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A REFLEXÃO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA: UM OLHAR SOBRE OS CONCEITOS DE PROFESSOR-REFLEXIVO E DA METACOGNIÇÃO Silmary Silva dos Santos 1 Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UESB [email protected] Tânia Cristina Rocha S. Gusmão 2 Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB [email protected] Resumo: O presente trabalho tem por finalidade apresentar uma discussão teórica acerca de como o termo reflexão presente nas pesquisas sobre formação de professores, em especial formação de professores de matemática, vem sendo entendido nos conceitos de professor- reflexivo e de metacognição. Inicialmente fazemos uma breve contextualização sobre a utilização do termo reflexão na literatura educacional, enfatizando sua origem e as abordagens realizadas acerca do mesmo. Em seguida, apresentamos os conceitos, definições e características do professor-reflexivo e da metacognição sinalizando possíveis relações entre ambos. E por fim, expomos algumas definições da metacognição na literatura e comparamos com as características do professor-reflexivo apontando as semelhanças entre elas. Palavras-chaves: Reflexão; professor-reflexivo. Metacognição. Formação de professores de matemática. 1 Professora de matemática da rede municipal de educação de Amargosa-BA, aluna do curso de Pós- Graduação em Educação Científica e Formação de Professores de Ciências e Matemática/UESB. 2 Doutora em Didática da Matemática, Universidade de Santiago de Compostela. Professora Adjunta da UESB, Vitória da Conquista -BA. Professora/Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Formação de Professores UESB/Jequié.

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A REFLEXÃO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA: UM

OLHAR SOBRE OS CONCEITOS DE PROFESSOR-REFLEXIVO E DA

METACOGNIÇÃO

Silmary Silva dos Santos1

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB

[email protected]

Tânia Cristina Rocha S. Gusmão2

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB

[email protected]

Resumo:

O presente trabalho tem por finalidade apresentar uma discussão teórica acerca de como o

termo reflexão presente nas pesquisas sobre formação de professores, em especial

formação de professores de matemática, vem sendo entendido nos conceitos de professor-

reflexivo e de metacognição. Inicialmente fazemos uma breve contextualização sobre a

utilização do termo reflexão na literatura educacional, enfatizando sua origem e as

abordagens realizadas acerca do mesmo. Em seguida, apresentamos os conceitos,

definições e características do professor-reflexivo e da metacognição sinalizando possíveis

relações entre ambos. E por fim, expomos algumas definições da metacognição na

literatura e comparamos com as características do professor-reflexivo apontando as

semelhanças entre elas.

Palavras-chaves: Reflexão; professor-reflexivo. Metacognição. Formação de professores

de matemática.

1 Professora de matemática da rede municipal de educação de Amargosa-BA, aluna do curso de Pós-

Graduação em Educação Científica e Formação de Professores de Ciências e Matemática/UESB.

2 Doutora em Didática da Matemática, Universidade de Santiago de Compostela. Professora Adjunta da

UESB, Vitória da Conquista -BA. Professora/Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Educação

Científica e Formação de Professores UESB/Jequié.

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1. Introdução

Ao debruçarmos sobre as pesquisas educacionais, a respeito da formação de

professores, a partir da década de 1990, observamos que os termos, práticas reflexivas,

ensino reflexivo e professor como um profissional reflexivo – professor-reflexivo - vêm

sendo amplamente utilizados, (CONTRERAS, 2002; PIMENTA, 2005; DORIGON;

ROMANOWSKI, 2008; JARLINO; BARBOSA, 2012), dentre outros, como uma mola

propulsora para melhoria da prática docente em tempos de constantes mudanças sociais.

De acordo com Contreras (2002), poucos são os textos sobre educação que não

abordam a reflexão sobre a prática como um fator essencialmente importante ao

desenvolvimento do trabalho docente.

Ora, porque destacar a reflexão como um aspecto dinâmico e de extrema

importância para a construção de novos olhares sobre processo de formação pessoal e

profissional docente, se refletir é uma característica natural de todo ser humano, e sendo o

professor um ser humano, logo podemos considerá-los como um ser que reflete?

De fato, a reflexão é uma particularidade do indivíduo, a qual inclusive o diferencia

dos demais animais, contudo a abordagem que as pesquisas no campo da educação fazem

sobre a prática reflexiva corresponde ao movimento teórico de compreensão do trabalho

docente, Pimenta (2005, p. 18), e não da reflexão enquanto uma característica do

individuo.

Nesse contexto, o termo reflexão e seu adjetivo reflexivo, empregados

constantemente em textos educacionais, têm como principais referências às obras de

Donald Schön (1992) e Zeichner (1993) as quais se fundamentam teoricamente nos estudos

sobre o pensamento reflexivo do americano John Dewey (1959), primeiro autor a

considerar a reflexão como um elemento fundamental para o desenvolvimento do processo

educativo.

Segundo Dewey, a reflexão não consiste num conjunto de passos ou

procedimentos específicos a serem utilizados pelos professores. Pelo contrário, é

uma maneira de encarar e responder aos problemas. [...]. A reflexão implica

intuição, emoção e paixão; não é, portanto, nenhum conjunto de técnicas que

possa ser empacotado e ensinado aos professores. (Zeichner, 1993, p. 19)

Ou seja, o processo de reflexão abordado no âmbito educacional, não deve ser

entendido como um conjunto de regras e ações a serem seguidas e ensinadas aos

professores, mas como uma ação dinâmica marcada pela complexidade, que envolve tanto

os aspectos afetivos – emoções, crenças, paixão - como a maneira individual de cada

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docente encarar e resolver as situações que lhes ocorrem no cenário que atuam. Podemos

dizer então que o ato de refletir potencializa o processo de tomada de consciência, visto

que, ao agir reflexivamente o professor se dá conta do que fez e do que ainda precisa fazer

para resolver uma situação prática de maneira satisfatória.

2. Formação de professores de matemática

Nos últimos anos acompanhamos, no Brasil, o aumento da produção acadêmica

acerca da formação de professores (ANDRE, 2010; DINIZ-PEREIRA, 1999; CHAPANI,

2010; NÓVOA, 1995; ROMANOWSKI, 2012). O debate a respeito desta problemática já

foi caracterizado como em “estado de ebulição” (CHAPANI, 2010), e está no centro do

interesse de diversos pesquisadores e especialistas educacionais, interesse, o qual pode ser

comprovado pelo grande volume de trabalhos (artigos, dissertações e teses) e, eventos

acadêmicos (simpósios, seminários, congressos, mesas-redondas, reuniões e outros),

realizados a respeito desta temática.

Segundo, Diniz-Pereira (1999, p. 109-110), “com a criação das faculdades ou

centros de educação nas universidades brasileiras, em 1968, a formação docente constituiu-

se em objeto permanente de estudos”. Assim, podemos dizer que a ampliação da produção

científica com enfoque na formação de professores nos últimos trinta anos no Brasil está

intimamente relacionada à expansão dos cursos na área de ensino e criação dos programas

de pós-graduação em educação, conforme também sinaliza Marli Andre (2010).

Trazendo a discussão para o contexto da formação de professores de matemática,

observamos de maneira análoga na produção científica, a crescente preocupação de

pesquisadores em investigar sobre os diversos aspectos referentes aos processos de

formação dos professores que ensinam matemática, bem como, investigar sobre os

diversos fatores referentes ao processo de ensino e da aprendizagem desta disciplina.

Neste sentido, centrando as discussões sobre as investigações voltadas a formação

de professores de matemática, Lorenzato e Vila (1993) apontam que:

[...] fazendo parte de uma sociedade em mudanças, nós professores de

matemática, sentimos muitas vezes angustia e preocupação, pois temos

dificuldades em definir os conteúdos mínimos básicos de matemática de que

nossos alunos necessitarão em suas atividades futuras para melhor atuarem na

sociedade em mudança do próximo milênio. (p. 1).

Diante das mudanças sociais, notamos a necessidade dos professores estarem cada

vez mais antenados com o mundo, com a quantidade e a velocidade de informações que

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chegam a todo o momento, para que assim possam contribuir significativamente com a

sociedade, valorizando e respeitando as diferenças existentes.

Nesse sentido, os cursos de formação de professores de matemática precisam

perceber a prática docente de matemática como um processo dinâmico carregado de

incertezas e conflitos, um espaço de criação de reflexão, onde novos conhecimentos são

gerados e modificados continuamente (CNE/CES, 2001, p.4), isto é, ainda em seu processo

formativo o futuro professor deve perceber que a sua atuação prática possibilita a criação

de conhecimentos e de estratégias para resolver as situações concretas da sala de aula.

D’Ambrósio, (2001) argumenta que, “o mundo atual requer outros conteúdos,

naturalmente outras metodologias, para que se alcancem os objetivos maiores de

criatividade e cidadania plena” (p.20) para atuar frente às mudanças. Levando em

consideração as influências do avanço tecnológico Perrenoud (1999), expõe que:

As sociedades se transformam, fazem-se e desfazem-se. As tecnologias mudam o

trabalho, a comunicação, a vida cotidiana e mesmo o pensamento. As

desigualdades se deslocam, agravam-se e recriam-se em novos territórios. Os

atores estão ligados a múltiplos campos sociais, a modernidade não permite a

ninguém proteger-se das contradições do mundo. Quais as lições que daí podem

ser tiradas para a formação de professores? Certamente, convém reforçar sua

preparação para uma prática reflexiva3, para a inovação e a cooperação. (p.1)

O conceito de prática reflexiva é encontrado em vários momentos em que falamos

da formação de professores, o agir reflexivamente se torna indispensável uma vez que, o

ensino, em especial o ensino da matemática baseado no modelo na racionalidade técnica4

não é mais adequado para suprir as demandas dos dias atuais, já que é preciso formar um

profissional que saiba atuar frente as situações inesperadas que emergem na sala de aula, a

exemplo das situações de “incerteza, singularidade, e de conflitos de valores que escapam

aos cânones da racionalidade técnica”, (SCHÖN, 2000, p.17) e necessitam de

conhecimentos para além dos científicos para serem solucionadas.

3 Destaque das autoras.

4 Segundo Pereira-Diniz, (1999), o modelo das licenciaturas no Brasil sofreu poucas modificações desde a

sua criação na década de 1930. Os cursos de formação de professores possuíam o formato 3 + 1, onde o

licenciando passava 3 anos estudando conteúdos específicos da área dura, e 1 ano estudando os aspectos

pedagógicos. Por exemplo, um licenciando em matemática, deveria estudar 3 anos de disciplinas voltadas a

aquisição do conhecimento matemático e no último anos de curso deveria estudar conhecimento sobre os

aspectos relacionados a educação. Este formato está em consonância com o modelo da racionalidade

técnica, que consiste em priorizar a formação teórica e supervalorizar a obtenção do conhecimento

específico, por acreditar que para ser bom professor basta o domínio da área do conhecimento específico

que se vai ensinar. Neste modelo de formação o perfil do professor é o de técnico-especialista, que aplica

fielmente as regras e definições do conhecimento específico.

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3. O professor-reflexivo de Donald Schön

Partindo do principio que apenas a formação técnica/ instrumental, não fornece os

conhecimentos necessários para a atuação prática dos profissionais frente aos problemas

inesperados, incertos, singulares e conflituosos que ocorrem no ambiente de trabalho,

(CONTRERAS, 2002); Schön propõe em seus estudos realizados ao final do século XX,

no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, uma formação

profissional voltada à valorização da prática reflexiva, (PIMENTA, 2005), na qual os

profissionais devem ser ensinados a atuar em meio aos conflitos que emergem espontânea

e inesperadamente no decorrer de suas atividades.

Os trabalhos de Schön baseiam-se em pesquisas desenvolvidas por John Dewey,

primeiro pesquisador a realizar investigações a respeito do pensamento reflexivo e logo

suas ideias são adaptadas e utilizadas nas pesquisas educacionais. Schön (2000) a partir das

palavras de Dewey, sinaliza que

[...] ao estudante não se pode ensinar o que ele precisa saber, mas se pode

instruir. “Ele tem que enxergar por si próprio e à sua maneira, as relações entre

os meios e métodos empregados e resultados atingidos. Ninguém mais pode ver

por ele, e ele não poderá ver ‘falando-se’ a ele, mesmo que o falar correto possa

guiar seu olhar e ajudá-lo a ver o que ele precisa ver” (p. 25).

Embora não se possa ensinar exatamente o que o profissional precisa saber, é

possível a partir da sua compreensão do que é necessário saber para o desenvolvimento de

sua atividade, ou seja, a partir de sua experiência, incentivá-lo a reconhecer aquilo que é

imprescindível para o desempenho do seu papel e assim auxiliá-lo na construção do

conhecimento. Nesse sentido, Schön (2000) discorre sobre uma epistemologia da prática,

embasada em três conceitos distintos, a saber: conhecimento na ação, reflexão na ação e

reflexão sobre a ação e reflexão sobre a reflexão na ação.

O primeiro conceito – conhecimento na ação - refere-se aos “conhecimentos que

são revelados em ações inteligentes5” (SCHÖN, 2000, p. 31). Está relacionado ao saber

5 Segundo Schön (2000) as ações inteligentes, se constituem em atos observáveis, que podem ser púbicos,

como pilotar uma moto, andar de bicicleta, ou particulares, como analisar um extrato bancário, assinar uma

folha de cheque, entre outros.

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fazer, que se torna visível de maneira espontânea nas atividades realizadas cotidianamente,

isto é, trata-se de um saber tácito que advém da experiência e que não são expressos

verbalmente (idem). Nem sempre temos a consciência de que temos esses conhecimentos

armazenados na memória, e só nos damos conta de que os possuímos quando fazemos usos

deles, nesse caso o conhecimento não antecede a ação, mas está na ação e são sempre

saberes construídos (SCHÖN, 2000).

A reflexão na ação, pode ser entendida como o ato de pensar durante a ação sem

interrompê-la, o que nos possibilita dar novos significados ao que estamos fazendo e no

instante em que estamos fazendo. A reflexão na ação, geralmente é originada nas situações

rotineiras desempenhadas pelo professor, estas produzem resultados inesperados e

estranhos e não se ajustam ao conhecer na ação, o que favorece uma reflexão no momento

em que a ação está sendo desenvolvida, a qual pode ser verbalizada ou não (SCHÖN,

2000; CONTRERAS, 2002; PIMENTA, 2005).

Ao dar continuidade ao processo de reflexão, analisando retrospectivamente como

o conhecimento na ação o auxiliou na resolução de uma situação inesperada; o professor

inicia o processo de reflexão sobre a ação e reflexão sobre a reflexão na ação, ambas

acontecem em um ambiente tranquilo e com o auxílio de teorias que possibilitam ao

docente expressar e descrever como se deu o conhecimento na ação e a reflexão na ação, e

olhar a situação inesperada a partir de outro viés confrontando teoria e prática (GRILLO,

2000). E somando-se a estes aspectos a reflexão sobre a reflexão na ação, permite ainda

que se pense sobre a descrição resultante da reflexão sobre a ação (SCHÖN, 2000).

Os conceitos – conhecimento na ação, reflexão na ação e reflexão sobre a ação e

reflexão sobre a reflexão na ação – fazem parte da epistemologia da prática e um não

exclui o outro, eles se desenvolvem de maneira harmônica e auxiliam na compreensão e

criação de novas estratégias e conhecimentos para enfrentar as situações da sala de aula.

(GRILLO, 2000; SCHÖN, 2000; CONTRERAS, 2002).

No cenário da formação de professores Zeichner (1993), aponta que o movimento

de caráter internacional que enfatizou o uso do termo reflexão nas atividades profissionais

que foi absorvido pelas pesquisas voltadas ao ensino e a educação, em geral, pode ser

encarado como uma reação contra ao entendimento de que os professores participam

passivamente das reformas educacionais, sendo meros executores das decisões que são

estabelecidas, de cima para baixo, o que os caracterizam como técnico-especialista.

Ainda de acordo com este autor,

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A reflexão como palavra de ordem da reforma educacional também significa o

reconhecimento de que o processo de aprendizagem do ensino prossegue ao

longo de toda a carreira do educador, o reconhecimento de que, por mais que

façamos com os nossos programas de educação de professores e por mais que os

aperfeiçoemos, na melhor das hipóteses, só conseguiremos preparar os

educadores para que comecem a ensinar de ajudar os educadores potenciais a

internalizar, durante o treinamento inicial, a disposição e a capacidade de estudar

o seu ensino e melhorar durante toda a carreira (cf. Korthagen, 1993; Little,

1994). (ZEICHNER 1993p. 42).

A reflexão torna a prática mais significativa e abrange a ideia de um constante

processo formativo, uma vez que, ao ‘pensar’, ‘analisar’ sua atuação o professor identifica

suas potencialidades e limitações o que o leva a tomada de consciência da necessidade de

participar de novos processos formativos que lhes auxiliem a buscar respostas para os

questionamentos e inquietações que não foram possíveis de serem resolvidos com os

conhecimentos obtidos na formação inicial.

Embora o termo reflexão seja aceito e bastante utilizada nos textos pedagógicos,

muitas criticas têm sido realizadas com relação a este conceito, a exemplo de autores como

Zeichner (2003); Pimenta e Ghedin (2005), e outros.

Zeichner (2003), alerta que este termo tem sido utilizado como slogan, esvaziado

em sentido sem levar em consideração a ideologia por trás da mesma. Outras críticas

podem ser encontradas nos textos educacionais, contudo por não ser objeto de estudo nesse

ensaio não daremos ênfase.

4. A metacognição

Talvez o leitor ao chegar a esse ponto do texto perceba que precisa retomar a leitura

do início para compreender o que foi dito até agora, se este é seu caso, certamente você

está passando por uma experiência metacognitiva. Caso contrário, se você segue a leitura

acreditando estar entendendo as discussões realizadas, você também está passando por uma

experiência metacognitiva (GRENDENE, 2007). A experiência metacognitiva, segundo

Ribeiro (2003, p.11), corresponde às “impressões ou percepções, consciente que podem

ocorrer antes, durante ou após” executarmos uma atividade, em que ativamos nosso

pensamento reflexivo acerca da nossa ação.

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Mas o que é exatamente podemos chamar de metacognição6? Como podemos

defini-la?

Ainda hoje não há um consenso na literatura a respeito do conceito de

metacognição (RIBEIRO, 2003; GUSMÃO, 2006). Utilizada por John H. Flavell pela

primeira vez na literatura no ano de 1976 nos Estados Unidos, a palavra metacognição foi

definida, como a cognição da cognição, ou seja, o conhecimento sobre conhecimento ou

reflexão sobre a ação.

O próprio Flavell considerou sua definição vaga e não muito satisfatória para

explicar o fenômeno metacognitivo. No entanto, sua conceitualização serviu como base

para desenvolver um modelo teórico, (FERREIRA, 2003), a ser seguido pelos demais

adeptos de sua teoria, e constituiu-se em uma primeira tentativa de uma definição

sistemática da metacognição e não só isso, como também em uma “explosão” de pesquisas

empíricas nesse domínio (GUSMÃO, 2006).

Ao aprofundar os estudos sobre o tema Flavell postulou que a metacognição tratava

dos ”conhecimentos sobre a natureza das pessoas como cognitivas, sobre a natureza das

diferentes tarefas cognitivas, e sobre possíveis estratégias que podem ser aplicadas para a

solução de diferentes tarefas” (LEITE; DARSIE, 2011).

Conforme indica Gusmão (2006), nos dias atuais as ideias que sustentam a

literatura básica no domínio da metacognição se devem a Flavell - paradigma da psicologia

cognitiva estrutural e a Brown - paradigma da psicologia cognitiva do processamento da

informação. Esses teóricos propuseram de forma independente e complementar um

conjunto de definições-descrições desse domínio.

Em sua tese de doutorado esta mesma autora apresenta um panorama de definições

e modelos em torno dessa temática a partir do qual a permitiu concluir que das diversas

definições existente pode-se identificar duas grandes “divisões” de conteúdos que têm a

ver com os significados que atribuem ao conceito de metacognição, a que: (1) a concebe

como um “produto ou conteúdo cognitivo” e (2) a assimila “processos ou operações

cognitivas”. Para uma melhor compreensão dos significados acima remetemos à autora.

A partir das diversas definições encontradas a respeito da metacognição e, levando

em consideração que o conhecimento (acerca dos próprios processos e produtos

6 O prefixo meta entre outras coisas, pode significar “posterior a” ou “que acompanha”, portanto a

metacognição pode ser entendida como que acompanha a cognição ou que vem depois da cognição

(GUSMÃO, 2006).

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cognitivos) colocado em prática por uma pessoa (cognitiva e afetiva) sofre influências de

contextos sociais diversos (família, escola, processos de instrução e outros) que juntos

constroem uma história de vida de um sujeito, Gusmão (2006) propõe que a metacognição

seja entendida como:

Um conhecimento teórico-prático-social que acompanha a cognição (interagindo

ambos continuamente sem que se possa considerar que um determina o outro de

maneira “mecânica”), podendo ser desenvolvido e/ou incrementado ao mesmo

tempo em que o conhecimento cognitivo é desenvolvido, e como tal é resultado

das exigências da conduta social efetiva e satisfatória e que ademais, se usa e se

modifica segundo restrições contextuais (p. 103).

Dessa conceitualização percebemos a existência de elementos que conectam a

metacognição ao termo de professor-reflexivo, visto que, em ambos os conceitos está

presente o processo de tomada de consciência sobre os conhecimentos mobilizados na

prática. Ainda podemos identificar que a prática é um elemento central nos dois os

conceitos. No entanto Ferreira (2003), esclarece que embora as definições de metacognição

e reflexão possuam aspectos em comum, devemos ser cautelosos ao apontar as

semelhanças, visto que não há um referencial teórico que possamos nos embasar.

5. Profissional-reflexivo e metacognição: estabelecendo um diálogo

Nesta sessão tentaremos estabelecer um diálogo entre os conceitos de professor-

reflexivo e metacognição a partir das definições e características apresentadas por Ferreira

(2003) e Gusmão (2006) em suas teses de doutorado, onde encontramos um quadro com as

mais diferentes definições metacognição de diversos autores ao longo dos anos; e, por

meio dos três conceitos expostos por Schön para o desenvolvimento de uma prática

reflexiva – conhecimento na ação, reflexão na ação, reflexão sobre a ação e reflexão

sobre a reflexão na ação.

Na leitura das duas teses acima mencionadas identificamos trinta e três definições7,

das quais selecionamos cinco que, de alguma forma, fazem referência a algum aspecto do

conceito do professor-reflexivo. Conforme expomos abaixo, para cada uma dessa

apresentamos as semelhanças entre tal conceito.

7 Todas as definições apresentadas nesse tópico foram retiradas integralmente como estão escritas nos

trabalhos Ferreira (2003, p. 54-55) – itens de 1 a 4 e Gusmão (2006, p. 46) - item 5.

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1) A metacognição é entendida como o ‘pensar sobre o pensar’. Compreensão do

conhecimento, “uma compreensão que pode ser refletida tanto no uso efetivo

quanto na descrição do conhecimento em questão”. Brown e De Loache

(1978) (apud Wilson, 1997) Brow (1987) (apud Yussen, 1985).

“Pensar sobre o pensar”, nos remete ao conceito de reflexão na ação, que

advém das reflexões que o professor realiza sobre as ações desenvolvidas no

seu fazer pedagógico, no instante em que realiza determinada ação.

2) A metacognição [...] É a habilidade de refletir e avaliar a produtividade do

nosso próprio pensamento [...] é a nossa habilidade de saber o que sabemos e

o que não sabemos. (Costa, 1984 apud Darsie, 1998).

Quando pensamos no termo avaliar, diversos significados vêm a nossa mente, e

talvez a ideia mais forte presente no ato de avaliar seja a da análise detalhada

de determinada situação. Nessa definição, entendemos a avaliação como à

análise que o indivíduo realiza de suas próprias ações/pensamentos, e nesse

sentido podemos dizer que avaliar um pensamento consiste em refletir sobre a

ação.

3) A necessidade de analisar e refletir sobre o processo cognitivo e a capacidade

de colocar em uso um raciocínio, denomina-se metacognição. (Barth, 1987,

apud Darsie, 1998).

Nesta definição percebemos a relação da metacognição com o conhecimento na

ação, que está relacionado com o saber fazer, e se dá espontaneamente na

execução de uma atividade, quando pomos em prática um conhecimento -

colocamos em uso um raciocínio – durante a ação.

4) A metacognição é o processo pelo qual refletimos sobre nosso próprio

conhecimento e como ele muda. (Diver, 1988 apud Darsie, 1998).

De maneira análoga ao item (1), podemos dizer que refletir sobre o próprio

conhecimento está ligado a reflexão na ação, processo o qual nos auxilia na

tomada de decisões diante de uma de a situação inesperada.

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5) Entende que a metacognição é um processo que equivale à tomada de

consciência e compreensão dos próprios saberes e práticas, a reflexão e a

autorregulação da própria aprendizagem prática. (Ferreira, 2003 p.35).

O professor se dá conta na prática do conhecimento que possui por meio do

processo de tomada de consciência, e monitoramento do seu próprio

conhecimento, analisando o que já fez e o que ainda precisa fazer para resolver

as situações comuns à sala de aula.

6. Considerações sobre o estudo

Entendendo a metacognição, em linhas gerais, como o conhecimento, a consciência

e o controle que o individuo tem de seus próprios saberes (FLAVELL; MILLER e

MILLER, 1999), sobre suas limitações e o monitoramento de seus processos cognitivos,

que leva a “reconhecer a inadequação de estratégias específicas e abre a possibilidade para

seu envolvimento na aquisição de novas habilidades e estratégias”, (FERREIRA, 2003),

acreditamos que a prática metacognitiva favorece a reflexão e a reelaboração do saber e o

saber fazer, (DARSIE; CARVALHO (1996), pois o fato do indivíduo poder pensar a partir

de suas experiências e ações podendo identificar o que já sabe e o que ainda precisa

aprender lhes dá a noção de responsabilidade pelo seu desempenho e gera confiança nas

suas próprias capacidades.

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