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Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação ISSN 2237-0420 25 e 26 de setembro de 2012 A Questão Habitacional na Obra de Raymond Unwin Daniele Petroni Alencar Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - FAU Centro de Ciências Exatas, Ambientais e Tecnologias - CEATEC [email protected] Prof. Dr. Luiz Augusto Maia Costa Grupo de Pesquisa: Cultura Urbanística na Tradição Clássica CEATEC Programa de Pós-Graduação em Urbanismo [email protected] Resumo: O presente artigo busca investigar a coe- rência prática dos ideais teóricos de Raymond Unwin desenvolvidos nas suas obras projetuais, sobretudo, a habitacional. Para tal anaálise, nos basearemos nos seus livros: Town Planning in Practice e The Art of Building a Home, este último, escrito em parceria com Barry Parker. Para tanto, no âmbito deste artigo, usaremos como objeto de investigação o subúrbio- jardim de Hampstead Garden Suburb e uma casa no subúrbio-jardim de Northwood. Palavras-chave: Cidade-Jardim, Raymond Unwin, História do Urbanismo. Área do Conhecimento: Ciências sociais aplicadas Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo 1. INTRODUÇÃO No presente artigo, usou-se Hampstead Garden Suburb para o estudo da questão habitacio- nal no planejamento urbano, e uma casa no subúrbio de Northwood para o estudo do planejamento local. A escolha de ambos recaiu sobre a aplicação da base teórica da pesquisa e no acesso a dados via livros e internet. As principais fontes de pesquisa para as informações de Hampstead Garden Suburb não foram encontradas em livros da literatura nacio- nal ou internacional, mas de sites oficiais do local e de sua associação: Hampstead Garden Suburb (www.hgs.org.uk) e Hampstead Garden Suburb Trust (www.hgstrust.org). Foi estruturado de maneira, primeiramente, a apresentar um contexto geral do arquiteto, urbanista, e objeto de pesquisa, Raymond Unwin, contendo suas principais influências, trabalhos, parcerias e ideais. Em seguida, temos a descrição do subúrbio- jardim escolhido, sua história, pessoas envolvidas, até a descrição do plano urbano em si, da caracterís- tica mais geral, até o planejamento local, ou seja, o conjunto das residências. Logo depois, inicia-se o estudo da casa de Northwood, já em escala menor, descrevendo suas características e aplicação prática da teoria de Raymond Unwin. 2. A QUESTÃO HABITACIONAL NA OBRA DE RAYMOND UNWIN Raymond Unwin (1863-1940) exerceu grande in- fluência na concepção urbanística, arquitetônica e social da sua época, trazendo questões inovadoras como a habitação do homem comum e para a vida em subúrbios-jardim, distantes das cidades inglesas da época industrial. Foi influenciado por nomes como Samuel Augustus Barnett e sua esposa Henrietta, Camillo Sitte, Barry Parker, Jonh Ruskin e William Morris. Em seus muitos anos de trabalho, projetou inúmeras obras, arquitetônicas e urbanísticas, como a cidade-jardim de Letchworth (1904), as vilas operá- rias da Staveley Coal and Iron Company (1890), o subúrbio-jardim de Wavertree Garden Suburb (1906) e Hampstead Garden Suburb (1905), nosso objeto de estudo da obra de Unwin enquanto urbanista. Escreveu “The art of Building a Home” (1901) em co- autoria com Barry Parker, e em 1909, escreveu sozi- nho, seu livro “Town Planning in Practice” com seus ideias de planejamento urbano, edifícios públicos e residências. Os planos urbanos de autoria Unwin-Parker possuem algumas semelhanças, como a implanta- ção de um centro urbano, e a combinação de vias retas e curvas, usadas de acordo com a topografia e favorecendo o aspecto pitoresco do subúrbio. Uma inovação trazida por Unwin-Parker são as ruas em culs-de-sac, ou seja, ruas sem saída com um balão em sua extremidade, introduzidas nas ruas de Hampstead Garden, podendo ser vista em outros projetos por ele elaborados. O espaço verde é fator essencial às cidades- jardim. São usados em maciços, paisagismo de ave- nidas e jardins ou em formato de grandes cinturões agrícolas, responsáveis por dar maior qualidade de vida ao subúrbio, tornando-o um mesclado de cidade

A Questão Habitacional na Obra de Raymond Unwin · Camillo Sitte, Barry Parker, Jonh Ruskin e William Morris. Em seus muitos anos de trabalho, projetou inúmeras obras, arquitetônicas

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Page 1: A Questão Habitacional na Obra de Raymond Unwin · Camillo Sitte, Barry Parker, Jonh Ruskin e William Morris. Em seus muitos anos de trabalho, projetou inúmeras obras, arquitetônicas

Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420

25 e 26 de setembro de 2012

A Questão Habitacional na Obra de Raymond Unwin

Daniele Petroni Alencar Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - FAU

Centro de Ciências Exatas, Ambientais e Tecnologias - CEATEC

[email protected]

Prof. Dr. Luiz Augusto Maia Costa Grupo de Pesquisa:

Cultura Urbanística na Tradição Clássica CEATEC

Programa de Pós-Graduação em Urbanismo [email protected]

Resumo: O presente artigo busca investigar a coe-rência prática dos ideais teóricos de Raymond Unwin desenvolvidos nas suas obras projetuais, sobretudo, a habitacional. Para tal anaálise, nos basearemos nos seus livros: Town Planning in Practice e The Art of Building a Home, este último, escrito em parceria com Barry Parker. Para tanto, no âmbito deste artigo, usaremos como objeto de investigação o subúrbio-jardim de Hampstead Garden Suburb e uma casa no subúrbio-jardim de Northwood.

Palavras-chave: Cidade-Jardim, Raymond Unwin, História do Urbanismo.

Área do Conhecimento: Ciências sociais aplicadas – Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo

1. INTRODUÇÃO

No presente artigo, usou-se Hampstead Garden Suburb para o estudo da questão habitacio-nal no planejamento urbano, e uma casa no subúrbio de Northwood para o estudo do planejamento local. A escolha de ambos recaiu sobre a aplicação da base teórica da pesquisa e no acesso a dados via livros e internet. As principais fontes de pesquisa para as informações de Hampstead Garden Suburb não foram encontradas em livros da literatura nacio-nal ou internacional, mas de sites oficiais do local e de sua associação: Hampstead Garden Suburb (www.hgs.org.uk) e Hampstead Garden Suburb Trust (www.hgstrust.org).

Foi estruturado de maneira, primeiramente, a apresentar um contexto geral do arquiteto, urbanista, e objeto de pesquisa, Raymond Unwin, contendo suas principais influências, trabalhos, parcerias e ideais. Em seguida, temos a descrição do subúrbio-jardim escolhido, sua história, pessoas envolvidas, até a descrição do plano urbano em si, da caracterís-tica mais geral, até o planejamento local, ou seja, o conjunto das residências. Logo depois, inicia-se o estudo da casa de Northwood, já em escala menor,

descrevendo suas características e aplicação prática da teoria de Raymond Unwin.

2. A QUESTÃO HABITACIONAL NA OBRA DE RAYMOND UNWIN

Raymond Unwin (1863-1940) exerceu grande in-fluência na concepção urbanística, arquitetônica e social da sua época, trazendo questões inovadoras como a habitação do homem comum e para a vida em subúrbios-jardim, distantes das cidades inglesas da época industrial. Foi influenciado por nomes como Samuel Augustus Barnett e sua esposa Henrietta, Camillo Sitte, Barry Parker, Jonh Ruskin e William Morris. Em seus muitos anos de trabalho, projetou inúmeras obras, arquitetônicas e urbanísticas, como a cidade-jardim de Letchworth (1904), as vilas operá-rias da Staveley Coal and Iron Company (1890), o subúrbio-jardim de Wavertree Garden Suburb (1906) e Hampstead Garden Suburb (1905), nosso objeto de estudo da obra de Unwin enquanto urbanista. Escreveu “The art of Building a Home” (1901) em co-autoria com Barry Parker, e em 1909, escreveu sozi-nho, seu livro “Town Planning in Practice” com seus ideias de planejamento urbano, edifícios públicos e residências.

Os planos urbanos de autoria Unwin-Parker possuem algumas semelhanças, como a implanta-ção de um centro urbano, e a combinação de vias retas e curvas, usadas de acordo com a topografia e favorecendo o aspecto pitoresco do subúrbio. Uma inovação trazida por Unwin-Parker são as ruas em culs-de-sac, ou seja, ruas sem saída com um balão em sua extremidade, introduzidas nas ruas de Hampstead Garden, podendo ser vista em outros projetos por ele elaborados.

O espaço verde é fator essencial às cidades-jardim. São usados em maciços, paisagismo de ave-nidas e jardins ou em formato de grandes cinturões agrícolas, responsáveis por dar maior qualidade de vida ao subúrbio, tornando-o um mesclado de cidade

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e campo, como por exemplos os cinturões agrícolas de Letchworth e New Earswick, os campos de Golf e o Hampstead Heath em Hampstead, que não possui a separação entre a indústria e a área residencial, pois devido a sua proximidade com Londres, Unwin considerou-o apenas um subúrbio e não uma cidade-jardim.

2.1 Análise de caso: Hampstead Garden Suburb

Antes de analisar o projeto, devemos enten-der como o terreno foi adquirido. Para tal, devemos conhecer o casal Barnett. Samuel Augustus Barnett (1844-1913) foi um clérico anglicano ligado aos re-formistas sociais da Londres do século XIX. Nos anos 1860, casou-se com Henrietta Octavia Weston (1851-1936), que também era ligada às reformas socialistas e filantropista, como Barnett.Escreveram “Practicable Socialism: Essays on Social Reform” (1888) e “Towards Social Reform” (1909). Ela, por sua vez, escreveu sozinha “Matters that Matter” (1930) e “Canon Barnnet: His Life, Work, and Friends” (1919).

Henrietta teve papel fundamental em Hampstead. Percebendo que o desenvolvimento do metrô iria trazer à área um agrupamento desordena-do de casas, lançou uma campanha para a preser-vação do Hampstead Heath. Influenciada pelas idei-as howardianas, ampliou sua campanha para a cria-ção de uma comunidade de diferentes classes soci-ais vivendo em meio à natureza, anexa à grande área verde. Comprou, então, o terreno inicial de 243 acres do Eton College, na propriedade Wyldes. Uma de suas exigências foi que para cada conjunto de casas, ao final da área ajardinada, fosse criado um espaço de uso comum, e que as igrejas e instituições de ensino fossem implantadas no lugar mais alto, funcionando como um “farol” para a vida social, con-forme visto nas imagens abaixo.

Figura 1: Mapa de Hampstead Garden Suburb com indica-

ção do local de corte e perfil da elevação (Elaborado a partir

do Google Earth) A figura comprova que o pedido de Henri-

etta Barnett foi atendido, de modo que a praça ficou em cota

superior às demais, a exatos 88 m, 24 m a cima do nível do

subúrbio.

A opção de escolha da Sra. Barnett por Unwin está atrelada, primeiramente, ao fato de Unwin ser amigo do casal e ter sido influenciado pelo cônego Samuel Barnett a afastar-se da Igreja Angli-cana e focar-se nas questões sociais da época, e pelo trabalho executado em Letchworth, que encan-tou o casou e compreendeu a causa de ambos; daí que, muito do que se vê em Letchworth é comum em Hampstead. Fundamental para o projeto desse su-búrbio-jardim, Edward Lutyens (1869-1944 foi o res-ponsável pelo design dos edifícios da Praça Central de Hampstead em 1906. A idéia inicial de Unwin era uma praça ao estilo “centro de vila”, mas tornou-se mais formal aos moldes de Lutyens, que a pedido de Henrietta, projetou a igreja em estilo anglicano e a capela em estilo inglês, ao invés do paladiano inicial.

Barry Parker, associado de Unwin, é co-autor do planejamento urbano do subúrbio-jardim em questão. Assim como em Letchworth, participa do plano urbanístico de toda a área, defendendo os mesmos ideias de Unwin, e logo o dos Barnett. Mui-tas casas e edifícios públicos do subúrbio são credi-tados a Parker&Unwin, das quais a maioria se en-contra na [4]1. O gráfico abaixo ilustra a porcentagem das casas projetadas na primeira fase de planeja-mento por Parker e Unwin em relação a produção dos arquitetos associados.

Gráfico 1:Gráfico da produção arquitetônica na primeira

fase projetual de Hampstead Garden Suburb (Elaborado a

partir dos dados presente na “Listed Buildings”,

www.hgstrust.org)

A partir da análise dos dados utilizados para a elaboração do gráfico anterior, conclui-se que, primeiramente, os arquitetos associados aos projetos de Hampstead Garden Suburb são ligados a Raymond Unwin por dois fatores principais: o Movi-mento Arts and Crafts e a Royal Institute of British

1 A “Lista de Edificações” presente neste artigo é um arquivo disponível

no site oficial de Hampstead Garden Suburb Trust (Fon-

te:www.hgstrust.org) editado, com o nome original de “Listed Buil-

dings”.

Parker eUnwin

Outros

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Architects. Como, em sua maioria, os arquitetos per-tencentes ao Movimento Arts and Crafts eram inte-grantes do RIBA, pode-se afirmar que o movimento arquitetônico e artístico característico do Instituto era o mesmo.

2.2 Anexação de Território

Figura 2: Mapa de Anexação de terras de Hampstead Garden

Suburb (Elaborado a partir da imagem encontrada em

www.hgstrust.org)

A primeira porção de terra considerada de Hampstead Garden Suburb é o maciço arbóreo de Hampstead Heath com 80 acres de extensão, segui-do pelos 243 acres adquidiros em 1906 por Henrietta Barnett do Eton College; é a parte planejada por Unwin-Parker e arquitetos associados, chamada de “Old Suburb”. Em seguida, anexou-se a porção de terra próxima a estação Golders Green, depois a Old Trust compra mais 112 acres em 1911, área de tran-sicao do planejamento Unwin-Parker para o dos arquitetos associados. Mais tarde, as outras socie-dades adquiriram mais 300, correspondente à quinta parte. Em 1914 o desenvolvimento do subúrbio foi dado nos 112 acres da parte 4 e nos 300 acres da parte 5, até a estação de East Finchley. Essa região ficou conhecida como “New Suburb”.

A região próxima ao Little Wood e Big Wood foi desenvolvida para a população de baixa renda, ao estilo de artesão tradicional dos cottages. Com a Primeira, no entanto, a área acabou sendo voltada a um mercado mais elitizado. A partir dessa área, de-senvolveu-se o restante da área do New Suburb com casas geminadas para um público mais elitizada. A anexação final ocorre por volta de 1930, com cerca de 150 acres, até o arrendamento Finchley. Atual-mente, o subúrbio conta com 1009 acres, sendo 13% (136 acres) de área livre. Aproximadamente 12.500 pessoas moram em Hampstead em cerca de 5000 casas.

2.3 O Projeto Urbanístico de Raymond Unwin2

Figura 3: Mapa de Hampstead Garden Suburb (Fonte:

www.bl.uk)

Adentraremos, então, no projeto em si, vol-tado aos ideais urbanísticos de Raymond Unwin, para melhor compreensão do autor e de sua obra, e para tanto, usaremos como referencial, as caracterís-ticas urbanísticas presentes no livro “Town Planning in Practice”.

Hampstead Garden Suburb possui um traça-do de vias que combina o regular e o irregular. Des-se modo, alcançou o melhor de cada proposta, coe-xistindo as ruas curvas, que se adaptam ao relevo e geram boas visuais, com algumas ruas retas que possuem o papel de avenidas principais, criando eixos e facilitando o loteamento e os fluxos. Para Raymond Unwin, durante toda a discussão de qual traçado é mais proveitoso ao planejamento urbano, sempre destacou que a combinação de ambos é a melhor resposta, adaptando o desenho das vias à topografia do local. De fato, neste plano urbano, o autor aplica a idéia, gerando um resultado muito favorável ao loteamento e aos diversos fluxos.

As vias, responsáveis pelo consequente desenho das quadras, devem ter seu traçado e perfil estudados com cautela. As vias principais deveriam ser para fluxo rápido de transporte e diretrizes de loteamento, as residenciais, com largura entre 12 e 15 metros deveriam ter um desenho que valorizasse a insolação nos lotes; ambas com inclinação confor-tável e paisagismo simples e arborizado, conforme é visto em Hampstead, além do destaque para o alar-gamento das vias residenciais quando próximas a edifícios de importância pública (N Square próxima a Praça Central).

De suma importância, os acessos da cidade, e neste caso do subúrbio, são merecedores de gran-de atenção, pois devem oferecer um panorama geral

2 Em parceria com Barry Parker. Fonte livro “Town Planning in Prac-

tice” de Raymond Unwin.

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da cidade. Dentre os muitos tipos e acesso, Unwin discorre sobre as pontes, estações de trem e gran-des avenidas. No subúrbio-jardim, temos como acessos principais, os acessos das estradas para o subúrbio, as estações de trem e o Great Wall. Os acessos das estradas são feitos através de grandes avenidas, como a Hampstead Way e a Winnington Road, que cortam grande parte do plano inicial do projeto, iniciando-se em estradas do entorno e vão até a centralidade do subúrbio. Para marcar esses acessos, Unwin projetou uma série de portões (ga-tes) na entrada dos bairros, combinados com um conjunto de edifícios de importância ao trecho local.

A estação de Golders Green também cum-pre sua função e localiza-se fora da praça central. Para Unwin a estação deve ficar em um local que não estivesse próxima demais dos grandes fluxos centrais, que geram barulho, e para que não incre-mentasse o fluxo já intenso. Também não deveria ficar longe, para que não perdesse o contato com a vida urbana central e para que não houvesse o sur-gimento de custos elevados em vias até onde a es-tação estaria localizada. Neste contexto, com o pla-nejamento de um subúrbio com uma estação pré-existente, a ligação dela para o centro foi feito com uma grande avenida, Hampstead Way. Outro modo encontrado de marcar acessos foi o Great Wall, muro de influência medieval germânica

3, que separa a

“cidade” de sua porção “rural”, representada pelo Hampstead Heath.

Podemos ver, ainda, que Unwin utiliza duas outras soluções para a questão viária, que nos é de grande utilidade urbanística. Primeiramente, temos o que ele chama de modelo “teia de aranha”, que é a combinação de vias em arco de mesmo centro, com vias radiais, como visto no conjunto das vias da Thortnton Way e Litchfield Way, todas se voltando ao edifício localizado na praça central. Outro modelo é o cul-de-sac, solução “criada”

4 por Unwin e Parker em

Hampstead Garden Suburb para resolver o problema das ruas-sem-saída, ou closes, como visto na Chatham Close.

3 Influência das cidades medievais germânicas, associada ao trabalho de

Camillo Sitte e a perspectiva dele próprio.

4 O modelo viário em cul-de-sac já fora visto antes das cidades-jardim de

Parker e Unwin, como no Egito em 1885 a.C, em escritos de Leon Bat-

tista Alberti, entre outros. A parceria Unwin-Parker, no entanto, desen-

volveu e legalizou a solução, aplicando-a em outros planos de cidades-

jardim, após Hampstead. Este fato fez com que a solução se tornasse

característica desta tipologia urbana. (Fonte: www.en.wikipedia.org)

Figura 4: Modelo viário “teia de aranha”; Figura 5: Cul-de-sac na Chatham Close (Elaborado a partir do Goo-

gle Maps).

As igrejas da Praça Central, no ponto de vis-ta de Unwin, deveriam estar suficientemente distan-tes para que o fluxo de pessoas e o barulho de uma igreja não atrapalhasse o de outra. Observa-se que, para solucionar a proximidade da St. Judes Church e da Hampstead Garden Suburb Church, há entre elas um grande espaço livre. Essa idéia, apesar de não ser de Lutyens, foi submetida a seu projeto.

O “town planning”5 (pg. 210, 1984) do subúr-

bio, assim como visto nos dias de hoje, tem áreas de diferentes usos urbanos. As áreas industriais não estão presentes pela proximidade com a área indus-trial de Londres, muito mais que uma possívelmente existente em Hampstead. A área comercial caracteri-za-se pela junção de estabelecimentos próximos a uma via de acesso com bom fluxo e uma via exclusi-va de pedestres, como a Fincheley Road. Já as áreas residenciais, a pedido de Henrietta, deveriam permitir diferentes classes sociais. Em Hampstead observamos bairros de diferentes níveis sociais, e alguns deles mesclando os diferentes públicos em um mesmo bairro.

Dentro do “site planning”6 (pg. 210, 1984),

responsável pelo desenho em menor escala, abran-gendo os bairros, por exemplo, vê-se o raciocínio de Unwin nos loteamentos para melhor insolação, ainda no planejamento das vias, para valorização das visu-ais, além do uso de dispositivos para intensificar a vida pública, como os espaços livres no meio das quadras. Já as casas, apesar da maioria não ter sida projetada por Unwin e Parker, especialmente as produzidas depois da década de 20, nota-se que houve a criação de diretrizes urbanísticas para tornar o plano concreto em um grupo com dezenas de ar-quitetos associados. Para tanto, Unwin idealizou a criação de cooperativas e de leis de zoneamento, que surgiria mais tarde com o Hampstead Garden

5Em tradução livre “planejamento urbano”.

6 Em tradução livre “planejamento local”.

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Suburb Act 7. A fim de beneficiar o conjunto, Unwin

sempre defendeu que as casas deveriam ter uma mesma linguagem, e para este fim, defende que os moradores devem submeter a unidade ao conjunto em jardins frontais, por exemplo, mantendo a rua organizada e pitoresca.

2.4. O Projeto Residencial de Raymond Unwin8

Figura 20 e 21: Plantas da casa de

(Fonte: livro “The Art of Building a Home”)

Para entendermos a obra de Raymond Unwin no que se refere à habitação, escolheu-se uma casa que não estivesse inserido em Hampstead Garden Suburb, para analisar se, de fato, o arquiteto pratica seu ideal teórico além do subúrbio-jardim. Isto posto, a casa escolhida está localizada no subúrbio de Northwood, condado de Staffordshire. Todas as concepções foram retiradas de seu livro [1] e do [3].

A residência deveria corresponder a alguns pré-requisitos a pedido do cliente: sala de estar con-fortável para a família, sala para recepção de convi-dados, um recanto com escrivaninha, cofre e armá-rios, quatro dormitórios, uma cozinha e toda a casa com o melhor arejamento natural possível. Neste contexto, Unwin e Parker projetam a casa desenvol-vendo os cômodos do pavimento térreo em volta de um pátio, a fim de melhorar a ventilação da casa, criando um sistema denominado como “clausura de

ar”9 (p. 116, 1901). Ainda para auxiliar no arejamento

natural, os telhados foram idealizados de modo que sua inclinação, voltada para longe do pátio, melho-

7 Conjunto de Leis criado em 1906 pelo Hampstead Garden Suburb,

como objetivo manter os ideias urbanísticos de Raymond Unwin, Par-

ker e Henrietta. (Fonte: www.hgs.ork.uk)

8 Em parceria com Barry Parker 9 Termo traduzido por Eduardo Colucci.

rasse a insolação. O corredor, disposto ao redor do pátio, se comunica com toda a casa, mantendo a privacidade das salas e mantendo a casa conexa.

A fim de evitar os equívocos cometidos no hall, ele o planejou com tamanho equivalente ao da sala de estar. A escadaria, usualmente presente neste cômodo, não é vista no caso dessa residência em si, mas isso pode ser tratado como uma particu-laridade do projeto para melhor desenvolvimento e não uma contraposição de ideal e prática, visto que a mesma possui um local próprio, anexo ao hall. Há, ainda, uma segunda escada nos fundos, que não é de acesso ao primeiro pavimento, mas a algum tipo de sótão, conforme indicado pelas plantas. Ainda no hall, no canto oeste, observamos aberturas para sudoeste e noroeste, maximizando a entrada de luz vespertina, horário de maior estadia dos moradores no ambiente. Unwin chama a atenção para a dispo-sição das portas, que devem ser atentamente agru-padas para não interferir no uso do espaço.

Como a função do hall, originalmente, é a distribuição para os outros cômodos, pode dizer que essa função esta presente no pátio, justificado pelo número de portas abertas para ele e pela função a ele atribuída. O hall em si, acabou por tornar-se uma sala de visitas, com seu espaço amplo, confortável e de função alterada, deixando de ser apenas para “passagem”. Ao lado da sala temos um espaço re-servado à escada que leva ao primeiro pavimento e um porta-chapéus, ao seu lado. Outro cômodo é a sala de leitura, espaço destinado a leitura.

A lavanderia, localizada próxima ao santuá-rio, tem acesso apenas pelo quintal, sem ligação direta com a parte social da casa, com aberturas para. Já a cozinha, sem exigências por parte do pro-prietário, possui uma abertura significante a noroes-te, e uma pequena a sudeste, a fim de iluminar me-lhor o fogão. Ao lado, tempo um espaço chamado de scullery10, destinado à lavagem de louças. Anexo a ele, temos uma pequena despensa, com ventilação a norte e a sudeste, com sua parede alinhada de modo que obstruísse o menos possível a abertura da sala de lareira da sala de estar; e ao seu lado, um espaço destinado à armazenagem de carvão, para as larei-ras. Ainda há uma pequena adega, tardiamente pro-jetada, além de um lavatório e de alguns galpões nos fundos.

A sala de estar foi concebida como um espa-ço de convivência confortável e com boas visuais.

10 Scullery, Segundo dicionário Michaelis, é uma área de serviço ou local

próximo a cozinha onde se lava a louça.

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Unwin optou por coloca-la a Sul, favorecendo as vistas sudeste e sudoeste e captando toda a luz solar possível. Dividiu-se a sala em um ambiente principal e dois secundários: a lareira, localizada na parede nordeste do apêndice rebaixado, dá a sensa-ção de aconchego à sala de estar, e o segundo, também em desnível, com um ambiente ensolarado e de deslumbre de uma boa paisagem.

No primeiro pavimento, para organização espacial e social, temos a repetição do corredor tér-reo, envolvendo a parte superior do pátio. Os quartos desenvolvem-se ao seu redor. Os quartos 1, com aberturas a nordeste e sudeste, e 2, aberturas a sudoeste e noroeste, possuem a sacada do térreo, repetida do primeiro pavimento, agregando um valor especial aos dormitórios, sempre em contato com o meio externo, diferenciando-se dos demais. Todos os dormitórios são projetados não apenas para o dormir, mas como um espaço de conforto e privaci-dade. Existe, ainda, um banheiro de uso comum e uma escada para o sótão.

4. CONCLUSÃO Após essa análise de dois exemplares da obra de Raymond Unwin, podemos perceber que seu ideal teórico é certamente atrelado ao prático. O livro [1], em que este artigo foi baseado, foi escrito ape-nas alguns anos depois do plano para Hampstead Garden Suburb, mas vê-se a naturalidade em que Unwin descreve sua concepção durante o texto. A casa, também em parceria com Parker, ilustra a for-mação teórica-cultural de ambos, e acentua como a sociedade Unwin-Parker estava atrelada a formação comum.

Algumas características de planejamento diferem-se minimamente do descrito no livro, pois cada planejamento de cidade deve estar submetido ao local, à cultura, à população e à necessidade deste, delineando sua singularidade.

Fato é que, Raymond Unwin idealiza um novo modo de pensar a questão urbana, levando em consideração uma Londres degradada pela industria-lização e por um novo modo de produção capitalista. Cria, então, uma resolução para os grandes males urbanos da época, permitindo ao homem comum do período industrial, uma vida segura com qualidade. Seu “modelo” de cidade-jardim ainda hoje é utilizado, mostrando como o homem da era da informação ainda necessita de um local apropriado ao conforto perdido no meio urbano.

O que nos trouxe a este artigo, de fato, é a análise dos conceitos de Unwin para confirmação dos mesmos na prática. Conforme visto, podemos observar, que seu livro ilustra um conjunto de ideias práticas revertidas à um ideal teórico, e não um teó-rico que tornou-se prático.

AGRADECIMENTOS Agradeço ao CNPq pela concessão da Bolsa de Iniciação Científica PIBIC/CNPq. Agradeço, também, a PUCCAMP/CEATEC pela infraestrutura disponibili-zada e pela credibilidade concedida ao nosso traba-lho.

REFERÊNCIAS [1] UNWIN, Raymond, La practica del urbanismo.

Barcelona: G. Gili, 1984.

[2] SITTE, Camilo, A construção das cidades segun-

do seus princípios artísticos. São Paulo: Editora Ática

S.A., 1992.

[3] PARKER, Barry & UNWIN, Raymond, The Art of

Building a Home. Longmans: Green & Company,

1901.

[4] Lista de Edificações