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NEREIDE LÚCIA MARTINELLI A regionalização da saúde no Estado de Mato Grosso: o processo de implementação e a relação público-privada na região de saúde do Médio Norte Mato-grossense Tese apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Ciências Programa de Medicina Preventiva Orientadora: Profa. Dra. Ana Luiza D’Ávila Viana (Versão corrigida. Resolução CoPGr 6018/11, de 1 de novembro de 2011. A versão original está na Biblioteca da FMPUSP) São Paulo 2014

A regionalização da saúde no Estado de Mato Grosso: o processo

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  • NEREIDE LCIA MARTINELLI

    A regionalizao da sade no Estado de Mato Grosso: o processo de

    implementao e a relao pblico-privada na regio de sade do

    Mdio Norte Mato-grossense

    Tese apresentada Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Doutor em Cincias

    Programa de Medicina Preventiva

    Orientadora: Profa. Dra. Ana Luiza Dvila Viana

    (Verso corrigida. Resoluo CoPGr 6018/11, de 1 de novembro de 2011. A verso

    original est na Biblioteca da FMPUSP)

    So Paulo

    2014

  • 2

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Preparada pela Biblioteca da

    Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo

    reproduo autorizada pelo autor

    Martinelli, Nereide Lcia

    A regionalizao da sade no Estado de Mato Grosso : o processo de

    implementao e a relao pblico-privada na regio de sade do Mdio Norte

    Mato-grossense / Nereide Lcia Martinelli. -- So Paulo, 2014.

    Tese(doutorado)--Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo.

    Programa de Medicina Preventiva.

    Orientador: Ana Luiza Dvila Viana.

    Descritores: 1.Regionalizao 2.Poltica de sade 3.Sistema nico de Sade

    4.Planejamento em sade 5.Assistncia sade 6.Investimentos em sade

    7.Anlise qualitativa 8.Anlise quantitativa 9.Entrevista

    USP/FM/DBD-247/14

  • AGRADECIMENTOS

    Este momento muito especial, e estou muito feliz por mais esta formao. Foi

    prazeroso fazer esta pesquisa. Estive motivada o tempo todo. Tudo valeu.

    Agradeo minha orientadora, Dra. Ana Luiza Dvila Viana, a quem admiro,

    pela habilidade, competncia e sabedoria ao conduzir-me neste aprendizado. Seus

    conhecimentos e entusiasmo pela pesquisa, sem dvida, me estimularam para querer

    aprender mais e querer fazer melhor. Obrigada. Voc foi generosa confiando e

    acreditando que posso contribuir.

    Ao professor Joo H. G. Scatena, amigo de trabalho, a quem, da mesma forma,

    admiro, pelo conhecimento e pela pessoa que . Seu profissionalismo, simplicidade e

    dedicao so admirveis. Obrigada pela amizade e apoio.

    Ao meu querido sobrinho Vinicius, que me acolheu com tanto carinho em sua

    residncia em So Paulo. Obrigada, voc foi companheiro.

    minha me Terezinha, ao meu pai Antelmo (in memoriam), minha irm

    Cristina, aos meus irmos Vanderci e Luiz, obrigada pelo apoio e dedicao que me

    oferecem, por acreditarem em mim e naquilo que fao e por todos os ensinamentos de

    vida. Ao meu cunhado Jorge, obrigada pelo apoio voc foi muito gentil.

    Ao Geraldo, marido amado e companheiro, obrigada pela dedicao a mim

    dispensada em todos os momentos desta minha trajetria de estudo. Seu incentivo e

    apoio foram determinantes.

    Aos meus filhos, Leonardo e Victor, meus prncipes e diamantes da minha vida,

    obrigada por sempre me incentivarem. Desculpem-me pelas vezes que precisei priv-

    los de nossos momentos em famlia.

    Compartilho com toda minha famlia esta minha vitria. Vocs me fortaleceram

    para lutar pelo meu objetivo.

  • 4

    Aos profissionais entrevistados, Edna, Roberto, Claudete, Luciana, Eli, Marcos,

    Gleice, Andreia, Clestiane, Amarante, Nivea, a Sueli Coutinho e Juliano, obrigada.

    Vocs foram receptivos. A todos vocs, equipe do ERS Tangar da Serra e aos

    Secretrios Municipais de sade da regio, obrigada. A vocs dedico todo este

    trabalho.

  • SUMRIO

    RESUMO

    ABSTRACT

    1 INTRODUO ............................................................................................................ 2

    2 FEDERALISMO E REGIONALIZAO NO BRASIL ....................................... 17

    3 INSTITUCIONALIDADE E GOVERNANA NO TERRITRIO ..................... 36

    4 O ESTADO DE MATO GROSSO E A REGIO DE SADE DE

    TANGAR DA SERRA ................................................................................................ 57

    5 AS ESTRATGIAS DE REGIONALIZAO NO ESTADO E NA

    REGIO DE SADE DE TANGAR DA SERRA ................................................... 77

    6 O COMPLEXO REGIONAL E A INSTITUCIONALIDADE DA

    REGIONALIZAO NA REGIO DE SADE DE TANGAR DA SERRA ..... 93

    6.1 O complexo regional ................................................................................................. 93

    6.2 Institucionalidade da regio ..................................................................................... 109

    7 GOVERNANA DO PROCESSO DE REGIONALIZAO NA REGIO

    DE SADE DE TANGAR DA SERRA .................................................................. 132

    8 DECISO E INTERSETORIALIDADE NA REGIO DE SADE DE

    TANGAR DA SERRA .............................................................................................. 143

    9 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................... 158

    10 REFERNCIAS ..................................................................................................... 171

  • 6

    LISTA DE SIGLAS

    AIH Autorizao de Internao Hospitalar

    ANS Agncia Nacional de Sade

    CAP Caixas de Aposentadorias e Penses

    CAPS Centro de Ateno Psicossocial

    CGR Colegiado de Gesto Regional

    CIB Comisso Intergestores Bipartite

    CIES Comisso Interinstitucional de Ensino e Servio

    CIR Comisso Intergestores Regional

    CIS Consrcio Intermunicipal de Sade

    CIT Comisso Intergestores Tripartite

    CMS Conselho Municipal de Sade

    CNES Cadastro Nacional de Estabelecimento de Sade

    CNS Conselho Nacional de Sade

    COFINS Contribuio para o Financiamento da Seguridade Social

    CONASEMS Conselho Nacional de Secretrios Municipais de Sade

    CONASP Conselho Consultivo de Administrao da Sade Previdenciria

    CONASS Conselho Nacional de Secretrios Estaduais de Sade

    COSEMS Conselho de Secretrios Municipais de Sade

    CRR Central Regional de Regulao

    EC-29 Emenda Constitucional 29

    ERS Escritrio Regional de Sade (ERS),

    ESF Equipe de Sade da Famlia

    ESP Escola de Sade Pblica

    FAS Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social

    FGTS Fundo de Garantia de Tempo de Servio

    IAP Institutos de Aposentadoria e Penso

    ICMS Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios

    IDH ndice de Desenvolvimento Humano

    INAMPS Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social

    INEMAT Instituto de nefrologia de Mato Grosso

    INPS Instituto Nacional da Previdncia Social

  • LDO Lei de Diretrizes Oramentria

    LOA Lei Oramentria Anual

    LOPS Lei Orgnica da Previdncia Social

    MS Ministrio da Sade

    NOAS Norma Operacional da Assistncia a Sade

    NOB Normas Operacionais Bsicas

    OS Organizao Social

    PAB Piso da Ateno Bsica

    PACIS Programa de Apoio e Implementao dos Consrcios

    Intermunicipais de Sade.

    PACS Programa de Agente Comunitrio de Sade

    PAREPS Plano de Ao Regional para a Educao Permanente em Sade

    PASCAR Programa de Apoio a Sade Comunitria de Assentados Rurais

    PASF Programa de Apoio a Sade da Famlia

    PDI Plano Diretor de Investimentos

    PDR Plano Diretor da Regionalizao

    PES Plano Estadual de Sade

    PIAMAB Programa de Incentivo ao Alcance de Metas da Ateno Bsica

    PIB Produto Interno Bruto

    PNEP Poltica Nacional de Educao Permanente

    PPA Plano Plurianual

    PPI Programao Pactuada e Integrada

    PSB Programa de Sade Bucal;

    PSF Programa de Sade da Famlia

    PTA Plano Anual de Trabalho

    RAS Rede de Ateno Sade

    RGM Relatrio de Gesto Municipal

    SADT Servio de Apoio Diagnstico e Terapia

    SIA Sistema de Informaes Ambulatoriais

    SAMU Servio de Apoio a Urgncia-Emergncia

    SECITEC Secretaria de Estado de Cincia e Tecnologia

    SENAC Servio Nacional de Aprendizagem Comercial

    SER SUS Sistema de Referncia Estadual

    SES Secretaria de Estado de Sade

    SIH Sistema de Informaes Hospitalares

    SIOPS Sistema de informaes de oramentos pblicos de sade

  • 8

    SISPPI Sistema de Programao Pactuada e Integrada

    SISREG Sistema Nacional de Regulao

    SMS Secretarias Municipais de Sade

    SUS Sistema nico de Sade

    TCG Termo de Compromisso de Gesto

    TFD Tratamento fora do Domicilio

    UBS Unidade Bsica de Sade

    UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso

    UNIC Universidade de Cuiab

    UTI Unidade de Terapia Intensiva

    VISA Vigilncia Sanitria

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Pirmide etria do Estado de Mato Grosso, 2010 ............................... 58

    Figura 2 Regies de sade, escritrios regionais e respectivos municpios,

    Mato Grosso, 2012. ............................................................................. 80

  • 10

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Municpios de Mato Grosso, segundo variveis demogrficas da

    regio de Sade de Tangar da Serra .................................................. 61

    Tabela 2 Municpios de Mato Grosso, segundo PIB (em R$ per capita) e

    seus componentes, da regio de sade de Tangar da Serra, 2008 ..... 62

    Tabela 3 Distribuio das despesas per capita sob responsabilidade

    municipal: (despesas totais) e despesas com recursos

    exclusivamente municipais. Regio de Tangar da Serra, Mato

    Grosso, 2002, 2005 e 2009 ................................................................. 64

    Tabela 4 Nmero de estabelecimentos de sade por categorias selecionadas e

    tipo de prestador, segundo municpios da Regio de Sade de

    Tangar da Serra, 2010 ....................................................................... 66

    Tabela 5 Distribuio de leitos por municpio, segundo tipo de prestador e

    disponibilidade para o SUS. Regio de Sade Mdio Norte, MT,

    dezembro de 2010 ............................................................................... 70

    Tabela 6 AIH pagas (por 100 habitantes) em trinios, segundo municpio de

    residncia e de internao, Regio de Sade de Tangar da Serra,

    Mato Grosso, 2001-2009 .................................................................... 71

    Tabela 7 Cobertura populacional do setor de sade suplementar por

    municpio. Regio de Sade de Tangar da Serra, Mato Grosso,

    2000, 2005 e 2010 ............................................................................... 72

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Matriz de anlise do processo de regionalizao na regio de

    Tangar da Serra, Estado de Mato Grosso - Dimenso

    Institucionalidade da regionalizao. .................................................. 12

    Quadro 2 Matriz de anlise do processo de regionalizao na regio de

    Tangar da Serra, Estado de Mato Grosso-Dimenso Governana

    da regionalizao. ............................................................................... 12

    Quadro 3 Matriz de anlise do processo de regionalizao na regio de

    Tangar da Serra, Estado de Mato Grosso-Dimenso Impactos da

    regionalizao. .................................................................................... 13

    Quadro 4 Potencialidades e limitaes do setor pblico na regio de sade de

    Tangar da Serra, no perodo do Pacto pela Sade - 2006 a 2011. ... 167

    Quadro 5 Potencialidades e limitaes do setor privado na regio de sade

    de Tangar da Serra, no perodo do Pacto pela Sade - 2006 a

    2011................................................................................................... 168

    Quadro 6 Fatores que facilitaram e dificultaram o processo de regionalizao

    na regio de Tangar da Serra no perodo do Pacto pela Sade -

    2006 a 2011. ...................................................................................... 168

    Quadro 7 Complexo Regional da Regio de Sade de Tangar da Serra, no

    perodo do Pacto pela Sade - 2006 a 2011. ..................................... 169

  • 12

    RESUMO

    Martinelli NL. A regionalizao da sade no Estado de Mato Grosso: o processo de

    implementao e a relao pblico-privada na regio de sade do Mdio Norte Mato-

    grossense [Tese]. So Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo; 2014.

    A regionalizao da sade est contemplada no artigo 198 da Constituio Federal de

    1988 e uma diretriz do SUS, que prev a articulao dos trs entes federativos para a

    conformao do sistema de sade e a efetivao do direito sade. Na implementao

    do SUS, a regionalizao ganha destaque nos anos 2000, mas, no Estado de Mato

    Grosso, a partir de 1995, a reorientao poltico-institucional da Secretaria de Estado da

    Sade definiu estratgias para a implementao do SUS por regies de sade e

    fortaleceu as instncias pblicas regionalizadas. A partir de 2003, houve trocas

    sucessivas do gestor estadual de sade, com repercusso na maneira de conduzir a

    poltica estadual de sade e, apesar da institucionalidade anteriormente construda, o

    processo de regionalizao sofre certa estagnao. O presente estudo de caso analisa o

    processo de regionalizao da sade e o mix pblico-privado no sistema de sade da

    regio do Mdio Norte do Estado, no perodo de 2006 a 2011. Tal recorte se justifica

    pela edio do Pacto pela Sade 2006, que contempla a regionalizao. Faz-se uso de

    anlise qualitativa das entrevistas realizadas com informantes-chave e se utiliza de

    anlise quantitativa de dados secundrios. Com essas informaes, pde-se caracterizar

    os mecanismos e instrumentos adotados, bem como as relaes pblico-privadas no

    sistema pblico de sade; compreender como ocorre o processo decisrio, a relao e a

    interao dos diversos atores que compem o complexo regional desta regio de sade.

    Na regio em estudo, na vigncia do Pacto, a SES preservou e criou novos incentivos,

    manteve o Consrcio Intermunicipal de Sade, implantou leitos de UTI, conservou o

    convnio com o hospital municipal de referncia regional e sustentou os convnios com

    clnicas e laboratrios de apoio diagnstico do setor privado. O CGR foi criado, mas sua

    governabilidade sobre a macropoltica da regio parcial e, embora seja um espao de

    deciso colegiada, ainda tem caractersticas do somatrio das partes e gera as mais

    diversas consequncias na governana da poltica regionalizada. O PDR e o PDI no

    foram atualizados, a regulao da assistncia que era desenvolvida pela regio foi

    recentralizada, a SES atrasou o repasse dos incentivos financeiros aos fundos

    municipais de sade e no investiu na construo do hospital regional. Apesar da

    trajetria do Estado na regionalizao da sade, a estrutura da rede pblica de ateno

    sade no se expandiu e as parcerias estabelecidas com o setor privado fortaleceram sua

    participao na rede de ateno e tm influenciado o sistema regional de sade. A

    regio precisa da coordenao do estado na conduo do processo de regionalizao,

    sem a qual seu avano fica comprometido.

    Descritores: Regionalizao; Poltica de sade; Sistema nico de Sade; Planejamento

    em sade; Assistncia sade; Investimentos em sade; Anlise qualitativa; Anlise

    quantitativa; Entrevista.

  • ABSTRACT

    Martinelli NL. The healths regionalization in the State of Mato Grosso: the process of

    implementation and the relationship public-private in the regions health of the Middle

    Norths Mato Grosso [Thesis]. Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo,

    2014.

    The Regional Health Planning is included at Art.198 of the Constitution of 1988 and it

    is a guideline the SUS that provides for the combination of the three federative for

    shaping the health system and the realization of the right to health. At the

    implementation of SUS, Regional Health Planning gained prominence in the 2000s, but

    in the state of Mato Grosso, since 1995 the reorientation political-institutional of the

    SES defined strategies to implementation of the SUS by regions the health and

    strengthened regionalized public instances. Since 2003 there were successive exchanges

    of state health manager, with repercussions on the manner to conduct the state health

    policy and, despite the earlier institutional, the Regional Health Planning process suffers

    certain stagnation. This case study analyzes the process of the Regional Health Planning

    and public-private mix in the health system of the Middle North region of the state,

    between the period from 2006 to 2011. The angle is justified by editing the health pact

    that include the Regional Health Planning. Makes use of a qualitative analysis from

    interviews with key informants and uses a quantitative analysis at secondary data. With

    this information it was possible to: characterize the mechanisms and instruments

    adopted, as well as relations public-private in the public health system; understand how

    occurs decision process; the relationship and interaction of various actors that compose

    this complex health. At the study region, at the presence of the health pact, the SES

    remained and created new incentives, kept the CIS, deployed UTI beds, kept the

    covenants with the municipal hospital of referral regional and with private clinical and

    laboratories of support diagnostic . The CGR was created, but the governance on the

    macro policy in the region is partial and although a space of collegial decision also has

    characteristics of the sum of the parts, and generates the most diverse consequences in

    the governance of regionalized policy. The PDR and PDI were not updated, the

    regulation of assistence developed by region was centralized, the SES delayed the

    transfer of financial incentives to municipal health funds and didnt invested in the

    construction of the regional hospital. Despite the state trajectory of the Regional Health

    Planning, the structure of public health care had not expanded and the partnerships with

    the private sector strengthened its participation in the care network and had

    influenciated the regional health system. The region needs the coordination of the state

    in the conduct of the regionalization process, without which its progress is

    compromised.

    Descriptors: Regionalization; Health policy; Health system; Health planning; Health

    care; Investments in health; Qualitative analysis; Quantitative analysis; Interview.

  • 1

    1 Introduo

  • 2

    1 INTRODUO

    A regionalizao da sade, objeto deste estudo, est contemplada no artigo 198 da

    Constituio Federal de 1988. uma diretriz do SUS, que prev a articulao dos trs

    entes federativos para a conformao do sistema de sade e efetivao do direito

    sade.

    Na implementao do SUS, a regionalizao somente ganha destaque nos anos

    2000, posteriormente aos estudos avaliativos que mostraram que a descentralizao,

    com nfase na municipalizao na dcada de 1990, ampliou os servios, com inovaes

    na gesto e maior participao da populao, mas apresentou limites e dificuldades para

    legitimar o acesso e o direito integral sade.

    Foi nesta dcada que teve incio o processo de regionalizao da sade no Estado

    de Mato Grosso. At 1995, a descentralizao em MT, seguindo as diretrizes nacionais,

    focava a gesto municipal, mediante transferncias financeiras, vinculadas capacidade

    de produo dos servios. A Secretaria de Estado de Sade (SES) organizou o territrio

    estadual em nove Polos Regionais de Sade, tendo por sede municpios de referncia

    em cada um desses espaos geogrficos.

    Com a nova gesto estadual (1995-2002), a reorientao poltico-institucional da

    Secretaria de Estado da Sade (SES) define estratgias voltadas para a implementao

    do SUS por regies de sade. Os Polos Regionais de Sade existentes na SES/MT so

    reestruturados, assumem novas atribuies na articulao regional, passam a realizar

    assessoria, planejamento e programao, controle e avaliao das aes de sade por

    municpio e regio. Ao mesmo tempo a SES tambm reestruturada para corresponder

    s necessidades em pauta (MT, 2000a).

    No perodo de 1995 a 1999, a SES, pautada no objetivo de fortalecer os Polos

    Regionais de Sade, comea a implantar as Comisses Intergestores Bipartites

    Regionais (CIB Regionais), com a inteno de que os territrios regionais se tornassem

    um espao privilegiado de interlocuo, negociao e pactuao entre o estado e os

    municpios.

    No mbito nacional, os limites da municipalizao autrquica so apresentados

    pelos gestores, ampliam-se os debates sobre a regionalizao como estratgia necessria

  • 3

    para avanar na descentralizao, e a NOAS editada. Quando a NOAS foi editada,

    este estado j estava com a regionalizao em processo de estruturao e ela contribuiu

    para aperfeioar e aprofundar os instrumentos de gesto. A regionalizao prevista na

    NOAS fortaleceu as pactuaes, fomentou a elaborao do Plano Diretor da

    Regionalizao (PDR), do Plano Diretor de Investimentos (PDI), e da Programao

    Pactuada e Integrada (PPI); explicitou e organizou o fluxo da assistncia; viabilizou a

    implantao dos mdulos assistenciais.

    Na regio em estudo, como nas demais do estado, foram realizados fruns, no ano

    de 2001, com o objetivo de efetuar diagnstico e definir as prioridades e metas de cada

    regio; tambm foi organizado o Sistema de Referncia e Regulao Regional e

    Estadual, mas no o suficiente para captar investimentos, a fim de ampliar a capacidade

    instalada da rede de ateno pblica regionalizada.

    A partir dos anos 2003, inicia-se um novo governo, ocorrem trocas sucessivas do

    gestor estadual, e a SES enfrenta diversidade na maneira de conduzir a Poltica Estadual

    de Sade. Com a edio do Pacto pela Sade/2006, por induo do governo federal, a

    regionalizao retorna agenda do gestor estadual, e a SES e o COSEMS realizam

    oficinas no interior do estado, com o objetivo de ampliar e qualificar o debate da gesto

    municipal, para subsidiar o gestor na tomada de deciso quanto elaborao do Termo

    de Compromisso de Gesto (Ribeiro, 2009). Nesta regio, 100% dos municpios

    assinam este termo.

    A organizao de servios regionalizados pressupe a gesto cooperativa e

    solidria, o compartilhamento de tarefas e a distribuio de poder, negociados e

    pactuados no CGR. Na regio em estudo, esta governana tem gerado dilemas e

    conflitos entre os entes federativos; prestadores de servios e demais atores, em especial

    quando se depara com problemas de acesso rede na regio e se necessita recorrer

    capital do estado.

    O Pacto pela Sade contemplou uma nova configurao de regio, uma nova

    forma de gerir e intervir sobre a realidade social, interagindo e articulando os diferentes

    atores sociais, ou seja, instituies e pessoas, para integrar conhecimentos, saberes,

    experincias. Essa nova maneira de gerir complexa e constitui desafio aos gestores de

    sade em todos os nveis de ateno. Trabalhar as regies de sade lidar com

    diversidade de contextos e lugares, entender que os determinantes do processo de

  • 4

    regionalizao extrapolam o setor sade, que as modalidades e tipos de servios de

    sade pblica diferem nos sistemas locais, regionais, estaduais, e que os sistemas locais,

    em sua maioria, dispem apenas dos servios da ateno bsica (Viana e Lima, 2011).

    Em 2011 foi editado o Decreto no 7.508, que trata da regulamentao da Lei n

    8.080/90, e seu papel , entre outros, regular a estrutura organizativa do SUS, o

    planejamento de sade, a assistncia sade, e articular os entes federativos. Pelo

    Decreto os servios de sade devero ser ofertados nas regies de sade constitudas

    pelo estado, com capacidade instalada para dispor, no mnimo, de ateno primria,

    urgncia e emergncia, ateno psicossocial, ateno ambulatorial especializada e

    hospitalar, vigilncia em sade articulada com os municpios e organizadas em redes de

    ateno sade.

    As diretrizes da regionalizao propiciam avanar na descentralizao e trabalhar

    a governana no territrio, aqui entendido como o espao usado, que no considera

    apenas os limites territoriais, mas um espao vivido com sua populao, seus atores e

    seus problemas sociais, de maneira integrada.

    O processo de regionalizao no estado e a sua implementao na regio de Sade

    de Tangar da Serra fomentaram debates, acordos e pactuaes, com o objetivo de

    fortalecer o sistema de sade neste territrio. Esta regio, antes do Pacto pela Sade,

    buscou alternativas para viabilizar o acesso na regio e, para isso, estabeleceu interface

    com o setor privado, criou um modus operandi que determinou a sua forma de

    organizao.

    A concepo do que vem a ser pblico ou privado e as suas relaes dispem de

    grande variabilidade de significados. Neste estudo, o mix publico-privado refere-se

    natureza jurdica das instituies que fazem parte da rede de servios SUS. Esta

    estratgia operacional, mix pblico-privado, abre espao para uma regulao que vai

    alm da governabilidade pblica, uma vez que envolve outros agentes no processo de

    regionalizao e requer relaes intergovernamentais cooperativas para viabilizar a sua

    gesto. Estas relaes so complexas, diferem e podem influenciar a dinmica

    operacional, o acesso aos servios e justifica a realizao de estudos que possam

    contribuir para a tomada de deciso dos entes federativos que agem em situaes

    diversas, com limites tcnicos, operacionais e financeiros.

  • 5

    A regio de sade objeto desta pesquisa, tem uma rede pblica constituda, em sua

    maioria, por unidades de sade da ateno primria, no dispe de hospital regional e,

    para suprir a insuficincia do servio pblico e facilitar o acesso da populao,

    implantou o Consrcio Intermunicipal de Sade da Regio do Mdio Norte Mato-

    grossense, que oferece servios de apoio diagnstico-laboratorial e imagem, internaes

    e atendimento mdico especializado, entre outros. Estes conformam um complexo

    regional, entendido neste estudo como as diferentes estruturas, instituies, instncias e

    atores pblicos e privados que participam do processo de constituio, planejamento,

    organizao, gesto e regulao da sade no mbito regional (Viana et al., 2008

    p.100).

    A regionalizao da sade, o federalismo, as relaes intergovernamentais e o mix

    pblico-privado, vm se tornando objeto de interesse de debates e estudos cientficos, e

    mostram que a dinmica dos complexos regionais em sade (as relaes pblico-

    privadas no interior das regies de sade) tambm influencia o desempenho e os

    resultados da regionalizao no plano estadual e necessita ser avaliada por estudos de

    caso (Viana et al., 2010, p.9).

    O estudo faz parte da pesquisa Anlise do processo de Regionalizao da Sade

    no Estado de Mato Grosso, realizada pelo grupo de pesquisa do ISC/UFMT, em

    parceria com o DMP/FMUSP e ENSP/FIOCRUZ, submetido ao Comit de tica em

    Pesquisa do HUJM/UFMT, e aprovada em 09/09/2009, mediante o parecer no 681/CEP-

    HUJM/09. Este recorte tambm foi submetido ao Comit de tica e Pesquisa do

    Departamento de Medicina Preventiva (CEP-FMUSP) e aprovado na sesso de

    05/09/2012, protocolo de pesquisa n 206/12, parecer 91.726.

    O presente estudo de caso teve como objetivo analisar o processo de

    regionalizao da sade e o mix pblico privado no sistema de sade da regio de

    Tangar da Serra, no perodo de 2006 a 2011. O recorte justifica-se pela edio do Pacto

    pela Sade em 2006, que, entre as suas diretrizes, contempla a regionalizao; e pelo

    Decreto n 7.508/2011, que reitera esta estratgia de conduo do SUS. Esta regio

    oficialmente denominada Regio de Sade do Mdio Norte do estado de Mato Grosso,

    mas ao longo deste trabalho ela ser referenciada como regio de sade de Tangar da

    Serra como mais conhecida.

  • 6

    Para analisar o processo de regionalizao, utilizou-se de dados quantitativos e

    informaes qualitativas para: caracterizar a regio de sade (socioeconmica e

    demograficamente), a rede de ateno sade e as instncias relacionadas ao processo

    de regionalizao nesse territrio; identificar o processo decisrio, os padres de

    relacionamento e o papel das instncias que fazem parte do complexo regional, com

    nfase no CGR; caracterizar os mecanismos e instrumentos adotados no processo de

    regionalizao e as relaes pblico-privadas no sistema pblico de sade nessa regio.

    Tais informaes permitiram conhecer a estruturao do sistema de sade, as

    instncias regionalizadas, os atores, a participao e influncia destes na

    institucionalidade e governana do SUS na regio. Alm disso, pde-se compreender,

    no mbito da gesto, como ocorre o processo decisrio, a relao e a interao dos

    diversos atores que compem o complexo regional desta regio de sade.

    Fazem parte desta regio os municpios de Arenpolis, Barra do Bugres, Campo

    Novo do Parecis, Denise, Nova Marilndia, Nova Olmpia, Porto Estrela, Santo Afonso,

    Sapezal e Tangar da Serra.

    um estudo de caso, que se utiliza do mtodo qualitativo para aprofundar e

    responder aos questionamentos de como ocorreu a regionalizao nesta regio de sade.

    Para tanto, utilizou-se de entrevistas, buscando compreender as relaes e o processo da

    regionalizao a partir do Pacto pela Sade, no perodo de 2006 a 2011. Recorreu-se

    tambm ao perodo anterior sempre que as variveis de interesse do estudo exigiram.

    Da pesquisa estadual, foi utilizado o banco de dados referente ao questionrio

    autoaplicado, s informaes do levantamento de dados secundrios e anlise

    documental desta regio de sade. Cinco atores da regio responderam o questionrio

    autoaplicado: o Chefe do Escritrio Regional de Sade, o Secretrio Executivo do

    Consrcio Intermunicipal de Sade, a Secretria do Colegiado de Gesto Regional, a

    Secretria de Sade e Vice- presidente regional do Conselho de Secretrios Municipais

    de Sade (COSEMS) na regio e a Secretria de Sade do Municpio de Barra do

    Bugres. As informaes contidas neste questionrio foram totalmente consideradas

    nesta pesquisa.

    O roteiro utilizado para as entrevistas com os atores da regio especfico para

    este estudo de caso, mas a sua elaborao tambm considerou as informaes do

  • 7

    questionrio autoaplicado da pesquisa estadual. O roteiro completo contemplou 84

    perguntas (Apndice A) e as entrevistas foram realizadas com os atores selecionados:

    Oitenta e quatro (84) perguntas foram aplicadas aos seguintes gestores: Diretor do

    Escritrio Regional de Sade (ERS), Tcnico do ERS e membro do CGR, Secretrio

    Executivo do Consrcio Intermunicipal de Sade (CIS), Secretria de Sade e Vice-

    presidente regional do COSEMS na regio e a Secretria de Sade do Municpio de

    Barra do Bugres, cujo hospital municipal referncia para esta regio. Sessenta (60)

    perguntas foram dirigidas aos gestores da regulao: Coordenador da Central Regional

    de Regulao (CRR); Mdico Regulador da regio, Mdico Regulador do Hospital

    Municipal de Referncia Regional. Vinte e trs (23) foram feitas ao representante do

    maior hospital conveniado da regio e vinte (20) perguntas num roteiro diferenciado,

    mas com perguntas relacionadas ao roteiro geral, ao Presidente da Unimed e a gestora

    da Univida.

    Estes atores esto referidos, nesta pesquisa, como gestor estadual (GE), para

    aqueles vinculados estrutura estadual; gestor municipal (GM), quando vinculados

    estrutura municipal e ao consrcio; gestor privado (GP), quando vinculado ao hospital

    privado conveniado, UNIVIDA e UNIMED.

    A gestora da Univida foi selecionada pelo fato de essa empresa dispor de uma

    Associao que contempla os beneficirios desse plano e oferece meios de acesso ao

    servio particular de sade com descontos especiais. Dessa empresa, foram utilizadas

    apenas as informaes da gestora oferecidas no momento da entrevista, visto que,

    apesar de o beneficirio necessitar da autorizao da empresa para acessar o servio,

    no dispe ela de sistema de informaes sobre o quantitativo do servio utilizado. Por

    sua vez, o gestor da Unimed foi escolhido pelo fato de o setor privado tambm se

    constituir em objeto desta pesquisa e por dispor de convnio com duas unidades

    hospitalares pblicas desta regio de sade.

    A elaborao do roteiro de entrevistas, da planilha de coleta de informaes

    secundrias e a anlise de dados secundrios e documentais basearam-se em trs

    dimenses: Institucionalidade, Governana e Impactos da regionalizao. Para cada

    dimenso foram definidos indicadores conforme matrizes em anexo (Apndice B).

    A institucionalidade da regionalizao aqui entendida como todas as estratgias

    polticas e institucionais adotadas no perodo a que se refere o estudo. Ela foi analisada

  • 8

    a partir de subdimenses, cujo levantamento de informaes contemplou: o histrico, o

    desenho, as finalidades e escopo, as estratgias polticas, o planejamento, a regulao e

    o financiamento da regionalizao. Para anlise destas dimenses verificaram-se os

    objetivos pelas quais a regio foi organizada, a estrutura de funcionamento, a interface

    com outras polticas regionais do governo do estado, a capacidade de introduo e

    desenvolvimento de instrumentos de planejamento e regulao que contemplam as

    necessidades da regio e os mecanismos de financiamento e investimentos adotados

    para efetivar a poltica regional.

    A governana da regionalizao foi entendida neste estudo como um conjunto de

    regras governamentais voltadas para a ao coletiva que requer a diviso de poderes e o

    estabelecimento de relaes de atores pblicos e privados, com interesses

    diversificados, cujas negociaes podem resultar em objetivos comuns e redes entre as

    instituies, para governar num territrio complexo, um campo conformado por atores

    independentes, com dinmicas diferenciadas de governana e com grau variado de

    recursos e autonomia, porm institucionalizados e regulados. Tem como unidade de

    anlise o Colegiado de Gesto Regional (CGR), uma instncia de gesto, formado por

    representantes da SES/ERS e dos municpios que compem a regio de sade, objeto

    deste estudo. Na governana tambm se considerou o CIS, cujos gestores - prefeitos e

    secretrios de sade - compartilham interesses comuns e deliberam a poltica neste

    espao.

    Essa dimenso permitiu levantar informaes e analisar a diversidade dos atores

    envolvidos no processo de regionalizao, a forma de participao nas instncias

    colegiadas de negociao, o tipo de relao estabelecida entre os membros, as

    estratgias de interao governamental e entre atores de relevncia regional, os temas de

    consenso e influncias, os tipos de reunies e o processo decisrio. Verificou-se

    tambm o papel das instncias no CGR, o papel do CGR na formulao e

    implementao das polticas de regionalizao, os fatores que facilitam ou dificultam o

    funcionamento do CGR, a importncia e as influncias do setor privado na rede e o

    modelo de ateno sade do SUS na regio.

    A dimenso Impactos da regionalizao permitiu levantar informaes e analisar

    se houve mudanas e inovaes: no processo de regionalizao induzidas pela

    implantao do Pacto pela Sade; na atuao das instituies que integram o complexo

  • 9

    regional, SES, ERS, CIS; na conduo, gesto, organizao e funcionamento dos

    servios; na capacidade instalada e prestao de servios. Verificou-se tambm se o

    Decreto n 7508/2011 foi implantado.

    Foram considerados como fontes de informao todos os dados coletados na

    pesquisa estadual de interesse neste estudo de caso. Alm disso, levantaram-se

    informaes de documentos de gesto especficos da regio, como contratualizao com

    hospitais; laboratrios; clnicas especializadas e medicina diagnstica; Programao

    Pactuada e Integrada (PPI); Plano Diretor Regional (PDR), Plano Diretor de

    Investimentos (PDI); Termo de Compromisso de Gesto (TCG); atos e portarias da

    SES; resolues da Comisso Intergestores Bipartite (CIB)/Estadual; resolues e

    proposies do CGR; chamada pblica para contratualizao; Relatrios de Gesto do

    ERS, da CRR e CIS; Plano de trabalho do CIS; Sistemas de Informao (CNES, SIOPS,

    ANS, IBGE, SIA, SIH); atas do CGR; pautas do CGR; Plano Anual de Trabalho da

    SES; Plano Anual de Trabalho do ERS; planejamento do CIS; e outros registros de

    interesse do arquivo do ERS que permitiram apreender e dar resposta aos objetivos da

    pesquisa.

    Foram utilizadas as informaes das entrevistas e os dados secundrios para

    analisar como ocorreu o processo de implantao da regionalizao da sade, o

    processo decisrio, como as decises foram e so estabelecidas e cumpridas pelas

    instncias que fazem parte do complexo regional, o funcionamento do CGR, as relaes

    entre as instituies, os padres de relacionamento, o papel e influncias das instncias

    que fazem parte do complexo regional e as relaes pblico-privadas.

    Os mecanismos e instrumentos adotados no processo de regionalizao foram

    analisados por meio do PDR, PDI, PPI, Portarias, Decretos, pactos estabelecidos,

    contratualizaes, entre outros que permitiram fazer um inventrio do planejamento e da

    gesto regional da sade. A combinao destas informaes permitiu identificar a

    regionalizao, considerando o processo decisrio, os padres de relacionamento e o

    papel das instncias que fazem parte do complexo regional.

    Para caracterizar a regio de sade, utilizou-se a base populacional estimada pelo

    IBGE para os anos de 2000 a 2011. Os bancos de dados utilizados para o clculo dos

    indicadores foram providos pelo DATASUS. Alguns indicadores foram calculados e

    permitiram obter um diagnstico situacional da regio de sade, incluindo as

  • 10

    caractersticas socioeconmicas e demogrficas, a disponibilidade de servios de sade,

    a organizao da assistncia, a capacidade instalada dos servios de sade, indicadores

    de produo dos servios, recursos aplicados em sade e cobertura da sade

    suplementar.

    Os indicadores socioeconmicos e demogrficos utilizados foram: populao;

    razo de crescimento; densidade demogrfica; componentes do IDH (escolaridade,

    longevidade e renda); cobertura de abastecimento de gua, esgotamento sanitrio e

    coleta de lixo, PIB (agropecuria, indstria, servios e impostos).

    Foram tambm levantadas informaes sobre a organizao da assistncia e

    capacidade instalada dos servios de sade: UBS, unidades especializadas, servio de

    apoio diagnstico e terapia (SADT), hospitais e consultrios; cobertura do Programa de

    Sade da Famlia (PSF); disponibilidade de unidades de sade; leitos hospitalares por

    tipo de prestador, leitos SUS e no SUS por municpio, disponibilidade de profissionais

    vinculados e no vinculados ao SUS. Foi verificado o tipo de habilitao dos

    municpios antes do pacto.

    A oferta de servios na regio foi analisada pelas informaes do Cadastro

    Nacional de Estabelecimento de Sade (CNES), cujos dados esto disponveis no site

    do DATASUS. Foram levantadas informaes dos estabelecimentos de sade e seus

    equipamentos segundo a natureza jurdica, pblica ou privada, e sua relao com o SUS

    na regio. Em relao aos leitos, considerou-se como oferta pblica os de natureza

    pblica e aqueles privados contratados e/ou conveniados ao SUS. Em relao aos

    estabelecimentos privados, foram considerados exclusivamente privados aqueles que

    no estavam contratados ou conveniados ao SUS. Os hospitais de direito privado e

    geridos por organizao social ou entidade religiosa foram considerados pblicos.

    Os indicadores de produo dos servios analisados foram: AIHs por 100

    habitantes pagas por local de internao e local de residncia, percentual de

    atendimentos da ateno bsica aprovado e apresentado, percentual de atendimento da

    mdia e alta complexidade aprovado e apresentado.

    A relao entre o setor pblico e privado na regio foi analisada considerando o

    roteiro de entrevistas aplicado aos atores pblicos e privados que compem o complexo

    regulador desta regio, um bloco especfico com o intuito de investigar: 1) como foram

    estabelecidas estas relaes; 2) qual a influncia e funo do setor privado e as

  • 11

    repercusses no processo de regionalizao; 3) como ocorreu o processo de regulao

    governamental sobre o sistema complementar na regio, e se esta regulao interferiu

    no modelo de ateno; 5) se os arranjos que ocorreram corresponderam aos objetivos do

    sistema de sade e se trouxeram contribuies positivas ou negativas aos resultados da

    sade e ao desenvolvimento do sistema de sade.

    Os indicadores de financiamento do sistema de sade foram calculados com base

    no banco de dados do Sistema de Informaes de Oramentos Pblicos de Sade

    (SIOPS), entre eles o percentual de recursos municipais aplicados em sade (EC-29);

    despesas per capita sob responsabilidade municipal e despesas com recursos

    exclusivamente municipais.

    Para analisar os dados qualitativos, utilizou-se a tcnica de anlise de contedo,

    tendo como base as dimenses e as variveis constantes nas matrizes apresentadas no

    projeto estadual e neste estudo de caso regional. Todo material emprico levantado foi

    sendo submetido leitura, e buscou encontrar elementos e/ou respostas que permitiram,

    em face aos indicadores propostos para cada varivel, caracterizar e analisar o processo

    de regionalizao da sade neste espao regional.

    No desenvolvimento da pesquisa foi explicada aos gestores a importncia da

    assinatura de termo de cooperao e parceria na regio, visto que envolveria vrios

    segmentos, e os resultados seriam de interesse dos gestores. Os entrevistados tiveram

    suas entrevistas precedidas de assinaturas do Termo de Consentimento Livre e

    Esclarecida (Apndice B).

    Os quadros 1 a 3 resumem as matrizes completas de anlise por dimenso; a

    matriz completa encontra-se no apndice C.

  • 12

    Quadro 1 Matriz de anlise do processo de regionalizao na regio de Tangar da

    Serra, Estado de Mato Grosso - Dimenso Institucionalidade da regionalizao.

    SUB DIMENSES INDICADORES

    Histrico e desenho da

    regionalizao

    - Definio da regio de sade: limites, rea geogrfica, localizao,

    municpios integrantes, fatores determinantes, capacidade instalada e

    organizao da regionalizao.

    2-Finalidades e escopo

    da regionalizao

    - finalidades e foco da regionalizao; organizao da rede de servios de

    sade; implementao de polticas de sade regionalizadas.

    3-Estratgias polticas

    da regionalizao

    - interfaces, insero e lugar que ocupa na agenda poltica da SES e do

    Escritrio Regional de Sade, estratgias regionais.

    4-Planejamento e

    regulao da

    regionalizao

    - existncia de instrumentos de planejamento regional de sade, influncias

    na regulao; organizao antes e depois do pacto; problemas/ conflitos:

    planejamento e regulao intra e inter-regional.

    5-Financiamento da

    regionalizao

    existncia de recursos e incentivos regionalizao; programao

    distribuio de recursos financeiros compatveis com a regionalizao;

    existncia de fundos regionais de recursos.

    FONTE: Elaborao prpria com base na Matriz de referncia para elaborao de instrumentos de coleta

    e anlise de informaes da pesquisa Avaliao Nacional das Comisses Intergestores Bipartites (CIBS):

    as CIBS e os modelos de induo da regionalizao no SUS (Viana et al., 2010).

    Quadro 2 Matriz de anlise do processo de regionalizao na regio de Tangar da

    Serra, Estado de Mato Grosso-Dimenso Governana da regionalizao. SUB DIMENSES INDICADORES

    Estruturas de

    integrao e gesto

    regional

    - existncia de instncias de planejamento e gesto governamental na regio;

    - CGR, consrcio intermunicipal, estruturas de representao regional da

    SES, CIES, cmaras tcnicas e outros; caractersticas, finalidades, papel, e

    contribuio das instncias regionais no processo de regionalizao;

    existncia de recursos financeiros disponveis para instncias regionais.

    O Papel do CGR na

    regionalizao

    existncia de estratgias de interao governamental no CGR;

    influncias e papel do CGR na formulao e implementao das polticas de

    regionalizao; fatores que facilitam ou dificultam o funcionamento do

    CGR.

    Relaes Intergoverna-

    mentais

    tipos de relaes entre os membros do CGR, ERS, CIES, Consrcio

    Intermunicipal de Sade (CIS); relaes da CIB/Estadual com CGR, ERS,

    CIES; relaes do CGR com outros atores de relevncia regional.

    Relaes Pblico-

    privada

    participao e influncias do setor privado na rede e modelo de ateno

    sade do SUS na regio; critrios na definio das referncias na regio de

    sade; atores e estruturas do setor pblico e privado na regio; relaes

    estabelecidas entre o pblico e privado e objetivo do SUS; participao do

    setor privado no processo de planejamento e gesto da regionalizao;

    organizao, funcionamento e conflitos na regulao; existncia de

    mecanismos de controle, avaliao e auditoria sobre o sistema

    complementar.

    FONTE: Elaborao prpria com base na Matriz de referncia para elaborao de instrumentos de coleta

    e anlise de informaes da pesquisa avaliao nacional das Comisses Intergestores Bipartites (CIBS):

    as CIBS e os modelos de induo da regionalizao no SUS (Viana et al., 2010).

  • 13

    Quadro 3 Matriz de anlise do processo de regionalizao na regio de Tangar da

    Serra, Estado de Mato Grosso-Dimenso Impactos da regionalizao.

    SUB DIMENSES INDICADORES

    1-Mudanas

    Institucionais

    estratgias e mudanas observadas com implantao do pacto pela

    sade; processo de implantao do decreto 7508;- Mudanas observadas

    em relao aos poderes regionais existentes; - avanos, dificuldades e

    desafios do processo de regionalizao.

    FONTE: Elaborao prpria com base na Matriz de referncia para elaborao de instrumentos de coleta

    e anlise de informaes da pesquisa avaliao nacional das Comisses Intergestores Bipartites (CIBS):

    as CIBS e os modelos de induo da regionalizao no SUS (Viana et al., 2010).

    Alm do que consta na introduo, o presente trabalho est organizado em sete

    captulos e as consideraes finais.

    O capitulo 1 Federalismo e regionalizao no Brasil aborda as caractersticas

    do federalismo brasileiro, considerando que a partir da CF de 1988, a unio, os estados e

    os municpios passaram a lidar com a soberania e autonomia federativa que alterou as

    relaes intergovernamentais. Evidencia que: o SUS foi criado num pas federativo com

    heterogeneidade na extenso e diversidade dos territrios socioeconmicos, com

    desigualdades regionais, culturais e politicas; e que as federaes so marcadas pela

    diversidade e pelo conflito, por cooperao e competio, mas que de forma coordenada

    podem estabelecer relaes de equilbrio e interdependncia.

    A formao de arranjos para a gesto compartilhada requer atos jurdico-

    administrativos e a constituio de regies, conforme define o Pacto pela Sade, uma

    alternativa que facilita aos gestores implementar polticas pblicas que abarcam a

    complexidade e diversidade do territrio. Neste sentido discutem-se os mecanismos

    institucionais da implementao do SUS na dcada de 1990 e a importncia da

    coordenao da esfera estadual na conformao de arranjos regionais de forma a evitar

    os conflitos intergovernamentais, e at mesmo comportamentos predatrios entre os

    entes federativos.

    O capitulo 2 Institucionalidade e Governana no territrio faz uma discusso

    terica quanto ao papel do Estado na formulao de polticas pblicas que possam

    assegurar o direito constitucional sade. O arcabouo poltico-institucional do SUS

    conforma um sistema complexo, implica em mudanas no poder, redefiniao das

    relaes entre as esferas de governo; entre estado e sociedade, e estado e mercado e

    requer sustentabilidade estrutural. Com o Pacto pela Sade, a governana que est

    relacionada forma como o governo exerce o seu poder e a sua capacidade

  • 14

    organizativa, ganha espao no debate e se materializa nos espaos de gesto colegiada,

    existentes nos complexos regionais. Nestes espaos so pactuadas regras para prover de

    forma corresponsvel os servios da rede de ateno sade regionalizada. Esses

    servios contam com a participao privada, e resultam em relaes complexas

    construdas desde o inicio da configurao do sistema de sade brasileiro.

    No capitulo 3 O Estado de Mato Grosso e a regio de Tangar da Serra,

    apresentam-se as caractersticas do estado que constitudo por 141 municpios, a

    maioria deles (80,1%) com menos de 20.000 habitantes e com forte dependncia do

    governo federal e estadual para implementar o SUS. As caractersticas do sistema de

    sade indicam a importncia da implementao da poltica de sade regionalizada para

    suprir de forma equnime as necessidades da populao e garantir o seu acesso rede

    de ateno sade. A regio objeto deste estudo apresenta deficincias na sua

    capacidade instalada, desigualdades entre os municpios que dependem do estado para

    implementar a politica de sade regionalizada.

    O capitulo 4 As estratgias de regionalizao no Estado e na regio de Tangar

    da Serra mostra que o complexo regional iniciou sua estruturao na dcada de 1980,

    quando a regio foi instituda pela SES. Antes da implantao do Pacto pela Sade a

    SES criou novas regies de sade e implantou em todas elas as bases institucionais da

    regionalizao. Apresenta como a SES se organizou para implementar o Pacto pela

    Sade. Nesta regio, 100% dos gestores assinaram o TCGM.

    O capitulo 5 O complexo e a institucionalidade da regionalizao na regio de

    Tangar da Serra mostra que a politica de sade regionalizada, mesmo instituda em

    instrumentos de planejamento do governo do estado e da SES, nesta regio no contou

    com os recursos necessrios para sua implementao. A regio enfrenta dificuldades de

    acesso. A insuficincia da capacidade instalada pblica e as alternativas encontradas

    configuraram um forte mix pblico-privado na regio. A regulao da assistncia

    frgil no estado e na regio e esta precisa constituir rede de ateno pblica integrada e

    resolutiva, que responda pelas necessidades da populao para se tornar autnoma de

    fato.

    No capitulo 6 Governana do processo de regionalizao, o relato dos

    gestores explicita claramente que a falta de uma rede de ateno estruturada nesta regio

    mantm problemas que produzem iniquidades, resultam em comportamentos que

  • 15

    expressam os interesses de cada gestor e geram fragmentao e descontinuidade do

    cuidado sade, ameaando a governana. So indicativos que alertam para o

    comprometimento e as repercusses desfavorveis para o processo da regionalizao da

    sade nesta regio.

    O capitulo 7 Deciso e intersetorialidade evidencia que as decises tomadas

    pelos entes federativos e demais atores que compem o complexo regional ocorrem no

    CGR. Este, que deveria ser um espao de gesto e busca de encaminhamentos

    compartilhados para a soluo dos problemas coletivos da regio, tem se transformado

    num campo de tenses e disputas. O atraso frequente nas transferncias dos incentivos

    estadual para os municpios, a falta de estrutura pblica na regio e a solicitao de

    tabelas de valores complementares pelo setor privado tm tensionado a tomada de

    decises e desmotivado o gestor a participar deste processo.

    As Consideraes Finais descrevem as evidncias do estudo considerando os

    objetivos propostos e apontam desafios para a implementao da politica de sade

    regionalizada.

  • 16

    2 Federalismo e regionalizao

    no Brasil

  • 17

    2 FEDERALISMO E REGIONALIZAO NO BRASIL

    Com a Constituio Federal de 1988, a estrutura federativa brasileira passou a

    contar com a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios, como entes

    federativos autnomos (Brasil, 1988). A organizao poltico territorial dos estados

    federativos uma forma inovadora de se lidar com o poder e a soberania, considerando

    as heterogeneidades dos territrios (Abrucio, 2002). A singularidade do modelo federal

    est na maior horizontalidade entre os entes.

    As federaes so marcadas pela diversidade e pelo conflito, por cooperao e

    competio. Neste sentido um arranjo federativo uma parceria, um pacto que se

    estabelece entre unidades territoriais, que divide poder com respeito mtuo, sem que os

    direitos sejam retirados dos pactuantes subnacionais. De forma coordenada, as

    federaes podem estabelecer relaes de equilbrio e interdependncia entre eles

    (Abrucio, 2002).

    A estruturao federativa brasileira inspirou-se no modelo norte-americano, mas a

    conformao foi diferente e antes de tornar-se uma federao passou por conflitos entre

    o Poder Central e as elites regionais. Partiu-se de um Estado Unitrio muito centralizado

    para um modelo descentralizado de poder. Passou por ciclos de centralizao e

    consolidao do estado nacional, sucedidos de descentralizao do poder, processo que

    gerou desigualdades significativas entre os estados brasileiros.

    Aps o golpe de Estado de 1964, o regime militar fortaleceu o modelo unionista,

    marcado pelo modelo de relaes intergovernamentais autoritrias e verticais. Os

    governos subnacionais tinham que seguir obrigatoriamente os planos da Unio, sob a

    ameaa de, nos casos de recusa, ficar sem as verbas. A autonomia poltica e

    administrativa s foi recuperada com as eleies diretas a governador em 1982

    (Abrucio, 2002).

    As bases do Estado Federativo do Brasil foram recuperadas nos anos 80 e

    fortaleceram os governos estaduais nessa dcada (Abrucio, 2005). O processo de

    democratizao e descentralizao fiscal contemplado na Constituio de 1988 alterou

  • 18

    as relaes intergovernamentais e cada nvel de governo passou a ser uma autoridade

    poltica e soberana.

    O SUS foi criado nesse contexto, um pas federativo com heterogeneidades na

    extenso e diversidade dos territrios socioeconmicos, com desigualdades regionais,

    culturais e politicas (Abrucio, 2002), cujos preceitos constitucionais de 1988

    contemplam que cabe a cada ente federativo a responsabilidade por organizar tal

    sistema e de forma compartilhada a assegurar e viabilizar a integralidade da ateno

    sade ao individuo.

    No inicio do processo de descentralizao, o papel do governo federal limitava-se

    a um repasse de funes aos demais entes federados, no havia por parte desse nvel de

    governo iniciativas no sentido de compartilhar tarefas. Os governos estaduais

    encontravam-se numa situao de indefinio de suas competncias em relao ao SUS,

    e os municpios, entes federativos com o mesmo status jurdico que os estados e a unio,

    assumindo novas funes e procurando encontrar o seu papel.

    Nesse perodo, os estados estavam com a base de sustentao fiscal enfraquecida,

    e o governo federal, com tendncia recentralizadora fiscal e poltica. Essa situao

    contribuiu para desencadear um federalismo predatrio ou como denominado por

    Abrucio (2002) compartimentalizado, onde cada nvel de governo procura o seu papel

    especfico, ao mesmo tempo no h por parte do governo federal uma coordenao

    intergovernamental. No campo das polticas pblicas, esse cenrio afetou o processo de

    descentralizao, em especial num pas como o Brasil com regies federativas to

    heterogneas.. A condio federalista consegue manter a estabilidade social e ameniza

    as heterogeneidades regionais (Abrucio, 2002).

    No mbito municipal a descentralizao e implementao do SUS gerou um

    municipalismo autrquico, acentuou os problemas das relaes intermunicipais e no

    incentivou a cooperao. Alm disso, desencadeou ao longo desse processo competio

    entre os nveis de governo, na medida em que os municpios concorrem entre si pelo

    dinheiro pblico dos demais nveis de governo. Em algumas situaes chegam a

    repassar seus custos a outros entes, atravs do encaminhamento de seus muncipes para

    fazerem uso dos servios de sade de outros municpios (Abrucio, 2002), sem a devida

    pactuao.

  • 19

    Entre as diretrizes do SUS, a regionalizao da sade contemplada no artigo 198

    da Constituio Federal de 1988, uma das estratgias da sua implementao, que

    contempla tambm a descentralizao, mas o xito deste processo depende da realizao

    de responsabilidades compartilhadas pelos trs entes federativos, e de aes especficas

    e inerentes de cada territrio. Teoricamente supe-se que, se cada ente federativo

    desempenhar o seu papel, o processo estar garantido, mas estas relaes no so to

    simples, so complexas e se constituem em desafios para os gestores.

    Com a descentralizao, a Unio a responsvel pelo financiamento, pela

    formulao1 da poltica nacional de sade e coordenao das aes intergovernamentais.

    Atravs do Ministrio da Sade, o governo federal tem autoridade para tomar as

    decises mais importantes nesta poltica setorial e definir regras para a poltica nacional,

    mas a formulao das polticas de sade deve contar com a participao de conselhos

    que representam estados e municpios (Arretche, 2004).

    Os princpios da universalidade, integralidade e equidade, bem como os da

    descentralizao, hierarquizao e participao da comunidade no SUS fortalecem o

    governo local e independentemente do porte municipal, requerem capacidade de gesto,

    planejamento integrado, regulao do sistema, e construo de redes assistenciais que

    atendam as necessidades de sade da populao considerando a integralidade da ateno

    sade. Alm disso, requerem a implantao de conselhos de sade de forma a

    legitimar a participao da comunidade.

    Um sistema de sade com os princpios acima citados requer por parte dos

    governos, a formao de arranjos para a gesto compartilhada, integrada e organizada

    de forma a no ferir os princpios bsicos do federalismo, entre eles a autonomia, o

    respeito mtuo e os direitos dos governos subnacionais (Abrucio, 2002).

    Para legitimar esses princpios, necessrio que os servios de sade contemplem

    integralmente as necessidades de sade da populao em todos os nveis de ateno e

    isso representa para a maioria dos municpios custos superiores sua capacidade

    financeira. Muitos deles encontram-se em situaes que requerem melhoria na

    1 No processo de formulao de polticas pblicas, h o envolvimento de muitos segmentos que no o

    governo, como os grupos de interesse, as classes sociais e outros, mas h tambm uma autonomia

    relativa do Estado, que gera determinadas capacidades e cria as condies para a implementao

    das polticas publicas (Souza, 2007 p.72).

  • 20

    infraestrutura, contratao de profissionais especializados e aquisio de equipamentos,

    para oferecer servios de sade (Abrucio, 2002).

    Embora o federalismo pressuponha autonomia de seus entes federativos

    autnomos, prover servios que respondam integralidade contemplada no SUS, requer

    atos jurdico-administrativos compartilhados (Santos e Andrade, 2011). A constituio

    de regies, conforme define o Pacto pela Sade, uma alternativa que facilita aos

    gestores implementar polticas pblicas que abarcam a complexidade e diversidade do

    territrio. Requer arranjos cooperativos e compartilhamento de responsabilidades para

    otimizar os custos e ampliar a oferta para que sejam alcanados os objetivos e princpios

    do SUS.

    O conceito de regio no nico e vrias correntes de pensamento tm

    contribudo para aprofundar os estudos e conformar um conceito totalizador capaz de

    abarcar a complexidade do que vem a ser uma regio. A regio ligada idia de espao

    geogrfico surgiu com os postulados de Immanuel Kant, no momento em que foram

    criadas as escolas de geografia na Frana e na Alemanha, no final do sc. XIX. Neste

    perodo, com base nos princpios positivistas do sculo XVIII, afirmou-se que o

    fundamento da geografia o espao geogrfico, que constitui a parte essencial da

    histria dos homens. Para Kant no espao que estabelecemos relaes entre os fatos

    exteriores a ns, o espao condio de toda experincia dos objetos e no pode ser

    percebido empiricamente, porque o simples ato de situarmos alguma coisa "fora" de ns

    j pressupe a representao do espao pode-se pensar o espao sem coisas, mas no

    as coisas sem o espao. Segundo Kant, nada pode ser representado sem espao (Santos,

    2009, p.186).

    Na Alemanha, o conceito de destaque foi de regio natural divulgado por Ratzel,

    que defendia que a existncia das diferenciaes regionais estava vinculada ao poder

    que a natureza exercia sobre o homem, chegando ao ponto de determinar seu

    comportamento (Fonseca, 1999, p.91).

    Esse conceito recebeu muitas crticas da corrente francesa de Vidal de La Blache,

    que entendia a regio enquanto entidade concreta, existente por si s, um dado puro

    da natureza que diante da interao homem-meio pode tornar-se singular, pois a cultura

    do homem pode influenciar a natureza e transformar a regio. Para La Blache, ao

  • 21

    gegrafo caberia apenas a tarefa de delimitar e descrever a regio (Fonseca, 1999,

    Carvalho, 2002, p.138).

    A corrente de pensamento de Vidal de La Blache defende a regio como uma

    realidade fsica, uma referncia para a populao que l vive. Insere o elemento humano

    na caracterizao da paisagem regional e produz um conceito de regio diferente

    daquele de regio natural. Com o seu posicionamento a relao homem-meio pela

    primeira vez agregado na riqueza da anlise regional (Carvalho, 2002).

    Na Inglaterra e nos EUA tambm foram realizados estudos sobre regio. Na

    dcada de 1950, apoiados no positivismo lgico, os estudos regionais sofrem mudanas.

    Na nova concepo a regio deixa de ser um objeto concreto de anlise para se

    transformar numa criao intelectual (Fonseca, 1999 p.92). Na nova geografia uma

    nova teoria apresentada por Hartshorne a regio no uma realidade evidente, dada,

    a qual caberia apenas ao gegrafo descrever. A regio um produto mental, uma forma

    de ver o espao que coloca em evidncia os fundamentos da organizao diferenciada

    do espao. No entendimento de Hartshorne, as regies possuem aspectos que so

    singulares na sua espacialidade e o enfoque regional de cada pesquisador implica numa

    produo mental, uma forma concebida de regio (Santos, 2009 p.189).

    Opondo-se ao conceito de regio concreta de Vidal de La Blache, Hartshorne

    enfatiza a regio como uma criao intelectual, visto que com o uso de tcnicas

    estatsticas e afastadas do trabalho de campo, pode-se construir regies administrativas,

    cristalizadas no tempo e no espao. Esta teoria sofre crticas, entendida como a-

    histrica, no considera na regio os processos sociais, a existncia do tempo, suas

    qualidades essenciais e gera rupturas. Novas correntes so expressas a partir dos anos

    70, quando se considera que, diante dos problemas urbanos enfrentados, essa geografia

    quantitativa no conseguiria compreender os fenmenos espaciais em sua plenitude

    (Fonseca, 1999; Carvalho, 2002).

    Com as crticas, a geografia embasada no positivismo chega ao fim, e a partir da

    dcada de 70 as bases tericas e conceituais referentes anlise regional so

    fundamentadas no materialismo histrico e dialtico e nas geografias humanista e

    cultural (Fonseca, 1999).

    Surgem as correntes de base marxista e fenomenolgica que, de forma comum,

    preocupam-se com a ausncia do carter social na geografia atual e entendem o espao

  • 22

    como o lcus da reproduo das relaes sociais de produo. Assim uma nova

    geografia vai se estruturando e valorizando os temas histricos e culturais, cuja vertente

    tinha se perdido no paradigma quantitativo (Carvalho, 2002).

    A corrente humanista incorporou o espao vivido na anlise regional, defendendo

    que para compreender a regio necessrio viver na regio. Segundo Ribeiro (1993) a

    regio como espao vivido pode ser definida como:

    Uma poro territorial definida pelo senso comum de um determinado grupo social,

    cuja permanncia em uma determinada rea foi suficiente para estabelecer

    caractersticas muito prprias na sua organizao social, cultural e econmica. Este

    espao , portanto socialmente criado e vai se diferenciar de outros espaos vizinhos por

    apresentar determinadas caractersticas comuns que so resultantes das experincias

    vividas e historicamente produzidas pelos prprios membros das suas comunidades

    (Ribeiro, 1993, apud Carvalho, 2002, p.146).

    Com a crise da modernidade e o nascimento da chamada ps-modernidade,

    ocorrem mudanas no conceito de regio, o momento da pluralidade. Se antes as

    cincias baseavam-se na filosofia iluminista, na racionalidade, na objetividade, na

    cientificidade e nas leis universais, agora buscam o relativismo, a subjetividade, a

    heterogeneidade e a fragmentao. So essas caractersticas que identificam a

    contemporaneidade, que plural (Carvalho, 2002).

    Durante muito tempo, a regio foi entendida como uma entidade autnoma,

    limitada ao enfoque da localizao, com poucas relaes entre si. Com a globalizao as

    regies passaram a estar interligadas e interdependentes, com diferenas que emergem

    naturalmente, no se explicando apenas pelo seu contedo interno, mas pelo territrio

    que tem uma historia e que est em contnua renovao (Santos, 1988).

    Os estudos das regies, segundo Santos (1988), devem contemplar: a organizao,

    o social, o poltico, o econmico, o cultural, os fatos concretos. Conhecendo estas

    questes possvel identificar como a regio est inserida no cenrio econmico, o que

    existe e o que novo, e assim captar o elenco de causas e consequncias do fenmeno.

    Para este autor, o espao constitudo por um conjunto indissocivel de arranjos, de

    objetos geogrficos, objetos naturais e objetos sociais, e a vida que os preenche e os

    anima, ou seja, a sociedade em movimento. Portanto, o espao usado por todos, de todas

    as existncias, sinnimo de espao humano (Santos, 1988).

  • 23

    Para ter valor e compreender o espao vivido e as transformaes que nele

    ocorrem necessrio analisar em conjunto as variveis interdependentes que compem

    o territrio e a sua historia. A anlise e compreenso da totalidade somente sero

    possveis se for considerado no apenas o lugar, que no se explica por si, mas a historia

    das relaes, dos objetos sobre os quais se do as aes humanas (Santos, 1988).

    O espao vivido pode ser entendido como a rede de manifestaes da

    cotidianidade desse sistema em torno da intersubjetividade que so, por sua vez, as

    redes nas quais se constituem as existncias individuais no trabalho, na escola, na

    famlia, nas outras diversas formas da vida societria (Rego e Reffatti, 2004, p.78).

    O espao geogrfico prova a existncia, o quadro de referncias convencional-

    latitude e longitude. As variveis podem mudar de um perodo para outro, mas se

    analisadas num dado corte temporal sua funo e seus valores permanecem inalterados

    do olhar escalar. importante considerar a escala geogrfica que se refere concepo

    geomtrica e a escala temporal que se refere ao tempo, mas pessoas que habitam este

    espao so seres em metamorfose e so capazes de influenciar a mudana social

    (Santos, 2000).

    Neste sentido o espao geogrfico entendido como sinnimo de territrio usado,

    e visto como uma totalidade um campo privilegiado para a anlise, na medida em

    que, de um lado, nos revela a estrutura global da sociedade e, de outro lado, a prpria

    complexidade do seu uso (Santos, 2000, p.108).

    Assim, para entender como ocorrem e se do as relaes no interior do espao

    geogrfico, deve-se buscar a viso totalizadora da realidade concreta, que considera a

    totalidade das causas e dos efeitos do processo scio territorial. O desafio entender

    como est constitudo, ou seja, o que, como, onde, quando, por quem e para que o

    territrio usado. preciso entender o contexto, reconhecer as heranas, as

    intencionalidades, qualificar e quantificar os elementos, os atores e seus

    comportamentos e como as relaes ocorrem entre estes elementos. identificar o que

    novo e verificar se est em harmonia com o que j existia. Se analisado nesta concepo

    possvel vislumbrar no territrio sua transformao2 no tempo e no espao (Silveira,

    2011).

    2 a funcionalizao dos eventos no lugar que produz uma forma, um arranjo, um tamanho do

    acontecer, que no instante seguinte, cria outra funo outra forma e, por conseguinte, outros limites.

    Muda a extenso do fenmeno porque muda a constituio do territrio: outros objetos, outras

  • 24

    Partindo do pressuposto de que o espao geogrfico tambm compreendido

    como espao usado, constitudo por um arranjo de objetos materiais e imateriais, pode-

    se compreender a regio como fato e como ferramenta. A regio como fato independe

    das foras econmicas e polticas que dominam o territrio; a regio tal como foi

    delimitada, com sua histria, seus conflitos, suas tenses diante dos processos de

    modernizao territorial (Ribeiro, 2004, apud Viana et al., 2008).

    A regio como ferramenta entendida como aquela que resulta da ao

    hegemnica da conjuntura em que est circunscrita, ou seja, das foras econmicas e

    polticas que dominam o territrio. Nela so criadas as condies para a implementao

    de polticas construdas e reconstrudas por aes verticais para atender os interesses de

    alguns setores da economia. Muitas vezes os atores hegemnicos mudam as condies

    materiais e organizacionais do territrio, para que ele se ajuste sua convenincia ou

    utiliza as condies antigas de forma a garantir a viabilidade das aes na regio

    (Ribeiro, 2004, apu: Viana et al., 2008).

    No Brasil a diviso das regies ocorreu em 1941, atravs do IBGE, cuja base de

    organizao dos dados censitrios utilizou o conceito de regio natural, introduzido pelo

    professor Delgado de Carvalho em 1913. Posteriormente, para fins administrativos,

    foram modificadas para atender aos limites das unidades polticas que dividiam o pas,

    resultando nas grandes regies naturais: norte, nordeste, leste, sul e centro-oeste que

    foram redefinidas conceitualmente e modificadas em 1967 e em 1991 e utilizadas nos

    estudos censitrios (Guimares, 2005).

    Posteriormente as modificaes de diviso propostas pelo IBGE utilizaram a da

    corrente do gegrafo Richard Hartshorne da escola americana, que considerava a regio

    no como uma realidade dada, mas uma construo intelectual, um produto mental que

    pode torn-la uma regio administrativa. Este entendimento estava em consonncia com

    os objetivos dos tcnicos do IBGE, responsveis pelo planejamento territorial do pas.

    Mais tarde, sob a influncia da escola francesa de Vidal de La Blache, passou-se a

    acreditar que o espao poderia ser organizado de forma mais harmoniosa e equilibrada

    atravs do planejamento regional, da o termo geografia ativa destacando o sentido de

    uma geografia da ao que projeta a regio como objeto de interveno. Ainda que

    implicitamente, a diviso regional do IBGE considere a regio como um espao de

    normas convergem para criar uma organizao diferente. Muda a rea de ocorrncia dos eventos

    (Santos, 1996, apud: Silveira, 2004, p.90).

  • 25

    interveno do estado e a totalidade espacial como um somatrio das partes e deixa de

    considerar as variveis mais significativas para a identificao de suas caractersticas

    mais homogneas. Para o IBGE, cabe ao planejador reconhecer a regio, descrev-la e

    tornar claros os seus limites (Guimares, 2005, p.1020).

    A regio, entendida como sinnimo de territrio usado, precisa considerar a

    interdependncia e a inseparabilidade entre a materialidade e a ao, isto , o trabalho e

    a poltica (Silveira, 2011, p.156), ou seja, a natureza e o seu uso, que inclui a ao

    humana. Nesse sentido, preciso examinar os fixos e os fluxos. Os fixos, entendidos

    como as vias de acesso: estradas, ferrovias, telecomunicaes, reas agrcolas e outras, e

    os fluxos, como aquilo que mvel, como o transporte, o dinheiro, a informao e as

    ordens. Esses fluxos de diversas naturezas tm deixado os lugares mais prximos (ou

    no) uns dos outros.

    Na sade a discusso sobre a organizao e disposio dos servios mdicos e

    afins para uma dada regio aparece em 1920, quando Dawson apresentou por

    solicitao do governo da Gr-Bretanha a proposta de organizao da proviso de

    servios que deveriam estar disposio dos habitantes de uma dada regio. Segundo

    esse relatrio era indispensvel uma nova organizao, por razes de eficincia, que

    conjugasse esforos, e que deveriam concentrar-se numa nica autoridade de sade para

    supervisionar a administrao local de todos os servios. Tambm sugeriu que fossem

    criados conselhos consultivos mdico locais.

    Para Dawson, qualquer plano de servios mdicos, preventivos e curativos, deve

    ser acessvel a todas as classes da comunidade; adaptar-se s diversas condies locais e

    compreender todos aqueles servios mdicos que so necessrios para a sade da

    populao. Para ele os servios mdicos de diferentes nveis de complexidade e servios

    complementares devem estar interligados e instalados considerando a distribuio da

    populao e os meios de comunicao (Dawson, 1920, V). A proposta de Dawson faz

    referncia quanto importncia de se organizar servios e redes de ateno, que

    contemplem as necessidades da populao com comando nico em uma regio.

    Embora contemplada na constituio vigente, inicialmente o processo de

    descentralizao do SUS no considerou a regio, utilizou estratgias para reorganizar

    as prticas de sade no nvel local, primeiro como distrito sanitrio-1988-1993,

    depois como sistema municipal de sade -1993-2000 (Teixeira, 2002, p.154).

  • 26

    Com a edio das Normas Operacionais Bsicas, no inicio da dcada de 1990,

    foram definidos: critrios e mecanismos de repasses financeiros entre unio estados e

    municpios; instrumentos de prestao de contas e de acompanhamento das aes de

    sade; e criados a Comisso Intergestores Tripartite-CIT e a Comisso Intergestores

    Bipartite-CIB na NOB/93. Esta conduo foi estruturante no processo de

    descentralizao, permitiu ao gestor ter clareza quanto aos custos e benefcios no

    cumprimento dos critrios de repasse de recursos financeiros (MS, 1993).

    A NOB/96 instituiu a redistribuio de recursos financeiros por meio de

    transferncias per capita, do Piso da Ateno Bsica (PAB) fixo e varivel, da PPI, do

    incentivo aos municpios que optassem por um modelo de ateno que contemplasse o

    Programa de Sade da Famlia-PSF. Entre seus postulados, a NOB/96, refora a

    necessidade de cooperao tcnica e financeira dos Estados e da Unio, com

    responsabilidade conjunta na gesto do SUS em suas respectivas competncias (Barreto

    e Silva, 2004).

    As NOB foram importantes na descentralizao e estruturao dos sistemas locais

    de sade e tambm aumentaram a autonomia dos gestores, mas as situaes de

    desigualdade dos municpios continuaram presentes, em especial pela ausncia da esfera

    estadual como coordenadora ativa do processo. A experincia dos gestores na

    estruturao e conduo dos sistemas locais de sade foi fundamental para aprofundar

    os debates quanto necessidade de conduzir a poltica de forma regionalizada, uma vez

    que os limites da municipalizao autrquica j eram evidentes. Essa situao foi

    amenizada pela criao e funcionamento da CIB, instncia constituda por gestores

    estadual e municipais, espao de discusso do processo de implementao e conduo

    da poltica estadual.

    Para Viana et al. (2010) o processo de municipalizao at a dcada de 1990,

    trouxe resultados positivos, entre eles: a expanso do acesso sade, a ampliao da

    cobertura dos servios, a incorporao de prticas inovadoras na gesto e na assistncia;

    a incorporao de novos atores e o aumento do financiamento pblico em sade por

    parte dos estados e municpios. Mas, a descentralizao nesse perodo privilegiou os

    municpios, e no valorizou o papel das Secretarias Estaduais de Sade na conformao

    de arranjos regionais, resultando em intensos conflitos intergovernamentais,

    competio, interesses divergentes e at mesmo comportamentos predatrios entre os

  • 27

    entes federativos. As estratgias de descentralizao at ento utilizadas no foram

    suficientes para evitar os conflitos, fortalecer o compartilhamento e os mecanismos de

    coordenao e cooperao intergovernamentais, de forma a favorecer o equilbrio entre

    os pactuantes e amenizar os conflitos (Viana et al., 2010; 2011).

    Naquele perodo, cada municpio trabalhava separado dos demais, e os problemas

    no eram vistos como de micro ou macrorregio (Abrucio, 2005). Tambm foi na

    dcada de 1990 que novos atores foram inseridos no interior da poltica de sade, como

    os Consrcios Intermunicipais de Sade, que foram valorizados em relao

    conformao dos sistemas locorregionais, mas no ganharam espao formal nas

    instncias governamentais, como nas Comisses Intergestores (Viana et al., 2008). De

    natureza privada, os Consrcios Intermunicipais de Sade, facilitaram o acesso do

    usurio, mas muitos deles contriburam para a fragmentao do sistema de sade no

    recorte regional, que no contou com iniciativas de regulao.

    Neste contexto, as relaes passaram a ocorrer diretamente entre a unio e os

    municpios, e os problemas enfrentados pelos gestores municipais ficaram mais

    explcitos, mostrando os limites da municipalizao e a necessidade de rediscutir o

    modelo de gesto. A importncia da coordenao das instncias estaduais na regulao

    e na organizao de redes assistenciais regionalizadas torna-se mais expressiva e as

    discusses acerca da regionalizao como estratgia de conduo da politica de sade

    ganham espao na agenda dos implementadores da politica (Gadelha, 2011).

    A regionalizao, contemplada na Constituio de 1988 como estratgia de

    organizao das aes e servios pblicos de sade, juntamente com a descentralizao

    e hierarquizao, insere-se na agenda do gestor com a edio da Norma Operacional de

    Assistncia a Sade em 2001 e 2002. Esta norma foi debatida e consensuada entre o

    Ministrio da Sade e instncias de representao de gestores: Conselho Nacional de

    Sade, Conselho Nacional de Secretrios Estaduais de Sade/CONASS e de Secretrios

    Municipais de Sade/CONASEMS (Souza, 2001) e estabelece estratgias de

    planejamento para a constituio de redes regionais de sade.

    Na NOAS 01/02, a regionalizao definida como uma macroestratgia que deve,

    entre outros aspectos, contar com a coordenao dos governos estaduais; otimizar os

    recursos disponveis; fortalecer a capacidade de gesto do SUS; viabilizar o

    planejamento de sistemas de sade construdos de forma integrada; conformar redes

  • 28

    articuladas e cooperativas circunscritas a territrios delimitados pelo grau de

    complexidade tecnolgica dos servios existentes entre municpios que compem a

    regio. Deve ainda definir a populao adscrita, os fluxos e contra fluxos que garantam

    a equidade ao usurio e seu acesso aos nveis de complexidade necessria para a

    resoluo de seus problemas (MS, 2002a).

    Entre as diretrizes da NOAS destacam-se: os gestores estaduais como

    coordenadores da estruturao de redes regionalizadas, a elaborao do Plano Diretor de

    Regionalizao (PDR), a Programao Pactuada e Integrada (PPI), e a definio dos

    mdulos assistenciais. Com a implantao da PPI, o estado passa a coordenar os pactos

    intermunicipais, por meio das instncias regionais que, fortalecidas, passam a regular o

    sistema, com adequao de critrios e mecanismos, para a oferta e a demanda de

    servios com base nos fluxos de acesso s referncias (Barreto e Silva, 2004).

    A NOAS3 incentivou a construo de redes de servios de sade alm dos limites

    territoriais dos municpios; estabeleceu mdulos assistenciais constitudos por um ou

    mais municpios, com capacidade de ofertar populao adscrita procedimentos do

    primeiro nvel de referncia para apoio ateno primria; definiu as caractersticas do

    municpio sede do modulo assistencial, do municpio polo e as microrregies e regies

    de sade consideradas como a base de planejamento integrado e regionalizado da

    unidade da federao (MS, 2001).

    A NOAS contemplou o planejamento integrado entre os municpios e o estado,

    com a participao ativa das estruturas de conduo nas regies de sade. No entanto a

    sua conduo no considerou a dinmica do territrio, no sentido de estimular os atores

    a recriar os espaos, considerando as especificidades da regio, a complexidade dos

    problemas sociais e a necessidade da articulao intersetorial para intervir sobre os

    problemas.

    A regionalizao contemplada na NOAS no trouxe avanos significativos para a

    adequao regional dos processos de descentralizao em curso, visto que as

    exigncias normativas na configurao das microrregies e regies de sade eram

    excessivas, mas estimulou o planejamento regional, atravs do PDR, PDI e PPI (Viana

    et al., 2008, p.96). A implementao da NOAS permitiu ao gestor visualizar seus limites

    na municipalizao autrquica.

    3 A NOAS estabeleceu dois nveis de ateno para habilitao de estados e municpios: gesto plena

    da ateno bsica e gesto plena do sistema municipal (NOAS, 01/2001).

  • 29

    O PDR e o PDI so instrumentos de planejamento que expressam objetivos

    comuns entre os entes federativos que integram a regio. Esse planejamento integrado

    identifica as necessidades da regio; prope a organizao de redes de ateno; define

    as articulaes tcnicas e polticas, os recursos e a viabilidade econmica necessria

    para conformar o sistema regionalizado de assistncia sade e garantir, na regio, a

    integralidade da assistncia e o acesso da populao, considerando suas necessidades. O

    planejamento uma obrigatoriedade dos entes federativos, indutor das polticas, deve

    ser ascendente, deve contar com a participao do Conselho Municipal de Sade e ser

    compatvel com as necessidades de sade.

    Com a implementao das NOB e com a NOAS, o SUS avanou, mas no

    favoreceu o federalismo cooperativo. O modelo de gesto regional deve ser cooperativo

    e as normas nacionais editadas devem ser em menor quantidade, de forma a permitir

    que sejam recriados nos nveis subnacionais, modelos adequados singularidade dos

    estados e regies. Essas entre outras razes indicam a necessidade de se viabilizar

    pactos federativos que legitimem a autonomia dos entes (Mendes, 2011).

    Na vigncia das NOB e NOAS, os problemas que ocorreram no sistema de sade

    foram discutidos pelos gestores no interior das CIB, dos COSEMS, do CONASEMS e

    do CONASS e serviram de reflexo para a elaborao do Pacto pela Sade/2006. Com a

    edio deste pacto, a regionalizao se insere novamente na agenda do gestor como

    estratgia de conduo, que agrega a dimenso tcnica e a poltica do SUS.

    Com a edio do Pacto pela Sade/2006, a importncia da regionalizao como

    uma diretriz do SUS reafirmada, uma nova configurao de regio formulada, novas

    diretrizes so definidas e o territrio pensado na lgica de sistema e de

    descentralizao (Viana et al., 2008). O Pacto no prope um modelo padro de regio

    de sade e refere que As Regies de Sade so recortes territoriais inseridos em um

    espao geogrfico contnuo, identificadas pelos gestores municipais e estaduais a partir

    de identidades culturais, econmicas e sociais, de redes de comunicao e infraestrutura

    de transportes compartilhados do territrio (MS, 2006). Nesse documento as diretrizes

    da regionalizao consideram a regio no apenas como unidade de interveno do

    estado, mas as diferentes estruturas da rede de ateno, os fixos e os fluxos de forma a

    tornar a regio um territrio com capacidade resolutiva.

  • 30

    A regio de sade deve ser pensada a partir do funcionamento do territrio, que

    no se configura apenas pelos limites territoriais, mas um territrio usado, um espao

    vivido constitudo por contextos heterogneos, que pode criar um modus operandi

    cooperativo, otimizar o custo e o uso de recursos e permitir uma nova maneira de

    planejar, controlar e regular o sistema de sade (Viana e Lima, 2011). Sem ferir a

    autonomia dos entes federativos (Abrucio, 2002), nestes espaos os pactos so

    trabalhados entre os gestores locais, regionais e estaduais, para ampliar a governana e

    propiciar a organizao e assim garantir acesso igual aos desiguais (Junqueira, 2004).

    Entende-se que a regio de sade, possui duplo sentido:

    [1]... base territorial cujos elementos engendram o planejamento de uma rede

    de ateno integral sade, e os processos de incorporao tecnolgica,

    qualificao e alocao de recursos humanos, de modo a garantir

    autossuficincia do sistema de sade em reas especficas. Configuram-se,

    ainda, como espaos geogrficos vinculados conduo poltico-administrativa

    do sistema de sade de aes e servios de sade no territrio (Viana e Lima,

    2011, p.13).

    Este entendimento evidencia a complexidade da organizao e do financiamento

    para dotar as regies de sade com autossuficincia no sistema de sade.

    Com a descentralizao e implementao do SUS, foram definidos mecanismos

    de distribuio e transferncias de recursos financeiros s instncias subnaciona