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A Pan-Amazôn ia, segundo a concepção geopolítica do Tratado de Cooperação Amazônica – 1978.

A QUESTÃO GEOPOLÍTICA DA AMAZÔNIA

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Sobre a Amazônia

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  • A Pan-Amaznia, segundo a concepo geopolticado Tratado de Cooperao Amaznica 1978.

  • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    A QUESTO GEOPOLTICADA AMAZNIA

    DA SOBERANIA DIFUSA SOBERANIA RESTRITA

  • Senador Renan CalheirosPresidente

    Senador Tio Viana1 Vice-Presidente

    Senador Antero Paes de Barros2 Vice-Presidente

    Senador Efraim Morais1 Secretrio

    Senador Joo Alberto Souza2 Secretrio

    Senador Paulo Octvio3 Secretrio

    Senador Eduardo Siqueira Campos4 Secretrio

    Suplentes de Secretrio

    Senadora Serys Slhessarenko Senador Papaleo Paes

    Senador lvaro Dias Senador Aelton Freitas

    Conselho Editorial

    Senador Jos SarneyPresidente

    Joaquim Campelo MarquesVice-Presidente

    Conselheiros

    Carlos Henrique Cardim Carlyle Coutinho Madruga

    Raimundo Pontes Cunha Neto

    Mesa DiretoraBinio 2005/2006

  • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    Edies do Senado Federal Vol. 64

    A QUESTO GEOPOLTICADA AMAZNIA

    DA SOBERANIA DIFUSA SOBERANIA RESTRITA

    Nelson de Figueiredo Ribeiro

    Braslia 2005

  • EDIES DO SENADO FEDERAL

    Vol. 64O Conselho Editorial do Senado Federal, criado pela Mesa Diretora em31 de janeiro de 1997, buscar editar, sempre, obras de valor histrico

    e cultural e de importncia relevante para a compreenso da histria poltica,econmica e social do Brasil e reflexo sobre os destinos do pas.

    Projeto grfico: Achilles Milan Neto Senado Federal, 2005Congresso NacionalPraa dos Trs Poderes s/n CEP 70165-900 [email protected]://www.senado.gov.br/web/conselho/conselho.htm

    . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    Ribeiro, Nelson de Figueiredo.A questo geopoltica da Amaznia : da soberania

    difusa soberania restrita / Nelson de Figueiredo Ribeiro. --Braslia : Senado Federal, 2005.

    L + 540 p. : il. -- (Edies do Senado Federal ; v. 64)

    1. Geopoltica, Amaznia. 2. Degradao ambiental, Amaznia. 4. Proteo ambiental, Amaznia. 5. Amaznia, histria. I. Ttulo. II. Srie.

    CDD 918.11

    . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

  • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    Sumrio

    AMAZNIA:

    PATRIMNIO NACIONAL

    Rubens Bayma Denys

    pg. XXV

    OFERECIMENTO

    pg. XXXI

    AGRADECIMENTO

    pg. XXXIII

    PREFCIO

    pg. XXXV

    INTRODUO

    A questo geopoltica Amaznica

    pg. XLI

    PRIMEIRA PARTE

    A AMAZNIA ESPANHOLA E A AMAZNIA PORTUGUESADO TRATADO DE TORDESILHAS (1494) AO TRATADO DE MADRI (1750)

    TTULO I

    A Amaznia espanhola

    CAPTULO 1

    O direito internacional pblico no nal do sculo XV. O papel do papado

    pg. 5

  • CAPTULO 2

    A geopoltica do oceano Atlntico no nal do sculo XV e primrdios do sculo XVI

    pg. 8

    CAPTULO 3

    O descobrimento do Brasil e a situao geopoltica do territrio descoberto em funo do Tratado de Tordesilhas

    pg. 21

    CAPTULO 4

    O descobrimento da foz do Amazonas pelos espanhis e seu signi cado geopoltico

    pg. 24

    CAPTULO 5

    A descoberta do rio Amazonas e sua repercusso geopoltica

    pg. 28

    CAPTULO 6

    A Unio Ibrica e seus efeitos geopolticos contraditrios na Amaznia espanhola. O sebastianismo

    pg. 34

    TTULO II

    A Amaznia luso-espanhola

    CAPTULO 7

    A situao formal e a situao ftica da soberania sobre a Amaznia. A cordilheira dos Andes impede o acesso dos

    espanhis ocupao da Amaznia

    pg. 39

    CAPTULO 8

    A ocupao da foz do Amazonas

    pg. 42

  • CAPTULO 9

    A ocupao da Amaznia interior. A viagem de Pedro Teixeira

    pg. 46

    CAPTULO 10

    A ocupao da Amaznia interior. O confronto dos portugueses com as populaes indgenas

    pg. 52

    CAPTULO 11

    O governo portugus na amaznia e sua estratgia de ocupao

    pg. 56

    CAPTULO 12

    A ocupao da Amaznia atravs da ao missionria

    pg. 61

    TTULO III

    A Amaznia portuguesa

    CAPTULO 13

    Tratado de Madri em 1750

    pg. 71

    CAPTULO 14

    A soberania portuguesa sobre a Amaznia

    pg. 78

    CAPTULO 15

    A geopoltica portuguesa para a Amaznia no nal do sculo XVIII e a criao do Estado do Gro-Par e Rio Negro.

    O governo de Lobo dAlmada

    pg. 86

  • CAPTULO 16A Amaznia portuguesa no incio do sculo XIX.

    Dom Joo VI no Brasil e a tomada de Caienapg. 88

    CAPTULO 17 O ideal da independncia na Amaznia. A revoluo

    constitucionalista de 1821. O herico papel de Filipe Patroni

    pg. 91

    CAPTULO 18

    A adeso do Par independncia e seu signi cado geopoltico para a Amaznia

    pg. 97

    CAPTULO 19

    As forti caes: marcos da soberania portuguesa sobre a Amaznia

    pg. 104

    CAPTULO 20

    O nheengatu, a lngua geral da Amaznia, e sua contribuio para aevangelizao e a geopoltica da deculturao, destribalizao e

    dominao das populaes indgenas

    pg. 111

    SEGUNDA PARTE

    A AMAZNIA BRASILEIRA

    TTULO IV

    O Brasil independente diante da questo geopoltica amaznica

    CAPTULO 21

    Os problemas geopolticos da Amaznia decorrentes da adeso independncia pelo Estado do Gro-Par e Rio Negro

    pg. 119

  • CAPTULO 22

    A revoluo da Cabanagem: 1835-1840. Implicaes geopolticas importantes. A Amaznia brasileira por opo de seus lhos.

    A brasilidade de Eduardo Angelim. O regente pe. Antnio Feij expe a Amaznia cobia da Inglaterra e Frana

    pg. 122

    CAPTULO 23

    A consolidao das fronteiras amaznicas. As questes do Amap, do Rio Branco e do Acre

    pg. 131

    CAPTULO 24

    A Amaznia para os Negros Americanos. A navegao do Amazonas

    pg. 150

    TTULO V

    A estratgia de ocupao da Amaznia e suas implicaes geopolticas

    CAPTULO 25

    O impacto da economia da borracha na geopoltica amaznica: o fastgio e a misria; a guerra e a escravido

    pg. 163

    CAPTULO 26

    Os desdobramentos geopolticos da economia da borracha. A ocupao da Amaznia

    pg. 168

    CAPTULO 27

    O signi cado geopoltico da construo da Estrada de ferro Madeira-Mamor

    pg. 173

  • CAPTULO 28

    O insucesso das tentativas para reerguer a economia amaznica

    pg. 177

    CAPTULO 29

    A doutrina Monroe e a doutrina do big stick, ambas dosEstados Unidos, uma ameaa soberania da Amaznia

    pg. 181

    CAPTULO 30

    A colonizao estrangeira

    pg. 185

    CAPTULO 31

    O impacto da Segunda Guerra Mundial sobre a geopoltica amaznica: a Batalha da Borracha. A Constituio de 1946

    pg. 190

    TERCEIRA PARTE

    A PAN-AMAZNIA: UMA NOVA TICA DE ABORDAGEM GEOPOLTICA DA REGIO

    TTULO VI

    Projetos que levariam internacionalizao da Amaznia

    CAPTULO 32

    A abordagem pan-amaznica

    pg. 201

    CAPTULO 33

    A tentativa de criao do Instituto Internacional da Hilia

    pg. 206

    CAPTULO 34

    A persistncia da ideologia da internacionalizao da Amazniana segunda metade do sculo XX

    pg. 212

  • TTULO VII

    A consolidao geopoltica da Amaznia como patrimnio dos pases amaznicos

    CAPTULO 35

    A de nio de uma estratgia global da ao para a regio (1946-1966). A implantao de um sistema institucional

    para promover o desenvolvimento da Amaznia

    pg. 223

    CAPTULO 36

    A Reformulao da Poltica de Desenvolvimento da Amaznia(1966 a 1980). Um novo sistema institucional de ao.

    A colonizao da amaznia. Os grandes projetos minerometalrgicos

    pg. 231

    CAPTULO 37

    A Reao dos Pases Amaznicos. O Tratado de Cooperao Amaznica

    pg. 256

    QUARTA PARTE

    A MUNDIALIZAO DA QUESTO AMBIENTAL E SUAS IMPLICAES SOBRE A GEOPOLTICA AMAZNICA

    TTULO VIII

    A mundializao da questo ambientale a devastao da Amaznia

    CAPTULO 38

    A ONU assume a mundializao da questo ambiental. A Conferncia Mundial sobre o Meio Ambiente Humano, em

    Estocolmo, 1972

    pg. 267

  • CAPTULO 39

    Na agenda da discusso cient ca a Morte ou Sobrevivncia da Terra.A hiptese de gaia: a comprovao da mundialidade

    da questo ambiental

    pg. 270

    CAPTULO 40

    O relatrio da Comisso Mundial sobre o Meio Ambiente:O relatrio Nosso Futuro Comum

    pg. 275

    CAPTULO 41

    A devastao orestal da Amaznia nos anos setenta e oitenta

    pg. 281

    CAPTULO 42

    A poluio dos recursos hdricos atravs da garimpagem. A devastao da fauna aqutica pela pesca predatria

    pg. 291

    CAPTULO 43

    A devastao da biodiversidade e a prtica da biopirataria

    pg. 300

    TTULO IX

    A repercusso internacional da devastao ambiental da Amaznia

    CAPTULO 44

    O alarme internacional e as previses catastr cas para a humanidade diante da devastao ambiental da Amaznia

    pg. 307

    CAPTULO 45

    O assassinato de Chico Mendes, heri da resistncia popular devastao ambiental da amaznia, e seu impacto geopoltico

    pg. 312

  • CAPTULO 46

    As reaes internacionais o ciais devastao ambiental da Amaznia e o seu forte contedo geopoltico

    pg. 315

    TTULO X

    A reao do brasil diante do clamor pblico internacional sobre as queimadas da oresta amaznica e das

    ameaas soberania nacional sobre a regio

    CAPTULO 47

    A poltica nacional do meio ambiente. O CONAMA. O licenciamento ambiental

    pg. 321

    CAPTULO 48

    O Programa Calha Norte PCN

    pg. 323

    CAPTULO 49

    A Constituio Federal de 1988 e a questo ambiental

    pg. 326

    CAPTULO 50

    O Programa Nossa Natureza

    pg. 328

    CAPTULO 51

    A Comisso Parlamentar de Inqurito (CPI) do Senado CPI da Amaznia

    pg. 331

  • TTULO XI

    O auge da questo geopoltica da Amaznia: a Cpula de Haia

    CAPTULO 52

    A criao de uma entidade supranacional para a gesto ambiental da Amaznia: a prxis da internacionalizao da regio

    proposta na Cpula de Haia

    pg. 339

    CAPTULO 53

    A reao dos pases amaznicos diante da tentativa da Cpula de Haia quanto internacionalizao da regio:

    a Declarao da Amaznia e a Declarao de Manaus

    pg. 344

    QUINTA PARTE

    A QUESTO GEOPOLTICA AMAZNICA NA TRANSIO DO SEGUNDO PARA O TERCEIRO MILNIO

    TTULO XII

    Na dcada de noventa e na transio para o terceiro milnio, a questo ambiental da explorao dos recursos

    orestais, minerrios e da biodiversidade assume novos contedos geopolticos

    CAPTULO 54

    A devastao orestal da Amaznia continua acelerada na dcada de noventa e no terceiro milnio

    pg. 353

  • CAPTULO 55

    A geopoltica da explorao mineral na Amaznia no nal do milnio

    pg. 364

    CAPTULO 56

    A questo da biodiversidade amaznica no alvorecer do terceiro milnio torna mais ntida a sua face geopoltica

    pg. 370

    TTULO XIII

    A cooperao estrangeira na pesquisa cient ca e tecnolgica dos recursos naturais da regio e seu forte contedo geopoltico

    CAPTULO 57

    O contedo geopoltico das pesquisas cient cas e tecnolgicas estrangeiras realizadas na Amaznia

    pg. 381

    CAPTULO 58

    O PPG-7 Programa Piloto para Proteo das Florestas Tropicais do Brasil

    pg. 390

    CAPTULO 59

    O PDBFF Projeto Dinmica Biolgica de Fragmentos Florestais

    pg. 398

    CAPTULO 60

    O LBA Experimento de grande escala da biosfera-atmosfera na Amaznia

    pg. 404

  • TTULO XIV

    A estratgia de ao do governo brasileiro diante das novas invectivas dos pases ricos que levam

    soberania restrita sobre a Amaznia

    CAPTULO 61

    O governo brasileiro insiste nas possibilidades do desenvolvimento sustentvel da Amaznia

    pg. 415

    CAPTULO 62O Projeto SIVAM/SIPAM Servio de Vigilncia da Amaznia

    e Servio de Proteo da Amaznia

    pg. 423

    TTULO XV

    A transio para o novo milnio em tempos de globalizao: novas abordagens conceituais de soberania

    e o desempenho do governo brasileiro

    CAPTULO 63Novas abordagens conceituais da soberania em tempos de

    globalizao e seus questionamentos geopolticos

    pg. 441

    CAPTULO 64A persistncia das ameaas soberania do brasil sobre a

    Amaznia no nal do milnio

    pg. 447

    CAPTULO 65A atuao e as reaes do brasil na dcada de noventa diante das tentativas dos pases ricos de tornar a soberania restrita

    sobre a Amaznia uma situao ftica

    pg. 456

  • CAPTULO 66

    A Cpula dos Presidentes dos Pases da Amrica do Sul e sua extraordinria importncia geopoltica. A Operao COBRA.

    O narcotr co e a ameaa iminente sobre a Amaznia

    pg. 462

    CAPTULO 67

    A Cpula do Milnio, no ano 2000, e a Cpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentvel, no ano 2002

    pg. 469

    TTULO XVI

    Uma avaliao prospectiva da questo geopoltica amaznica e suas perspectivas sombrias

    CAPTULO 68

    O imprio americano. Sua irrupo, mundialidade, formao e concepo doutrinria.

    O interesse pela Amaznia

    pg. 477

    CAPTULO 69

    A dramtica situao do clima da Terra. O Protocolo de Quioto e a questo geopoltica amaznica. A participao da Amaznia

    na formao do clima da Terra. O comrcio do carbono

    pg. 497

    CAPTULO 70

    A crise mundial da gua doce. Abundncia, escassez e sua repercusso geopoltica sobre a Amaznia

    pg. 505

  • CAPTULO 71O futuro da ONU e suas implicaes para a geopoltica amaznica

    pg. 511

    CAPTULO 72A geopoltica da globalizao e o futuro da

    soberania sobre a Amaznia

    pg. 519

    NDICE ONOMSTICO

    pg. 531

  • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    ndice de Mapas

    MAPA I

    Localizao espacial da amaznia no contexto mundial

    pg. XLIX

    MAPA II

    Mapa do globo, segundo Martim Behaim, de Nurenberg, elaborado em 1491, conforme as idias geogr cas de seu tempo

    pg. 17

    MAPA III

    Diviso entre Espanha e Portugal das reas do Atlntico segundo o Tratado de Alcovas de dezembro de 1479

    pg. 18

    MAPA IV

    Limites no Atlntico Sul entre Espanha e Portugal, segundo a BulaInter Caetera II de 4 de maio de 1493: 100 lguas a

    oeste e sul do arquiplago de Cabo Verde

    pg. 19

    MAPA V

    Diviso entre Espanha e Portugal das reas do Atlntico segundo o Tratado de Tordesilhas 7 de junho de 1494

    pg. 20

    MAPA VI

    O descobrimento da foz do rio Amazonas pelos espanhis nos primeiros dias de fevereiro de 1500, pelo navegador

    Vicente Ynez Pinzn, segundo Max Justo Guedes

    pg. 27

  • MAPA VII

    Descobrimento do rio Amazonas pelo espanhol Francisco Orellana, entre fevereiro e agosto de 1542

    pg. 33

    MAPA VIII

    Viagem de Pedro Teixeira de Belm a Quito, ida e volta entre 28 de outubro de 1636 e 12 de dezembro de 1639

    pg. 51

    MAPA IX

    Limites de nidos pelo Tratado de Madri de 1750 na rea da Amaznia

    pg. 77

    MAPA X

    Sistema de forti caes implantado pelos portugueses na Amaznia. As forti caes histricas da Amaznia (Sculos XVII, XVIII e XIX)

    pg. 110

    MAPA XI

    A Questo do Amap: rea da pretensa Repblica de Cunani 1885, na costa do Amap, sem indicao de seus limites interiores

    pg. 146

    MAPA XII

    A Questo do Amap: rea do Norte do Brasil que serviu de base para a arbitragem da Sua 1900

    pg. 147

    MAPA XIII

    A Questo do Rio Branco: rea de litgio entre o Brasil (Roraima) e a Inglaterra (Guiana).

    pg. 148

  • MAPA XIVA Questo do Acre: O Tratado de Ayacucho (1867)

    e a conquista do Acre

    pg. 149

    MAPA XVEstrada de Ferro Madeira-Mamor, construda entre

    1907 e 1912, com 366 km de extenso

    pg. 176

    MAPA XVIA Pan-Amaznia, segundo a concepo geopoltica do

    Tratado de Cooperao Amaznica 1978

    pg. 205

    MAPA XVII

    SIVAM Sistema de Vigilncia da Amaznia

    pg. 434

    MAPA XVIII

    SIPAM Sistema de Proteo da Amaznia

    pg. 435

    MAPA XIX

    SIPAM Terminais remotos

    pg. 436

    Gr co demonstrativo da sistemtica e atuao do SIPAM Sistema de Proteo da Amaznia

    pg. 437

  • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    Amaznia:Patrimnio Nacional

    Rubens Bayma Denys

    ex-ministro Nelson Ribeiro, nascido no corao da Amaznia, nos presenteia com uma preciosa obra que certamente ocupar um importante lugar na ainda escassa bibliografia da re-gio. O autor rene inmeros dados histricos e informaes sobre a Amaznia, desde o seu descobrimento at os dias atuais, metodi-camente compilados em um nico livro, que assim se constitui em valiosa fonte de consulta para quem deseja conhecer a problemtica da geopoltica amaznica em toda a sua extenso histrica do des-cobrimento aos dias atuais.

    O trabalho inicia com informaes sobre o Tratado das Tordesilhas (1494) e a partilha das terras descobertas, acordado pe-las duas grandes potncias martimas da poca, Espanha e Portugal, buscando harmonizar os seus interesses geopolticos, aps os sucessos das primeiras grandes navegaes. Faz um relato sobre a descoberta das novas terras e tece consideraes sobre os primeiros descobridores

    O

  • XXVI Nelson de Figueiredo Ribeiro

    a desbravar a regio e as conseqentes lendas e informaes sobre as suas riquezas, logo levadas Europa.

    Ao tratar do domnio luso-hispnico, o autor aborda, em seguida, a expanso luso-brasileira sobre a grande bacia amaznica, a partir do incio do sculo 17, aproveitando-se da unio das duas Casas Reinantes da Pennsula Ibrica. Relata com muita proprieda-de a grande aventura de lusos e brasileiros, que os levou conquista da imensa regio, aps uma longa srie de expedies militares, su-cessivas e eficazes, durante quase duzentos anos. E, assim, ao final do sculo 18, os limites do Brasil colnia, na Amaznia, estavam definidos, e a soberania luso-brasileira assegurada pelas inmeras fortificaes militares, que a pontilhavam estrategicamente, assina-lando os pontos extremos de nossas fronteiras e, no seu interior, os locais de passagem obrigatria a serem defendidos. Encerrava-se, en-to, o longo perodo de uma soberania difusa na regio amaznica.

    O autor expe com muita clareza que a Amaznia, com os seus mitos e riquezas imensurveis, sempre despertou curiosidades e cobias. As primeiras notcias sobre as novas terras, chegando Europa acompanhadas das lendas do El Dourado e das ndias Guerreiras, provocaram logo o interesse de pases e de aventureiros em busca de riquezas. Nos sculos 17 e 18, atrados pela magnitude da regio, famosos cientistas e naturalistas mundiais vieram conhe-c-la e estud-la. Expedies com esse propsito no pararam mais. E, assim, com a divulgao dos conhecimentos e estudos contidos nos seus relatrios, a ateno internacional para a Amaznia foi sendo mais e mais despertada.

    Ao abordar as primeiras investidas estrangeiras para in-ternacionalizar a regio, no Segundo Reinado, a partir da segunda metade do sculo 19, quando o Governo americano pressionava D. Pedro II para abrir a regio livre navegao e ao assentamento

  • A Questo Geopoltica da Amaznia XXVII

    de negros americanos, libertos aps a Guerra da Secesso o autor inicia o fornecimento de uma srie de registros histricos a respeito dessas intromisses estrangeiras em nossa soberania na Amaznia, que no cessaram mais. Da leitura, constata-se que essas presses visavam obter concesses para exploraes comerciais e para rea-lizar assentamentos de colonos estrangeiros. Ao no atender essas pretenses estrangeiras, os governos brasileiros evitaram que se re-alizassem na Amaznia as devastaes que ocorreram no Sudeste da sia.

    O livro apresenta claramente a mudana do enfoque das presses internacionais a partir da dcada de 70, do sculo passado. O autor registra muito bem que, nessa poca, o tema ambiental co-meou a prevalecer nas discusses da ONU e as presses estrangeiras passaram, ento, a buscar restringir as iniciativas do Governo brasi-leiro, na regio, sob pretextos humanitrios, ambientais e ecolgicos. Essa mudana de postura das investidas internacionais faz supor que o real propsito delas passou a ser o de impedir o desenvolvimento da regio em proveito do Brasil e dos brasileiros, mantendo preser-vados os seus recursos naturais para que possam estar disponveis aos interesses estrangeiros, no futuro. Vivencia-se o perodo que o autor considera de soberania restrita.

    Em sua introduo ao texto, o autor esclarece muito bem que as discusses geopolticas incidem, ora sobre o domnio em si, ora sobre a amplitude desse domnio. E, complementa: quando se questiona a geopoltica amaznica, pretende-se caracterizar ou des-caracterizar a soberania incidente sobre a Amaznia, com pacfico reconhecimento de todos os povos. Finaliza dizendo que a questo geopoltica amaznica iniciou com a sua ocupao pelos europeus, chegando aos dias atuais de forma sempre contundente, e dever prosseguir Novo Milnio adentro.

  • XXVIII Nelson de Figueiredo Ribeiro

    Tal observao, muito lcida, mostra a necessidade de se desenvolver e cristalizar, no seio da sociedade brasileira, uma consci-ncia em relao Amaznia, sua importncia para a grandeza do nosso pas e a real compreenso das dificuldades que o Brasil conti-nuar a enfrentar para assegurar a plena soberania na regio.

    Herdeiros das conquistas luso-brasileiras, e estando na Ama-znia, portanto, h quatro sculos, os brasileiros podem se orgulhar de saber preservar e manter ntegro, apesar de enormes dificuldades, esse valioso patrimnio nacional, garantia de um futuro promissor para a nao brasileira. Ao no atender s presses estrangeiras, para abrir a regio livre navegao, explorao comercial e aos assen-tamentos coloniais, na forma pretendida pelos governos dos Estados Unidos, desde a metade do sculo 19, e logo pelos governos dos pases europeus, os governantes brasileiros evitaram que se realizassem na Amaznia as devastaes que ocorreram no sudeste asitico.

    Quem tem uma Amaznia no tem medo do futuro, disse o Presidente Jos Sarney, certa vez, ao discursar quando em visita pequena localidade de Iuaret, no Alto Rio Negro, regio do Projeto Calha Norte.

    Os brasileiros, porm, sabem que esse futuro promissor, para o nosso pas, depende do descortino e da postura patritica das nossas autoridades, que se sucedem no governo, no aceitando restries internacionais indevidas quanto explorao dos recursos naturais da nossa Amaznia, nem adotando, de forma precipitada e sem acu-rado exame, propostas de medidas pleiteadas por Organizaes No Governamentais ONGs, de origem estrangeira e, portanto, sem compromisso com a nossa nao, como foi o caso da demarcao da reserva Ianommi, no final de 1991. A demarcao dessa reserva, em extensa rea contnua, aps anulao da anterior, feita com 19 reas descontnuas (denominadas ilhas), teve a interferncia do

  • A Questo Geopoltica da Amaznia XXIX

    Governo britnico, que teria ameaado boicotar a reunio da ECO-92, na cidade do Rio de Janeiro, caso o Brasil no se curvasse a sua exigncia. A demarcao dessa reserva, em rea contnua, era de-fendida pela ONG inglesa Survival International, desde o final dos anos 60 do sculo passado. Pela estreita ligao com a coroa inglesa, essa ONG conhecida como Casa de Windsor.

    As ONGs em atividade na Amaznia so atualmente os instrumentos de ao dos que desejam promover presses e interfe-rncia estrangeira na regio. Sua tese principal pode ser sintetizada na expresso Amaznia patrimnio da Humanidade, como escre-veu o General Meira Mattos em um dos seus artigos. Fundamenta-das nessa tese, se empenham na demarcao de reas de preservao ambiental e de reservas indgenas, de grandes dimenses e coinciden-temente sobre valiosas reservas mineirais.

    A Questo Geopoltica da Amaznia - da Soberania Di-fusa Soberania Restrita permite ao leitor uma percepo clara do real valor do patrimnio amaznico, atravs do relato histrico das inmeras tentativas de interveno estrangeira nessa fabulosa regio, movidas pela cobia internacional. Permite-lhe tambm compreen-der melhor as dificuldades e o esforo empreendido pelas sucessivas geraes, que souberam manter ntegro esse imenso e rico patrimnio nacional sob a gide da soberania brasileira, reconhecendo que as autoridades brasileiras, at ento, souberam recha-las com sereni-dade e firmeza vigilante.

    Com esse excelente livro, ao resgatar, como ele prprio diz, uma dvida de gratido com a Amaznia, o ilustre paraense revela-nos o seu amor entranhado terra nativa aprofundando-se na sua pesquisa histrica e poltica. Com notvel inteligncia e erudio percorre a saga de suas origens, do seu povoamento, da sua geopolti-ca, dos seus desafios e da luminosa esperana de seu destino.

  • XXX Nelson de Figueiredo Ribeiro

    A Questo Geopoltica Amaznica um livro de parti-cular interesse para o pesquisador, mas tambm, e principalmente, para o homem pblico com responsabilidade funcional em relao regio.

    Rio de Janeiro, em 15 ago 2005

  • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    Oferecimento

    Dedico este livro:

    memriade meu pai, Mrio da Silva Ribeiro,de minha me, Julieta de Figueiredo Ribeiro,de meu nico irmo, Oiram de Figueiredo Ribeiro,

    com os quais, por muitos anos, convivi, desde meu nascimento no corao da Amaznia, exatamente, na vila (hoje municpio) de Terra Santa e tambm s margens do paran do Bom Jardim, na foz do rio Nhamund, a uente da margem esquerda do rio Amazonas; foi nessa convivncia que me senti arrebatado para amar a Amaznia, pois nela foram plasmados os traos fundamentais que ornam o largo contedo amaznico da cultura de minha personalidade;

    minha querida esposa Celeste, que tantas vezes se viu privada das minhas atenes, pelo tempo que tive de dedicar s pesquisas e redao deste livro;

    a meus lhos Mrio, Paulo de Tarso, Nelson e Maria Denise, com os quais quero compartilhar o meu amor pela Amaznia;

    aos meus netos Thiago, Mariana, Ana Paula, Mrio e Lucas, na esperana de que, medida que forem atingindo a maturidade, encontrem neste livro uma fonte de re exes e de de nies de atitudes diante da amarga e sensvel questo geopoltica amaznica.

  • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    Agradecimento

    Sensibilizado, deixo aqui consignado o meu maior reconheci-

    mento e agradecimento:

    minha lha Maria Denise, cuja graduao em Geogra a,

    com especializao em Cartogra a, tornou possvel a

    elaborao dos mapas que integram o livro, trabalho que

    realizou com sacrifcio pessoal e lial dedicao;

    minha sobrinha Maria Domingas, cuja graduao

    em Biblioteconomia lhe permitiu coletar grande parte

    do material bibliogr co utilizado, bem como retirar da

    Internet a documentao que permitiu manter atualizadas

    as informaes coligidas;

    minha secretria Tharcila Pereira Soares que, com a nco,

    pacincia e alto senso de responsabilidade, digitou os textos

    deste estudo, a maior parte dos quais lhe foram ditados.

    Sem essas colaboraes, a concluso deste estudo teria sido

    quase impossvel.

  • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Prefcio

    OM o lanamento deste livro, pretendo, a rigor, resga-tar uma dvida que, de certa forma, contra com a Amaznia. Ten-do nascido no corao da Regio, exatamente em uma comunidade existente na foz do rio Nhamund, fui pouco a pouco gestando no meu corao um grande amor pela Amaznia. Sobretudo, quando a Regio sofreu o impacto da Segunda Guerra Mundial, em funo da qual ficou isolada do restante do pas, pois o acesso aos Estados do Sul e, em especial, capital federal, Rio de Janeiro, somente podia ser feito pela costa, o que provocou um dos maiores desastres para o Brasil, que viu seus navios costeiros serem torpedeados e afundados por submarinos alemes, com grande perda de vidas humanas. Mais de quarenta navios foram torpedeados, dos quais a maior parte se dirigia para a Amaznia.

    Ressalte-se que na poca a Regio exportava, para o restante do pas e para o exterior, quase tudo que produzia e importava do sul do pas quase tudo que consumia. Portanto, acompanhei de perto

    C

  • XXXVI Nelson de Figueiredo Ribeiro

    o drama das populaes regionais e com elas sofri as conseqncias do isolamento a que a Amaznia ficou submetida, privada de caf, de acar e de todos os gneros alimentcios industrializados.

    Alm disso, a primeira funo pblica que exerci foi a partir de 1954, como secretrio da Comisso de Planejamento da SPVEA -Superintendncia do Plano de Valorizao Econmica da Amaznia, entidade criada pelo poder pblico federal que tinhacomo objetivo promover o desenvolvimento da Regio e, principal-mente, fazer a integrao fsica dos Estados amaznicos com o res-tante do pas, objetivando superar a dramtica experincia a que havia sido submetida a navegao costeira nacional durante a Se-gunda Guerra Mundial. Essa meta foi atingida, ainda nos anos sessenta, com a implantao da estrada Belm-Braslia (BR-010)e da estrada Cuiab-Porto Velho (BR-316), atravs das quais o Governo Federal conseguiu realizar o seu macro-objetivo de fazer a integrao da Regio, de um lado, com a foz do rio Amazonas, e, de outro, com a rea ocidental, alcanando as nascentes dos grandes afluentes da margem direita do rio Amazonas.

    Da elaborao dos planos de valorizao ou desenvolvi-mento regional, participei diretamente na qualidade de secretrio da Comisso e Planejamento da SPVEA, pois todos os estudos e pes-quisas realizados, de alguma forma, passavam pelas minhas mos. E assim, alm de ter uma viso mais global da questo amaznica, pude perceber com maior nitidez os problemas geopolticos que so-freu a Regio desde o seu descobrimento. Por outro lado, ao longo dos quarenta anos de vida pblica, exerci funes nas quais pude aprofundar, no s os meus conhecimentos sobre a Regio, mas tam-bm a sua face geopoltica. Fosse na direo do Banco da Amaznia e do Banco do Estado do Par, fosse como professor e pr-reitor da Universidade Federal do Par (UFPA), fosse como Ministro de Es-

  • A Questo Geopoltica da Amaznia XXXVII

    tado da Reforma e do Desenvolvimento Agrrio, fosse, finalmente, como Secretrio de Estado de Indstria, Comrcio e Minerao, ou como Secretrio de Estado de Cincia, Tecnologia e Meio Ambiente, pude coligir grande parte do farto material bibliogrfico que utilizei como subsdio para a elaborao deste livro.

    Outro fato que ressalta essa dvida moral que contra para com a Regio deve-se circunstncia de que j escrevi quatro livros, todos, entretanto, sobre matrias tcnicas relativas s funes que exerci na vida pblica. Assim, a condio de professor e pr-reitor da Universidade levou-me a escrever os livros Administrao Acadmica Universitria, editado pela Livros Tcnicos e Cientficos Editora S.A., e Planejamento Universitrio e Curricular, editado pela UFPA; por ter estudado mais profundamente a questo da Reforma Agrria, na funo de Ministro de Estado da Reforma e do Desenvolvimento Agrrio, pude escrever os livros Caminhada e Esperana da Refor-ma Agrria, editado pela Paz e Terra, e Clamor dos Despossudos,editado pela CEJUP. Faltava, assim, um estudo sobre a Amaznia, que tanto marcou a minha vida, no s pelo amor, mas tambm pela esperana que imarcescivelmente sempre nutri, de que a Regio possa superar as angstias que suas populaes tm sofrido ao longo dos cinco sculos de sua ocupao pelo homem branco.

    Alm disso, importante ressaltar que os estudos j exis-tentes e divulgados sobre a geopoltica amaznica em geral dizem respeito a algum aspecto da questo e se referem a situaes anteriores aos aspectos ambientais em que mergulhou o problema geopoltico amaznico nas ultimas trs dcadas do sculo passado. Apesar dis-so, so notveis e sero sempre reconhecidas as contribuies que proporcionaram a uma compreenso mais clara do tema, alguns amazonlogos, como a obra do grande historiador Artur Csar Fer-reira Reis, intitulada A Amaznia e a Cobia Internacional, da

  • XXXVIII Nelson de Figueiredo Ribeiro

    editora EDINOVA; o estudo feito pelo general Meira Matos, Uma Geopoltica Pan-Amaznica, editada pela Livraria Jos Olympio Editora e, mais recentemente, o estudo da gegrafa Berta Becker, intitulado Geopoltica da Amaznia, da Zahar Editora. Assim, atravs deste livro, pretendo oferecer, de um lado, uma viso hist-rica da questo geopoltica amaznica que pervadiu os quinhentos anos do seu descobrimento pelo homem branco e que se intensificou profundamente nas ltimas trs dcadas do sculo passado e, sem dvida, dever prosseguir ao longo do sculo XXI. Por isso mesmo, o livro termina com um exerccio de futurologia sobre a questo geo-poltica amaznica.

    A minha expectativa colocar disposio das lideran-as polticas regionais e nacionais uma anlise sistemtica de um problema preocupante: a fragilidade geopoltica que envolve a Amaznia; e tambm proporcionar s classes empresariais, aos profis-sionais liberais, aos professores e estudantes universitrios, aos tra-balhadores e seus rgos de classe, uma maior conscientizao sobre o vasto painel de questionamentos geopolticos sobre a Amaznia. de se esperar que, dessa maneira, todos tenham uma conscincia mais profunda dessa fragilidade e, em conseqncia, possam exigir do poder pblico a formulao de polticas em favor da Amaznia, seja no plano federal, seja no plano estadual, que possibilitem ati-tudes coerentes e compatveis com esse aspecto doloroso da realidade amaznica, diante do qual ningum pode se omitir, nem assumir a postura de inocentes teis, que acaba colaborando para agravar essa fragilidade que o livro demonstra que, tantas vezes, tem se tor-nado mais evidente.

    A abordagem pan-amaznica que o livro procura oferecer permite que essa conscientizao se extravase para os demais pases parcialmente amaznicos, de forma que possibilitem sempre uma

  • A Questo Geopoltica da Amaznia XXXIX

    ao conjugada no sentido de resguardar a soberania dos respectivos pases sobre a Regio. Essa postura de conscientizao deve come-ar na prpria formao intelectual da gente amaznica, ainda nos bancos de escola, de forma tal que a intelligentzia regional sobre a questo tenha o indispensvel suporte de apoio para lutar contra os abusos e intervenes que vm atingindo a Regio, muitas vezes travestidos de gestos de bondade e cooperao, em favor do desenvol-vimento regional. Com essa postura de procedimentos, ser possvel criar na Regio um grau de conscientizao que possibilite reaes e posturas lcidas e sensatas de alto interesse para a defesa da sobera-nia nacional.

    Finalmente, fundamental que o povo brasileiro tenha conscincia de que, nas ltimas dcadas do sculo passado, houve a mundializao da questo ambiental, que passou a ser includa na pauta das decises e de toda a poltica de cooperao internacio-nal articulada e coordenada pela ONU. E, principalmente, que, no centro dessa mundializao, est a questo ambiental amaznica que se tornou uma grave questo geopoltica internacional, seja quan-do se afirma que a floresta amaznica um sumidouro de gases txicos que provocam o efeito estufa e, em conseqncia, o aque-cimento do Planeta; seja pela acelerao da devastao ambiental que a Regio vem sofrendo nas ltimas dcadas. Tudo isso tem servido de pretexto para que lideranas polticas e cientficas dos pases desenvolvidos e, inclusive da prpria ONU, afirmem ostensi-vamente que a Amaznia um patrimnio da humanidade e, as-sim, se buscam, incessantemente, frmulas, explcitas ou implcitas, para restringir a soberania do Brasil sobre a Regio. Esse problema tem que ser enfrentado com sabedoria e habilidade, no sentido de dissuadir quaisquer agresses soberania nacional.

  • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Introduo

    A QUESTO GEOPOLTICA AMAZNICA

    AS pesquisas histricas revelam que a Amaznia foi descoberta pelo navegador espanhol Vicente Ynez Pinzn, no cre-psculo do sculo XVI, precisamente nos primeiros dias de fevereiro de 1500, portanto, quase trs meses antes da descoberta do Brasil.

    Ao entrar na foz do Amazonas, o navegador espanhol, sem saber ainda as caractersticas geogrficas do rio que havia descoberto, dele tomou posse em nome da Coroa espanhola. Comeava, assim, a questo geopoltica amaznica que, com tonalidades diferentes, perdura, at hoje, nos primrdios do Terceiro Milnio.

    Nos primeiros duzentos e cinqenta anos, portanto, at o Tratado de Madri, em 1750, os questionamentos geopolticos sobre a Amaznia cingiram-se amplitude e tipificao do seu domnio por Portugal e Espanha. Nos anos subseqentes as discusses sobre a geopoltica amaznica adquiriram dimenses internacionais, susci-tadas sempre pelos pases europeus e pelos Estados Unidos da Amri-ca do Norte, aliceradas em razes (ou pretextos) as mais variadas.

  • XLII Nelson de Figueiredo Ribeiro

    necessrio abrir aqui um parntese para esclarecer que as discusses geopolticas incidem, ora sobre o domnio da Amaznia em si, ora sobre a amplitude desse domnio. Quando se questiona a geopoltica amaznica, pretende-se caracterizar ou descaracterizar a soberania incidente sobre a Amaznia, com o pacfico reconheci-mento de todos os povos.

    Essas discusses adquirem uma conotao mais emocional do que racional porque a Geopoltica um conceito obscuro, embaado por interesses nos quais nem sempre se pode distinguir, quando o seu con-tedo reconhecidamente de natureza cientfica, como ramo da Antro-pogeografia das naes, ou predominantemente orientado por critrios de convenincia, em geral ditados pelo imperialismo internacional.

    O exemplo mais ostensivo dessa dubiedade conceitual a es-tratgia de dominao nazista que precedeu a Segunda Guerra Mun-dial. A agresso nazista baseou-se na pseudocientfica Geopoltica de Haushofer, gegrafo e general alemo que a denominou de metafsica geogrfica, pela qual a raa alem destinada a levar a paz ao mundo atravs da sua dominao e, portanto, os outros Estados devem assegurar Alemanha todo seu espao vital.1 Esse conceito radical e atico de Geopoltica no passava de mero totalitarismo, regime em que mergulhou a Alemanha e provocou a Segunda Guerra Mundial.

    Essa abordagem conceitual, felizmente, j foi superada em nossos dias pelo Estado democrtico, sem, porm, excluir intei-ramente a dominao como critrio subjacente que os estudos dos fatores geogrficos sempre tentam permear nos fenmenos polticos, sobretudo nas relaes internacionais. Nesse sentido, as relaes in-ternacionais incorporam, como varivel geopoltica, o ambiente

    1 Noberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, in DICIONRIO DEPOLTICA, Editora Universidade de Braslia, pg. 544, estudo de Flvio Attina.

  • A Questo Geopoltica da Amaznia XLIII

    no-humano; ou seja, os fatores ecolgicos que podem influir nas condies de vida na Terra, como um todo.2

    A Amaznia a maior bacia hidrogrfica da Terra, reves-tida pela maior floresta tropical do mundo; por isso mesmo tem sido objeto de discusses e questionamentos internacionais de contedo geo-poltico, sob a alegao de que a sua preservao indispensvel para o equilbrio climtico da Terra e que sua fantstica biodiversidade deve ser colocada disposio de todos os povos. Em conseqncia, a Ama-znia um patrimnio da humanidade. A partir dessa premissa, afirma-se que a soberania sobre a Regio, exercida por alguns pases latino-americanos e, principalmente, pelo Brasil, injusta para com a humanidade.

    O conceito de soberania, prprio do mbito do Direito In-ternacional Pblico, tem sido manipulado no sentido de seguir um percurso idntico, isto , evasivo, permeado de limitaes quando se trata dos pases pobres. Originariamente entendida como expresso da vontade do soberano (o rei, o imperador), a noo de sobera-nia foi marcada pelo absolutismo, donde o conceito de soberaniaabsoluta, isto , que no pode sofrer limitaes por parte das leis. O Estado moderno, porm, procurou compatibilizar o conceito de soberania com o Estado democrtico, que proclamou os direitos in-dividuais do cidado. o Estado de Direito, democrtico em sua natureza, que passou, ento, a ser entendido como um atributo dos Estados que reconhecem haver entre si a mais estreita igualdade;essa concepo foi proclamada pela Carta das Naes Unidas, em seu art. 2, inciso 1:

    Art. 2. A organizao e seus membros ..... agiro de acor-do com os seguintes princpios:

    2 Idem, pg. 545.

  • XLIV Nelson de Figueiredo Ribeiro

    1. A organizao baseada no princpio da igualdade de todos os seus membros

    intrnseco, portanto, teoria da soberania, que os Estados tm a obrigao de respeitar os Estados estrangeiros. Os princpios da autodeterminao dos povos, e a da no-interven-o passaram a ser norteadores das relaes entre os Estados. Estes tm no seu territrio o suporte fsico da soberania. A integridade do territrio, diante de qualquer invectiva estrangeira, passou a ser a idia-fora que preside o exerccio da soberania.

    Distores, porm, provocadas pelo ius imperium, no fo-ram de todo superadas, pois, no limiar do Terceiro Milnio surgem os Estados ricos, tentando impor sua vontade poltica aos Estados po-bres, limitaes a sua soberania, a globalizao colonialista, em geral travestidas de concepes doutrinrias e terminologias suaves, e aparentemente inocentes, como soberania restrita, soberania limita-da, que necessariamente importam, do ponto de vista pragmtico, em intervenes no territrio dos Estados fragilizados pela pobreza.

    o que parece vem tentando fazer o famoso Grupo dos 7 (sete), G-7, no entardecer do sculo XX e no alvorecer do sculo XXI, em relao Amaznia, cujo territrio se distribui por oito pases da Amrica do Sul. Para isso invocam concepes modernas de Geopoltica, infladas pelas variveis ecolgicas, com o objetivo de pretensamente assegurar o equilbrio climtico do Planeta Terra. Objetivamente, propem que os pases amaznicos renunciem parte da soberania que possuem sobre o seu territrio, entregando a ges-to ambiental da Amaznia a uma entidade supranacional, como foi alvitrado na Cpula de Haia, em 1989.

    importante ressaltar, no entanto, que a questo ambiental , apenas, a ltima das muitas tentativas que tm feito os pases ricos para subtrair parte da soberania que os pases amaznicos tm sobre

  • A Questo Geopoltica da Amaznia XLV

    a grande Regio. Logo depois da Segunda Guerra Mundial, os pases amaznicos chegaram a assinar a Conveno de Iquitos, criando o Instituto Internacional da Hilia Amaznica que atuaria na Regio em co-gesto com os pases ricos. Nos anos sessenta, a construo do Grande Lago Amaznico, que se estenderia sobre toda a regio do tercirio, provocou acerbas discusses quanto questo da soberania.

    Essa persistncia da cobia internacional sobre a Ama-znia, que passou a se exprimir, inclusive, atravs de propostas ou projetos visando sua internacionalizao, encontra sua explicao, tambm, na sua localizao geogrfica, ao longo do Equador, pelas suas fronteiras ocidentais barradas pela Cordilheira dos Andes e pela sua fronteira oriental, aberta para o Atlntico, o que a torna uma regio exposta aos interesses europeus e norte-americanos, como se pode verificar pelo Mapa I.

    Assim, logo depois que Portugal e mais tarde o Brasil inde-pendente, conseguiram consolidar as fronteiras internas da Amaz-nia, atravs de vrios tratados internacionais, sobrevieram os inte-resses dos pases ricos, ora sobre a navegao pelo rio Amazonas, ora pela tentativa de implantar grandes projetos de explorao mineral e de explorao vegetal que, em geral, no conseguiram sucesso, como o grande projeto de heveicultura de Henry Ford no rio Tapajs, a ex-plorao de celulose na regio do rio Jari, pelo empresrio americano Daniel Ludwig, o extrativismo da borracha do Acre pelo Bolivian Syndicate, a implantao da estrada de ferro Madeira-Mamor e os grandes projetos de colonizao japonesa.

    O presente estudo abrange os quinhentos anos j decorridos do descobrimento da Amaznia. Este evento j ocorreu no contexto de uma pendncia geopoltica entre Portugal e Espanha, nas ltimas dcadas do sculo XV, pendncia que s foi resolvida pelo Tratado de Madri em 1750.

  • Em conseqncia, este estudo se desdobra em grandes eta-pas assim apresentadas:

    Primeira Parte que vai do descobrimento da Amaznia at a assinatura do Tratado de Madri, em 1750 e compreende:

    a) a fase da Amaznia Espanhola, em que a Regio ficou sob o domnio espanhol, nos termos do Tratado de Tordesilhas e que vai do descobrimento da Amaznia, em 1.500, pelo navegador espanhol Vicente Yaez Pinzn,at o ano de 1640, quando ocorreu a separao das Co-roas de Portugal e Espanha, ou seja, a extino da Unio Ibrica;

    b) a fase da Amaznia Luso-Espanhola, em que o domnio da Regio foi exercido cumulativamente pela Espanha e por Portugal; a Espanha, que exercia um do-mnio jurdico-formal; Portugal, que exercia o domnioefetivo; situao geopoltica que se prolongou at ao Tra-tado de Madri, em 1750;

    c) a fase da Amaznia Portuguesa em que, por fora do Tratado de Madri, em 1750, a Regio passou jurdica e objetivamente ao domnio de Portugal, situao que per-durou at independncia do Brasil em 1822.

    Segunda Parte da independncia do Brasil at meado do sculo XX, com o trmino da Segunda Guerra Mundial.

    Terceira Parte quando a questo geopoltica ama-znica passou a incidir sobre a Amaznia na sua totali-dade, portanto, toda a Amaznia Continental, por isso mesmo conhecida como a Pan-Amaznia.

    XLVI Nelson de Figueiredo Ribeiro

  • A Questo Geopoltica da Amaznia XLVII

    Quarta Parte que envolve as dcadas de setenta e oi-tenta e corresponde ao perodo em que, tendo havido a mun-dializao da questo ambiental, a Amaznia passou a ser objeto de um clamor pblico internacional, pois, sua devasta-o provocaria o desequilbrio no clima da Terra e, portanto, uma ameaa para o gnero humano; a soluo para o proble-ma deveria ser a internacionalizao da Regio.

    Quinta Parte que trata da continuao nos anos noventa e no incio no Novo Milnio da questo ambien-tal amaznica, agora, porm, no contexto de avaliao global do problema do meio ambiente no mundo do qual a Amaznia , apenas, uma parcela. Nesta ltima parte, o livro apresenta um exerccio de futurologia sobre a questo geopoltica amaznica nos prximos decnios.

    Enfim, importante frisar que este estudo no pretende ser uma denncia quanto aos perigos de internacionalizao da Ama-znia, at mesmo pela postura sbia e vigilante que tm adotado as autoridades brasileiras sobre a questo; nem mesmo oferecer revela-es sobre os problemas, uma vez que as informaes utilizadas j constam amplamente dos estudos feitos pelos historiadores e, sobretu-do, pelos principais estudiosos da questo amaznica e do noticirio da imprensa. Pretende, sim, oferecer uma abordagem sistemtica do tema para que o leitor possa conscientizar-se do assunto em todas suas dimenses ao longo dos ltimos 500 anos. Com esse objetivo, foi feito um levantamento histrico do problema, com a especfica inteno de sistematizar as informaes j disponveis e no de escrever um livro de histria da questo a partir de pesquisas em documentos reser-vados. Os documentos utilizados tm sido divulgados, porm, sempre isoladamente, sem permitir uma viso de conjunto sobre a proble-

  • XLVIII Nelson de Figueiredo Ribeiro

    mtica geopoltica da Amaznia. Esta sim a inteno do autor. E mais, demonstrar que a questo geopoltica amaznica surgiu desde que os pases europeus e, portanto, o homem branco, decidiram voltar-se para o continente americano, isto , descobri-lo; e, dessa forma, pervadiu todo o processo de ocupao da Amaznia chegando aos dias atuais de forma sempre contundente, e dever prosseguir Novo Milnio adentro.

  • A Questo Geopoltica da Amaznia XLIXM

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  • PRIMEIRA PARTE

    A AMAZNIA ESPANHOLA E AAMAZNIA PORTUGUESA

    DO TRATADO DE TORDESILHAS (1494) AO TRATADO DE MADRI (1750)

  • TTULO I

    A AMAZNIA ESPANHOLA

  • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    Captulo 1

    O DIREITO INTERNACIONAL PBLICONO FINAL DO SCULO XV. O PAPEL DO PAPADO

    AS noes conceituais de Geopoltica e Soberania so indis-sociveis do Direito Internacional Pblico, matria que existe desde que os povos se organizaram como estados e naes. Somente, porm, na Idade Moderna, sculos XVI e seguintes, adquiriu o Direito Internacional Pblicoforo cientfico, atravs da sistematizao das normas e princpios que passa-ram a permear os direitos dos povos nas suas relaes formais. No final do sculo XV, a Idade Mdia j havia passado. o que costumam afirmar os historiadores que identificam a queda de Constantinopla, em 1453, como termo final da Idade Mdia e o comeo da Idade Moderna.

    Mas isso um dado puramente convencional, pois, nas trs lti-mas dcadas do sculo XV, o Papa, ainda, continuava a exercer o juzo arbitral nos conflitos entre as naes e suas decises geravam obrigatorieda-de entre as partes, pois os Estados, em verdade, adotavam um regime teocr-tico de governo, j que todos eram cristos. No, apenas, o povo, mas tambm os Estados juravam obedincia integral ao Papa. Esse poder de que dispunha o Papado encontra sua origem nas disputas que surgiram entre imprios e princi-pados na poca em que o Papa era Gregrio VII (1073-1085). Ainda no sculo

  • 6 Nelson de Figueiredo Ribeiro

    XI, Gregrio VII interveio em confrontos que ocorreram na Alemanha; ora, entre os bispos e o rei; ora entre os bispos e o Papa; ora, entre os reis e o Papa.

    Logo no incio de seu papado, Gregrio VII assumiu a postura teol-gica de que o poder conferido por Jesus a Pedro no se cingia ordem espiritual e moral, mas tambm s questes temporais, pelas quais poderia atar e desatar,segundo critrios de justia, os desentendimentos entre os Estados que ameaa-vam a paz. Evidentemente, essas disputas criavam uma situao conflitual para a Igreja, no s com os poderes temporais, mas tambm no seio da prpria Igreja. A firmeza de Gregrio VII em suas intervenes geopolticas, apoiava-se, sobretudo, na bula Dictatus Papae3 que emitiu logo no segundo ano de seu pontificado.

    Esse quadro decisorial somente se rompeu a partir da Reforma Protestante, provocada por Martinho Lutero a partir de 1517, quando exps as suas 95 teses na porta da igreja do castelo de Wittemberg contra o que considerava erros ou abusos da ao da Igreja. A Reforma desenvolveu-se no meado do sculo XVI e tornou-se um conjunto de movimentos eclesisti-cos que formulavam princpios e doutrinas contra a autoridade do Papa, em especial, na defesa do poder temporal.4

    Ora, no final do sculo XV, ainda estavam em vigor os critrios de relaes internacionais adotados ao longo da Idade Mdia, estabelecidos pelo Papa, no exerccio do poder temporal que possua. Assim, alm dojuzo arbitral sobre os conflitos entre as naes, o Papa, ao longo do perodo medieval, em funo da unio entre a Igreja e os Estados e da inexistncia de outros credos na Europa, foi invocado pelos chefes de Estado para diri-mir conflitos. Criou-se, ento, a situao de mtua interferncia; os Esta-dos influindo decisivamente na nomeao de bispos e procos; e o Papado dirimindo conflitos entre os Estados, at mesmo sob pena de excomunho. O Papa era, portanto, o poder supremo, com base no qual instituiu alguns conceitos e princpios de alto significado para as relaes internacionais, tais como:

    3 V. leres, Paraguau, in Interveno Territorial Federal na Amaznia, ed. da Impren-sa O cial do Estado do Par, pg. 26.

    4 V. Melo, Celso de Albuquerque, in Curso de Direito Internacional Pblico, 1 vol., pgs. 74 e 75, Ed. Livraria Freitas Bastos S.A, 4 edio, 1974.

  • A Questo Geopoltica da Amaznia 7

    A paz de Deus, que distinguia entre beligerantes e no-beligerantes evitando assim que os peregrinos, as mulheres, os camponeses e outros fossem atingidos pelas guerras, provocando a fome e a misria em pessoas totalmente alheias a conflagraes blicas.5

    A Trgua de Deus, estabelecida pelo Conclio de Elna, que proibia guerra das 3 (trs) horas da tarde de sbado at as 6 (seis) horas da manh de segunda-feira, para que os beligerantes pu-dessem cumprir com o dever dominical da missa; esse perodo foi depois ampliado pelo Conclio de Marselha, em 1040, para que a beligerncia fosse suspensa no perodo de quarta-feira tarde at segunda-feira pela manh.6

    A guerra justa foi, sem dvida, a maior contribuio da Igreja para o Direito Internacional, atravs dos estudos feitos por So Toms de Aquino, Santo Ambrsio e Santo Agostinho; seus estudos levam em conta as causas das guerras;7 Santo Agostinho, em seu fantstico estudo A Cidade de Deus, demonstra a funda-mentao teolgica e filosfica da guerra justa, sempre que suas causas esto amparadas em critrios de justia, concepo que at hoje tem sido invocada para justificar a beligerncia.

    O poder temporal era exercido pelo Papa atravs de bulas ou ins-trumentos anlogos, tal como ocorreu nos conflitos entre Portugal e Espanhasobre os descobrimentos do Novo Mundo, medida que se ampliavam as navegaes. E foi, no exerccio desse poder, que o Papa interveio nas ques-tes que surgiram entre Portugal e Espanha que disputavam o domnio do oceano Atlntico, no perodo dos grandes descobrimentos havidos no final do sculo XV e primrdios do sculo XVI.

    5 V. Melo, Celso de Albuquerque, Curso de Direito Internacional Pblico, Ed. Livraria Freitas Bastos, S.A, de 1974, pg. 75.

    6 Melo, Celso de Albuquerque, ob. cit., pg. 75.7 Melo, Celso Albuquerque, ob. cit., pg. 76.

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    Captulo 2

    A GEOPOLTICA DO OCEANO ATLNTICO NO FINAL DO SCULO XV E PRIMRDIOS DO SCULO XVI

    ENGASTADO na Pennsula Ibrica, Portugal, com grandes di-ficuldades e graas aos atos hericos de seus filhos, conseguiu manter-se independente da Espanha, aproveitando-se das tenses que marcaram a consolidao das nacionalidades que se sucederam expulso dos rabes do territrio europeu, em 1249.

    Antes, porm, em 1064, Fernando de Castela, conquistou Coim-bra. Seu filho Afonso VI, ento, para governar a rea conquistada, nomeou Henrique de Borgonha, com o ttulo de conde de Coimbra. O filho de D.Henrique que o sucedeu intitulou-se rei Afonso I, em 1139 e conseguiu conquistar Lisboa. A definitiva soberania portuguesa consolidou-se em duas etapas: a primeira com a expulso dos mouros, em 1249; depois, com a vitria dos portugueses na Batalha de Aljubarrota, em 1385, contra os cas-telhanos e aps muitas tentativas destes para conquistar o territrio portu-gus. Estava, assim, consolidada a soberania do Reino de Portugal.

    Desde o comeo, os monarcas portugueses perceberam que a sobrevivncia do novo reino dependia de seu desempenho na navegao martima, pois, localizado na parte mais ocidental do continente europeu,

  • A Questo Geopoltica da Amaznia 9

    somente atravs da explorao do mar poderia manter sua autonomia. Essa atitude levou os monarcas portugueses a desenvolver a tecnologia da na-vegao martima, cujo apogeu foi o sculo XV, com a criao da escola de Sagres, ao lado do cabo de S. Vicente, destinada a ser um centro de estu-dos nuticos, como os instrumentos de navegao, a arte da pilotagem, as cartas geogrficas feitas com base nos portulanos, que eram verdadeiros manuais de orientao cartogrfica.

    O objetivo poltico e econmico de Portugal era chegar at s ndias na busca de especiarias e outras riquezas. Obcecadamente, os na-vegadores portugueses entendiam que chegariam s ndias, contornando a Costa da frica, pois, pelo Mediterrneo, as rotas que levavam s ndias j estavam definidas em favor dos grandes centros comerciais do Mediter-rneo, como Veneza, Gnova e Marselha. Havia, ento, a estrada da seda,pelo mar Negro at sia Central; e a estrada das especiarias, atravs do mar Vermelho.

    Havia, porm, navegadores e estudiosos do assunto que julgavam que o acesso s ndias deveria ser feito atravessando o Oceano Atlntico, no sen-tido de leste para oeste. Esse ponto de vista era muito influenciado pelos mapashipotticos divulgados pelos estudiosos. O exemplo mais acolhido era o globo ela-borado por Martim Behaim, de Nuremberg, feito em 1491. Martim havia sido companheiro de Diogo Co na expedio ao Congo. No mapa que desenhoudo globo, consignou os conhecimentos geogrficos da poca (V. mapa II)indicando a Tartria, Catai ( a China ) e as ndias, no lugar do que depois foi descoberto como o continente americano; indicava, tambm, como integrante de um grande arquiplago, a ilha de Cipango, isto , o Japo.

    2.1. O Tratado de Alcovas. A Bula Aeterni Regis

    A primeira expresso geopoltica das disputas pela hegemonia do oceano Atlntico foi a celebrao do Tratado de Alcovas, pequena cidade no sul de Portugal, em 4 de setembro de 1479, entre os reinos de Portugal e de Castela-Arago. Esse tratado foi ratificado por Fernando e Isabel, em Toledo, a 6 de maro de 1480. O tratado dizia respeito aos territrios ex-tra-peninsulares e a conseqente definio das respectivas reas de influnciano Atlntico. Portugal reconhecia o domnio do reino de Castela e Arago

  • 10 Nelson de Figueiredo Ribeiro

    sobre o arquiplago das Canrias e o litoral da costa africana prximo dessas ilhas. Castela e Arago aceitavam a soberania de Portugal sobre o reino de Fez (Marrocos) na costa da frica e sobre os arquiplagos de Madeira, de Aores, de Cabo Verde e de So Tom. Reconheciam, tambm, o domnio de Portugal sobre as ilhas e terras descobertas e a descobrir, ao sul do paralelo 27N, prximo ao arquiplago das Canrias que tomava o cabo de Bojador,na Costa da frica, como ponto de referncia. A visualizao cartogrfica das definies geopolticas do Tratado de Alcovas est apresentada no mapa III.Era a primeira definio geopoltica sobre o domnio de reas do Oceano Atlntico, at ento conhecida.

    O Tratado de Alcovas era sumamente inovador, sob o ngulo geopoltico, porque, pela primeira vez, se referia a reas ainda no desco-bertas e indicava expressamente limites ocenicos, em sentido horizontal, o paralelo 27oN, o que concedia um extraordinrio poder poltico a Portugal. Preocupado com a eficcia poltica do tratado, D. Afonso V, de Portugal, solicitou ao Papa que sancionasse os captulos 27 e 28 do tratado que se referiam partilha horizontal do Atlntico, no que obteve xito. O Papa Sisto IV aprovou o disposto nos captulos 27 e 28, atravs da Bula Aeterni Regis,de 21 de junho de 1481.

    O xito das negociaes que se concluram com a Bula Aeterni Regis do Papa Sisto IV, praticamente, ocorreu no incio do reinado de D. Joo II, a 31 de agosto de 1481. Chamado o Prncipe Perfeito, D. Joo II consagrou estrategicamente sua ao de governo construo geopoltica do Atlntico meridional.8

    Tendo por base a jurisdio que Portugal passou a ter sob o Atlntico Sul, D. Joo II empenhou-se na explorao da costa ocidental da frica, a partir das imediaes do Equador at ao cabo da Boa Esperana,no sul do continente africano. E to persistente foi o seu empenho que, em 1488, Bartolomeu Dias descobriu a viabilidade de chegar ndia pelo Atlntico Sul, contornando o cabo, que chamou das Tormentas, mas que, ao comunicar a sua descoberta a D. Joo II, este preferiu profeticamente chamar de cabo da Boa Esperana. Ainda para prevenir contestaes geopo-

    8 V. Couto, Jorge, Construo do Brasil. Ed. Cosmos, Lisboa, 1998, pg. 122.

  • A Questo Geopoltica da Amaznia 11

    lticas, promoveu, em 1490, D. Joo II, o casamento de seu filho, D. Afonso com D. Isabel, filha dos reis Isabel e Fernando, de Castela e Arago, criando um canal de dilogo mais estreito entre Portugal e Espanha.9

    A viagem de Bartolomeu Dias confirmava a tese defendida pelas autoridades e estudiosos portugueses de que o acesso para as ndias far-se-ia, mais adequadamente, contornando o continente africano pelo extremo sul, isto , partindo do oceano Atlntico em sentido norte-sul e seguindo pelo oceano ndico em sentido sul-norte. Quando Bartolomeu Dias deu conhe-cimento a D. Joo II de sua descoberta, participou desse encontro Cristvo Colombo que na ocasio pedia apoio do monarca portugus para buscar o caminho das ndias, atravessando o oceano Atlntico. Esse apoio lhe foi ne-gado, levando em considerao a descoberta de Bartolomeu Dias.

    2.2. O descobrimento da Amrica e as intervenes do Papado na de nio geopoltica das soberanias sobre o oceano Atlntico

    No comeo da ltima dcada do sculo XV, D. Joo II dedicou-se aos estudos nuticos que possibilitassem a realizao da viagem que levaria ao descobrimento do caminho para as ndias percorrendo o Atlntico Austral,enquanto os reis catlicos Fernando e Isabel, voltavam-se para a consolidao da unidade espanhola, o que conseguiram em janeiro de 1492. A partir de ento, Isabel admitiu patrocinar a viagem de Cristvo Colombo, rumo ao Atlntico ocidental, para descobrir o caminho das ndias. Com isso, as rivali-dades entre Espanha e Portugal agravaram-se sobremaneira.

    Colombo partiu em 3 de agosto de 1492 e descobriu a Amrica a 12 de outubro do mesmo ano, chegando s ilhas Bahamas e s Antilhas, que o navegador julgava serem um arquiplago da sia, adjacente a Cipango (Japo). Demorou-se Colombo percorrendo essas ilhas e somente voltou Espanha em maro de 1493. Tendo primeiro estado em Portugal, onde contou a D. Joo II, em 9 de maro de 1493, a sua descoberta. Este informou-lhe logo que, nos termos do Tratado de Alcovas, estas terras pertenciam a Portugal.

    9 Couto, Jorge, ob. cit., pg. 123.

  • 12 Nelson de Figueiredo Ribeiro

    * A BULA INTER CAETERA I

    O impacto da descoberta da Amrica elevou o prestgio dos reis Fernando e Isabel, que passaram a se preocupar com a formulao de meios que evidenciassem perante todas as naes que as novas terras descobertas pertenciam Coroa de Castela e Arago. A caracterizao perante o mundo de ento dessa medida de cunho estritamente geopoltico poderia ser feita mediante o reconhecimento e a proclamao pelo Papa, face ao poder tem-poral que este, na poca, reconhecidamente possua, no sentido de que as terras descobertas pertenciam Espanha.

    O Papado era exercido por Alexandre VI, espanhol de nasci-mento, valenciano, pertencente famosa famlia dos Brgias; sua conduta moral tornara-o um pontfice no muito respeitado. O empreendimento pretendido por Fernando e Isabel facilmente pde ser realizado. Um ms, apenas, aps a volta de Colombo Espanha, Alexandre VI promulgou a Bula Inter Caetera I, redigida em abril, datada, porm, de 3 de maio de 1495, que garantia para a Espanha o domnio das novas ilhas e terras descobertas ou por descobrir nas bandas ocidentais.10 O ato de Alexandre VI expressamente exclua o pretendido direito da Coroa portuguesa s terras americanas, como desejava D. Joo II, rei de Portugal, baseado no Tratado de Alcovas. O soberano portugus entendia que esse Tratado consagrava o senhorio lusitano sobre todo o Atlntico a partir do paralelo das Canrias, ...... ficando as terras na zona setentrional para Castela e na austral para Portugal.11

    * A BULA INTER CAETERA II

    Os desentendimentos entre as duas potncias martimas agrava-ram-se crescentemente, quando chegaram as notcias de que Portugal pre-tendia organizar uma armada para ocupar as ilhas descobertas por Colombo. Isabel e Fernando resolveram buscar negociaes com o soberano portugus. Estas, porm, no lograram sucesso. Novamente, os reis catlicos, com o po-der que tinham perante o Papa Alexandre VI e aconselhados por Colombo (o

    10 Couto, Jorge, ob. cit., pg. 125.11 Couto, Jorge, ob. cit., pg. 126.

  • A Questo Geopoltica da Amaznia 13

    Almirante do mar Oceano), conseguiram a edio da Bula Inter Caetera II,que foi datado de 4 de maio de 1493, portanto, no dia seguinte datao da Bula Inter Caetera I, mas somente concluda de fato a 28 de junho.12

    A nova bula doava perpetuamente Coroa espanhola todas as ilhas e terra firme, descobertas ou por descobrir, quer se encontrassem ou no nas bandas da ndia, .... localizadas a ocidente e sul de uma linha imaginria, traada desde o plo rtico at ao plo Antrtico, 100 lguas a oeste e sul das ilhas de Aores e Cabo Verde13 (V. mapa IV).

    * A BULA EXIMIAE DEVOTIONIS

    Ainda, datada de 3 de maio de 1492, porm, redigida somente em julho do mesmo ano, o Papa Alexandre VI editou a Bula Eximiae Devotionis, pela qual concedeu aos reis espanhis nas ilhas e terra firme situadas nas regies ociden-tais e no mar Oceano, privilgios, graas, liberdades, isenes, faculdades e imunidades espirituais de teor em tudo idntico aos atribudos aos reis de Portugal relativamente aos seus domnios no Norte de frica, na Guin, Mina e ilhas atlnticas.14

    * A BULA PIIS FIDELIUM

    Editada pelo Papa Alexandre VI, em 25 de junho de 1493, a Bula Piis Fidelium concedia faculdades extraordinrias a frei Bernardo Boil para desencadear atividades evangelizadoras junto aos ndios e definia a primiti-va organizao eclesistica das novas ilhas.15

    * A BULA DUDUM SIQUIDEM

    O rei de Portugal manifestou sempre a sua irresignao com tan-tas decises do Papa Alexandre VI em favor dos Reis Catlicos. Optou, ento, por enfrentar um dilogo diplomtico direto com os reis de Castela e Arago. Enviou embaixadores Espanha, tentando conseguir o reexame dos problemas geopolticos sobre o Atlntico. Os resultados desses entendi-

    12 Couto, Jorge, ob. cit., pg. 127.13 Couto, Jorge, ob. cit., pg. 127.14 Couto, Jorge, ob. cit., pg. 127.15 Couto, Jorge, ob. cit., pg. 127.

  • 14 Nelson de Figueiredo Ribeiro

    mentos revelaram-se desastrosos para Portugal. Mais uma vez assessorados por Cristvo Colombo, Isabel e Fernando fizeram valer a sua influncia sobre Alexandre VI e deste conseguiram a edio da Bula Dudum Siquidem,datada de 25 de setembro de 1493, porm, redigida em outubro (ou talvez em dezembro), pela qual os reis de Espanha foram autorizados a enviar expedies, no s s regies ocidentais como tambm s meridionais, investin-do-os no senhorio de todas as ilhas e terra firme que os seus sditos, navegando para o poente e meio-dia (sul), descobriram nas partes orientais que tivessem sido ou fossem da ndia.16

    Essa deciso pontficia, na prtica, revogava o meridiano de 100 lguas, estabelecido pela Bula Inter Caetera II, suprimindo os direitos e privilgios que antes haviam sido concedidos a Portugal, inclusive a ju-risdio geopoltica sobre o Atlntico austral at ao paralelo 27ON.

    2.3. O Tratado de Tordesilhas

    O Prncipe Perfeito evidentemente ficou inteiramente inconfor-mado com as decises pontifcias. Sabia ele que essas decises haviam sido engendradas pelos Reis Catlicos, de Castela e Arago, atravs da ostensiva influncia que tinham sobre o Sumo Pontfice. As reaes adotadas por Portugal revelam a argcia diplomtica de D. Joo II.

    Inicialmente, D. Joo II procurou aumentar o seu poder de bar-ganha acenando para a Frana com negociaes sobre territrios situados no norte da frica, cuja soberania a Coroa francesa estava disputando com a Espanha. Depois props negociaes diretas com os Reis Catlicos, en-viando para isso procuradores devidamente credenciados, em 8 de maro de 1494. Preparou, tambm, uma armada para ir ndia, percorrendo o Atlntico pelo sul da frica.

    Os Reis Catlicos recusavam-se a acolher qualquer proposta, at que tivessem o parecer de Cristvo Colombo com base na sua segunda viagem Amrica ou, como era aceito na poca, s ndias que haviam sido por ele descobertas, em 12 de outubro de 1492. As propostas da delegao

    16 Couto, Jorge, ob. cit., pg. 128.

  • A Questo Geopoltica da Amaznia 15

    portuguesa eram no sentido de que a partilha das reas do oceano Atlntico voltasse a ser feita atravs de limites meridionais predefinidos; e mais, que o meridiano anteriormente indicado para definir a jurisdio geopoltica de Portugal, fixado em 100 lguas a oeste do arquiplago de Cabo Verde, fosse dilatada para 370 lguas.

    As discusses prosseguiram, enquanto a Espanha aguardava relatos de Colombo e seus companheiros da segunda viagem. Quando isso ocorreu, o relatrio que apresentaram convenceu os monarcas de Castela e Arago de que haviam alcanado o Oriente e extremas partes da ndia superior, onde se encontravam os produtos mais valiosos, como pedras preciosas, ouro, especiarias e drogas.17 Diante desse relato, os Reis Catlicos reabriram as negociaes com as autoridades portuguesas.

    Em seu contedo, os entendimentos havidos concluram por aceitar o meridiano situado 370 lguas a oeste do arquiplago de Cabo Verde,como linha demarcatria dos domnios de Portugal e Espanha. Portanto, a oeste desse meridiano, as ilhas e terras firmes descobertas ou a descobrir, pertenceriam Espanha; e as situadas a leste, entre o meridiano respectivo e as ilhas de Cabo Verde, seriam domnio de Portugal.

    As partes comprometiam-se tambm a no recorrer ao Papa, reivindicando qualquer alterao no que houvesse sido acordado. Outras pendncias ainda surgiram, inclusive quanto sucesso de D. Joo II, que logo foram resolvidas e partiram para a assinatura do Tra-tado, pelos procuradores das partes, na cidade hispnica de Tordesilhas,no dia 7 de junho de 1494. O Tratado de Tordesilhas foi ratificado por Isabel e Fernando, a 2 de julho, e por D. Joo II, a 5 de setembro, ambos de 1494 (V. Mapa V).

    Nenhum dos monarcas solicitou ao Papa a aprovao do Tratado. D. Manuel I, porm, que sucedeu D. Joo II, em 1495, obteve indireta-mente essa aprovao papal, atravs da Bula Ea quae pro bono pacis, emitida pelo Papa Jlio II, em 24 de janeiro de 1506.18

    17 Couto, Jorge, ob. cit., pg. 132.18 Couto, Jorge, ob. cit., pg. 136.

  • 16 Nelson de Figueiredo Ribeiro

    2.4. As implicaes geopolticas do Tratado de Tordesilhas

    O Tratado de Tordesilhas fez cessar os desentendimentos que, havia duas dcadas, existiam entre Portugal e Espanha pelo domnio do oceano Atlntico. Como, a rigor, o Tratado dispunha sobre limites de reas do Planeta, ainda desconhecidas pelas partes signatrias do acordo, somen-te no futuro seus efeitos adquiriram objetividade e concretude.

    No caso do Atlntico austral, as implicaes dessa deciso sobre territrios desconhecidos, advieram no final do sculo XV e incio do scu-lo XVI; e ao longo dos sculos subseqentes, definiu que o territrio brasi-leiro ficaria sob a soberania de Portugal e as demais parcelas do continente sul-americano ficariam sob a jurisdio e domnio da Espanha.

    No caso do territrio brasileiro, o limite das 370 lguas, a oeste do arquiplago de Cabo Verde, correspondia, aproximadamente, ao me-ridiano situado a 48 (quarenta e oito graus) de longitude, passando pela baa de Maracan, na costa do Estado do Par, at cidade de Canania, no litoral do Estado de So Paulo (V. mapa V).

    Nem todos os historiadores esto de acordo com a plotao do verdadeiro trajeto das 370 lguas objeto do Tratado de Tordesilhas. Para os objetivos deste estudo, foram tomadas como referncias as indicaes car-togrficas feitas pelo historiador portugus Jorge Couto, pois parece emba-sado em estudos mais recentes e consistentes (V. mapa V).

  • A Questo Geopoltica da Amaznia 17

    MAPA II

    Mapa do globo segundo Martim Behaim, de Nurenberg, elaborado em 1491, conforme as idias geogr cas de seu tempo

    Fonte: Apud Joaquim Silva, Histria Geral. Companhia Editora Nacional, 1943, pg. 12.

  • 18 Nelson de Figueiredo Ribeiro

    MAPA III

    Diviso entre Espanha e Portugal das reas do Atlnticosegundo o TRATADO DE ALCOVAS de dezembro de 1479

  • A Questo Geopoltica da Amaznia 19

    MAPA IV

    Limites no Atlntico Sul entre Espanha e Portugal, segundo a bula Inter Caetera II, de 4 de maio de 1493:

    - 100 lguas a oeste e sul do arquiplago de Cabo Verde

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    MAPA V

    Diviso entre Espanha e Portugal das reas do Atlntico segundo o Tratado de Tordesilhas - 7 de junho de 1494

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    Captulo 3

    O DESCOBRIMENTO DO BRASIL E A SITUAO GEOPOLTICA DO TERRITRIO DESCOBERTO EM

    FUNO DO TRATADO DE TORDESILHAS

    QUANDO o Brasil foi descoberto a 22 de abril de 1500, o

    meridiano, situado a 48 de longitude Oeste, definia, ento, que a rea amaz-nica pertencia Coroa espanhola, excetuando, apenas, uma pequena nesga de terras, situada a leste da foz do Amazonas, que pertencia a Portugal. A par-te amaznica pertencente a Portugal compreendia, hoje, o territrio paraense a oeste da linha que passa altura da baa de Maracan. A floresta amaznica, entretanto, prossegue para leste at chegar floresta de transio no territ-rio do Maranho. O mapa V situa, exatamente, a localizao geogrfica, por onde passam as 370 lguas desse meridiano que fazem a definio geopoltica da Amaznia espanhola. Ressalte-se que, historicamente, se trata de uma abor-dagem ex-post, uma vez que, quando o Brasil foi descoberto a 22 de abril de 1500, esses limites no foram objetivamente questionados, at por que no poderiam, ainda, ter sido plotados.

    Em verdade, sob o ngulo geopoltico, o descobrimento de Cabral somente passou a ter efeitos a partir de 28 de agosto de 1501,quando D. Manuel I, o Venturoso, comunicou aos seus sogros, os Reis

  • 22 Nelson de Figueiredo Ribeiro

    Catlicos de Castela e Arago, que a expedio que havia enviado s n-dias havia achado a Terra de Vera Cruz, nome que Cabral tinha dado s terras brasileiras. D. Manuel, entretanto, j tinha tomado conhecimento do descobrimento desde julho de 1.500, quando a nau, comandada por Gaspar Lemos, enviada por Cabral, chegou a Lisboa. Mas a comunica-o oficial da descoberta somente foi realizada aps a chegada da nau Anunciada, comandada por Nuno Leito da Cunha, na noite de 23 para 24 de junho de 1501. A comunicao oficial aos Reis Catlicos ocorreu somente a 28 de agosto de 1501, data a partir da qual a descoberta de Cabral passou a ter efeitos geopolticos quanto ao reconhecimento da soberania portuguesa sobre novas terras. Decorreu, portanto, 1 (um) ano e 4 (quatro) meses depois do histrico evento do descobrimento do Brasil. E mais, essa comunicao somente foi feita por insistncia de Pero Lpez de Padilha, embaixador dos Reis Catlicos junto Cor-te portuguesa. Na carta, D. Manuel escusa-se do atraso alegando que aguardava a volta de Cabral das ndias, o que somente ocorreu em julhode 1501, portanto, bem antes do comunicado. Em verdade, D. Manuel,pelos laos de parentesco que tinha com os Reis Catlicos, pois destes era genro, desde outubro de 1497, estava inseguro quanto s reaes que seus sogros teriam nos relacionamentos subseqentes que a grande descoberta provocaria entre Portugal e Espanha.

    Ainda sob o ngulo geopoltico, nenhum significado tem a via-gem de Duarte Pacheco Pereira, que teria estado na costa brasileira em 1498, uma vez que Portugal se absteve de fazer qualquer comunicao oficial aos reis espanhis, ao Papa e aos demais soberanos europeus. A confirmao de que essa viagem foi efetivamente realizada, somente ocorreu na segunda metade do sculo passado, com grande repercusso na imprensa. Porm, tendo sido mantido em sigilo o descobrimento de Duarte Pacheco Pereira, nenhum significado geopoltico pode ser-lhe atribudo, para os objetivos deste estudo.

    Tambm, sob o ngulo geopoltico, despicienda a discusso sobre a intencionalidade ou causalidade da descoberta do Brasil por Pedro lvares Cabral, pois isso no influenciou sobre o reconhecimento que os pases europeus e o Papado, explcita ou implicitamente, proporcionaram soberania de Portugal sobre o territrio descoberto no continente sul-ame-

  • A Questo Geopoltica da Amaznia 23

    ricano. Talvez seja possvel admitir at que a viagem de Pedro lvares Cabral tenha sido realizada com a pompa e a magnitude que lhe foi conferida, exatamente, para que Portugal pudesse formalizar aos pases da Europa e, sobretudo, ao Papado, a notcia de que havia descoberto as terras de um continente, a ocidente do Atlntico austral, dentro dos limites do Tratado de Tordesilhas. Portanto, terras que eram de seu domnio exclusivo.

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    Captulo 4

    O DESCOBRIMENTO DA FOZ DO AMAZONAS PELOS ESPANHIS E SEU SIGNIFICADO GEOPOLTICO

    A 10 DE JULHO de 1499, chegou ao Tejo, de volta do Oriente, Vasco da Gama, com provas ostensivas de que havia descober-to, em 1498, o caminho martimo para as ndias. A Coroa portuguesa ficou exultante de alegria e apressou-se em dar conhecimento de to grande feito, h dcadas perseguido pelos portugueses, aos Reis Catli-cos, ao Papa e outros monarcas, objetivando resguardar seus interesses geopolticos. O xito da viagem de Vasco da Gama sensibilizou os mo-narcas espanhis a buscarem a celebrao de capitulaes (acordo de concesso de poderes) com outros navegadores, para a explorao das reas descobertas, eliminando-se, assim, a exclusividade que havia sido dada a Colombo.

    Um dos primeiros beneficirios dessas concesses para explora-o foi o navegador Vicente Ynez Pinzn que havia comandado a caravela Nia, na viagem de Colombo, que levou ao descobrimento da Amrica. Tra-tando-se de uma concesso, a viagem de Pinzn foi custeada com recursos

  • A Questo Geopoltica da Amaznia 25

    prprios, certamente com os recursos do prmio que havia recebido por sua participao no descobrimento da Amrica.19

    Durante muitos anos, foi discutido pelos historiadores o verda-deiro trajeto da viagem de Vicente Pinzn. Ultimamente, porm, mais pre-cisamente, na dcada de setenta do sculo passado, passaram a ser aceitas as pesquisas do capito-de-mar-e-guerra Max Justo Guedes, diretor do Servio de Documentao da Marinha Brasileira, que, afinal, esclareceram a ver-dadeira rota de Pinzn. Com 4 (quatro) caravelas e cerca de 150 homens, partiu Pinzn, a 18 de novembro de 1499, rumo ao sudoeste, aportando nas ilhas Canrias e Cabo Verde. Continuando a sua viagem, foi atingido por uma grande tempestade que, rapidamente, o levou costa brasileira, aportando em um cabo, que Max Justo Guedes demonstra ser a ponta de Mucuripe, no Cear. A travou batalhas com as tribos indgenas e capturou 36 nativos, que levou para vender como escravos na Espanha.20

    Continuando a navegar pela costa brasileira, segundo descreve Eduardo Bueno, Vicente Pinzn e seus companheiros foram colhidos por grande surpresa; um grande estrondo contnuo, provocado por uma onda ameaadora; era a pororoca provocada pelo encontro das correntezas da foz do Amazonas, na poca das grandes enchentes do rio e as mars altas pro-vocadas pelo ciclo lunar. Esse fenmeno ocorre em vrios pontos da foz do Amazonas, quando a fase da Lua torna propcio o seu surgimento. Os nave-gadores perceberam que as guas pelas quais navegavam no eram salgadas e sim doces, o que deu para perceber que estavam na foz de um grande rio. Eram os primeiros dias do ms de fevereiro de 1500, portanto, quase trs me-ses antes da descoberta do Brasil por Pedro lvares Cabral.

    Tambm no se sabe qual o lugar da foz do Amazonas onde ocorreu essa descoberta. Alguns sustentam que se tratava de baa do Mara-j, onde desgua o brao sul da foz do Amazonas. Outros sustentam que o lugar deve ser o brao norte do Amazonas, onde, com mais freqncia, ocorre o fenmeno da pororoca. A tomou Pinzn posse das terras em nome

    19 V. Bueno, Eduardo, in Nufragos, Tra cantes e Degredados. Ed. Objetiva, vol. II, pg. 13 e 14.

    20 V. Bueno, Eduardo, ob. cit., pg. 17.

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    da Coroa espanhola e, certo de que estava na foz de um grande rio que nas-ceria em montanhas existentes no interior, denominou o rio descoberto de Santa Mara de la Mar Dulce. Os nativos chamavam quela regio de Ma-riatambal. Tratava-se de uma regio com muitas ilhas, habitada por gente mansa e socivel.21 Pinzn penetrou ao rio Amazonas, porm, navegando contra as fortes correntezas, certamente no chegou ao rio, propriamente, permanecendo no brao norte ou sul, aquele que encontrou. (V. Mapa VI)

    Confirmava-se, assim, o reconhecimento geopoltico de que a Amaznia pertencia Coroa espanhola, pois as terras descobertas situavam-se a oeste do meridiano indicado no Tratado de Tordesilhas, como divisor das terras descobertas, ou por descobrir, entre Portugal e Espanha. Ainda em fevereiro do ano de 1500, outro navegador espanhol, Diogo de Lepe, aportou Amaznia logo aps Vicente Pinzn. Estava, tambm, a servio da Coroa espanhola. Deu ao rio o nome de Maraon. Alis, este foi o nome pelo qual o rio Amazonas se tornou conhecido na Europa nos primrdios do sculo XVI.

    21 V. Bueno, Eduardo, ob. cit., pg. 19.

  • A Questo Geopoltica da Amaznia 27

    MAPA VI

    O Descobrimento da Foz do Rio Amazonas pelos espanhis nos primeiros dias de fevereiro de 1500, pelo navegador Vicente Ynez Pinzn,

    segundo Max Justo Guedes

    Fonte: O livro Nufragos, Tra cantes e Degredados, pg. 15 - Ed. Objetiva 1998 de Eduardo Bueno.

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    Captulo 5

    A DESCOBERTA DO RIO AMAZONAS ESUA REPERCUSSO GEOPOLTICA

    A AMAZNIA descoberta, entretanto, era, apenas, a litor-nea, em especial a foz do rio Amazonas. A Amaznia interior somente seria conhecida pelos europeus, atravs da expedio de Francisco de Orellana que percorreu o rio Amazonas da nascente para a foz, entre fevereiro de 1541 e agosto de 1542. Os espanhis, que haviam conquistado ao Imprio Inca, na costa do Pacfico, sempre desejavam descobrir o territrio alm da muralha que a cordilheira dos Andes formava. As tentativas feitas no lograram sucesso. At que Gonzalo Pizarro, governador da provncia de Quito, resolveu enfrentar o problema. Sua inteno basicamente era tomar posse dos territrios orientais, alm da Cordilheira dos Andes, que sabia pertencerem Espanha por fora do Tratado de Tordesilhas. Esse era, por-tanto, seu objetivo geopoltico.

    O objetivo mais especfico, entretanto, era descobrir uma espe-ciaria de grande valor comercial, a canela. Alis, dizia-se que, alm dos An-des, estava o Pas da Canela. O objetivo da viagem era tambm encontrar o reino do El Dorado que estaria no noroeste da Amaznia. Seria um pas fabuloso pela riqueza em ouro que possua, origem de tantas lendas. A fan-tstica expedio, concebida e projetada por Francisco Pizarro e seu irmo

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    Gonzalo, era por este chefiada e formada por 220 cavaleiros armados, gran-de quantidade de lhamas que transportavam os alimentos, aproximada-mente 2.000 porcos e 2.000 ces e cerca de 4.000 ndios.22 Gonzalo Pizarro,dirigindo essa enorme expedio, partiu de Quito em fevereiro de 1541.

    Francisco de Orellana somente alguns dias depois agregou-se expedio, pois estava em Guaiaquil, cidade que havia fundado. Era amigo dos irmos Pizarro (Francisco e Gonzalo) e pessoa dotada de argcia e inteli-gncia por todos reconhecida. Inclusive no trato com as populaes indge-nas, cuja lngua de algumas tribos havia conseguido aprender, pelo menos superficialmente. Quando conseguiu juntar-se expedio, Orellana estava exausto e faminto e j havia sofrido vrias baixas na pequena expedio que organizara. Foi alegremente recebido por seu amigo Gonzalo Pizarro que lhe deu o comando geral das tropas.23

    Aps caminhar, durante 70 dias, tentando atravessar os An-des, os expedicionrios encontraram alguns ps de canela dispersos, sem qualquer significado econmico. As dificuldades impostas aos viajantes pela natureza, porm, foram muito grandes: sofreram um terremoto que dizimou grande parte da expedio; subindo a cordilheira andina, sob um frio arrasador e chuvas constantes, viram-se na contingncia de deixar a maior parte dos suprimentos que levavam. Ao longo do caminho defronta-ram-se com tribos indgenas que nem sempre os receberam amistosamente. Pizarro, porm, reagiu violentamente diante das tribos indgenas, matando muitos ndios contra os quais atirava perversamente seus ces.

    Enfim, aps 10 meses de viagem, conseguiram chegar ao rio Coca,onde alguns indgenas lhes prestaram apoio. Caminharam pelas margens do rio Coca durante algum tempo, at que tiveram a idia de construir um bergantim para colocar nele o pessoal mais debilitado. Nessa embarcao, tambm foi colocada a maior parte da carga, inclusive os recursos financei-ros que levavam. Tendo sido informado pelos indgenas de que o rio Coca iria desaguar em outro rio caudaloso, da a 10 dias, Pizarro decidiu que uma turma iria em frente, sob o comando de Francisco de Orellana, com

    22 V. Sousa, Mrcio, in Breve Histria da Amaznia. Ed. Marco Zero, pg. 24.23 V. Sousa, Mrcio, ob. cit., pg. 29

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    instruo para prover-se de vveres e voltar para socorrer os companheiros, no prazo de 15 dias.

    Assim, comeou a viagem de Francisco de Orellana que, em um bergantim, uma embarcao que, para esse fim especial, o navegador man-dou construir, o levaria a percorrer o rio Amazonas. Orellana capitaneava a expedio com cinqenta e quatro tripulantes, entre os quais o domini-cano Frei Gaspar de Carvajal que se tornou responsvel pelo relato da via-gem. Chegaram confluncia do rio Coca com o Napo e no encontraram alimentos. Perceberam, entretanto, que a volta seria difcil por causa das correntezas do rio Coca. A alternativa que restava era a de prosseguir sem saber onde iriam chegar, nem que obstculos teriam de enfrentar. Nessa confluncia dos rios Coca e Napo, Orellana deixou trs expedicionrios com a misso de voltar e relatar a Gonzalo Pizarro sobre a impossibilidade do retorno. Era o dia 2 de fevereiro de 1542, portanto, um ano depois do incio da viagem.

    A expedio de Orellana prosseguiu pelo Napo, at chegar ao eixo do Grande Rio ou Paranauau, como era chamado pelos povos indgenas aquele que seria depois denominado por Orellana como Rio das Amazonas. Continuou navegando com o apoio das populaes indgenas, tendo chegado a 3 de junho de 1542 ao rio Negro, nome dado pelo prprio Orellana, quando deparou com o encontro de suas guas com as do Ama-zonas. Seu contato com as populaes indgenas era quase sempre violento, matando e torturando os ndios para tomar os suprimentos de que necessi-tava; muitas vezes, porm, fez-se amigo dos indgenas, deles obtendo todo o apoio de que necessitava. Finalmente, em 23 de junho, os aventureiros chegaram foz do rio Nhamund, onde se depararam com uma tribo ind-gena que lhes pareceu ser constituda de mulheres guerreiras. Os indgenas, antes, j lhes haviam anunciado que iriam encontrar uma tribo de mulheres guerreiras chefiada por Condori ou Conhori.

    Frei Carvajal descreve as mulheres guerreiras, fazendo observaes pessoais de forte contedo romntico, pela impresso que lhe causaram:24

    24 V. Pinto, Emanuel Pontes, Caiari: Lendas, Proto-Histria e Histria, 1986, pg. 146.

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    Estas mulheres so muito alvas e altas, com o cabelo muito comprido, entranado e enrolado na cabea. So muito membrudas e andam nuas em plo, tapadas as suas vergonhas, com os seus arcos e flechas nas mos, fazendo tanta guerra como dez ndios. E em verdade houve umas destas mulheres que meteu um palmo de flecha por um dos bergantins, e as outras um pouco menos, de modo que os nossos bergantins pareciam porco-espinho.

    Voltando ao nosso propsito e combate, foi Nosso Senhor ser-vido dar fora e coragem aos nossos companheiros, que mataram sete ou oito dessas amazonas, razo pela qual os ndios afrouxaram e foram vencidos e desbaratados com farto dano de suas pessoas.

    At hoje no foi possvel saber o que havia de verdade e fanta-sia no relato de Frei Carvajal. Orellana, diante do que via, aparentemente lembrou-se do episdio das mulheres combatentes da Capadcia, na costa do mar Negro, na sia, as amazonas, que queimavam um seio para melhor manusear o arco. Assim denominou o grande rio que estava percorrendo de rio das Amazonas.

    A 24 de agosto de 1542, a expedio deixou o Amazonas e, en-frentando grandes dificuldades, voltou para a Espanha. Sobre o trajeto da extraordinria viagem de Francisco de Orellana, o descobridor do rio Ama-zonas, veja o mapa VII. Do ponto de vista geopoltico, a viagem de Orellana teve grande impacto sobre o futuro da Amaznia, devido a dois fatos de forte significado:

    a descoberta do rio Amazonas; suas dimenses fantsticas, levaram a Espanha a reconhecer, como seu, todo o territrio per-corrido por Orellana, isto , a Amaznia, cujas terras estavam a oeste do meridiano do Tratado de Tordesilhas, das quais o navega-dor espanhol Vicente Pinzn havia tomado posse para a Coroa de seu pas;

    o relatrio de Frei Carvajal Relato do Novo Descobrimen-to do Famoso Rio Grande das Amazonas despertou os interesses, no s de espanhis, mas dos demais povos europeus para as riquezas que possui a grande regio; a explorao dessas riquezas era urgente e necessria; o relatrio de Frei Carvajal o marco

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