47
RDS VII (2015), 1, 189‑235 A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, a propósito dos swaps MESTRE DIOGO PEREIRA DUARTE A) Jurisprudência em análise TRIBUNAL DA RELAçÃO DE LISBOA Acórdão de 8 de maio de 2014, Processo 531/11.7TVLSB.L1‑8 Sumário: 1. O contrato de swap, ou contrato de permuta financeira, é o contrato pelo qual as partes se obrigam ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, na mesma moeda ou em moedas diferentes, numa ou várias datas predeterminadas, calculadas por referência a fluxos financeiros associados a um activo subjacente, geralmente uma determinada taxa de câmbio ou de juro. 2. À semelhança dos demais contratos derivados, os “ swaps” são fundamental‑ mente um instrumento de cobertura de risco, que permite às empresas, em particular, salvaguardar‑se das consequências adversas das oscilações desfavoráveis das taxas de juro e de câmbio, embora também sejam ocasionalmente utilizados para finalidades arbitragistas, especulativas, e até puramente contabilísticas. 3. Os swaps sobre taxas de juros ( interest rate swap) são contratos mediante os quais dois mutuários de empréstimos do mesmo montante e com o mesmo venci‑ mento, mas com taxas de juro calculadas sobre bases distintas, se comprometem a fazer pagamentos recíprocos, com base nas taxas de juro da contraparte, sobre o valor nocional, mantendo‑se as partes devedoras dos respectivos empréstimos para com os respectivos mutuantes. 4. O tipo mais comum e mais transaccionado tem por base uma troca de paga‑ mentos em taxa fixa por pagamentos em taxa variável e designa‑se comummente por plain vanilla ou coupon swap. 5. O pagador de taxa fixa recebe uma taxa variável e diz‑se que assume uma posição longa ou que compra o swap. Por outro lado, o recebedor da taxa fixa paga uma taxa variável e diz‑se que assume uma posição curta ou que vende o swap.

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, a propósito dos swaps

MestRe dioGo PeReiRa dUaRte

a) Jurisprudência em análise

tRiBUnaL da ReLaçÃo de LisBoaacórdão de 8 de maio de 2014, Processo 531/11.7tvLsB.L1 ‑8

sumário:

1. o contrato de swap, ou contrato de permuta financeira, é o contrato pelo qual as partes se obrigam ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, na mesma moeda ou em moedas diferentes, numa ou várias datas predeterminadas, calculadas por referência a fluxos financeiros associados a um activo subjacente, geralmente uma determinada taxa de câmbio ou de juro.

2. À semelhança dos demais contratos derivados, os “swaps” são fundamental‑mente um instrumento de cobertura de risco, que permite às empresas, em particular, salvaguardar ‑se das consequências adversas das oscilações desfavoráveis das taxas de juro e de câmbio, embora também sejam ocasionalmente utilizados para finalidades arbitragistas, especulativas, e até puramente contabilísticas.

3. os swaps sobre taxas de juros (interest rate swap) são contratos mediante os quais dois mutuários de empréstimos do mesmo montante e com o mesmo venci‑mento, mas com taxas de juro calculadas sobre bases distintas, se comprometem a fazer pagamentos recíprocos, com base nas taxas de juro da contraparte, sobre o valor nocional, mantendo ‑se as partes devedoras dos respectivos empréstimos para com os respectivos mutuantes.

4. o tipo mais comum e mais transaccionado tem por base uma troca de paga‑mentos em taxa fixa por pagamentos em taxa variável e designa ‑se comummente por plain vanilla ou coupon swap.

5. o pagador de taxa fixa recebe uma taxa variável e diz ‑se que assume uma posição longa ou que compra o swap. Por outro lado, o recebedor da taxa fixa paga uma taxa variável e diz ‑se que assume uma posição curta ou que vende o swap.

Page 2: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

190 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de maio de 2014

os pagamentos são feitos na mesma altura e na data dá regularização será calculado o diferencial entre os dois montantes e feita a compensação (netting), apenas havendo lugar ao pagamento da diferença líquida.

6. é improcedente qualquer qualificação ou equiparação do contrato de swap de taxas de juro como Jogo e aposta, com a consequência de não originar obriga‑ções civis válidas, pois no contrato de swap o risco a que as partes se expõem é em grande medida exógeno, isto é, resulta de circunstâncias exteriores ao contrato, com o activo ou passivo das partes e a variação das taxas de juro.

7. a inaplicabilidade da chamada “excepção de jogo” (artigo 1245.º do código civil) ao contrato de swap de taxas de juro corresponde ao relevante papel que este contrato hoje desempenha na gestão financeira do endividamento na actividade empresarial, sendo dominante na generalidade das ordens jurídicas e das economias desenvolvidas que nos são mais próximas.

8. a qualificação de contratos de swap de taxas de juros celebrados por institui‑ções financeiras, quer como contrapartes, quer como intermediárias, como contratos de jogo e aposta, com a consequente negação de eficácia vinculativa aos seus efeitos, limitaria a possibilidade de recurso a tais contratos na nossa ordem jurídica e pelas empresas portuguesas, também para finalidades com a gestão de riscos do balanço, colocando ‑as em desvantagem perante a generalidade das ordens jurídicas, onde tais contratos são admitidos, além de constituir uma restrição injustificada à actividade de intermediação financeira.

9. a resolução do contrato por alteração das circunstâncias (artigo 437.º do código civil) aplica ‑se no domínio dos contratos aleatórios, como são os contratos de swap.

i – Relatório

F… Lda., intentou contra Banco … s.a., acção com processo ordinário, pedindo a condenação do réu a ver resolvido o contrato denominado “contrato de permuta de taxa de juro” celebrado em 9.11.2007.

intentou, também, a autora contra o mesmo banco, duas outras acções ordi‑nárias, a que coube os n.º 533/11, e 532/11, com idênticos pedidos, tendo por referência outros dois contratos de permuta de taxa de juro, celebrados com o réu, vindo tais acções a ser apensadas à primeiramente instaurada (n.º 531/11) e seguindo, respectivamente, como apensos a) e B) sendo a partir da fase dos arti‑culados, todas tramitadas em conjunto, englobando, assim, os presentes autos, por via da apensação, as três acções ordinárias instauradas pela autora contra o réu, e tendo os apensos, os seguintes pedidos: apenso a – ser resolvido o contrato denominado “contrato de permuta de taxa de juro” celebrado em 23.7.2008: apenso B – ser resolvido outro contrato denominado “contrato de permuta de taxa de juro”, também, celebrado em 23.7.2008.

Page 3: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias a propósito dos swaps 191

alegou, em síntese, que celebrou com o réu, em 9.11.2007, um contrato epigrafado “contrato de permuta de taxa de juro”, com início em 12.11.2007 e data de vencimento em 11.12.2012. celebrou, também, em 23.7.2008 outro contrato (com a referência 0000.001), e sucedeu na posição que t… Lda. tinha num outro contrato de “permuta de taxa de juro” (com a referência 0000.001) este igualmente celebrado com o réu em 23.72008, tendo ambos como data de início 28.7.2008 e data de vencimento 29.7.2013. Mais alega que os contratos dos autos não representam qualquer possibilidade de ganho para a autora e garantem avultados e inesperadamente desproporcionais ganhos para o banco. o contrato de 2007 gerou para a autora prejuízos que ascendem a € 248.810,13 e continuará a gerar perdas até ao final da sua execução que se estimam em 300 mil euros. o contrato com a referência 0000, gerou prejuízos para a autora de €256.504,00 e continuará a gerar perdas até final da sua execução que se estimam em cerca de 400 mil euros. o contrato com a referência 000 gerou para a autora prejuízos que ascendem a €734.705,36 e continuará a gerar perdas até ao final da sua execução que se estimam em cerca de €2.250.000,00. tais prejuízos resultam da crise econó‑mica e financeira internacional e, em concreto, da descida abrupta, inesperada e anormal da taxa euribor a 3 meses que se verificou desde o último trimestre de 2008 e a sua manutenção em níveis que jamais estiveram na representação das partes aquando da celebração dos contratos. como a arquitectura dos contratos assenta na taxa euribor a 3 meses, a sua manutenção em níveis extremamente baixos determinou um desequilíbrio brutal dos contratos, pelo que, as perdas da autora e os correlativos ganhos do réu ofendem claramente a boa fé na formação e execução dos contratos, pelo que, ocorreu uma drástica e anormal alteração das circunstâncias, não existindo qualquer hipótese das prestações contratuais se voltarem a aproximar. alega, ainda, que os contratos dos autos consistem na modalidade em que as partes realizam a troca periódica de juros vencidos de um empréstimo a taxa fixa por juros vencidos de um empréstimo a taxa variável. concretamente. no contrato de 2007, a autora vinculou ‑se a pagar ao banco, trimestralmente, sobre a importância nominal acordada de €4.500.000,00, a seguinte taxa de juros: 1 – a taxa fixa de 4,35% caso a euribor 3 meses (fixada no primeiro dia útil de cada período de cálculo) seja inferior a 3,80% ou simul‑taneamente igual ou superior a 4,35% e igual ou inferior a 5,05%; ii – a taxa variável de juros euribor a 3 meses caso essa taxa seja simultaneamente igual ou superior a 3,80% e inferior a 4,35% ou superior a 5,05%. Por seu turno, o banco obrigou ‑se a pagar, trimestralmente, a taxa de juro variável euribor a 3 meses, sobre a importância nominal, fixada no primeiro dia útil de cada período de cálculo. nos contratos de 2008, varia a importância nominal, que é 14 milhões de euros num dos contratos e 4 milhões de euros no outro, obrigando ‑se no mais, em ambos, a autora a pagar, trimestralmente, à taxa fixa de 4,66% caso a euribor

Page 4: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

192 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de maio de 2014

3 meses seja inferior a 4,15% ou simultaneamente igual ou superior a 4,66% e igual ou inferior a 5,30%, ou a taxa variável de juros euribor 3 meses caso essa taxa seja simultaneamente igual ou superior a 4,15% e inferior a 4,66% ou supe‑rior a 5,30%. e, nestes contratos, o banco obrigou ‑se a pagar, trimestralmente, a taxa de juro variável euribor 3 meses.

contestou o réu, alegando, em resumo, que a autora celebrou com o banco réu 22 contratos de swap e celebrou contratos dessa natureza com outras insti‑tuições de crédito.

Relativamente ao instituto da alteração das circunstâncias em que a autora se funda, defende a sua inaplicabilidade, pois o acordo de vontades querido pelas partes não sofre qualquer alteração ou modificação pela circunstância da taxa de juro euribor 3 meses ter descido para valores inferiores aos limites inferiores previstos nos contratos. esta possibilidade de descida foi prevista, negociada e contratada pelas partes. ao longo da vida dos contratos não há nunca um agra‑vamento das obrigações da autora face ao que resulta do acordado, quanto à permuta de taxa. o que resulta do programa contratual é a admissão de ganhos e perdas – visando fixar uma taxa para os financiamentos subjacentes ao nominal pelo que, não há nada de inesperado ou não querido pelas partes. Por outro lado, as partes convencionaram a resolução do contrato, estabelecendo a faculdade de se afastar o cumprimento do prazo estabelecido e tanto basta para não se poder invocar a alteração das circunstâncias. alega, ainda, que a autora emitiu livranças caução titulando o risco que assumiu nos contratos, permitindo ao banco o seu preenchimento até ao limite de 420 mil euros (contrato de 2007), €615.202,00 (contrato ref 6930) e €1.820.000,00 (contrato ref 6928), aceitando expor o seu património a prejuízos desses montantes.

a autora apresentou réplica, opondo ‑se à excepção alegada na contestação e nada obstou quanto à apensação dos processos 533/11.3tvLsB da 14.ª vara, 3.ª secção e 532/11 .5tvLsB da 8.ª vara, 3.ª secção.

Por despacho de 23.01.2012, foi determinada a apensação de tais processos.no decurso da audiência de julgamento suscitou a autora a nulidade dos

contratos em causa porque, sendo meramente especulativos, falta ‑lhes causa e objecto, e prosseguem um fim contrário à lei, nulidade que sendo do conheci‑mento oficioso, pretende ver conhecida pelo tribunal.

o réu pronunciou ‑se, referindo que se mostra infundada a nulidade invo‑cada pela autora.

Foi proferida sentença que declarou nulos os contratos de swap celebrados entre autora e o réu e identificados nos pontos 3, 17 e 23 dos factos provados. Mais condenou a autora a restituir ao réu a quantia de €37.387,45 e o réu a resti‑tuir à autora a quantia de €1.514.990,41, quantias acrescidos de juros, à taxa legal de 4%, desde a notificação desta decisão até à efectiva restituição.

(…)

Page 5: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias a propósito dos swaps 193

ii – Fundamentação

a) Fundamentação de facto

da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:1.º – a autora é uma sociedade que se dedica à fabricação de produtos de

papel e alimentares – (a).2.º – o Réu, é uma sociedade bancária que, entre outras actividades, se dedica

à comercialização de produtos financeiros – (13).3.º – a autora celebrou com o banco Réu um contrato epigrafado

«contRato de PeRMUta de taXa de JURo (lnterest Rate swap)/B… Ref.: 000000000». datado de 9 de novembro de 2007, cuja cópia é fls 49 e 25 a 30 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, contrato com início em 12 de novembro de 2007 e data de vencimento em 12 de novembro de 2012 – (c).

4.º – Lê ‑se no acordo referido na alínea anterior, exarado a fls. 49 dos autos, que: «(…) termos do contrato. o Banco paga ao cliente no final de cada período entre a data de início e a data de vencimento, a taxa de juro euribor 3 Meses (fixada no 2.º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre), calcu‑lada sobre a importância nominal. em contrapartida, o cliente paga ao Banco no final de cada período trimestral entre a data de início e a data de venci‑mento, a seguinte taxa de juro (calculada sobre a importância nominal): – 4.35%, caso a euribor 3 Meses (fixada no 2.º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre) seja (i) inferior a 3.80%, ou caso seja (ii) simultaneamente (a) igual ou superior a 4.35%, e (b) igual ou inferior a 5.05%; ou – a taxa de juro euribor 3 Meses (fixada no 2.º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre), caso essa taxa de juro euribor 3 Meses seja (i) simultaneamente (a) igual ou superior a 3.80%, e (b) inferior a 4.35%, ou caso seja (iii) superior a 5.05%. Racional do contrato o contrato serve um objectivo de gestão de risco de taxa de juro, em que o cliente paga trimestralmente uma taxa de juro fixa de 4.35%, desde que a euribor 3 neses não supere 5.05%. adicionalmente, o cliente beneficia de poder pagar a taxa de juro euribor 3 Meses nos trimestres que essa mesma taxa seja inferior a 4.35%, mas sujeito a que não seja inferior a 3.80%. assim, o cliente registará uma perda com o contrato nos trimestres em que a euribor 3 Meses seja inferior a 3.80%, mas registará um ganho com o contrato nos trimestres em que a euribor seja, simultaneamente, superior a 4.35% e inferior a 5.05%. nos restantes casos, o cliente não registará qualquer ganho ou perda com o contrato nos respectivos trimestres. (…)» – (d).

5.º – a importância nominal acordada a que se reporta a alínea anterior, foi de €4.500.000,00 – (e).

Page 6: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

194 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de maio de 2014

6.º – consta do acordo referido na alínea c), concretamente no documento de fls. 25 a 30 dos autos, o seguinte: «(…) 3. Resolução antecipada: sem prejuízo dos termos previstos no contrato Quadro, o Banco ou o cliente poderão resolver, unilateralmente, o presente contrato no dia 12 de novembro de qualquer ano, com início em 2008. o exercício do direito de resolução do presente contrato terá lugar, mediante comunicação escrita dirigida à outra Parte, em carta regis‑tada com aviso de recepção ou por fax, a ser efectuada com uma antecedência de, pelo menos, 5 dias úteis face à data relevante para a resolução do contrato. sendo exercido o direito de resolução do presente contrato, o agente calculador determinará a quantia a pagar entre as Partes, utilizando o Método do valor de Mercado, e aplicando os princípios previstos no contrato Quadro. dependendo das condições de mercado prevalecentes à data relevante, a quantia, apurada nos termos descritos acima, será devida pelo cliente ao Banco ou pelo Banco ao cliente. (…)» – (F).

7.º – a execução do contrato referido na alínea c), gerou os seguintes resul‑tados económicos: a) no primeiro semestre de vigência (em 12 Fevereiro de 2008), a autora, após operada a compensação, recebeu € 2.663,50; b) no segundo semestre de vigência (em 12 Maio de 2008), a autora, após operada a compen‑sação, recebeu € 664,00; c) no terceiro semestre de vigência (em 12 de agosto de 2008), a autora, após operada a compensação, recebeu € 5.807,50; d) no quarto semestre de vigência (em 12 de novembro de 2008), a autora, após operada a compensação. recebeu € 7.084,00; e) no quinto semestre de vigência (em 12 de Fevereiro de 2009), a autora, após operada a compensação, recebeu € 644,00; f ) no sexto semestre de vigência (12 de Maio de 2009), a autora, após operada a compensação, pagou € 26.266,13: g) no sétimo semestre de vigência (12 de agosto de 2009), a autora, após operada a compensação, pagou € 34.925,50; h) no oitavo semestre de vigência (12 de novembro de 2009), a autora, após operada a compensação, pagou € 39.859,00; i) no nono semestre de vigência (12 de Fevereiro de 2010), a autora, após operada a compensação, pagou € 41.802,50; j) no décimo semestre de vigência (12 de Maio de 2010), a autora, após operada a compensação, pagou €41.029,00; k) no décimo primeiro semestre de vigência (12 de agosto de 2010), a autora, após operada a compensação, pagou € 42.182,00; l) no décimo segundo semestre de vigência (12 de novembro de 2010), a autora, após operada a compensação, pagou € 39.629,00 – (G).

8.º – no período referido na alínea anterior, o total de ganhos da autora foi de €16.883,00 e o total de perdas foi de €265.693,13 – (H).

9.º – a taxa euribor a 3 Meses registou, em 2007, um crescimento constante, com uma variação entre os 3,89% e os 4,81% (taxa média mensal), conforme consta dos seguintes quadros – (i):

(…)

Page 7: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias a propósito dos swaps 195

10.º – a taxa euribor 3 Meses registou em 2008 um declínio, com uma variação de 4,48% e 3,29% (taxa média mensal), conforme consta dos seguintes quadros – (J):

(…)11.º – a taxa euribor 3 Meses registou em 2009 um declínio, com uma

variação de 2,45% e 0,71% (taxa média mensal), conforme consta dos seguintes quadros – (K):

(…)12.º – a taxa euribor 3 Meses registou em 2010 um declínio, com uma

variação de 0,68% e 1,02% (taxa média mensal), conforme consta dos seguintes quadros – (L):

(…)13.º – em 2011, a taxa média mensal da euribor a 3 Meses, foi em Janeiro de

1,01%, e em Fevereiro de 1,08%, conforme consta dos seguintes quadros – (M):(…)

14.º – Mercê da insolvência do Lehman Brothers em 15 de setembro de 2008, e decorrente reacção europeia para reduzir o custo do financiamento, verificou ‑se a diminuição da taxa euribor – (n).

15.º – todos os cenários macroeconómicos, à data da celebração dos contratos em causa nos autos, apontavam para a estabilização ou ligeira flutuação da taxa euribor – (o).

16.º – as informações prestadas aos representantes da autora apontavam no sentido da manutenção da conjuntura económica vigente à data da celebração dos contratos em causa nos autos – (P).

17.º – a sociedade t…, Limitada celebrou com o banco Réu um contrato epigrafado «contRato de PeRMUta de taXa de JURo (interest Rate swap)/B… Ref.: 0000.001», datado de 23 de Julho de 2008, cuja cópia é fls. 117 e 25 a 29 dos autos (do apenso a), que aqui se dá por integralmente repro‑duzido, contrato com início em 28 de Julho de 2008 e data de vencimento em 29 de Julho de 2013 – (Q).

18.º – Lê ‑se no acordo referido na alínea anterior, exarado a fls. 117 dos autos (do apenso a), que: «(…) termos do contrato .o Banco paga ao cliente no final de cada período entre a data de início e a data de vencimento, a taxa de juro euribor 3 Meses (fixada no 2.º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre), calculada sobre a importância nominal. em contrapartida, o cliente paga ao Banco no final de cada período trimestral entre a data de início e a data de vencimento, a seguinte taxa de juro (calculada sobre a importância nominal): – 4.66%, caso a euribor 3 Meses (fixada no 2.º dia útil anterior ao início do respec‑tivo trimestre) seja (i) inferior a 4.15%, ou caso seja (ii) simultaneamente (a) igual ou superior a 4.66%, e (b) igual ou inferior a 5.30%; ou – a taxa de juro euribor

Page 8: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

196 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de maio de 2014

3 Meses (fixada no 2.º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre), caso essa taxa de juro euribor 3 Meses seja (i) simultaneamente (a) igual ou superior a 4.15%, e (b) inferior a 4.66%, ou caso seja (iii) superior a 5.30%. Racional do contrato – o contrato serve um objectivo de gestão de risco de taxa de juro, em que o cliente paga trimestralmente uma taxa de juro fixa de 4.66%, desde que a Furibor 3 meses não supere 5.30%. adicionalmente, o cliente beneficia de poder pagar a taxa de juro euribor 3 Meses nos trimestres que essa mesma taxa seja inferior a 4.66%, mas sujeito a que não seja inferior a 4.15%. assim, o cliente registará uma perda com o contrato nos trimestres em que a euribor 3 Meses seja inferior a 4.1 5%, mas registará um ganho com o contrato nos trimestres em que a euribor seja, simultaneamente, superior a 4.66% e inferior a 5.30%. nos restantes casos, o cliente não registará qualquer ganho ou perda com o contrato nos respectivos trimestres. (…)» – (R).

19.º – a importância nominal acordada a que se reporta a alínea anterior, foi de € 4.000.000,00 – (s).

20.º – a sociedade t…, Limitada, em 22 de dezembro de 2008, cedeu para a autora, então denominada Fábrica da B…, Limitada, a posição contratual que ocupava no contrato referido na alínea Q), conforme consta do documento cuja cópia é fls. 33 e 34 (do apenso a), cujo conteúdo integral se dá aqui por repro‑duzido – (t).

21.º – a execução do contrato referido na alínea Q), gerou os seguintes resultados económicos: a) em 28 de Janeiro de 2009, a autora, após operada a compensação, recebeu € 468,89; b) em 28 de abril de 2009. a autora, após operada a compensação, pagou € 25.110,00; c) em 28 de Julho de 2009, a autora, após operada a compensação, pagou € 34.925,50€; d) em 28 de outubro de 2009, a autora, após operada a compensação. pagou € 37.725,80€; e) em 28 de Janeiro de 2010), a autora, após operada a compensação, pagou € 40.163,1:; o em 28 de abril de 2010, a autora, após operada a compensação, pagou € 39.930,00; g) a 28 de Julho de 2010 a autora, após operada a compensação, pagou € 40.596,11; h) em 28 de outubro de 2010, a autora, após operada a compensação, pagou € 38.548,00 – (U).

22.º – no período referido na alínea anterior, o total de ganhos da autora foi de €468,89 e o total de perdas foi de € 256.998,53 – (v).

23.º – a autora celebrou com o banco Réu um contrato epigrafado «contRato de PeRMUta de taXa de JURo (interest Rate swap)/B… Ref: 0000,001», datado de 23 de Julho de 2008, cuja cópia é fls. 118 e 26 a 33 dos autos (do apenso B), que aqui se dá por integralmente reproduzido, contrato com início em 18 de Julho de 2008 e data de vencimento em 29 de Julho de 2013 – (W).

24.º – Lê ‑se no acordo referido na alínea anterior, exarado a fls. 118 dos autos (do apenso B), que: «(…) termos do contrato .0 Banco paga ao cliente

Page 9: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias a propósito dos swaps 197

no final de cada período entre a data de início e a data de vencimento, a taxa de juro euribor 3 Meses (fixada no 20 dia útil anterior ao início do respectivo trimestre), calculada sobre a importância nominal. em contrapartida, o cliente paga ao Banco no final de cada período trimestral entre a data de início e a data de vencimento, a seguinte taxa de juro (calculada sobre a importância nominal): – 4.66%, caso a euribor 3 Meses (fixada no 2.º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre) seja (i) inferior a 4.15%, ou caso seja (ii) simultaneamente (a) igual ou superior a 4.66%, e (b) igual ou inferior a 5.30%; ou – a taxa de juro euribor 3 Meses (fixada no 2.º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre), caso essa taxa de juro euribor 3 Meses seja (i) simultaneamente (a) igual ou supe‑rior a 4.15%, e (b) inferior a 4.66%, ou caso seja (iii) superior a 5.30%. Racional do contrato o contrato serve um objectivo de gestão de risco de taxa de juro, em que o cliente paga trimestralmente uma taxa de juro fixa de 4.66%, desde que a euribor 3 meses não supere 5.30%. adicionalmente, o cliente beneficia de poder pagar a taxa de juro euribor 3 Meses nos trimestres que essa mesma taxa seja inferior a 4.66%, mas sujeito a que não seja inferior a 4.15%. assim, o cliente registará uma perda com o contrato nos trimestres em que a euribor 3 Meses seja inferior a 4.15%, mas registará um ganho com o contrato nos trimestres em que a euribor seja, simultaneamente, superior a 4.66% e inferior a 5.30%. nos restantes casos, o cliente não registará qualquer ganho ou perda com o contrato nos respectivos trimestres. (…)» – (X).

25.º – a importância nominal acordada a que se reporta a alínea anterior, foi de €14.000.000,00 – (Y).

26.º – a execução do contrato referido na alínea W), gerou os seguintes resultados económicos: a) no primeiro semestre de vigência (em 28 de outubro de 2008), a autora, após operada a compensação, recebeu € 10.804,89; b) no segundo semestre de vigência (em 28 de Janeiro de 2009), a autora, após operada a compensação, recebeu € 9.230,67; e) no terceiro semestre de vigência (28 de abril de 2009), a autora, após operada a compensação, pagou € 87.885,00; d) no quarto semestre de vigência (28 de Julho de 2009), a autora, após operada a compen‑sação, pagou 115.367,78€; e) no quinto semestre de vigência (28 de outubro de 2009), a autora, após operada a compensação, pagou € 133.773,11; f ) no sexto semestre de vigência (28 de Janeiro de 2010), a autora, após operada a compen‑sação, pagou € 140.570,88; g) no sétimo semestre de vigência (28 de abril de 2010), a autora, após operada a compensação, pagou € 139.755,00: h) no oitavo semestre de vigência (28 de Julho de 2010), a autora, após operada a compen‑sação, pagou € 142.086,39; i) no nono semestre de vigência (28 de outubro de 2010), a autora, após operada a compensação, pagou €134.918,00 – (z).

27.º – no período referido na alínea anterior, o total de ganhos da autora foi de €20.035,56 e o total de perdas foi de € 754.740,92. – (aa).

Page 10: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

198 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de maio de 2014

28.º – a autora entregou ao Réu a livrança cuja cópia se encontra a fls. 51 e 52 dos autos, acompanhada do documento epigrafado «tÍtULo de aUto‑RizaçÃo de PReencHiMento de LivRança – caUçÃo PaRa ResPonsaBiLidades esPeciFicas coM avaL», junto a fls. 53 e 54 dos autos, cujo teor integral se dá aqui por reproduzido e do qual se destaca: «(…) a livrança remetida destina ‑se a titular todas e quaisquer responsabilidades emergentes do contrato de Permuta de taxa de Juro por nós acordado em 9 de novembro de 2007 e cujos termos e condições particulares foram confir‑madas por contrato confirmação com a referência n.º 000.001, até ao limite de eUR 420,000.00, incluindo o reembolso de capital, pagamento de juros remuneratórios e moratórios, comissões e demais encargos devidos. (…)» – (aB).

29.º – a autora entregou ao Réu a livrança cuja cópia se encontra a fls. 119 e 120 dos autos (do apenso a), acompanhada do documento epigrafado «tÍtULo de aUtoRizaçÃo de PReencHiMento de LivRança – caUçÃo PaRa ResPonsaBiLidades esPeciFicas coM avaL», junto a fls. 121 e 122 do mesmo apenso, cujo teor integral se dá aqui por repro‑duzido e do qual se destaca: «(…) a livrança remetida destina ‑se a titular todas e quaisquer responsabilidades emergentes da operação Financeira por nós acordado em 23 de Julho de 2008 e cujos termos e condições particulares foram confir‑madas por contrato confirmação com a referência n.º 0000.001, bem como de quaisquer alterações subsequentes acordadas entre nós e o Banco que modifiquem de alguma forma os termos ou condições desta operação, e ainda da resolução antecipada da operação, até ao limite de eUR 615.202,00, incluindo o reem‑bolso de capital, pagamento de juros remuneratórios e moratórios, comissões e demais encargos devidos. (…)» – (ac).

30.º – a autora entregou ao Réu a livrança cuja cópia se encontra a fls. 119 e 120 dos autos (do apenso B), acompanhada do documento epigrafado «titULo de aUtoRizaçÃo de PReencHiMento de LivRança – caUçÃo PaRa ResPonsaBiLidades esPeciFicas coM avaL». junto a fls. 122 e 123 do mesmo apenso, cujo teor integral se dá aqui por repro‑duzido e do qual se destaca: «(…) a livrança remetida destina ‑se a titular todas e quaisquer responsabilidades emergentes da operação Financeira por nós acordado em 23 de Julho de 2008 e cujos termos e condições particulares foram confir‑madas por contrato confirmação com a referência n.º 0000.001, bem como de quaisquer alterações subsequentes acordadas entre nós e o Banco que modifiquem de alguma forma os termos ou condições desta operação, e ainda da resolução antecipada da operação, até ao limite de eUR 1,820,000.00, incluindo o reem‑bolso de capital, pagamento de juros remuneratórios e moratórios, comissões e demais encargos devidos. (…)» (ad).

31.º – o contrato referido na alínea c), após o período mencionado na alínea G), gerou os fluxos constantes do documento de fls. 231, cujo teor integral

Page 11: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias a propósito dos swaps 199

se dá por reproduzido e, concretamente, os seguintes resultados para a autora: – no período de 12.11.2010 a 14.2.2011, após operada a compensação, a autora pagou €38.798,50; – no período de 14.2.2011 a 12.5.2011, após operada a compen‑sação, a autora pagou €35.409,00; – no período de 12.5.2011 a 12.8.2011, após operada a compensação, a autora pagou €33.626,00; – no período de 12.8.2011 a 14.11.2011, após operada a compensação, a autora pagou €32.958,75; no período de 14.11.2011 a 13.2.2012, após operada a compensação, a autora pagou €32.828,25; – no período de 13.2.2012 a 14.5.2012, após operada a compensação, a autora tem a pagar €37.310,00, quantia que ainda não pagou ao banco; – no período de 14.5.2012 a 13.8.2012, após operada a compensação, a autora tem a pagar €41.632,50. quantia que ainda não pagou ao banco; – no período de 13.8.2012 a 12.11.2012 (data em que findou), após operada a compensação, a autora tem a pagar €45.386,25, quantia que ainda não pagou ao banco – (1.º).

32.º – o banco Réu dava conta de previsões, como um crescimento econó‑mico a nível mundial e o aumento dos salários – (2.º)

33.º – a autora efectuava com o banco réu cerca de 60% do total das suas operações bancárias de financiamento – (4.º).

34.º – nunca foi equacionada pelas partes a alteração do cenário macroeco‑nómico de forma a determinar a redução da taxa de juro euribor a 3 Meses que se veio a verificar – (6.º).

35.º – o contrato referido na alínea Q), após o período mencionado na alínea U), gerou os fluxos constantes do documento de fls.232 cujo teor integral se dá por reproduzido e, concretamente, os seguintes resultados para a autora: – no período de 28.10.2010 a 28.1.2011, após operada a compensação, a autora pagou €37.035,12; – no período de 28.1.2011 a 284.2011, após operada a compen‑sação, a autora pagou €36.090,00; – no período de 28.4.2011 a 28.7.2011, após operada a compensação, a autora pagou €33.356,56; – no período de 2U.220 11 a 28.10.2011, após operada a compensação, a autora pagou €3 1.126,67; – no período de 28.10 ‑2011 a 30.1.2012, após operada a compensação, a autora pagou €32.085,33; – no período de 30.1.2012 a 30.4.2012, após operada a compen‑sação, a autora tem a pagar ao banco €35.570,89, quantia que ainda não pagou; – no período de 30.4.2012 a 30.7.2012, após operada a compensação, a autora tem a pagar ao banco €39.837,78, quantia que ainda não pagou; – no período de 30.7,2012 a 29.10.2012, após operada a compensação, a autora tem a pagar ao banco €42.850,89, quantia que ainda não pagou; – no período de 29.10.20 12 a 28.1.2013, após operada a compensação, a autora tem a pagar ao banco €45.085,45. quantia que ainda não pagou; após 28.1.2013 e até ao final da sua execução, se a taxa de juros euribor a 3 meses, se mantiver nos índices registados desde Janeiro de 2009 e constantes do documento de fls. 231 e 232, o contrato gerará para autora a obrigação de pagar juros em montantes da ordem daqueles que pagou desde final de Janeiro de 2009 – (7.º).

Page 12: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

200 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de maio de 2014

36.º – o contrato referido na alínea W), após o período mencionado na alínea z) gerou os fluxos constantes do documento de fls.232 cujo teor integral se dá por reproduzido e, concretamente, os seguintes resultados para a autora: – no período de 28.10.2010 a 28.1.2011, após operada a compensação, a autora pagou €129.622,88; – no período de 28.1.2011 a 28.4.2011, após operada a compen‑sação, a autora pagou €126.315,00; – no período de 28.4.2011 a 28.7.2011, após operada a compensação, a autora pagou €116.747,94; – no período de 28.7.2011 a 28.10.2011, após operada a compensação, a autora pagou €108.943,33; – no período de 28.10.2011 a 30.1.2012, após operada a compensação, a autora pagou €112.298,67; – no período de 30.1.2012 a 30.4.2012, após operada a compen‑sação, a autora tem a pagar ao banco €124.498,11, quantia que ainda não pagou; – no período de 30.4.012 a 30.7.2012, após operada a compensação, a autora tem a pagar ao banco €139.432,22, quantia que ainda não pagou; – no período de 30.7.2012 a 29.10.2012, após operada a compensação, a autora tem a pagar ao banco €149.978,1], quantia que ainda não pagou; – no período de 29.10.2012 a 28.1.2013, após operada a compensação, a autora tem a pagar ao banco €157.799,05, quantia que ainda não pagou; após 28.1.2013 e até ao final da sua execução, se a taxa de juros euribor a 3 meses, se mantiver nos índices registados desde final de Janeiro de 2009 e constantes do documento de fls. 232, o contrato gerará para autora a obrigação de pagar juros em montantes da ordem daqueles que pagou desde final de Janeiro de 2009 – (8.º).

37.º – a autora antes da celebração dos contratos em causa nos autos já conhecia este tipo de contratos e, fora os que estão em causa na acção, celebrou com o réu outros contratos de “permuta de taxa” desde 2005 a 2008 – (9.º e 10.º).

38.º – o risco para o banco Réu, derivado da celebração dos contratos de “swap”, é coberto por operação paralela, de sinal contrário, com outra entidade financeira – (12.º).

B) Fundamentação de direito

as questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663.º n.º 2, 608.º n.º 2, 635.º n.º 4 e 639.º n.os 1 e 2 do novo código de Processo civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável por força do seu artigo 5.º n.º 1, em vigor desde 1 de setembro de 2013, são as seguintes:

– nulidade do contrato;– abuso de direito;– Reenvio prejudicial.– Resolução do contrato por alteração das circunstâncias

Page 13: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias a propósito dos swaps 201

nulidade do contrato

a sentença recorrida considerou que os contratos em causa têm finalidades puramente especulativas, para ambas as partes, o que acarreta a sua invalidade e ilicitude. a nulidade em causa, reconduz ‑se a apostas de taxa de juro e, por isso, com fim contrário à lei.

o banco apelante conclui pela validade dos contratos de swap.cumpre decidir.conforme decidiu o stJ no seu acórdão de 10.10.20131, “para melhor

compreensão da questão suscitada, importa analisar o que seja um contrato de swap, o que implicará uma prévia análise do que sejam instrumentos financeiros e instrumentos derivados.

os instrumentos financeiros são um conjunto de instrumentos juscomerciais susceptíveis de criação e/ou negociação no mercado de capitais, que têm por fina‑lidade primordial o financiamento e/ou a cobertura do risco da actividade econó‑mica das empresas. tais instrumentos financeiros encontram ‑se expressamente consagrados no artigo 2.º, n.os 1 e 2 do cvM, sendo os instrumentos derivados um dos tipos ou categorias dos instrumentos financeiros, contradistinguindo ‑se dos demais (instrumentos mobiliários e instrumentos monetários) por serem instrumentos típicos do mercado de capitais a prazo. ou seja, o mercado dos deri‑vados caracteriza ‑se por ser um segmento do mercado financeiro cujas operações, no lugar de serem objecto de execução imediata (operações a contado ou spot), envolvem a existência de um período de tempo mais ou menos longo que pode ir de alguns meses a algumas semanas ou dias apenas, entre a data da sua celebração e a data da execução dos direitos e obrigações deles emergentes (operações a prazo ou “forward”), podendo esse prazo ter uma natureza firme ou condicional.

na definição de engrácia antunes2, “designam ‑se por instrumentos derivados ou simplesmente derivados, os instrumentos financeiros resultantes de contratos a prazo celebrados e valorados por referência a um determinado activo subjacente”.

a doutrina jurídica e económica especializada tem procurado agrupar os instrumentos derivados em diferentes espécies ou tipologias, de acordo com uma diversidade de critérios ordenadores, sendo o critério mais divulgado o que clas‑sifica os derivados de acordo com o conteúdo da posição jurídico – contratual. segundo este critério, os “swaps”, (a par dos “futuros” e “opções”) são um tipo de instrumento financeiro derivado nominado, previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea e) do cvM. todavia, ao contrário dos futuros e das opções, os “swaps” são tipica‑mente derivados de mercado de balcão.

1 Processo n.º 1387/11.5tBBcL.G1.s1, 7.ª secção, in www.dgsi.pt/stj.2 “os derivados”, in Cadernos do Mercado de Valores Imobiliário, n.º 30, pp. 118 a 119.

Page 14: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

202 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de maio de 2014

o swap faz, assim parte, em conjunto com outros instrumentos financeiros dos quais se destacam os futuros e as opções, dos mercados de produtos derivados ou mercados derivados. a atribuição da designação “derivativo” ou “produto derivado” tem origem no facto de se tratar de activos que têm subjacentes outros activos. o cMv não fornece uma definição legal do contrato de swap, a qual é, no entanto, consensual entre a doutrina”.

José a. engrácia antunes designa o swap como “o contrato pelo qual as partes se obrigam ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, na mesma moeda ou em moedas diferentes, numa ou várias datas predeterminadas, calculadas por referência a fluxos financeiros associados a um activo subjacente, geralmente urna determinada taxa de câmbio ou de juro”3. e continua o mesmo autor, referindo que “À semelhança dos demais contratos derivados, os “swaps” são fundamentalmente um instrumento de cobertura de risco, que permite às empresas, em particular, salvaguardar ‑se das consequências adversas das oscila‑ções desfavoráveis das taxas de juro e de câmbio, embora também sejam ocasio‑nalmente utilizados para finalidades arbitragistas, especulativas, e até puramente contabilísticas (pág. 647).

nos swaps de juros, as partes contratantes acordam trocar entre si quantias pecuniárias expressas numa mesma moeda, representativas de juros vencidos sobre um determinado capital hipotético, calculados por referência a determinadas taxas de juro fixas e/ou variáveis: estes contratos podem também, por seu turno, revestir duas variantes fundamentais, consoante o cálculo dos juros de uma das partes se realiza a taxa fixa e o da outra a taxa variável ou mediante a aplicação a ambas de taxas variáveis definidas em base distintas4.

na definição de carlos costa Pina5, os swaps consistem em contratos nos termos dos quais as partes acordam no pagamento de prestações recíprocas (troca de pagamentos; contrato de permuta financeira) entre si, tendo por base uma determinada taxa de câmbio ou de juro (“exchange rate swap” ou ”interest rate swap”), fixa ou variável (“floating rate”), sendo frequente as partes acordarem no sentido de uma delas efectuar prestações a uma taxa fixa, recebendo da outra, em contrapartida, prestações tendo por base uma taxa variável.

Para antónio Pereira de almeida6 “os swaps sobre taxas de juros (interest rate swap ou iRs) são contratos mediante os quais dois mutuários de empréstimos do mesmo montante e com o mesmo vencimento, mas com taxas de juro calculadas

3 Direito dos Contratos Comerciais, almedina, p. 647.4 autor e ob. cit., p. 651.5 Instituições e Mercados Financeiros, almedina, p. 462.6 Sociedades Comerciais, Valores Mobiliários, Instrumentos Financeiros e Mercados, vol. 2, 7.ª ed., coimbra editora, pp. 87 e 88.

Page 15: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias a propósito dos swaps 203

sobre bases distintas, se comprometem a fazer pagamentos recíprocos, com base nas taxas de juro da contraparte, sobre o valor nocional, mantendo ‑se as partes devedoras dos respectivos empréstimos para com os respectivos mutuantes. o tipo mais comum e mais transaccionado tem por base uma troca de pagamentos em taxa fixa por pagamentos em taxa variável e designa ‑se comummente por plain vanilla ou coupon swap.

o pagador de taxa fixa recebe urna taxa variável e diz ‑se que assume uma posição longa ou que compra o swap. Por outro lado, o recebedor da taxa fixa paga uma taxa variável e diz ‑se que assume uma posição curta ou que vende o swap. os pagamentos são feitos na mesma altura e na data da regularização será calculado o diferencial entre os dois montantes e feita a compensação (netting), apenas havendo lugar ao pagamento da diferença líquida”.

Para Maria clara calheiros7, “o contrato de swap é um contrato aleatório, residindo nessa aleatoriedade o seu interesse para as partes. a álea própria do contrato é, pois, em cada caso, a variação das taxas de juros, dos câmbios, dos preços de certas matérias primas, etc”.

e a mesma autora, dá o seguinte exemplo: “ assim, se a contrai um emprés‑timo a taxa variável, mas acredita que as taxas no mercado vão subir, poderá através de um contrato de swap de taxa de juro vir a inverter essa exposição ao risco da subida, assumindo pagamentos de fluxos financeiros a taxa fixa a uma contra‑parte. e o que acontece se as taxas de juro vierem a baixar? Perde, obviamente, já que não transmitiu o risco para qualquer outra entidade, apenas logrou um efeito económico de cobertura, assente na sua expectativa quanto ao comporta‑mento da taxa de juro em questão no mercado”. o contrato de swap visa orga‑nizar o pagamento recíproco de somas de dinheiro em que o valor nominal de ambas ou de uma só das prestações a efectuar, ou, pelo menos, o seu valor real, não está determinado desde logo, antes depende do nível das taxas de juro ou de câmbio que se verificarem num determinado mercado de capitais. sendo as datas de pagamentos periódicos as mesmas para ambas as partes, a operação traduzir‑‑se ‑á, em tais datas de vencimento, num ganho líquido para um dos contraentes e numa perda correspondente para o outro”

no caso dos autos, estamos perante o denominado swap de taxas de juro, em que se estabelece um limite máximo para a taxa de mercado que os juros variáveis possam atingir e em que se estabelece um limite mínimo para essa mesma taxa – Ur factos provados sob os n.os 4.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º.

7 “o contrato de swap no contexto da actual crise Financeira Global”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 42, abril/Junho 2013, pp. 5 e 8.

Page 16: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

204 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de maio de 2014

aqui chegados, importa agora entrar directamente no cerne da questão submetido no presente recurso, ou seja, se os contratos de swap enfermam do vício apontado na sentença, que consiste em saber se os mesmos são nulos.

dito de outra forma, importa saber se os contratos de swap configuram efec‑tivamente um contrato de aposta, tal como foi entendido na sentença recorrida, que declarou os contratos nulos.

no seu parecer junto aos autos a fls. 771 a 869, o Professor Pinto Monteiro, (maxime a fls. 784 e 785) ensina que “o contrato de swap, sendo hoje um contrato já nominado mas legalmente atípico, tem o seu fundamento no princípio da liberdade contratual (art.º 405.º do código civil). Pese embora beneficie já hoje de algumas referências legislativas . isso não chega para se considerar ter este contrato já definido na lei o seu regime jurídico, razão por que o consideramos um contrato legalmente atípico.

contrato nominado, legalmente atípico, mas lícito, válido e socialmente típico, cumprindo uma função económico ‑social importante e correspondendo a interesses dignos de protecção legal (artigo 398.º n.º 2 cc), o contrato de swap de taxas de juro é um instrumento de grande relevo, “maxime” ao nível da gestão das taxas de juro. não é por acaso que ele percorre já hoje o mundo inteiro!

Já dissemos que o contrato de swap é um contrato aleatório.Maria clara calheiros, a este propósito escreveu8: “o carácter aleatório do

swap fez temer, a uma grande parte da doutrina, que este contrato viesse a ser classificado como contrato de jogo ou de aposta. esta hipótese, a verificar ‑se, teria consequências catastróficas para a evolução futura do mercado de swap e colo‑caria em perigo os interesses de todos aqueles que fossem já pates em contratos de swap exequendos”.

a mesma autora, debruçando ‑se sobre o acórdão do tribunal da Relação de Lisboa, de 21.03.20139, que declarou nulo um contrato de swap, por julgá ‑lo assimilável à figura da aposta, subsumindo ‑o assim ao regime de desfavor que o código civil institui no artigo 1245.º, escreveu:

“nos principais países de tradição civilística, bem como nos países anglo‑‑saxónicos, também o jogo e aposta são vistos pelos ordenamentos jurídicos respectivos de forma pouco favorável. é, pois, fácil compreender que tenha exis‑tido desde sempre fundado receio, por parte dos juristas que participaram e acom‑panharam o processo de criação e desenvolvimento deste novo contrato, ante a possibilidade de verem os wap ser classificado na categoria dos contratos de jogo e aposta. este receio foi, de resto, confirmado no decurso do tempo, por várias decisões judiciais, de que a decisão portuguesa atrás citada é apenas um último

8 ob. cit., p. 7.9 Processo n.º 2587/10.0 tvLsB1.1 ‑6.

Page 17: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias a propósito dos swaps 205

exemplo. assim, embora o legislador tenha acolhido expressamente os contratos de swap na categoria de “instrumentos financeiros”, estabelecida no art.º 2.º do cvM (alínea e) do n.º 1), tal não veio a impedir que a validade de alguns contratos de swap continue a ser questionada nos tribunais, pelo seu desenho contratual específico”10.

Mas será o contrato de swap um jogo ou uma aposta, merecendo, portanto, o mesmo regime legal?

a esta questão responde o Professor antónio Pinto Monteiro no seu parecer, a fls. 848, discordando do referido acórdão do tribunal da Relação de Lisboa de 21.03.2013, do seguinte modo: “a especulação pode ser uma das finalidades do swap de taxa de juro, como o valor monetário de referência deste é, por definição, nocional. acresce, ainda, que (fls 852 ‑853) nos swaps mais comuns, os coupon swaps ou plain vanilla, em que uma das partes permuta uma taxa variável por outra fixa, pode haver uma parte que possa afastar o risco da flutuação das taxas de juro, protegendo ‑se assim do risco inerente à relação subjacente, é necessário que haja um agente económico disposto a assumir esse risco. este último estará a aceitar a incerteza inerente àquela flutuação, como vista, claro está, à obtenção de um beneficio financeiro. estará, então, a especular. Portanto a especulação tem necessariamente uma finalidade económica legítima nestes swaps de taxa de juro, pelo que não pode ser de afastar, tout court, enquanto interesse digno de protecção jurídica. o especulador é, por conseguinte, crucial para os mercados enquanto tomador de risco que permite àqueles que lhe são avessos protegerem ‑se, contribuindo assim para o bom e eficiente funcionamento dos mercados.

em suma, há especulação séria, informada e indispensável ao sistema finan‑ceiro, a qual desempenha um papel económico, não só legítimo, como também indispensável, mesmo”. “a relevância da finalidade especulativa cuja satisfação os contratos de swaps proporcionam é reforçada pelo facto de estes funcionarem no contexto de um mercado, onde contribuem para a criação de oportunidades de gestão do risco. a flexibilidade que eles tornam possível abre a sociedades comer‑ciais e a outros agentes económicos as portas de acesso a numerosos instrumentos financeiros, o que pode contribuir para estabilizar a volatilidade inerente ao sistema económico. tudo isto reforça a conclusão de que a especulação embutida em vários swaps não é indesejável e desprovida de qualquer relevância económica, mas antes especulação (isto quando o swap concreto tem a especulação por finalidade) típica de transacções de mercado, através da qual são canalizadas muitas das decisões racio‑nais do mundo dos negócios financeiros. ao contrário da cobertura do risco, o

10 no sentido da inaplicabilidade da excepção do jogo e aposta ao swap de taxa de iuros, vide anotação de calvão da silva ao acórdão do tribunal da Relação de Lisboa de 21.03.2013, in RLJ, ano 142.º, Março ‑abril de 2013, n.º 3979, pp. 238 e ss.

Page 18: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

206 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de maio de 2014

comportamento especulativo tem, portanto, um significado e motivo económicos, contrariamente ao jogo e à aposta, incapazes de motivação racional económico‑‑financeira. Pelo que, à semelhança da finalidade jurídico económica de cober‑tura de risco, que goza de inegável importância, também a especulação tem o seu espaço relevaste como fito legítimo dos derivados. abraçando ‑se a especulação como finalidade legítima, e não pecaminosa ou moralmente condenável, do swap, perde relevância o requisito de ligação precisa com uma relação jurídica subjacente, que o douto acórdão do tribunal da Relação de Lisboa impõe para a validade do swap, com o intuito de reforçar a ideia de que os wap só tem autonomia jurídica quando é exclusivamente de cobertura de risco. e permite ‑se, portanto, que o valor monetário de referência do swap de taxa de juro – ao qual serão aplicadas as taxas de juro das partes do swap para determinar os montantes que cada uma deve pagar à outra num dado período – seja nocional, isto é, fictício, o que, de resto, corresponde à definição desta modalidade de swap e a uma prática corrente de décadas. pelo exposto, não podemos deixar de ver a especulação “séria”, racional e assente na prossecução de objectivos económicos e financeiros como um interesse “digno de protecção legal”, nos termos do n.º 2 do artigo 398.º do código civil.

O swap não é jogo nem aposta, não lhe sendo, portanto, aplicável o regime jurídico destes – parecer de fls. 853‑857.

o Professor Paulo Mota Pinto, no seu parecer de fls. 461 a 577, conclui que é improcedente qualquer qualificação ou equiparação do contrato de swap de taxas de juro como jogo e aposta, com a consequência de não originar obrigações civis válidas, pois no contrato de swap o risco a que as partes se expõem é em grande medida exógeno, isto é resulta de circunstâncias exteriores ao contrato, com o activo ou passivo das partes e a variação das taxas de juro (fls 570). a inaplicabilidade da chamada “excepção de jogo” (artigo 1245.º do código civil) ao contrato de swap de taxas de juro corresponde ao relevante papel que este contrato hoje desempenha na gestão financeira do endividamento na actividade empresarial, sendo dominante na generalidade das ordens jurídicas e das economias desenvolvidas que nos são mais próximas. a qualificação de contratos de swap de taxas de juros celebrados por instituições financeiras, quer como contrapartes, quer como intermediárias, como contratos de jogo e aposta, com a consequente negação de eficácia vincu‑lativa aos seus efeitos, limitaria a possibilidade de recurso a tais contratos na nossa ordem jurídica e pelas empresas portuguesas, também para finalidades com a gestão de riscos do balanço, colocando ‑as em desvantagem perante a generali‑dade das ordens jurídicas, onde tais contratos são admitidos, além de constituir urna restrição injustificada à actividade de intermediação financeira (fls. 571 ‑572).

o contrato de swap de taxas de juro é admitido pela nossa ordem jurídica, mesmo quando não exista um elemento subjacente ao respectivo valor nocional, e quaisquer finalidades especulativas apenas poderão relevar se forem, em primeiro

Page 19: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias a propósito dos swaps 207

lugar, ilícitas (e não apenas especulativas), e se forem, em segundo lugar, comuns a ambas as partes, o que não é o caso apenas porque se celebrou um contrato de swap sobre activos de natureza nocional fictícia ou hipotética, sem qualquer subjacente.

contra o entendimento da doutrina acima exposta se pronunciou o Professor Lebre de Freitas no seu parecer de fls. 674 a 767, referindo, em síntese, que, na falta de uma lei que inequivocamente reconheça o contrato de swap cuja função seja meramente especulativa, ele cai sob a alçada do regime geral do jogo ou aposta, ferido pelo artigo 1245.º do código civil de ilicitude (da causa) e, portanto, de nulidade.

Pelas razões acima expostas concordamos com a anterior doutrina e discor‑damos do parecer do Professor Lebre de Freitas.

em suma, contrariamente ao entendimento da sentença recorrida, os contratos de swap de taxas de juros entre a autora e o réu são válidos e fontes de obrigações civis, não sendo geradores da apontada nulidade.

nesta medida, procedem as conclusões das alegações do banco apelante.sendo válidos os contratos, torna ‑se inútil a apreciação das restantes questões

suscitadas pelo apelante, designadamente o abuso de direito e o reenvio prejudicial

Resolução do contrato por alteração das circunstâncias

Recordamos que a autora fundou a causa de pedir da presente acção no âmbito do instituto da alteração das circunstâncias previsto no artigo 437.º do código civil.

a sentença recorrida optou por conhecer oficiosamente da nulidade dos contratos em causa, decretando a nulidade dos mesmos.

importa agora apreciar a questão sob este prisma, ou seja, em saber se, uma vez celebrados os aludidos contratos de swap, e tendo ocorrido alteração anormal das circunstâncias, existentes à data dessa celebração, que torne os contratos mais gravosos para uma das partes, deve esta, mesmo assim, cumpri ‑lo tal como foi ajustado ou pode dá ‑los sem efeito ou, pelo menos, satisfazê ‑los em termos menos onerosos.

cumpre decidir.o artigo 437.º do código civil dispõe sobre a resolução ou modificação do

contrato por alteração das circunstâncias nos seguintes termos:

“1 – Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte grave‑mente os princípios da boa‑fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.

2 – Requerida a resolução, a parte contrária pode opor ‑se, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior”.

Page 20: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

208 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de maio de 2014

o disposto no artigo 437.º do código civil pressupõe que se tenha produ‑zido uma alteração anormal das circunstâncias que foram basilares para a decisão dos contraentes de tal modo que a base de negócio tenha desaparecido ou tenha sido substancialmente modificada; que a exigência das obrigações assumidas pela parte lesada afecte gravemente os princípios de boa fé; que tal exigência não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato e que a parte lesada não esteja em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou.

analisando este preceito, ensina o Prof. Galvão telles11 que circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar “são as circunstâncias que determi‑naram as partes a contratar, de tal modo que, se fossem outras, não teriam contra‑tado ou tê ‑lo ‑iam feito ou pretendido fazer, em termos diferentes. trata ‑se de realidades concretas de que as partes não tiveram consciência, pois nem sequer pensaram nelas, dando ‑as como pressupostas; ou de realidades concretas de que tiveram consciência, mas convencendo ‑se de que não sofreriam alteração signifi‑cativa, frustradora do seu intento negocial. ou não passou sequer pela cabeça dos interessados que o status quo se modificaria: ou admitiram que tal ocorresse, mas em medida irrelevante. aquela pressuposição ou esta convicção inexacta tem de ser comum às duas partes, porque, se não se deu em relação a uma e ela se calou, deixa de merecer protecção”.

o Prof. vaz serra escreveu que12 “em princípio, o tribunal não deve aceitar a resolução dos contratos aleatórios, mas deve fazê ‑lo quando as alterações forem de tal monta que no momento da realização do contrato se considerassem comple‑tamente impossíveis”.

opinião contrária é a do Prof. oliveira ascensão quando escreveu:13 “o facto de se recorrer à previsão legal do risco para caracterizar a alteração anormal não deve levar a concluir que o instituto não pode ser aplicado no domínio dos contratos aleatórios. é verdade que se o contrato é aleatório a parte aceitou o risco. Mas a alteração das circunstâncias funciona mesmo no domínio dos contratos aleatórios, porque o que estiver para lá do risco tipicamente implicado no contrato pode ser relevante”.

o Prof. carneiro da Frada, no estudo denominado “crise Financeira Mundial e alteração das circunstâncias: contratos de depósitos. contratos de Gestão de carteiras”14 é do entendimento que “se pode considerar que, perante a crise financeira, a manutenção de certas obrigações assumidas pelos bancos face aos seus clientes é susceptível de criar uma “imparidade” ou desequilíbrio entre as

11 Manual dos Contratos em Geral, pp. 343 e ss.12 RLJ, ano 11.º, pág 356, em anotação n.º 20 ao artigo 437.º do código civil anotado de abílio neto, 13.ª ed., 2001.13 Roa, ano 65, dezembro de 2005, p. 635.14 Publicado na Roa, ano 69, pp. 633 a 695.

Page 21: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias a propósito dos swaps 209

partes” (pág. 691), referindo ainda que a actual crise financeira aponta no sentido de uma” grande” alteração das circunstâncias.

Para compreendermos se, no caso dos autos, existe alteração das circunstân‑cias que levem a autora a resolver o contrato com base no artigo 437.º do código civil, importa rememorar o núcleo essencial da matéria de facto a este respeito.

assim, para além dos factos provados sob os n.os 9.º a 131 que contêm os gráficos referentes à variação da taxa euribor a três meses, provou ‑se ainda que:

– Mercê da insolvência do Lehman Brothers em 15 de setembro de 2008, e decorrente reacção europeia para reduzir o custo do financiamento, verificou ‑se a diminuição da taxa euribor – (14.º).

– todos os cenários macroeconómicos, à data da celebração dos contratos em causa nos autos, apontavam para a estabilização ou ligeira flutuação da taxa euribor – (15.º).

– as informações prestadas aos representantes da autora apontavam no sentido da manutenção da conjuntura – (16.º).

no caso dos autos existe, efectivamente, alteração anormal das circunstâncias, alteração extraordinária, significativa e imprevisível, que desequilibra a relação entre autora e réu com particular intensidade, configurando, assim, uma onero‑sidade excessiva, como a resultante da alteração anormal.

essa alteração não deve onerar exclusivamente uma das partes no contrato por ela afectado. Pretendê ‑lo seria contrário à boa fé. consubstanciaria, mesmo, um autêntico abuso do direito que uma das partes viesse exigir as obrigações assumidas pela outra sem se dispor ela própria a arcar com o risco que também lhe compete.

Havendo alteração anormal, com a inerente onerosidade excessiva, a lei atribui à parte lesada o direito de requerer a resolução ou modificação do contrato, nos termos dos artigos 437.º e 438.º.

efectivamente, os contratos de swap de juros são um instrumento financeiro especialmente vocacionado para a gestão do risco da taxa de juro. todavia, as alterações verificadas após setembro de 2008, e a crise no sistema financeiro que consideramos um colapso à escala mundial, não pode ser considerada como risco normal, bem como as oscilações da taxa de juro (que se verificou com a falência do Lehman Brothers) como riscos próprios do contrato sob pena de se violarem gravemente os princípios da boa fé contratual15.

demonstrada a alteração das circunstâncias, resta saber se a repentina e acen‑tuada descida das taxas de juros cabe dentro do risco próprio do contrato cele‑brado, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 437.º do código civil.

15 ac. tribunal da Relação de Guimarães de 31.11.2013, Proc. n.º 1387111.5tBBcL.G1 in www.dgsi.pt, que foi confirmado pelo ac. do stJ de 10.10.2013. in www.dgsi.pt/stj

Page 22: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

210 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de maio de 2014

Já deixámos dito que o contrato de swap é um contrato aleatório, residindo nessa aleatoriedade o seu interesse para as partes. a álea própria do contrato é, pois, em cada caso, a variação das taxas de juros, ou seja, o contrato de swap tem subjacente o risco de variação da taxa de juro.

o risco previsto é o risco tolerável, isto é, o risco razoável e de algum modo previsível na conjuntura económica e financeira vigente à data da celebração do contrato, altura em que a autora e também o réu podiam valorar, como conhe‑cimento de causa, se a proposta do banco satisfazia ou não os seus interesses.

o réu, ora apelante, ao celebrar os contratos de swap, não representou sequer a possibilidade de beneficiar de forma tão desproporcionada quando em comparação com as vantagens que poderiam advir para a autora, em resultado de uma crise que também não estava nas suas previsões. deste modo, atendendo à boa ‑fé que terá norteado o banco nos preliminares do contrato, não será razoável, perante as actuais circunstâncias, que se queira fazer valer de cláusulas que não foram equa‑cionadas para um quadro de crise como o actual, em que as consequências do cumprimento do contrato, no que à autora respeita, ultrapassam o grau de risco nele previsto e com que as partes poderiam razoavelmente contar.

assim, nas circunstâncias actuais, a exigência das obrigações que do contrato decorrem para a autora não estão cobertas pelo risco próprio do contrato.

aliás, perante este quadro de crise económica e financeira, como os factos provados demonstram, seria contrário aos ditames da boa ‑fé pretender que apenas a autora fosse onerada pelos seus efeitos nefastos16.

Para terminar, diremos, pois, que ocorreu alteração das circunstâncias que determinam a resolução do contrato nos termos do artigo 437.º do código civil.

Finalmente, resta tirar as consequências da apontada resolução.assim, resolvido o contrato, são aplicáveis à resolução as disposições previstas

nos artigos 432.º a 436.º do código civil, conforme se dispõe no artigo 439.º.a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabili‑

dade do negócio jurídico, com ressalva dos artigos seguintes – artigo 433.º do código civil.

nos termos do n.º 1 do artigo 289.º do código civil, tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser resti‑tuído tudo o que tiver sido prestado.

as obrigações de restituição por força da nulidade devem ser cumpridas simultaneamente, pelo que devem as partes restituir ‑se entre si todas as quantias trocadas por via dos contratos, tal como consta da sentença recorrida, embora pelo fundamento resolutivo e não com base na nulidade.

16 ac. stJ de 10.10.2013.

Page 23: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias a propósito dos swaps 211

Síntese conclusiva

– o contrato de swap, ou contrato de permuta financeira, é o contrato pelo qual as partes se obrigam ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecu‑niárias, na mesma moeda ou em moedas diferentes, numa ou várias datas prede‑terminadas, calculadas por referência a fluxos financeiros associados a um activo subjacente, geralmente uma determinada taxa de câmbio ou de juro.

– À semelhança dos demais contratos derivados, os “swaps” são fundamen‑talmente um instrumento de cobertura de risco, que permite às empresas, em particular, salvaguardar ‑se das consequências adversas das oscilações desfavoráveis das taxas de juro e de câmbio, embora também sejam ocasionalmente utilizados para finalidades arbitragistas, especulativas, e até puramente contabilísticas.

– os swaps sobre taxas de juros (interest rate swap) são contratos mediante os quais dois mutuários de empréstimos do mesmo montante e com o mesmo venci‑mento, mas com taxas de juro calculadas sobre bases distintas, se comprometem a fazer pagamentos recíprocos, com base nas taxas de juro da contraparte, sobre o valor nocional, mantendo ‑se as partes devedoras dos respectivos empréstimos para com os respectivos mutuantes.

– o tipo mais comum e mais transaccionado tem por base uma troca de paga‑mentos em taxa fixa por pagamentos em taxa variável e designa ‑se comummente por plain vanilla ou coupon swap.

– o pagador de taxa fixa recebe uma taxa variável e diz ‑se que assume uma posição longa ou que compra o swap. Por outro lado, o recebedor da taxa fixa paga uma taxa variável e diz ‑se que assume uma posição curtaou que vende o swap. os pagamentos são feitos na mesma altura e na data dá regularização será calcu‑lado o diferencial entre os dois montantes e feita a compensação (netting), apenas havendo lugar ao pagamento da diferença líquida.

– é improcedente qualquer qualificação ou equiparação do contrato deswap de taxas de juro como Jogo e aposta, com a consequência de não originar obriga‑ções civis válidas, pois no contrato de swap o risco a que as partes se expõem é em grande medida exógeno, isto é, resulta de circunstâncias exteriores ao contrato, com o activo ou passivo das partes e a variação das taxas de juro.

– A inaplicabilidade da chamada “excepção de jogo” (artigo 1245.º do código civil) ao contrato de swap de taxas de juro corresponde ao relevante papel que este contrato hoje desempenha na gestão financeira do endividamento na acti‑vidade empresarial, sendo dominante na generalidade das ordens jurídicas e das economias desenvolvidas que nos são mais próximas.

– a qualificação de contratos de swap de taxas de juros celebrados por insti‑tuições financeiras, quer como contrapartes, quer como intermediárias, como contratos de jogo e aposta, com a consequente negação de eficácia vinculativa aos

Page 24: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

212 Anotação por Diogo Pereira Duarte

seus efeitos, limitaria a possibilidade de recurso a tais contratos na nossa ordem jurídica e pelas empresas portuguesas, também para finalidades com a gestão de riscos do balanço, colocando ‑as em desvantagem perante a generalidade das ordens jurídicas, onde tais contratos são admitidos, além de constituir uma restrição injustificada à actividade de intermediação financeira.

– a resolução do contrato por alteração das circunstâncias (artigo 437.º do código civil) aplica ‑se no domínio dos contratos aleatórios, como são os contratos de swap.

iii – Decisão

Pelo exposto, julga ‑se parcialmente procedente a apelação, revogando ‑se a alínea a), da parte decisória da sentença e confirmando ‑se a alínea b) embora com fundamentos distintos.

custas pelo apelante e apelada, na proporção, respectivamente, de 95% e de 5%.

Lisboa, 8 de Maio de 2014. – Ilídio Sacarrão Martins (Relator) – Isoleta de Almeida Costa.

B) Anotação

sumário: (i) O problema. (ii) Alteração das circunstâncias e as estipulações contratuais sobre o risco. (iii) Alteração das circunstâncias e a repartição do risco que decorre do modelo contra‑tual. (iv) A preferência legal pela modificação do contrato em caso de alteração das circunstâncias.

(i) O problema

a decisão que se comenta é decisão revogada pelo recente ac. do stJ, de 29.01.2015, que declarou nulos três contratos de swap, celebrados entre o banco Santander e uma sociedade comercial de responsabilidade limitada, condenando o banco a restituir a quantia de € 2.214.647,58 recebida em execução dos refe‑ridos contratos.

o supremo tribunal de Justiça, adotando uma noção de causa do negócio enquanto elemento da estrutura do negócio jurídico – a causa do negócio obje‑tiva, ou causa ‑função – veio considerar que os contratos, porque dissociados de concretas operações económicas cujo risco pretendiam regular, eram meramente especulativos, e não desempenhavam uma função socioeconómica compatível com a ordem pública portuguesa, declarando a sua nulidade, nos termos do artigo 280.º,

Page 25: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, a propósito dos swaps 213

n.º 2, do código civil1. a decisão é surpreendente, e certamente controversa, pois o conceito de causa enquanto elemento da estrutura dos negócios jurídicos é dos mais disputados e controversos temas do direito civil2.

Uma vez que este aresto declarou a nulidade dos swaps em causa, com funda‑mento em causa contrária à ordem pública, nos termos do artigo 280.º, n.º 2, ficou prejudicada a análise da alteração das circunstâncias que, naturalmente, pressu‑punha contratos válidos. Mas a questão que havia sido decidida pela Relação de Lisboa3 ficou, assim, também, sem reapreciação, e era muito importante que ela tivesse ocorrido. Pode um contrato aleatório, como um contrato de swap de taxas de juro, quando validamente celebrado, ser resolvido por alteração das circuns‑tâncias porque se dá uma variação brusca, e mesmo inesperada, das taxas de juro de referência?4

este problema se discutirá à luz do ac. da Relação de Lisboa e da decisão dele constante. não obstante a decisão em análise ter sido revogada, permanece um excelente ponto de partida para a discussão de uma das mais prementes questões discutidas na alteração das circunstâncias5‑6, ou seja, em termos mais genéricos, a relação da solução do artigo 437.º, n.º 1, com a regulação contratual do risco.

1 a indicação de preceitos legais sem indicação da respetiva fonte reporta ‑se ao código civil.2 sobre o tema, cfr. Francisco Pereira coelho, Causa Objectiva e Motivos Individuais do Negócio Jurídico, em «comemorações dos 35 anos do código civil e dos 25 anos da Reforma de 1977», vol. ii, pp. 421 ‑457 e a. Barreto Menezes cordeiro, Do Trust no Direito Civil (doutoramento), 2013, p. 809 ‑838, esta última obra com inúmeras referências bibliográficas.3 ac. do tRLx. de 08.05.2014 (ilídio sacarrão Martins), [proc. 531/11.7tvLsB.L1 ‑8], em <www.dgsi.pt>, que veio a ser revogado pelo ac. do stJ, de 29.01.2015, [revista 531/11.7tvLsB.L1.s1].4 Já tinha decidido nesse sentido o ac. do tRG, de 31.01.2013 (conceição Bucho), [proc. n.º 1387/11.5tBBcL.G1], em <www.dgsi.pt>, decisão confirmada pelo ac. do stJ, de 10.10.2013 (Granja da Fonseca), [proc. n.º 1387/11.5tBBcL.G1.s1], em <www.dgsi.pt>. sobre este último acórdão cfr. antónio Menezes cordeiro, Direito Bancário…ob. cit., p. 384 e Hugo Luz dos santos, O Contrato de swap de Taxas de Juro e os Instrumentos Derivados Financeiros à Luz do Recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Outubro, de 2013: a “Alteração Anormal das Circunstâncias” e as Categorias Doutrinais Norte ‑Americanas da “Unconscionability” e a “Bounded Rationality”: Um Estanho Caso de Aliança Luso ‑Americana?, Rds iv (2014), 2, pp. 411‑433.5 sobre a alteração das circunstâncias, na doutrina nacional, cfr. vaz serra, Resolução ou Modificação dos Contratos por Alteração das Circunstâncias, BMJ, 68, Lisboa, 1957, pp. 293 ‑384 e ss.; Anotação ao Ac. STJ, de 27 de outubro de 1970, em RLJ, 104, 1971, p. 214 ‑215; Anotação ao Ac. STJ, de 21 de dezembro de 1973, em RLJ, 108, 1975, pp. 7 ‑16; Anotação ao Ac. do STJ de 6 de abril de 1978, em RLJ, 111, 1979, pp. 345 ‑352 e 354 ‑356; Anotação ao Ac. do STJ de 10 de janeiro de 1980, em RLJ, 113, 1981, pp. 361 ‑368 e 376 ‑384; Galvão telles, Direito das Obrigações, 7.ª edição, coimbra, 1997, pp. 365 e ss.; antónio Pinto Monteiro, Erro e Vinculação Negocial, 2.ª reimp., coimbra, 2010; oliveira ascensão, Onerosidade Excessiva por Alteração das Circunstâncias, em “estudos em Memória do Professor doutor José dias Marques”, coimbra, 2007, pp. 515 e ss. = Roa, 2005,

Page 26: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

214 Anotação por Diogo Pereira Duarte

pp. 625 ‑648; Direito Civil: Teoria Geral: Acções e Factos Jurídicos, 2.ª edição, vol. ii, coimbra, 2003, pp. 148 e ss.; Direito Civil: Teoria Geral: Relações e Situações Jurídicas, iii, coimbra, 2002, pp. 184 e ss.; Menezes cordeiro, Da Alteração das Circunstâncias, in “estudos em Memória do Professor doutor Paulo cunha”, Lisboa, 1989, pp. 293 ‑371; Convenções Colectivas de Trabalho e Alteração das Circunstâncias, Lisboa, 1995; Da Boa Fé no Direito Civil, coimbra, 1997, pp. 903 e ss., Tratado de Direito Civil II: Direito das Obrigações, tomo iv, coimbra, 2010, pp. 259 ‑333; Direito Bancário e Alteração das Circunstâncias, Rds (vi (2014), 2, pp. 327 ‑340; Ferrer correia ‑Lobo Xavier, Contrato de Empreitada e Cláusula de Revisão; Interpretação e Erro; Alteração das Circunstâncias e Aplicação do Art. 437.º do Código Civil, em “Revista de direito e economia”, 4, i, pp. 83 e ss.; Lobo Xavier, Alteração das Circunstâncias e Risco (art.º 437.º e 796.º do código civil), cJ, viii, 1983, pp. 17 ‑23 e ss.; almeida costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, coimbra, 2011, pp. 323 e ss; carvalho Fernandes, A Teoria da Imprevisão no Direito Civil Português, BMJ, 128, 196, pp. 5 ‑282 e A Teoria da Imprevisão no Direito Civil Português, reimpressão com nota de atualização, Lisboa, 2001; Teoria Geral do Direito Civil, ii, 5.ª edição, 2010, pp. 217 e ss.; carneiro da Frada, Crise Financeira Mundial e Alteração das Circunstâncias: Contratos de Depósito vs. Contratos de Gestão de Carteiras, em Roa, vol. iii/iv, ( Jul./dez), Lisboa, 2009, pp. 633 ‑695; edwald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português: Teoria Geral do Direito Civil, coimbra, 2012, pp. 576 ‑582; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. ii, 8.ª edição, coimbra, 2011, pp. 133 ‑144 e O Enriquecimento sem Causa no Direito Civil: Estudo Dogmático sobre a Viabilidade da Configuração Unitária do Instituto, face à Contraposição entre as Diferentes Categorias de Enriquecimento sem Causa, Lisboa, 1996, pp. 350‑352 e 519 ‑522; Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, Lisboa, 2.ª edição, 2006, pp. 157 e ss.; João castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, ii, 1995, pp. 145, 346 e ss. e 372 e ss.; carlos alberto Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, coimbra, 1996, pp. 597 e ss.; antunes varela, Das Obrigações em Geral, vol. ii, 7.ª edição, coimbra, 1999, P. 281 e ss; antunes varela ‑Henrique Mesquita, Resolução ou Modificação do Contrato por Alteração das Circunstâncias (parecer jurídico), cJ, vii, ii, pp. 5 ‑17; antunes varela ‑Pires de Lima, Código Civil Anotado, 4.ª edição, vol. i, coimbra, 2010, pp. 412 e ss.; Pedro Pais de vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 7.ª edição, coimbra, 2012, pp. 307 ‑324; diogo Pereira duarte, Modificação dos Contratos Segundo Juízos de Equidade (Contributo para a Interpretação dos Artigos 252.º, n.º 2, e 437.º do Código Civil), em “Revista o direito”, coimbra, 2007, pp.141 ‑213 e Causa: Motivo, Fim, Função e Fundamento no Negócio Jurídico, em “estudos em Homenagem do Professor doutor José de oliveira ascensão”, vol. i, coimbra, 2008, pp. 431 ‑461; Henrique sousa antunes, A Alteração das Circunstâncias no Direito Europeu dos Contratos, em cdP, n.º 47, Julho/setembro 2014, pp. 3 ‑21; Paulo Mota Pinto, Contrato de Swap de Taxas de Juro, Jogo e Aposta e Alteração das Circunstâncias, RLJ, ano 144, 3988, pp. 27 ‑56.6 o ac. do stJ, de 29.01.2015, referido supra, tem um voto de vencido subscrito pelo Juiz conselheiro João Luís Marques Bernardo. Uma vez que não se admite, nesse voto, a nulidade dos contratos, é analisada a questão da alteração das circunstâncias. Pela sua relevância transcrevemos o voto de vencido nesta parte: “/…/ A construção que defendo deixaria de pé a questão, nuclear no presente recurso, da eventual alteração das circunstâncias (emergente da crise de 2007/2008) invocada como base de resolução contratual. O artigo 437.º, n.º 1, ainda do Código Civil, ressalva os casos em que a alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar “esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”. O contrato “sub judicio” é, claramente, um contrato aleatório e a baixa ou a subida das taxas

Pode suceder que nas declarações negociais das partes que celebram um negócio jurídico exista um critério ajustado por elas para regular a hipótese de

Page 27: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, a propósito dos swaps 215

surgimento de factos posteriores à celebração do contrato que tenham impacto no mesmo. Pode acontecer, também, que seja a própria solução contratual ajustada que implique, pela sua natureza e regime, uma específica alocação de risco entre as partes, o que sucede no negócio aleatório, como é o caso do contrato de swap7 que mereceu a jurisprudência que se comenta; ou no caso de as partes celebrarem um contrato de muito longo prazo a um preço fixo, por exemplo, que pode ter implicada uma repartição de risco quanto à depreciação do valor da moeda.

ao enunciar o requisito negativo, no artigo 437.º, n.º 1, de que a alteração das circunstâncias não deve estar coberta pelos riscos próprios do contrato8, o legislador está também a esclarecer que a solução contratual sobre o risco, qualquer que seja

de juro (consoante a parte outorgante) constituem riscos do próprio contrato. Deste modo, dificilmente escapa à mencionada ressalva. Independentemente, porém, de se considerar a exclusão absoluta, ou não, dúvidas não ficam de que o intérprete tem de olhar logo para a natureza do contrato, tendo sempre presente que no escopo deste, para ambas as partes outorgantes, estava a subida ou descida da taxa de juros. Ora, apesar da intensidade da crise económica, a descida de que a autora se queixa não anda longe da baixa de 4 ponto percentuais. Uma quase insignificância, se ponderamos que, com pouco recuo no tempo, encontramos taxas anuais de 20% ou mais, com vigência até dos famigerados “juros à cabeça”. Relativamente à baixa que se foi sucedendo no tempo (por exemplo nos juros dos créditos à habitação, passando agora à margem das diferenças relativamente aos presentes contratos), nenhuma entidade financeira, ao que creio, veio pretender a resolução contratual com base na alteração das circunstâncias. E, no investimento em ações, por exemplo, (à partida muito menos arriscado do que os swaps e negociado em bolsa), houve investidores que as viram valer 1/10 do que valiam e outros que as viram deixar de ter qualquer valor, sem que alguém, também ao que creio, tivesse pretendido a resolução dos contratos de aquisição, com base na alteração das circunstâncias/…/”.7 sobre a questão específica dos contratos de swap, que nos propomos a abordar neste comentário, cfr. Maria clara calheiros, O Contrato de Swap no Contexto da Actual Crise Financeira Global, in cadernos de direito Privado. n.º42, abril/Junho 2013, pp.3 ‑13; João calvão da silva, Swap de Taxa de Juro: sua Legalidade e Autonomia e Inaplicabilidade da Exceção do Jogo e Aposta, em RLJ, ano 142.º, Março ‑abril de 2013, n.º 3979, pp. 238 e ss.; Swap de Taxa de Juro: Inaplicabilidade do Regime da Alteração das Circunstâncias, RLJ, ano 143, n.º 3986, coimbra, 2014, pp. 365 e ss.; Hélder M. Mourato, Swap de Taxa de Juro: a Primeira Jurisprudência, em Caderno dos Valores Mobiliários, 44, abril, 2013, pp. 29 ‑44; Paulo Mota Pinto, Contrato de Swap de Taxas de Juro, Jogo e Aposta e Alteração das Circunstâncias que Fundaram a Decisão de Contratar, RLJ, ano 143, 3987, pp. 391 ‑413, com indicação bibliográfica sobre o contrato de swap na doutrina nacional na nota (6); e ano 144, 3988, pp. 14 ‑56.8 solução, de resto, em conformidade com as soluções de fonte internacional, como se pode constatar no artigo 6.2.2 (d) dos Princípios do UnidRoit (2004); artigo 6:111, 2, (c), dos Principles of European Contract Law, iii; no artigo 1:110, 3, (c), do dcFR (2009), da comissão para o direito europeu dos contratos; e no artigo 89.º, 3, (c), da proposta de regulamento do Parlamento europeu e do conselho relativo a um direito europeu comum da compra e venda, no anexo de direito europeu comum da compra e venda, na coM(2011) 635 2011/0284 (cod) e, bem assim, em conformidade que o que resultava da jurisprudência alemã anterior à reforma do BGB, e com a regra que consta atualmente do § 313, (1) do BGB, que refere que para a aplicação do instituto será necessário levar em consideração as circunstâncias do caso, em particular a distribuição contratual ou legal do risco.

Page 28: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

216 Anotação por Diogo Pereira Duarte

a sua modalidade, deve em princípio prevalecer sobre o instituto da alteração das circunstâncias, uma vez que as partes já responderam à questão: “quem suporta o risco da realidade?”9. a solução do artigo 437.º, n.º 1, é, assim, pelo menos em parte, dispositiva, pois será aplicável no silêncio das partes sobre a questão do risco.

seja pela existência de uma estipulação contratual dirigida a essa regulação, seja em razão dos riscos próprios inerentes à função económico ‑social típica do contrato, seja, finalmente, pela consideração da particular posição das partes perante o risco em função do concreto contrato celebrado10, o problema da regu‑lação contratual do risco é, assim, crucial na determinação do âmbito de aplicação da alteração das circunstâncias.

neste comentário não analisaremos as questões de articulação do instituto com o regime legal do risco – que também conduz, em princípio a uma posição de supletividade11 – questão que não se coloca nos contratos de swap em razão da sua atipicidade. vamos passar em revista algumas questões de articulação do insti‑tuto da alteração das circunstâncias com estipulações contratuais sobre o risco de eventos supervenientes com impacto no contrato, a alocação do risco inerente ao modelo contratual e, finalmente, o critério que, perante a alteração das circuns‑tâncias, deve estar subjacente a uma solução judicial na ponderação da repartição do risco decorrente do contrato.

(ii) Alteração das circunstâncias e as estipulações contratuais sobre o risco

coloca ‑se, antes de mais, o problema de determinar o exato alcance da suple‑tividade do artigo 437.º perante a regulação contratual do risco por específicas estipulações negociais. a primeira questão é, desde logo, a de saber se as partes podem validamente dispor sobre o risco afastando a aplicação do artigo 437.º.

o afastamento da aplicação do artigo 437.º poderia resultar de uma cláusula de renúncia pela qual as partes “renunciam a todos os direitos que, para qualquer das partes, resultem de circunstâncias inesperadas”. sucede, ainda, por vezes, em contratos de natureza aleatória como contratos swap, enformados por contratos ‑quadro internacionais, ou mesmo em contratos para a aquisição de sociedades, a expressa

9 Werner Flume, El Negocio Jurídico: Parte General del Derecho Civil, 4.ª edição, Madrid, 1998, p. 587.10 é paradigmática nesse sentido, no ordenamento alemão, a decisão de BGH 8.2.1978, JurionRs 1978, 12816. cfr sobre o especial dever que tem relativamente ao risco o “agente comercial” ac. do stJ, de 10.04. 2014, (silva Gonçalves), [proc. n.º 1167/10.5tBacB ‑e.c1.s1], em <www.dgsi.pt>. 11 Lobo Xavier, Alteração das Circunstâncias e Risco (art.º 437.º e 796.º do código civil), cJ, viii, 1983, pp. 17 ‑23 e ss..

Page 29: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, a propósito dos swaps 217

renúncia à aplicação do regime legal da alteração das circunstâncias, por remissão para o artigo 437.º, ou para o § 313, do BGB, sendo aplicável ao contrato o direito alemão, ou a sua aplicação apenas nos casos de a alteração das circunstâncias resultar de conduta dolosa imputável a uma das partes. essa renúncia seria perfeitamente compatível com regulação do isda Master Agreement (1992) que deliberadamente não incluiu o Force Majeure Event como fundamento da cessação do contrato. será esta renúncia validamente efetuada à luz do direito nacional?

Parece ‑nos claro que a norma do artigo 437.º não pode ser inteiramente dispo‑sitiva, já que a sua vigência decorre do instituto civil geral da boa fé. tal significa que as partes não podem simplesmente dispensar a aplicação daquela disposição legal naquelas hipóteses em que, não obstante a repartição do risco no contrato que desejaram efetuar, se atinja um resultado chocantemente contrário à boa fé causado pela alteração das circunstâncias. Mas se assim é, a possibilidade de esta‑belecer um regime específico contratual de repartição do risco que, em certa medida, afaste a solução do artigo 437.º, significa também que no artigo 437.º existe um núcleo irredutível que deve ser analisado, caso a caso, em atenção à boa fé. a supletividade exprime, assim, apenas a possibilidade de as partes regularem diferentemente da lei uma solução que é por ela preconizada, não significa que essa solução esteja, ela própria, no domínio da negociabilidade privada12.

as partes podem, assim, prever uma cláusula de caso fortuito ou força maior que implique a renegociação, possibilite a exoneração, ou faculte a resolução do contrato13, contendo uma solução diferente da constante do artigo 437.º, n.º 1, mas não afastar a aplicação da ratio decidendi que nuclearmente decorre desse preceito.

nestes casos, a previsão contratual não implica uma direta relação entre os efeitos do negócio e a verificação de factos supervenientes de verificação incerta, como sucede na condição enquanto cláusula acidental do negócio, mas permite do mesmo modo obter uma resposta das partes quanto ao seu impacto no negócio, questão que se coloca em matéria de conteúdo do contrato: os efeitos decorrentes dos factos supervenientes encontram uma resposta na vontade a eles dirigida.

na análise destas disposições negociais de repartição do risco, o primeiro problema a analisar é o problema da sua licitude, uma vez que essas disposi‑ções implicam um metarisco, ou risco de regulação. a repartição de risco nos contratos é em regra possibilitada pelo artigo 405.º, n.º 1, e, como qualquer

12 assim, Roth, §313/Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, 2, schuldrecht allgemeiner teil, 5.ª ed., 2007, nm. 112.13 Köbler, Die “clausula rebus sic stantibus” als allgemeiner Rechtsgrundsatz, tübingen, 1991, p. 189; Pinto Monteiro ‑Júlio Gomes, A Hardship Clause e o Problema da Alteração das Circunstâncias (Breve Apontamento), em “Juris et de Jure – nos vinte anos da Faculdade de direito da Universidade católica Portuguesa”, Porto, 1998.

Page 30: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

218 Anotação por Diogo Pereira Duarte

disposição contratual, essas disposições devem conformar ‑se com os requisitos que o legislador consagra quanto à admissibilidade do seu conteúdo: está em causa o artigo 280.º.

sendo lícitas essas cláusulas, os meios de controlo sobre o projeto que elas traduzem14, na relação entre aqueles contraentes, decorrem do regime do negócio usurário e do Regime das cláusulas contratuais Gerais (RccG), se apli‑cável, como de resto decorrem, em termos genéricos, para qualquer conteúdo contratual15.

o artigo 282.º estabelece a anulabilidade do negócio usurário, verificados os respetivos requisitos. Por outro lado, sempre que a formação do contrato se faz com recurso a cláusulas contratuais gerais, e nos casos dos contratos individua‑lizados de adesão, como resulta do artigo 1.º, n.º 2, do RccG, o controlo sobre o conteúdo faz ‑se pela consagração de deveres de comunicação e informação e pela existência de cláusulas proibidas. nesse sentido, e no que respeita ao tema em análise, estabelece o artigo 21.º, al f ), do RccG, uma proibição, nas relações com consumidores finais, de inclusão nos contratos singulares de cláusulas que alterem o regime legal de repartição do risco, o que atinge também a alteração das circunstâncias pois dele decorre uma repartição legal de risco.

na sua estrutura, as cláusulas de alteração das circunstâncias – denominadas no jargão dos contratos internacionais por cláusulas de força maior ou de hardship16 – desdobram ‑se numa parte de previsão, onde se enunciam com maior detalhe do que na lei os eventos que podem levar à sua aplicação, e numa parte de estatuição, que estabelece quais os efeitos jurídicos. importa sublinhar como particularidades relativamente à solução legal, por um lado, a de ser usual prever um período de suspensão da execução do contrato, suspensão essa que deve ser imediatamente comunicada à contraparte; por outro, a previsão de uma obrigação da adoção de

14 Pressupondo uma vontade esclarecida, já que o conteúdo do negócio pode ser relevante para a anulação do contrato (ainda que apenas parcial, de acordo com o artigo 292.º) contendo uma disposição contratual de repartição do risco sobre a qual um dos contraentes se não apercebeu completamente quanto ao seu real significado, por aplicação do artigo 251.º, e desde que verificados os requisitos do artigo 247.º. 15 veja ‑se a aplicação do regime das ccG para exclusão do contrato de swap de uma específica cláusula, ac. do tRLx, de 10.04.2014 (adelaide domingos), [Proc. n.º 877/127tvLsB.L1 ‑1], em <www.dgsi.pt>.16 existem cláusulas padronizadas promovidas sobretudo por câmaras de comércio, que procuram compatibilizar as necessidades de segurança jurídica, pela enunciação de um conjunto de eventos que podem dar lugar à resolução ou modificação do contrato, com uma formulação genérica que contemple os casos não previstos, e que se justifica em razão do carácter imprevisível de alguns eventos. é o que sucede com a cláusula de hardship proposta pela International Chamber of Commerce, em <http://www.iccwbo.org/Products ‑and ‑services/trade ‑facilitation/Model ‑contracts ‑and‑clauses/Force ‑majeure/>.

Page 31: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, a propósito dos swaps 219

medidas que mitiguem o impacto para o contrato da alteração das circunstâncias. sendo definitivo o evento que levou à suspensão do contrato, ele virá a traduzir ‑se na sua cessação ou na sua modificação, à semelhança do que a lei prevê.

a modificação do contrato, onde se incluem estas cláusulas, decorrerá de cláu‑sulas de renegociação17, ou de reposição do equilíbrio económico ‑financeiro, que são as que estabelecem a obrigação, para as partes, de ajustar o contrato a novas circunstâncias e de negociar com vista a esse fim. deve, assim, entender ‑se que no conteúdo destas obrigações se incluem o dever de participar no processo nego‑cial e o dever de emitir uma declaração de vontade de modificação do contrato.

no que respeita à componente de participação no processo negocial parece seguro dizer que todos os deveres pré contratuais, tal como previstos no artigo 227.º, são aplicáveis. devem assim as partes, na negociação da modifi‑cação do contrato cumprir com os deveres de lealdade, informação e proteção. simplesmente, a previsão contratual desta obrigação torna claro que a natureza da responsabilidade em causa, perante o incumprimento, será contratual. Haverá, assim, em caso de incumprimento, responsabilidade por todos os danos causados ao credor, nos termos do artigo 798.º, presumindo ‑se a culpa do devedor, nos termos do artigo 799.º, n.º 1, e será aplicável o prazo ordinário da prescrição rela‑tivamente à obrigação em causa.

Já relativamente ao segundo dever de emitir uma declaração de vontade de modificação do contrato, será necessário atentar no sentido da cláusula em apli‑cação. isto porque na realidade a cláusula pode configurar, verificados determi‑nados pressupostos, uma promessa de declaração. se assim for, o regime aplicável será o do incumprimento do contrato ‑promessa, que apresenta a alternativa entre a indemnização por danos causados e a execução coerciva da obrigação prevista no artigo 830.º. Fora dessas hipóteses, estará apenas em causa uma obrigação de meios, pelo que o dever se realiza pelo empenho do esforço exigível. assim sendo, a obrigação extinguir ‑se ‑á a partir do momento em que não seja mais razoável exigir o esforço da negociação18.

Parece ‑nos também nada impedir que se preveja contratualmente que a exata configuração das obrigações emergentes do contrato afetado pela alteração das circunstâncias possa ser efetuada por qualquer das partes ou por terceiro, de acordo com os critérios que sejam previstos, ou segundo a equidade, na falta desses crité‑rios. nesse sentido concorre o artigo 400.º, n.º 1, aplicável a esse caso.

no isda Master Agreement (2002), a cláusula 5, b), (ii), não especifica o evento de força maior, que surge equiparado ao ato do estado, tal como sucede na solução

17 é nesse sentido que encontramos a expressão cláusulas de hardship em Pinto Monteiro ‑Júlio Gomes, A Hardship Clause…ob. cit., pp. 21 e ss.18 Pinto Monteiro ‑Júlio Gomes, A Hardship Clause…ob. cit., p. 24.

Page 32: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

220 Anotação por Diogo Pereira Duarte

legal, por se ter considerado que tal competiria à jurisprudência, no entanto, no schedule celebrado sobre esse contrato é frequente surgir a exemplificação com eventos naturais, tecnológicos, políticos ou governamentais, como causa do impedimento, impossibilidade ou impraticabilidade comercial no cumprimento da obrigação. estabelecem ‑se como requisitos para a relevância do evento de força maior que o evento não seja imputável à parte afetada, e que não lhe fosse possível, após recorrer a todos os meios razoáveis, ultrapassar esse impedimento, impossibilidade ou impraticabilidade. estes requisitos, embora não expressamente enunciados no artigo 437.º, estão certamente incluídos no seu espírito, desde logo se articularmos o preceito em causa com os deveres acessórios que emergem do artigo 762.º, n.º 2.

Há, no entanto, uma clara diferença se confrontarmos com o regime do artigo 437.º, que parece ter um âmbito bastante mais lato, que é definido pela noção de inexigibilidade ditada pelas regras da boa fé. de facto, os casos de impra‑ticabilidade – que aparecem a par da impossibilidade ‑, são verdadeiros casos de impossibilidade alargada, se atentarmos na jurisprudência norte ‑americana rela‑tiva ao tema19, porque a impossibilidade está a ser entendida em termos sociais e não estritamente técnicos. ou seja, são os grupos de casos que hoje encontrariam acolhimento no § 272, abs. 2, do BGB, e não no § 313.

outras soluções contratuais de alteração das circunstâncias, que se sobrepõem ao regime legal, são as cláusulas designadas por material adverse clauses. são cláusulas utilizadas em processos negociais de fusões e aquisições de sociedades, na medida em que nesses contratos é típico existir um lapso temporal entre o momento da vinculação na aquisição ou fusão e o momento da concretização da operação, em que se realiza o investimento contratado. existe assim, tipicamente, um lapso de tempo entre o momento de assinatura do contrato de compra e venda de ações, do acordo de subscrição de ações, ou do contrato quadro da fusão, que se designa de closing date, e o momento do pagamento do preço, da subscrição e realização de capital, e da fusão propriamente dita, a que se chama de completion date.

vários fatores podem justificar a existência desse lapso de tempo, sobretudo quando é necessário obter aprovações regulatórias, ou deliberações de órgãos societários. esse lapso de tempo implica um risco para o investidor de que nesse período, em que não controla a sociedade, ocorram alterações na situação societária que possam ter um efeito material adverso para o investimento. consagram ‑se, assim, obrigações destinadas a evitar essas alterações, associadas frequentemente a condições suspensivas da realização do próprio investimento, ou resolutivas do contrato.

19 cfr., por exemplo, o Northern Corporation v. Chugach Electric Ass’n, 518 P.2d 76 (alaska 1974), que é um dos casos mais emblemáticos de commercial impracticability.

Page 33: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, a propósito dos swaps 221

Mas a repartição do risco no contrato de forma diferente da repartição a que procede a lei pode decorrer da regulação de parcelares alterações de circunstâncias, consagrando ‑se cláusulas, nesse caso, com um âmbito menor. as cláusulas mais frequentes de regulação do risco são, nessa tipologia, as cláusulas de indexação. nos contratos internacionais de longa duração, tipicamente para a construção de infraestruturas, são também comuns as cláusulas de estabilização.

as cláusulas de indexação têm em vista evitar, nas obrigações duradouras, o risco de desvalorização monetária causada pela inflação e que atingirá o credor de uma prestação pecuniária20 em razão da regra do nominalismo, constante do artigo 550.º. assim, cumprindo ‑se a obrigação pecuniária pelo valor nominal da moeda, as cláusulas de indexação procuram restabelecer, entre a prestação pecuni‑ária e o bem que a ela corresponde, a relação existente à data em que a obrigação se constituiu. as cláusulas de indexação podem definir ‑se como aquelas pelas quais as partes contratantes convencionam que o valor da prestação pecuniária se atualize no momento em que deva ser realizada, segundo o valor de um bem concreto ou de um índice objetivo, para corrigir os efeitos da inflação.

nas cláusulas de indexação ocorrem, por exemplo, indexações ao valor do ouro; ao valor de moeda estrangeira; ao valor de determinados produtos de grande circulação; ou a índices estatísticos representativos do aumento do custo de vida.

as cláusulas de estabilização são frequentemente incluídas em contratos inter‑nacionais celebrados entre estados hóspedes e investidores internacionais que procuram realizar investimentos de capital intensivo e de longo prazo, sendo portanto típicas em parcerias público ‑privadas internacionais. essas cláusulas procuram regular o modo como as mudanças na lei após a execução do contrato devem ser tratadas e até que ponto essas mudanças modificam os direitos e obri‑gações dos investidores no contrato. são, pois, um meio para os investidores miti‑garem ou controlarem os riscos políticos associados ao seu projeto de investimento, o que se justifica particularmente em investimentos a realizar em ordenamentos sujeitos a grande volatilidade legislativa e fiscal. na sua configuração mais radical, as cláusulas de estabilização assumem a forma de cláusulas de congelamento; na sua versão mais moderada, estas cláusulas assumem a forma de cláusulas de força maior ou de renegociação, sendo a alteração legislativa apenas um elemento da factispécie da mencionada cláusula que permite a suspensão ou modificação relati‑vamente ao conteúdo do contrato, ou mesmo a sua cessação. é o que sucede quanto ao tax Event, previsto na cláusula 5, b), (iii) do isda Master Agreement (2002).

a cláusula de congelamento é aquela pela qual as partes fixam o direito aplicável ao contrato, declarando ser aplicável o direito vigente no momento da sua celebração e inaplicáveis as alterações legislativas posteriores. essas cláusulas

20 Baptista Machado, Nominalismo e Indexação, em “obra dispersa”, i, Braga, 1991, pp. 425 e ss.

Page 34: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

222 Anotação por Diogo Pereira Duarte

implicam uma interpretação cuidadosa à luz do ordenamento jurídico português, sob pena de se depararem com problemas de licitude.

em matéria de aplicação de leis no tempo regula, enquanto regra geral, o artigo 12.º, n.º 1 e 2, estabelecendo o quadro possível de relações entre o momento de celebração dos contratos e o momento de início da vigência dos diplomas legais. assim, a lei distingue quatro casos: os casos em que a lei nova regula condições de validade, formais ou substanciais, na celebração dos contratos, estabelecendo que a lei só visa, em caso de dúvida, os factos novos; e os casos em que a lei regula efeitos de factos, estabelecendo também que a nova lei regulará os efeitos de factos ocorridos no âmbito da sua vigência. Já se a lei regula o conteúdo de situações jurídicas, independentemente dos factos que lhe estão na origem, ela atingirá o conteúdo de situações jurídicas ainda que os respetivos factos constitutivos tenham ocorrido no domínio da lei antiga. Por outro lado, fora de domínios específicos em que a cRP impeça a retroatividade de disposições legais, não existe um princípio geral de proibição de retroatividade. ou seja, o legislador é soberano na determinação do âmbito de competência da lei nova ou lei antiga, podendo conferir retroatividade às suas determinações.

assim, quando uma nova disposição se deva aplicar a uma situação jurídica constituída no passado, ou mesmo a um seu facto constitutivo, a estipulação das partes que preveja a não aplicação da lei nova não obsta minimamente à aplicação do regime geral relativo à ilicitude do conteúdo do negócio, ou de determinadas disposições do mesmo, e que resulta dos artigos 280.º, n.º 2, e 294.º. assim, qual‑quer ilicitude superveniente será sancionada com a nulidade do negócio ou de algumas suas disposições. Que sentido será então admissível para as cláusulas de estabilização ou de congelamento? em primeiro lugar, a cláusula de estabilização significará seguramente que as partes preveem que uma alteração legislativa na área específica de aplicação da cláusula será considerada um fator de perturbação do equilíbrio do negócio celebrado, podendo dar lugar à sua modificação ou resolução: estabelece ‑se, no fundo, uma cláusula de força maior ou de reposição do equilíbrio económico ‑financeiro do contrato, já mencionada anteriormente. em segundo lugar, uma interpretação de acordo com os cânones do artigo 236.º, n.º 1, levará a considerar que as partes pretenderam consagrar o afastamento de todas as normas legais dispositivas que consagrem uma solução diferente da que era consagrada pela lei antiga. ou seja, nas matérias dispositivas da nova lei, a vontade das partes incorporou o regime anterior no conteúdo do contrato, consagrando um estatuto contratual específico que se rege pelo direito antigo. apenas no que for injuntivo a lei nova será aplicável ao contrato, podendo eventualmente dar lugar à sua modificação ou resolução, como vimos anteriormente.

estas cláusulas de regulação do risco em análise são frequentes nos contratos internacionais, em que a natureza plurilocalizada das relações jurídicas coloca

Page 35: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, a propósito dos swaps 223

problemas particulares que reclamam ponderação. nos contratos internacionais coloca ‑se o problema da aplicação da lei no espaço e das normas de aplicação necessária. na realidade, a questão da regulação contratual das consequências das circunstâncias supervenientes pode fazer ‑se, ainda, nas situações jurídicas pluri‑localizadas, pela escolha da lei aplicável ao contrato, na medida em que as partes ao fazer essa escolha podem eleger contratualmente uma solução jurídica.

em matéria do direito espacialmente competente para regular as obrigações, deve sublinhar ‑se que Portugal é signatário da cR de 1980, que define o direito aplicável às obrigações contratuais nas situações que impliquem um conflito de leis.

nos termos do artigo 3.º, n.º 1, da cR, o contrato rege ‑se pela lei escolhida pelas partes. se não tiver sido feita essa escolha, o contrato será regulado pela lei do país com o qual apresente uma conexão mais estreita, presumindo ‑se como tal o país onde a parte que está obrigada a fornecer a prestação característica do contrato tem, no momento da celebração do contrato, a sua residência habitual ou, se se tratar de uma sociedade, associação ou pessoa coletiva, a sua adminis‑tração central.

o artigo 7.º, n.º 1, da cR, estabelece que ao aplicar ‑se a lei de um determi‑nado país, pode ser dada prevalência às disposições imperativas da lei de outro país com o qual a situação apresente uma conexão estreita se, e na medida em que, de acordo com o direito deste último país, essas disposições forem aplicáveis qualquer que seja a lei reguladora do contrato. Para se decidir se deve ser dada prevalência a estas disposições imperativas, ter ‑se ‑á em conta a sua natureza e o seu objeto, bem como as consequências que resultariam da sua aplicação ou da sua não aplicação. o n.º 2, por seu lado, dispõe que o disposto na cR não pode prejudicar a aplicação das regras do país do foro que regulem imperativamente o caso concreto, independentemente da lei aplicável ao contrato.

a cR tem atualmente um âmbito residual – permanecendo aplicável apenas aos contratos celebrados antes de 17 de dezembro de 2009, por força do artigo 28.º, de Roma i, e nos territórios dos estados ‑membros que sejam abrangidos pelo âmbito territorial da convenção e que ficam excluídos de Roma i por força do artigo 299.º do tUe, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, de Roma i – já que foi substituída por Roma i21.

no âmbito do artigo 3.º, n.º 3, de Roma i, estabelece ‑se que todos os elementos relevantes da situação se situarem, no momento da escolha, num país que não seja o país da lei escolhida, a escolha das partes não prejudica as disposições desse outro país não derrogáveis por acordo. assim, parece ‑nos claro que o núcleo irredutível do artigo 437.º, n.º 1, permanecerá aplicável desde que seja escolhido

21 Regulamento (ce) n.º 593/2008 do Parlamento europeu e do conselho, de 17 de Junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais.

Page 36: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

224 Anotação por Diogo Pereira Duarte

uma lei estrangeira que não adote a mesma solução material relativamente a esse núcleo irredutível, desde que no momento da escolha da lei estrangeira todos os elementos relevantes de conexão do contrato se situem no ordenamento nacional.

se não for esse o caso, ou seja, se não for possível identificar uma conexão exclusiva com o ordenamento nacional no momento da escolha da lei estran‑geira, retoma ‑se o problema das normas de aplicação necessária, que em Roma i está regulado no artigo 9.º, n.º 2, segundo o qual, da mesma forma que sucede na cR, as disposições do regulamento não podem limitar as normas de apli‑cação imediata do país do foro. diz ‑se, ainda, agora no n.º 3, que pode ser dada prevalência às normas de aplicação imediata da lei do país em que as obrigações decorrentes do contrato devem ou tenham sido executadas na medida em que, segundo essas normas de aplicação imediata, a execução do contrato seja ilegal. segundo o n.º 1 do referido preceito, as normas de aplicação imediata são dispo‑sições cujo respeito é considerado fundamental por um país para a salvaguarda do interesse público, designadamente a sua organização política, social ou econó‑mica, ao ponto de exigir a sua aplicação em qualquer situação abrangida pelo seu âmbito de aplicação, independentemente da lei que de outro modo seria aplicável ao contrato por força do regulamento.

importa, pois, apurar se a solução do artigo 437.º deve ter aplicação imediata, pelo menos no seu núcleo irredutível, naquelas hipóteses em que as partes deter‑minam que a repartição dos riscos dos contratos, e o impacto de uma alteração de circunstâncias, se deva fazer por uma lei estrangeira, e essa lei estrangeira regula de forma diferente as questões que compõem esse núcleo irredutível. a resposta deve ser enquadrada para a solução que encontrámos para o problema da disposi‑tividade: havendo regulação contratual da repartição do risco, a lei aplicável será a escolhida pelas partes ou a que resulte dos critérios supletivamente aplicáveis da convenção ou do regulamento. no entanto, se essa solução implicar a postergação do núcleo intangível do preceito, que não está na área de negociabilidade privada, a solução do artigo 437.º não poderá deixar de se aplicar de qualquer forma. Mas, a ser assim, não nos parece que a norma constante do artigo 437.º, n.º 1, tenha implícita uma norma de conflitos ad hoc que determina a sua aplicação sempre que o contrato apresente alguma conexão com ordenamento nacional, designadamente deva nele ser executado, ou o ordenamento nacional seja a lei do foro, e que deva aplicar ‑se independentemente da lei aplicável ao contrato. a questão só se coloca numa perspetiva de controlo na aplicação ex post. ou seja, apenas se a solução da lei aplicável for substancialmente diferente da solução nacional implicando a acei‑tação de uma solução que, à luz do nosso direito, violaria manifestamente a boa fé, deverá aí ser aplicável o núcleo essencial do artigo 437.º. a resposta dada é, pois, de ordem pública do foro, e está regulada no artigo 21.º, de Roma i. a referência à boa fé objetiva, enquanto instituto central do ordenamento nacional é, do nosso

Page 37: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, a propósito dos swaps 225

ponto de vista, suficiente para se chegar a essa conclusão22. a incompatibilidade com a ordem pública do foro está dependente de existir alguma conexão relevante com o ordenamento do foro, designadamente na parte respeitante à execução do contrato pela parte lesada (Inlandsbeziehung).

as cláusulas contratuais que têm por objeto a repartição do risco entre as partes estão, elas próprias, como qualquer outra cláusula do contrato, sujeitas à alteração das circunstâncias, como decorre do ac. do stJ em que se decidiu sobre a acionabilidade da indexação da prestação ao valor do ouro que tinha inusitada‑mente subido de valor por motivos especulativos, o que era um evento imprevi‑sível23. na realidade, deve admitir ‑se que, mesmo havendo cláusulas contratuais que têm em vista regular a alteração das circunstâncias, eventos subsequentes podem ocorrer, ainda assim, fora da intenção ou âmbitos regulatórios da referida cláusula. nesse caso a alteração das circunstâncias excedeu os riscos próprios do contrato, não obstante a regulação contratual do risco, e o artigo 437.º, n.º 1, terá plena aplicação.

Questão que finalmente interessa analisar ainda neste ponto, é a de saber se é possível retirar qualquer relevância negocial, em matéria de repartição de risco, do facto de as partes nada terem regulado sobre esse aspeto quando o podiam ter feito. nos ordenamentos jurídicos de common law chega ‑se frequentemente à conclusão de que existe essa relevância. na realidade, relativamente aos eventos de verificação estatística, ainda que pouco frequente, seria sempre possível esta‑belecer uma regulação contratual. significa isso que a falta de estipulação sobre a matéria é um problema de incompletude negocial que tem ele próprio um signi‑ficado negocial, por dele resultar implícita uma determinada repartição de risco?

Havendo uma solução legal não poderia estar em causa a existência de lacuna que devesse ser integrada. Por outro lado, não pode ser encontrada na declaração qualquer solução implícita de repartição de risco fora dos critérios de interpretação da declaração negocial constantes do artigo 236.º e ss. ir para além disso seria atribuir ao silêncio o valor de declaração negocial, o que só em termos muitos restritivos é admitido pelo artigo 218.º, e colocaria o problema, certamente, no âmbito do erro na declaração regulado no artigo 247.º. Mas essa conclusão

22 veja ‑se a este propósito dário Moura vicente, Da Responsabilidade Pré ‑contratual em Direito Internacional Privado, coimbra, 2001, pp. 687 e ss. na mesma linha defendida por este autor, entendemos que a caracterização da boa fé como uma regra de ordem pública interna não seria suficiente para que esta integrasse necessariamente a reserva de ordem pública internacional. não obstante, a sua caracterização como instituto civil geral, correspondente a um dos pilares centrais do ordenamento privado, implica aceitar que o seu conteúdo é preenchido por valores fundamentais de que o estado português não abdica nas situações internacionais na regulação das relações intersubjetivas, ainda que a lei competente para regular a questão não seja a lei do foro.23 cfr. ac. do stJ, de 15.04.1975 (José Garcia da Fonseca) em BMJ, 246, p 138.

Page 38: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

226 Anotação por Diogo Pereira Duarte

apresenta, ainda, uma justificação teleológica. a ausência de regulação do risco pode decorrer de falta de informação sobre o evento em causa e não de uma opção de assuntor. Por outro lado, em muitos casos o contrato é propositadamente cele‑brado de forma incompleta nessa matéria em função de uma comparação entre os custos de transação na regulação do risco e a fraca probabilidade do evento a regular nas suas consequências.

concluímos, pois, que a ausência de regulação contratual do risco que era antecipável não pode levar ao afastamento do regime do artigo 437.º. assim, a depreciação muito acentuada do valor da moeda no cômputo de vários anos pode considerar ‑se uma alteração das circunstâncias, ainda que o contrato tivesse esta‑belecido uma prestação pecuniária fixa, não acautelando contratualmente essa evolução através de uma indexação24.

(iii) Alteração das circunstâncias e a repartição do risco que decorre do modelo contratual

a utilização de modelos contratuais que implicam, por sua natureza, a alocação ou repartição de riscos diversos é uma realidade frequente. é o que resulta dos contratos aleatórios que integram o risco como um elemento chave da sua função socioeconómica.

entre os contratos aleatórios em que se procede, por natureza, a uma especí‑fica alocação de risco, imputando ‑o a uma das partes do contrato, contamos os contratos de seguro, o contrato de reporte, e contratos de derivados, como sejam futuros, swaps ou opções.

Havendo uma repartição de risco contratualmente estabelecida, pela adoção de um modelo contratual que implique que ele corra especialmente por alguma das partes, a solução legal não poderia deixar de ser também a de impor a prevalência dessa solução contratual, por respeito à autonomia privada e ao poder jurígena da vontade. como tem sido documentado pela jurisprudência, será relevante então, para efeitos da verificação da condição de admissibilidade da parte final do artigo 437.º, a análise da repartição contratual do risco implícita no modelo contratual25.

também neste caso, havendo a afetação do risco, ex contrato, não se justificará, em princípio, a aplicação do instituto da alteração das circunstâncias, a não ser na medida em que o risco implicado na alteração das circunstâncias ultrapasse o que

24 como sucedeu no caso Canal de Craponne, dalloz, 1876, 193.25 existem na jurisprudência alemã várias decisões neste sentido, antes e depois da reforma do BGB: BGH, nzM 2000, 36, 40, BGH, nJW 2000, 1714; BGH, nJW ‑RR 2000, 1535; BGH nJW 2002, 3695, BGH, nJW ‑RR 2004, 1236; BGH, nJW 2006, 899; BGH, nzB 2009, 771; BGH, 17.03.2010 – Xii zR 108/08.

Page 39: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, a propósito dos swaps 227

se pode chamar de “risco normal”26, o que reclama uma ponderação casuística entre a solução contratual e o impacto da alteração das circunstâncias.

em termos económicos a justificação para a supletividade do regime legal da alteração das circunstâncias perante a repartição do risco decorrente do contrato resulta de a assunção do risco ex contratu surgir, tipicamente, associada a uma especial retribuição, ou contrapartida, a tanto destinadas, motivo pelo qual se não pode considerar que a concretização do risco pela alteração das circunstâncias tenha prejudicado a justiça interna do contrato27. Por outro lado, essa alocação de risco, efetuada ou implícita no tipo de contrato em causa, transforma necessa‑riamente essa parte no que se pode designar de superior risk bearer28: aquela pessoa que, sabendo ‑se em risco em resultado do contrato, tem melhores condições, ou mesmo o dever, de evitar o risco verificado, de o prever e mitigar, seja por via de autosseguro ou de transferência de risco no mercado segurador.

o tema da alteração das circunstâncias perante negócios aleatórios assume um debate especial sempre que a alteração das circunstâncias recai, precisamente, sobre factos que compõem o elemento aleatório do contrato. o reconhecimento desse debate especial leva a que por vezes o próprio legislador elabore uma regra sobre a inaplicabilidade da alteração das circunstâncias a estes contratos, como acontece por exemplo no artigo 1469, do código civil italiano, que recusa a aplicabilidade do instituto da onerosidade excessiva aos negócios aleatórios, pela formulação da regra: Le norme degli articoli precedenti non si applicano ai contratti aleatori per loro natura o per volontà delle parti.

a jurisprudência portuguesa, pelo contrário, admite tradicionalmente a apli‑cabilidade da alteração das circunstâncias, mesmo estando em causa um negócio aleatório, e mesmo respeitando a alteração das circunstâncias a factos que dizem respeito à álea do contrato29. do mesmo modo procede a doutrina nacional30.

na nossa perspetiva, a consideração de uma regra genérica de inaplicabilidade do instituto aos negócios aleatórios – incluindo os meramente especulativos – não será de formular, exatamente pela mesma razão que não se admite a completa dispositividade da solução legal, mas a aplicação deve ser extremamente caute‑losa. essa posição só se pode considerar justificada na medida em que a alteração das circunstâncias se refira a riscos não relacionados com a função que o negócio

26 nesse sentido ac. do tRLx, de 17.05.12 (Fátima Galante), [376/12.7], em <www.dgsi.pt>.27 Finkenauer, § 313/ Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, 2, schuldrecht allgemeiner teil, 6.ª ed., 2012, nm. 61. 28 noção introduzida por Posner ‑Rosenfield em Impossibility and Related Doctrines in Contract Law: An Economic Analysis, em “Journal of Legal studies”, 6 (1), 1977.29 nesse sentido, refira ‑se o recente ac. do stJ, de 10.10.2013 (Granja da Fonseca), [processo n.º 1387/11.5tBBcL.G1.s1], em <www.dgsi.pt>.30 carneiro da Frada, Crise…ob. cit., p. 668.

Page 40: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

228 Anotação por Diogo Pereira Duarte

desempenha perante o risco em causa, já que a aplicação do instituto da alteração das circunstâncias no âmbito do risco subjacente ao negócio destrói a sua própria função socioeconómica e não encontra qualquer justificação na posição que as partes conscientemente adotaram perante esse risco, transformando a alteração das circunstâncias num puro instrumento de equidade.

é o que sucede nos negócios de derivados, que são negócios aleatórios31. os negócios de derivados são, em primeira linha, instrumentos financeiros de cobertura dos riscos inerentes à atividade económica32, já que o recurso a estes instrumentos consubstancia um meio de salvaguardar o contraente de determi‑nados riscos de mercado, como sejam a variação da taxa de câmbio na conversão de moeda, alterações na taxa de juro, ou variações do preço de matérias ‑primas ou de valores mobiliários, como sucede em resultado de oscilações de cotações em mercado regulamentado, risco de crédito, risco regulatório e outros riscos equivalentes em termos económicos. são arquétipos de instrumentos derivados os futuros, os swaps e as opções.

os contratos de futuros são contratos de compra e venda através dos quais as partes compradora e vendedora se comprometem a comprar e vender determi‑nada quantidade de um ativo financeiro ou real, em uma data futura, a um preço pré ‑definido. com estas transações as partes procuram colocar ‑se a coberto do risco de variação no preço dos ativos.

numa definição dada pelo stJ, os contratos de swap são contratos através dos quais as partes transferem o risco económico inerente a um ativo para outra parte, em troca de uma remuneração. concretamente as partes obrigam ‑se (i) ao paga‑mento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, (ii) na mesma moeda ou em moedas diferentes, (iii) numa ou várias datas predeterminadas, (iv) calculadas por referência a fluxos financeiros associados a um ativo subjacente, geralmente, a uma determinada taxa de juro33. Podem envolver liquidação física, dando origem à aquisição de ativos físicos ou assumir referências meramente nocionais, o que os aproxima dos contratos diferenciais. tipicamente, as partes num contrato de swap pretendem proteger ‑se das flutuações das taxas de câmbio e das taxas de juro que podem gerar consequências graves. assim, trocam entre si fluxos de pagamentos calculados sobre uma dada base e a uma determinada taxa e adequam ‑nos às respe‑tivas expetativas de evolução no mercado. com este fito, os swaps permitem às partes

31 carlos Ferreira de almeida, Contatos – Contratos de Liberalidade, de Cooperação e de Risco, 2.ª edição, coimbra, 2013, iii, p. 278, sobre contratos diferenciais.32 engrácia antunes, Os Derivados, em “caderno dos Mercado de valores Mobiliários”, 30, Lisboa, pp. 92 ‑136.33 ac. do stJ, de 10.10.2013 (Granja da Fonseca), [processo n.º 1387/11.5tBBcL.G1.s1], em <www.dgsi.pt>.

Page 41: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, a propósito dos swaps 229

repartir entre si a vantagem absoluta que cada uma detenha sobre determinado mercado ou mesmo aceder a um mercado mais atrativo, não acessível de outra forma.

no entanto, a par desta finalidade de cobertura do risco, o swap, sob a mesma cobertura jurídico ‑formal, pode servir finalidades marcadamente especulativas, na medida em que o contrato de swap aparece desligado de qualquer operação económica concreta34, como ocorria no caso do aresto em análise. Bastante se tem discutido o problema da validade deste tipo de contrato, quando celebrado com finalidades especulativas, frequentemente pela aproximação ao regime do jogo e aposta. do nosso ponto de vista essas aproximações não são adequadas35: o problema surge na medida em que muitos contraentes, quando consumidores, celebram estes contratos com um défice informativo de tal forma elevado que em termos práticos realizam um jogo ou aposta, mas essa característica não decorre do âmago dos contratos na medida em que o juízo de prognose quanto à evolução dos fluxos financeiros associados ao ativo subjacente, ainda que falível como toda a prognose, pode ser sustentado em dados económicos objetivos, não se reconduzindo a evolução desses fluxos ao puro e simples funcionamento da sorte. o problema da invalidade dos contratos não decorre, em princípio, do seu conteúdo, mas de outras circunstâncias coevas da declaração de vontade36. dife‑rente será a questão de saber se a função estritamente especulativa decorrente dos swaps é compatível com normas de ordem pública nacional. não abordaremos, por ora essa questão, salientando apenas que, tratando ‑se de uma cláusula geral, a noção de ordem pública representa uma das janelas do sistema que não pode deixar de se permeável à concreta conjuntura socioeconómica em que deve ser aplicada, podendo assim assumir em diferentes momentos diferentes configurações.

as opções são contratos que atribuem a uma das partes um direito potesta‑tivo de compra (call option) ou venda (put option) de um certo ativo subjacente por um preço antecipadamente determinado ou determinável37. entre as opções mais

34 Lebre de Freitas, O Contrato de Swap meramente especulativo: Regimes de Validade e de Alteração das Circunstâncias, em Roa, vol. iv (out/dez), Lisboa, 2012, pp. 943 ‑970.35 veja ‑se a justificação em calvão da silva, Swap…ob. cit., p. 265. em sentido diferente o ac. do tRLx, de 21.03.2013 (ana de azeredo coelho), [proc. n.º 2587/10.0tvLsB.L1 ‑6], em <www.dgsi.pt>.36 cfr. sobre a proteção do consumidor de produtos financeiros, antónio Pinto Monteiro, A Resposta do Ordenamento Jurídico Português à Contratação Bancária pelo Consumidor, em RLJ, 143, 3987, p. 376 e ss.37 na definição do ac. do stJ, de 10.11.2011 (salazar casanova), [processo n.º 3109/08.9tvLsB.L1.s1], em <www.dgsi.pt>, a opção de compra ou pacto de opção traduz um acordo em que uma das partes se vincula à declaração negocial correspondente ao negócio visado – no caso contrato‑‑promessa de compra e venda – conferindo à outra o poder potestativo de exercer, nos termos estipulados, a vontade de aceitar essa declaração, constituindo ‑se, assim, o negócio tido em vista. cfr. carlos Ferreira de almeida, Contratos…ob. cit., i, p. 144.

Page 42: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

230 Anotação por Diogo Pereira Duarte

vulgarizadas, contam ‑se as opções de subscrição de ações em aumento de capital e as opções de compra e de venda em processos de investimento. tal como nos contratos anteriormente analisados, as opções visam em primeira linha cobrir os riscos, já que o beneficiário da proposta irrevogável de compra ou de venda tem antecipadamente assegurada a disponibilidade do ativo ou a sua liquidez. o caráter aleatório depende da incerteza do exercício do direito potestativo pelo qual se transfere a propriedade ou emerge a obrigação de pagamento do preço.

a base legal fundamental dos contratos de derivados consta do cvM, que os qualifica de instrumentos financeiros [artigo 2.º, n.º 1, alínea e), do cvM]. também o artigo 4.º, n.º 1, do RGicsF, se refere aos instrumentos de derivados como operações que estão destinadas exclusivamente a bancos e sociedades finan‑ceiras, se exercidas a título profissional. a lei não define, no entanto, o conceito de instrumentos financeiros, dando apenas uma enumeração não exaustiva, seja na dMiF, seja no cvM (depois da transposição daquela diretiva pelo decreto‑‑Lei n.º 357 ‑a/2007, de 31 outubro) no seu artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) a f ), por remissão do n.º 2 do mesmo artigo.

apesar de nominados, a lei não apresenta um regime específico para estes contratos, pelos que são legalmente atípicos, embora socialmente típicos. as várias caraterísticas necessariamente inerentes aos tipos contratuais são o carácter consensual38, a derivação39, o carácter de execução diferida40 e, dubitativamente, a abstração41.

são também contratos aleatórios, e é essa caraterística que interessa analisar agora. independentemente de qual tenha sido o propósito prático que as partes tiveram em vista na contratação do instrumento derivado, não é possível deter‑minar no momento da contratação se uma obrigação, e em que montante, surgirá para qualquer uma das partes ou para ambas. Mas, mais do que isso, tendo em conta a sua função socioeconómica típica, as partes procuram no contrato estru‑turar a produção de efeitos sobre essa incerteza negocial, fazendo desta o objeto do contrato42. nada na lei, ou na própria natureza dos contratos, impõe que deva

38 de facto, nada na lei impõe que devam revestir forma especial, pelo que se sujeitam em termos formais à regra geral do artigo 219.º. embora se deva referir que na generalidade dos casos são contratos celebrados por escrito, enquanto forma voluntária.39 são contratos construídos e valorados por referência a uma outra realidade a que se chama de ativo subjacente.40 é elemento típico destes contratos a existência de um período de tempo, mais ou menos longo, entre a data da celebração e a data de exercício e cumprimento dos direitos e obrigações deles emergentes. 41 neste plano, a característica da abstração significaria a impermeabilidade jurídica dos contratos de derivados perante vicissitudes que atingissem os ativos subjacentes a que estes se referissem. 42 engrácia antunes, Os Derivados…ob. cit., p. 101.

Page 43: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, a propósito dos swaps 231

existir uma natureza simétrica na distribuição dos riscos do contrato, podendo suceder que uma das partes saiba de antemão qual o seu risco ou perda máximos, o mesmo não sucedendo relativamente à outra parte.

coloca ‑se a questão de saber se neste caso poderá ser aplicado o instituto da alteração das circunstâncias se a variação ambiental ocorrida respeita, precisa‑mente, ao elemento de risco que constitui o objeto do contrato.

seguindo a opção metodológica que nos parece acertada, vamos ver se essa variação poderá consistir uma relevante alteração da base negocial subjetiva ou da base negocial objetiva43. Por base negocial subjetiva entendemos a represen‑tação psicológica de uma ou das duas partes quanto à evolução futura de aconte‑cimentos, essencial à vontade de contratar de ambas, ou de apenas uma delas nos casos em que, tendo sido comunicada essa representação à outra parte, a boa fé, tendo em atenção o conteúdo do contrato, determine a imputação daquela repre‑sentação a ambas as partes, por dizer respeito a circunstâncias fundamentais desse mesmo contrato. existe, pois, um critério psicológico mas também normativo para a relevância da alteração das circunstâncias, esse último ditado pela boa fé.

Por base negocial objetiva as circunstâncias factuais sobre as quais não houve uma específica ponderação, mas que fundamentam ou justificam a racionali‑dade imanente à configuração das obrigações emergentes do negócio jurídico, o seu conteúdo concreto, portanto, e que são necessárias para a manutenção dessa racionalidade.

a primeira hipótese é de afastar liminarmente. ainda que a vontade de uma das partes tenha sido a de que os efeitos negociais se produzissem apenas perante uma concreta evolução factual ou a manutenção de uma situação factual existente, relativamente ao risco assumido, essa vontade é totalmente irrelevante porque não declarada ou cognoscível. não poderia, pois, essa vontade consubstanciar qual‑quer base negocial. na realidade, a correta interpretação das declarações negociais subjacentes a estes contratos leva a concluir que as partes aceitam o surgimento de obrigações independentemente da variação factual que venha a ocorrer. tudo o mais é reserva mental juridicamente irrelevante.

Resta, pois, analisar o problema colocado pela modificação da base negocial objetiva: pode, por exemplo, a variação da taxa de juro euribor, dos 3,0% a 5,0% em que se situou desde a sua criação até ao início da crise económica, para 0,2%, ultrapassando todas as expectativas das partes e a sua capacidade de previsão, implicar uma alteração relevante por ter subvertido objetivamente a repartição do risco que estava subjacente ao contrato? Julgamos que os problemas, ainda que

43 a distinção é da autoria de Karl Larenz em Geschäftsgrundlage und Vertragserfüllung. Die Bedeutung “veränderter Umstände” im Zivilrecht, Berlin, 1951. cfr. Larenz ‑Wolf, Allgemeiner Teil Teil des Bürgerlichen Rechts, 9.ª edição, München, nm 12 ‑12, p. 699.

Page 44: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

232 Anotação por Diogo Pereira Duarte

muito relevantes, que podem decorrer deste tipo de casos, não têm a ver com hipóteses de alteração das circunstâncias, e que o artigo 437.º, n.º 1, não deve ser utilizado para lhes encontrar uma resposta. é evidente que uma das partes será onerada com uma obrigação com que não contava e que, até certo ponto, se pode considerar imprevisível para ela, ou até para as duas partes. Mas não se poderá dizer que essa obrigação não haja decorrido dos riscos que o próprio contrato para essa parte implicava44. Pelo contrário, o risco verificado é exatamente o risco em que se funda a justificação para a celebração do contrato45. a resposta, nesses casos, terá de ser dada pelos meios de tutela dos consumidores de produtos financeiros, mas não pelo instituto da alteração das circunstâncias.

não se pode afastar totalmente a hipótese de ocorrerem variações que ultra‑passem os riscos próprios do contrato, mesmo nos contratos aleatórios, incluindo os contratos de derivados46. Mas não é o caso, certamente, de uma descida ou subida de dois, três ou mesmo quatro por cento das taxas de juro de referência, por alterações severas na conjuntura económica como sucedeu na decisão que se comenta. Já o será, por exemplo, se Portugal vem a sair do euro adotando uma moeda altamente desvalorizada em relação ao euro47; se fixa legislativamente a taxa de juro de referência de forma radicalmente afastada do funcionamento do marcado monetário que estava implícito no modelo contratual; se vem a ser proibida legalmente a conversão de moeda, e apenas permitida a uma taxa admi‑nistrativa diferente da que decorra do funcionamento do mercado cambial48. o mesmo ocorre se se proíbe negociação sobre futuros em bolsa49. só quando o risco verificado não é o risco em função do qual o negócio aleatório desempenha a sua função socioeconómica pode estar em causa a aplicação do instituto, não nos outros casos. não cremos que o problema seja sequer de quantificação da

44 nesse sentido, Maria clara calheiros, O Contrato de swap no contexto…ob. cit., pp. 12 ‑13 e Paulo Mota Pinto, Contrato de Swap…ob. cit., 3988, pp. 50 e ss. Parece ‑nos irrefutável a argumentação que, nesse sentido consta do voto de vencido do Juiz conselheiro João Luís Marques Bernardo no ac. do stJ, 29.01.2015, já citado. 45 como refere João calvão da silva, Swap de Taxa…ob. cit., 3986. p. 365: “o desequilíbrio funcional (superveniente) não é mais do que o prolongamento do desequilíbrio genético, querido e estipulado pelas partes ab initio para por definição valer in futurum durante o prazo contratado no swap. É assim nos contratos aleatórios, em que só finalmente se sabe quem ganha e quem perde e o “preço” é quantificado de antemão (na formação do contrato) em função do risco coberto pela concreta vontade das partes”. 46 nesse sentido concorre ainda a circunstância de não ter sido adotada uma regra com a constante do artigo 1469 do cc italiano.47 Maria clara calheiros, O Contrato de swap no contexto…ob. cit., p 13.48 Podem encontrar ‑se casos típicos de relevância da alteração das circunstâncias nos contratos de swap, que suscitam a sua regulação em codificações profissionais, em Maria clara calheiros, O Contrato de Swap, coimbra, 2000, p. 183 e ss. e O Contrato de swap no contexto…ob. cit., p. 13.49 oliveira ascensão, Teoria…ob. cit., iii, p. 201.

Page 45: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, a propósito dos swaps 233

variação da taxa de juro, como se decidiu no ac. do tRLx. de 15.01.2015, em que, embora se tenha recusado a aplicação do instituto da alteração das circuns‑tâncias, se admite que “a onerosidade excessiva, suscetível de afetar gravemente os prin‑cípios da boa fé, pode justificar a resolução/modificação excecional do acordado, mesmo em negócios de cuja índole derive um risco próprio”50.

estas conclusões são extensivas, segundo cremos, a outros tipos de contratos aleatórios. assim, no contrato de seguro será em geral de excluir a aplicação do instituto da alteração das circunstâncias sempre que a variação ambiental ocorrida respeita precisamente aos riscos transferidos para a seguradora. Mas já seria apli‑cável se, como esclarece oliveira ascensão, um evento posterior torna esse risco de verificação certa ou de quase impossível verificação51. Já não poderia estar em causa, certamente, a desvinculação ao contrato porque o montante dos danos a indemnizar pela seguradora excederam manifestamente o que seria de esperar em virtude de uma variação ambiental ocorrida após a celebração do contrato.

do mesmo modo, a aquisição do status socii subsequente à subscrição de um aumento de capital de sociedade comercial não poderia ser posta em causa por uma depreciação vertiginosa do valor da participação social subsequente a uma acen‑tuada crise económica52, porque aquela depreciação faz parte dos “riscos próprios do contrato”, mas uma dificuldade acrescida e muito acentuada na realização do objeto social, que passe a implicar um sucesso empresarial muito improvável, ou a irrelevância do mesmo causado por uma modificação tecnológica, certamente possibilitará a cessação do status socii, seja pela exoneração, seja pela dissolução da sociedade. nesse caso a alteração das circunstâncias já excederá os riscos próprios do contrato de que resulta o status socii, pois o evento superveniente não se insere nos riscos que impõem ao negócio a natureza aleatória.

na medida em que a resolução e modificação do contrato por alteração das circunstâncias tem também por efeito afastar o quadro, geral e especial, de risco regulado no contrato, pode dizer ‑se que o instituto implica sempre um afasta‑mento desse quadro ‑regra de repartição do risco, por este não ser adequado para lidar com a concreta variação ambiental, de acordo com a boa fé objetiva, fazendo prevalecer, sobre essas regras contratuais, uma regra ad hoc para a alocação do risco

50 ac. do tRLx, de 15.01.2015 (Manuel Gomes), [proc. n.º 876/12.9tvLsB.L1 ‑6], em <www.dgsi.pt>.51 oliveira ascensão, Teoria…ob. cit., iii, pp. 200 ‑201.52 no ac. do tRLx, de 18.09.2014 (ondina carmo alves), [proc. n.º 400/14.9YRLsB.L1 ‑2], em <www.dgsi.pt>, respondeu ‑se à questão de saber se a crise económica com impacto na tesouraria de uma sociedade anónima, e na depreciação do valor das participações sociais, era um risco próprio de um contrato que se poderia qualificar entre a promessa de compra e a opção de venda de ações, tendo ‑se concluído que se tratava de um “risco imanente ao próprio objeto contratual, no sentido de que as partes tiveram em vista, precisamente, negociar sobre a incerteza de quaisquer condicionantes”.

Page 46: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

234 Anotação por Diogo Pereira Duarte

naquele contrato. Pensamos que, não fora existir a solução do artigo 437.º, essa seria a solução que resultaria da interpretação complementadora do contrato, a ergänzende Vertragsauslegung, à luz do artigo 239.º, pois haveria uma lacuna nego‑cial a ser integrada em função da vontade presumível das partes, ou os ditames da boa fé, sendo outra a solução por eles imposta.

(iv) A preferência legal pela modificação do contrato em caso de alteração das circunstâncias

na decisão em análise, o tribunal da Relação de Lisboa, verificando a alte‑ração das circunstâncias, declarou a licitude da resolução do contrato e, com arrimo na retroatividade imposta pelo artigo 289.º, n.º 1, condenou as partes a restituir entre si todas as quantias trocadas por via dos contratos celebrado. Parece ‑nos que não é essa a solução que decorre da lei, ainda que se admitisse a aplicação da alteração das circunstâncias, como certeiramente é notado no voto de vencido do ac. do stJ, de 29.01.2015.

a regulação da hipótese da modificação do contrato, no n.º 2, do artigo 437.º, é clara, no sentido de configurar a modificação do contrato como um contrapoder ao direito que, no n.º 1, é conferido à parte lesada, de resolução do contrato, e perderia todo o significado se a parte lesada pudesse determinar livremente se se deve, ou não, impor a resolução. a preferência legal pela modificação resulta, assim, da possibilidade de esta solução ser decidida judicialmente a pedido de uma das partes, ainda que a outra se lhe oponha pretendendo a resolução. essa prefe‑rência legal pela modificação tem uma fundada justificação teleológica: a resolução do contrato imputa totalmente o risco da alteração da alteração das circunstâncias à parte por ela não lesada, do mesmo modo que a não resolução o imputa à parte lesada, estabelecendo ‑se uma regra de “tudo ou nada”. acresce ainda o problema de eventualmente se deixar a parte não lesada em prejuízo relativamente a inves‑timentos efetuados com fundamento no contrato.

Já a modificação permite uma repartição do risco entre as partes adaptada às circunstâncias do caso, em que se pondera a ocorrência de eventuais investi‑mentos de confiança, permitindo alcançar uma solução adaptada às finalidades subjacentes à aplicação do preceito. em benefício desta ordem de preferência deve invocar ‑se, ainda, o princípio do favor negotii 53.

em casos como o este, em que a prestação da parte lesada conhece um custo superior ao existente no momento da contratação ou no aumento do valor da

53 Pedro Pais de vasconcelos; Teoria…ob. cit., p. 523. nesse sentido, carlos Ferreira de almeida, Erro sobre a Base do Negócio, em cdP, 43, 2013, p. 9.

Page 47: A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, … 2015-01... · 2019. 10. 28. · RDS VII (2015), 1, 189 ‑235 A regulação contratual do risco e a alteração

RDS VII (2015), 1, 189‑235

A regulação contratual do risco e a alteração das circunstâncias, a propósito dos swaps 235

prestação sem correspondência na contraprestação (Äquivalenzstörungen), por força da alteração das circunstâncias, parece configurar ‑se como adequado, na modifi‑cação do contrato, o recurso à reductio ad aequitatem, de inspiração italiana: o valor da prestação da parte lesada será substituído por outro valor determinado em função de outro índice que não tenha sofrido aquela variação anormal.

a indexação do valor da prestação a outro fator de determinação da prestação devida, que reproduzisse razoavelmente o anterior funcionamento do equilíbrio contratual, seria suficiente para afastar os efeitos da lesão causada pela alteração das circunstâncias sem os fazer recair inteiramente sobre a parte não lesada, mesmo que possa implicar um razoável aumento da prestação devida, pois uma normal flutuação das taxas de juro sempre seria um risco do contrato que a parte lesada teria de correr.

na verdade, sabendo ‑se que toda a contratação tem implícita determinada álea, determinada margem de risco, especialmente num contrato aleatório como o que estava em causa na decisão em análise, o tribunal teria sempre que deter‑minar o que é que na perda patrimonial verificada excede o que naturalmente deveria ser imputado à parte lesada, e apenas o excesso poderia entrar no cálculo da repartição entre as partes. a racionalidade subjacente à modificação leva a concluir o objetivo na modificação equitativa não é exatamente restaurar o equi‑líbrio constante da situação contratual inicial, mas colocar a parte lesada numa posição que não lhe possibilitasse recorrer ao regime da alteração das circuns‑tâncias, já que essa parte deve suportar os riscos normais do contrato, como já se decidiu na jurisprudência italiana da Corte di Cassazione54.

54 Corte di Cassazione, de 11.01.1992, n. 247.