, esteve sendo

    tangenciado em diversos captulos e em especial no anterior. Tra-taremos de ir um pouco mais longe no captulo que se segue. Cabedizer, de incio, que algumas afirmaes prvias acerca do "fazersentido" tero para ns um carter axiomtico, e suas funes e usossero explicitados ao longo do trabalho. Em seguida, abordaremosas formas e modalidades da intersubjetividade no contexto das quaisocorrem as atividades de fazer sentido. Finalmente, focalizaremosa reunio das duas problemticas no campo estrito da clnica psi-canaltica. Toda esta elaborao conduzir ao captulo seguinte emque se esboa uma Teoria geral do cuidado.

    As atividades de fazer sentidoEnfocando a questo do sentido em sua dimenso pragmti-

    ca - de preferncia dimenso semntica -, e situando firme-mente o sentido no campo da intersubjetividade e das relaes deobjeto (onde incluiremos, coma se ver, a dimenso intrapsquica),cabe dizer:

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    116 A questo do sentido, a intersubjetividade e as teorias... 117us Cludio Figueiredo4,A ns interessa a atividade de jazer sentido, deixando de lado suposio de significados depositados em alguma parte, sedimen-

    tados, disponveis e decifrveis. A nfase no processo de 'ir fa-zendo sentido', um processo eminentemente criativo que parte domais passional e primitivo na experincia humana no mino da suaarticulao e simbolizao. Quando o sentido se cristaliza ou re-cebido ou tomado de forma cristalizada, o processo se interrompee a criatividade se estiola.Uma decorrncia desta perspectiva que no horizonte do jazersentido, ameaando-nos efetivamente a cada interrupo desta ati-vidade, vamos encontrar o no sentido, o real no simbolizado, asforas passionais primitivas e,no limite, o traumtico em sua dimen-so desestruturante, o que poderia ser identificado com o conceitode 'elementos beta' (Bion, 1962,1963). Por outro lado, a existnciado no sentido - cujo ncleo primitivo o que, nos captulos an-teriores, vem sendo denominado de 'experincia da loucura preco-ce' - no mago, nas franjas e dobras do jazer sentido, umacondio indispensvel para que o processo criativo seja ativado. Umexemplo pode nos ajudar: uma biblioteca repleta dos mais interes-santes materiais escritos tanto pode ser a ocasio para atividadesinesgotveis de jazer sentido, se habitada pelos leitores cognitivae afetivamente apropriados, quanto pode se converter em uma quan-tidade indigesta, confusa e enlouquecida de elementos sem signifi-cado e, nesta medida, traumatizantes; o que ela no jamais- llIDsimples depsito em que significados esto dispostos e inertes es-pera do leitor. Sentidos se faro nas leituras efetivas que tais mate-riais ensejarem, e em nenhum lugar eles residem aqum ou alm dasleituras efetuadas.Como fundamento primordial nesta atividade de fazer sentidodetecta-se um impacto afetivo de conjuntos, Gestalten, totalidades,atmosferas, climas, formas expressivas que incidem sopre o indi-vduo. Assumimos, assim, uma posio 'holista', em vez de uma"atomista' , em que se concebem as relaes entre o indivduo e seuambiente em termos de estmulos e respostas discretos: H sempreuma apreenso afetiva do todo - uma 'tonalidade afetivadominante'(Heidegger) - precedendo a incitao ao sentido, solicitando a ativi-dade de jazer sentido.

    A partir deste impacto afetivo global, ojazer sentido deve serentendido como sempre implicando as operaes de desligamento,separao e recorte e, simultaneamente, as operaes de articulaoe reunio. Enfim, h sempre corte e costura no fazer sentido. Me-diante estas operaes, do impacto afetivo global, chega-se cons-tituio de 'figuras' sobre o fundo de uma tonalidade afetiva ecompreensiva bsica. Tais operaes, antes de serem estritamentecognitivas so exercidas pelos afetos que so os primeiros discri-minadores e os primeiros articuladores de que dispomos para enfren-tar o impacto globalizante. A relao de 'conhecimento' e a prpriaconstituio organizada da experincia - campo de figuras inteli-gveis e significativas - pressupem o trabalho dos afetos: o amor- aproximao, ligao e apreenso - e o dio - afastamento,desligamento e evitao - em suas inmeras diferenciaes estona base de tudo.

    O traumtico - na condio do sem-forma, sem-figura esem-sentido - est sempre espreita no horizonte externo do Ja -zer sentido produzindo, na condio de irrepresentvel, intensa dorpsquica. Em acrscimo, o sofrimento comparece como inerente aojazer sentido j que tanto nas operaes de desligamento como nasde ligao certa violncia deve ser exercida. No ligar e desligar cria-tivos h foras que contrariam os sentidos j estabelecidos, os pa-dres dominantes, deixando o indivduo entregue temporariamenteao no sentido (obra dos desligamentos) e ao inesperado (obra deligaes novas e inusitadas). A recusa, a este sofrimento bloqueia aatividade, obstrui o trnsito, interrompe o processo-de fazer senti-do, embora tal interrupo lance e mantenha o sujeito em um esta-do ainda mais pavoroso, o da dor psquica 'em estado bruto, que,eventualmente, nem chega a ser reconhecida como sofrimento mental.

    Dado que a figurao pressupe recortes e articulaes nosplanos afetivos e cognitivos, cabe ver, em todas as figuras do fa-zer sentido, as obras conjugadas de Thnatos e de Eros. Assim, ain-da que a atividade em exame esteja na origem da esfera dossignificados e do chamado 'mundo do esprito', est ela mesma en-raizada na pulsionalidade dos seres vivos, vale dizer, na sua dimen-so corporal e emocional.

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    Lus Cludio Figueiredo

    Neste segmento ser apreciado em maior profundidade o pro-blema da'{ntersubjetividade em suas relaes com o fazer: sentido ea forma' de smbolos, bem como o carter antiprocessual demecanismos'de defesa contra a dor psquica. Tais mecanisme secontrap~m a~~processos de s~mboliz~o, seja pela via ~Q, bura-cos e vaZIOSque\produzem, seja pela Viados excessos endIferen-ciaes que prov~cam. Para avanarmos nestas dir es, porm,devemos recupera"l\ urna parte da argumentao j'exposta em ou-tro local (Coelho Jur\or e Figueiredo, 2003). Nest trabalho so apre-sentadas algumas das'(oncepes que as filo fias contempornease as psicanlises enge~raram para focal" ar as dimenses primor-diais da intersubjetivida e.

    Tratando das figur s da interJ' jetividade concebidas em di-versas regies do pensame to filsfico e psicanaltico, encontramosalgumas maneiras tpicas e rutuamente contrastantes s quaisviemos denominar de 'int ~~bjetividade transubjetiva', 'inter-subjetividade traurnti a' '. i,ntersubjetividade interpessoal' e'inters~bj:tividade in9"4SqUiC~ .No presente t~abalh..?retomar~~~sestas distines, darldo a elas, c tudo, novas mflexoes e possibili-dades operativa A base do pens ento, naturalmente, a mesmae pode ser ace sada pelo leitor inte essado na publicao indicada.

    No a l contexto, cabe associ, a intersubjetividade transubje-tiva (~Ch er, Heidegger, MerleaU-po~y, pela filosofia, e Winnicott,Kohut ", parcialmente, Bion e Lacan, e tre outros, pela psicanlise)

    ~

    .s f es de acolhimento, suporte, con inncia e ligao. O que sepo .tula que formas primordiais do nos o vir-a-ser e do humanofi zer sentido da experincia comportam ~~diferenciao eu-outro/lotal ou relativa. Trata-se de um campo transubjetivo e nada ou poucoconformado s figuras da individuao; ne\e que viveramos deincio e, em parte, ao longo de toda a vida. S.~ esta imerso pri-mria no campo transubjetivo no se constituiriam subjetividades deespcie alguma, e esta figura de intersubjetividade estaria na origemdos processos de subjetivao, Neste terreno, cada subjetividade seenraza, seja pela via dos canais afetivos transpessoais, seja pela das

    A questo do sentido, a intersubjetividade e as teorias ...r~Em decorrncia, h que discriminar diferentes nveis e moda-

    iidades do fazer sentido: esta atividade vai desde 1) os processosadaptativos e comportamentais mais primitivos (pr-linguageiros epr-verbais), tais como ocorrem em todos os seres vivos; 2) pas-sa pela criao dos sistemas sociais de signos (pela constituio daslinguagens institucionalizadas), capazes de organizar a experinciahumana no plano da realidade compartilhada, e chega at 3) a for-mao de smbolos para as experincias emocionais singulares de umindivduo, como uma atividade esttica (criativa), ela mesma singular(mesmo que se enraze na vida coletiva e alcance diversos psiquis-mos, como sucede com as obras de arte).'Como os processos e atividades criativas de fazer sentido im-plicam sofrimento, elas s podem transcorrer em condies quemodulam e atenuam este sofrimento e isto ocorre, necessariamen-te, no plano da cultura. Caso contrrio, o sofrimento, tomando-seintolervel, vai produzir estados de terror e de pavor di~te dos quaispoderosos mecanismos de defesa sero acionados. E preciso, porisso, darmos ateno ao que permite a moderao -do sofrimento,garantindo o fluxo transitivo nos processos defazer sentido.Fenmenos e objetos transicionais e, mais amplamente falan-., Ido os elementos da cultura (Winnicott, "1971), exercem funes demediao e podem modular o sofrimento excessivo evitando a in-terrupo do processo e dando sustentao s operaes de desli-gar e ligar, separar e articular, possibilitando formas moderadas deseparao e de reunio capazes de evitar as grandes ansiedades quepodem ser evocadas em situaes extremas.A criao de fenmenos e objetos transicionais depende estrei-tamente das relaes com os objetos primrios. Neste sentido, a in-tersubjetividade necessariamente o campo em que o fazer sentidopode ser exercido e evoluir desde suas formas mais primitivas e'biolgicas' at as mais elaboradas e 'sublimes', embora nestes n-veis a criao esttica venha a ter o carter singular que, de certomodo, transcende o plano da vida coletiva, mesmo que dela partae a ela retome.

    Matrizes da intersubjetividade

    11. Cada um ser, porm, tocado de uma maneira singular.

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