Upload
dangcong
View
216
Download
2
Embed Size (px)
Citation preview
NEREIDE LCIA MARTINELLI
A regionalizao da sade no Estado de Mato Grosso: o processo de
implementao e a relao pblico-privada na regio de sade do
Mdio Norte Mato-grossense
Tese apresentada Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Doutor em Cincias
Programa de Medicina Preventiva
Orientadora: Profa. Dra. Ana Luiza Dvila Viana
(Verso corrigida. Resoluo CoPGr 6018/11, de 1 de novembro de 2011. A verso
original est na Biblioteca da FMPUSP)
So Paulo
2014
2
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Preparada pela Biblioteca da
Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo
reproduo autorizada pelo autor
Martinelli, Nereide Lcia
A regionalizao da sade no Estado de Mato Grosso : o processo de
implementao e a relao pblico-privada na regio de sade do Mdio Norte
Mato-grossense / Nereide Lcia Martinelli. -- So Paulo, 2014.
Tese(doutorado)--Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo.
Programa de Medicina Preventiva.
Orientador: Ana Luiza Dvila Viana.
Descritores: 1.Regionalizao 2.Poltica de sade 3.Sistema nico de Sade
4.Planejamento em sade 5.Assistncia sade 6.Investimentos em sade
7.Anlise qualitativa 8.Anlise quantitativa 9.Entrevista
USP/FM/DBD-247/14
AGRADECIMENTOS
Este momento muito especial, e estou muito feliz por mais esta formao. Foi
prazeroso fazer esta pesquisa. Estive motivada o tempo todo. Tudo valeu.
Agradeo minha orientadora, Dra. Ana Luiza Dvila Viana, a quem admiro,
pela habilidade, competncia e sabedoria ao conduzir-me neste aprendizado. Seus
conhecimentos e entusiasmo pela pesquisa, sem dvida, me estimularam para querer
aprender mais e querer fazer melhor. Obrigada. Voc foi generosa confiando e
acreditando que posso contribuir.
Ao professor Joo H. G. Scatena, amigo de trabalho, a quem, da mesma forma,
admiro, pelo conhecimento e pela pessoa que . Seu profissionalismo, simplicidade e
dedicao so admirveis. Obrigada pela amizade e apoio.
Ao meu querido sobrinho Vinicius, que me acolheu com tanto carinho em sua
residncia em So Paulo. Obrigada, voc foi companheiro.
minha me Terezinha, ao meu pai Antelmo (in memoriam), minha irm
Cristina, aos meus irmos Vanderci e Luiz, obrigada pelo apoio e dedicao que me
oferecem, por acreditarem em mim e naquilo que fao e por todos os ensinamentos de
vida. Ao meu cunhado Jorge, obrigada pelo apoio voc foi muito gentil.
Ao Geraldo, marido amado e companheiro, obrigada pela dedicao a mim
dispensada em todos os momentos desta minha trajetria de estudo. Seu incentivo e
apoio foram determinantes.
Aos meus filhos, Leonardo e Victor, meus prncipes e diamantes da minha vida,
obrigada por sempre me incentivarem. Desculpem-me pelas vezes que precisei priv-
los de nossos momentos em famlia.
Compartilho com toda minha famlia esta minha vitria. Vocs me fortaleceram
para lutar pelo meu objetivo.
4
Aos profissionais entrevistados, Edna, Roberto, Claudete, Luciana, Eli, Marcos,
Gleice, Andreia, Clestiane, Amarante, Nivea, a Sueli Coutinho e Juliano, obrigada.
Vocs foram receptivos. A todos vocs, equipe do ERS Tangar da Serra e aos
Secretrios Municipais de sade da regio, obrigada. A vocs dedico todo este
trabalho.
SUMRIO
RESUMO
ABSTRACT
1 INTRODUO ............................................................................................................ 2
2 FEDERALISMO E REGIONALIZAO NO BRASIL ....................................... 17
3 INSTITUCIONALIDADE E GOVERNANA NO TERRITRIO ..................... 36
4 O ESTADO DE MATO GROSSO E A REGIO DE SADE DE
TANGAR DA SERRA ................................................................................................ 57
5 AS ESTRATGIAS DE REGIONALIZAO NO ESTADO E NA
REGIO DE SADE DE TANGAR DA SERRA ................................................... 77
6 O COMPLEXO REGIONAL E A INSTITUCIONALIDADE DA
REGIONALIZAO NA REGIO DE SADE DE TANGAR DA SERRA ..... 93
6.1 O complexo regional ................................................................................................. 93
6.2 Institucionalidade da regio ..................................................................................... 109
7 GOVERNANA DO PROCESSO DE REGIONALIZAO NA REGIO
DE SADE DE TANGAR DA SERRA .................................................................. 132
8 DECISO E INTERSETORIALIDADE NA REGIO DE SADE DE
TANGAR DA SERRA .............................................................................................. 143
9 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................... 158
10 REFERNCIAS ..................................................................................................... 171
6
LISTA DE SIGLAS
AIH Autorizao de Internao Hospitalar
ANS Agncia Nacional de Sade
CAP Caixas de Aposentadorias e Penses
CAPS Centro de Ateno Psicossocial
CGR Colegiado de Gesto Regional
CIB Comisso Intergestores Bipartite
CIES Comisso Interinstitucional de Ensino e Servio
CIR Comisso Intergestores Regional
CIS Consrcio Intermunicipal de Sade
CIT Comisso Intergestores Tripartite
CMS Conselho Municipal de Sade
CNES Cadastro Nacional de Estabelecimento de Sade
CNS Conselho Nacional de Sade
COFINS Contribuio para o Financiamento da Seguridade Social
CONASEMS Conselho Nacional de Secretrios Municipais de Sade
CONASP Conselho Consultivo de Administrao da Sade Previdenciria
CONASS Conselho Nacional de Secretrios Estaduais de Sade
COSEMS Conselho de Secretrios Municipais de Sade
CRR Central Regional de Regulao
EC-29 Emenda Constitucional 29
ERS Escritrio Regional de Sade (ERS),
ESF Equipe de Sade da Famlia
ESP Escola de Sade Pblica
FAS Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social
FGTS Fundo de Garantia de Tempo de Servio
IAP Institutos de Aposentadoria e Penso
ICMS Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios
IDH ndice de Desenvolvimento Humano
INAMPS Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social
INEMAT Instituto de nefrologia de Mato Grosso
INPS Instituto Nacional da Previdncia Social
LDO Lei de Diretrizes Oramentria
LOA Lei Oramentria Anual
LOPS Lei Orgnica da Previdncia Social
MS Ministrio da Sade
NOAS Norma Operacional da Assistncia a Sade
NOB Normas Operacionais Bsicas
OS Organizao Social
PAB Piso da Ateno Bsica
PACIS Programa de Apoio e Implementao dos Consrcios
Intermunicipais de Sade.
PACS Programa de Agente Comunitrio de Sade
PAREPS Plano de Ao Regional para a Educao Permanente em Sade
PASCAR Programa de Apoio a Sade Comunitria de Assentados Rurais
PASF Programa de Apoio a Sade da Famlia
PDI Plano Diretor de Investimentos
PDR Plano Diretor da Regionalizao
PES Plano Estadual de Sade
PIAMAB Programa de Incentivo ao Alcance de Metas da Ateno Bsica
PIB Produto Interno Bruto
PNEP Poltica Nacional de Educao Permanente
PPA Plano Plurianual
PPI Programao Pactuada e Integrada
PSB Programa de Sade Bucal;
PSF Programa de Sade da Famlia
PTA Plano Anual de Trabalho
RAS Rede de Ateno Sade
RGM Relatrio de Gesto Municipal
SADT Servio de Apoio Diagnstico e Terapia
SIA Sistema de Informaes Ambulatoriais
SAMU Servio de Apoio a Urgncia-Emergncia
SECITEC Secretaria de Estado de Cincia e Tecnologia
SENAC Servio Nacional de Aprendizagem Comercial
SER SUS Sistema de Referncia Estadual
SES Secretaria de Estado de Sade
SIH Sistema de Informaes Hospitalares
SIOPS Sistema de informaes de oramentos pblicos de sade
8
SISPPI Sistema de Programao Pactuada e Integrada
SISREG Sistema Nacional de Regulao
SMS Secretarias Municipais de Sade
SUS Sistema nico de Sade
TCG Termo de Compromisso de Gesto
TFD Tratamento fora do Domicilio
UBS Unidade Bsica de Sade
UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso
UNIC Universidade de Cuiab
UTI Unidade de Terapia Intensiva
VISA Vigilncia Sanitria
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Pirmide etria do Estado de Mato Grosso, 2010 ............................... 58
Figura 2 Regies de sade, escritrios regionais e respectivos municpios,
Mato Grosso, 2012. ............................................................................. 80
10
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Municpios de Mato Grosso, segundo variveis demogrficas da
regio de Sade de Tangar da Serra .................................................. 61
Tabela 2 Municpios de Mato Grosso, segundo PIB (em R$ per capita) e
seus componentes, da regio de sade de Tangar da Serra, 2008 ..... 62
Tabela 3 Distribuio das despesas per capita sob responsabilidade
municipal: (despesas totais) e despesas com recursos
exclusivamente municipais. Regio de Tangar da Serra, Mato
Grosso, 2002, 2005 e 2009 ................................................................. 64
Tabela 4 Nmero de estabelecimentos de sade por categorias selecionadas e
tipo de prestador, segundo municpios da Regio de Sade de
Tangar da Serra, 2010 ....................................................................... 66
Tabela 5 Distribuio de leitos por municpio, segundo tipo de prestador e
disponibilidade para o SUS. Regio de Sade Mdio Norte, MT,
dezembro de 2010 ............................................................................... 70
Tabela 6 AIH pagas (por 100 habitantes) em trinios, segundo municpio de
residncia e de internao, Regio de Sade de Tangar da Serra,
Mato Grosso, 2001-2009 .................................................................... 71
Tabela 7 Cobertura populacional do setor de sade suplementar por
municpio. Regio de Sade de Tangar da Serra, Mato Grosso,
2000, 2005 e 2010 ............................................................................... 72
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Matriz de anlise do processo de regionalizao na regio de
Tangar da Serra, Estado de Mato Grosso - Dimenso
Institucionalidade da regionalizao. .................................................. 12
Quadro 2 Matriz de anlise do processo de regionalizao na regio de
Tangar da Serra, Estado de Mato Grosso-Dimenso Governana
da regionalizao. ............................................................................... 12
Quadro 3 Matriz de anlise do processo de regionalizao na regio de
Tangar da Serra, Estado de Mato Grosso-Dimenso Impactos da
regionalizao. .................................................................................... 13
Quadro 4 Potencialidades e limitaes do setor pblico na regio de sade de
Tangar da Serra, no perodo do Pacto pela Sade - 2006 a 2011. ... 167
Quadro 5 Potencialidades e limitaes do setor privado na regio de sade
de Tangar da Serra, no perodo do Pacto pela Sade - 2006 a
2011................................................................................................... 168
Quadro 6 Fatores que facilitaram e dificultaram o processo de regionalizao
na regio de Tangar da Serra no perodo do Pacto pela Sade -
2006 a 2011. ...................................................................................... 168
Quadro 7 Complexo Regional da Regio de Sade de Tangar da Serra, no
perodo do Pacto pela Sade - 2006 a 2011. ..................................... 169
12
RESUMO
Martinelli NL. A regionalizao da sade no Estado de Mato Grosso: o processo de
implementao e a relao pblico-privada na regio de sade do Mdio Norte Mato-
grossense [Tese]. So Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo; 2014.
A regionalizao da sade est contemplada no artigo 198 da Constituio Federal de
1988 e uma diretriz do SUS, que prev a articulao dos trs entes federativos para a
conformao do sistema de sade e a efetivao do direito sade. Na implementao
do SUS, a regionalizao ganha destaque nos anos 2000, mas, no Estado de Mato
Grosso, a partir de 1995, a reorientao poltico-institucional da Secretaria de Estado da
Sade definiu estratgias para a implementao do SUS por regies de sade e
fortaleceu as instncias pblicas regionalizadas. A partir de 2003, houve trocas
sucessivas do gestor estadual de sade, com repercusso na maneira de conduzir a
poltica estadual de sade e, apesar da institucionalidade anteriormente construda, o
processo de regionalizao sofre certa estagnao. O presente estudo de caso analisa o
processo de regionalizao da sade e o mix pblico-privado no sistema de sade da
regio do Mdio Norte do Estado, no perodo de 2006 a 2011. Tal recorte se justifica
pela edio do Pacto pela Sade 2006, que contempla a regionalizao. Faz-se uso de
anlise qualitativa das entrevistas realizadas com informantes-chave e se utiliza de
anlise quantitativa de dados secundrios. Com essas informaes, pde-se caracterizar
os mecanismos e instrumentos adotados, bem como as relaes pblico-privadas no
sistema pblico de sade; compreender como ocorre o processo decisrio, a relao e a
interao dos diversos atores que compem o complexo regional desta regio de sade.
Na regio em estudo, na vigncia do Pacto, a SES preservou e criou novos incentivos,
manteve o Consrcio Intermunicipal de Sade, implantou leitos de UTI, conservou o
convnio com o hospital municipal de referncia regional e sustentou os convnios com
clnicas e laboratrios de apoio diagnstico do setor privado. O CGR foi criado, mas sua
governabilidade sobre a macropoltica da regio parcial e, embora seja um espao de
deciso colegiada, ainda tem caractersticas do somatrio das partes e gera as mais
diversas consequncias na governana da poltica regionalizada. O PDR e o PDI no
foram atualizados, a regulao da assistncia que era desenvolvida pela regio foi
recentralizada, a SES atrasou o repasse dos incentivos financeiros aos fundos
municipais de sade e no investiu na construo do hospital regional. Apesar da
trajetria do Estado na regionalizao da sade, a estrutura da rede pblica de ateno
sade no se expandiu e as parcerias estabelecidas com o setor privado fortaleceram sua
participao na rede de ateno e tm influenciado o sistema regional de sade. A
regio precisa da coordenao do estado na conduo do processo de regionalizao,
sem a qual seu avano fica comprometido.
Descritores: Regionalizao; Poltica de sade; Sistema nico de Sade; Planejamento
em sade; Assistncia sade; Investimentos em sade; Anlise qualitativa; Anlise
quantitativa; Entrevista.
ABSTRACT
Martinelli NL. The healths regionalization in the State of Mato Grosso: the process of
implementation and the relationship public-private in the regions health of the Middle
Norths Mato Grosso [Thesis]. Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo,
2014.
The Regional Health Planning is included at Art.198 of the Constitution of 1988 and it
is a guideline the SUS that provides for the combination of the three federative for
shaping the health system and the realization of the right to health. At the
implementation of SUS, Regional Health Planning gained prominence in the 2000s, but
in the state of Mato Grosso, since 1995 the reorientation political-institutional of the
SES defined strategies to implementation of the SUS by regions the health and
strengthened regionalized public instances. Since 2003 there were successive exchanges
of state health manager, with repercussions on the manner to conduct the state health
policy and, despite the earlier institutional, the Regional Health Planning process suffers
certain stagnation. This case study analyzes the process of the Regional Health Planning
and public-private mix in the health system of the Middle North region of the state,
between the period from 2006 to 2011. The angle is justified by editing the health pact
that include the Regional Health Planning. Makes use of a qualitative analysis from
interviews with key informants and uses a quantitative analysis at secondary data. With
this information it was possible to: characterize the mechanisms and instruments
adopted, as well as relations public-private in the public health system; understand how
occurs decision process; the relationship and interaction of various actors that compose
this complex health. At the study region, at the presence of the health pact, the SES
remained and created new incentives, kept the CIS, deployed UTI beds, kept the
covenants with the municipal hospital of referral regional and with private clinical and
laboratories of support diagnostic . The CGR was created, but the governance on the
macro policy in the region is partial and although a space of collegial decision also has
characteristics of the sum of the parts, and generates the most diverse consequences in
the governance of regionalized policy. The PDR and PDI were not updated, the
regulation of assistence developed by region was centralized, the SES delayed the
transfer of financial incentives to municipal health funds and didnt invested in the
construction of the regional hospital. Despite the state trajectory of the Regional Health
Planning, the structure of public health care had not expanded and the partnerships with
the private sector strengthened its participation in the care network and had
influenciated the regional health system. The region needs the coordination of the state
in the conduct of the regionalization process, without which its progress is
compromised.
Descriptors: Regionalization; Health policy; Health system; Health planning; Health
care; Investments in health; Qualitative analysis; Quantitative analysis; Interview.
1
1 Introduo
2
1 INTRODUO
A regionalizao da sade, objeto deste estudo, est contemplada no artigo 198 da
Constituio Federal de 1988. uma diretriz do SUS, que prev a articulao dos trs
entes federativos para a conformao do sistema de sade e efetivao do direito
sade.
Na implementao do SUS, a regionalizao somente ganha destaque nos anos
2000, posteriormente aos estudos avaliativos que mostraram que a descentralizao,
com nfase na municipalizao na dcada de 1990, ampliou os servios, com inovaes
na gesto e maior participao da populao, mas apresentou limites e dificuldades para
legitimar o acesso e o direito integral sade.
Foi nesta dcada que teve incio o processo de regionalizao da sade no Estado
de Mato Grosso. At 1995, a descentralizao em MT, seguindo as diretrizes nacionais,
focava a gesto municipal, mediante transferncias financeiras, vinculadas capacidade
de produo dos servios. A Secretaria de Estado de Sade (SES) organizou o territrio
estadual em nove Polos Regionais de Sade, tendo por sede municpios de referncia
em cada um desses espaos geogrficos.
Com a nova gesto estadual (1995-2002), a reorientao poltico-institucional da
Secretaria de Estado da Sade (SES) define estratgias voltadas para a implementao
do SUS por regies de sade. Os Polos Regionais de Sade existentes na SES/MT so
reestruturados, assumem novas atribuies na articulao regional, passam a realizar
assessoria, planejamento e programao, controle e avaliao das aes de sade por
municpio e regio. Ao mesmo tempo a SES tambm reestruturada para corresponder
s necessidades em pauta (MT, 2000a).
No perodo de 1995 a 1999, a SES, pautada no objetivo de fortalecer os Polos
Regionais de Sade, comea a implantar as Comisses Intergestores Bipartites
Regionais (CIB Regionais), com a inteno de que os territrios regionais se tornassem
um espao privilegiado de interlocuo, negociao e pactuao entre o estado e os
municpios.
No mbito nacional, os limites da municipalizao autrquica so apresentados
pelos gestores, ampliam-se os debates sobre a regionalizao como estratgia necessria
3
para avanar na descentralizao, e a NOAS editada. Quando a NOAS foi editada,
este estado j estava com a regionalizao em processo de estruturao e ela contribuiu
para aperfeioar e aprofundar os instrumentos de gesto. A regionalizao prevista na
NOAS fortaleceu as pactuaes, fomentou a elaborao do Plano Diretor da
Regionalizao (PDR), do Plano Diretor de Investimentos (PDI), e da Programao
Pactuada e Integrada (PPI); explicitou e organizou o fluxo da assistncia; viabilizou a
implantao dos mdulos assistenciais.
Na regio em estudo, como nas demais do estado, foram realizados fruns, no ano
de 2001, com o objetivo de efetuar diagnstico e definir as prioridades e metas de cada
regio; tambm foi organizado o Sistema de Referncia e Regulao Regional e
Estadual, mas no o suficiente para captar investimentos, a fim de ampliar a capacidade
instalada da rede de ateno pblica regionalizada.
A partir dos anos 2003, inicia-se um novo governo, ocorrem trocas sucessivas do
gestor estadual, e a SES enfrenta diversidade na maneira de conduzir a Poltica Estadual
de Sade. Com a edio do Pacto pela Sade/2006, por induo do governo federal, a
regionalizao retorna agenda do gestor estadual, e a SES e o COSEMS realizam
oficinas no interior do estado, com o objetivo de ampliar e qualificar o debate da gesto
municipal, para subsidiar o gestor na tomada de deciso quanto elaborao do Termo
de Compromisso de Gesto (Ribeiro, 2009). Nesta regio, 100% dos municpios
assinam este termo.
A organizao de servios regionalizados pressupe a gesto cooperativa e
solidria, o compartilhamento de tarefas e a distribuio de poder, negociados e
pactuados no CGR. Na regio em estudo, esta governana tem gerado dilemas e
conflitos entre os entes federativos; prestadores de servios e demais atores, em especial
quando se depara com problemas de acesso rede na regio e se necessita recorrer
capital do estado.
O Pacto pela Sade contemplou uma nova configurao de regio, uma nova
forma de gerir e intervir sobre a realidade social, interagindo e articulando os diferentes
atores sociais, ou seja, instituies e pessoas, para integrar conhecimentos, saberes,
experincias. Essa nova maneira de gerir complexa e constitui desafio aos gestores de
sade em todos os nveis de ateno. Trabalhar as regies de sade lidar com
diversidade de contextos e lugares, entender que os determinantes do processo de
4
regionalizao extrapolam o setor sade, que as modalidades e tipos de servios de
sade pblica diferem nos sistemas locais, regionais, estaduais, e que os sistemas locais,
em sua maioria, dispem apenas dos servios da ateno bsica (Viana e Lima, 2011).
Em 2011 foi editado o Decreto no 7.508, que trata da regulamentao da Lei n
8.080/90, e seu papel , entre outros, regular a estrutura organizativa do SUS, o
planejamento de sade, a assistncia sade, e articular os entes federativos. Pelo
Decreto os servios de sade devero ser ofertados nas regies de sade constitudas
pelo estado, com capacidade instalada para dispor, no mnimo, de ateno primria,
urgncia e emergncia, ateno psicossocial, ateno ambulatorial especializada e
hospitalar, vigilncia em sade articulada com os municpios e organizadas em redes de
ateno sade.
As diretrizes da regionalizao propiciam avanar na descentralizao e trabalhar
a governana no territrio, aqui entendido como o espao usado, que no considera
apenas os limites territoriais, mas um espao vivido com sua populao, seus atores e
seus problemas sociais, de maneira integrada.
O processo de regionalizao no estado e a sua implementao na regio de Sade
de Tangar da Serra fomentaram debates, acordos e pactuaes, com o objetivo de
fortalecer o sistema de sade neste territrio. Esta regio, antes do Pacto pela Sade,
buscou alternativas para viabilizar o acesso na regio e, para isso, estabeleceu interface
com o setor privado, criou um modus operandi que determinou a sua forma de
organizao.
A concepo do que vem a ser pblico ou privado e as suas relaes dispem de
grande variabilidade de significados. Neste estudo, o mix publico-privado refere-se
natureza jurdica das instituies que fazem parte da rede de servios SUS. Esta
estratgia operacional, mix pblico-privado, abre espao para uma regulao que vai
alm da governabilidade pblica, uma vez que envolve outros agentes no processo de
regionalizao e requer relaes intergovernamentais cooperativas para viabilizar a sua
gesto. Estas relaes so complexas, diferem e podem influenciar a dinmica
operacional, o acesso aos servios e justifica a realizao de estudos que possam
contribuir para a tomada de deciso dos entes federativos que agem em situaes
diversas, com limites tcnicos, operacionais e financeiros.
5
A regio de sade objeto desta pesquisa, tem uma rede pblica constituda, em sua
maioria, por unidades de sade da ateno primria, no dispe de hospital regional e,
para suprir a insuficincia do servio pblico e facilitar o acesso da populao,
implantou o Consrcio Intermunicipal de Sade da Regio do Mdio Norte Mato-
grossense, que oferece servios de apoio diagnstico-laboratorial e imagem, internaes
e atendimento mdico especializado, entre outros. Estes conformam um complexo
regional, entendido neste estudo como as diferentes estruturas, instituies, instncias e
atores pblicos e privados que participam do processo de constituio, planejamento,
organizao, gesto e regulao da sade no mbito regional (Viana et al., 2008
p.100).
A regionalizao da sade, o federalismo, as relaes intergovernamentais e o mix
pblico-privado, vm se tornando objeto de interesse de debates e estudos cientficos, e
mostram que a dinmica dos complexos regionais em sade (as relaes pblico-
privadas no interior das regies de sade) tambm influencia o desempenho e os
resultados da regionalizao no plano estadual e necessita ser avaliada por estudos de
caso (Viana et al., 2010, p.9).
O estudo faz parte da pesquisa Anlise do processo de Regionalizao da Sade
no Estado de Mato Grosso, realizada pelo grupo de pesquisa do ISC/UFMT, em
parceria com o DMP/FMUSP e ENSP/FIOCRUZ, submetido ao Comit de tica em
Pesquisa do HUJM/UFMT, e aprovada em 09/09/2009, mediante o parecer no 681/CEP-
HUJM/09. Este recorte tambm foi submetido ao Comit de tica e Pesquisa do
Departamento de Medicina Preventiva (CEP-FMUSP) e aprovado na sesso de
05/09/2012, protocolo de pesquisa n 206/12, parecer 91.726.
O presente estudo de caso teve como objetivo analisar o processo de
regionalizao da sade e o mix pblico privado no sistema de sade da regio de
Tangar da Serra, no perodo de 2006 a 2011. O recorte justifica-se pela edio do Pacto
pela Sade em 2006, que, entre as suas diretrizes, contempla a regionalizao; e pelo
Decreto n 7.508/2011, que reitera esta estratgia de conduo do SUS. Esta regio
oficialmente denominada Regio de Sade do Mdio Norte do estado de Mato Grosso,
mas ao longo deste trabalho ela ser referenciada como regio de sade de Tangar da
Serra como mais conhecida.
6
Para analisar o processo de regionalizao, utilizou-se de dados quantitativos e
informaes qualitativas para: caracterizar a regio de sade (socioeconmica e
demograficamente), a rede de ateno sade e as instncias relacionadas ao processo
de regionalizao nesse territrio; identificar o processo decisrio, os padres de
relacionamento e o papel das instncias que fazem parte do complexo regional, com
nfase no CGR; caracterizar os mecanismos e instrumentos adotados no processo de
regionalizao e as relaes pblico-privadas no sistema pblico de sade nessa regio.
Tais informaes permitiram conhecer a estruturao do sistema de sade, as
instncias regionalizadas, os atores, a participao e influncia destes na
institucionalidade e governana do SUS na regio. Alm disso, pde-se compreender,
no mbito da gesto, como ocorre o processo decisrio, a relao e a interao dos
diversos atores que compem o complexo regional desta regio de sade.
Fazem parte desta regio os municpios de Arenpolis, Barra do Bugres, Campo
Novo do Parecis, Denise, Nova Marilndia, Nova Olmpia, Porto Estrela, Santo Afonso,
Sapezal e Tangar da Serra.
um estudo de caso, que se utiliza do mtodo qualitativo para aprofundar e
responder aos questionamentos de como ocorreu a regionalizao nesta regio de sade.
Para tanto, utilizou-se de entrevistas, buscando compreender as relaes e o processo da
regionalizao a partir do Pacto pela Sade, no perodo de 2006 a 2011. Recorreu-se
tambm ao perodo anterior sempre que as variveis de interesse do estudo exigiram.
Da pesquisa estadual, foi utilizado o banco de dados referente ao questionrio
autoaplicado, s informaes do levantamento de dados secundrios e anlise
documental desta regio de sade. Cinco atores da regio responderam o questionrio
autoaplicado: o Chefe do Escritrio Regional de Sade, o Secretrio Executivo do
Consrcio Intermunicipal de Sade, a Secretria do Colegiado de Gesto Regional, a
Secretria de Sade e Vice- presidente regional do Conselho de Secretrios Municipais
de Sade (COSEMS) na regio e a Secretria de Sade do Municpio de Barra do
Bugres. As informaes contidas neste questionrio foram totalmente consideradas
nesta pesquisa.
O roteiro utilizado para as entrevistas com os atores da regio especfico para
este estudo de caso, mas a sua elaborao tambm considerou as informaes do
7
questionrio autoaplicado da pesquisa estadual. O roteiro completo contemplou 84
perguntas (Apndice A) e as entrevistas foram realizadas com os atores selecionados:
Oitenta e quatro (84) perguntas foram aplicadas aos seguintes gestores: Diretor do
Escritrio Regional de Sade (ERS), Tcnico do ERS e membro do CGR, Secretrio
Executivo do Consrcio Intermunicipal de Sade (CIS), Secretria de Sade e Vice-
presidente regional do COSEMS na regio e a Secretria de Sade do Municpio de
Barra do Bugres, cujo hospital municipal referncia para esta regio. Sessenta (60)
perguntas foram dirigidas aos gestores da regulao: Coordenador da Central Regional
de Regulao (CRR); Mdico Regulador da regio, Mdico Regulador do Hospital
Municipal de Referncia Regional. Vinte e trs (23) foram feitas ao representante do
maior hospital conveniado da regio e vinte (20) perguntas num roteiro diferenciado,
mas com perguntas relacionadas ao roteiro geral, ao Presidente da Unimed e a gestora
da Univida.
Estes atores esto referidos, nesta pesquisa, como gestor estadual (GE), para
aqueles vinculados estrutura estadual; gestor municipal (GM), quando vinculados
estrutura municipal e ao consrcio; gestor privado (GP), quando vinculado ao hospital
privado conveniado, UNIVIDA e UNIMED.
A gestora da Univida foi selecionada pelo fato de essa empresa dispor de uma
Associao que contempla os beneficirios desse plano e oferece meios de acesso ao
servio particular de sade com descontos especiais. Dessa empresa, foram utilizadas
apenas as informaes da gestora oferecidas no momento da entrevista, visto que,
apesar de o beneficirio necessitar da autorizao da empresa para acessar o servio,
no dispe ela de sistema de informaes sobre o quantitativo do servio utilizado. Por
sua vez, o gestor da Unimed foi escolhido pelo fato de o setor privado tambm se
constituir em objeto desta pesquisa e por dispor de convnio com duas unidades
hospitalares pblicas desta regio de sade.
A elaborao do roteiro de entrevistas, da planilha de coleta de informaes
secundrias e a anlise de dados secundrios e documentais basearam-se em trs
dimenses: Institucionalidade, Governana e Impactos da regionalizao. Para cada
dimenso foram definidos indicadores conforme matrizes em anexo (Apndice B).
A institucionalidade da regionalizao aqui entendida como todas as estratgias
polticas e institucionais adotadas no perodo a que se refere o estudo. Ela foi analisada
8
a partir de subdimenses, cujo levantamento de informaes contemplou: o histrico, o
desenho, as finalidades e escopo, as estratgias polticas, o planejamento, a regulao e
o financiamento da regionalizao. Para anlise destas dimenses verificaram-se os
objetivos pelas quais a regio foi organizada, a estrutura de funcionamento, a interface
com outras polticas regionais do governo do estado, a capacidade de introduo e
desenvolvimento de instrumentos de planejamento e regulao que contemplam as
necessidades da regio e os mecanismos de financiamento e investimentos adotados
para efetivar a poltica regional.
A governana da regionalizao foi entendida neste estudo como um conjunto de
regras governamentais voltadas para a ao coletiva que requer a diviso de poderes e o
estabelecimento de relaes de atores pblicos e privados, com interesses
diversificados, cujas negociaes podem resultar em objetivos comuns e redes entre as
instituies, para governar num territrio complexo, um campo conformado por atores
independentes, com dinmicas diferenciadas de governana e com grau variado de
recursos e autonomia, porm institucionalizados e regulados. Tem como unidade de
anlise o Colegiado de Gesto Regional (CGR), uma instncia de gesto, formado por
representantes da SES/ERS e dos municpios que compem a regio de sade, objeto
deste estudo. Na governana tambm se considerou o CIS, cujos gestores - prefeitos e
secretrios de sade - compartilham interesses comuns e deliberam a poltica neste
espao.
Essa dimenso permitiu levantar informaes e analisar a diversidade dos atores
envolvidos no processo de regionalizao, a forma de participao nas instncias
colegiadas de negociao, o tipo de relao estabelecida entre os membros, as
estratgias de interao governamental e entre atores de relevncia regional, os temas de
consenso e influncias, os tipos de reunies e o processo decisrio. Verificou-se
tambm o papel das instncias no CGR, o papel do CGR na formulao e
implementao das polticas de regionalizao, os fatores que facilitam ou dificultam o
funcionamento do CGR, a importncia e as influncias do setor privado na rede e o
modelo de ateno sade do SUS na regio.
A dimenso Impactos da regionalizao permitiu levantar informaes e analisar
se houve mudanas e inovaes: no processo de regionalizao induzidas pela
implantao do Pacto pela Sade; na atuao das instituies que integram o complexo
9
regional, SES, ERS, CIS; na conduo, gesto, organizao e funcionamento dos
servios; na capacidade instalada e prestao de servios. Verificou-se tambm se o
Decreto n 7508/2011 foi implantado.
Foram considerados como fontes de informao todos os dados coletados na
pesquisa estadual de interesse neste estudo de caso. Alm disso, levantaram-se
informaes de documentos de gesto especficos da regio, como contratualizao com
hospitais; laboratrios; clnicas especializadas e medicina diagnstica; Programao
Pactuada e Integrada (PPI); Plano Diretor Regional (PDR), Plano Diretor de
Investimentos (PDI); Termo de Compromisso de Gesto (TCG); atos e portarias da
SES; resolues da Comisso Intergestores Bipartite (CIB)/Estadual; resolues e
proposies do CGR; chamada pblica para contratualizao; Relatrios de Gesto do
ERS, da CRR e CIS; Plano de trabalho do CIS; Sistemas de Informao (CNES, SIOPS,
ANS, IBGE, SIA, SIH); atas do CGR; pautas do CGR; Plano Anual de Trabalho da
SES; Plano Anual de Trabalho do ERS; planejamento do CIS; e outros registros de
interesse do arquivo do ERS que permitiram apreender e dar resposta aos objetivos da
pesquisa.
Foram utilizadas as informaes das entrevistas e os dados secundrios para
analisar como ocorreu o processo de implantao da regionalizao da sade, o
processo decisrio, como as decises foram e so estabelecidas e cumpridas pelas
instncias que fazem parte do complexo regional, o funcionamento do CGR, as relaes
entre as instituies, os padres de relacionamento, o papel e influncias das instncias
que fazem parte do complexo regional e as relaes pblico-privadas.
Os mecanismos e instrumentos adotados no processo de regionalizao foram
analisados por meio do PDR, PDI, PPI, Portarias, Decretos, pactos estabelecidos,
contratualizaes, entre outros que permitiram fazer um inventrio do planejamento e da
gesto regional da sade. A combinao destas informaes permitiu identificar a
regionalizao, considerando o processo decisrio, os padres de relacionamento e o
papel das instncias que fazem parte do complexo regional.
Para caracterizar a regio de sade, utilizou-se a base populacional estimada pelo
IBGE para os anos de 2000 a 2011. Os bancos de dados utilizados para o clculo dos
indicadores foram providos pelo DATASUS. Alguns indicadores foram calculados e
permitiram obter um diagnstico situacional da regio de sade, incluindo as
10
caractersticas socioeconmicas e demogrficas, a disponibilidade de servios de sade,
a organizao da assistncia, a capacidade instalada dos servios de sade, indicadores
de produo dos servios, recursos aplicados em sade e cobertura da sade
suplementar.
Os indicadores socioeconmicos e demogrficos utilizados foram: populao;
razo de crescimento; densidade demogrfica; componentes do IDH (escolaridade,
longevidade e renda); cobertura de abastecimento de gua, esgotamento sanitrio e
coleta de lixo, PIB (agropecuria, indstria, servios e impostos).
Foram tambm levantadas informaes sobre a organizao da assistncia e
capacidade instalada dos servios de sade: UBS, unidades especializadas, servio de
apoio diagnstico e terapia (SADT), hospitais e consultrios; cobertura do Programa de
Sade da Famlia (PSF); disponibilidade de unidades de sade; leitos hospitalares por
tipo de prestador, leitos SUS e no SUS por municpio, disponibilidade de profissionais
vinculados e no vinculados ao SUS. Foi verificado o tipo de habilitao dos
municpios antes do pacto.
A oferta de servios na regio foi analisada pelas informaes do Cadastro
Nacional de Estabelecimento de Sade (CNES), cujos dados esto disponveis no site
do DATASUS. Foram levantadas informaes dos estabelecimentos de sade e seus
equipamentos segundo a natureza jurdica, pblica ou privada, e sua relao com o SUS
na regio. Em relao aos leitos, considerou-se como oferta pblica os de natureza
pblica e aqueles privados contratados e/ou conveniados ao SUS. Em relao aos
estabelecimentos privados, foram considerados exclusivamente privados aqueles que
no estavam contratados ou conveniados ao SUS. Os hospitais de direito privado e
geridos por organizao social ou entidade religiosa foram considerados pblicos.
Os indicadores de produo dos servios analisados foram: AIHs por 100
habitantes pagas por local de internao e local de residncia, percentual de
atendimentos da ateno bsica aprovado e apresentado, percentual de atendimento da
mdia e alta complexidade aprovado e apresentado.
A relao entre o setor pblico e privado na regio foi analisada considerando o
roteiro de entrevistas aplicado aos atores pblicos e privados que compem o complexo
regulador desta regio, um bloco especfico com o intuito de investigar: 1) como foram
estabelecidas estas relaes; 2) qual a influncia e funo do setor privado e as
11
repercusses no processo de regionalizao; 3) como ocorreu o processo de regulao
governamental sobre o sistema complementar na regio, e se esta regulao interferiu
no modelo de ateno; 5) se os arranjos que ocorreram corresponderam aos objetivos do
sistema de sade e se trouxeram contribuies positivas ou negativas aos resultados da
sade e ao desenvolvimento do sistema de sade.
Os indicadores de financiamento do sistema de sade foram calculados com base
no banco de dados do Sistema de Informaes de Oramentos Pblicos de Sade
(SIOPS), entre eles o percentual de recursos municipais aplicados em sade (EC-29);
despesas per capita sob responsabilidade municipal e despesas com recursos
exclusivamente municipais.
Para analisar os dados qualitativos, utilizou-se a tcnica de anlise de contedo,
tendo como base as dimenses e as variveis constantes nas matrizes apresentadas no
projeto estadual e neste estudo de caso regional. Todo material emprico levantado foi
sendo submetido leitura, e buscou encontrar elementos e/ou respostas que permitiram,
em face aos indicadores propostos para cada varivel, caracterizar e analisar o processo
de regionalizao da sade neste espao regional.
No desenvolvimento da pesquisa foi explicada aos gestores a importncia da
assinatura de termo de cooperao e parceria na regio, visto que envolveria vrios
segmentos, e os resultados seriam de interesse dos gestores. Os entrevistados tiveram
suas entrevistas precedidas de assinaturas do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecida (Apndice B).
Os quadros 1 a 3 resumem as matrizes completas de anlise por dimenso; a
matriz completa encontra-se no apndice C.
12
Quadro 1 Matriz de anlise do processo de regionalizao na regio de Tangar da
Serra, Estado de Mato Grosso - Dimenso Institucionalidade da regionalizao.
SUB DIMENSES INDICADORES
Histrico e desenho da
regionalizao
- Definio da regio de sade: limites, rea geogrfica, localizao,
municpios integrantes, fatores determinantes, capacidade instalada e
organizao da regionalizao.
2-Finalidades e escopo
da regionalizao
- finalidades e foco da regionalizao; organizao da rede de servios de
sade; implementao de polticas de sade regionalizadas.
3-Estratgias polticas
da regionalizao
- interfaces, insero e lugar que ocupa na agenda poltica da SES e do
Escritrio Regional de Sade, estratgias regionais.
4-Planejamento e
regulao da
regionalizao
- existncia de instrumentos de planejamento regional de sade, influncias
na regulao; organizao antes e depois do pacto; problemas/ conflitos:
planejamento e regulao intra e inter-regional.
5-Financiamento da
regionalizao
existncia de recursos e incentivos regionalizao; programao
distribuio de recursos financeiros compatveis com a regionalizao;
existncia de fundos regionais de recursos.
FONTE: Elaborao prpria com base na Matriz de referncia para elaborao de instrumentos de coleta
e anlise de informaes da pesquisa Avaliao Nacional das Comisses Intergestores Bipartites (CIBS):
as CIBS e os modelos de induo da regionalizao no SUS (Viana et al., 2010).
Quadro 2 Matriz de anlise do processo de regionalizao na regio de Tangar da
Serra, Estado de Mato Grosso-Dimenso Governana da regionalizao. SUB DIMENSES INDICADORES
Estruturas de
integrao e gesto
regional
- existncia de instncias de planejamento e gesto governamental na regio;
- CGR, consrcio intermunicipal, estruturas de representao regional da
SES, CIES, cmaras tcnicas e outros; caractersticas, finalidades, papel, e
contribuio das instncias regionais no processo de regionalizao;
existncia de recursos financeiros disponveis para instncias regionais.
O Papel do CGR na
regionalizao
existncia de estratgias de interao governamental no CGR;
influncias e papel do CGR na formulao e implementao das polticas de
regionalizao; fatores que facilitam ou dificultam o funcionamento do
CGR.
Relaes Intergoverna-
mentais
tipos de relaes entre os membros do CGR, ERS, CIES, Consrcio
Intermunicipal de Sade (CIS); relaes da CIB/Estadual com CGR, ERS,
CIES; relaes do CGR com outros atores de relevncia regional.
Relaes Pblico-
privada
participao e influncias do setor privado na rede e modelo de ateno
sade do SUS na regio; critrios na definio das referncias na regio de
sade; atores e estruturas do setor pblico e privado na regio; relaes
estabelecidas entre o pblico e privado e objetivo do SUS; participao do
setor privado no processo de planejamento e gesto da regionalizao;
organizao, funcionamento e conflitos na regulao; existncia de
mecanismos de controle, avaliao e auditoria sobre o sistema
complementar.
FONTE: Elaborao prpria com base na Matriz de referncia para elaborao de instrumentos de coleta
e anlise de informaes da pesquisa avaliao nacional das Comisses Intergestores Bipartites (CIBS):
as CIBS e os modelos de induo da regionalizao no SUS (Viana et al., 2010).
13
Quadro 3 Matriz de anlise do processo de regionalizao na regio de Tangar da
Serra, Estado de Mato Grosso-Dimenso Impactos da regionalizao.
SUB DIMENSES INDICADORES
1-Mudanas
Institucionais
estratgias e mudanas observadas com implantao do pacto pela
sade; processo de implantao do decreto 7508;- Mudanas observadas
em relao aos poderes regionais existentes; - avanos, dificuldades e
desafios do processo de regionalizao.
FONTE: Elaborao prpria com base na Matriz de referncia para elaborao de instrumentos de coleta
e anlise de informaes da pesquisa avaliao nacional das Comisses Intergestores Bipartites (CIBS):
as CIBS e os modelos de induo da regionalizao no SUS (Viana et al., 2010).
Alm do que consta na introduo, o presente trabalho est organizado em sete
captulos e as consideraes finais.
O capitulo 1 Federalismo e regionalizao no Brasil aborda as caractersticas
do federalismo brasileiro, considerando que a partir da CF de 1988, a unio, os estados e
os municpios passaram a lidar com a soberania e autonomia federativa que alterou as
relaes intergovernamentais. Evidencia que: o SUS foi criado num pas federativo com
heterogeneidade na extenso e diversidade dos territrios socioeconmicos, com
desigualdades regionais, culturais e politicas; e que as federaes so marcadas pela
diversidade e pelo conflito, por cooperao e competio, mas que de forma coordenada
podem estabelecer relaes de equilbrio e interdependncia.
A formao de arranjos para a gesto compartilhada requer atos jurdico-
administrativos e a constituio de regies, conforme define o Pacto pela Sade, uma
alternativa que facilita aos gestores implementar polticas pblicas que abarcam a
complexidade e diversidade do territrio. Neste sentido discutem-se os mecanismos
institucionais da implementao do SUS na dcada de 1990 e a importncia da
coordenao da esfera estadual na conformao de arranjos regionais de forma a evitar
os conflitos intergovernamentais, e at mesmo comportamentos predatrios entre os
entes federativos.
O capitulo 2 Institucionalidade e Governana no territrio faz uma discusso
terica quanto ao papel do Estado na formulao de polticas pblicas que possam
assegurar o direito constitucional sade. O arcabouo poltico-institucional do SUS
conforma um sistema complexo, implica em mudanas no poder, redefiniao das
relaes entre as esferas de governo; entre estado e sociedade, e estado e mercado e
requer sustentabilidade estrutural. Com o Pacto pela Sade, a governana que est
relacionada forma como o governo exerce o seu poder e a sua capacidade
14
organizativa, ganha espao no debate e se materializa nos espaos de gesto colegiada,
existentes nos complexos regionais. Nestes espaos so pactuadas regras para prover de
forma corresponsvel os servios da rede de ateno sade regionalizada. Esses
servios contam com a participao privada, e resultam em relaes complexas
construdas desde o inicio da configurao do sistema de sade brasileiro.
No capitulo 3 O Estado de Mato Grosso e a regio de Tangar da Serra,
apresentam-se as caractersticas do estado que constitudo por 141 municpios, a
maioria deles (80,1%) com menos de 20.000 habitantes e com forte dependncia do
governo federal e estadual para implementar o SUS. As caractersticas do sistema de
sade indicam a importncia da implementao da poltica de sade regionalizada para
suprir de forma equnime as necessidades da populao e garantir o seu acesso rede
de ateno sade. A regio objeto deste estudo apresenta deficincias na sua
capacidade instalada, desigualdades entre os municpios que dependem do estado para
implementar a politica de sade regionalizada.
O capitulo 4 As estratgias de regionalizao no Estado e na regio de Tangar
da Serra mostra que o complexo regional iniciou sua estruturao na dcada de 1980,
quando a regio foi instituda pela SES. Antes da implantao do Pacto pela Sade a
SES criou novas regies de sade e implantou em todas elas as bases institucionais da
regionalizao. Apresenta como a SES se organizou para implementar o Pacto pela
Sade. Nesta regio, 100% dos gestores assinaram o TCGM.
O capitulo 5 O complexo e a institucionalidade da regionalizao na regio de
Tangar da Serra mostra que a politica de sade regionalizada, mesmo instituda em
instrumentos de planejamento do governo do estado e da SES, nesta regio no contou
com os recursos necessrios para sua implementao. A regio enfrenta dificuldades de
acesso. A insuficincia da capacidade instalada pblica e as alternativas encontradas
configuraram um forte mix pblico-privado na regio. A regulao da assistncia
frgil no estado e na regio e esta precisa constituir rede de ateno pblica integrada e
resolutiva, que responda pelas necessidades da populao para se tornar autnoma de
fato.
No capitulo 6 Governana do processo de regionalizao, o relato dos
gestores explicita claramente que a falta de uma rede de ateno estruturada nesta regio
mantm problemas que produzem iniquidades, resultam em comportamentos que
15
expressam os interesses de cada gestor e geram fragmentao e descontinuidade do
cuidado sade, ameaando a governana. So indicativos que alertam para o
comprometimento e as repercusses desfavorveis para o processo da regionalizao da
sade nesta regio.
O capitulo 7 Deciso e intersetorialidade evidencia que as decises tomadas
pelos entes federativos e demais atores que compem o complexo regional ocorrem no
CGR. Este, que deveria ser um espao de gesto e busca de encaminhamentos
compartilhados para a soluo dos problemas coletivos da regio, tem se transformado
num campo de tenses e disputas. O atraso frequente nas transferncias dos incentivos
estadual para os municpios, a falta de estrutura pblica na regio e a solicitao de
tabelas de valores complementares pelo setor privado tm tensionado a tomada de
decises e desmotivado o gestor a participar deste processo.
As Consideraes Finais descrevem as evidncias do estudo considerando os
objetivos propostos e apontam desafios para a implementao da politica de sade
regionalizada.
16
2 Federalismo e regionalizao
no Brasil
17
2 FEDERALISMO E REGIONALIZAO NO BRASIL
Com a Constituio Federal de 1988, a estrutura federativa brasileira passou a
contar com a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios, como entes
federativos autnomos (Brasil, 1988). A organizao poltico territorial dos estados
federativos uma forma inovadora de se lidar com o poder e a soberania, considerando
as heterogeneidades dos territrios (Abrucio, 2002). A singularidade do modelo federal
est na maior horizontalidade entre os entes.
As federaes so marcadas pela diversidade e pelo conflito, por cooperao e
competio. Neste sentido um arranjo federativo uma parceria, um pacto que se
estabelece entre unidades territoriais, que divide poder com respeito mtuo, sem que os
direitos sejam retirados dos pactuantes subnacionais. De forma coordenada, as
federaes podem estabelecer relaes de equilbrio e interdependncia entre eles
(Abrucio, 2002).
A estruturao federativa brasileira inspirou-se no modelo norte-americano, mas a
conformao foi diferente e antes de tornar-se uma federao passou por conflitos entre
o Poder Central e as elites regionais. Partiu-se de um Estado Unitrio muito centralizado
para um modelo descentralizado de poder. Passou por ciclos de centralizao e
consolidao do estado nacional, sucedidos de descentralizao do poder, processo que
gerou desigualdades significativas entre os estados brasileiros.
Aps o golpe de Estado de 1964, o regime militar fortaleceu o modelo unionista,
marcado pelo modelo de relaes intergovernamentais autoritrias e verticais. Os
governos subnacionais tinham que seguir obrigatoriamente os planos da Unio, sob a
ameaa de, nos casos de recusa, ficar sem as verbas. A autonomia poltica e
administrativa s foi recuperada com as eleies diretas a governador em 1982
(Abrucio, 2002).
As bases do Estado Federativo do Brasil foram recuperadas nos anos 80 e
fortaleceram os governos estaduais nessa dcada (Abrucio, 2005). O processo de
democratizao e descentralizao fiscal contemplado na Constituio de 1988 alterou
18
as relaes intergovernamentais e cada nvel de governo passou a ser uma autoridade
poltica e soberana.
O SUS foi criado nesse contexto, um pas federativo com heterogeneidades na
extenso e diversidade dos territrios socioeconmicos, com desigualdades regionais,
culturais e politicas (Abrucio, 2002), cujos preceitos constitucionais de 1988
contemplam que cabe a cada ente federativo a responsabilidade por organizar tal
sistema e de forma compartilhada a assegurar e viabilizar a integralidade da ateno
sade ao individuo.
No inicio do processo de descentralizao, o papel do governo federal limitava-se
a um repasse de funes aos demais entes federados, no havia por parte desse nvel de
governo iniciativas no sentido de compartilhar tarefas. Os governos estaduais
encontravam-se numa situao de indefinio de suas competncias em relao ao SUS,
e os municpios, entes federativos com o mesmo status jurdico que os estados e a unio,
assumindo novas funes e procurando encontrar o seu papel.
Nesse perodo, os estados estavam com a base de sustentao fiscal enfraquecida,
e o governo federal, com tendncia recentralizadora fiscal e poltica. Essa situao
contribuiu para desencadear um federalismo predatrio ou como denominado por
Abrucio (2002) compartimentalizado, onde cada nvel de governo procura o seu papel
especfico, ao mesmo tempo no h por parte do governo federal uma coordenao
intergovernamental. No campo das polticas pblicas, esse cenrio afetou o processo de
descentralizao, em especial num pas como o Brasil com regies federativas to
heterogneas.. A condio federalista consegue manter a estabilidade social e ameniza
as heterogeneidades regionais (Abrucio, 2002).
No mbito municipal a descentralizao e implementao do SUS gerou um
municipalismo autrquico, acentuou os problemas das relaes intermunicipais e no
incentivou a cooperao. Alm disso, desencadeou ao longo desse processo competio
entre os nveis de governo, na medida em que os municpios concorrem entre si pelo
dinheiro pblico dos demais nveis de governo. Em algumas situaes chegam a
repassar seus custos a outros entes, atravs do encaminhamento de seus muncipes para
fazerem uso dos servios de sade de outros municpios (Abrucio, 2002), sem a devida
pactuao.
19
Entre as diretrizes do SUS, a regionalizao da sade contemplada no artigo 198
da Constituio Federal de 1988, uma das estratgias da sua implementao, que
contempla tambm a descentralizao, mas o xito deste processo depende da realizao
de responsabilidades compartilhadas pelos trs entes federativos, e de aes especficas
e inerentes de cada territrio. Teoricamente supe-se que, se cada ente federativo
desempenhar o seu papel, o processo estar garantido, mas estas relaes no so to
simples, so complexas e se constituem em desafios para os gestores.
Com a descentralizao, a Unio a responsvel pelo financiamento, pela
formulao1 da poltica nacional de sade e coordenao das aes intergovernamentais.
Atravs do Ministrio da Sade, o governo federal tem autoridade para tomar as
decises mais importantes nesta poltica setorial e definir regras para a poltica nacional,
mas a formulao das polticas de sade deve contar com a participao de conselhos
que representam estados e municpios (Arretche, 2004).
Os princpios da universalidade, integralidade e equidade, bem como os da
descentralizao, hierarquizao e participao da comunidade no SUS fortalecem o
governo local e independentemente do porte municipal, requerem capacidade de gesto,
planejamento integrado, regulao do sistema, e construo de redes assistenciais que
atendam as necessidades de sade da populao considerando a integralidade da ateno
sade. Alm disso, requerem a implantao de conselhos de sade de forma a
legitimar a participao da comunidade.
Um sistema de sade com os princpios acima citados requer por parte dos
governos, a formao de arranjos para a gesto compartilhada, integrada e organizada
de forma a no ferir os princpios bsicos do federalismo, entre eles a autonomia, o
respeito mtuo e os direitos dos governos subnacionais (Abrucio, 2002).
Para legitimar esses princpios, necessrio que os servios de sade contemplem
integralmente as necessidades de sade da populao em todos os nveis de ateno e
isso representa para a maioria dos municpios custos superiores sua capacidade
financeira. Muitos deles encontram-se em situaes que requerem melhoria na
1 No processo de formulao de polticas pblicas, h o envolvimento de muitos segmentos que no o
governo, como os grupos de interesse, as classes sociais e outros, mas h tambm uma autonomia
relativa do Estado, que gera determinadas capacidades e cria as condies para a implementao
das polticas publicas (Souza, 2007 p.72).
20
infraestrutura, contratao de profissionais especializados e aquisio de equipamentos,
para oferecer servios de sade (Abrucio, 2002).
Embora o federalismo pressuponha autonomia de seus entes federativos
autnomos, prover servios que respondam integralidade contemplada no SUS, requer
atos jurdico-administrativos compartilhados (Santos e Andrade, 2011). A constituio
de regies, conforme define o Pacto pela Sade, uma alternativa que facilita aos
gestores implementar polticas pblicas que abarcam a complexidade e diversidade do
territrio. Requer arranjos cooperativos e compartilhamento de responsabilidades para
otimizar os custos e ampliar a oferta para que sejam alcanados os objetivos e princpios
do SUS.
O conceito de regio no nico e vrias correntes de pensamento tm
contribudo para aprofundar os estudos e conformar um conceito totalizador capaz de
abarcar a complexidade do que vem a ser uma regio. A regio ligada idia de espao
geogrfico surgiu com os postulados de Immanuel Kant, no momento em que foram
criadas as escolas de geografia na Frana e na Alemanha, no final do sc. XIX. Neste
perodo, com base nos princpios positivistas do sculo XVIII, afirmou-se que o
fundamento da geografia o espao geogrfico, que constitui a parte essencial da
histria dos homens. Para Kant no espao que estabelecemos relaes entre os fatos
exteriores a ns, o espao condio de toda experincia dos objetos e no pode ser
percebido empiricamente, porque o simples ato de situarmos alguma coisa "fora" de ns
j pressupe a representao do espao pode-se pensar o espao sem coisas, mas no
as coisas sem o espao. Segundo Kant, nada pode ser representado sem espao (Santos,
2009, p.186).
Na Alemanha, o conceito de destaque foi de regio natural divulgado por Ratzel,
que defendia que a existncia das diferenciaes regionais estava vinculada ao poder
que a natureza exercia sobre o homem, chegando ao ponto de determinar seu
comportamento (Fonseca, 1999, p.91).
Esse conceito recebeu muitas crticas da corrente francesa de Vidal de La Blache,
que entendia a regio enquanto entidade concreta, existente por si s, um dado puro
da natureza que diante da interao homem-meio pode tornar-se singular, pois a cultura
do homem pode influenciar a natureza e transformar a regio. Para La Blache, ao
21
gegrafo caberia apenas a tarefa de delimitar e descrever a regio (Fonseca, 1999,
Carvalho, 2002, p.138).
A corrente de pensamento de Vidal de La Blache defende a regio como uma
realidade fsica, uma referncia para a populao que l vive. Insere o elemento humano
na caracterizao da paisagem regional e produz um conceito de regio diferente
daquele de regio natural. Com o seu posicionamento a relao homem-meio pela
primeira vez agregado na riqueza da anlise regional (Carvalho, 2002).
Na Inglaterra e nos EUA tambm foram realizados estudos sobre regio. Na
dcada de 1950, apoiados no positivismo lgico, os estudos regionais sofrem mudanas.
Na nova concepo a regio deixa de ser um objeto concreto de anlise para se
transformar numa criao intelectual (Fonseca, 1999 p.92). Na nova geografia uma
nova teoria apresentada por Hartshorne a regio no uma realidade evidente, dada,
a qual caberia apenas ao gegrafo descrever. A regio um produto mental, uma forma
de ver o espao que coloca em evidncia os fundamentos da organizao diferenciada
do espao. No entendimento de Hartshorne, as regies possuem aspectos que so
singulares na sua espacialidade e o enfoque regional de cada pesquisador implica numa
produo mental, uma forma concebida de regio (Santos, 2009 p.189).
Opondo-se ao conceito de regio concreta de Vidal de La Blache, Hartshorne
enfatiza a regio como uma criao intelectual, visto que com o uso de tcnicas
estatsticas e afastadas do trabalho de campo, pode-se construir regies administrativas,
cristalizadas no tempo e no espao. Esta teoria sofre crticas, entendida como a-
histrica, no considera na regio os processos sociais, a existncia do tempo, suas
qualidades essenciais e gera rupturas. Novas correntes so expressas a partir dos anos
70, quando se considera que, diante dos problemas urbanos enfrentados, essa geografia
quantitativa no conseguiria compreender os fenmenos espaciais em sua plenitude
(Fonseca, 1999; Carvalho, 2002).
Com as crticas, a geografia embasada no positivismo chega ao fim, e a partir da
dcada de 70 as bases tericas e conceituais referentes anlise regional so
fundamentadas no materialismo histrico e dialtico e nas geografias humanista e
cultural (Fonseca, 1999).
Surgem as correntes de base marxista e fenomenolgica que, de forma comum,
preocupam-se com a ausncia do carter social na geografia atual e entendem o espao
22
como o lcus da reproduo das relaes sociais de produo. Assim uma nova
geografia vai se estruturando e valorizando os temas histricos e culturais, cuja vertente
tinha se perdido no paradigma quantitativo (Carvalho, 2002).
A corrente humanista incorporou o espao vivido na anlise regional, defendendo
que para compreender a regio necessrio viver na regio. Segundo Ribeiro (1993) a
regio como espao vivido pode ser definida como:
Uma poro territorial definida pelo senso comum de um determinado grupo social,
cuja permanncia em uma determinada rea foi suficiente para estabelecer
caractersticas muito prprias na sua organizao social, cultural e econmica. Este
espao , portanto socialmente criado e vai se diferenciar de outros espaos vizinhos por
apresentar determinadas caractersticas comuns que so resultantes das experincias
vividas e historicamente produzidas pelos prprios membros das suas comunidades
(Ribeiro, 1993, apud Carvalho, 2002, p.146).
Com a crise da modernidade e o nascimento da chamada ps-modernidade,
ocorrem mudanas no conceito de regio, o momento da pluralidade. Se antes as
cincias baseavam-se na filosofia iluminista, na racionalidade, na objetividade, na
cientificidade e nas leis universais, agora buscam o relativismo, a subjetividade, a
heterogeneidade e a fragmentao. So essas caractersticas que identificam a
contemporaneidade, que plural (Carvalho, 2002).
Durante muito tempo, a regio foi entendida como uma entidade autnoma,
limitada ao enfoque da localizao, com poucas relaes entre si. Com a globalizao as
regies passaram a estar interligadas e interdependentes, com diferenas que emergem
naturalmente, no se explicando apenas pelo seu contedo interno, mas pelo territrio
que tem uma historia e que est em contnua renovao (Santos, 1988).
Os estudos das regies, segundo Santos (1988), devem contemplar: a organizao,
o social, o poltico, o econmico, o cultural, os fatos concretos. Conhecendo estas
questes possvel identificar como a regio est inserida no cenrio econmico, o que
existe e o que novo, e assim captar o elenco de causas e consequncias do fenmeno.
Para este autor, o espao constitudo por um conjunto indissocivel de arranjos, de
objetos geogrficos, objetos naturais e objetos sociais, e a vida que os preenche e os
anima, ou seja, a sociedade em movimento. Portanto, o espao usado por todos, de todas
as existncias, sinnimo de espao humano (Santos, 1988).
23
Para ter valor e compreender o espao vivido e as transformaes que nele
ocorrem necessrio analisar em conjunto as variveis interdependentes que compem
o territrio e a sua historia. A anlise e compreenso da totalidade somente sero
possveis se for considerado no apenas o lugar, que no se explica por si, mas a historia
das relaes, dos objetos sobre os quais se do as aes humanas (Santos, 1988).
O espao vivido pode ser entendido como a rede de manifestaes da
cotidianidade desse sistema em torno da intersubjetividade que so, por sua vez, as
redes nas quais se constituem as existncias individuais no trabalho, na escola, na
famlia, nas outras diversas formas da vida societria (Rego e Reffatti, 2004, p.78).
O espao geogrfico prova a existncia, o quadro de referncias convencional-
latitude e longitude. As variveis podem mudar de um perodo para outro, mas se
analisadas num dado corte temporal sua funo e seus valores permanecem inalterados
do olhar escalar. importante considerar a escala geogrfica que se refere concepo
geomtrica e a escala temporal que se refere ao tempo, mas pessoas que habitam este
espao so seres em metamorfose e so capazes de influenciar a mudana social
(Santos, 2000).
Neste sentido o espao geogrfico entendido como sinnimo de territrio usado,
e visto como uma totalidade um campo privilegiado para a anlise, na medida em
que, de um lado, nos revela a estrutura global da sociedade e, de outro lado, a prpria
complexidade do seu uso (Santos, 2000, p.108).
Assim, para entender como ocorrem e se do as relaes no interior do espao
geogrfico, deve-se buscar a viso totalizadora da realidade concreta, que considera a
totalidade das causas e dos efeitos do processo scio territorial. O desafio entender
como est constitudo, ou seja, o que, como, onde, quando, por quem e para que o
territrio usado. preciso entender o contexto, reconhecer as heranas, as
intencionalidades, qualificar e quantificar os elementos, os atores e seus
comportamentos e como as relaes ocorrem entre estes elementos. identificar o que
novo e verificar se est em harmonia com o que j existia. Se analisado nesta concepo
possvel vislumbrar no territrio sua transformao2 no tempo e no espao (Silveira,
2011).
2 a funcionalizao dos eventos no lugar que produz uma forma, um arranjo, um tamanho do
acontecer, que no instante seguinte, cria outra funo outra forma e, por conseguinte, outros limites.
Muda a extenso do fenmeno porque muda a constituio do territrio: outros objetos, outras
24
Partindo do pressuposto de que o espao geogrfico tambm compreendido
como espao usado, constitudo por um arranjo de objetos materiais e imateriais, pode-
se compreender a regio como fato e como ferramenta. A regio como fato independe
das foras econmicas e polticas que dominam o territrio; a regio tal como foi
delimitada, com sua histria, seus conflitos, suas tenses diante dos processos de
modernizao territorial (Ribeiro, 2004, apud Viana et al., 2008).
A regio como ferramenta entendida como aquela que resulta da ao
hegemnica da conjuntura em que est circunscrita, ou seja, das foras econmicas e
polticas que dominam o territrio. Nela so criadas as condies para a implementao
de polticas construdas e reconstrudas por aes verticais para atender os interesses de
alguns setores da economia. Muitas vezes os atores hegemnicos mudam as condies
materiais e organizacionais do territrio, para que ele se ajuste sua convenincia ou
utiliza as condies antigas de forma a garantir a viabilidade das aes na regio
(Ribeiro, 2004, apu: Viana et al., 2008).
No Brasil a diviso das regies ocorreu em 1941, atravs do IBGE, cuja base de
organizao dos dados censitrios utilizou o conceito de regio natural, introduzido pelo
professor Delgado de Carvalho em 1913. Posteriormente, para fins administrativos,
foram modificadas para atender aos limites das unidades polticas que dividiam o pas,
resultando nas grandes regies naturais: norte, nordeste, leste, sul e centro-oeste que
foram redefinidas conceitualmente e modificadas em 1967 e em 1991 e utilizadas nos
estudos censitrios (Guimares, 2005).
Posteriormente as modificaes de diviso propostas pelo IBGE utilizaram a da
corrente do gegrafo Richard Hartshorne da escola americana, que considerava a regio
no como uma realidade dada, mas uma construo intelectual, um produto mental que
pode torn-la uma regio administrativa. Este entendimento estava em consonncia com
os objetivos dos tcnicos do IBGE, responsveis pelo planejamento territorial do pas.
Mais tarde, sob a influncia da escola francesa de Vidal de La Blache, passou-se a
acreditar que o espao poderia ser organizado de forma mais harmoniosa e equilibrada
atravs do planejamento regional, da o termo geografia ativa destacando o sentido de
uma geografia da ao que projeta a regio como objeto de interveno. Ainda que
implicitamente, a diviso regional do IBGE considere a regio como um espao de
normas convergem para criar uma organizao diferente. Muda a rea de ocorrncia dos eventos
(Santos, 1996, apud: Silveira, 2004, p.90).
25
interveno do estado e a totalidade espacial como um somatrio das partes e deixa de
considerar as variveis mais significativas para a identificao de suas caractersticas
mais homogneas. Para o IBGE, cabe ao planejador reconhecer a regio, descrev-la e
tornar claros os seus limites (Guimares, 2005, p.1020).
A regio, entendida como sinnimo de territrio usado, precisa considerar a
interdependncia e a inseparabilidade entre a materialidade e a ao, isto , o trabalho e
a poltica (Silveira, 2011, p.156), ou seja, a natureza e o seu uso, que inclui a ao
humana. Nesse sentido, preciso examinar os fixos e os fluxos. Os fixos, entendidos
como as vias de acesso: estradas, ferrovias, telecomunicaes, reas agrcolas e outras, e
os fluxos, como aquilo que mvel, como o transporte, o dinheiro, a informao e as
ordens. Esses fluxos de diversas naturezas tm deixado os lugares mais prximos (ou
no) uns dos outros.
Na sade a discusso sobre a organizao e disposio dos servios mdicos e
afins para uma dada regio aparece em 1920, quando Dawson apresentou por
solicitao do governo da Gr-Bretanha a proposta de organizao da proviso de
servios que deveriam estar disposio dos habitantes de uma dada regio. Segundo
esse relatrio era indispensvel uma nova organizao, por razes de eficincia, que
conjugasse esforos, e que deveriam concentrar-se numa nica autoridade de sade para
supervisionar a administrao local de todos os servios. Tambm sugeriu que fossem
criados conselhos consultivos mdico locais.
Para Dawson, qualquer plano de servios mdicos, preventivos e curativos, deve
ser acessvel a todas as classes da comunidade; adaptar-se s diversas condies locais e
compreender todos aqueles servios mdicos que so necessrios para a sade da
populao. Para ele os servios mdicos de diferentes nveis de complexidade e servios
complementares devem estar interligados e instalados considerando a distribuio da
populao e os meios de comunicao (Dawson, 1920, V). A proposta de Dawson faz
referncia quanto importncia de se organizar servios e redes de ateno, que
contemplem as necessidades da populao com comando nico em uma regio.
Embora contemplada na constituio vigente, inicialmente o processo de
descentralizao do SUS no considerou a regio, utilizou estratgias para reorganizar
as prticas de sade no nvel local, primeiro como distrito sanitrio-1988-1993,
depois como sistema municipal de sade -1993-2000 (Teixeira, 2002, p.154).
26
Com a edio das Normas Operacionais Bsicas, no inicio da dcada de 1990,
foram definidos: critrios e mecanismos de repasses financeiros entre unio estados e
municpios; instrumentos de prestao de contas e de acompanhamento das aes de
sade; e criados a Comisso Intergestores Tripartite-CIT e a Comisso Intergestores
Bipartite-CIB na NOB/93. Esta conduo foi estruturante no processo de
descentralizao, permitiu ao gestor ter clareza quanto aos custos e benefcios no
cumprimento dos critrios de repasse de recursos financeiros (MS, 1993).
A NOB/96 instituiu a redistribuio de recursos financeiros por meio de
transferncias per capita, do Piso da Ateno Bsica (PAB) fixo e varivel, da PPI, do
incentivo aos municpios que optassem por um modelo de ateno que contemplasse o
Programa de Sade da Famlia-PSF. Entre seus postulados, a NOB/96, refora a
necessidade de cooperao tcnica e financeira dos Estados e da Unio, com
responsabilidade conjunta na gesto do SUS em suas respectivas competncias (Barreto
e Silva, 2004).
As NOB foram importantes na descentralizao e estruturao dos sistemas locais
de sade e tambm aumentaram a autonomia dos gestores, mas as situaes de
desigualdade dos municpios continuaram presentes, em especial pela ausncia da esfera
estadual como coordenadora ativa do processo. A experincia dos gestores na
estruturao e conduo dos sistemas locais de sade foi fundamental para aprofundar
os debates quanto necessidade de conduzir a poltica de forma regionalizada, uma vez
que os limites da municipalizao autrquica j eram evidentes. Essa situao foi
amenizada pela criao e funcionamento da CIB, instncia constituda por gestores
estadual e municipais, espao de discusso do processo de implementao e conduo
da poltica estadual.
Para Viana et al. (2010) o processo de municipalizao at a dcada de 1990,
trouxe resultados positivos, entre eles: a expanso do acesso sade, a ampliao da
cobertura dos servios, a incorporao de prticas inovadoras na gesto e na assistncia;
a incorporao de novos atores e o aumento do financiamento pblico em sade por
parte dos estados e municpios. Mas, a descentralizao nesse perodo privilegiou os
municpios, e no valorizou o papel das Secretarias Estaduais de Sade na conformao
de arranjos regionais, resultando em intensos conflitos intergovernamentais,
competio, interesses divergentes e at mesmo comportamentos predatrios entre os
27
entes federativos. As estratgias de descentralizao at ento utilizadas no foram
suficientes para evitar os conflitos, fortalecer o compartilhamento e os mecanismos de
coordenao e cooperao intergovernamentais, de forma a favorecer o equilbrio entre
os pactuantes e amenizar os conflitos (Viana et al., 2010; 2011).
Naquele perodo, cada municpio trabalhava separado dos demais, e os problemas
no eram vistos como de micro ou macrorregio (Abrucio, 2005). Tambm foi na
dcada de 1990 que novos atores foram inseridos no interior da poltica de sade, como
os Consrcios Intermunicipais de Sade, que foram valorizados em relao
conformao dos sistemas locorregionais, mas no ganharam espao formal nas
instncias governamentais, como nas Comisses Intergestores (Viana et al., 2008). De
natureza privada, os Consrcios Intermunicipais de Sade, facilitaram o acesso do
usurio, mas muitos deles contriburam para a fragmentao do sistema de sade no
recorte regional, que no contou com iniciativas de regulao.
Neste contexto, as relaes passaram a ocorrer diretamente entre a unio e os
municpios, e os problemas enfrentados pelos gestores municipais ficaram mais
explcitos, mostrando os limites da municipalizao e a necessidade de rediscutir o
modelo de gesto. A importncia da coordenao das instncias estaduais na regulao
e na organizao de redes assistenciais regionalizadas torna-se mais expressiva e as
discusses acerca da regionalizao como estratgia de conduo da politica de sade
ganham espao na agenda dos implementadores da politica (Gadelha, 2011).
A regionalizao, contemplada na Constituio de 1988 como estratgia de
organizao das aes e servios pblicos de sade, juntamente com a descentralizao
e hierarquizao, insere-se na agenda do gestor com a edio da Norma Operacional de
Assistncia a Sade em 2001 e 2002. Esta norma foi debatida e consensuada entre o
Ministrio da Sade e instncias de representao de gestores: Conselho Nacional de
Sade, Conselho Nacional de Secretrios Estaduais de Sade/CONASS e de Secretrios
Municipais de Sade/CONASEMS (Souza, 2001) e estabelece estratgias de
planejamento para a constituio de redes regionais de sade.
Na NOAS 01/02, a regionalizao definida como uma macroestratgia que deve,
entre outros aspectos, contar com a coordenao dos governos estaduais; otimizar os
recursos disponveis; fortalecer a capacidade de gesto do SUS; viabilizar o
planejamento de sistemas de sade construdos de forma integrada; conformar redes
28
articuladas e cooperativas circunscritas a territrios delimitados pelo grau de
complexidade tecnolgica dos servios existentes entre municpios que compem a
regio. Deve ainda definir a populao adscrita, os fluxos e contra fluxos que garantam
a equidade ao usurio e seu acesso aos nveis de complexidade necessria para a
resoluo de seus problemas (MS, 2002a).
Entre as diretrizes da NOAS destacam-se: os gestores estaduais como
coordenadores da estruturao de redes regionalizadas, a elaborao do Plano Diretor de
Regionalizao (PDR), a Programao Pactuada e Integrada (PPI), e a definio dos
mdulos assistenciais. Com a implantao da PPI, o estado passa a coordenar os pactos
intermunicipais, por meio das instncias regionais que, fortalecidas, passam a regular o
sistema, com adequao de critrios e mecanismos, para a oferta e a demanda de
servios com base nos fluxos de acesso s referncias (Barreto e Silva, 2004).
A NOAS3 incentivou a construo de redes de servios de sade alm dos limites
territoriais dos municpios; estabeleceu mdulos assistenciais constitudos por um ou
mais municpios, com capacidade de ofertar populao adscrita procedimentos do
primeiro nvel de referncia para apoio ateno primria; definiu as caractersticas do
municpio sede do modulo assistencial, do municpio polo e as microrregies e regies
de sade consideradas como a base de planejamento integrado e regionalizado da
unidade da federao (MS, 2001).
A NOAS contemplou o planejamento integrado entre os municpios e o estado,
com a participao ativa das estruturas de conduo nas regies de sade. No entanto a
sua conduo no considerou a dinmica do territrio, no sentido de estimular os atores
a recriar os espaos, considerando as especificidades da regio, a complexidade dos
problemas sociais e a necessidade da articulao intersetorial para intervir sobre os
problemas.
A regionalizao contemplada na NOAS no trouxe avanos significativos para a
adequao regional dos processos de descentralizao em curso, visto que as
exigncias normativas na configurao das microrregies e regies de sade eram
excessivas, mas estimulou o planejamento regional, atravs do PDR, PDI e PPI (Viana
et al., 2008, p.96). A implementao da NOAS permitiu ao gestor visualizar seus limites
na municipalizao autrquica.
3 A NOAS estabeleceu dois nveis de ateno para habilitao de estados e municpios: gesto plena
da ateno bsica e gesto plena do sistema municipal (NOAS, 01/2001).
29
O PDR e o PDI so instrumentos de planejamento que expressam objetivos
comuns entre os entes federativos que integram a regio. Esse planejamento integrado
identifica as necessidades da regio; prope a organizao de redes de ateno; define
as articulaes tcnicas e polticas, os recursos e a viabilidade econmica necessria
para conformar o sistema regionalizado de assistncia sade e garantir, na regio, a
integralidade da assistncia e o acesso da populao, considerando suas necessidades. O
planejamento uma obrigatoriedade dos entes federativos, indutor das polticas, deve
ser ascendente, deve contar com a participao do Conselho Municipal de Sade e ser
compatvel com as necessidades de sade.
Com a implementao das NOB e com a NOAS, o SUS avanou, mas no
favoreceu o federalismo cooperativo. O modelo de gesto regional deve ser cooperativo
e as normas nacionais editadas devem ser em menor quantidade, de forma a permitir
que sejam recriados nos nveis subnacionais, modelos adequados singularidade dos
estados e regies. Essas entre outras razes indicam a necessidade de se viabilizar
pactos federativos que legitimem a autonomia dos entes (Mendes, 2011).
Na vigncia das NOB e NOAS, os problemas que ocorreram no sistema de sade
foram discutidos pelos gestores no interior das CIB, dos COSEMS, do CONASEMS e
do CONASS e serviram de reflexo para a elaborao do Pacto pela Sade/2006. Com a
edio deste pacto, a regionalizao se insere novamente na agenda do gestor como
estratgia de conduo, que agrega a dimenso tcnica e a poltica do SUS.
Com a edio do Pacto pela Sade/2006, a importncia da regionalizao como
uma diretriz do SUS reafirmada, uma nova configurao de regio formulada, novas
diretrizes so definidas e o territrio pensado na lgica de sistema e de
descentralizao (Viana et al., 2008). O Pacto no prope um modelo padro de regio
de sade e refere que As Regies de Sade so recortes territoriais inseridos em um
espao geogrfico contnuo, identificadas pelos gestores municipais e estaduais a partir
de identidades culturais, econmicas e sociais, de redes de comunicao e infraestrutura
de transportes compartilhados do territrio (MS, 2006). Nesse documento as diretrizes
da regionalizao consideram a regio no apenas como unidade de interveno do
estado, mas as diferentes estruturas da rede de ateno, os fixos e os fluxos de forma a
tornar a regio um territrio com capacidade resolutiva.
30
A regio de sade deve ser pensada a partir do funcionamento do territrio, que
no se configura apenas pelos limites territoriais, mas um territrio usado, um espao
vivido constitudo por contextos heterogneos, que pode criar um modus operandi
cooperativo, otimizar o custo e o uso de recursos e permitir uma nova maneira de
planejar, controlar e regular o sistema de sade (Viana e Lima, 2011). Sem ferir a
autonomia dos entes federativos (Abrucio, 2002), nestes espaos os pactos so
trabalhados entre os gestores locais, regionais e estaduais, para ampliar a governana e
propiciar a organizao e assim garantir acesso igual aos desiguais (Junqueira, 2004).
Entende-se que a regio de sade, possui duplo sentido:
[1]... base territorial cujos elementos engendram o planejamento de uma rede
de ateno integral sade, e os processos de incorporao tecnolgica,
qualificao e alocao de recursos humanos, de modo a garantir
autossuficincia do sistema de sade em reas especficas. Configuram-se,
ainda, como espaos geogrficos vinculados conduo poltico-administrativa
do sistema de sade de aes e servios de sade no territrio (Viana e Lima,
2011, p.13).
Este entendimento evidencia a complexidade da organizao e do financiamento
para dotar as regies de sade com autossuficincia no sistema de sade.
Com a descentralizao e implementao do SUS, foram definidos mecanismos
de distribuio e transferncias de recursos financeiros s instncias subnaciona