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A “REFORMA DO ENSINO MÉDIO”: MANUAL PRÀTICO PARA TRAIR PAULO FREIRE RAMÓN ALEJANDRO RUÍZ VELAZCO RESUMO Perante as “inovações” impostas nos últimos dois anos ao Ensino Médio Público do Rio Grande do Sul, se tornam necessárias uma série de apreciações e observações sobre o discurso proposto e sua contradição total com o discurso e a prática sobre educação e gestão da educação de Paulo Freire, fundamentalmente para elaborar uma alternativa a dita reforma que desvende as principais causas dos problemas supostamente resolvidos pela proposta, bem como as falhas conceituais e metodológicas da proposta encabeçada pelo atual governo estadual. Palavras chave: reforma do ensino médio, politecnia, política.

A reforma do ensino medio manual prático para trair paulo freire

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A “REFORMA DO ENSINO MÉDIO”:

MANUAL PRÀTICO PARA TRAIR PAULO FREIRE

RAMÓN ALEJANDRO RUÍZ VELAZCO

RESUMO

Perante as “inovações” impostas nos últimos dois anos ao Ensino Médio Público do

Rio Grande do Sul, se tornam necessárias uma série de apreciações e observações

sobre o discurso proposto e sua contradição total com o discurso e a prática sobre

educação e gestão da educação de Paulo Freire, fundamentalmente para elaborar

uma alternativa a dita reforma que desvende as principais causas dos problemas

supostamente resolvidos pela proposta, bem como as falhas conceituais e

metodológicas da proposta encabeçada pelo atual governo estadual.

Palavras chave: reforma do ensino médio, politecnia, política.

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(...) Por exemplo, agora aqui vamos ver os gritos de ordem de vocês que continuam

a ser importantes: educar pra liberdade, justiça e igualdade! E este outro: MST,

agora é pra valer! Exato, MST agora é pra valer. Vamos pegar esse exemplo. MST

agora é pra valer. O que significa isso? É uma pura coincidência de palavras? É uma

rima?MST agora é pra valer, é um som puro? O que é isso? O que é que isso

significa na história da gente? O que é que isso significa na briga da gente? O que é

que significa agora é pra valer? Se eu digo agora é pra valer, é porque houve tempo

que não era pra valer? E o que significa pra valer? O que é que significa esse

discurso?

Olha, meus amigos e minhas amigas, por isso a alfabetização é algo muito sério, não

só sério, mas profundo, político, muito mais do que um puro exercício lingüístico do

comando da linguagem. E precisamente porque é comando de linguagem é mais do

que fonemas, é mais do que sons. É história mesmo. É vida. É desvelamento da

ideologia que está contida na própria linguagem, no próprio discurso...”

FREIRE, Paulo (1991) (1)

Em maio de 1991 Paulo Freire lançou o Projeto de Alfabetização de Jovens e

Adultos dos Assentamentos e Acampamentos do MST, no distante distrito de Hulha

Negra, em Bagé, no emblemático Assentamento “Conquista da Fronteira” com sua

“COOPTIL”, que foi modelo de cooperativa do MST durante bastante tempo. Era

sua última atividade como Secretário de Educação da Cidade de São Paulo, e a

opção por sair desse cargo era muito mais do que uma saída pessoal: “Não estou

deixando a luta, mas mudando, simplesmente, de frente. A briga continua a mesma.

Onde quer que eu esteja, estarei me empenhando, como vocês, em favor da escola

pública, popular e democrática”( FREIRE, Paulo, 1991).

Trazia consigo a pesada experiência de ter tentado colocar em prática suas

idéias, não mais como um assessor especial ou um convidado, e sim como gestor

público de educação na maior cidade do Brasil. Na sua saída ele define que

entende que há duas “frentes” para lutar pelos seus ideais, a institucional

governamental e a outra, a qual ele retorna justo nesse dia, emblematicamente num

Assentamento rural, distante, e muito, da cidade de São Paulo.

Estava lá filmando um documentário para a Cooperativa que daria suporte

Institucional à Campanha de Alfabetização no Rio Grande do Sul. Tudo era

develador: a distância do Assentamento a Bagé, que depois de uma semana de

chuva transformava os quarenta quilômetros numa estrada intransitável, nos

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mostrando na prática o isolamento dos assentamentos; a heterogeneidade do

Assentamento, com seus colonos de origem italiana, polonesa, alemã... mas

também portuguesa, espanhola, guarani e caingangue, nos ensinando que na luta

pela terra havia algo mais do que “tradicionais filhos de pequenos produtores”; uma

multiplicidade de professores, universitários e militantes de todas as bandeiras, nos

sinalizando de que ali esta iniciando algo mais do que “mais uma campanha de

alfabetização”.

Mas Paulo Freire ao falar (que ele não era homem de “discurso”) silenciou a

todos quando questionou a própria palavra de ordem ali entoada pela grande

maioria dos participantes, desdobrando suas leituras possíveis tanto pelo dito como

pelo não dito... Se agora é pra valer, antes não era? O que Paulo Freire queria nos

dizer com isso?

Ele mesmo afirmou que era vital entender que o mais importante era

transformar a alfabetização no “...desvelamento da ideologia que está contida na

própria linguagem, no próprio discurso...”. Ele sabia ( e a maioria de nós ainda não)

que na política “à esquerda” a palavra também precisava ser desvendada, sob pena

de sermos engolidos por nossas próprias “palavras de ordem”.

Eis a tarefa ideológica a realizar: desvelar o que realmente quer dizer cada

ação do Governo, cada discurso, cada “ordem de serviço”. Se desvelar é “Tirar o

véu a; descobrir. Tornar visível o que tornou-se escondido”; e se como Paulo Freire

afirmou essa ação faz parte intrinsecamente do processo de alfabetização, nesta

época de tanto analfabetismo funcional é uma ação pedagógica e libertadora.

Paradoxalmente, o atual Governo do Rio Grande do Sul, nas mãos daqueles

que se consideram herdeiros do pensamento de Paulo Freire, por meio de um

discurso reforçado pela propaganda e por uma “tradição de esquerda”, tem se

dedicado a destruir o Ensino Médio público, a maioria das vezes baseados em

palavras de ordem, códigos e discursos que parecem ser libertadores... mas que

não são outra coisa de que seus próprios antônimos. Como um “sol enganador”, as

contradições do atual discurso merecem ser desvendadas.

Uma das principais contradições é a não participação real da comunidade

escolar na construção e implantação do “Ensino Médio Politécnico”. Repetindo

formalismos administrativos que já foram amplamente questionadas, inclusive pelos

próprios correligionários do atual governador, as mudanças estão sendo

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“implantadas” e não construídas, num descompasso total entre os planejadores e a

realidade diária dos professores e escolas.

Para entender melhor este processo, proponho um exercício de

“desvelamento” da “Ordem de Serviço n° 06/2012”, publicada no Diário Oficial de

07/12 deste ano, na página 105, ordem esta que dispõem sobre a

“operacionalização e registro da expressão dos resultados dos alunos do primeiro

ano do ensino médio”. Começamos pela própria metodologia de “comunicação” as

escolas: primeiro a “ordem de serviço” é publicada no dia 7 de dezembro no Diário

Oficial, e apenas no dia 11 de dezembro as Escolas são “chamadas” para receber

as instruções de como aplicar o que foi estabelecido burocraticamente.

A ação “regulamentada” por decreto (cadê o debate democrático?)

estabelece o registro dos resultados dos alunos do primeiro ano...em dezembro do

corrente ano. Isso, quando já se trabalhou um ano inteiro seguindo os parâmetros

de avaliação anteriores, e se poderá apenas “transformar” notas em conceitos,

mecanicamente. Nada de pensar a ação curricular e a forma de avaliação de forma

a mudar o dia a dia da Escola: por decreto, como tudo o realizado por este

Governo, se muda a avaliação. Segundo consta, o “sistema” transformará

automaticamente números em conceitos... Se as Escolas tinham estabelecido cada

uma seu método de avaliação, num debate com sua comunidade escolar

(respeitando as regramentações legais) é um problema da Escola. Agora na reunião

é dito e reforçado que cabe apenas cumprir nos prazos propostos por que “já foi

publicado no Diário Oficial”. Ou seja, primeiro publico para depois estabelecer que é

inquestionável por ter sido publicado.

Mas o texto é esclarecedor da ação governamental. No mesmo parágrafo

explica quem são os “destinados” a essa nova modalidade de ensino: o Ensino

Médio Politécnico, o Ensino Médio Normal e a Educação Profissional Técnica

integrada ao Ensino Médio. Para quem não sabe(e tem muita escola que ainda não

sabe..) TODAS as escolas de Ensino Médio agora são Politécnicas; o Ensino Médio

Normal são as escolas que formam “normalistas”, ou “magistério”, pessoas que com

apenas esse curso de Ensino Médio estão aptas a dar aula até a 4ª série; e a

“Educação Profissional Técnica integrada ao Ensino Médio” são as escolas

técnicas...

Para sustentar sua “Ordem de serviço”, se baseia numa resolução do

Conselho Nacional de Educação que estabelece diretrizes para a mudança do

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currículo do Ensino Médio; lendo e relendo o decreto, podemos dizer que afirma

que “...Os sistemas de ensino devem instituir sistemas de avaliação e utilizar os

sistemas de avaliação operados pelo Ministério da Educação...”. Ou seja, apenas

diz que tem que usar os sistemas de avaliação operados pelo MEC...

A equipe governista se baseia também no parecer N° 156, de 24/01/2012, do

Conselho Estadual de Educação. Nesse documento, o egrégio Conselho Estadual

afirma que apenas reconhece “...ter tomado conhecimento da proposta da

Secretaria de Educação de promover alterações em planos de estudo de cursos de

ensino médio comum e Cursos Normais e em Planos de Cursos de Educação

Profissional, para o ano de 2012, exclusivamente...”

Ali mesmo está oculta a informação de que o Conselho Estadual de

Educação, entidade máxima criada para gerir democraticamente os rumos da

Educação no Estado, e que outrora foi defendida como tal pelos integrantes do

atual governo, apenas foi comunicada do que aconteceria no Ensino Médio e se

manifestou como tal, ou seja,apenas “tomou conhecimento”. Tomar conhecimento e

aprovar são afirmações diferentes. Mas é mais constrangedor para o próprio

Conselho não ter participado com suas Câmaras e comissões de trabalho nesse

processo, e ter apenas que opinar sobre um fato que já estava consumado. Sim,

por que quando emitiu esse parecer, as escolas todas já tinham sido comunicadas

da mudança entre setembro e outubro de 2011. Por outro lado, o Conselho afirma

que essas mudanças são exclusivas para o ano de 2012... ou seja, no decorrer do

ano deveriam ser debatidas as mesmas, as conseqüências da aplicação delas e

todo o que cabe a esse Conselho fazer; mas na realidade, essas determinações

serão apenas “comunicadas” ao Conselho em janeiro de 2013.

A próxima frase é, sem dúvida, o canto da sereia reformista; afirma que a

“concepção curricular posta na proposta da reestruturação curricular do ensino

médio” é centralizada nas praticas sociais, com origem e foco na realidade,

mediação de saberes e conflitos e que reconhece o aluno como sujeito de direitos,

sempre capaz de construir aprendizagens... No entanto, desde ano passado tem

insistido em outra concepção curricular, a que diz que a escola deve preparar para

o “mundo do trabalho”. Mas é muito específico o conceito de trabalho que eles

propõem: na cartilha oferecida aos professores no “curso de formação” dado antes

de iniciar as aulas, em 2012, se afirma que (...)O ensino politécnico tem por objetivo

iniciar os alunos nos princípios fundamentais que organizam o mundo do trabalho e

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o processo de produção moderna...” e “dotar os alunos com noções dos principais

instrumentos de produção”. Ainda reforçam que “...a politecnia implica a união entre

escola e trabalho e mais especificamente, instrução intelectual e trabalho

produtivo...”

Nada de “práticas sociais”.... e da imposição do mundo do trabalho que

falamos, sempre. Esse eixo fica mais do que claro quando no mesmo documento

afirmam quais são as relações que materializam a politecnia: “...os conteúdos das

diferentes áreas do conhecimento contextualizados...”(entenda-se adaptados as

necessidades do mercado); “...a investigação nos ramos da atividade produtiva....” e

os contatos com o mudo do trabalho(canteiros de obras, fábricas, centras eletricas,

cooperativas, fazendas...”

Nesse parecer ainda o CEE afirma que “...Aprova o Regimento padrão para

ser seguido pelo Ensino Médio Politécnico a ser adotado por Escolas da rede

pública estadual que solicitarem credenciamento e autorização para o

funcionamento desse curso a partir do ano letivo de 2012...”. Num sutil jogo de

palavras, o Governo faz parecer que esse modelo de Ensino poderá ser uma

“opção” das escolas, quando que isso não é verdade: desde 2011 o processo todo

é determinante, e estabelece que a mudança tem que ser feita impreterivelmente,

sem titubeios. Ou seja, as escolas não “vão solicitar” para adotar esse curso: elas

são obrigadas a fazê-lo. Aos Diretores das Escolas Estaduais, em fevereiro deste

ano, foi “comunicado” isso: não havia possibilidade de não adotar essa mudança.

Dizer que as escolas poderão “solicitar” o funcionamento desse curso é

mascarar a ação de imposição do mesmo, inclusive à revelia da Conferência

Estadual de Educação convocada pelo próprio Governo, que na sua maioria opinou

em 2011 para que em 2012 deveria se estudar mais em cada escola e cada cidade

o projeto, antes de aplicá-lo massivamente.

Ao estabelecer um “regimento padrão” para ser adotado, não apenas se

normatiza uma questão, como se destrói na comunidade escolar o processo de

autonomia, que foi uma conquista da sociedade toda, fundamentalmente alicerçada

nas caminhadas pela democracia na Escola e que se transformou em lei nos anos

90.

(...)A própria LDB exige que cada estabelecimento de ensino – com a colaboração

da comunidade escolar e, em especial, com a participação de seus professores,

elabore um projeto pedagógico capaz de dar consistência ao trabalho realizado, com

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vistas ao atingimento das finalidades para as quais foi criado.

Esse projeto pedagógico – para o qual não se há de estabelecer modelo nem fixar

parâmetros – precisa ser conseqüência e resultante da reflexão conduzida no

ambiente da comunidade escolar, fiel a suas circunstâncias e retrato de seus

anseios, de suas necessidades e de suas demandas. O projeto pedagógico não

poderá abrir mão de uma descrição e análise da realidade imediata e mediata da

comunidade em que a escola se insere, de uma opção filosófica e pedagógica

conseqüente, da fixação de metas concretas e da seleção de metodologias de

trabalho capazes de conduzir à consecução dessas metas.

Nesse contexto, o Regimento Escolar é o instrumento formal e legal que regula –

como uma espécie de contrato social – as relações entre os atores do cenário

escolar, desenha os caracteres das personagens e define papéis. O Regimento

Escolar é, assim, a tradução legal de tudo aquilo que o projeto pedagógico

descreveu, esclareceu, definiu e fixou...”

RESOLUÇÃO No 236/98 Conselho Estadual de Educação

O regimento-padrão chegou às escolas pronto, elaborado, fechado, e foi dito

nesta terça feira que o correto era apenas copiá-lo... Mais ainda: que se algum item

não estivesse de acordo com o modelo, não seria aprovado...Uma verdadeira

afronta a Resolução acima citada, que em 1998 estabeleceu a “regulamentação e a

elaboração de Regimentos Escolares de estabelecimentos do Sistema Estadual de

Ensino”. Mas o que se faz de mais destrutivo nesse processo é o silenciamento e a

anulação do poder decisório das comunidades, num processo que Paulo Freire

tanto denunciou, tirando da escola e suas comunidades o caráter de autonomia

capaz de gerar uma educação emancipatória. Será “libertador” aquilo que foi

estabelecido pela equipe de burocratas e imposto via “ordem de serviço”: a escola e

suas comunidades serão anuladas nesse processo, pois levam a deduzir que foi

graças a essa autonomia que o ensino falhou. Nessa vitória dos tecnocratas, a

política autonomista é uma afronta a seu saber acumulado em gabinetes, a despeito

do conhecimento de cada comunidade e do corpo docente.

Mas a penúltima das “considerações” que sustentam o documento é no

mínimo, risível.. Afirma que considerando “...o empenho da rede estadual de ensino

do processo de reestruturação curricular”, dando a entender que a implantação da

reforma foi um “processo”, uma “construção” e não uma “implantação”

extremadamente autoritária. A rede estadual de ensino se empenhou, isso sim, em

deter o processo para discuti-lo melhor: o Estado não quis isso.

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Em março de 2011 o Governo anunciou informalmente que iria desenvolver

projetos de escolas técnicas nas cidades, bem como os Partidários do Governo

Estadual nos Municípios incentivaram o debate sobre escolas técnicas. Vereadores

realizaram visitas a escolas fazendo levantamento de dados estruturais.Ou seja,

políticos, e não técnicos ou especialistas.

Em outubro de 2011 o Governo “comunicou” que tinha encaminhando uma

proposta de reforma do ensino médio para ser “discutida” nas Escolas. Mas já em

novembro envia para as Escolas o “projeto”, documento sem referenciais teóricos, e

que traz a proposta das “reformas curriculares” a serem discutidas.

Em dezembro Inicia o debate nas Escolas, que nem sequer chegaram a ter a

noção das datas de implementação do mesmo. Algumas escolas fazem mais

amplamente, outras escolhem comissões, noutras o debate fica restrito à Equipe

diretiva. O Governo chama em caráter consultivo a “reuniões por cidade” e por

regiões da SEDUC, num simulacro da Conferencia Estadual de Educação.

Nelas, a maioria maciça das escolas propõem postergar o início do “novo

Ensino Médio”. A maioria rejeita o projeto, por falta de clareza. E na Conferência

Estadual é mantida a proposta das Escolas de realizar um aprofundamento do

debate e se propõem realizar processos de formação sobre Politecnia. A maioria da

categoria está envolvida nas discussões salariais, inclusive com paralisações.

Todos pensam que o Governo acatará esses pareceres, mas em fevereiro de

2012 as CRE’s chamam os Diretores e comunicam intempestivamente que TODAS

as escolas deverão iniciar em 2012 o novo modelo de Ensino Médio. Professores

aguardam formação prévia ao inicio das aulas, que não aconteceu.

Em 13 de fevereiro as Equipes Diretivas e Pedagógicas são convocados

para “curso de formação”. E no dia 28 de fevereiro Inicia o ano letivo com o Ensino

Médio reformado por imposição...

Inúmeras reuniões acontecem, e em todas sempre a sensação de apenas

estar discutindo como fazer, mas não o que e por que. Cada escola faz o que acha

importante, e muitas nem sequer aplicam a proposta...

O andamento do processo de implantação acima descrito lembra muito bem

a afirmação no livro “Planejamento Sim e não” de Francisco Whitaker Ferreira, de

1983 e prefaciado por Paulo Freire:

(...)Nada mais útil para os governos, portanto, que usar o planejamento no que ele

pode fazer as pessoas se sentirem mais seguras, porque com ele se é capaz de

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provar tudo, controlar tudo, modificar tudo segundo esquemas preestabelecidos.

Afinal de contas, somos todos gente séria e competente. Mas, quefazer com o diabo

do outro aspecto, que nos deixa mais inseguro face ao futuro? Evidentemente, em

primeiro lugar, não falar muito nele. Em segundo, não andar por aí fazendo muita

onda sobre correções e outras coisinhas que os planos venham a exigir, como se

não fôssemos infalíveis. E em terceiro lugar pondo em funcionamento um

mecanismo maroto: elaborar planos ao mesmo tempo em que se vão tomando

decisões. O que não seria de se contestar, por que afinal se tem que estar tomando

decisões continuamente. Mas a questão é malandragem que fica atrás disso. (...)

WHITAKE FERREIRA, Francisco- 1983

Se Paulo Freire alertou para desvendar a ambigüidade do discurso do

poder.o lido nesta Ordem de serviço já é suficiente para entender de que

democracia não é o forte deste governo... Na prática, qualquer possibilidade de

debate se deu por encerrado em 12 de fevereiro, quando chamaram os Diretores e

Equipes Diretivas para comunicar que, sem mais discussões, o novo ensino médio

começaria em fevereiro mesmo, descumprindo as recomendações da Conferência

Estadual e não promoveram mais nenhum instância de discusão.

Mas também há o que não cita nem este nem os outros documentos é o que

Paulo Freire considerava fundamental para realizar uma mudança curricular:

(...)Se há algo que não precisamos fazer, você e eu, é tentar convencer, você a

mim, eu a você, de que é urgente, entre em seus números de mudanças neste país,

mudar a escola pública, melhorá-la, democratizá-la, superar seu autoritarismo,

vencer seu elitismo. Este é no fundo, seu sonho, meu sonho, nosso sonho. A

materialização dele envolve, de um lado o resgate de uma dívida histórica com o

magistério, de que salários menos imorais são uma dimensão fundamental, de outro,

a melhoria de condições de trabalho, indispensáveis à materialização do próprio

sonho. Sutre estas condições, a possibilidade de trabalho coletivo para a efetivação

da reorientação curricular e a formação permanente dos educadores e das

educadoras, o que não se pode realizar a não ser mudando-se também o que se

entende hoje por jornada de trabalho nas escolas

FREIRE, Paulo. (1990)

E então, ao reler esta Carta de Paulo Freire a Luiza Erundina, a Prefeita de

São Paulo, nos damos conta que este governo jamais poderia ter como ‘assessor

especial” a Paulo Freire, que com certeza estaria em “outra frente” em defesa da

Educação.

De um lado, e apesar dos engodos publicados com mais números e gráficos

que afirmam que este atual governo “deu o maior aumento salarial do Magistério da

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história”, qualquer um sabe que não é real. No caso da 27ª, por exemplo, no início

das aulas o Sr Vice Governador anunciou para mais de 1000 professores de que

“...este governo irá dobrar o salário dos educadores...” Essa dívida histórica da

sociedade para com o magistério não será cumprida por um governador que teima

em reduzir o índice de cálculo do aumento do Piso, atitude esquizofrênica para

quem como Ministro o criou assim. E ainda conta com o apoio “pelego” da CUT e do

CNTE, num processo que os próprios trabalhadores em educação jamais poderão

aceitar.

Por outro lado, a falta de estrutura real para implantar a mudança é trágica.

É impossível sequer ter salas temáticas hoje, quanto mais criar um modelo de

ensino que EXIJA novos espaços sem ter reformas estruturais e sem atender as

velhas demandas de manutenção...Descumprem com as anunciadas “reformas das

estruturas e equipamentos”: mais de 1300 escolas precisam de reparos urgentes, e

o Estado “apenas” poderá, a partir de ano que vem, reformar pouco mais de 400 até

o final de mandato...O relatório do Fundo Nacional de Desenvolvimento da

Educação apontou o Rio Grande do Sul como o estado que menos investiu na área

em comparação com o que arrecada, entre os anos de 2005 e 2010.

Mas na propaganda oficial tudo são maravilhas: no popular “Diário Gaúcho”

de maio deste ano, na mesma matéria que diz que não poderá reformar todas as

escolas, pois não tem verbas suficientes, publica o seguinte “quadro de

promessas”:

• Ar-condicionado nas salas de aula

• - Paisagismo

• - Água quente em algumas torneiras

• - Sala de estudos para professores

• - Espaços de lazer internos

• - Espaços culturais

• - Áreas esportivas

• - Projetos de sustentabilidade, como aproveitamento de

água da chuva e alternativas de captação de energia

Diário Gaúcho, 04 de maio de 2012.

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Ora, para quem não consegue nem sequer reformar as escolas que tem

carências de todo tipo, prometer que vai colocar “ar condicionado nas salas de aula”

é quase que um deboche.

Assim, o programa iniciado para mudar o ensino médio atropeladamente

toma um caráter de irreversibilidade, ao que deve se somar a nada sutil campanha

da RBS “em defesa da Educação”... A campanha, criada para formar um consenso

de que a Educação “precisa de respostas” casualmente serve para sustentar

ideologicamente esse processo de mudanças.

É necessário que a comunidade acadêmica, os professores e os próprios

estudantes e suas famílias se somem num debate e articulação que venha a

reverter este processo, sob pena de ficarmos conhecidos na história como a

geração que assistiu de braços cruzados como os gestores de nosso estado

destruíram a educação, valendo-se de um discurso ambíguo e que pelo menos

podemos chamar de um roteiro de traições à memória da Paulo Freire, que

afirmava:

(...)Sou leal ao sonho. Minha ação tem sido coerente com ele.

Exigente com a ética, considero que ler tem a ver com a coerência

com que se vive no mundo, coerência entre o que se diz e o que se

faz.

FREIRE, Paulo, 1992

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REFERENCIAS:

Assentamento Conquista da Fronteira, Bagé, Rio Grande do Sul, 25 de maio de

1991, no lançamento do Projeto de Alfabetização de jovens e Adultos dos

Assentamentos do MST. http://www.mcpbrasil.org.br/biblioteca/educacao-

popular/doc_view/102-paulo-freire-um-educador-do-povo. Acesso em 08/12/2012

“Ordem de Serviço n° 06/2012” Secretaria Estadual de Educação RS

Diário Oficial do Estado; 07/12/2012 http://www.rs.diariooficialeletronico.org/

Perguntas e respostas sobre a proposta de reestruturação do Ensino Médio

Secretaria Estadual de Educação- novembro de 2011

“Planejamento Sim e não” de Francisco Whitaker Ferreira

Editora Paz e terra, Rio de Janeiro, 1983

Piso Nacional dos professores pode ser rebaixado com o apoio da CUT e CNTE

09-12-2012 11:05http://www.deverdeclasse.org/news/piso-nacional-pode-ser-rebaixado-com-o-apoio-da-cut-e-cnte-/#.UMojh6x-4uH

À LUIZA ERUNDINA. DEFENDENDO O SALÁRIO DOS PROFESSORES, 1990

http://www.projetomemoria.art.br/PauloFreire/biografia/08_biografia_correspondenci

as.html

MANIFESTO À MANEIRA DE QUEM, SAINDO, FICA

http://www.projetomemoria.art.br/PauloFreire/biografia/08_biografia_correspondenci

as.html