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Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Willians de Jesus Santos A Reinvenção do Folclore boliviano em São Paulo Campinas 2015

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Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Willians de Jesus Santos

A Reinvenção do Folclore boliviano em São Paulo

Campinas

2015

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Cecília Maria

Jorge Nicolau - CRB 8/3387

Santos, Willians de Jesus, 1985-

Sa59r A reinvenção do folclore boliviano em São Paulo / Willians de Jesus Santos. –

Campinas, SP : [s.n.], 2015.

Orientador: Rosana Aparecida Baeninger.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Filosofia e Ciências Humanas.

1. Imigrantes bolivianos. 2. Relações entre gerações. 3. Folclore. 4.

Identidade. 5. Corpo. 6. Dança. I. Baeninger, Rosana Aparecida,1963-. II.

Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: La reinvención del folklore boliviano en São Paulo

Palavras-chave em inglês:

Bolivian immigrants

Intergenerational relations

Folklore

Identity

Body

Dance

Área de concentração: Sociologia

Titulação: Mestre em Sociologia

Banca examinadora:

Rosana Aparecida Baeninger [Orientador]

Pedro Peixoto Ferreira

Paulo Eduardo Teixeira

Data de defesa: 24-06-2015

Programa de Pós-Graduação: Sociologia

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelos

professores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 24 de junho de 2015, considerou o

candidato WILLIANS DE JESUS SANTOS aprovado.

Profa. Dra. Rosana Aparecida Baeninger

Prof. Dr. Pedro Peixoto Ferreira

Prof. Dr. Paulo Eduardo Teixeira

A Ata de Defesa, assinada pelos Membros da Comissão Examinadora, consta no processo

de vida acadêmica do(a) aluno(a).

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Dedico este trabalho, primeiro, a minha mãe. Rita de Jesus dos Santos

Migrante da cidade de Euclides da Cunha para São Paulo.

Mãe solteira, ensinou me o valor da humildade e da autonomia.

Dedico, também, aos imigrantes bolivianos (as), em geral,

e da fraternidade folclórica San Simon em especial. Por me ensinaram a valorizar

a ancestralidade que compõem nosso corpo, nossa memória e a deixar-se apaixonar pelas danças.

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Agradecimentos

Agradeço ao financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo – FAPESP – sem o qual não haveria condições para realizar a empiria e a interpretação teórica da pesquisa apresentada aqui.

A orientadora Rosana Aparecida Baeninger, agradeço, a sensibilidade e profissionalismo. Foi quem acreditou no projeto deste o início; atenta ao desenvolvimento da pesquisa, lendo meus textos, orientou sabiamente o seu desenvolvimento e encerramento, estabelecendo críticas fundamentalmente necessárias.

Aos amigos de infância agradeço a admiração pelo meu trabalho, lembrando-me sempre de minha trajetória, a qual recordava diante de outras alteridades. Estando todos representados na figura de Fernando Souza. Aos amigos da moradia estudantil da Unicamp, colegas de pós-graduação, professores e funcionários do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e da Universidade por me receberem, mostrarem caminhos teórico e político; ensinaram-me que fazemos parte de um projeto social e científico amplo, como este trabalho é. Muitas são as pessoas todas elas podem se sentir representadas na pessoa de Gustavo di Reis, Pedro Firmino, Katiuscia Gallera, Raphael Silveiras, Èrica Almeida, Antonio Oliveira, Fabrício Padilha, Aline Gandolfi.

No âmbito do pertencimento acadêmico e o reconhecimento fraterno devo muito a Patrícia Villen. Juntos desenvolvemos um diálogo profícuo, verdadeiro, espirituoso e permanente. Villen foi muito aberta a meus questionamentos, nunca se privou a apontar caminhos críticos acerca do tema. Sensível, como amiga, fortaleceu-me quando de dúvidas e angustias.

Por fim, agradeço a todos migrantes que encontrei na caminhada da pesquisa, muitos (as) hoje amigos (as), e aos imigrantes bolivianos da Fraternidade Folclórica Caporales San Simon Bloque São Paulo Brasil participantes nos anos de 2013/14. Durante minha trajetória muitos acadêmicos perguntavam o porquê de eu ter escolhido pesquisar as danças folclóricas. Hoje posso responder que não somos nós que escolhemos, mas as pessoas que fazem cultura que desejamos conhecer é quem nos escolhem. Os migrantes foram fraternos a minha pessoa, abriram as portas para minha participação em seus espaços, onde constituíam suas relações, seus laços, identidade, aí, explicavam-me os múltiplos usos e significados de sua dança para si, os motivos de unidade para dançarem, respondendo sempre que possível as curiosidades minhas, alimentando minhas paixões. Agradeço acolhida de Reginaldo Ramalho, Carol Gonzales, Willen Gutierrez, Alan Alborta, Mijael, Mônica Raquel, Jasmin Estela, Ivan Miranda, Claudia Camacho, Huascar, Fernando Montero, Ruth Camacho.

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“[...] Saudades sempre. Muita saudade. Tanto que faço atividades com imigrantes por que isto é uma maneira de matar saudades (...) por que você perde a identidade quando você migra. Uma forma de mantener-se íntegro, acho que, é se afirmar-se na cosa cultural para manter uma identidade que te ajude a responder quem sou eu [...] ” (Jobana Moya – entrevista para o Canal V).

Eu sou favela negô eu fui Mandela negô.

Eu sou o acorde do samba que você negô. Sou berimbaú que toco quando a chibata negô.

Se levantou, recusou, menosprezou sua cor. E você negô.

Negô a minha presença empurrou tua crença. Deu a sua sentença pra você nega.

Vai trabalhar pra lavar, sempre limpar, cozinhar a verdadeira sinhá Ou pra você negô ou pra você nega.

Estreia a hora do show inferior é o papel. Se o pó de arroz clareou, mas não vai dar Rapunzel. Se a noite o ferro alisar, torturar, oprimir massacrar.

Sua raiz vai tá lá ou pra você negô ou pra você nega. Fazer o branquela sorrir entrar no carro e sumir.

Fazer a curva e subir filha da puta vai rir. De cara preta vai tá.

Ou pra você negô ou pra você nega. Pretim pretô pretim preta.

Pretim pretô pretim. Nunca Negar.

Nunca negue a raiz que sua etnia é verdadeira. É verdadeira é verdadeira.

Nunca negue a raiz que sua etnia é verdadeira. É verdadeira é verdadeira.

Eu sou favela negô.

Ba Kimbuta.

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Resumo

Esta dissertação busca compreender a reconstrução de identidade sociocultural e de [re] invenção

de tradições no convívio entre gerações de imigrantes entre espaços sociais sob o contexto da

visibilidade da imigração em seus aspectos políticos e culturais. Neste sentido, procuramos dar vez

para a Fraternidade Folclórica Caporales San Simón SP-Brasil destacando suas gestualidades, os

seus trajes e festividades denominadas pelos imigrantes de folclore. Objetiva compreender a

identidade sociocultural e o vínculo social entre gerações imigrantes em São Paulo. Em nossa

hipótese a Fraternidade Folclórica Caporales San Simón exerce agencia durante o Ciclo de Festas,

danças e os trajes entre a Bolívia e São Paulo, conformando no território circulatório a presença de

símbolos que também circulam. Com estes sinais diacríticos - ou seja, a tradição [re] inventada –

esses/essas bolivianos/bolivianas e seus descendentes (re) constroem a identidade sociocultural na

sociedade de imigração, fortalecendo sua unidade e prática sociais. Este estudo investiga a partir

do método reflexivo, a dança desta fraternidade folclórica, focalizando os usos do folclore e suas

relações com o conjunto das relações sociais entre gerações dos imigrantes e destes com os

brasileiros no contexto da imigração. Através da escrita, da fotografia e do gravador buscamos

mapear as diversas narrativas acerca do que é a fraternidade e a dança folclórica caporal para seus

integrantes. Neste contexto os (as) fraternos (as) são vistos como protagonistas e atores de seu

processo migratório revelado na experiência de construção de vínculo social entre gerações que

ocorre entre destino e origem desta imigração boliviana.

Palavras-chave: imigrantes bolivianos; relações entre gerações; folclore; identidade; corpo; dança.

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Abstract

This dissertation aims to understand the reconstruction of socio-cultural identity and the (re)

invention of traditions in the context of everyday life shared between different generations of

immigrants, between social spaces and under the context of immigration visibility in its political

and cultural aspects. In this sense we intend to focus on the Folklore Fraternity of Caporales San

Simón São Paulo-Brasil, highlighting gestures, costumes and the festivities called folklore by the

immigrants. The focus is to understand sociocultural identity and the social links between

generations of immigrants in São Paulo. The hypothesis proposed is that the Caporales San Simón

Fraternity of Folklore exerts an agency around the cycle of festivities, dances and costumes

between Bolivia and São Paulo. The circulatory territory thus conformed and the presence and-or

symbols which also circulate. With these diacritical signs – that is, the (re) invented traditions.

Those Bolivians and their descendants (re) construct their sociocultural identity in the society they

have migrated into by strengthening their social unity and practice. This study applies the reflexive

method to this fraternity’s dance, focusing on the uses of folklore and exploring its connections

with the broader social relations between generations of immigrants and between them and the

Brazilians in the context of immigration. By the use of writing, photography and voice recorder we

seek to map out the different narratives about the meaning of the fraternity and folklore dance for

its members. In this context fraternity members are seen as the protagonists and actors of their own

migratory process, which is revealed in the very construction of social links between generations

and between the starting point and destination of this Bolivian migration.

Key words: bolivian immigrants; intergenerational relations; folklore; identity; body; dance.

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Lista de figuras

Figura 1. Chapéu caporales (25/05/2013).................................................................................. 17

Figura 2. Bota caporales (25/05/2013)....................................................................................... 17

Figura 3. Bota caporales II (25/05/2013).................................................................................... 17

Figura 3. Saia caporales (25/05/2013)........................................................................................ 17

Figura 5. Virgens Urkupiña, Copacabana e Socavón e os trajes da San Simon

(27/07/2013).............................................................................................................................. 60

Figura 6. Lembranças e pão e vinho oferecidos na velada das cholitas.

(27/07/2013).............................................................................................................................. 60

Figura 7. Cholita em velada da tropa das cholitas fraternos e fraternas acompanham missa

devocional durante velada das cholitas. 27/07/2013.................................................................. 60

Figura 8. Cholita em velada da tropa das cholitas fraternos e fraternas acompanham missa

devocional durante velada das cholitas. 27/07/2013.................................................................. 60

Figura 9. Virgens Urkupiña, Copacabana e Socavón e bandeira San Simon.

(27/07/2013)............................................................................................................................... 61

Figura 10. Trajes e lembranças entregues aos fraternos na velada cholitas.

(27/07/2013)............................................................................................................................... 61

Figura 11. Família de bolivianos trajam roupas de dança durante a 7ª Marcha dos Migrantes.

(01/12/2013)............................................................................................................................... 90

Figura 12. Cholita no palco da 18ª Festa dos Migrantes. (02/06/2013)..................................... 98

Figura 13. Cholita no camarim da festa devocional de agosto no Memorial da América Latina.

(03/08/2013)............................................................................................................................... 98

Figura 14. Tropeiros e tina na 18ª Festa dos Migrantes. (02/06/2013)...................................... 99

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Figura 15. Tropeiros e tina na festa de agosto no Memorial da América Latina.

(03/08/2013)............................................................................................................................... 99

Figura 16. Carnaval desfiles escolas de samba grupo de acesso. (20/02/2013)....................... 115

Figura 17. Jovens caminham nas ruas de São Paulo em protesto contra vulnerabilidade.

(12/07/2013)............................................................................................................................. 119

Figura 18. Jovens caminham nas ruas de São Paulo em protesto contra vulnerabilidade.

(12/07/2013)............................................................................................................................. 119

Figura 19. Afrobolivianos apresentam a dança saya na 8ª Marcha dos Migrantes em São Paulo.

(07/12/2013)............................................................................................................................. 121

Figura 20. Dançarinos utilizando traje do capataz na dança caporales

(02/06/2013)............................................................................................................................. 134

Figura 21. E na dança saya (28/10/2013)................................................................................. 134

Figura 22. Fraternidades Caporales San Simon e Kantuta Bolívia se apresentam durante a festa

Pré-Parada. (28/07/2013).......................................................................................................... 141

Figura 23. Fraternidades Caporales San Simon e Kantuta Bolívia se apresentam durante a festa

Pré-Parada. (28/07/2013).......................................................................................................... 141

Figura 24. Fraterno utiliza camisa caporales San Simón Filial Suécia.

(25/05/2013)............................................................................................................................. 147

Figura 25. Integrantes da San Simon ensaiam na Escola Prudente de Moraes e depois se

apresentam na Praça Kantuta. (25/05/2013)............................................................................. 150

Figura 26. Integrantes da San Simon ensaiam na Escola Prudente de Moraes e depois se

apresentam na Praça Kantuta. (25/05/2013)............................................................................. 150

Figura 27. Integrantes da San Simon ensaiam na Escola Prudente de Moraes e depois se

apresentam na Praça Kantuta. (25/05/2013)............................................................................. 150

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Figura 28. Integrantes da San Simon ensaiam na Escola Prudente de Moraes e depois se

apresentam na Praça Kantuta. (25/05/2013)............................................................................. 150

Figura 29. Faixas Predileta e Miss da San Simon 2014.

(21/06/2014)............................................................................................................................. 156

Figura 30. Imigrantes assistem eleições para escolha da predileta 2014.

(21/06/2014)............................................................................................................................ 156

Figura 31. Predileta San Simon 2013 se apresenta na festa preparada no Memorial da América

Latina. (28/07/2013)............................................................................................................... 157

Figura 32. Predileta San Simon 2013 se apresenta na festa preparada no Memorial da América

Latina. (28/07/2013)............................................................................................................... 157

Figura 33. Predileta San Simon 2013 se apresenta na festa do Memorial da América Latina em

agosto. (03/08/2013)............................................................................................................... 158

Figura 34. Predileta San Simon 2013 se apresenta na festa do Memorial da América Latina em

agosto. (03/08/2013)............................................................................................................... 158

Figura 35. Ana miss San Simon

(21/07/2013)............................................................................................................................ 159

Figura 36. Macha se apresenta na Praça Kantuta \ Festa Preparada (21/07/2013)

(02/06/2013)............................................................................................................................ 159

Figura 37. E na 18ª Festa do Museu da Imigração

(02/06/2013)............................................................................................................................ 159

Figura 38. China ou Macha? Personagem Feminina da San Simon se apresenta na Pré-Parada

(28/07/2013)............................................................................................................................ 161

Figura 39. E na festa de agosto (03/08/2013)......................................................................... 161

Figura 40. Tropeiros San Simon se apresentam na 18ª Festa do Museu da Imigração

(02/06/2013)............................................................................................................................ 169

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Figura 41. Achachis San Simon se apresentam na Festa Eu Amo Bolívia no Memorial da

América Latina.

(03/08/2013)............................................................................................................................. 169

Figura 42. Cholitas se apresentam na 18ª Festa do Museu da Imigração

(02/06/2013)............................................................................................................................. 170

Figura 43. E na Festa Eu Amo Bolívia no Memorial da América Latina.

(03/08/2013)............................................................................................................................. 170

Figura 44. Cholitas se apresentam na 18ª Festa do Museu da Imigração

(02/06/2013)............................................................................................................................. 170

Figura 45. E na Festa Eu Amo Bolívia no Memorial da América Latina.

(03/08/2013)............................................................................................................................. 170

Figura 46. Virgens Urkupiña, Copacabana e Socavón expostas durante velada das cholitas.

(27/07/2013)............................................................................................................................. 173

Figura 47. Tropa dos Achachis dançando e devotando ás Virgens na Festa Preparada

(28/07/2013)............................................................................................................................. 173

Figura 48. Sequencia do ensaio da San Simon.

(25/05/2013)............................................................................................................................. 175

Figura 49. Sequencia do ensaio da San Simon.

(25/05/2013)............................................................................................................................. 175

Figura 50. Sequencia do ensaio da San Simon.

(25/05/2013)............................................................................................................................. 175

Figura 51. Sequencia do ensaio da San Simon.

(25/05/2013)............................................................................................................................. 175

Figura 52. Sequencia do ensaio da San Simon.

(25/05/2013)............................................................................................................................. 175

Figura 53. Sequencia do ensaio da San Simon.

(25/05/2013)............................................................................................................................. 176

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Figura 54. Sequencia do ensaio da San Simon.

(25/05/2013)............................................................................................................................ 176

Figura 55. Sequência de Fotos. Crianças e jovens do grupo folclórico Kantuta Bolívia se

apresentam no Memorial da América Latina na Festa Preparada.

(28/07/2013)............................................................................................................................ 184

Figura 56. Sequência de Fotos. Crianças e jovens do grupo folclórico Kantuta Bolívia se

apresentam no Memorial da América Latina na Festa Preparada.

(28/07/2013)............................................................................................................................ 184

Figura 57. Sequência de Fotos. Crianças e jovens do grupo folclórico Kantuta Bolívia se

apresentam no Memorial da América Latina na Festa Preparada.

(28/07/2013)............................................................................................................................ 184

Figura 58. Sequência de Fotos. Crianças e jovens do grupo folclórico Kantuta Bolívia se

apresentam no Memorial da América Latina na Festa Preparada.

(28/07/2013)............................................................................................................................ 184

Figura 59. Sequência de Fotos. Crianças e jovens do grupo folclórico Kantuta Bolívia se

apresentam no Memorial da América Latina na Festa Preparada.

(28/07/2013)............................................................................................................................ 185

Figura 60. Sequencia de fotos. Tropa de Achachis e crianças. Festa Preparada no Memorial da

América Latina. (28/07/2013)................................................................................................. 186

Figura 61. Sequencia de fotos. Tropa de Achachis e crianças. Festa Preparada no Memorial da

América Latina. (28/07/2013)................................................................................................. 186

Figura 62. Sequencia de fotos. Tropa de Achachis e crianças. Festa Preparada no Memorial da

América Latina. (28/07/2013)................................................................................................. 187

Figura 63. Sequência de fotos fraternos da San Simon durante apresentação na festa preparada no

Memorial da América Latina................................................................................................. 191

Figura 64. Sequência de fotos fraternos da San Simon durante apresentação na festa preparada no

Memorial da América Latina.

(28/07/2013)............................................................................................................................ 191

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Figura 65. Sequência de fotos fraternos da San Simon durante apresentação na festa preparada no

Memorial da América Latina.

(28/07/2013)............................................................................................................................ 192

Figura 66. E na festa de agosto.

(03/08/2013)............................................................................................................................ 193

Figura 67. Sequência de fotos fraternos da San Simon durante apresentação na festa preparada no

Memorial da América Latina. (28/07/2013)........................................................................... 193

Figura 68. Sequência de fotos fraternos da San Simon durante apresentação na festa preparada no

Memorial da América Latina.

(28/07/2013)............................................................................................................................ 193

Figura 69. Sequência de fotos fraternos da San Simon durante apresentação na festa preparada no

Memorial da América Latina.

(28/07/2013)............................................................................................................................. 193

Figura 70. Sequência de fotos fraternos da San Simon durante apresentação na festa preparada no

Memorial da América Latina.

(28/07/2013)............................................................................................................................. 193

Figura 71. Jovens posam em frente a bandeira com data de fundação da SS – SP.

(03/08/2013)............................................................................................................................. 211

Figura 72. Fraternidade San Simon segue bandeira de fundação na Festa Preparada.

(03/08/2013)............................................................................................................................. 211

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Sumário

Introdução.................................................................................................................... 14

Capítulo 1 - Reflexividade, método de pesquisa e técnicas de registro......................................................................................................................... 31

1.1 Uma pergunta reflexiva: O que é o caporal?........................................................ 31

1.2 Diário de Campo e Caderno de Campo............................................................... 48

1.3 O registro sonoro.................................................................................................. 50

1.4 O registro fotográfico............................................................................................ 56

1.5 Pesquisas com e sobre mídia............................................................................... 73

Capítulo 2 - A convivência dos imigrantes bolivianos................................................. 77

2.1 A presença boliviana em São Paulo..................................................................... 77

2.2 A (re) construção das identidades e a visibilidade sobre a fraternidade

e o folclore.................................................................................................................. 83

2.3 A fraternidade e o folclore frente a visibilidade midiática, imaginários preconceituosos e discriminações....................................................................................................... 103

Capítulo 3 - O Território Circulatório da Fraternidade Folclórica Universitários Caporales San Simon São Paulo Brasil..................................................................................... 129

3.1 O caporal imaginários e usos de um afropersonagem........................................ 130

a) Imaginários históricos sobre o personagem Caporal..................................... 139

b) Identidade Globalizada ou Território Circulatório?......................................... 145

3.2 O Caporal sob o ciclo de festas e o território circulatório.................................... 148

a) O ciclo de festas............................................................................................. 148 b) O território circulatório.................................................................................... 162

3.3 O ciclo de amizade entre gerações em torno do caporal.................................... 178

Considerações Finais................................................................................................ 200

Bibliografia................................................................................................................. 221

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14

Introdução

A esses fenômenos podemos dar o nome de os imponderáveis da vida real. Pertencem a

essa classe de fenômenos: a rotina do trabalho diário do nativo; os detalhes de seus

cuidados corporais; o modo como prepara a comida e se alimenta; os detalhes o tom das

conversas e da vida social ao redor das fogueiras; a existência de hostilidade ou de fortes

laços de amizade, as simpatias ou aversões momentâneas entre as pessoas; a maneira sutil,

porém inconfundível, como a vaidade e a ambição pessoal se refletem no comportamento

de um indivíduo e nas reações emocionais daqueles que o cercam. Todos esses fatos

podem e devem ser formulados cientificamente e registrados; entretanto, é preciso que

isso não se transforme numa simples anotação superficial de detalhes, como usualmente é

feito por observadores comuns, mas seja acompanhado de um esforço para atingir a atitude

mental que neles se expressa (...) Com efeito, se nos lembrarmos de que esses fatos

imponderáveis, porém importantíssimos, da vida real são parte integrante da essência da

vida grupal, se nos lembrarmos de que neles estão entrelaçados os numerosos fios que

vinculam família, o clã, a aldeia e a tribo, sua importância se torna evidente. Os vínculos

mais cristalizados dos agrupamentos sociais tais como rituais específicos, deveres legais

e econômicos, obrigações mútuas, presentes cerimoniais, demonstrações formais de

respeito, embora igualmente importantes para o pesquisador, não são todavia sentidos tão

intensamente pelo indivíduo que os tem de pôr em prática. (MALINOWSKI, [1922] 1984,

p.33-34)

A presente dissertação compõe o projeto “Observatório das Migrações em São Paulo”

desenvolvido junto ao NEPO (Núcleo de Estudos de População) da Unicamp, processo

(2014\04850-1), foi orientado pela Profª. Drª Rosana Aparecida Baeninger, financiado pela

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, processo (2013/19121-2).

Parte de uma questão colocada na passagem acima de Malinowski ([1922] 1984) em

que se observando os imponderáveis da vida real é possível se articular a estrutura social da

comunidade pesquisada. A partir de tal questão iniciamos nossa reflexão.

Sob o título “A reinvenção do Folclore Boliviano em São Paulo” apresentamos a

compreensão acerca da reconstrução de identidade e reinvenção do folclore entre imigrantes

bolivianos e seus descendentes na cidade de São Paulo. A identidade sociocultural dos imigrantes

é categorizada por fraternidade, nesta agrupação, cada integrante é denominado de fraterno. O

vínculo geracional entre os integrantes da fraternidade se configura em torno da expressão do

caporal: dança que faz parte da diversidade de expressões corporais narradas como folclore

boliviano. È a partir desse folclore que os bolivianos e as bolivianas classificam suas danças e trajes

considerado por nós como a expressão da identidade por origem comum dos (as) fraternos (as). O

caporal se refere à um personagem pretérito da escravidão de africanos na Bolívia – o capataz,

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segundo a narrativa dos fraternos acerca de sua dança – o caporales. Atualmente esta dança é

expressa no contexto de devoção religiosa ou em eventos festivos na sociedade de destino, no caso,

a cidade de São Paulo.

Em nossa hipótese a identidade sociocultural que une adultos e jovens, bolivianos e

brasileiros (filhos de bolivianos), ocorre através da recriação das danças e dos trajes, como o

caporales. As alegorias sobre as danças e a expressão corporal que a envolve são de suma

importância, portanto, para a compreensão do vínculo social entre gerações. É a partir destes

elementos que ambos constroem o sentimento de reconhecimento entre si e pertença a uma mesma

cultura muitas vezes expresso êmicamente por o boliviano gosta é de dançar ou tem gente que

dança porque gosta. E, também, é por meio da dança que os migrantes interagem com a população

local, através de sua própria mídia ou de sua presença em lugares de discussão acerca dos direitos

sociais. Buscando visibilizar suas práticas e valores segundo um sentido de reconhecimento social

da diferença.

Para compreensão da hipótese desta dissertação fizemos um recorte analítico e teórico

propondo a partir da descrição da dança folclórica caporal expressa pela fraternidade San Simon

relacionar o conceito metodológico de “Tribalismo” (MITCHELL, 2010) ao conceito teórico de

“Bolivianidade” (GRIMSON, 1999), pois a nosso ver ambos possibilitam um modo de análise,

organização do material de campo e interpretação do fenômeno em questão e avaliação da hipótese

ao longo da dissertação.

Iniciamos com a dança. A dança em questão é o Caporal. O Caporal é o nome de uma

dança e de um traje, em específico, relatado enquanto dança de origem afroboliviana e somente tal

significado de identidade nos instiga uma série de questões. No entanto, por agora, levantamos a

pergunta acerca de seu significado político em relação aos atores que a expressam pois as: “[...]

fraternidades escogen tipos de danza, trajes, música y otros elementos que tienen diferentes

relaciones con la historia boliviana y con el contexto migratório (GRIMSON, 1999, pp.73)”.

Alguns significados que os (as) fraternos (as) da San Simon veiculam sobre ela é de

ser originada entre os negritos1, de ser agitada para dançar, e, por este aspecto, a mais gostada

entre os jovens. Sociologicamente para Grimson (1999; pp.73) significaria: “de manera peculiar la

1 As categorias êmicas são grafadas em itálico nesta proposta de pesquisa.

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relación entre la historia y el presente, y entre estos jóvenes y la sociedade mayor.” A diversidade

de relatos sobre sua origem e seus significados coloca a questão de que seja na Bolívia (de onde é

trazida), em Buenos Aires (local observado por Grimson), ou São Paulo (nosso local de estudo):

“[...] el caporal podría ser un símbolo de pertenencia a un sector más alto en relación a la sociedade

de la cual provienen [...] (GRIMSON, 1999, pp.74)”, símbolo de pertença também entre os jovens

construído na sociedade de imigração.

São Paulo é outro contexto, no entanto, as questões de Grimson (1999) em relação ao

sentimento de pertença e o uso da dança para a construção da identidade sociocultural que emerge

neste e com este sentimento apresentado em nosso campo nos é um bom motivador para pensá-la

em São Paulo no contexto dos vínculos entre gerações na cidade e destas com os brasileiros bem

como pensar o processo mais amplo de reivindicação de direitos a partir da reconstrução da

identidade sociocultural política.

O Caporal é compreendido então a partir das narrativas sobre as alegorias da dança e

do traje entre integrantes da San Simon em suas relações entre si compondo com isto sua identidade

corporal e comunidade fraternal, a fraternidade folclórica. Este espaço é denominado por Grimson

(1999) de dimensão intracultural. Na “Dimensão Intercultural” (GRIMSON, 1999), ou seja, da

relação dos (as) fraternos (as) no uso da dança em espaços públicos diante da população local o

caporal será ponto de partida para compreendermos a produção de pertencimento, inicialmente, e

a partir daí, compreender a reivindicação política, cultural, social por reconhecimento de direitos

que ocorre simultaneamente ao processo de construção das fraternidades realizado não só por

integrantes da San Simon. A dança e o traje do caporales estão ilustrados com as imagens

fotográfica das botas, sombreiros e saias abaixo, geralmente, utilizados pelos dançarinos em

diversos ensaios e apresentações:

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FIGURAS 1 E 2 - CHAPÉU CAPORALES. BOTA CAPORALES (25/05/2013).

Fonte: do autor.2

FIGURAS 3 E 4 – BOTA CAPORALES II. SAIA CAPORALES (25/05/2013).

Fonte: do autor.

No âmbito em que constroem a comunidade Fraternidade Folclórica Caporales San

Simon uma série de categorias são acionadas e relacionadas para a produção de reconhecimento

coletivo entre os atores, ou integrantes. Fraternidade como coletivo, ou agrupação, por sua vez, é

comumente relatada sob o sentido de ser uma ‘família à parte, fora de nossa família (...) uma

família de amigos’ constituída por um ciclo de amigos cada ator deste círculo é categorizado por

fraternos. Estes, coletivamente, constroem vínculos e filiações entre si na sociedade de chegada e

no ato dança, adquirem uma posição e um traje, executar certos passos, etc. O caporal é uma dança

que se pode dançar de muitos modos, embora, os passes se repitam e a San Simon tenha escolhido

2 Algumas fotografias foram produzidas pelo autor e reeditadas para a dissertação. A foto que não seja de produção

será comentada em nota de rodapé ou no texto corrido.

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dançar em formato de tropas no ato de expressão corporal cada ator é categorizado conforme sua

posição no ato da dança: Cholita, Tina, Macha, Barone, Achachi, Infanto, Palla, Preferida, etc

A categoria interna a fraternidade é a de Fraterno. Fraterno é um reconhecimento entre

integrantes – por exemplo, fraterno da San Simon – e pertencimento, pois, um imigrante uma vez

reconhecido como tal tem acesso não só para participar do ciclo de amigos, mas acesso à

informação sobre dias de ensaios e apresentações; convites para dançar em festas ou participar de

festas internas; comprar camisetas, jaquetas e o traje folclórico exclusivo da San Simon. Fraterno

é uma categoria de identidade corporal.

O reconhecimento e o pertencimento de fraternos (as) entre si é categorizado por Ciclo

de Amizades em que desfrutam vínculos em torno de amizades, namoros, diversão, viagens e do

prestígio de bailar e carregar a marca e o nome San Simon, dentre outras práticas. O Ciclo de

Amizades entre integrantes da San Simon permite a circulação deles entre espaços sociais através

da expressão corporal durante seu ciclo de festas anual. Esse prestígio e direitos podem levar,

inclusive, aqueles que mais se dedicarem aos ensaios, aqueles que Dançam Bem, serem convidados

a integrar o ‘bloco São Paulo – Brasil’ da Fraternidade San Simon na Bolívia, juntamente, com

fraternos de outros países durante as festas devocionais ou o carnaval.

Nesta medida, trabalhamos com a perspectiva da existência de “Relatos (no plural) de

Identidade” (GRIMSON, 1999). Estes relatos são manejos de os fraternos interpretarem o

sentimento de pertença a sua comunidade. Esta comunidade é evocada em termos de Família, Ciclo

de Amigos, Fraternidade que partilham a Dança Boliviana Caporal.

Estes relatos de identidade emergiram em meio as narrativas sobre a dança, o traje e a

fraternidade, complementando-se, na medida, em que traziam significações que variavam,

repetiam-se, distanciavam-se ou se aproximavam na descrição e interpretação da dança, dos gestos

dos passes e símbolos da fraternidade, conforme os atores envolvidos com a mesma.

Exemplificando-se interações sociais entre bolivianos entre si internamente a fraternidade San

Simon ou entre bolivianos e brasileiros no contexto maior da sociedade de migração e que ocorre

nos diversos espaços: trabalho, lazer, alimentação, etc.

Esse senso de nós circunscritos por origem sociocultural comum expressos nos espaços

públicos pode ser uma forma de responder a conflitos com a sociedade de chegada, tratam-se de

uma “Estratégia de Inversão de Sentido” (GRIMSON, 1999), no qual a diversidade é reconstruída

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a partir da valorização de certos atributos como as danças e os trajes diante dos brasileiros enquanto

as relações internas em torno da dança são a alternativa de partilha que muitas vezes não encontram

em outros espaços de contato com os brasileiros.

Assim, elegemos o conceito de “Bolivianidade” (GRIMSON, 1999) a fim de

compreender a noção étnica de fraternidade e cultural de folclore no contexto migratório. Ambas

noções dentro da estrutura de relações sociais mais ampla referem-se a um vínculo social e á

tradições corporais constituído na “Dimensão Intracultural” (GRIMSON, 1999), daquelas relações

sociais. A “Intraculturalidade” é o lugar sociológico em que uma multiplicidade de processos e

práticas, mediante os quais, em nosso caso, a Família, o Gostar de Bailar a Dança Boliviana, a

Cultura Boliviana, o Ciclo de Amigos se constroem entre gerações. É o lugar aonde os trajes e

danças são utilizados para produzir a socialização dos migrantes e no qual as festas anuais

reconstroem a memória trazendo-a da Bolívia, sendo expressas não só mais na Pastoral dos

migrantes, mas no Museu da Imigração, na Virada Cultural, etc.

Ainda em relação a dimensão do reconhecimento e do pertencimento este é um

processo que se relaciona a reinvenção da dança e do traje, portanto, ao folclore. Na relação da

expressão corporal e a construção da fraternidade, por exemplo, emergem o relato de uma Boa

Apresentação a qual está relacionada ao valor que o ato expressivo corporal em São Paulo tem (e

deve ter) em relação à dança na Bolívia, no caso da San Simon. A forma de dançar da San Simon

na cidade tem como referência corporal e de expressão pela San Simon cochabambina, a Filial do

país de origem da mesma fraternidade na capital paulista o que indica um vínculo sociocultural –

simbólico e de dimensão prático e artístico – entre os imigrantes na sociedade de chegada com a

sociedade de partida.

Os trajes parecem não fugir a esta dimensão simbólica pois modelos de corte, cores,

signos mudam anualmente e seguem o padrão de modelo definido na Bolívia, são deslocados para

São Paulo, utilizados nas festas da cidade. Embora também contenham modificações ao gosto local.

E mais, esta referência a um modelo de expressão corporal e de trajar seguido por ambas as

gerações que constroem a San Simon e que deve seguir a referência simbólica em sua dimensão

prática dos atores do país de origem, revela valores e práticas de reinvenção do folclore onde a

reconstrução da identidade sociocultural se configura pelo agenciamento a partir do “Ciclo de

Festas” (SILVA; 2003) anual de expressões corporais e formas de traje. Constituindo ainda, neste

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momento, um “Território Circulatório” (TARRIUS; 2000), onde circulam estes valores e trajes.

Este processo torna complexo o sentimento de pertença e o reconhecimento sociocultural que

perpassam o vínculo entre gerações.

Acontece que estas práticas, símbolos e sentidos de coletividade e a expressão do traje

e da dança dessa família não se projetam apenas para a dimensão interna das relações, mas à

“Dimensão Intercultural” (GRIMSON, 1999). É aqui a dança mobilizada á “Luta pelo

Reconhecimento Social da Diferença” (SILVA, 2007, p.129). Nesta dimensão o folclore é

construído como um meio de expressão voltado aos brasileiros, adquirindo um caráter de

mobilização política da cultura, não estando hierarquizado a outra dimensão, na verdade, é

simultâneo a outras dimensões.

Nos espaços públicos de interação com brasileiros os fraternos, ativistas políticos, a

mídia imigrante, “Protagonistas” (JARDIM, 2013) do poder público e de ONG´s e os “Produtores

de Bolivianidade” (GRIMSON, 1999), elaboram “Discursos sobre a Diferença” (GRIMSON,

1999) dos imigrantes como um todo e não só acerca da fraternidade San Simon ou qualquer outra

agrupação de dança. A diversidade dos imigrantes é circunscrita no âmbito político para a

finalidade de conquistarem reconhecimento sociopolítico nos diversos espaços públicos,

contribuindo inclusive para um “Processo de (Re) Construção das Identidades” (SILVA, 2007,

p.130) deles. Os espaços conquistados, digamos, serão os locais onde os migrantes irão expressar

sua dança e trajes, símbolos de sua memória e onde realizarão um certo diálogo com a população

local.

Esta identidade é construída sob um sentimento de pertencimento a uma cultura

tradicional, desta forma, ao menos neste aspecto de práticas vista como tradicionais e recriadas na

sociedade de migração, expressa nos espaços públicos como a própria cultura do país de origem e

que unifica diferentes gerações nascidas em locais distintos, propomos, também, ler a bolivianidade

junto ao conceito de “Tradição Inventada” de Hobsbawn ([1984] 1997). O conceito nos serve de

luz para pensar um processo em que o folclore é interpretado pelos fraternos e seus descendentes

como o aspecto genuíno de seu país de origem. Narrativa que permite a construção de

reconhecimento entre atores no processo imigratório.

Como complemento deste recorte teórico em relação ao recorte empírico elegemos o

conceito de “Invenção das Tradições” ([1984] 1997) de Hobsbawn na medida em que nos permite

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pensar o processo de li dar com trajes e danças interpretados como tradicionais pelos fraternos, os

quais, são parte fundamental da identidade corporal e a identidade política, digamos. Desta forma:

I) O conceito de “tradição” é usado aqui como uma ferramenta de compreensão de um fenômeno

de vínculo social em que a memória corporal é apresentada sob o discurso da tradição nacional, há,

portanto, neste processo o manejo de identidade construída sob uma noção de origem nacional

comum; II) A abordagem da invenção trabalha com a ideia da criatividade, por isto, reinterpretamos

o conceito por “reinvenção das tradições”, pois damos foco ao uso criativo de valores e práticas no

processo de imigração intercambiado entre gerações não resumindo o uso do conceito ao do debate

sobre a formação do Estado Moderno e do nacionalismo; III) Trabalhar com este conceito

articulado a noção de bolivianidade possibilita-nos trazer luz ao ponto de vista dos fraternos sobre

o que venha a ser folclore boliviano (sobre o que venha a ser sua tradição).

Dito isto, percebemos que se faz necessário avançar para a ordem da organização destes

diversos aspectos a partir da dança tradicional.

A dança folclórica, nesta dissertação, em relação a metodologia utilizada para pesquisa

e escrita, é um meio, um ponto de partida, uma “Situação Social” (MITCHELL, 2010), para

investigarmos e apresentarmos traços de relações sociais entre gerações de bolivianos, que a nosso

ver se referem a “Dimensão Intracultural” (GRIMSON, 1999). E ponto de partida para

investigarmos as relações sociais entre imigrantes e a sociedade de imigração paulistana,

exclusivamente, que a nosso ver se refeririam a “Dimensão Intercultural” (GRIMSON, 1999).

Seu aspecto de situação social deve ser pensado em duas vias. A “Situação Social”,

segundo Gluckman (2010), são eventos e inter-relações de uma sociedade. Este conceito nos

contribui para abstrair a estrutura das relações sociais em mudança dos imigrantes bolivianos em

São Paulo e que se constituem nas inter-relações entre situações sociais, nas relações institucionais

com outras instituições, de atores entre atores, das práticas, significados, etc., as relações são os

diversos eventos que ocorrem e envolvem diferentes atores, grupos sociais e partes de uma mesma

sociedade e que por isto mesmo devem ser interligados com outras situações e ocasiões na

abstração sociológica, para ao fim revelar a estrutura social da comunidade estudada na qual se

encontra aqueles atores envolvidos em processos de mudança histórica da estrutura social.

Neste sentido, a “Análise Situacional” (VELSEN, 2010), ou seja, a forma de trabalho

com análise de situações sociais coloca-nos o desafio metodológico da observação e de escrita se

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utilizando ao máximo de detalhes de campo, incorporando neste momento o conflito como parte

do processo social em mudança. Mudanças que são resultado da interpretação e da ação dos atores

sociais nas situações sociais em que há comportamentos agenciadores destes processos de

mudança. A “Análise Situacional”, como prefere Velsen (2010), acrescenta a importância

relacional que há entre agentes das ações, interligados, ou em conflito, e a estrutura sócio histórica

mais ampla. Parte da ideia, tal como estamos propondo, de que no contexto maior atores sociais

atuam, transformam seus artefatos, manejam sua identidade: “os agentes do sistema não são grupos

duradouros claramente estruturados, mas sim indivíduos interligados, por meio de alianças

continuamente em mudança, em grupos pequenos e muitas fezes efêmeros (...) As relações e

normas selecionadas [pelos atores – grifo nosso] podem provavelmente variar com referência aos

mesmos indivíduos de uma situação a outra, bem como com referência a situações similares de um

indivíduo a outro.” (VELSEN; 2010, p. 455, 459).

Por estas razões o aspecto de pertencimento que os fraternos constroem utilizando a

dança, sociologicamente significará a unidade étnica. Unidade construída no contexto migratório

e em processo de mudança. O pertencimento do ponto de vista das ciências humanas, envolveria

quatro aspectos, segundo Mitchell (2010, p.411): a) mesmo conjunto de crenças, b) experiência

social, c) revela origens étnicas pela língua (ou a dança em nosso caso) e d) estilo de vida.

Neste caso podemos ir pelo caminho de entender a dança enquanto uma dança étnica.

Por étnico não entendemos uma identidade naturalizada e a-histórica, muito menos genética, mas

uma identidade histórica que um grupo atribui a si mesmo diante de um outro.

Um aspecto importante, neste sentido, é presumir que a dança não expressa

alegoricamente a história da fraternidade. Embora a trajetória da fraternidade seja uma trajetória

de reinvenção da dança. A dança e a fraternidade possuem histórias particulares que confluem no

ato corporal. Por um lado, a dança e o traje, são agentes de um corpo social, segundo J. Comarrof

e J. Comarrof (2010), aonde se evoca e se materializa a identidade corporal da fraternidade. Corpo

este constituído entre o local e o global (São Paulo e Bolívia), instrumentalizado para a

exteriorização da cultura e da história durante um período cíclico. Por outro, o caráter étnico a que

se refere este corpo-agencia significa que a identidade circunscrita pelo uso da dança boliviana

configura sua fronteira étnica, como diria Barth (1998), na medida em que demarca quem é de

dentro, quem é pertencente, que é reconhecido e quem é o outro, voltando-se no mesmo processo

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á espaços de diálogo com os de fora durante ou devido ao que Silva (2003) descreveu sob a

denominação de ciclo de festas anuais. A dança com seus usos e relatos são “Memória

Sociocultural” (SILVA, 2003) utilizada pelos imigrantes como “Sinais Distintivos” (CUNHA,

1986), ou de contraste, a fim de constituírem suas relações entre gerações – internamente - e seu

grupo étnico – diante dos brasileiros, ou seja, externamente - no contexto de deslocamento.

A interpretação que os fraternos fazem sobre a dança é ela evocar um personagem e,

portanto, uma referência com um passado, um pretérito, ao menos do ponto de vista de sua

narrativa. A dança é uma narrativa corporal e oral, uma memória, portanto, que busca representar

um passado de uma população. No caso, dizem os imigrantes, a dança teria origem entre africanos

e depois foi utilizada em outros contextos da Bolívia, por outras populações. Esta narrativa é

utilizada para relatar a diferença dos imigrantes em relação a sua alteridade: os brasileiros. Mas faz

referência a outra relação da população andina com a população de descendência africana na

sociedade de origem. Ao mesmo tempo, tal narrativa é materializada na dança per se, e no traje

folclórico, expressando no seu uso esta identidade étnica por sua alegoria materializada, o traje.

O sentido sociológico desta construção simbólica e corporal a construção de seus laços

sociais, significando também a estrutura das relações entre fraternos e destes com a sociedade de

imigração, no meio urbano da cidade de São Paulo. È isto constitutivo do caráter étnico do ato de

expressão corporal. Quer dizer, A dança tem um caráter étnico porque é instrumento de expressão,

para constituir laços no contexto migratório, sendo que o ato corporal de dançar é simultâneo a

produção de uma narrativa e conceitos ou expressões de sentimento de pertença, uma pertença por

origem social e cultural comum.

A reinvenção da dança e do traje caporales ocorre anualmente – o que evidencia o

caráter de agencia dos fraternos da San Simon (fraternidade estudada aqui) acerca destes caracteres

materiais da identidade – e está carregada de relatos sobre sua origem e o que significam para os

migrantes lhe expressar. O que evidencia o caráter simultâneo da reconstrução da identidade no

processo migratório. A sua expressão em diversos espaços traz à tona a questão sociológica da

“Unidade Tribal” (MITCHELL, 2010), um caráter “tribal”, ou “étnico”, digamos que tem a ver

com a experiência do processo migratório no espaço urbano, já ponderado, inclusive, por Grimson

(1999).

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Assim, a dança deve ser vista como um ponto da estrutura social do processo de

migração no qual é possível realizar uma análise histórico-sociológica da transformação da

imigração boliviana em São Paulo relacionando, para isto, tanto as relações entre as gerações

(dimensão intracultural) quanto destes com a sociedade maior (dimensão intercultural), neste

sentido, a escolha dos atores pela dança significa que o corpo exerce “Agencia” (ORTNER, 2007)

para a “Filiação Tribal” (MITCHELL, 2010) entre gerações, por um lado, e “Marcas de Classe

social” (MITCHELL, 2010) na estrutura das interações sociais em São Paulo, por outro.

Muitos autores nos últimos anos vêm ponderando considerar-se que entre os imigrantes

bolivianos aspectos de diferenciação regional se manifestam no contexto migratório. Isto não deixa

de ser verdade. No entanto é necessário considerar outro ponto: ao menos os (as) integrantes da

San Simon afirmaram haver pessoas de diversas origens regionais como Cochabamba

(cochabambinos), La Paz (Paceño), Oruro (orureños), Santa Cruz (cruzeños) e mesmo de outros

países compondo-a, ou melhor, integrando o ciclo de amigos da fraternidade.

Segundo Camila, por exemplo, muitos integrantes da fraternidade são de São Paulo.

Os bolivianos imigrados são de La Paz de Cochabamba e Oruro. Em algumas ocasiões lhes

indaguei se haveria alguma presença maior de devotos da Virgem de Socavón (padroeira de Oruro).

Minha proposta era avaliar se a escolha pela devoção á virgem por parte da fraternidade estaria

relacionado ao fato de a virgem ser de Oruro e, neste sentido, haver uma presença significativa de

pessoas provindas desta região. Mais de um imigrante alertou que o sentido é outro: “nós estamos

num outro país”3, conforme Carla, neste caminho dever-se-ia adaptar a devoção. Quer dizer, ao

menos para o caso da San Simon o caráter religioso que compõe sua identidade é considerável,

mas é parte dos significados para se dançar e se integrar a agrupação, portanto, os sentidos de

diferenciação regional que podem se expressar na escolha de uma virgem ou outra, não é um fator

de fronteira étnica, neste processo particular. Ou pelo menos não tem poder simbólico de

mobilização de vínculos.

3 Esta conversa ocorreu durante uma velada no dia 27 de julho na Igreja Nossa Senhora das Almas, zona Norte da

cidade. E segundo ela naquele ano ocorreram quatro veladas organizada por cada tropa. Veladas são orações para as

santas, geralmente, ocorrem algumas veladas até a festa devocional de agosto no Memorial da América Latina. Nossa

conversa ocorreu na última velada na ocasião organizada pela tropa das mulheres e tinha um caráter especial pois

destinava-se a “abençoar” as roupas que chegavam da Bolívia para a apresentação em agosto naquele ano em

homenagem as virgens de Urkupiña, Copacabana e a independência da Bolívia. Carla tem pouco mais de trinta anos,

é imigrante e naquele ano fora uma das diretoras da fraternidade e naquele ano dançara como cholita na tropa das

mulheres.

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Por isto afirmam dançar em devoção a virgens de diferentes regiões tal como a de

Copacabana devoção que além de ser padroeira nacional de La Paz é devotada na festa de agosto

no Memorial da América Latina. Esta mesma fraternidade dança para a Virgem de Urkupiña

porque é a virgem de Cochabamba, local de surgimento, conforme relatam, da Fraternidade na

Bolívia, por fim, também, dançam a virgem de Socavón uma vez que esta é a padroeira de Oruro

cidade a qual o San Simon boliviano dança todo ano, uma vez que entendem o carnaval deste

departamento como um dos fenômenos locais mais originais e próprios de sua identidade

sociocultural.

E da multiplicidade de práticas como estas que vem o sentido de reconstruírem suas

formas (no plural) de expressão corporal, conforme o contexto vivido. Parece ser o caso de

mobilização para manter-se uma memória de pertencimento e expressa-la através do corpo que

mobiliza esta fraternidade a dançar por mais de uma deidade devocional, multiplicando a origem

de seus integrantes.

Este caso é exemplar de uma fraternidade, portanto, de relações dos imigrantes

bolivianos construídas não só segundo laços de oposição por diferentes origens, classe, língua, mas

por “Similaridade Cultural” (MITCHELL, 2010) ou o sentimento de origem sociocultural entre os

vários imigrantes na sociedade de imigração e que ocorre por partilharem símbolos comuns, qual

seja, a devoção ou a “Familiaridade” (MITCHELL, 2010), quer dizer, o sentimento de pertença a

um gosto comum: dançar o caporal boliviano sendo as diferenças regionais e a religiosidade parte

deste universo simbólico.

Fraternidade e caporal são categorias definidas segundo critérios étnicos produtores de

sentimento de pertença. Metodologicamente devem ser vistas tal como o “Tribalismo”

(MITCHELL, 2010): enquanto categorias de interação dentro das relações intraculturais e de um

sistema mais amplo, ou interculturais. Tribalismo é um mecanismo por meio do qual os vínculos

mais internos constituídos entre gerações nas suas diferenças e as relações com alteridades

organizam-se conforme situações sociais mais fluidas e históricas comum no meio urbanizado.

Fraterno, portanto, é uma categoria nativa de indivíduo que só funciona na relação de interação na

fraternidade, cujo conteúdo possui um conceito de cultura que são denominados de caporal,

folclore, tradição boliviana. Ambos são, por sua vez, também atributos de pertencimento por

mesma origem sociocultural para os (as) fraternos (as).

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Nas relações com a sociedade mais ampla folclore e fraternidade circunscrevem a

identidade étnica de um grupo de imigrantes bolivianos. Para este grupo o corpo e os relatos da

diferença são os meios pelos quais expressam sua identidade, constroem sua forma de ver o mundo

e interagem com a sociedade maior em outras palavras se a: ““tribo” tornou-se uma dessas

categorias no Cinturão do Cobre, e apenas nesse sentido a Kalela é uma dança tribal (MITCHELL,

2010, p.429)”, assim, podemos compreender daqui em diante a dança caporal dos fraternos da

Fraternidade Folclórica Universitários Caporales San Simon.

Nesse contexto, é fundamental dar vez ao folclore e voz aos fraternos; atores que

mediam a produção de uma experiência coletiva e nova entre territórios através da fraternidade a

fim de compreendermos as relações que constituem os atores como fraternidade, a recriação de sua

corporalidade e identidade sociocultural e política que transpassam as fronteiras culturais e os

territórios políticos administrativos. Uma consequência desta mudança histórica no caso desta

imigração é que os imigrantes bolivianos e bolivianas, há um tempo, já não realizam todos os seus

ensaios e festas religiosas onde expressam o caporal predominantemente em locais como a Pastoral

dos Migrantes.

A Pastoral, segundo Silva (1997), foi, durante muitos anos, o principal local onde

acontecia a maior parte das festas bolivianas. Esta instituição desde os anos 1980 contribuiu a

dinamização política e estimulou sua organização religiosa cultural, não apenas dos bolivianos,

apoiando-os em uma série de atividades como a defesa de direitos trabalhistas, a regularização

jurídica e a extensão dos direitos políticos na exigência de anistia e do voto4, ao menos para os

cargos munícipes, além de ceder seu espaço para festividades religiosa cultural, segundo Silva

(1997).

Contudo, justamente com crescimento de fraternidades, gerações e a simultânea

conquista de novos espaços devido a mobilização política e o agenciamento através da cultura

corporal, as festas bolivianas praticamente migram dos braços da Igreja Católica para outras

instituições, praças, ruas, bairros da cidade de São Paulo, transformando a identidade construída

neste processo.

4 Demanda que, atualmente, inclusive virou pauta de mobilização política encabeçada por lideranças brasileiras e

imigrantes como veremos mais a frente.

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Observamos, portanto, um crescimento e uma diversificação de fraternidades

folclóricas e danças bolivianas em vários locais da cidade de São Paulo contribuindo para mudança

acerca da visibilidade sobre a vida dos bolivianos para além da questão do mundo do trabalho

(SILVA, 1997, FREIRE, 2008, 2009, FREITAS, 2009, 2010, 2011). Tais fatores se conectam com

a entrada em cena de uma nova geração: os brasileiros filhos de bolivianos que também crescem e

vivenciam a cidade, muitas vezes, em torno de expressões corporais e narrativas de seus pais.

O crescimento populacional da segunda geração e a presença das fraternidades se se

expressam, hoje, na festa de agosto - que têm ocorrido desde 2007 no Memorial da América Latina

- com a presença de muitos grupos e, a cada ano, com mais e mais pessoas entre bolivianos e

brasileiros. Esta forma de agrupação dos imigrantes em fraternidades para a finalidade de expressão

de suas danças, ou seja, em torno da identidade corporal, é um fenômeno que se expressa desde a

Bolívia, encontra-se em outros países onde haja imigração de bolivianos, portanto, indica a

importância de estarmos atentos ao processo de reinvenção de danças e trajes, a criatividades das

gerações, etc., no novo contexto.

As fraternidades reivindicam, atualmente, a presença de suas festas de agosto no

Sambódromo da cidade, substituindo a que é realizada no Memorial da América Latina, segundo

Silva (2007). É de se destacar, ainda, conforme constatamos, também, que após alguns esforços,

no ano de 2014 algumas práticas folclóricas foram inseridas na programação oficial da virada

cultural que aconteceu na cidade de São Paulo no mês de maio5, apesar de não significar um palco

exclusivo na programação do evento, embora, signifique uma mobilização política da cultura tanto

a unidade quanto a produção de um discurso e atuações para o reconhecimento social da diferença

e de direitos.

Entre as fraternidades - compostas por e entre gerações – destaca-se um dos grupos de

maior visibilidade entre elas devido sua constante participação em eventos: a Fraternidade

Folclórica Caporales Universitários San Simón. Em suas apresentações esta agrupação expressa a

dança e o traje do Caporal, embora não seja a única a fazê-la. É composta por bolivianos e

bolivianas de origem variada e por brasileiros e brasileiras, descendentes ou não de imigrantes

bolivianos, de diversas idades.

5 DA REDAÇÃO. “DIABLADA 10 DE FEBRERO” Participa da Virada Cultural. Bolívia Cultural, São Paulo, 2014.

Disponível em:<< http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=2620>>. Acesso: 18/05/2014.

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Sobre isto cabe dizer que descrever e compreender teoricamente este processo foi

desafiante em vários aspectos, como perceberemos ao longo da dissertação, contudo, nesta

introdução destacamos um: a “Representatividade” dos migrantes devido à complexidade do

fenômeno, indicando por si mesmo a natureza e o universo da pesquisa, conforme Fonseca (1999),

a ser construído.

A representatividade em termos de grupo escolhido dentro da população de bolivianos

para esta pesquisa de natureza sociológica sobre a imigração internacional em São Paulo teve por

universo à Fraternidade Folclórica Universitários Caporales San Simon, seus 150 integrantes de 15

a 40 anos, uns com menos outros com mais do que esta idade, no período de março de 2013 e

março de 2014. Mas este período de pesquisa deve ser acrescido de dados de pesquisa Fapesp de

agosto de 2010 a julho de 2011 sob orientação do professor Drº Paulo Eduardo Teixeira. E em

dados coletados durante o curso em metodologia de pesquisa de campo em antropologia realizada

durante intercambio na Universidade de São Paulo ministrado pela profª Drª Silvia C. Novaes no

segundo semestre de 2011.

Para a proposta da pesquisa este acompanhamento considerou os discursos e práticas

de fraternos nas praças Kantuta e Parque da Luz ambos na Zona Norte de São Paulo, na Escola

Prudente de Moraes onde a Fraternidade San Simon realizou seus ensaios em 2013, na rua Coimbra

e os entornos dos locais de ensaio e apresentação. E demais locais de circulação dos fraternos.

Consideramos as práticas de dança na 18ª Festa dos Migrantes (2013), na festa de La Madre

Bolivina (2013), no 24ª aniversário do Memorial da América Latina (2013), nas festas preparadas

a festa de agosto, as novenas ou veladas que antecederam a festa de agosto no Memorial da América

Latina (2013) dedicadas as virgens Socavón, Urkupiña e Copacabana. As duas que são

reverenciadas na dita festa.

O universo da pesquisa para nossa hipótese considerou também a mídia migrante

Bolívia Cultural e outras mídias que tinham em sua agenda a presença imigrante na cidade, as

festas e as mobilizações políticas destes. No caso, o Brasil de Fato, a Repórter Brasil e a TV

Cultura. Relatos de brasileiros (as) que desenvolviam trabalho no projeto Escola da Família na

Escola Estadual Prudente de Moraes (2013). Os dados de campo de pesquisadores brasileiros e

estrangeiros, acerca do tema, presente em livros e artigos, foram também considerados.

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E finalmente os discursos e práticas dos representantes da Secretaria Municipal de

Direitos Humanos de São Paulo e da Coordenadoria de Políticas para migrantes no Centro Cultural

São Paulo durante o Diálogo com o Movimento de Migrantes na Cidade de São Paulo (2013). De

uma representante do Museu da Imigração durante a 18ª Festa do Museu da Imigração (2013). Os

discursos e práticas de representantes da campanha Eu Amo Bolívia durante Debate Temático

Comunidades Migrantes, Representação e Celebração de Tradições, também, na 18ª Festa do

Museu da Imigração (2013). De representantes da Pastoral dos Migrantes nas missas as Virgens de

Copacabana, Urkupiña e aos Latino Americanos entre Julho-Agosto de 2011. De representantes do

Centro de Apoio ao Migrante, do Warmis – equipe de Convergência das Culturas -, da ADBR e do

Projeto Sí Yo Puedo, durante a organização da 08ª Marcha dos Migrantes em 2014. E, por fim, de

todos estes no contexto da Conferencia Municipal de Políticas para Migrantes (2013), e na

Conferência Nacional sobre Migrações e Refúgio (2014).

De modo geral, os grupos folclóricos e as fraternidades bolivianas em São Paulo, em

grande parte, estão organizadas pela centralidade da Associação Cultural Folclórica Brasil Bolívia.

Fundada em 2006, é composta por 13 grupos folclóricos reconhecidos dentro e fora da comunidade

boliviana. Esta associação em seu histórico na cidade de São Paulo participou, em 2007, do

Carnaval Pholia no Memorial da América Latina; evento realizado pela associação de Bandas,

Blocos e Cordões Carnavalescos do Município de São Paulo, no qual se manifestaram blocos do

carnaval brasileiro quanto os grupos folclóricos que compõem a associação. A associação se dedica

a organizar a festa que acontece anualmente nos dias 3 e 4 de agosto em comemoração a

independência da Bolívia e em devoção ás Virgens de Urkupiña e Copacabana. Deve-se dizer,

ainda, que os 13 grupos folclóricos não fazem parte da totalidade daqueles presentes na cidade,

como constatei em pesquisa de campo, mas são uma grande maioria e os de maior visibilidade.

A visibilidade que vem ganhando esses grupos folclóricos, em especial a San Simon, e

o seu agenciamento das danças e dos espaços de convívio ou de apresentação artística na cidade é

simultâneo aos significados que os imigrantes atribuem ao folclore como símbolo da cultura de seu

país de origem, o qual é expresso nos espaços públicos, espaços de diálogo com a alteridade local

e, do ponto de vista sociológico, substancial para a compreensão da formação de sua identidade

sociocultural. Sua unidade, sua mobilização e o vínculo mais interno entre gerações em meio as

fraternidades indicam a dinâmica histórica contemporânea de reconstrução de identidades e

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vínculos entre gerações, através da reinvenção do folclore para constituição de pertencimento

cultural e reconhecimento social na sociedade receptora.

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Capítulo. 1 – Reflexividade, método de pesquisa e técnicas de

registro.

1.1 – Uma pergunta reflexiva: O que é o caporal?.

A meu ver, um trabalho etnográfico só terá valor científico irrefutável se nos permitir

distinguir claramente, de um lado, os resultados da observação direta e das declarações e

interpretações nativas e, de outro, as inferências do autor, baseadas em seu próprio bom-

senso e intuição psicológica (...) Na etnografia, o autor é, ao mesmo tempo, o seu próprio

cronista e historiador; suas fontes de informação são, indubitavelmente, bastante

acessíveis, mas também extremamente enganosas e complexas; não estão incorporadas a

documentos materiais fixos, mas sim ao comportamento e memória de seres humanos.

Na etnografia, é frequentemente imensa a distância entre a apresentação final dos

resultados da pesquisa e o material bruto das informações coletadas pelo pesquisador

através de suas próprias observações, das asserções dos nativos, do caleidoscópio da vida

tribal. O etnógrafo tem que percorrer esta distância ao longo dos anos laboriosos que

transcorrem desde o momento em que pela primeira vez pisa numa praia nativa e faz as

primeiras tentativas no sentido de comunicar-se com os habitantes da região, até á sua fase

final dos estudos, quando redige a versão definitiva dos resultados obtidos

(MALINOWSKI, [1922] 1984, p.22-23).

O “campo” não é somente a nossa experiência concreta (mesmo que esta fosse mensurável

de forma tão objetiva) que se realiza entre o projeto e a escrita etnográfica. Junto a essa

experiência, o “campo” (no sentido amplo do termo) se forma através dos livros que lemos

sobre o tema, dos relatos de outras experiências que nos chegam por diversas vias, além

dos dados que obtemos em “primeira-mão”. Projeto de pesquisa, trabalho de campo e texto

etnográfico não são fases que se concatenam sempre nessa ordem e de forma linear. Na

prática essas etapas são processos que se comunicam e se constituem de forma circular ou

espiral (...) O desenvolvimento do trabalho de campo sofre, portanto, os constrangimentos

relacionados com o modo pelo qual a escolha do tema, das hipóteses e das perspectivas

teóricas, para citar apenas alguns itens presentes num projeto de pesquisa, é negociada na

academia que o acolhe e o legitima. E nessa negociação, além dos “méritos científicos”

inerentes ao projeto de pesquisa, deve-se considerar a influência das políticas acadêmicas

(linhas de pesquisa institucionalizadas, estabelecimento, reorganização ou fortalecimento

dos núcleos de pesquisadores, afirmação de lideranças intelectuais etc.) na escolha dos

temas, regiões geográficas, grupo sociais etc., que compõem o “recorte” das pesquisas

(SILVA, G.; 2006).

As duas extensas passagens, acima, de Malinowski - Os Argonautas do Pacífico

Ocidental ([1922] 1984) - Silva G. - O antropólogo e sua magia (2006) -, respectivamente, são

significativas para questões presente em nossa reflexão metodológica. Questões referente a

observação etnográfica, a subjetividade do pesquisador e dos nativos nesta investigação para

entendermos o que é a dança caporal, as fontes de informações sobre o assunto enquanto dados

construídos e a apresentação destes em escrita.

A citação de Silva G. (2006) é ponto de partida a partir de aonde a expressão os

“Imponderáveis” da vida real Malinowski ([1922];1984), construtivo do trabalho de campo, tem

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sentido não como algo natural, nem como prática restrita aos desafios de convívio junto aos

“nativos estudados”, senão no modo científico cultural de operar fundamental de ser compreendido

para nosso objetivo final. Objetivo impulsionado a partir da pergunta que me levou a campo, e era

simples: O que é o Caporal? Os seus resultados não presumidos são os geradores desta dissertação

e aqui estão apresentados, desde já.

A pergunta, a trajetória da experiência de campo, a disposição dos dados em modo de

escritura e visualidade aqui não podem ser vistos separadamente da construção do método, das

técnicas de registro dos dados de campo e conceitos utilizados durante e depois da experiência de

campo construída no encontro dialógico entre o pesquisador e os (as) integrantes da Fraternidade

Folclórica Universitários Caporales San Simón – dito objeto. Isto ocorreu durante o ano de 2013-

14, período que pude acompanhá-los (as) e em que estes (as) estiveram diante de minha presença.

A partir daquela pergunta inicial outros temas, novas expressões, novas questões, emergiram

exigindo mudanças no diálogo estabelecido e em meu modo de abordar e observar, registrados no

caderno e diário de campo, fotografias e no gravador.

O interesse por danças foi impulsionado por conhecimento prévio teórico e empírico

sobre imigrantes bolivianos (as) que expressavam danças na Igreja Nossa Senhora da Paz (São

Paulo) no contexto das festas religiosas. Se o conhecimento teórico sobre esta forma de prática em

espaços da cidade como este deu-se, primeiramente, devido as leituras realizadas de três livros:

Costurando Sonhos Trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos em São Paulo (1997),

Virgem\Mãe\Terra Festas e tradições bolivianas na metrópole (2003) e Bolivianos - a presença da

cultura andina (2005), todos de autoria de Sidney A. da Silva. O conhecimento empírico por

pesquisa de campo realizada na Pastoral dos Migrantes em 2011, decorrente da pesquisa FAPESP

(2010/08704-9) de iniciação científica durante o curso em Ciências Humanas da UNESP Marília.

No local três missas foram acompanhadas (quando pudemos conhecer duas agrupações

especialmente): uma dedicada a Virgem Urkupinhã realizada em 13 de agosto; outra para a Virgem

de Copacabana, 20 de agosto; esta festa foi realizada duas semanas após a celebração para a

independência da Bolívia no dia 08 do mesmo mês, porém no Memorial da América Latina em que

além do caráter religioso tem um significado cívico.

Este processo formulou a pergunta inicial desta dissertação (o que é o caporal?), pois

como parte daí houve posterior contato online com as agrupações Fraternidade Folclórica

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Universitários Caporales San Simon bloque São Paulo-Brasil6 e Grupo Folklorico Kantuta

Bolívia7, antes da escrita do projeto de mestrado aprovado no Instituto de Filosofia em Ciências

Humanas – base do projeto de mestrado –, baseado nos dados deste momento, catalisadores do

recorte do “Terreno” (FONSECA, 2006) conforme conferimos em uma extensa passagem de meu

caderno de campo:

“[...] No sábado dia 13 de agosto de 2011 acompanhei a celebração a Virgem de

Urkupiña na Igreja e no salão de festas Nossa Senhora da Paz localizada no Glicério e

que faz parte da Missão Paz Escalabriniana. Neste dia participei também de uma festa

no salão onde conversei com padres, imigrantes e jovens integrantes do grupo Ballet

Folclórico Boliviano. Em minha interação com um casal de jovens integrantes do ballet

[folclórico] pude notar interesse especial pela apresentação das danças que estava sendo

realizado. Um interesse maior do que pela prática religiosa. Notei que muitos jovens

chegavam ao local após a celebração religiosa, justamente, quando se iniciava a festa a

qual era parte da celebração religiosa. Esta impressão se confirmou quando ouvi os

lamentos de alguns imigrantes mais velhos afirmando a juventude estar pouco interessada

na religiosidade e mais na cultura. Retornando ao casal que acompanhava a dança notei

não somente que apreciavam, mas, também, comentavam, admiravam e criticavam um

conjunto de jovens homens e mulheres o qual chamavam de os caporales. Um

representante do grupo de jornalistas Bolívia Cultural também estava no local,

registrando [fotograficamente]. Coletivo que havia conhecido neste mesmo ano durante

ocasiões que também envolvia a discussão sobre imigração, a celebração de festas, na

cidade. No dia da missa, acrescento, ocorreu o ritual de prestério e a substituição dos

passantes de 2010 pelos de 2011 com troca de faixas e de responsabilidades em relação

a algumas santas, já tão bem relatado por Sidney A. da Silva. Aliás além da chegada de

alguns jovens somente após a celebração na igreja pude observar ainda que durante a

missa trajavam roupas folclóricas e dançaram dentro da igreja em certo momento da

missa tal como na festividade que ocorreu no salão de festas [...].” (Diário de Campo,

13/08/2011).

Nesta ocasião a narrativa de João - artista de teatro de origem boliviana com mais de

45 anos a época – dirigida a mim durante a presença de agrupações de dança em frente a Igreja

interpretava o caporal, dança que víamos neste momento particular. Em seu ponto de vista haveria,

também, grupos de dança que o expressavam durante celebrações para as virgens de Urkupiña e de

Copacabana sem motivações religiosas, necessariamente, como ocorreu ali. Sua narrativa sobre a

diversidade corporal, de sentidos de dançar, davam direção a minha própria percepção:

“[...] pude observar a presença do Kantuta Bolívia e os Caporales San Simon. Ambos

compuseram parte dos demais coletivos que dançaram dentro da igreja Nossa Senhora

da Paz, após as oferendas de alimentos e dinheiro e pedidos vários para as Virgens. Estes

dois grupos a bem da verdade estiveram presentes nas festas do Memorial da América

Latina e em homenagem a virgem Urkupiña no mesmo ano. Ocorre que foi a partir deste

6 CAPORALES SAN SIMON SP.BRASIL. São Paulo, 2015.

Disponível em: <<https://www.facebook.com/caporalessansimonsp.brasil?pnref=lhc>>. Acesso: 15/01/2015. 7 GRUPO FOLCLORICO.KANTUTA BOLIVIA. São Paulo, 2015.

Disponível em: <<https://www.facebook.com/grupofolklorico.kantutabolivia?fref=ts>>. Acesso. 15/01/2015.

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terceiro momento que pude notar ambos serem dois dos mais participativos entre os

grupos de dança na cidade no que se refere a atividades e festividades bolivianas, o

Kantuta um dos mais antigos. Impressão também do representante da mídia Bolívia

Cultural na época para o qual estes grupos estão em muitas de suas matérias por

comparecerem em vários eventos que a mídia cobriu [...].”[...].” ( Diário de Campo,

13/08/2011)

A partir daí a pergunta O que é o caporal? é formulada com ela outras questões: Qual

o significado da dança para os imigrantes? Qual o significado para os imigrantes de participar

de um grupo folclórico ou fraternidade?.

Estas questões se tornaram mais legítimas para mim e possíveis de serem formuladas

cientificamente após a comunicação com estes grupos ocorrida, paradoxalmente, devido à

facilidade ocasionada por transformações tecnológicas comunicativas no Brasil desde então:

“[...] 10 de Março de 2013 meu primeiro contato com o grupo folclórico Kantuta Bolívia.

Este contato iniciou em janeiro. Porém só na primeira semana de março soube que

haveria uma eleição para subs. Ou guias. Não entendi o que significavam, mas sai da

zona leste de São Paulo por volta das 11h30 em um trajeto de ônibus. Primeiro embarquei

no ônibus “Ibirapuera” saindo da Vila Industrial, Zona Leste, seguia até a Vila Mariana,

Zona Sul de São Paulo, passando antes disto pela Vila Prudente, Zona Leste. Lá peguei o

metro Vila Prudente, desembarcando na estação Ana Rosa onde realizei baldeação até a

estação Armênia. Próximo desta estação fui até uma avenida e peguei o ônibus São

Miguel que paradoxalmente retorna a zona leste, desembarquei na Avenida Carlos

Campos durante o trajeto. Este grupo folclórico ensaia em uma escola estadual Chamada

Frei Paulo Luig, número 841. Próximo a ponte da Vila Guilherme, portanto está na divisa

entre o Pari e a Vila Guilherme. Esta ponte permite atravessar o Rio Tiete. Esta escola

situa-se ao lado de praças. Caso siga-se por esta avenida em direção ao Parí se vai á

Zona Leste passando pelo Brás, Belém, etc. O trajeto contrário leva a Zona Norte, ao

centro de convenções Norte, a Santana, etc. Nesta avenida próxima a escola há uma igreja

situada na altura do número 600. Tal igreja denomina-se “Igreja Batista Hispânica del

Brasil”. Nas ruas próximas a escola era possível ver muitos bolivianos, casais e crianças,

homens acompanhados de outros homens ou sozinhos, mulheres sozinhas ou

acompanhadas de suas amigas (...) quando cheguei á escola, propriamente, os últimos

integrantes do Kantuta estavam indo embora. Sabia que eram integrantes, pois vestiam

uma camisa com símbolos e o nome do grupo, além disto, um estagiário brasileiro do

programa escola da família presente no local naquele dia indicou-me que se tratava de

tais sujeitos. Imediatamente busquei-me apresentar para um homem de pouco mais de 34

anos chamado de Jeferson. Disse a ele que havia visto no facebook informações sobre o

grupo, tentei me apresentar timidamente, dizendo que era ex-professor, que me

interessava pelo grupo e as danças, o que fez o mesmo pensar eu ser alguém que queria

desenvolver algum trabalho voluntário de educação. Reforcei, então, dizendo meu

interesse pelas danças. Me contou, então: Estamos de portas abertas você é bem vindo.

Se quiser dançar aqui não tem qualquer discriminação de raça, só queremos divulgar

nossa cultura, não só tem bolivianos se quiser conhecer. Complementou que as atividades

de hoje haviam encerrado as 10h30, pois foram eleições para subguias. Junto a ele

estavam outro homem mais idoso e uma mulher mais jovem. Jeferson perguntou qual era

meu interesse, ainda. E me entregou um cartão para comunicar-me posteriormente. O

cartão indica o nome do grupo, possui imagens de dançarinos e dançarinas em trajes

diferentes. Na página do facebook há alguns símbolos que estão também no cartão. Além

do endereço da escola outra frase – muito parecida com a explicação de Jeferson – é

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identificação virtual do grupo: “no és apenas bailar, és mucho más para nosotros. És

representar una cultura, un país, una pasíon, es família, amistad, devoción ES uma

inspíración. Bailar com alegria, fé, con fuerza y amor. Baila Bonito con fuerza, raza y

corazón, soy kantuta Señores […]”(Diário de Campo, 10/03/2013).

O que permitiu diálogo germinal com o Kantuta e o San Simon foi o meio online, o

qual foi complementado pelo contato direto8 e outras formas de coleta de dados, ao longo da

pesquisa. O recurso online foi fundamental para um primeiro processo de reconhecimento de

alteridade. Reconhecimento, por mim, da existência de outros “Territórios” (FONSECA, 1999)

sociocultural com fronteiras, recortes históricos próprios e aonde vínculos sociais entre integrantes

das agrupações ocorriam. Quer dizer, o recurso online foi uma primeira instância de conhecimento

sobre atos de expressão de danças e trajes, permitindo-me descentrar a significação do narcisismo

do pesquisador para o sentimento de pertencimento sobre o nós entre os (as) imigrantes,

denominado fraternidade:

“[...] O grupo Caporal San Simon foi um grupo que conheci na Pastoral dos Migrantes

durante pesquisa sobre a instituição. No domingo 10 de março de 2013 elegeu seus e suas

subguias da mesma maneira que o grupo kantuta. Durante a semana resolvi pesquisar a

existência deste grupo no facebook. Tinha a intuição de que o grupo era o mesmo com o

qual havia tido contato em 2011, mas não estava seguro. A intuição aumentou quando

olhava a relação virtual dos grupos com o kantuta quando percebi que ambos – kantuta

e san Simon – eram amigos no facebook. Segundo dados online o grupo se identifica como

Caporales San Simon SP-Brasil. Realiza ensaios no colégio Prudente de Moraes, próximo

ao metrô Tiradentes. Estes ensaios ocorrem aos domingos. E mais: Nossa filial foi

fundada oficialmente dia 22 de novembro de 2007, porém a vontade de criar uma filial

de San Simón vem de muitos anos atrás, uma instituição cultural e folclórica, composta

na maioria por jovens bolivianos, brasileiros filhos de bolivianos e simpatizantes que

através da dança CAPORALES tem o objetivo de transmitir todo seu amor, seu orgulho,

sua garra e sua religiosidade dedica as nossas “MAMITAS” virgen del Socavón (nuestra

patrona), virgen de Urkupiña e virgen de Copacabana demonstrando assim toda a sua

riqueza da pátria que representa nossa pátria Bolívia. Somos a primeira filial San Simón

oficialmente aqui no Brasil. A fraternidade San Simon convida toda a comunidade a

dançar e fazer parte de nossa família junto a vocês neste ano de 2010 alcançaremos muito

mais sucesso e alegria juntamente com todos os nossos fraternos venha para a San

Simón... “de lós conjuntos ló mejor, lós caporales San Simon [...]”( Diário de Campo,

16/03/2013).

8 É preciso destacar que houve intervalo entre o fim de 2011 e o início de 2013 deste curto diálogo. Curto em relação

ao Kantuta uma vez como veremos na dissertação há centralidade de perspectiva sobre a San Simon devido a própria

dificuldade em manter a pesquisa com a primeira agrupação por diversas razões: dificuldades de acesso ao local de

ensaio da agrupação coincidente muitas vezes com a San Simon; necessidade de recorte com a San Simon para

aprofundar questões aliado a uma abertura maior por parte desta fraternidade; o tempo do mestrado, dois anos somente,

dificultando uma pesquisa comparativa entre ambas em termos de significados sobre o caporal. Embora, significações

do Kantuta de momentos diferentes em 2011 e 2013 tenham sido inclusos no texto final. Em relação a San Simon o

que alimentava minha memória deste diálogo fora cartão de visitas entregue por integrantes e utilizado como ponto de

partida para a pesquisa online.

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Nas experiências empíricas de “Contato Direto” (DA MATTA, 1981, p.146),

conseguintemente, apresentar-se-á um elemento que perpassará todo o campo, no qual nos

guiaremos, tentando trazer a escrita: o ato de dançar é complementar ao discurso sobre um nós, um

coletivo, vínculos e identidades. Estes:

[...] discursos relevam algo sobre os valores do grupo assim como os múltiplos atos do

cotidiano: o estilo de decoração, o padrão de compras, a escolha de uma estação de rádio,

o arranjo de camas [...] abordagem etnográfica exige uma atenção especial a essas outras

linguagens que técnicas de entrevista têm mais dificuldade em alcançar (FONSECA,

1999, p.63-64).

Abordagem especial a múltiplas linguagens que porém não serão dispensadas. Este

pre campo, portanto, com suas respectivas expressões corporal e discursos orais no contexto da

festa, ou escritos e visuais no contexto online, sobre a identidade coletiva e o próprio corpo, de

certa forma entreviam não só presença fraterna de Kantuta e San Simon, frequentemente,

apresentando-se na Igreja do Glicério para expressarem a dança e o traje do caporal, senão

revelavam valores e atos, discursos e agenciamentos.

A partir daí nos questionamos se os fraternos expressavam sua corporalidade em

outros eventos envolvendo imigrantes em São Paulo, questionávamos sobre presença de jovens

integrando a agrupação ou se a fraternidade não era ela mesma um modelo de relação social

alternativo aos espaços institucionais como escolas, as universidades, a igreja, ou não

institucionais, no espaço de trabalho, de consumo, etc. As pesquisas a página virtual de ambos

permitiram levantar dados sobre a veiculação de narrativas oral, escrita e visual acerca do que é a

dança e o traje aos integrantes jovens e não jovens das agrupações, e a partir daí como tais aspectos

exercem agencia para a comunicação, para a constituição de vínculos sociais entre gerações e a

inserção nos espaços sociais na cidade de migração.

Tais questões somente seriam respondidas evidentemente em um diálogo mais

aprofundado, não mediado por mídia, e com conjunto “Representativo” (FONSECA, 1999) de

integrantes de cada agrupação em seu cotidiano. A narrativa do ator de teatro nos indicando o lugar

da dança para ele, através de sua significação e descrição sobre, já era indicativo deste caminho,

inclusive, despertou-me o pensamento da necessidade de tomar aos migrantes no processo de

investigação como atores sociais de sua própria experiência migratória capazes de comunicar seu

próprio corpo. Comunicação que bem poderia ocorrer diante de outra alteridade seja na posição de

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líder comunitário, ativista cultural, padres, antropólogos, brasileiros envolvidos ou não com alguma

manifestação artística, etc.

Porém esta escolha metodológica exigia assumir posição social na investigação,

considerando-me também como “Ator Social” (FONSECA, 1999)9 nela. A possibilidade deste

diálogo por sua vez estava aberta na medida em que os (as) imigrantes estavam dispostos para isto,

pois conforme afirmaram – por ambas as agrupações em momentos distintos de nossos primeiros

diálogos - “não fazer discriminação” de pessoas. Visibilizar sua corporalidade já era exercício de

agencia por isto caso construíssemos algum reconhecimento entre si no processo, haveria a

possibilidade de compreender a reconstrução de identidade e atos de expressão corporal, aspectos

que verdadeiramente me interessavam:

Afinal, tudo é fundado na alterilidade em antropologia: pois só existe antropólogo quando

há um nativo transformado em informante. E só há dados quando há um processo de

empatia correndo de lado a lado. É isso que permite ao informante contar mais um mito,

elaborar com novos dados uma relação social e discutir os motivos de um líder político

em sua aldeia (DA MATTA, 1981, p.172).

Tudo isto indicam o caráter existencial ou reflexivo e ético da pesquisa de campo.

Da Matta (1981) diz de o caráter existencial se apresentar no relacionamento do

pesquisador com seus informantes os quais se tornam nesta dialética a própria fonte de informação,

quer dizer, neste tipo de conduta metodológica a informação o informante é sujeito, a informação

é subjetiva e os dados emergem do “Extraordinário” (DA MATTA, 1981) da relação exigindo do

pesquisador a conduta de distanciamento e estranhando do que está sendo vivenciado.

O distanciamento é conduta adequada ás pesquisas realizadas com sujeitos que não

fazem parte das relações sociais do pesquisador condição diferente do estranhamento quando tem

intimidade. No primeiro, Da Mata (1981, p.157) recomenda “Transformar o Exótico no Familiar”,

ou seja, aproximar se dá alteridade a fim de compreender valores, regras e imponderáveis de sua

vivencia. No segundo “transformar o familiar em exótico”, desnaturalizando-o, tornando-lhe

9 Esta posição recém explicitada será mais bem compreendida ao longo do texto quando afirmarmos nossa

interpretação das fotos, de posicionamentos dos protagonistas diante de certos acontecimentos, criticando

representações, afirmações e preconceitos do senso comum ou teóricos especializados em migração boliviana; será

explicitada também na descrição de espaços sociais, a ida da periferia de São Paulo ao centro da cidade para

acompanhar apresentações ou ensaios, dentre outros aspectos.

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distante e com isto compreender o fundo do poço da cultura da qual faz parte10. A perspectiva

etnográfica de Da Matta (1981) tem um caráter existência para ele “o elemento que se insinua no

trabalho de campo é o sentimento e a emoção (DA MATTA, 1981, p.169) ”, presentes na

convivência.

Tal perspectiva é semelhante à de Guber (2014) para qual é a convivência fator

fundamental de produção subjetiva de dados, claro, mas por que são os significados dos atores

informantes atribuídos aos seus atos, aos seus gestos, expressos nela e comunicados ao pesquisador.

Cultura para ela se apreende vivendo-a, neste caso, construir uma situação de reconhecimento é

condição sem a qual não é possível realizar o conhecimento: “[...] La observación participante

produjo datos en la interacción misma, operando a la vez como un canal y un proceso por el cual

el investigador ensaya la reciprocidad de sentidos con sus informantes [...]” (GUBER, 2014, p.65-

66)11.

Aos que desejam conhecer auto atribuições e atos socialmente compartilhados podem

ter como perspectiva investigativa a convivência de produção de dados sobre tais aspectos. Na

perspectiva da antropóloga argentina a subjetividade do pesquisador não pode ser desconsiderada

do processo de convivência, quer dizer, a produção de dados não é externo a qualquer relação. A

subjetividade de ambos é parte integrante da comunicação contexto de emergência dos dados,

particularmente: “[...] la subjetividad forma parte de la conciencia del investigador y desempeña

10 No caso das pesquisas que são feitas com populações de origem do pesquisador Da Matta (1981) sugere o

questionamento da sensação de familiaridade. Este princípio sugere a possibilidade de compreender pela evidencia da

própria proximidade, contudo, é justamente o contrário nesta posição o sujeito que pesquisa está mais próximo de

generalizações, do senso comum, pois aplica a sua própria cultura ou conterrâneos as situações, valores e formas

ideológicas de compreensão que no fundo se deseja questionar. Justamente por fazer parte do mesmo esquema de

classificação, ter em aparência a mesma visão de mundo, está imerso na ideologia partilhada. Familiaridade não implica

a ausência de graus de distinção, práticas sociais, valores, etc. Para esta pesquisa este questionamento é valido, por

exemplo, sob as circunstancias de os mais jovens partilharem valores da sociedade de nascença, ou a mídia migrante

procurar comunicar-se em português muitas vezes voltando-se imagens iconográficas e narrativas a partir dos valores

dos “brasileiro” ou pelo menos do que imagina que sejam estes imaginários, exigindo nesta pesquisa a utilização das

duas condutas sugeridas pelo antropólogo. 11 Guber (2014) critica a concepção de “observação direta”. Neste tipo de perspectiva há a presença do ideal positivista

uma vez que a observação direta se credita neutra, externa e objetivo. A observação direta é idealista pois crê ser

possível conhecer sujeitos e atores como o cientista no laboratório ainda que se relacione com informantes em seus

contextos, quando não nega a se relacionar desconsidera a inevitável relação. Dois fatores se apresentam: o pesquisador

acredita que para melhor observar é necessário não participar pois este fator criaria obstáculos a observação e a

objetividade e por outro no contexto, ou no campo, não é ele quem determina sua posição, aliás esta já é sempre uma

relação, pois observar ou participar não depende de suas decisões, há os informantes atores do processo determinando

inclusive a escolha teórica do mesmo. Isto já é em si mesmo uma relação, e isto que interessa a esta pesquisa.

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un papel activo en el conocimiento [...]” (GUBER, 2014, p.57), no entanto, fundamentalmente não

é neutra pois incide nos sujeitos observados e retorna na interpretação daqueles dados.

Neste sentido, outro ponto significativo que Guber (2014) aponta é se tratar de assumir

polos entre suposta fronteira da observação direta e a participante. A observação que propõe a

obtenção de informações significativas requer sempre algum grau, nem que mínimo, de

relacionamento, exigindo-se de o investigador desempenhar algum rol ou atuação incidente nas

condutas dos informantes que, por sua vez, influem na sua. Neste caminho do sentido da conduta

etnográfica compreendemos ser importante a dimensão ética da reflexividade: “[…] és necesario

que el investigador analice cuidadosamento los términos de la interacición con los informantes y

el sentido que éstos le dan al encuentro […]” (GUBER, 2014, p.59).

Sob este horizonte propomos ler a manifestação de integrantes da Fraternidade San

Simon acerca do lugar que adquiriu para eles a presente pesquisa científica. Indicando em

momentos diversos sua opinião sobre o pesquisador e o seu trabalho. Tal vivência traz à tona

aspecto presente na pesquisa de campo refletido no debate deste texto.

Para Camila integrante da Fraternidade San Simon no bloco cholitas o interesse de

brasileiros pela comunidade boliviana cresce. Alguns produtores cinematográficos procuraram a

fraternidade San Simon para a produção de documentários, por exemplo. No caso a pesquisa que

O Amigo – categoria na qual fui denominado algumas vezes – realizada neste contexto de crescente

procura pode ser boa para a comunidade. Já Alessandro desejava que a pesquisa tivesse um bom

resultado: da nossa parte nós vamos te ajudar em tudo o que nós pudermos, obviamente

evidenciando quais aspectos gostaria que estivessem visibilizados como a paixão pelo país, o valor

sobre a religião, que sempre destacou em nossas conversas. Neste caso, emerge o desejo de

produzir outra visão sobre si diante dos brasileiros (como o pesquisador) perante contexto de

preconceitos de conhecimento dos (as) fraternos (as).

Sob tal horizonte lemos o agradecimento de William comentando a pesquisa quando o

entrevistava após uma apresentação na Festa do Imigrante em 2013. Diante de uma visibilidade

que não fornece o pertencimento que gostaria de ser visto sua comunidade, circunscrita a partir de

pertencerem a uma mesma origem sociocultural, apesar de haver um crescimento para a procura

das práticas de dança:

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“[...] O que passa na TV dos bolivianos é aquela coisa ruim de escravidão tudo mais.

Ninguém tem a preocupação, e eu quero parabenizar você porque você tem um trabalho

muito legal. Tipo assim, muito brasileiro não tem noção do que é a Bolívia por trás da

escravidão, que passa na TV é aquela coisa ruim, mas, ninguém, ninguém mesmo tem

noção de como a Bolívia é bonita por trás. Lá é país como aqui, eu já fui para lá em 2010

e ano passado, e é um país como aqui, não adianta tem médicos, doutores, advogados,

pessoas ricas, pessoas pobres, pessoas educadas então é quase como aqui, só que

infelizmente o que passa do boliviano pra cá não é bonito, então quando a gente se

apresenta pro público brasileiro eu gosto disso, porque o pessoal conhece um outro lado

dos bolivianos. Essa cultura que a gente carrega assim por muito tempo e jamais vai

largar. É uma coisa assim que eu vejo pelo rosto de cada um que tá assistindo a gente

como eles estão felizes assim em ver uma dança diferente uma coisa da Bolívia, uma coisa

que nunca vai imaginar que vai ter uma coisa até bonita, eles olham, apreciam, é legal

[...]”.(Entrevista com Willian, 18ª do Museu da Imigração,02/06/2013).

Estes dados particularmente frutos da relação com integrantes da fraternidade

ocorreram em momentos diversos, mas tem em comum reflexividade acerca do lugar da pesquisa

para os fraternos e do papel do seu produto para a comunidade. De fundo penso ter sido agenciado

não só a intencionalidade do pesquisador naquele momento, mas o que está em questionamento as

pesquisas sobre imigração em São Paulo de modo generalizado é o retorno de cada trabalho para a

comunidade reforçando ou não a imagem que gostariam de serem vistos.

A entrevista com Camila, por exemplo, ocorreu durante um ensaio, foi uma das

primeiras ocasiões em que pudemos conversar. Nesta conversa falava-lhe de minha insegurança

com a finalidade do texto, de seu valor neste contexto, etc além deste tema outro foi a participação

de integrantes da San Simon nas filmagens de novela da rede Globo de televisão. O incentivo a

continuidade da mesma significa, claro, sensibilidade a alteridade ali, mas, também, faz parte do

conjunto de ações e universo simbólico deste projeto cultural que se volta, dentre outros aspectos,

como veremos, tratando-se de forma de agenciamento de espaços, símbolos e sujeitos para

reconstruir a identidade segundo o valor das danças o lado bonito da Bolívia por suposto dos (as)

bolivianos (as).

Com Alessandro por sua vez a conversa ocorreu durante a gravação da entrevista para

a pesquisa na Praça Kantuta. Alessandro, semelhante a Camila, mostrou-se aberto em falar do

caporal e do folclore, embora, esquivasse-se de assuntos relativos à sua imigração e a de

conterrâneos, ou o tema do trabalho que na cidade está carregado de estigmas. Quando o procurei

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sobre o primeiro assunto o fraterno esteve aberto, fornecendo dicas de fontes e temas que eu

‘deveria’ me ater12.

Por fim, a entrevista com William ocorreu após apresentação da fraternidade na 18ª

festa do imigrante. Simpático e interessado no assunto sobre a dança caporal, narrou os

sentimentos, trajes e os significados atribuídos à mesma, relatando para isto muitas vezes sua

própria trajetória, revelando a tônica de vínculos sociais em torno dela.

Estes agenciamentos, no entanto, destoam em relação a outras posições, pois, em mais

de uma vez encontrei aversão à pesquisa. Não foi incomum encontrar em campo a afirmação por

parte de ativistas culturais publicamente reconhecidos na comunidade e entre atores do poder

público por seu trabalho em prol dos direitos dos migrantes engajados, como parte disto em dar

outra identidade a visibilidade sobre a comunidade na cidade, produzindo narrativas acerca das

danças, afirmarem que estudante estuda e não entende. De qualquer modo esta negativa, tal como

as anteriores, são formas de reflexividade dos atores bem como nos indicam o eixo para

apreendemos o fenômeno da reconstrução da identidade e os usos do folclore para mobilização ao

espaço público, fortalecendo vínculos sociais, etc.

Estes aspectos nos levam a outras questões apresentada por J. Comarrof e J. Comarrof13

(2010). A perspectiva etnográfica destes autores permite levantar críticas as de Da Matta (1981) e

Guber (2014) já que atribuem grande força ao indivíduo. Será que é possível afastarmo-nos de

nosso próprio contexto de significação para estranhar ou aproximar? No processo dialógico o que

se troca comunicativamente?

J. Comarrof e J. Comarrof (2010) reconhecem que o modelo etnográfico baseado no

empírico pelo qual se legitima cientificamente, e a sua escrita, tem feito dela um instrumento de

avanço para outras ciências que a utiliza feito a sociologia, caso desta pesquisa. Este modelo ainda

que detenha a qualidade de não operar sob concepção ilusória de objetividade ou por análise

12 Um destes temas era o do personagem “caporal” presente na dança caporales e morenada e outro o Rei Moreno

presente no conteúdo mais geral do folclore boliviano. Estes temas inicialmente não estabeleciam sentido para mim,

pois, neste momento era eu quem não detinha conhecimento para interpreta-los, portanto, compreende-lo, com o

aprofundamento da pesquisa e a compressão da negritude na cultura boliviana, tal como um quebra cabeça, ou um

universo simbólico que vai fazendo sentido, estes referentes adquiriram significado. Como poderemos ver o caporal e

o rei moreno são parte constitutivos do folclore boliviano referindo-se à ancestralidade africana presente em muitas

danças. 13 Nomeio os comarrof por se tratar de um trabalho conjunto do casal Jean e John Comarrof (2010).

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padronizada não retira dos etnógrafos os traços de arbitrariedade no ato de ler signos e significados

culturais, desconsiderando que a análise está carregada de pressupostos de seu mundo social, desta

feita, pensar-se como “ator” na pesquisa e na escrita é trazer a reflexividade que a imaginação

científica é também um fenômeno social coletivo produto de relações sociais e determinantes

históricos.

Neste horizonte, o resultado interpretativo fruto da pesquisa etnográfica “[...] não fala

pelos outros, mas sobre eles [...]” (J. COMARROF e J. COMARROF, 2010, p.12), criticando a

visão anterior, sem, contudo, desfazer-se totalmente delas, a partir de aqui partilhamos da

proposição de que a etnografia “[...] jamais pode “capturar” sua realidade por meio da imaginação,

nem da empiria [...]” (J. COMARROF e J. COMARROF, 2010, p.12), pois, ela é também um modo

histórico de compreensão de contextos, sujeitos e subjetividades; seus objetos e objetividades são

historicamente situados.

O que a etnografia devolve em termos científicos, destacamos, é a decodificação de

signos e ações relativos apresentados como universais e naturais de nossa alteridade, e, aliás, é

signos e ações históricos que interagimos com o universo (histórico) do campo, aonde a etnográfica

é conduta, ato, modelo. Evidentemente, não se pode deixar de lado nesta forma de produção de

conhecimento há a lógica da tensão epistemológica “Teórica y Prática” como pondera (GUBER,

2014) aonde práticas de participar, observar e sensibilizar-se, distanciar-se e envolver-se, geram

seu modelo e seus dados, contudo, advertem J. Comarrof e J. Comarrof (2010), não é

cientificamente saudável perder-se neste individualismo categórico.

A construção da pesquisa de campo, como afirma Zaluar (1986), é um espaço político,

de negociação de interesses nem sempre convergentes que impõe ao pesquisador a necessidade de

construir estratégias para conseguir algum nível de participação, engajando-se em alguma posição

no circuito de trocas; a pesquisa etnográfica significa:

[...] a história de um relacionamento pessoal em que o pesquisador procura desfazer-se as

impressões negativas da imagem do “dominador” a fim de tornar a comunicação ou o

encontro possíveis, bem como escapar das armadilhas montadas pela hierarquia ou

desigualdades que transcendem a situação de pesquisa [...] (ZALUAR, 1986, p.115).

A troca não ocorre entre subjetividades individualizadas deshistoricizadas, o campo

não é feito meramente de “ponto de vistas” independentes de contextos amplos, a “[...] ideia da

“visão do nativo” é válida na medida em que “interfere” com a visão (da “cultura”) do

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pesquisador[...]” (FONSECA, 2005, p.47), pois o intercambio em campo ocorre tendo como ponto

de partida representações culturais socialmente partilhadas.

A nosso ver a perspectiva apresentada por Da Matta (1981) está centrada no mais no

indivíduo. Embora suas considerações sejam importantíssimas cabe considerar conforme J.

Comarrof e J. Comarrof (2010, p.13) o efeito desta maneira de ver para a própria pesquisa:

[...] a cultura se torna um produto da construção subjetiva: uma teia a ser tecida, um texto

a ser transcrito; e a etnografia se torna dialógica, não no sentido absolutamente socializado

de Bakhtin, mas no sentido mais restrito de uma troca didática, descontextualizada, entre

o antropólogo e o informante.

Quer dizer, sem abdicar o existencialismo cabe ampliar o método considerando que os

atores (pesquisador e informantes) estão “[...] no interior dos sistemas de signos e relações, de

poder e significado que os animam [...]” (J. COMARROF e J. COMARROF, 2013, p.13).

Em conformidade a este modelo não trabalhamos ao longo da pesquisa com uma visão

unívoca e verdadeiro ou falsa sobre as razões de fazer e sentir o que fazem e sentem os fraternos

uma vez que para nós não há um “[...] discurso nem falso, nem verdadeiro, mas que cada um [grifo

nosso] representa uma dimensão de uma realidade social multifacetada[...]” (FONSECA, 1999,

p.64) apreendida e partilhada.

Por esta razão não é interessante trabalhar com uma perspectiva de escrita que

procurasse ‘visão correta, verdadeira e coerente’ das narrativas, mas significações diversas que

versaram sobre a característica da dança e seus usos para os (as) fraternos (as) da San Simon, de

pessoas externas, pois a produção de conhecimento deve levar em consideração, primeiro, que “[...]

devemos <<ouvir>>(sic) as motivações e as ideologias daqueles que pratica o costume, crença e

ação [...]” (DA MATTA, 1981, p.163), considerando ainda a diversidade de materiais pelos quais

falam, constitutivo do universo simbólico e de ações integrantes da reinvenção do folclore

boliviano em São Paulo. Aí se justifica um dos fatores que envolvem a questão ética da produção

da pesquisa e a escrita:

Se existem dados históricos, eles são usados; se existem fatos econômicos, isso também

entra na reflexão; se há material político, eles não ficam de fora. Nada deve ser excluído

do processo de entendimento de uma forma de vida social diferente. Mas tudo isso,

convém sempre acentuar, dentro da perspectiva segundo a qual a intermediação do

conhecimento produzido é realizada pelo próprio nativo em relação direta com o

investigador. Ou seja, na postura ás vezes difícil de ser entendida, posto que se baseia num

ponto crucial: que o nativo, qualquer que seja a sua aparência, tem razões que a nossa

teoria pode desconhecer e – frequentemente – desconhece; que o <<selvagem>> tem uma

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lógica e uma dignidade que é minha obrigação, enquanto antropólogo, descobrir (DA

MATTA, 1981, p.150).

Para este texto o lugar da reflexividade esta naquilo: “[...] que os franceses chamariam

le voyage par le détour – aquela análise que descreve os (assim construídos) “outros” justamente

para jogar luz sobre a vida e ideias dos (assim construídos) semelhantes – não é mais um mero

enfeite ou álibi politicamente correto do texto [...]” (FONSECA, 2008, p.47), é o resultado para o

qual a conjuntura política exige de um texto de perfil etnográfico.

Esta pesquisa e a forma como apresenta os dados etnográficos, também é um exercício

de questionamento de nossas (e dos assim construídos brasileiros (as)) próprias representações

sobre os (construídos) migrantes, pois é deste lugar que falamos, observamos, escrevemos. Cabe

lembrar que somos nós a sociedade de imigração para os bolivianos. A etnografia não é um trabalho

para pleitear a causa nativa dentro das estruturas de poder, segundo Fonseca (2008, p.46), mas

antes almejar “[...] provocar uma reconfiguração das próprias narrativas hegemônicas que tanto

contribuem para a perpetuação dessas estruturas”.

Neste sentido uma última questão se impõe: o dilema do anonimato ou o uso dos nomes

‘reais’ dos informantes e entrevistados no texto. Resguardar os nomes dos informantes e

entrevistados é decisão do teórico. Esta decisão, porém, se constrói na assimetria política da

condição de produção do “Texto Etnográfico” (FONSECA, 2008). É por tal condição assimétrica

que a presença de nomes coloca a questão ética do reconhecimento e o respeito a privacidade das

pessoas entrevistas não significando isto um mero artifício textual. Fonseca (2008, p.41) levanta

duas questões importantes em relação a isto. A primeira do que pode aparentar a ausência dos

nomes:

Mascarar nomes de pessoas ou de determinada comunidade pode trazer a mesma

impressão que trazem os rostos borrados ou as tarjas pretas cobrindo os olhos que vemos

em filmes e fotos de jovens infratores. Parece designar justamente as pessoas que têm algo

para esconder. Por esse motivo, seria questionável uma orientação profissional que

traçasse uma distinção sistemáticas entre as situações etnográficas em que mantêm-se os

nomes reais dos informantes (subentendido, dos cidadãos honestos) e as outras em que

mascaram-se as identidades (dos, subentendidos, bandidos).

Se buscássemos construir um texto a partir da dicotômica entre os cidadãos de bem e

mal, brasileiros e estrangeiros, poderíamos cair no jogo da visão moral ou desmoralização dos

imigrantes e de suas práticas. Então a ausência dos nomes reais poderia estar mais próxima deste

jogo.

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O texto sociológico e antropológico é resultado de relação social, impondo ao escritor

retorno à própria relação revivida, porém apresentados a partir da teoria e dos dados brutos

construídos na relação histórica anterior. Este reviver reinterpretado teoricamente está sob a corda

bamba entre garantir riqueza de detalhes para a manutenção da fidelidade conceitual, ao mesmo

tempo manter autovigilância em relação a ousadia da apresentação dos sujeitos com os quais se

construiu os dados. É neste ponto que a ética da apresentação dos nomes reais dos informantes –

entrevistados esta. Vejamos um caso exemplar.

No dia 27 de julho de 2013, o Jornal Folha de São Paulo, publicou matéria sobre a festa

de 3 (três) e 4 (quatro) de agosto as virgens padroeiras nacionais Urkupiña e Copacabana. A festa

comemorou, também, 188 anos de independência da Bolívia adquirindo um caráter civil. A festa é

denominada Eu amo Bolívia, na ocasião ocorreu no Memorial da América Latina, como vem

ocorrendo nos últimos anos.

O jornal procurava descreve a quantidade esperada de pessoas para participarem da

comemoração, ao todo 500.000 (quinhentas mil) pessoas entre bolivianos e descendentes eram

esperadas, traçando um perfil populacional da imigração. A curta nota procura ainda traçar um

perfil de identidade da festa associando-a com sua origem nacional a qual, por sua vez seria

formada por povos diversos entre indígenas (Quéchua, Guarani e Aimara), europeus (espanhóis) e

africanos.

A nota trata atribui o significado de a festa assemelhar-se a um evento de

entretenimento aonde poderíamos ver danças típicas, comer comidas típicas e conhecer uma nova

geração de imigrantes as cholas: “[...] jovens que adaptaram o visual tradicional das mães e avós e

vão dançar vestindo minissaias na sétima edição do evento [...]” (SENRA, 2013)14.

A partir do título é notável o caráter erótico pelo qual as dançarinas são narradas, a nota

legitima seu ponto de vista a partir da opinião de pessoa autodeclarada representante do Centro

Cultural do Imigrante afirmando de as participantes da festa terem a idade entre 12 (doze) e 30

(trinta) anos, dançarem com as Pernas de Fora e adaptarem a Cultura dos Africanos.

14 SENRA, Ricardo. “Cholas” de minissaia são destaque em festival boliviano no Memorial. Folha de São Paulo.

Folha uol 1, São Paulo, 27/07/2013. 21h40. Atualizado 29/07/2013.13h58. Disponível em:

<<http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/2013/07/1317231cholasdeminissaiasaodestaqueemfestivalbolivianonome

morial.Shtml>>. Acesso: 30/07/2013.

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Esta matéria poderia passar despercebida se não fosse pelo que articula e que a pesquisa

etnográfica pode trazer para primeiro plano revelando a complicada presença dos nomes no texto

final. Se acreditássemos que a legitimidade dos dados, das narrativas e relatos expressos pelos

informantes e entrevistados, ou cada acontecimento vivido, é verídico desde que no texto

contenham como referência o nome dos produtores daquelas narrativas; ou se considerássemos o

nome como um fator de garantia de poder de constatação em relação a produção da reconstrução

da identidade migrante. Concentrar-nos-íamos pelo caminho vazio da construção de uma

identidade para a pesquisa, conduzindo-nos a perder outra dinâmica social que dá forma a migração

contemporânea, a própria reinvenção do folclore, a presença do discurso da entrevistada da matéria

do jornal, não a conseguindo relativizar cada.

Não só há na matéria a representação erótica da dançarina, mas a produção de uma

visibilidade sobre o folclore enquanto entretenimento. Ao mesmo tempo para isto a nota expõe

uma representante que é também atuante não só nos direitos dos migrantes reforçando a dinâmica

social de produção de saberes e poderes sobre a visibilidade da migração e da reconstrução da

identidade social através do folclore.

A representação da matéria sobre a dança e o traje foi criticada por integrantes de outras

fraternidades, estendida a entrevistada e aos jovens fotografados, diziam que estariam desvirtuando

o folclore boliviano. Embora, uma fraterna do San Simon sobre a recepção da matéria entre

integrantes de outras fraternidades esta crítica ocorreria por que tal representante política tem ganho

destaque entre outros ativistas político e culturais devido as ações que realiza em prol da

comunidade, ação que consequentemente lhe traz visibilidade.

Além desta questão que envolve os nomes de informantes, entrevistados, protagonistas

políticos e ativistas culturais dos (as) migrantes, esta dissertação faz uso de documentos de domínio

público, no qual, estão citados nomes de atores envolvidos em atuações políticas de direito geral

dos migrantes atuando, ou não, no poder público. Neste espaço seus nomes adquirem visibilidade,

associando-os a conduta política e a construção de uma identidade nestes termos. Para estes casos

com raras e necessárias exceções não utilizaremos os seus nomes ou dos grupos políticos culturais

que representam.

Em relação às fraternidades esta tem uma vida pública aonde e quando adquirem

visibilidade, ao menos no âmbito da comunidade boliviana, diante de outras fraternidades. Cabe

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dar ênfase ao contexto das narrativas e ações de seus integrantes, compreendendo cada ator como

parte de um coletivo, parte de uma identidade corporal, do que propriamente preocupar-se em

descrever este indivíduo fora de relações de alteridade, neste caso sim o nome pode adquirir

idiossincrasia elevando este sujeito a posição supra social, fortalecendo uma visão fragmentada do

social e com a publicação do texto a complicações para este.

Esta escolha em relação ao trato com as fraternidades e seus atores se justifica por que

trabalhamos com a ideia da produção de identidades coletivas dadas na participação de cada

integrante no contexto maior. Consideramos que o objetivo ético desta pesquisa não é o mesmo

que o da mídia, nem dos ativistas políticos e sequer de integrantes da fraternidade. A proposta ética

de aqui é superar qualquer política discriminatória que reforce os constantes e múltiplos

estereótipos que atingem migrantes. É isto que procuramos questionar com o presente texto, assim:

“Se, ao invés, aceitássemos que a verdadeira ofensa contra a moralidade é julgar sem primeiro

compreender, e, dessa maneira, se tomássemos como objetivo da etnografia entender algo dos

“saberes local” que tantas vezes fogem das previsões da racionalidade moderna será que os nomes

literais realmente ajudam? [...]” (FONSECA, 2008, p.51). Nossa dissertação escolheu trabalhar

com estes aspectos desafiadores.

Todos estes pontos de vista, por exemplo, sobre a festa no Memorial da America

Latina, os trajes e a juventude, tem sua razão de ser e faz parte da estrutura da produção de vínculos

em torno das danças e de identidades corporais, estando em conforme a posição de cada ator e a

reinvenção do folclore boliviano como veremos ao longo do trabalho, não se excluem, nem deixam

de possuir sua autenticidade.

A reflexividade permitiu aqui considerá-los enquanto relatos de pertencimento. Estes

relatos devem ser articulados ás práticas sociais dos atores e das agrupações correspondentes. A

construção do campo, a tentativa de vínculo com os migrantes, justamente, foi o que possibilitou

acesso às práticas e aos significados destes vínculos em torno da dança. Por isto consideramos

observar estes aspectos e mesmo formular questões a partir deles a fim de que tivéssemos acesso

aos aspectos internos das relações na fraternidade ou das fraternidades no contexto mais amplo a

partir da dança, como abordaremos agora.

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1.2 – Diário de Campo e Caderno de Campo.

Em nosso caso, a pesquisa qualitativa foi produzida entre a observação online e off-

line. Procuramos ao longo do tempo construir alguma relação com alguns “Informantes”

(PRITCHARD, 1978) destes alguns tiveram as entrevistas gravadas. Nossa conversa se

desenvolveu em mais de um dia de observação e devido a relevância do que seus relatos atribuíam

estes foram considerados integralmente. E mais, pela diversidade de significados foi preciso

considerar a perspectiva plural de relatos e circunstancial de ator - ação já que nem todos foram a

alteridade no momento do diálogo nos dias observados trabalhamos assim com “[...] informações

de quem estivesse disposto no momento [...] ” (PRITCHARD, 1978, p. 307), e ao longo da

pesquisa.

O universo online da pesquisa com a fraternidade escolhida foi a página de facebook

Caporales San Simon – SP Brasil e o perfil pessoal de facebook de alguns integrantes da

fraternidade, particularmente, dos que mais obtive relação durante a pesquisa de campo em

observação direta. Esta ferramenta através do bate-papo funcionava como referente a dia, horário

e local que viessem a fraternidade e grupo folclórico participar ou que não pude anotar no momento

da observação. O perfil do facebook pessoal foi utilizado na estratégia do agendamento de

entrevistas com os imigrantes15.

O universo off-line pode ser dividido em um primeiro grupo formado por integrantes

da fraternidade San Simon subdivididos entre 12 (doze) informantes de um universo de 150 (cento

e cinquenta) integrantes e destes, 7 (sete) entrevistados com gravador; 3 (três) informantes do

Kantuta Bolívia; 3 (três) protagonistas políticos migrantes envolvidos com associações de direitos

humanos e 1 (um) ativista cultural de mídia. O outro grupo de informantes foram 5 (cinco)

brasileiros integrantes do programa de estágio escola da família, 2 (duas) protagonistas brasileiros

de ONG´s e do poder público e mais 1 (uma) representante do Museu da Imigração entrevistada

com gravador.

Desde este momento, passando por toda a pesquisa e a escrita da dissertação, a bem da

verdade, estive acompanhado do caderno de campo\notas e o diário de campo utilizados desde a

aproximação, o convívio, o diálogo informal com os informantes, as entrevistas gravadas com

15 Embora menos utilizado os telefones de contato em um cartão serviram ao mesmo propósito de comunicação com a

fraternidade.

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estes, o registro fotográfico, bem como, fonte de informação registrada desta experiência de campo.

Durante o processo de construção do vínculo, passando pelas festas e ações das ONG´s ou

atividades das associações e do poder público, até o seu encerramento para a escrita do texto a

principal forma de registro e duplicação da experiência de diálogo com os fraternos e demais

informantes foram o diário e caderno de campo.

A centralidade do diário de campo em relação a reflexividade está, como afirma Silva

G. (2006), no papel de registro escrito no diário devido ao encontro e confronto de culturas

propiciado, justamente, pela pesquisa etnográfica. A condição da pesquisa etnográfica é a

subjetividade, através de nosso corpo tendo a subjetividade como dado primordial construímos o

conhecimento desta dissertação:

No diário de campo, o antropólogo procura registrar para si e construir, aos poucos e

precariamente, suas observações, sua primeira leitura dos sistemas culturais que investiga

(parentesco, rituais, economia, organização social), além de registrar insigths (rápidos

clarões de sentido que repentinamente parecem fornecer as chaves com as quais as portas

fechadas da cultura do outro se abrem), anotar dúvidas e expor perplexidades

inconfessáveis. A utilidade do diário de campo reside, entretanto, menos na objetividade

dos fatos observados e mais no que ele permite enxergar através dele: os fatos sob a forma

como os “inscrevemos” e os transformamos em “dados etnográficos”. Ao redigir o diário

de campo e lê-los depois, o antropólogo, além de “esboçar” o outro, “esboça-se” também

como personagem de seu empreendimento etnográfico, pois a forma pela qual a sua

sensibilidade foi afetada pelo processo de imersão no conjunto de significados que

investiga possui, ela mesma, múltiplos sentidos, dos quais o antropólogo escolhe alguns e

os privilegia na escrita. A presença do antropólogo em campo já é um “dado” em si mesmo

que parece “misturado” aos “fatos observados”, ou seja: instituições, lembranças,

comparações fazem do diário uma primeira “confissão” escrita sobre a natureza

experimentada da alteridade vivida pelo antropólogo (SILVA, G. 2006, p.64).

Esta passagem contempla o significado do diário de campo e o caderno de campo (meio

de anotação) desta pesquisa. Porém, como já afirmamos, não é nosso ponto de vista o determinante

dos dados subjetivos ao menos aqueles que se referem aos significados sobre a fraternidade e o

caporal para os fraternos. Embora nossa subjetividade influísse na escolha do registrável, do

descritível e do apresentável aqui, em relação à corporalidade este aspecto está presente por que

era prática valorizada pelos fraternos.

Quer dizer, observar a expressão corporal e os relatos da diferença pressupõe-se que

nossas informações são subjetivas, esta particularidade da pesquisa justifica o uso do diário como

recurso, pois “[...] O diário etnográfico feito sistematicamente no curso dos trabalhos num distrito,

é o instrumento ideal para este tipo de estudo [...]” como justificou Malinowski ([1922] 1984, p. X),

um dos principais propositores da pesquisa etnográfica.

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O caderno de campo ou caderno de notas se destinava a descrever pontualmente as

respostas, explicações e conceitos dos imigrantes quando de meus questionamentos sobre suas

práticas, dança e traje, respostas dadas especialmente no contexto da convivência de ensaios e

apresentações, dos eventos públicos, etc, no vivido entre pesquisador e integrantes da fraternidade

San Simon, embora tenham ocorrido também em outros momentos e com outros atores que

surgiram ao longo da observação. O caderno servia ainda como um auxílio que permitia manter a

conversa sem, contudo, gerar algum constrangimento ao entrevistado nem, tampouco, interromper

o que era experimentado e observado, embora quase sempre não tenha sido utilizado no momento

do diálogo, a não ser durante a entrevista, quando o foi para resgatar as questões, anotar alguns

dados biográficos da entrevista antes da gravação e anotar o contexto da gravação.

O diário de campo aprofundava na intimidade do pesquisador as suas intuições,

relembrando cada etapa da observação, realizando as relações entre significados apreendidos, sem

seguir uma escrita de ordem cronológica, mas relacional, observando, desta maneira, sempre o

contexto e as características dos gestos, dos trajes, das significações, das narrativas e dos relatos

dos imigrantes. O diário serviu também para expressão dos estranhamentos, dúvidas e impressões

sobre vivencia, as técnicas e o próprio método; e por fim materializar intuições teóricas e

metodológicas.

1.3 - O Registro Sonoro

Estas questões das informações registradas no diário\caderno\nota de campo, ou seja,

o ato de registro e a escolha do que registrar da conversa informal e das ações observadas se

relaciona com o registro sonoro das entrevistas gravadas.

La entrevista es una estratégia para hacer que la gente hable sobre lo que sabe, piensa y

cree (Spradley, 1979:9), una situación en la cual una persona (el investigador –

entrevistador) obtiene información sobre algo interrogando a otra persona (entrevistado,

respondente, informante). Esta información suele referirse a la biografia, al sentido de los

hechos, a sentimientos, opiniones y emociones, a las normas o estándares de acción, y a

los valores o conductas ideales (...) La entrevista és, entonces, una relación social a través

de la cual se obtienen enunciados y verbalizaciones en una instancia de observación

directa y de participación (GUBER; 2014, p. 69-70).

Como dito na sessão anterior a relação do pesquisador com os informantes conecta-se

as entrevistas concedidas pelos fraternos e fraternas. Conforme o avanço da pesquisa no

desenvolver das narrativas surgiu novas questões. Referiam-se as relações dos atores no seio do

vínculo social internamente a fraternidade quando emerge o sentimento de pertencimento, a relatos

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a trajetória individual de cada um até se agrupar na fraternidade, ao processo simultâneo de

conhecimento da existência da “cultura boliviana”, todos estes correspondentes a relação social

entre gerações e entre bolivianos e brasileiros. Ao mesmo tempo falhavam a memória do

pesquisador o registro destes diferentes aspectos devido a quantidade de informações, significados

e relações entre si.

Foi a partir daí que recorremos á gravação com a prévia pesquisa sobre possíveis

entrevistados numa entrevista onde retomamos informações, dados, acontecimentos, valores e

práticas observados em campo para aprofunda-los. Neste momento foram importantes o uso de

fotografias produzidas durante a pesquisa, pois a partir dela retomamos interpretações sobre a

dança e o traje inferindo o que significavam particularmente para os entrevistados, verificando

valores coletivos referentes ao gosto por poder dançar o caporal. Particularmente sobre o lugar da

fotografia abaixo retomaremos este momento.

A gravação não foi a única técnica utilizada neste momento quando desligávamos o

gravador o diálogo e a troca de informação permanecia e aí o caderno de campo (ou notas) era

acionado para transcrição de informações, isto significa, portanto que no texto as falas estão

acompanhadas de algumas descrições e outros dados contextuais.

Iniciar o ato da entrevista gravada a partir do tema o caporal nos levava (entrevistado

e entrevistador) a refletir sobre a trajetória mais particular do entrevistado e sua relação até se tornar

integrante da fraternidade. Pensar o caporal para o entrevistado acionava para ele narrar tal

trajetória para nós esta trajetória significou conhecer o processo de relações sociais entre fraternos

em torno da dança momento de produção e compartilhamento de valores. O uso do gravador se

dedicava a “[...] descobrir las dimensiones de una categoría o noción [...]” (GUBER, 2014, p.85),

ou seja, valores socialmente partilhados.

As entrevistas ao contrário do que ocorreu com o diálogo durante o registro escrito não

gravado foram pré-acordadas com os imigrantes. Aspecto com o qual tivemos de lidar, pois, como

pondera a literatura especializada é esperado que:

Los informantes reformulan, niegan o aceptan, aun implícitamente, los términos y el orden

de las preguntas y los temas, sus suspuestos y las jerarquizaciones conceptuales del

investigador. De este modo, el investigador hace de la entrevista un puente entre su

reflexividad, la reflexividad propia de la interacción y la de la población (GUBER, 2014,

p.84)

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Ao todo 12 (doze) pessoas foram questionadas sobre serem entrevistadas com

gravador. Mas somente 4 (quatro) destas 12 (doze) iniciais foram de fato entrevistadas, seja por

esquivaram-se a entrevista, desconversando o pedido, seja por não comparecer ao local de

entrevista e por falha do pesquisador em não insistir em pedido após o primeiro contato resultando

em perda de oportunidade. Somamos um total de 10 (dez) entrevistas gravadas, mas nove

entrevistados de fato, pois uma pessoa foi entrevistada duas vezes, diga-se de passagem, um dos

principais informantes. Destas nove entrevistas uma entrevista é o registro de uma conversa com

representante do Museu da Imigração, Marília Bonas, no contexto da 18ª festa do Museu da

Imigração. Neste mesmo local foram entrevistados Reinaldo, William e Ana, integrantes da

fraternidade San Simon. Cabe dizer ainda que as entrevistas com estas 4 (quatro) pessoas no

contexto da festa era um trabalho em parceria com o Jornalista e Historiador Fernando Souza

proposto originalmente a ser dado para matéria de uma rádio paulistana que, no entanto, não foi

finalizado, nem publicado, mas a sonora aproveitada com autorização dos entrevistados e do

profissional.

Uma das pessoas com entrevista gravada e que ocorreu na Praça Kantuta foi Alex que

compareceu com mais dois amigos no dia, também integrantes da San Simon, Evandro e Miguel,

entrevistados na ocasião. Estas entrevistas transformaram-se em um bate papo entre entrevistador

e entrevistados. William também foi um dos quatro entrevistados e na mesma praça que os fraternos

anteriores, porém em outra ocasião e só, embora, numa situação de encontro dos (as) fraternos na

praça semelhante aos outros três. Outras jovens solicitadas foram Jessica e Marcela, estas foram

entrevistadas separadamente, embora, estivessem juntas no mesmo dia. Ambas na escola Prudente

de Moraes, após um ensaio da fraternidade. Particularmente na entrevista com Jessica, Marcela fez

algumas intervenções, por isto, como veremos no texto, eventualmente, a fala de ambas por se

tratar de um diálogo, será reproduzida seguindo a ordem das intervenções, tal como de Alex,

Evandro e Miguel.

No ato da gravação sonora ainda que tenha havido um preparo tanto do pesquisador

em relação ao conteúdo de suas perguntas quanto do entrevistado sobre estas perguntas e sobre as

suas respostas, este momento foi flexível e dialógico, as interpretações dos imigrantes

costumeiramente seguiram a ‘informalidade’, digamos assim, e o imprevisível, como descrito. Isto

fez com que o roteiro inicial fosse modificado ou até mesmo nem fosse seguido à risca. A conversa

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na entrevista não teve um começo meio e fim determinado, nem um desempenho determinado,

algumas delas se tornaram bate-papos gravados.

Para os relatos não gravados, gravados, mediado com fotos e os discursos fragmentados

procuraremos descrever no texto corrido ou em notas de rodapé o “Contexto Restringido”

(GUBER, 2014) da situação social específica do ato da gravação ou do simples diálogo onde se

articularam lugares, pessoas, atividades, respeitando-se o assunto abordado, o interlocutor, o modo

de relato, as expressões sensíveis, a situação e o “Ritmo del Encuentro” (GUBER, 2014) ou o lugar,

condição e duração.

A escolha do áudio buscou dar conta não só destes aspectos, mas, sobretudo da origem

do entrevistado e de sua família, a religião, a idade, profissão, como define seu sexo, aprofundando

a história particular da trajetória de cada entrevistado até o ano de 2013 como integrante da

fraternidade. Este bate papo, contudo, iniciava-se com as seguintes questões (não gravadas) Idade?

Profissão? Origem nacional? Sexo? Local de nascimento? Tempo em São Paulo (para o caso de

imigrantes)?. Todas foram somente registradas no caderno de campo. As perguntas realizadas

durante a gravação foram: Já dançou em outra fraternidade? O que o caporal tem em especial? O

que influi as pessoas escolherem o caporal para dançar? Por que há desinteresse no caporal e na

fraternidade San Simon? Todos (as) seus (suas) amigos (as) são do caporal? Costuma ser cara a

roupa caporal? Onde é feita? Porque muda as cores e a costura da roupa? Na sua vida o que é a San

Simon? O caporal? A música? Explique por favor, os significados da roupa, dos personagens.

Particularmente neste momento das questões sobre o traje, a dança e o significado nós utilizamos

de um conjunto de fotografia em uma reinterpretação do método de Guran (2000), como veremos

na próxima sessão.

As perguntas aos imigrantes que mobilizaram a gravação partiram de questões livres e

semiestruturadas; avaliaram os significados da dança, da religiosidade, as datas festivas, a produção

e a comercialização e o adquirir das roupas folclóricas para os fraternos; davam continuidade ao

que foi observado com os registros escritos e visuais.

Portanto, como parte do método reflexivo adotado para as entrevistas registradas em

sonora foi utilizada a concepção de “Relação Social Construtivista” (GUBER, 2014) entre

entrevistador e entrevistado. A perspectiva construtivista construída em entrevista entende aos

dados que “[...] provee el entrevistado son la realidade que éste construye con el entrevistador en

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el encuentro [...]” (CICOUREL, 1973 apud GUBER, 2014, p.71), para nós se refere a um “[…]

stoch de conocimientos el mismo tipo de evidencia, las mismas tipificaciones y los mismos

recursos para definir la situación […]” (CICOUREL, 1973 apud GUBER, 2014, p.71), no caso,

tratava-se do caporal, da fraternidade, dos integrantes, dentre outros aspectos, verificados pelo

observador e de conhecimento dos fraternos segundo seu “Repertorio y Pautas” (C. BRIGS, 1986

apud GUBER, 2014, p.71).

Se nas entrevistas as respostas poderiam apresentar determinações de um diálogo aonde

ambas as partes conheciam que as informações se voltariam para a pesquisa acadêmica - num

contexto reconhecido pelos fraternos (as) de crescente de visibilidade das práticas de dança -, ou

devido a dinâmica da Praça Kantuta, da Escola Prudente de Moraes e da 18ª Festa do Imigrante,

no encerramento de apresentações ou ensaios. O entrevistado não deixou de apresentar seus

valores, suas interpretações, seus sentimentos de pertencimento, expressividade, reconstruir sua

identidade diante do entrevistador. Tendo como referência ao contexto maior e a sua trajetória, etc.,

afinal são todos estes aspectos agenciados tanto nesta relação particular da entrevista como na

relação mais ampla com a sociedade de migração. Aspectos agenciados sobre a construção do

sentimento de pertencimento, do indivíduo e da corporalidade que nos interessavam.

Esta forma de gravação foi acrescida da técnica da não “Diretividade” (GUBER, 2014)

no ato da entrevista16. Apesar das perguntas iniciais seguimos a linha de associação livre, de

diálogo entre entrevistados ou destes com pessoas que não eram entrevistadas para que pudéssemos

ter conhecimento de “Conceptos Experienciales” (VÉASE AGAR, 1980, apud GUBER, 2014,

p.74).

Ou seja, o modo como concebiam, viviam, interpretavam o conteúdo e as ações

socialmente partilhadas – acionadas também no caso – entre jovens e adultos emergindo daí o

processo de reconstrução de sua identidade coletiva, de reinvenção do folclore para constituição

dos vínculos entre gerações, processo conceituado por gostar de dançar:

Este procedimiento se diferencia del empleado en las encuestas y cuestionarios, porque la

doble asociación permite introducir temas y conceptos desde la perspectiva del informante

más que desde la del investigador. Promover la libre asociación en la entrevista etnográfica

deriva en cierta asimetría en el plano del habla, con verbalizaciones más prolongadas del

informante, y mínimas o variables por parte del investigador

(GUBER, 2014, p. 76)

16 Técnicas utilizadas também para o caso de situações não gravadas.

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O lugar da gravação sonora não era só dar conta das informações que falhavam a

memória do pesquisador quando tinha um lugar na reflexividade: a obtenção de conceitos

experienciais. As perguntas eram “Nexos Provisórios” (GUBER, 2014) pelo qual pudermos

estabelecer guias iniciais em seguida os deixando de lado, reformulando-os no caminho da

conversa, partindo do conhecimento prévio do pesquisador derivado da experiência de campo com

os fraternos até a abordagem de questões emergentes. Iniciamos este tipo de técnica após um

convívio considerável para, a partir daí, nesta relação particular de entrevista, aprofundar questões,

impressões, etc., recentes, ter acesso a outros conceitos já ouvidos em campo, ou novos.

Pensar sua (do entrevistado ou informante) história particular como fraterno e sua

participação como integrante da fraternidade sob o recorte da dança caporal e o que significa esta

identidade e esta prática para este sujeito, possibilitou-nos conhecer e compreender o lugar das

práticas de convívio espaço temporal para o conjunto de integrantes (que por sua vez são parte da

totalidade de bolivianos na cidade lembrando que esta é apenas uma das identidades socioculturais

presente entre imigrantes e seus descendentes), os “Ciclos de Festas” (SILVA, 2003), o “Território

Circulatório” (TARRIUS, 2000), os usos da dança e do traje na construção processual do ciclo de

amizades.

Estes relatos nos mostraram que não há uma população homogênea nem unidade

homogênea, mas que dentro deste coletivo em particular há um conjunto de atores que exercem

práticas de convívio para dançar – o que implica expressar um traje permeado por alegorias de

personagens coloniais – e, portanto, reinventar uma memória de alhures – que se materializa na

dança e no traje - durante o mesmo processo de construção e partilha de valores sociais adquiridos

na sociedade de chegada entre gerações de fraternos.

O Ciclo de Amizades entre gerações se realiza durante os “Ciclos de Festas (SILVA,

2003), do “Território Circulatório” (TARRIUS, 2000) e da circulação nos espaços sociais da

cidade, os quais mobilizam e, ao mesmo tempo, são mobilizados pela memória reinventada

contribuindo para a reconstrução da identidade sociocultural manifesta nos espaços públicos de

encontro com brasileiros e bolivianos não integrantes das fraternidades.

A dança e os trajes são expressos e se relacionam com valores compartilhados e

aprendidos por meio das amizades entre os atores ou da família de cada fraterno sendo comumente

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representadas sob o conceito Gostar de Dançar. Este conceito é trazido à luz nos relatos dos atores

sobre a trajetória de seu conhecimento sobre o folclore e a fraternidade num processo que se inicia

anteriormente á participação efetiva no círculo de convivência daquela, mas que foi um

determinante na construção sociocultural deste gosto pelo Folclore Boliviano e na construção da

experiência de se ver e se identificar como Boliviano ou Brasileiro Filho de Bolivianos, conceito

que pressupõe uma filiação com uma alteridade e a alocação deste sujeito aproximada a bagagem

da memória cultural a um coletivo particular.

1.4 – O Registro Fotográfico

Como percebido nas primeiras narrativas, as expressões corporais e trajes são formas

de expressão para serem vistos. São expressão constitutiva da identidade corpo tendo dimensão

visível. No caso dos imigrantes visto por um espectador ou, no caso, aqueles que vivem na cidade

de São Paulo seja brasileiro ou boliviano.

O corpo é uma forma de falar sem palavras, os trajes e os gestos são seus signos de

expressão, embora nem sempre os brasileiros tenham conhecimento para traduzir o que é dito e

trate a dança com estranhamento. Por isto abordaremos esta dimensão sensível a partir da

fotografia.

A fotografia é, antes de mais nada, o resultado de um processo de pesquisa ocorrido

por convivência. Os dados visuais desta dissertação são o fruto de uma convivência pretérita e

processual. A foto é um importante meio para se falar sobre a linguagem corporal agenciada pelos

imigrantes diante da população local e no diálogo com o pesquisador. As fotos são o resultado de

um processo de vivencia em campo simultâneo a reinvenção desta mesma corporalidade na cidade,

expressa através de signos e sinais, possíveis de serem visualizados nesta dissertação através das

descrições visuais e narrativa dos fraternos.

A expressão do caporal e o significado Gostar de Dançar o Caporal expresso nos

relatos da diferença (que o acompanha) demarca a fronteira fraternal. Este conceito é um

imperativo simbólico de constituição do grupo mobiliza-os á práticas corporais comuns que

definem a identidade sociocultural da fraternidade expressando-se em gestos. Quer dizer a

expressão corporal é ela mesmo uma prática social socialmente agenciada. Neste caso, é preciso

ampliar a compreensão de os usos de símbolos e signos no traje, pois o ato de dançar, a disposição

de cada ator, por um lado, e a narrativa sobre o Capataz, o personagem do traje masculino, ou as

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personagens femininas, por outro, são constitutivos daquela identidade e são eles mesmos a

“Tradição [Re] Inventada” (HOBSBAWN, [1984] 1997) .

Para poder articular todos estes aspectos necessitávamos de um meio pelo qual

registrássemos o referente que as palavras dos fraternos se referiam, desta maneira, o uso da

máquina fotográfica para registro e da foto para apresentação recortada e descritiva deste referente,

no texto, emergem como importantes meios para tal finalidade. O recurso visual é adotado na

pesquisa, na entrevista e no texto como o resultado reflexivo desta relação de campo. Que

resultado? O resultado de um interesse do pesquisador pela maneira de expressão das práticas e

valores. O que é expresso visualmente nas fotos é aquilo que dizem corporalmente.

A foto, nesta pesquisa, deve ser vista como o resultado de mensagens que os imigrantes

queriam dizer com o corpo, os relatos verbais da diferença, por sua vez, referem-se aos trajes e a

dança. Ambos se relacionam no discurso e nas práticas de expressão como diferenciadores das

imagens que os brasileiros lhes atribuem e são comumente veiculadas nos espaços públicos e na

mídia, bem como diferenciação em relação à própria população de imigrantes bolivianos.

Se o que é escrito com palavras é o que se viveu em campo, o que se descreve

visualmente em certa medida também. Ou melhor, as fotos obviamente são registros de

informações e situações de campo, mas não têm o objetivo final de atentar o leitor a uma suposta

realidade empírica. Embora as fotos tragam este aspecto. Ao falar sobre o corpo através da

visualidade objetivamos falar da reconstrução da identidade e da reinvenção do folclore, partindo

do que interpretavam através do corpo, dos sentimentos, das cores, dos gestos e das palavras que

faziam referência a todos estes aspectos.

O uso da máquina fotográfica e da fotografia tem papeis diferentes no método da

pesquisa, no entanto. A máquina serviu como importante material de registro e de relação social

com os imigrantes, as fotos mediação de relação social na entrevista e meio de falar no texto sobre

o universo de convívio, ensaios, apresentações, expressão e constituição da identidade e da

trajetória dos migrantes na cidade.

Em campo o ato onde utilizamos a máquina fotográfica pode ser chamado de ato

fotográfico o qual é o momento em que o fotógrafo carrega alguma orientação ou motivação não

só sociocultural, mas estética para capturar e registrar. Fato que pode ser exemplificado com a

concepção artística denominada “Momento Decisivo” de Henri Cartier Bresson (1999, cit.,

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MARTINS, 2008, p. 60), esta é uma construção definida por momento de registro e elaboração de

imagens que devem capturar a vida cotidiana, banal, e decisivo é o tema desta imagem, deste

cotidiano, trazendo-os para a dimensão estética, em suma “[...] fotografa acontecimentos, objetos

constituídos no átimo do que é fugaz, a mais passageira das dimensões dos processos sociais [...]”

(MARTINZ, 2008, p.60). Outra questão envolvida são significados ideológicos sobre o belo, a

dramatização e o que é de interesse de ser registrado. Ocorre que este momento é também de

reflexão sobre si mesmo no trabalho de registro, no ato corporal da composição, do munir-se da

paciência “[...] para que a composição não cotidiana do cotidiano se desenhe subitamente diante

de sua objetiva sem diluir no seu caráter fugidio, banal e propriamente cotidiano [...]” (MARTINZ,

2008, p. 61). O momento decisivo revela epistemologicamente a tensão historicamente marcada

entre o sujeito fotografado e o fotógrafo, constituidora da obra fotográfica verificável, por exemplo,

na imagem quando o fotografado se torna um referente de si mesmo.

Segundo Kossoy (2002) conceitualmente este aspecto faz da imagem fotográfica objeto

“interdeterminado”. Neste tipo de objeto a visus da foto é o resultado da relação entre a mensagem

visual e um tempo\espaço pretérito, uma realidade anterior onde ocorreu o ato fotográfico, sendo

este, por sua vez, performance no momento decisivo. Isto torna a própria imagem um indício do

real, não só por conter um referente de real, mas, na medida em que é indício de relações sociais

históricas entre fotografado, fotógrafo e o olhar do fotógrafo. Embora caiba uma crítica sobre a

relação entre ato de fotografar, câmera, a foto e o sujeito fotografado, conforme Martins (2008,

p.28-29):

Como a fotografia é muito mais um documento impregnado de fantasia, tanto do fotógrafo

quanto do fotografado, quanto do “leitor” da fotografia, do que de exatidões próprias da

verossimilhança. O que o fotógrafo registra em sua imagem não é só o que está ali presente

no que fotografa, mas também, e sobretudo, as discrepâncias entre o que pensa ver e o que

está lá, mas não é visível. A fotografia é muito mais o indício do irreal do que do real,

muito mais o supostamente real recoberto e decodificado pelo fantasioso, pelos produtos

do auto-engano necessário e próprio da reprodução das relações sociais e do seu respectivo

imaginário. A fotografia, no que supostamente revela e no seu caráter indicial, revela

também o ausente, dá-lhe visibilidade, propõe-se antes de tudo como realismo da incerteza

[...] A fotografia aprisiona e “mata” o fotografado, pessoas e coisas. E ao mesmo tempo

torna-se coisa viva nos usos substitutivos que adquire.

O dado etnográfico (referente) não é só mero resultado do ato fotográfico e o uso da

técnica máquina fotográfica em pesquisas, mas o resultado de interações humanas onde pessoas

foram fotografadas. Fotografo e fotografado, etnógrafo e nativos, partilham do imaginário de que

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a imagem mostra algo, pois a foto é o produto da cultura, é uma forma de agir e pensar

simultaneamente que inverte relações e sentidos, desta forma o dado etnográfico é menos o material

em si e mais o fato de ser um modo de relação e de interpretação. E como já dito aqui, a pesquisa

de campo reflexiva produz seus dados na relação, os dados não são naturais bastando ir “lá ver”,

mas é o resultado de relações e modo de interpretação.

Nesta relação se condicionar enquanto produtor de imagens permitiu-nos certa posição

entre os (as) fraternos (as). Na utilização da câmera e a presença em campo no convívio do trabalho

etnográfico houve o reconhecimento sob o signo o amigo, aquele que gosta da gente, expresso por

Carina, no sábado de julho em uma velada organizada pelas cholitas da San Simon, enquanto

conversávamos sobre as santas para as quais a fraternidade San Simon dança.

Esta posição e o desenvolvimento do ato fotográfico em mais de um momento fez com

que a própria máquina e a foto se tornassem “Recursos Exploratórios” (GALANO, 1998, p.182)

do pesquisador com os fraternos. Acesso a espaços mais restritos aos participantes da fraternidade

como este ato religioso da velada as virgens de Socavón, Urkupiña e Copacabana – naquele

contexto era também um momento de benção as roupas folclóricas, conforme Carina; facilitou a

presença do pesquisador junto com a fraternidade no trajeto de dança na festa do Memorial da

América Latina em agosto ocorrido semanas depois desta velada; permitiu o agendamento de

algumas entrevistas onde fizemos uso de algumas imagens para a produção de novos dados acerca

do sentido das danças aos imigrantes; convite a participar de uma festa mais particular ainda

ocorrida na zona norte no sábado à noite dia 03 (três) de agosto após a apresentação da fraternidade

na festa pública do Memorial.

A máquina fotográfica em campo, ela mesma foi utilizada após insight depois de um

tempo de convivência quando atravessava a Estação da Luz a caminho da escola Prudente de

Morais aonde ensaiava a Fraternidade San Simon. Se inicialmente o ato fotográfico partia dos

interesses do pesquisador que emergiam na relação com os fraternos aos poucos fomos nos

questionando acerca do surgimento deste sentimento-ação, deste interesse, e, fomos sendo guiados

pelo campo para ao fim percebemos que os dados sensíveis da pesquisa eram justamente fruto de

uma relação.

Quer dizer, na pesquisa com imagens não há interesse natural. O interesse no que se

registrar e as oportunidades de pesquisa sobre a identidade e o corpo advém do que se convive, do

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que é mostrado e do que é autorizado, pelos imigrantes, acessar e fotografar. Aos poucos as

fotos foram deixando de registrar os interesses do pesquisador para registrar as interpelações e os

apontamentos dos imigrantes expressos em palavras e em corpo em alguns lugares da cidade, como

ocorreu na velada pré festa de agosto quando Reinaldo permitiu aos a seguir ilustram os contextos

fotografado:

Foto: do autor.

FOTO: DO AUTOR.

FIGURA 7 E 8 – CHOLITA EM VELADA DA TROPA DAS CHOLITAS. FRATERNOS E FRATERNAS ACOMPANHAM MISSA DEVOCIONAL DURANTE VELADA DAS CHOLITAS. 27/07/2013.

Figura 5 e 6 Virgens de Urkupiña, Copacabana e Socavón e os trajes da San Simon. Lembranças e pão e vinho oferecidos na velada das cholitas. 27/07/2013.

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FIGURA 9 E 10. VIRGENS URKUPIÑA, COPACABANA E SOCAVÓN E BANDEIRA SAN SIMON.

TRAJES E LEMBRANÇAS ENTREGUES AOS FRATERNOS NA VELADA DAS CHOLITAS. 27/07/2013.

Foto: do autor.

Neste sentido é significativo o relato de Fabio (homem com pouco mais de 45 anos,

integrante da fraternidade como achachi tipo de personagem cujos integrantes da tropa são pessoas

de mais idade) sobre os sinais e signos diacríticos que estão presentes no traje: (...) na roupa cada

detalhe tem um significado, por exemplo, um dragão, um diabo, tem a ver com o folclore andino.

As alegorias nas roupas e em outros objetos são formas expressivas que fazem parte da mensagem

total que se deseja expressar tendo referência significações da sociedade de origem.

Em especial sobre este aspecto durante a pesquisa de campo os fraternos foram

indicando a importância da corporalidade e a relação entre os integrantes na constituição da

fronteira fraternal tendo o corpo como um importante referente. Esta importância pode ser

percebida nas palavras de Reinaldo (adulto 30 anos a época) em trecho de meu caderno de campo

sobre as relações nos ensaios quando conversávamos em 13 de abril de 2013 enquanto deixava em

ordem o espaço da escola que os fraternos usaram naquele ano:

“[...] Tá vendo aquela brasileira? Aquela loira de camisa preta? Ela é brasileira dá pra

ver no gingado dela Oh como é diferente. É muito [breve pausa], ela precisa mudar, ela

precisa perder. Parar de dançar como uma brasileira e dançar como uma boliviana”. A

beleza dos grupos está nos dançarinos e dançarinas, nas cholitas e nos machos, nos

tropeiros. A dos homens no salto. Da mulher no charme. Isto é também ensinado [nos

ensaios], é ensinado as jovens a cantar, a dizer “ei”, a sorrir enquanto põem as mãos na

cintura, curvando-se de um lado a outro, enquanto batem palmas duplas, segundo uma

das guias a dança é a mesma, mas tem a sessão [ou tropa] dos homens e das mulheres.

Segundo Reinaldo a dança é utilizada por outros lugares como no Peru “mas não é a

mesma coisa, eles distorceram, não é mais folclore boliviano [...]”(Diario de Campo,

13/04/2013).

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A definição de expressividades e de definição daqueles estão permitidos a expressar o

caporales são pistas preciosas acerca da corporalidade fundante das relações sociais entre

fraternidade e dos fraternos entre si. Estes elementos configuram fronteiras da fraternidade e a

forma de agir dos corpos os quais são agenciados para a diferenciação em relação a uma ou outra

alteridade.

O caso do uso de camisetas nos ensaios e abençoadas para a festa de agosto de 2013

como prática social da diferenciação entre fraternidades ou como práticas de homens e mulheres

em relação aos próprios trajes e as danças que são autorizados a expressarem são significativos

para o conhecimento sociológico se observados em relação aos relatos de diferença e em relação

as fotografias. Trago como ilustrativo meu relato no diário de campo sobre estes aspectos do campo

referente as cores e os trajes, e seu lugar no conjunto das relações e sentimentos de pertencimento:

“[...] Então fui sentar outra vez perto das escadas. Lá estavam sentadas duas integrantes,

duas jovens adolescentes. Em seguida ao nosso lado sentou-se um terceiro jovem

adolescente do sexo masculino e que resmungava. Perguntei-lhe porque não iria dançar

respondendo-me: “estou sem camisa. Sem camisa não dança”. Ele estava trajado, mas

não estava com uma camisa da fraternidade. Nos ensaios para todos e todas integrantes

não é possível deixar de trajar a camisa de identificação da fraternidade. As camisas

podem variar mas devem ser utilizadas nos ensaios, caso contrário não irá participar

deste momento, só ver o ensaio. Não é nada incomum ver os dançarinos utilizando

camisas de outras filiais, por exemplo, utilizando no ensaio no Brasil camisa de uma filial

dos EUA. Outro jovem, neste dia, utilizava uma camisa de uma filial Sueca, outro de Nova

York, ao menos era o que estava inscrito em cada uma delas. Algumas mulheres usavam

camisas inscritos ‘guias’ de outro ano, pois, lá estava a data. Os recém-chegados

utilizavam camisas deste ano [2013]. As camisas utilizadas no ensaio independente do

ano e a filial devem ser apenas da San Simon, não é possível ensaiar com camisa de outra

fraternidade. A camisa, portanto, tem uma importância na constituição da identidade

fraterna. Nos ensaios as mulheres e os homens fazem uso de alguns outros trajes também.

Os homens de botas e dos chapéus (este em mãos) e as mulheres de saias (curtas) poleras.

Perguntei as jovens da expressão oral “ei” comumente expressa na dança e de haver

mulheres dançando entre os homens, na tropa dos homens: “elas escolhem. Tem mulheres

que escolhe dançar a dança dos homens”. Perguntei-lhes interrompendo-as, Mas e o

contrário? Após sonoras risadas disseram “não pode...a macha é a mulher que dança

entre os homens e o apito nos dedos indicam o passe e a troca de passe o ei é para dar

um agito [...]” (Diario de Campo, 13/04/2013).

Por isto, as fotos na dissertação são acrescidas de relatos da diferença reescritos aqui

acerca das expressões materiais e gestuais constitutivas da identidade sociocultural dos atores.

Reinaldo, por exemplo, tem uma visão interessante sobre esta dimensão e traz à tona como há

relação com a constituição da fraternidade na trajetória desta constituir-se enquanto unidade de

atores migrantes de gerações diferentes na constituição de sua unidade simultânea ao agenciamento

de alegorias e corporalidades, como forma de expressão sociocultural:

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“[...] Perguntei-lhe [a Reinaldo] sobre a história do grupo. A existência do grupo na

Bolívia tem 34 anos [em 2013], mas o grupo no Brasil existe desde 2007 [em 2013]. Os

primeiros integrantes dançavam em outros grupos. Dentre os primeiros estavam ele. A

primeira apresentação, disse-me: “foi um carnaval, um com uma fantasia, outro com

outra.”. Comentou-me também sobre as cores de que estas devem seguir uma ordem

primeiro a ordem azul depois vermelho embora “no começo da fraternidade a gente

levava muita bronca [da fraternidade cochabambina], a gente invertia a ordem das cores

[nas roupas], quando íamos nos apresentar as cores estavam invertidas eles [os diretores

da matriz San Simon em Cochabamba] reclamavam. No outro ano levamos várias

broncas até um dia acertar [...]”.(Diário de Campo, 13/04/2013)

Para Ana (jovem com pouco mais de 20 anos a época integrante da fraternidade na

posição de China ou Machocha aquelas que dançam na tropa dos homens, junto com estes e

utilizando o mesmo traje) existem outros fatores articulados a utilização da dança. Expressar-se

dançando é constitutivo de um desejo em comunicar ocorrendo através de um traje, tendo relação

com a identidade juvenil, digamos assim, construída na relação com os não jovens, como se o

caporal fosse uma dança voltada aos jovens devido a sua forma estética Energética:

“[...] Eu, ah... Na minha opinião faz mais exercício, é mais bonito, é mais enérgico,

mostra mais força, e eu acho mais bonito, né... assim gosto mesmo (...) nos tempos

modernos já incorporaram as mulheres na tropa dos homens, assim como uma fila de

destaque só de mulheres que na nossa fraternidade né, lá na Bolívia se chama de Tinas,

mas no momento aqui eu danço na tropa dos homens mesmo (...) Ah, a nossa intenção

seria difundir a cultura boliviana né em São Paulo, porque tem tanto boliviano, tanto

brasileiro que não conhece. E a gente quer mostrar que tem alguma coisa de cultura

também né, a nossa cultura para todo mundo. A intenção é mostrar para os brasileiros

também né, com certeza. (...) É porque no caso essa fraternidade demonstra uma dança

da Bolívia. Mas na Bolívia tem em média 300 danças, 300 tipos de dança. Na outra, no

outro grupo que eu tava, dançava 18 danças, e aqui dança Caporal, mas assim

especializado em Caporal, tem tipo, 30 passos, entendeu? (...) Tem mais velhos.... Então

no caso da nossa é porque é uma dança mais enérgica mesmo, não tem como os mais

velhos dançarem, no caso das mulheres mais velhas, elas não usariam uma sainha assim

tão curta, então é por questões de costume mesmo, mas no caso da nossa fraternidade lá

na Bolívia tem uma fila só dos mais velhos, acima de 35 anos [...]”17(Entrevista Ana, 18ª

Festa do Museu da Imigração, 02/06/2013)

A narrativas acima foram produzidas no contexto de ensaios e de apresentações na 18ª

Festa do Museu da Imigração em São Paulo. Com Reinaldo a conversa ocorreu em minhas

primeiras incursões a campo enquanto o mesmo procurava resolver questões de logística. Com as

jovens e o jovem coincidem por terem ocorrido em um intervalo da conversa com Reinaldo, deu-

se de modo fragmentado. As respostas de Ana são o resultado de minhas interpelações sobre o

17 Esta entrevista com Ana realizou-se em os corredores do camarim em junho de 2013 após a apresentação da

fraternidade na 18ª festa do museu da imigração e são as respostas as perguntas sobre o significado de dançar no

evento, o de porque ela era a única que dançavam entre os homens, o que é o personagem tina qual era a

intencionalidade de apresentar-se no evento e o do porque havia muitos jovens na fraternidade.

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significado para ela de dançar na fraternidade e por que dançava entre os homens, por que

expressava o personagem Machocha.

Na conversa com todos estes integrantes emergiram a questão da experiência da

fraternidade na cidade na sua constituição corporal que no caso era recriar o modelo boliviano de

trajar, das cores nestes trajes e o modo como devem expressar-se. O ritmo corporal que devem

possuir as jovens. E que tem a ver com este modelo, configurando, como veremos, a identidade

corporal e sociocultural da fraternidade em relação a outros possíveis grupos de outras

nacionalidades que também expressam a dança.

Por isto se fez necessário o uso da máquina. Ela permitia registrar gestos corporais,

detalhes das roupas, composição das tropas e o lugar de cada ator, feito Ana, representando o

personagem tina, na performance como um todo. Uma das diversas expressividades socialmente

partilhados entre os fraternos e as fraternas, indicado pelos entrevistados e outras informantes,

como elementos importantes na construção do vínculo social entre gerações, e que podem ser vistos

nas fotos acima.

A foto, por outro lado, no texto, não tem somente o objetivo de deixa-lo mais rico,

destina-se a complementar a descrição do escritor que segue a narrativa dos fraternos sobre os

significados e práticas destes em torno do traje e da dança caporal aqui apresentados como

constitutivo de sua identidade sociocultural que é também identidade corporal. A foto busca falar

dos sinais e signos diacríticos expressos entre e pelos fraternos com seu corpo:

Assim, o uso da imagem acrescenta novas dimensões á interpretação da história cultural,

permitindo aprofundar a compreensão do universo simbólico que, por sua vez, se exprime

em sistemas de atitudes pelos quais se definem grupos sociais, se constroem identidades

e se apreendem mentalidades (...) Os aspectos recorrentes do agir social estão igualmente

presentes nas imagens fílmicas e fotográficas, cabendo ao pesquisador investigar as

relações que se constroem e os significados que as constituem (...) as imagens podem ser

pensadas como modos de ver, olhar e pensar, ampliando as possibilidades de análise dos

domínios do visível. (BARBOSA e CUNHA, 2006, pp.57-58-59)

As imagens acrescentam compreensão a comunicação sensível do falar corporal que

diz de si – de sua identidade corpo e de usos destes. São modos de ver, olhar e pensar tanto do

pesquisador, sobre o que vivenciou em campo, intencionando avaliar a história cultural de uma

comunidade em seu processo migratório, ou os seus processos de mudança social em meio a

relações interculturais quanto dos fraternos na medida do que indicam serem legítimos de registro.

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As fotos da mídia imigrante que utilizamos são consideradas instancia de seus

produtores, no caso destinam-se a expressar mentalidades e formas de dizer nativas sobre a

identidade corpo e de pensar de uma mídia que procura veicular outra imagem social dos imigrantes

na cidade, contrapondo a que a mídia brasileira veicula.

Para um ou outro caso a imagem é um texto visual resultado de uma experiência em

campo que exigiu recurso interpretativo produzido num passado e que será apresentado na

dissertação relacionado ao texto verbal escrito:

A imagem fotográfica é uma inscrição, uma marca, uma pequena queimadura de luz sobre

nitratos de prata; sempre o índice de um real, e que não existiria sem o seu referente. Posso

tocar a imagem fotográfica, apalpá-la. Ela tem uma textura, um peso, uma materialidade,

mesmo se ela é, também, achatada, bidimensional, corte e golpe no tempo e no espaço

(SAMAIN, 1998; p.54)

A imagem busca falar visualmente sobre um referente, o corpo, expresso, por sua vez,

através dos relatos e das ações dos migrantes. As fotos são sim um complemento, mas na medida

em que são uma forma visual de falar sobre um corpo que é ele mesmo falante e ao mesmo tempo

descrito através dos relatos da diferença dos fraternos, como pudemos observar nas narrativas. As

fotos nesta dissertação se destinam a dizer sobre outra linguagem – o caporal. O que o pesquisador

descreve visualmente, ou os migrantes descrevem por seus relatos. Coincidem por seu referente ao

qual é ele mesmo dotado de sinais e signos diacríticos reinventados na sociedade de imigração,

agenciados entre espaços.

Barthes (1990) alerta a fotografia ser constituída por uma “Arquitetura de Signos” que

se abre ao espaço cultural da variabilidade de leituras, é interpretável por que ela opera com tais

variedades de signos retirados da própria realidade social e que são reificados no ato da leitura pois

confunde o leitor a imaginar esta mesma realidade que supõe observar.

Segundo Kossoy (2002) a relação entre a realidade histórica e a representação visual

que se supõe a imagem fotográfica criar, faz ela detentora de uma “Indicialidade Iconográfica”.

Esta indicialidade é o ícone da imagem que estabelece semelhança com aquela realidade vivida e

por isto representariam o real possibilitando o conhecimento. Para nós, contudo, a questão parece

ser outra, assim se o texto se constitui por palavras, a fotografia por linhas, luz, superfícies e matizes

originados das formas ‘reais’ ressignificados no plano fotográfico, digamos assim.

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Por isto para Barthes (1990) a força de representação fotográfica é antropológica pois

instaura uma espécie de reinterpretação do corpo que se imagina – o leitor - presente. O que impõe

socialmente a fotografia o dote da ontologia não ficcional, ou seja, de que ela mostra a realidade

social. Este elemento tem o efeito de naturalizar a mensagem simbólica reificando a realidade

social a partir de seu referente.

As fotos são construções que suscitam identidades entre duas realidades: a vivida e a

visualizada, entre sujeito e objeto, olho e signo que se faz corpo. Contudo o que foi capturado é

sempre à luz de um fato ou de um movimento, que depois de divulgado é interpretado por aquele

que vê como se tratasse-se de ser o próprio ser este efeito é ainda maior nas fotografias em que o

referente são pessoas.

Benjamin (1986, apud MENEZES, 2003, p. 90) indo por outro caminho aponta a

capacidade de a fotografia visibilizar aspectos que no cotidiano não notamos ou pelo menos não

damos mais atenção, as fotografias têm a capacidade de mostrar movimentos e partes do corpo aos

quais geralmente não nos atentamos, em outras palavras desloca o olhar para aspectos da

banalidade do cotidiano “[...] as imagens fotográficas nos colocariam diante de um mundo

estranhamento inédito, imerso e disperso no aparentemente sempre visto (MENEZES, 2003, p.90).

De acordo com o autor, por deslocarem o olhar de quem vê para o que no cotidiano este mesmo

observador naturaliza, por ter um efeito de estranhamento do culturalmente natural, o referente na

foto “é sempre diferente do que antes era para os olhos” (MENEZES, 2003, p.90),

consequentemente, a sensação de realidade que ele produzida, para o autor, não se adequa. Por isto

deve ser vista enquanto produto humano que se refere mais a subjetividade humana e a cultura do

que a uma realidade imediata entre a coisa e a imagem.

Pensar a imagem é refletir sobre sua capacidade de significar o não significado através

do suposto efeito de verdade derivado de sua capacidade representativa resultado da

verossimilhança, ou como aponta Menezes (2004, p. 27):

Pensar a representação não significa de modo algum concebê-la como réplica, como clone,

como reprodução igual de um real que lhe seria exterior mas que ao mesmo tempo lhe

seria idêntico, cópia fiel de todos os seus detalhes e, principalmente e mais importante, de

todos os seus atributos.

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Uma vez que a própria entre a própria coisa – referente – e a sua imagem – representação

visual, no caso – há sempre nas relações sociais um conceito, uma idéia, uma representação mental

ou até mesmo regras sociais mediarem este processo, conforme Menezes (2004).

Nesta medida ainda segundo Barthes (1990) a fotografia é uma escritura que trabalha com

um referente fotográfico ressignificado em signos cuja força não é se referir ao real, mas trabalhar

com a categoria de verdade, de co-naturalidade entre imagem e sujeito capturado no suporte, ainda

que em termos de objetividade é ele quem forneceu luz e, por outro, é dele sobre o qual parte do

espectador da foto na experiência do olhar reconhece e reconhece-se.

As palavras – seja a do texto seja os relatos dos migrantes – procuram também construir

imagens. E ambos objetivam através das fotos dar conta da tradição reinventada. As fotos serão

utilizadas com o texto para aproximar o leitor das expressividades reinventadas isto é justificado

na medida em que tratamos o corpo, as palavras e as fotografias como formas articuladas de

produzir signos e significados sobre as relações sociais:

E, apesar de as palavras não conseguirem evocar exatamente a imagem que se propuseram

(basta verificar os fracassos em transposições de obras literárias para o cinema e para a

televisão), as imagens visuais precisam das palavras para se transmitir e, frequentemente,

a palavra inclui um valor figurativo a considerar. O desenho e a fotografia não reproduzem

abstrações. A palavra revela melhor o conhecimento subjacente na memória que, todavia,

é construído por imagens fixas. Mecanismos perceptivos e cognitivos ampliam a

compreensão das relações entre a imagem e as diferentes formas de memória, que, pelo

re-conhecimento e pela re-memoração, constroem a ponte para o texto verbal. Ao que é

impossível descrever, torna-se indiscutível a prioridade da imagem visual, por sua

capacidade de reproduzir e sugerir, por meios expressivos e artísticos, sentimentos,

crenças e valores (MOREIRA LEITE, 1998, p.44).

Para Paul Ricoeur (2008, p. 52) a textualidade é: a) a efetividade da linguagem como

discurso, b) a relação da fala com a escrita no discurso e nas obras de discurso, c) a obra de discurso

como projeção de um mundo, d) o discurso e a obra de discurso como mediação da compreensão

de si.

Textos como esta dissertação sociológica – antropológica, é apenas um tipo de ficção

possível no mundo cultural das formas de comunicação textuais. O dizer e o dito do discurso

performático, ou da performance ilocucionária – como as formas de comunicação narradas e

gravadas -, ocorre na obra escrita como estilização. A diferença do discurso escrito é que o sonoro,

por exemplo, está determinado a um locutor e a um ouvinte histórica e culturalmente localizados,

como na pesquisa de campo onde o sociólogo se faz etnógrafo e de onde os dados de campo são

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produzidos, inclusive a sensibilidade diante da expressão corporal.

De acordo com este autor, o locutor (aquele que fala) pode ser apreendido segundo signos

de pronomes, por exemplo. Se no discurso oral ocorre uma interação simbólica, ou, o que dá no

mesmo, a identidade do diálogo entre falantes e ouvintes, esta condição possui como objetivo a

compreensão mútua como meio de significação. Trata-se de um fenômeno vivo enquanto

performance, diálogo ou troca de ideias no qual se evidencia um mundo (comum) e a relação entre

interlocutores. No texto escrito a condição muda. Aqui impera o poder de descontextualização da

condição entre interlocutores que conversam, ou interação simbólica, mas não a inexistência de

significação. O texto escrito é uma forma cultural de comunicação que se caracteriza pela condição

de haver escritores e leitores, ou seja, relações sociais que ocorrem na via da escrita e da leitura.

As fotos são linguagem específica que, nesta dissertação, vão se conectar com estes

segundos textos, embora tenham sido produzidas no contexto da primeira relação social pelo uso

da máquina fotográfica. O texto sonoro gravado em áudio ou transcrito no caderno de campo

produzido pelos fraternos sobre o corpo e o texto visual sobre o caporal – que será desenvolvido

em outra parte – são trazidos aqui não para reviver aquele momento passado, mas para dar conta

de significados que possuem um contexto de produção e estão ligadas a formas de expressão

corporal. Ou sendo esta expressão corporal. Tratar a escrita enquanto texto, portanto, significa

reconhecer seus limites de dizer ou significar, desta maneira a fotografia junto com a escrita são

instrumentos de comunicação a fim de dar conta de outro estilo de expressar e de viver o mundo

social.

Assim se os trajes e o ato de expressão corporal utilizam-se de “Signos” e “Sinais

Diacríticos” (CUNHA, 1986), como veremos mais à frente, a fotografia se torna um recurso visual

e sistema simbólico de pensamento para falar sobre. Isto vale para as fotos do pesquisador quanto

as fotos produzidas pela mídia migrante e os fraternos que procuram expressar referentes culturais

utilizados em meio a produção de sentimentos e de reconhecimento sociocultural. Os signos visuais

inter-relacionam-se aos signos e sinais que compõem o caporal não como um reprodutor, mas

reinterpretação “[...] eficaz no estudo das relações sociais em que os indivíduos se definem por

meio da linguagem gestual [...]” (GURAN, 2000, p.157).

A fotografia aqui permite interpretar olhares, expressões faciais, mímicas, gestos,

movimentos, etc., aparentemente “naturais” das relações sociais, mas, que são socioculturais e

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historicamente constituído compondo o mundo sensível da reinvenção da tradição. Segundo

Pinheiro Koury (1998, p.67) a fotografia para quem vê é um “[...] retorno ao passado, a um tempo

e a um espaço que já não existem, palco da memória do autor no momento de sua composição.

Palco, também, de uma memória social presa, ou melhor, prisioneira da representação fotográfica,

fina no solo que a revela[...]”. Contudo, ainda que reconheçamos o aspecto da produção de

subjetividade por parte do leitor no ato de leitura de uma foto não é este o caminho que iremos

explorar.

Não queremos limitar a experiência do leitor sobre as imagens aqui afirmando ‘estas

imagens só podem ser lidas assim’ ou só é válido a reinterpretação do escritor, mas ampliar a

reflexão indicando ao leitor, seja ele brasileiro, ou imigrante, que há outros aspectos que envolvem

a mesma imagem que está para além do que ela mostra, embora o que mostra é de suma

importância.

Reconhecemos a crítica dos problemas que envolvem o lugar da foto como apêndice

do texto no sentido de que a imagem pode recair na lógica do realismo fotográfico, como se ela

provasse o que se viu em campo, contudo realçamos a perspectiva de que tem “[...] contribuído

significativamente para a antropologia na documentação de aspectos visuais da cultura cujas

características transcendem a capacidade de representação da linguagem escrita[...]”

(BITTENCOURT, 1998, p.198); uma das vias pelas quais a imagem está neste texto é por categoria

de “narrativa visual” (BITTENCOURT, 1998, p.1999) que informaria o relato etnográfico e “[...]

mais do que representar fatos visíveis, tais imagens acrescentam outros meios de representação á

descrição etnográfica[...]”.

Por isto, retornamos a proposição do resumo desta tese na medida em que intentamos

elucidar, trazer a luz, jogar luz ou focalizar a corporalidade de comunicações não verbais, conforme

Bittencourt (1998, p.1999):

[...] tais como um olhar, um sentimento, um sistema de atitudes, assim como mensagens

de expressões corporais, faciais (...) Imagens fotográficas retrata a história visual de uma

sociedade, documentam situações, estilos de vida, gestos, atores sociais e rituais, e

aprofundam a compreensão da cultura material, sua iconografia e suas transformações ao

longo do tempo.

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Neste caso, o corpo fotográfico das fotos tem um caráter reflexivo e serão tratados

como um “inventário visual” (BITTENCOURT, 1998, p.203), reorganizado a partir do seu

contexto. Está divido em 5 (cinco) conjuntos:

1) Fotos produzidas pelo pesquisador: este conjunto é o resultado de um “processo

progressivo de aproximação” (GALANO, 1998, p.176) com os imigrantes e no

desenrolar da experiencia de campo para familiarizar-nos simultaneamente “para

descobrir” (GURAN, 2000, p.156) a corporalidade. Dividem-se em:

a) conjunto inicial de aproximação ou de “exploração fotográfica” (GALANO, 1998,

p.182), utilizadas no texto “para contar” (GURAN, 2000, p.156) aspectos e situações vivenciados.

São fotos da 18ª festa do Museu da Imigração em São Paulo de seus bastidores e da apresentação

da Fraternidade San Simon. Fotos da apresentação preparada no Memorial da América Latina e

na Praça Kantuta. Fotos da festa de agosto de 2013 no Memorial da América Latina. Festa de La

Madre boliviana na Praça Kantuta. Do ato cívico na festa do Memorial da América Latina no

mesmo ano. De uma novena das cholitas em julho. De evento na rua Coimbra em dezembro de

2013. E ainda, fotos da 7ª e 8ª Marcha dos Imigrantes em São Paulo, fotos de ensaios no ano de

2013 da fraternidade San Simon.

b) conjunto fruto de 12 fotos que se destacam e retratam a festa de agosto de 2013 ocorrida

no Memorial da América Latina adotadas como mediação de interlocução com os imigrantes no

contexto das entrevistas com William, Alex, Evandro, Miguel, Jessica e Marcela.

Nossa intenção com estas fotos nesta relação em específico era tematizar o traje

daquele ano e, aí, verificar a reinvenção do folclore e da reconstrução da identidade no contexto da

festa, em específico, e do processo mais amplo de produção do traje. Em seguida, a partir de duas

fotos que mostravam a concentração, a troca de palavras, abraços e carinho, procuramos aprofundar

o tema da expressão de sentimento de pertença, amizade, os sentimentos envolvidos na construção

da fraternidade, o vínculo social e o que significava gostar de dançar o caporal boliviano para os

(as) entrevistados (as) e o que supunham que outros fraternos interpretavam de boliviano gosta é

de dançar. Enquanto viam e interpretavam-nas, as fotos, buscava compreender o por que se

emocionavam – já que durante as apresentações foi comum apresentarem tensão ou chorarem -

quando se apresentavam, buscava compreender o de por que destes abraços, palavras, gestos.

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Este conjunto de fotos foram produzidas no contexto em que os migrantes propuseram

para que o pesquisador atuasse como o fotógrafo da fraternidade durante a apresentação no

Memorial da América Latina, acompanhando a fraternidade durante a apresentação, entregando

água e registrando. Por eventualidade não pude ocupar este lugar no ato da dança, mas os

imigrantes que não dançaram forneceram outro lugar, o de espectador como fraterno e foi neste dia

que tive acesso a locais que somente os envolvidos com a San Simon possuiam. O reconhecimento

nesta posição foi expresso quando recebi uma camiseta da fraternidade no dia para poder acessar

estas fronteiras simbólicas.

A ideia de Pinheiro Koury (1998, p.68) de que o ato de leitura da foto é uma experiência

de memória e de produção de sentimentos no presente em que se vê, recriando neste instante

histórias, recriando-se neste instante reconhecimento, no leitor. Ou dando a conhecer algo que não

se conhecia, ou se passava despercebido no cotidiano, e, no caso dos imigrantes, tratava-se da

desatenção ao ato de dançar, ao ato de expressões como abraços, por exemplo, entre fraternos e

fraternas. Tem relação com as práticas das relações que constituem seu corpo, seu reconhecimento

sociocultural e sua identidade significando que:

A experiência do olhar do observador recolhe na foto material para o trabalho da

imaginação. Sempre pessoal e social, esse trabalho conota expressões culturais que

objetivam relacionar a imagem revelada a um tempo e a um espaço específico, ou

especificamente humano (PINHERO KOURY, 1998, p.71).

A produção de memória durante o olhar a fotografia diante do pesquisador foi

trabalhada a partir noção de experiência do olhar a fotografia a qual constituiu reinterpretação do

método de “percurso da memória visual” de Fabiana Bruno (2007, p.64-72). Trata-se de relacionar

o olhar fotografias (visualidade) aos depoimentos (verbalidade) sobre as fotos visualizadas. Esta

reinterpretação, em específico, ocorreu a luz da existência daquilo que Barthes (1984) denominou

de duplo interesse na recepção da imagem: o “punctum” e o “studium”. Estes dois interesses

significam que o conhecimento sobre a imagem possui uma dimensão subjetiva e arbitrária. Todo

interesse “punctum” é um “interesse intuitivo por um detalhe” (BARTHES, 1984), um estalo ou

latência por algo distinto na imagem, enquanto o interesse “studium” é um interesse por figuras,

caras, gestos e cenários.

Tal ato é uma atividade do spectator – neste caso os fraternos e o pesquisador -, fornece

a etnografia da fotográfica. Embora nosso objetivo não era compreender a memória que guardavam

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e traçavam sobre sua experiência, conforme a autora, a partir desta reinterpretação, este método,

buscamos compreender a sua experiência do ato de dançar e os sentimentos partilhados neste

momento, especialmente, expressos nas festas que precederam a festa de agosto e a própria festa.

O olhar era menos dirigido do que propunha a autora embora tratássemos as imagens enquanto

produtoras de pensamentos associativos distintos, formas singulares e complementares de

comunicação, veículos de pensamentos e ideias, conforme a autora sugeria.

2) Fotos produzidas pelos fraternos com a câmara do pesquisador.

Este conjunto são fotos que tem como referente a 18ª festa do imigrante no Museu da

Imigração em São Paulo. Durante a dança Reinaldo solicitou-me que registrasse aos dançarinos e

dançarinas de ângulo aproximado da fraternidade pela lateral do palco aonde era possível ver toda

a agrupação e não por detrás como estava registrando. A partir daí o próprio passou a utilizar a

câmera concedida após sua solicitação. As fotos que se referem à gestualidade do corpo e sua

relação com o palco expressam o olhar do pesquisador, uma vez que refletiam interesse na

descrição da performance. As fotos que descrevem mulheres e os seus sorrisos foram produzidas

por Reinaldo com a mesma câmera e procuram retratar o que a fraternidade significa por beleza da

mulher boliviana.

3) Fotos produzidas pelos migrantes presente na página de facebook Caporales San Simon-

SP Brasil.

4) Fotos produzidas pela Mídia Bolívia Cultural e presente nas páginas de facebook ou no

Blog Bolívia Cultural.

Estes dois conjuntos podem ser vistos como relatos visuais sobre o reconhecimento, o

pertencimento e a identidade corpo. As fotos seriam a via visual do gosto sociocultural por dançar

o caporal. São fotos de bastidores da gravação da novela Amor à Vida onde integrantes da San

Simon estiveram presentes. Fotos da presença de integrantes durante eleição de guias de tropa na

Praça Kantuta. Fotos da 07ª e 8ª Marcha dos migrantes. Fotos de passeatas – protestos dos

imigrantes bolivianos em 2013.

5) Fotos produzidas por outros pesquisadores ou imigrantes – este corpus é mais flexível e

aleatório.

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Particularmente o conjunto anterior (quarto), e este (quinto), são exemplos de

comunicação visual de uma coletividade que expressam estilos de vida e gestualidades ainda que

produzida por diferentes atores imigrantes ou não imigrantes. Talvez por este mesmo contexto de

visibilidade sobre a imigração as fotos trazem visões de mundo sobre o corpo e de dizer corporal

destes diferentes atores e as relações nas quais estão inseridos. Trata-se de um caso de fotografia

“etique” (GURAN, 2000) em que é assumida e produzida pelos atores e refere-se, enquanto objeto

de estudo, ao imaginário visual que os imigrantes fazem de si próprios, ou que os\as brasileiros (as)

fazem dele. São fotos de pesquisadores como Patrícia Villen e Ana Maria.

Todas as fotos utilizadas nesta dissertação têm autorização de uso. As fotos retiradas

de sites de internet estão devidamente reconhecidas a autoria. Para todos os casos há o sentido

semelhante do qual partimos: a noção do corpo como comunicação, portanto, as fotos têm como

referência um corpo que deseja ser mostrado são formas de linguagem falando sobre outra

linguagem.

1.5 - Pesquisas com e sobre Mídia

Outra fonte online além de ser importante ator de produção de significados sobre as

danças e as fraternidades foi o site18 Bolívia Cultural.

Tem trajetória particular dentro da crescente mídia migrante. Autodenomina-se rede

de comunicação boliviana mais completa do Brasil no segmento, conforme os guias impressos

entregue a população. Um de seus objetivos é usar a “força da comunicação para promover cultura

boliviana no país”. Para isto, utilizam-se da web, destes guias impressos, facebook, blog, etc. Não

é nada incomum encontrar algum de seus representantes em locais, debates, cursos, eventos e

festividades que contenham e envolvam a presença de migrantes bolivianos para fazer cobertura

de alguns acontecimentos e depois transforma-los em matéria jornalística voltada a população.

A atuação desta mídia é de conhecimento dos imigrantes envolvidos com as

fraternidades como podemos verificar nesta conversa entre o pesquisador, Marcela e Jessica, acerca

de suas relações com a página de internet e com integrantes do Bolívia Cultural na prática comum

de serem visibilizadas pela mídia:

18 BOLÍVIA CULTURAL. São Paulo, Janeiro de 2015.

Disponível em: << http://www.boliviacultural.com.br/>>. Acesso.15/01/2015.

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[...] M: É então Bolívia Cultural ele muda um pouco. Ele propaga evento, sabe. Eu achei

a ideia ótima. Porque não tinha... é o único... e eu falei com o (representante)... que

inventou isso né (...) E ele falou pra mim é... porque você não publica artigos... sobre o

Brian, porque ele tinha acesso direto, né com a família e tinha repórteres que não podiam

entrar, teve dificuldades e ele tinha acesso fácil ele podia fazer uma reportagem exclusiva,

né. “Falaram pra mim, vai faz, e eu falei não, eu não vou fazer isso, a pessoa ta sofrendo.

E eu vou propagar... eu quero propagar o lado bom da Bolívia”, falou assim que não tem

só desgraça, que não é só escravidão que não é só costureiro. Tem eventos, tem feiras,

tem comidas tem danças. Eu acho que a ideia dele é ótima. Não tinha, eu acho muito bom.

Aí o pessoal com o tempo vai conhecendo, vai gostando. J: Aaa sim. \ J: Eu sempre olho.

\ M: No facebook aparece né. \ J: É. A notificação né. \ M: Aí eu quero ver minhas fotos

também que eu \ aparece, né (risos). Olha mãe, olha eu. \ J: Quando a gente faz alguma

dança em algum evento, toda hora fica indo lá ver. \ M: Ai meu Deus posta logo. \ J:

Nossa, ele também não filtra viu as fotos. \ M: (rindo). \ J: Não, cada foto minha que...

nossa! \ J: Nossa, eu tenho umas fotos horríveis que eu tô tipo assim com um sorriso muito

grande, olho fechado, muito feio, e ele coloca (risos). \ M: É... (risos) Mas é, ta valendo,

apareceu [...].(Entrevista Jessica e Marcela, Escola Prudente de Moraes 27/10/2013).

Mantivemos o bate papo gravado com as integrantes da forma como pudermos registrá-

lo para não perdermos o contexto da fala, nem sua dinâmica. Na entrevista com Jessica houve

acréscimos de Marcela e a partir da empatia entre as duas a forma de relação das integrantes com

a mídia e o papel ativo desta em criar outra imagem sobre os imigrantes. A entrevista se refere

também ao caso do jovem assassinado em um assalto a uma oficina e que se tornou em 2013 um

estopim de atos e manifestações. Tanto o acontecimento quanto as manifestações foram registradas

e noticiadas pelo Bolívia Cultural. A conversa com as jovens faz emergir a posição de um dos

representantes e idealizador da mídia sendo este um ativista cultural mobilizado na cidade para

construir outra imagem que não seja o trágico, noticiando questões do cotidiano, dificuldades na

vida e as práticas que envolveriam as danças, a comensalidade, etc dos migrantes em geral e dos

bolivianos em especial.

Em relação a estes aspectos embora o portal interativo do Bolívia Cultural na internet

também divulgue atividades e eventos que envolvam outras nacionalidades latinas americanas.

Este site cobre com maior empenho acontecimentos que venham a ocorrer e que envolvam os

migrantes bolivianos na cidade fornecendo informação sobre violência contra os migrantes,

atendimentos jurídicos, as fraternidades e suas festas, saúde e trabalho, etc.

Seu alcance cresce, atualmente os idealizadores do Bolívia Cultural desenvolvem

parceria com o Jornal Folha de São Paulo através da página Los Hermanos19 – mobilizando alguma

19 LOS HERMANOS. Folha de São Paulo, online. São Paulo, maio de 2015. Disponível em:

<<http://www1.folha.uol.com.br/internacional/es/loshermanos/.>>. Acesso: 05/05/2015.

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forma de diálogo com a população local, ao menos, aquela interessada na vida dos migrantes na

cidade, e que lê jornal – e, neste caso, o conteúdo de notícias não se restringe aos bolivianos, mas

as comunidades como um todo, seja no noticiamento do que ocorre no Brasil, seja o que ocorre na

região latino-americana.

Com as informações advindas de matérias jornalística da página pude obter dados dos

locais, períodos onde e quando os imigrantes iriam realizar alguma exibição, permitindo-me

antecipar o planejamento da ida ao local onde os encontraria e estabeleceria algum diálogo, bem

como, mapear o ciclo de festa anual e os espaços institucionais (não só) comumente frequentados.

O registro fotográfico de suas publicações sobre tais momentos (geralmente públicos) foram

utilizados na pesquisa como descrição sobre o traje e verbalização visual sobre o folclore. As

matérias escritas serviram como relatos escritos sobre as festas, as danças e o próprio coletivo,

claro, procurando, relativizar seu olhar jornalístico.

Para tanto trabalharemos a partir da perspectiva de que há verbalizações orais, escritas

e visuais produzidas e veiculadas no espaço público e nas interações cotidianas, por esta mídia

migrante. A qual a partir de aí assume importante papel na construção de relatos públicos acerca

da alteridade migrante. A mídia desde aqui é pensada enquanto um ativista cultural

simultaneamente suas ações ocorrem junto a de outros ativistas culturais integrantes de

fraternidades e de protagonistas políticos envolvidos com movimentos sociais, ong´s e as

fraternidades. O espaço público onde se dá suas ações e as suas narrativas tornaram-se lugar social

de experiência.

Ativistas culturais e os protagonistas políticos, através de recursos discursivos próprios,

tem em comum a busca pelo pertencimento público (1999, SOUSA apud COGO 2006, p.35) e o

bem comum através de práticas gestadas a partir da mídia no contexto da fragmentação social e

centralização dos processos de exclusão social, conforme Cogo (2006). Neste contexto realizam

gestão de sua mídia para finalidade de visibilidade e reivindicação cidadã entre os imigrantes.

Circunscrevendo de um modo não subalterno, nem preconceituoso, a identidade social

dos imigrantes, mobilizando-se, aliás, para circunscreve-la sob a categoria de inclusão social,

justamente, em processo migratório marcado pela realidade da subalternidade, os ativistas culturais

buscam o pertencimento público dos migrantes e as fraternidades, desta forma, procuramos

tematizar tal dinâmica de agenciamento de conteúdo pois a “Comunicação Intercultural

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Mediatizada”, segundo Grimson (1999, apud COGO, 2006, p.29), são “eixos que se

complementam para a compreensão dos processos de interculturalidade gestadas nas dinâmicas de

interação dos imigrantes bolivianos com as mídias”, na sociedade de migração.

De acordo com o autor, discursos e atos jornalísticos devem ser: a) tratados como

práticas sócio-histórica inseridas em contextos determinados, os atores e b) participantes nessas

práticas assumem na pesquisa a posição de sujeitos, estes sujeitos são ao mesmo tempo sujeitados

as condições históricas do processo migratório e agentes de produção histórica, de circulação e

consumo de textos de mídia, já os textos jornalístico são pensados aqui como c) textos jornalísticos

em torno dos quais se constroem as estratégias de midiatização das migrações contemporâneas.

Como acréscimo para darmos conta da complexidade do fenômeno reinterpretamos o

método da “tipologia” de Cogo (2006). Ao invés de buscar mais de um veículo, trabalharemos

somente com o Bolívia Cultural, devido as atuações e visibilidade que possui entre os imigrantes

e no espaço público onde se constrói a migração em São Paulo. Iremos conecta-lo aos outros

sujeitos do processo de migração mais amplo avaliando suas ações, seu imaginário textual e visual

na medida em que estão “fundados em matrizes culturais”. Este ator será o sujeito a partir do qual

observaremos as ações e relação política entre atores políticos e culturais. Isto ocorrerá avaliando-

se o conteúdo de suas notícias ao que se referem e quais estratégias utilizam à produção de

reinvenção da identidade e a visibilidade sobre a dança.

As notícias e as suas ações são, portanto, avaliadas como processo de produção ou de

construções midiáticas das migrações pela mídia. Seus dados são utilizados como fonte de

informação para a própria pesquisa pois, elaboram uma linguagem que tem referentes de

acontecimentos que envolvem os migrantes, são fonte de representação e significação.

Entendemos que a construção da visibilidade das migrações é agenciado pelo Bolívia

Cultural, especificamente, construindo as migrações na mídia segundo uma agenda de direitos

humanos, e, das festas, que emergem discursivamente como o referente de uma identidade

sociocultural. Desta forma, práticas de pertencimento público só podem ocorrer enquanto haver

intervenções dos atores imigrantes justamente para dar visibilidade a realidade migratória, porém,

de seu ponto de vista vem sendo pautado segundo a agenda da cidadania e da “cultura”.

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CAPÍTULO 2. A convivência dos imigrantes bolivianos.

2.1 – A presença boliviana em São Paulo

A imigração boliviana para São Paulo iniciou-se por volta dos anos 1950 e foi

protagonizada por profissionais liberais insatisfeitos com o quadro político do período na Bolívia,

conforme Freitas (2009; 2010; 2012). Ainda segundo a autora, nos anos 1980 aqueles que chegaram

no Brasil tinham o perfil de ex-trabalhadores rurais, das minas e das fábricas em falência devido à

crise estrutural no país de origem, sendo que muitos já tinham passado por um processo de

migração interno. Neste sentido, esses fluxos de imigração ocorrem por motivações laborais20.

Neste processo, para Freire (2008; 2009) e Azevedo (2005), esse deslocamento para a

cidade de São Paulo era um empreendimento imigratório de adultos e jovens, homens e mulheres,

alimentado pelas expectativas de crescimento pessoal e familiar, veiculadas ao longo dos anos 1980

e 90 por contratantes na Bolívia em nome de empregadores-, coreanos, inicialmente, depois

bolivianos-, nesta cidade. Nesse período, muitos saem de cidades como El Alto (uma cidade de

fronteira e imigração), passando por Corumbá, até chegar na capital paulista para trabalhar no ramo

têxtil, conforme constatou Peres (2009; 2012).

Os “Enclaves Étnicos” (SILVA; 1997) permitiram aos imigrantes criar, ao longo do

tempo, expectativas de pré-contratos de trabalho e moradia. Estes enclaves eram redes sociais entre

parentes, amigos e contratantes de trabalho em que se produziam e se compartilhavam

representações sociais de ascensão social no Brasil através do trabalho na confecção. Estas redes

também funcionavam como um facilitador de inserção da mão de obra nas oficinas por meio de

custeio da viagem até São Paulo, pelo contratante, estabelecido por um contrato informal, o qual

já configurava dívida a ser paga com a produção de roupas.

20 Tavares (2012) indica que o efeito “El Niño”, que ocorreu entre os anos 1982 e 1983, resultou em secas importantes

na região do altiplano – afetando os departamentos de Potossi, Oruro, Cochabamba e Chuquiasca que concentravam

74% da produção -, ocasionando a perda total no setor agrícola e pecuário, atingindo 80% da produção local. A crise

na atividade industrial e mineira impuseram políticas de localização no âmbito da Nova Política Econômica (NEP) –

implementadas em 1985 – somando em torno de 120 mil demissões, em 1988, e 150 mil em 1996 (cf. PEREIRA, 2004

apud TAVARES, 2012). Assim, pouco mais de 100 mil bolivianos, num país com cerca de 6 milhões de habitantes no

período, saíram anualmente de seus locais de origem entre 1987 e 1992, abandonando suas terras, famílias, bens

adquiridos, parentes, costumes, etc.

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Ao mesmo tempo em que se deram os pré-contratos de trabalho informais, implicando

as dívidas a serem pagas com a produção de roupas, ocorreram, também, o vínculo de moradia dos

imigrantes em São Paulo e em sua região metropolitana, próximo dos locais de trabalho,

mobilizadas através de “Redes de Parentesco” (XAVIER, 2012) e de “Compadrio” (XAVIER,

2012), promovendo a distribuição dos imigrantes conforme se inseriam neste setor.

Xavier (2012) mostra que a residência dos bolivianos (as), que iam chegando e

ocupando territórios na capital paulista e na grande São Paulo, tem relação uma qualitativa com

sua ocupação de postos de trabalho nas oficinas de costura21. Durante os anos 1980/90 com a

descentralização industrial e territorial da indústria têxtil do centro para as regiões periféricas e

metropolitanas, os imigrantes passam a residir nas áreas em que se encontram o local de trabalho.

Hoje muitas oficinas localizadas nessas regiões são de propriedade dos costureiros, muitos dos

quais de nacionalidade boliviana.

È importante considerar o papel das redes de parentes e a estratégia do “Compadrazgo”

(XAVIER, 2012), na qual o padrinho tem um papel central no deslocamento de muitos imigrantes

à cidade de São Paulo, pois contribui à empregabilidade e à acolhida dos recém-chegados por

contratantes, numa lógica que implica a ajuda mútua entre si, os quais são, muitas vezes, os próprios

familiares22. A lógica da ajuda mútua e da retribuição em forma de trabalho, exerceu uma

importante função de atenuador do estranhamento do processo de deslocamento e da inserção do

imigrante em outra sociedade, no caso, uma “Inserção Territorial Urbana” (XAVIER, 2012,

21 A autora, partindo de dados do IBGE (2002), mostra que os imigrantes residiam nos bairros centrais (27,2%), em

bairros afastados do centro e localizados na Zona Norte (26,4%) e na Zona Leste (19,6%), localizando-se, também,

em 82 dos 96 distritos da capital paulista, em 23 municípios dos 39 que compõem a Região Metropolitana de São

Paulo. No Estado de São Paulo em 2000 “residiam 50,1%” (cf. Xavier, 2012, p.117) dos bolivianos. No mesmo

período, residiam 44% na RMSP e 38% na cidade de São Paulo, segundo uma totalidade de 8.910 pessoas registradas

do Censo de 2000. Segundo dados do IBGE, dessa população residente: 20,6% dos bolivianos habitam de 0 a 3 anos

na UF de São Paulo; 25% de 4 a 9 anos; 16,8% de 10 a 14 anos; 14,4%, de 15 a 24 anos e 23,2% há mais de 25 anos.

Já em termos de ocupação profissional, por exemplo, 43% dos bolivianos que vivem na região metropolitana de São

Paulo, estão no setor de confecção. Além disso, 38% são operadores de máquinas e 8,6% são médicos e dentistas (cf.

XAVIER, 2012, p.117). 22 Xavier (2012) compreende que o trabalho e a moradia foram, conjuntamente, mobilizados pelos bolivianos durante

o processo imigratório, motivo pelo qual há uma relação entre o local de trabalho e residência, e vice-versa, uma vez

que solucionar a empregabilidade significava solucionar os custos da moradia no novo local de vida e sociabilidade.

Xavier (2012, p.133) entende que: “Com isso, não é necessário o pagamento de transporte, por exemplo, e os gastos

com alimentação, que fazem parte dos pequenos salários dos costureiros, são diminuídos com a comida feita em casa

e dividida entre todos.”. Este aspecto relaciona-se com a produção de identidade do migrante, a qual, não é construída

só em função da relação com a alteridade nativa do país receptor, mas se perfaz entre origem e destino, entre espaços,

fronteiras, territórios circulatórios.

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p.2012). No entanto, poderia ser a própria fonte de constrangimento no acesso à cidade, limitando

as possibilidades dos imigrantes.

Azevedo & Cacciamali (2005) descrevem que o contrato de trabalho, geralmente,

informal, pautava-se em uma relação de fidelidade forçada entre o agenciador\empreiteiro e o

contratado. A remuneração por peça totalizava um salário hora de valor baixo, com uma jornada

que atingia de 16 a 18 horas. Silva (2012) indica que os salários variariam com o tipo de costura, a

habilidade do trabalhador e seu gênero. No início um aprendiz poderia ganhar de R$150,00 a

R$200,00, numa fase posterior de R$350,00 a R$400,00, a despeito do piso salarial da categoria

fosse (à época) R$659,00:

O tipo de roupa confeccionada pelas pequenas oficinas de costura são em geral femininas

e variam de acordo com a estação do ano. Temos, portanto, uma variada gama de

modalidades de peças, como blusas, saias, regatas, calças, etc. algumas oficinas costuram

também peças infantis e masculinas, como camisas, jaquetas e bermudas. Essas roupas

são destinadas a um público consumidor de renda média-baixa e são vendidas em lojas,

bem como alguns shopping centers da cidade (SILVA, 1997, p.135).

Muitos migrantes já tinham a experiência da costura no país de origem, porém, outros

aprenderam o oficio em São Paulo. Para Silva (1997) neste sistema o trabalhador custa o quanto

ele pode produzir. Uma vez que não há regularização da produção, implicando um salário mínimo

mensal, controle de salubridade, etc, ao trabalhador da oficina resta a produtividade diária como

garantida de renda. Um sistema gerido pela ordem, onde tanto o salário do trabalhador quanto o

lucro do empregador dependem da capacidade de produção do primeiro. Nesta medida quanto mais

se trabalhar (tempo) maior a produtividade, o salário e o lucro. Não é incomum, por isto, atividade

produtiva funcionar aos fins de semanas, ultrapassando 12 horas diárias.

A precariedade das condições de trabalho e a terceirização alimentam problemas

decorridos da competitividade entre aqueles que se encontram nos piores postos da cadeia

produtiva: as oficinas e os oficineiros. Tal face da realidade vem à tona quando Maria, brasileira,

adulta, imigrante nordestina, dona de uma pequena oficina onde atuava como costureira, na qual,

trabalhavam imigrantes bolivianos (as), relata como vê a relação de competitividade na venda da

força de trabalho das oficinas:

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“[...] A confecção é uma máfia... é cada um por si deus por todos. Quem está de fora não

entende como funciona a política que gira em torno das oficinas [...]”23(Entrevista com

Maria, confecção na Zona Leste, 01/2011)

No período em que conversamos ocorriam investigações do Ministério do Trabalho,

pressionado politicamente pela mídia, por movimentos sociais e Ong´s. Por este motivo

intensificou-se as investigações e punição24 sobre as relações de contrato entre oficinas e redes

varejistas25 que, contratavam seus serviços e descumpriam a Lei trabalhista brasileira26. Muitas

redes varejistas tais como “Daslu”, “Renner” e “C & A” – para as quais a entrevistada já produziu

– caíram na malha fina e foram processadas. Esta era a estratégia que o poder público havia

encontrado para “punir”, conforme narra a costureira brasileira, oficinas e varejistas. Naquele

período, o salário-peça era de R$0,80 (oitenta centavos), com raras exceções de oficinas que

podiam pagar entre 2 (dois) ou 3 (três) reais para um costureiro - valor que, por sua vez, dependia

do valor-peça negociado com a rede varejista contratante.

Segundo Maria, o oficineiro que desejava manter-se no ramo, seja como empregador

ou empregado – como era o caso de muitos imigrantes bolivianos donos de oficinas - deveria estar

ciente das mudanças ocorridas a partir de então. Passava-se a ser necessária a apresentação de um

“currículo” do oficineiro e da oficina para as empresas, como condição para contratação da

prestação de serviços. Este currículo seria uma descrição da situação da oficina – ou seja, deveria

mostrar se contratava mão de obra irregular, se era produtiva, pra quem já produziu, se estava

23 Esta entrevista ocorreu no mês de janeiro de 2011. À época, Maria detinha o cargo de dona das máquinas de costura,

trabalhava como costureira, e também pagava o trabalho de mais dois imigrantes bolivianos e uma imigrante boliviana

a qual tinha um filho pequeno. Brasileiras também trabalhavam na oficina que se localizava na Zona Leste de São

Paulo. 24 JUSBRASIL. Governador de São Paulo assina decreto que cassa registro do ICMS de empresas flagradas com

trabalho escravo. Associação Nacional dos procuradores do Trabalho, São Paulo. Publicado em 13/05/2013.

Disponível em: << http://anpt.jusbrasil.com.br/noticias/100517544/governador-de-sp-assina-decreto-que-cassa-

registro-icms-de-empresas-flagradas-com-trabalho-escravo>>. 27/03/2015. 14h41. 25 JUSBRASIL. Governador de São Paulo assina no TRF3 decretos para combater o trabalho escravo. Tribunal

Regional Federal 3ª Região, São Paulo. Publicado 13/05/2013. Disponível em:<< http://trf-

3.jusbrasil.com.br/noticias/100512691/governador-de-sao-paulo-assina-no-trf3-decretos-para-combater-trabalho-

escravo>>. Acesso: 27/03/2015.14h50. 26 Para evitar dúvidas sobre as contradições deste processo, basta ver que foi aprovada pelo Governador do Estado de

São Paulo, na gestão de Geraldo Alckmin (PSDB-SP), uma lei que tenta regularizar contratações deste tipo. No entanto,

a questão de fundo dessa lei é a preocupação em estabelecer uma regularização para que as empresas possam competir

em pé de igualdade no mercado.

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regular juridicamente, quantos empregados e máquinas possuía. De qualquer modo, nesta relação,

o lado mais fraco continuava sem poder de mando27.

Portanto, a despeito do positivo cerco que o Ministério do Trabalho estabelecia, não

houve mudanças, segundo relata Maria. Na lógica dos negócios no setor têxtil e nas relações

contratuais entre oficinas e as redes varejistas continuava a prevalecer a fomentação da

competitividade, para os trabalhadores imigrantes e também para os brasileiros, devido ao sistema

produtivo orientado pelo pagamento por peça.

Para compreender, no entanto, esta delicada questão da irregularidade nas relações de

trabalho nas oficinas e das redes varejistas e como está relacionada ao processo imigratório

boliviano recente, Freire (2008) descreve que o crescimento do setor de vestuário e das confecções

de costura em São Paulo ‘coincidem’ com esta imigração à cidade. Quando as produções de roupas

das empresas confeccionistas do Brás e do Bom Retiro rompem sua concentração, diminuindo sua

planta industrial, a criação, a modelagem e o corte de tecidos passam a serem feitos pelas oficinas,

enquanto a comercialização passa a mão das empresas ou redes de vestuário. Trata-se de uma

terceirização na gestão da mão de obra28. As oficinas passaram a prestar serviço de produção

conforme as tendências da moda, sendo contratada pela grande indústria, e posteriormente por

grandes redes de venda de roupas29.

A manutenção dos trabalhadores, descreve Freire (2008), conformava esta imbricação

produtiva, utilizando-se de relações de poder através: a) do endividamento (quando ocorre o custeio

27 O ponto de vista de Maria deve ser acrescido do fato de que há uma competividade entre oficinas, que se dá em

torno da relação entre o formal e o informal. O formal e o informal são o resultado de uma divisão internacional do

trabalho, de sua estrutura concentrada do mercado e da distribuição de renda (cf. PIRES,1993 p.08 apud SILVA,1997,

p.116-117), uma vez que muitas empresas dos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, para competirem

internacionalmente, requerem o uso de mão de obra não qualificada e barata, burlando o sistema formal (das leis

trabalhistas, por exemplo), pressionando toda a cadeia para atuar desta maneira, reduzindo, com isto, os custos na

produção e aumentando a produtividade e a própria concentração de capital. 28 A confecção pode ser vista como o setor terciário e este deve ser entendido como aquele que engloba “atividades

extremamente heterogêneas, incluindo setores de alta tecnologia, simples estabelecimentos de prestação de serviços

ou mesmo uma gama de atividades executadas por pessoas sem que estejam necessariamente ligadas a

estabelecimentos. Essas atividades constituem-se em serviços prestadas a unidades produtivas, consumidores ou ás

próprias unidades prestadoras de serviços” (cf. SAEDE, 1992, p.95 apud SLVA,1997, p.126). 29 Sobre a relação entre grandes redes varejistas e trabalho precário ver: PYL, Bianca e HASHIZUME, Maurício.

Roupas da Zara são fabricadas com mão de obra escrava.. Repórter Brasil, São Paulo, publicado em 16/08/2011.

Disponível em: <<http://reporterbrasil.org.br/2011/08/roupas-da-zara-sao-fabricadas-com-mao-de-obra-escrava/>>.

Acesso: 16/08/2011:23-55. HASHIZUME, Maurício. Escravidão é flagrada em oficina de costura ligada a Marisa.

Repórter Brasil, São Paulo, publicado 17/03/2010. Disponível em: <<http://reporterbrasil.org.br/2010/03/escravidao-

e-flagrada-em-oficina-de-costura-ligada-a-marisa/>>. Acesso em: 17/03/2010:11h47.

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da viagem do trabalhador da Bolívia até ao Brasil); b) Irregularidade civil (não cidadania do

trabalhador) estrategicamente utilizada como modo de impor medo - pois, se descoberto como

irregular o migrante é extraditado; c) Estatuto do Estrangeiro – condição que restringe direitos aos

imigrantes e ainda trata-os como um problema de segurança pública.

No entanto, o ramo da costura não pode ser visto como um “nicho étnico”

(SOUCHAUD, 2012), ou seja, ao contrário do que é comumente difundido pelo senso comum, ou

pela mídia, não é um lugar de predomínio de trabalhadores bolivianos imigrantes. Ou o contrário,

de que estes só ocupam este ramo de trabalho. É preciso considerar que embora sua entrada no

espaço da cidade, em sua grande maioria tenha sido no setor de das confecções, os imigrantes

ocuparam outras atividades econômicas na indústria, transformação, comércio e saúde.

Silva (2007) ressalta que estes (as) imigrantes são um grupo social heterogêneo cultural

e etnicamente. Ainda que, no contexto brasileiro, a sociedade local, através de vários recursos de

produção de imaginário e representação, como veremos a frente, venha a narrar a alteridade

imigrante sob o recorte de serem simplesmente “o boliviano”, com toda a carga negativa que esta

identidade carrega, é necessário considerar que além da grande maioria de costureiros (as), há os

profissionais liberais, os pequenos empresários. Em termos de língua, além do espanhol, é preciso

considerar que, na Bolívia, fala-se idiomas de origem indígena, a Quéchua e a Aimará. Do ponto

de vista étnico há a divisão entre Collas – denominação atribuída à quem vem da região do

Altiplano - e Camba - atributo à quem é oriundo do Oriente boliviano30. Bem como, há as

identificações regionais e, diante dos brasileiros, nacional31.

Segundo Tavares (2012, p.161-162), hoje, percebe-se bolivianos (as) donos de oficinas,

na medida em que cresce e, consolida-se na cidade, emergem outros tipos de empreendimentos de

30 Esta divisão envolveria questões econômicas, sociais, raciais, estando relacionada ainda a herança da escravidão na

região. Os collas se identificariam com descendentes de espanhóis e os cambas com andinos. 31 Em relação a este aspecto que desenvolveremos mais a frente, cabe adiantar que Silva (2007) e Grimson (1999),

indicam que, no processo imigratório e de reconstrução de identidades dos bolivianos (as) em São Paulo, para o caso

do primeiro autor, e Buenos Aires, para o caso do segundo, há a “produção de sentimento de pertença a uma “origem

comum”” (SILVA, 2007, p.126), sendo as festas e as celebrações estrategicamente reconstruídas e explicitadas para

este fim. Talvez a única diferença entre São Paulo e Buenos Aires, ressalta Silva (2007), é o fato de que, em São Paulo,

manifestaram a identidade regional e étnica – o que contribui à demarcação por interesses específicos conforme as

diferenças socioculturais de cada grupo dentro da comunidade como um todo – enquanto na Argentina, as identidades

regionais e étnicas são circunscritas nas festas religiosas uma vez que todos são mais abertamente hostilizados,

identificados como “villeros” (aqueles que vivem nos bairros afastados). Em São Paulo haveria, a seu ver, mais

manifestações regionalizadas inclusive no âmbito religioso.

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propriedade dos (as) imigrantes como estabelecimentos comerciais (restaurantes, pequenos

mercados, armazéns, cabeleireiros, etc), pontos de venda ambulante (para a comercialização de

produtos como comida, CDs, DVDs, cartões telefônicos, etc), serviços de transporte, serviço de

comunicação, oficiais ou clandestinos, conectando-os as cidades de origem, transmitindo

informações sobre serviços de saúde, educação lazer e trabalho.

A presença boliviana em São Paulo, segundo Silva (2007), tornou-se expressiva nos

últimos anos e isto tem a ver com a entrada de trabalhadores (as) que buscaram empregar-se nas

pequenas oficinas de costura na condição de indocumentados ou clandestinamente. E com o passar

do tempo, com o crescimento da comunidade e a sua consolidação é possível observar a construção

de uma “Luta pelo Reconhecimento Social da Diferença” (SILVA, 2007, p.129) e o “Processo de

(Re) Construção das Identidades” (SILVA, 2007, p.130).

2.2 - A (re) construção das identidades e a visibilidade sobre a fraternidade e o

folclore.

Em seu processo migratório e de permanência na cidade de São Paulo, os bolivianos e

seus descendentes são convidados a situar-se em uma megalópole que cria dificuldades de vida a

todos que nela se encontram. Não é tão simples e fácil residir e viver na metrópole paulista uma

vez que a mesma é custosa; além disto é um privilégio ter tempo para desfrutar do seu espaço social

e cultural. Do mesmo modo ocorre com o acesso a serviços básicos e públicos, como o de saúde,

transporte, segurança e trabalho. Viver nessa cidade significa lidar com a precariedade dos mesmos,

fato que atinge cotidianamente a todos (as) cidadãos (ãs) com baixa renda. Contraditoriamente, a

mesma cidade tem uma oferta de estrutura e de trabalho muitas vezes superior a outras do país e

até á região Latino-Americana. Motivo pelo qual não só os bolivianos, mas muitos outros

estrangeiros e brasileiros continuam desejando viver neste espaço.

Os imigrantes recentemente migrados ou já residentes neste tecido social e urbano não

estão aquém destas dificuldades e vantagens. Ao contrário devem lidar, talvez de modo mais

trágico que a população pobre, operária e mesmo a classe média, que também é alvo, tanto com as

violências físicas e simbólicas, que atingem a todos, uns mais que outros, conduzidas, muitas vezes,

por parte da própria sociedade local, por suas instituições e a mídia, e com um discurso

preconceituoso sobre sua posição social, cultural e civil.

Portanto, a presença imigrante, como ressalta Silva (2007) não pode mais passar

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despercebida pela sociedade local, sendo amplamente visualizada em diversos locais públicos, com

especial atenção aos que têm grande presença de comércio, festa e aglutinação de pessoas, como a

praça do Pari ou a Rua Coimbra – local de expressão religiosa, de consumo de alimentos e mesmo

de busca por emprego em oficinas uma vez que é uma referência para oferta de emprego na área.

Esta presença e permanência têm produzido outra experiência e uma redefinição da identidade

coletiva:

No caso, dos imigrantes em questão o que se observa é que, na medida em que o grupo se

organiza na cidade e amplia os seus vínculos com a pátria mãe, através de investimentos,

comércio de produtos e viagens para passar férias, o sonho de retorno definitivo passa a

ser uma possibilidade cada vez mais remota para os mesmos, que apostam tudo no futuro

de seus filhos. Nesse sentido, tal sonho passa a ser uma realidade tangível na medida em

que eles conseguirem enviar pelo menos um de seus filhos para cursar uma faculdade no

país de origem. E para mantê-los lá é preciso permanecer aqui, sempre um pouco mais, já

que a tendência parece ser a transformação do provisório em permanente (SILVA, 2007,

p.133).

Esta perspectiva de permanência e de um projeto de vida para a família, ainda que

relacionada com o retorno, que é sempre adiado, junto à inserção laboral, significa que os

imigrantes são atores do processo imigratório, pois se apropriam do espaço e do tempo da capital

paulista. Além disto, são convocados a encarar uma realidade permeada de desafios que, influindo

em seus objetivos e vontades, pois a cidade e a sociedade paulistana não estão tão dispostas a

recebê-los e mantê-los permanentes. Isto fica evidente pelo fato de serem alocados como o ‘outro’,

como o diferente, os ‘imigrantes’, quer dizer, a sua presença no espaço público – e a conquista de

espaços – não é fruto da cordialidade ou da tolerância na sociedade de chegada: “[...] é sabido que

além do desafio da sobrevivência, estes imigrantes são obrigados a enfrentar um dissimulado

processo de estigmatização social, o qual se apresenta matizado sob várias formas (SILVA, 2007,

p.131)”.

Neste mesmo processo, configuram-se, pouco a pouco, ações conjuntas de instituições

sociopolíticas, de cidadãos locais e imigrantes, em diversos espaços. Tais ações e espaços, não se

destinam somente ao desenvolvimento de atendimento jurídico, por exemplo, ou informar à

população imigrante sobre o que ocorre na cidade. Vem sendo construída uma articulação para

visibiliza-los diante da sociedade local, desconstruir imaginários preconceituosos e reivindicar

direitos sócio políticos, cuja falta contribui à sua subalternização.

Com o intuito de realizar modificações no status social e civil do imigrante, alguns

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protagonistas têm realizado interferências, inclusive, através do poder público ou para ele, com a

finalidade de modificar leis, efetivarem novas políticas públicas que garantam a qualidade de vida,

a partir da perspectiva dos direitos sociais, políticos, culturais e humanos. Estas ações de

reivindicação de direitos correspondente à práticas de visibilidade dos imigrantes nos seus aspectos

artístico.

Segundo Jardim (2013), é identificável no processo migratório e de refugio, atual,

agentes ou “Protagonistas” (JARDIM, 2013), envolvidos com os imigrantes, que a anos pressionam

os governos Municipal, Estadual e Federal para o reconhecimento e a efetivação de políticas de

direitos humanos voltadas a esta população. Ao mesmo tempo, estes protagonistas vão produzindo

uma visibilidade segundo certos consensos e significados acerca dos direitos humanos, da arte e de

suas próprias bandeiras de luta.

Portanto, a construção da visibilidade de imigrantes em São Paulo se deve a construção

narrativa sobre a própria presença deles, que corresponde, por sua vez, à variedades de

protagonistas que realizam tais narrativas, e ações reivindicativas, tal como organizações não

Governamentais (da sociedade civil organizada), o Poder Público (através de instituições do

Estado), e um terceiro conjunto aglutinados entre os próprios imigrantes, individualmente, ou

coletivamente, a mídia imigrante, associações culturais e os grupos artísticos e as fraternidades de

dança - neste âmbito, o caso dos bolivianos (as) é também “[...] um processo de mobilização em

torno de uma nova imagem a ser construída e veiculada na cidade (SILVA, 2007, p.131)”.

Todos estes atores são contribuintes desta conjuntura de ações, narrativas, poder e

identidade política, em processo. No ano de 2013, por exemplo, ocorreram importantes

mobilizações neste sentido que buscaram politizar a realidade migratória circunscrevendo-a sob

narrativas de cidadania e cultura. Estes fatos não foram uma exceção e se desenvolveram ao longo

dos anos32.

32 Silva (2007) indica que por volta de 1999 a partir das notícias veiculadas aos jornais denunciando a existência de

trabalho escravo – a forma como era descritas a irregularidade no espaço das confecções – vai se construindo um

processo de mobilização em torno de uma imagem alternativa àquela construída pela mídia e que, justamente,

procurava alocar os imigrantes não como trabalhadores escravos. Tratava-se da extinta Assistência Social Boliviana-

Brasileira formada por bolivianos residentes há mais tempo no Brasil, pequenos empresários da indústria de confecção,

comerciantes e profissionais liberais. Silva (2007) lista, inicialmente, algumas organizações de imigrantes bolivianos

envolvidas neste processo, pois estavam preocupadas com as questões do que os envolviam: Associação dos Residentes

Bolivianos (ADBR) fundada em 1969, o Círculo Boliviano, em 1975 e o Centro dos Residentes Cruzenhos de 1980.

Durante nossa pesquisa de campo em 2011, foram constatadas ações semelhantes como das missas das Comunidades

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O primeiro deles foram os debates realizados durante três dias (2, 8 e 9 de junho)33 na

18ª Festa do Imigrante promovido pelo Museu da Imigração34. No dia 09 especialmente, o

CONSCRE (Conselho Estadual Parlamentar de Comunidades de Raízes e Culturas Estrangeiras);

AMOVIZA (Associação de Moradores do Bairro de Vila Zelina – imigrantes do Leste Europeu); o

famoso CTN (Centro de Tradições Nordestinas); representantes da campanha Eu Amo a Bolívia; e

representantes da Festa Achiropita e da Festa dos Coreanos, foram responsáveis por debates em

torno da agenda temática das “comunidades migrantes, representação e celebração das tradições”.

Particularmente neste dia, foram significativos os relatos dos representantes da

campanha Eu Amo Bolívia sobre a presença boliviana em São Paulo. A campanha Eu Amo Bolívia

surgida em 2011, tendo origem em outra campanha chamada Hola Bolívia, procurava desconstruir

os estereótipos comumente veiculados aos imigrantes bolivianos, visibilizando-os desde aí à partir

da significância cultura.

O sentido desta visibilidade e o que buscava era promover a significância de que os

bolivianos não são escravos [das oficias], mas empreendedores e trabalhadores. Desta forma, o

objetivo da campanha é lutar pela diversidade da cultura através da estratégia ou dos quatro pés:

fé, cultura, cidadania e integração. Além de construir outra visibilidade sociocultural, os

representantes reivindicam espaços para manifestação artística, para eles (as) há a necessidade de

espaços maiores para os migrantes manifestarem sua diversidade cultural...os espaços têm de

existir e a comunidade tem de ter presença35.

Latino-Americanas na Pastoral dos Migrantes. Além disto, panfletos foram distribuídos com o intento de informar

sobre um abaixo-assinado de uma campanha cujo objetivo era “esclarecer” conflitos entre bolivianos e peruanos que

haviam ocorrido e estavam sendo retratados de maneira estereotipada pela mídia. Neste caso, segundo a ADRB

(Associação dos Residentes Bolivianos no Brasil), presente na missa e que distribuída o abaixo assinado, a mídia

estaria distorcendo os fatos e retratando aos migrantes como delinquentes. A Pastoral também se posicionou ao lado

da associação e através do Pároco anunciando: A Mídia diz que Bolívia está contra Peru e este contra Bolívia, isto é

mentira, é preciso combatir esta ideia falsia. A difamação estaria sendo veiculada, na época, principalmente pela TV

Record e TV Globo. Este mesmo acontecimento iremos retomar no próximo capítulo ao tratar a questão da rua

Coimbra. 33 CENTRO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DO IMIGRANTE. Museu da Imigração organiza 18ª Festa

do Imigrante. São Paulo, 28/05/2013. Disponível em: <<http://www.cdhic.org.br/?p=1138>>. Acesso: 29/03/2015. 34 DA REDAÇÃO. Colônia Boliviana terá 4 grandes representantes de sua cultura na 18º Festa do Imigrante. Bolívia

Cultural, São Paulo, publicado em 30/05/2013.

Disponível em: <<http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=1993>>. 30/05/2013.

Acesso em: 03/06/2013, 16h00. 35 INFORMAÇÃO VERBAL. Relato de representante da campanha Eu Amo Bolívia presente no debate temático

Comunidades Migrantes, Representação e Celebração de Tradições. São Paulo, 09/06/2013.

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Grande difusor36 desta agenda foi a rede de comunicação Bolívia Cultural37. Para esta

mídia, a campanha intencionava a Promoção da Cultura Boliviana e a Marca Bolívia em todo

território nacional. Intencionava valorizar a comunidade boliviana afirmando sua verdadeira

identidade38. Sendo que as pessoas que adquirem produtos da marca estariam contribuindo com a

reversão em ações sociais para os Projetos Antawara e kantutinhas. Portanto, importantes atores

responsáveis pela produção da visibilidade e da reconstrução política da identidade foram

representantes e da campanha e a mídia Bolívia Cultural.

O segundo evento onde emergiram outras narrativas sobres os imigrantes, outros

protagonistas, outra visibilidade, portanto, ocorreram no Diálogo com o Movimento de Migrantes

na cidade de São Paulo39, dia 17 de junho de 2013, promovido pela Secretaria Municipal de

Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo (SMDHC) e a Coordenação de Políticas para

Migrantes (CPMig), no Centro Cultural São Paulo, no Bairro do Paraíso. Esta secretaria foi

oficializada em 1 de janeiro de 2013, sob a gestão do prefeito Haddad (PT), tinha como secretário

à época Rogério Sottilli, o qual assume o cargo em 11 de janeiro, mas foi recentemente substituído

por Eduardo Suplici (PT)40. Esse órgão da Prefeitura de São Paulo se apresentava como

responsável pela articulação da política de direitos humanos e fortalecimento da participação

social como método de gestão no município, está sob o regime de regulamentação decreto nº

53.685 de 01/01/2013 e Lei nº 15.764 de 27/05/2013. Criou para o caso dos imigrantes a Pasta de

Coordenação. Neste dia a proposta do evento era apresentar o secretário de direitos humanos e o

coordenador41. Contando com a presença de diversos imigrantes de várias nacionalidades, etc.

36 GI TEODORO. Bolívia Cultural – estudo, trabalho e reconhecimento no mundo. Bolívia Cultural, São Paulo,

Publicado em 16/05/2013. Disponível em: <<http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=1976>>.

Acesso em:17/05/2013. 37 BOLÍVIA CULTURAL. Disponível em:<< http://www.boliviacultural.com.br/>>. Acesso: 17/05/2013. 38 CAMPANHA EU AMO BOLÍVIA. Bolívia Cultural lança campanha Eu Amo Bolívia. Bolívia Cultura, São Paulo.

Publicado em agosto de 2011.

Disponível em: << http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=622>>.

Acesso. 07/11/2014. 39 DA REDAÇÃO. #DIALOGOSPDH/MIGRANTES. Bolívia Cultural, São Paulo, publicado em 01/06/2013.

Disponível em: <<http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=2005>>. Acesso:13/06/2013. 40 PINHO, Márcio. Suplicy assume Direitos Humanos quer diálogo com Black Blocs. G1, São Paulo, publicado em

02/02/2015. Disponível em: <<http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/02/suplicy-assume-direitos-humanos-e-

quer-dialogo-com-black-blocs-e-outros.html>>. Acesso: 03/02/2015. 41 GI TEORODO. Coordenador de Políticas para Migrantes de SP participa de audiência pública no Palácio

Anchieta. Bolívia Cultural, São Paulo, publicado em 22/05/2013.

Disponível em: <<http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=1981>>.

Acesso em:13/050/2014.

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A narrativa da Secretaria e a Coordenadoria, neste dia, dava significância de que os

imigrantes são relevantes para a cidade do ponto de vista econômico e cultural, neste caso, deve o

município reconhecer a população de bolivianos, enquanto legítimos detentores de direitos

econômicos, sociais, políticos e culturais, já que dela faz parte. Os migrantes são identificados

como integrantes plenos da cidade, como uma força de trabalho que a constrói, devendo ser

reconhecidos como sujeitos de direitos, como todos os paulistanos. Em suma, a secretaria visaria

combater a violação de direitos humanos, modificar o status dos migrantes, visibilizando-os na

posição de cidadão.

O que há nestes relatos, por sua vez, é uma visibilidade em que lhes atribui uma

identidade em torno dos conceitos de cidadania e ao mesmo tempo da noção de que a cidade é

democrática, o que se expressa na diversidade cultural que os imigrantes compõem. A cidade de

todos os povos, como afirmam comumente, teria os imigrantes como parte desta diversidade. Dessa

forma, a visibilidade da identidade migrante, neste caso, é significada sob o eixo dos direitos

humanos e da arte (ou cultura), ambos como contribuintes da diversidade cultural, política e

econômica local.

Neste dia estiveram presentes integrantes da fraternidade folclórica San Simon, em

especial, o jovem William (um de nossos principais informantes e entrevistados). Sua impressão

sobre este encontro foi positiva. Impressionado com o encontro e a participação dos bolivianos,

desejava comentar – quando houve a possibilidade de os imigrantes fazerem as suas ponderações

após a apresentação dos representantes públicos – acerca do preconceito e o bulling nas escolas,

aos quais são submetidos. No entanto, não o fez por vergonha em falar em público, e porque outra

pessoa já havia comentado. No entanto, considerou que era importante aquele evento e a

reivindicação de direitos42.

A presença e a permanência dos imigrantes na cidade de São Paulo contribuem para

que deixem de ser invisíveis, tanto em relação à narrativa sobre sua realidade, quanto ao seu status

civil, ou a sua identidade. Contudo, essa visibilidade não se deve apenas à presença de fato dos

migrantes, independente dela ser massiva ou reduzida, mas, á estes diversos protagonistas, as suas

42 A rápida conversa sobre o assunto ocorreu na verdade dias depois na praça Kantuta, no dia 21de julho durante os

preparos da “preparada”, um conjunto de apresentações e comemorações que precedem as festas de agosto e que serão

descritas nos próximos capítulos.

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narrativas sobre a realidade migratória e as suas ações sobre esta.

Segundo Jardim (2013), tem se produzido no Brasil uma certa “Visibilidade” acerca

do processo migratório, e, contemporaneamente, do refúgio. A realidade migratória não existe

apenas pelo fato de imigrantes e refugiados, oriundos de diversos países estarem entrando no país,

sob condições variadas, muitas vezes adversas. Mas, é importante perceber que há uma disputa

pela produção de saberes, poderes e engajamentos por parte de diversos protagonistas engajados

na redefinição da política migratória e do tratamento oferecido pelo Estado e a sociedade civil aos

estrangeiros que escolhem o Brasil para residir.

No entanto, é preciso ficar atento, pois neste processo de disputa em que há a produção

de visibilidade há tentativas de veiculação de um discurso hegemônico sobre os direitos humanos

e a sua identidade sociocultural, bem como agenciamento de quais estão eleitos para receber sua

proteção e para se emancipar. O processo de ação e de relatos que produzem a visibilidade sobre

os migrantes e refugiados é dotado de disputas pela hegemonia narrativa e atuação para mudança

da realidade migratória, seja as leis, seja o acolhimento, dentre outros aspectos. Nesta disputa estão

engajadas organizações não governamentais, entidades de direitos humanos, mídia migrante,

grupos de arte e dança, enfim, diversos protagonistas, representativos deles, que se dividem entre

aquelas já presentes junto aos imigrantes há um período mais longo como a Pastoral dos Migrantes,

por exemplo. E o poder público, o qual, emerge, particularmente, emerge como um novo

protagonista, neste cenário.

Nesta conjuntura há também um conflito. Por um lado, a visibilidade sobre a imigração

e o refúgio preocupa principalmente o poder público. Por outro lado, ele é cobrado pelos

imigrantes, as entidades de direitos humanos e não governamentais para assumir um lugar e

responder questões envolvendo o atendimento (ou a falta de) dos estrangeiros. Este conflito se

apresenta no debate público em torno da temática das migrações e dos direitos desta população

quando a visibilidade às vezes é narrada pelo poder público como um “Problema Migratório”

(JARDIM, 2013).

De qualquer modo, segundo Jardim (2013), a visibilidade sobre a presença de

imigrantes é mérito dos diferentes protagonistas que fizeram diferentes denúncias acerca da

inexistência de ações do próprio poder público para melhoria das condições de vida e garantia de

direitos população imigrante.

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Estes protagonistas têm sua narrativa legitimada – as quais agenciam a produção de

significações e ações diversas – pois, exercem a função que o poder público não o faz. A partir de

sua experiência, buscam intervir na realidade migratória expressando diante dele as urgências, as

reivindicações e as prioridades dos imigrantes, ao mesmo tempo em que compreendem e indicam

os limites e deveres do Estado na gestão de tais políticas, em face da imigração.

Estes protagonistas assumiram lugares importantes em conselhos Estatais e de

representação da sociedade civil, onde o debate sobre o tema da migração, do refúgio e dos direitos

humanos no Brasil também ocorreram e se desenvolveram, muitos lugares que por sinal os

imigrantes não podem participar como representantes juridicamente reconhecidos devido ao veto

que a Lei do Estrangeiro 6.815 de 198043 impõe, conforme explica Jardim (2013).

Foto: do autor.

No entanto, Jardim (2013; p.70) pondera que a: “década que observamos não é um

momento de surgimento de atores sociais”, mas justamente de visibilidade destes atores e de suas

43 Até a elaboração e efetivação de uma nova Lei de Migração o documento oficial que regularizará a entrada e

permanência de migrantes e refugiados é o Estatuto do estrangeiro - Lei 6.815 de 1980 que data da ditadura militar.

FIGURA 11 FAMÍLIA DE BOLIVIANOS TRAJAM ROUPAS DE DANÇA DURANTE A 7ª MARCHA DOS MIGRANTES

01/12/2013.

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narrativas, de visibilidade dos resultados das estratégias dos imigrantes e dos refugiados em

visibilizar-se, e das falhas do Estado na garantia dos direitos destes.

Neste contexto, no caso dos imigrantes bolivianos em São Paulo, vemos que ao lado

de instituições religiosas, como a Pastoral dos Migrantes, ou não governamentais, como a ADRB

(Associação dos Residentes Bolivianos no Brasil), protagonistas que já vinham atendendo e

atuando na filantropia, carregando os anseios dos migrantes, ocupando espaços de debate,

denunciando os problemas inerentes que emergiam, há mais tempo, encontram-se, atualmente,

protagonistas ascendentes como o CDHIC (Centro de Direitos Humanos e Cidadania dos

Imigrantes)44, o CAMI (Centro de Apoio ao Migrante)45, a equipe Warmis convergências de

culturas e contra a violência46, o projeto Sì Yo Puedo47, dentre as várias agrupações que se

44 O CDHI se trata de uma organização da sociedade civil que auto se representa tendo o objetivo da promoção,

organização, realização e articulação que visem à construção de uma política migratória de respeito aos direitos

humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais dos imigrantes e suas famílias no Brasil. Dentre alguns de seus

princípios, encontram-se a promoção do diálogo com agentes e órgãos públicos, ou do poder público, em especial, de

promoção de políticas públicas, mobilização, articulação e valorização da diversidade cultural dos migrantes. Esta

entidade possui também um meio de comunicação que é o Jornal ‘Conexion Imigrante’, além de seu próprio site, blog

e página no facebook, onde divulgam notícias sobre o assunto e suas ações. Este órgão tem promovido a campanha

“Aqui Vivo, Aqui Voto” onde reivindicam o direito de voto para os migrantes. CF. CDHIC. Centro de Direitos

Humanos e Cidadania dos Imigrantes. São Paulo, sem data. Disponível em:<<http://www.cdhic.org.br/?page_id=2>>.

Acesso: 13\05\2014. 45Além dos atendimentos jurídicos e religiosos o CAMI desde 2007 é um dos principais órgãos a convocar a

organização da Marcha dos Imigrantes que ocorre no mês de dezembro, integrando o calendário mundial de luta pelos

direitos dos imigrantes, e que foi promulgado em Madrid em 2006 durante o encerramento do Fórum Mundial das

Migrações. No mesmo mês se comemoram também o dia Internacional dos Imigrantes, promulgado pela ONU

(Organização das Nações Unidas). No entanto, esta não é a única organização responsável por construí-la. Grupos

folclóricos, como Aquarela Paraguaia, de extensão das universidades, como Educar para o Mundo, associações

esportivas, Organizações Não governamentais, militantes acadêmicos (as) e sindicatos, dentre outros, também

contribuem. O CAMI também possui um veículo de comunicação chamado “Jornal Nosotros”. Cf. GALHERA,

Katiuscia e SANTOS, Willians de Jesus. Marcha contra a violência por cidadania plena e direitos humanos. Repórter

Brasil, São Paulo, publicado em 04/12/2014. Disponível em:

<<http://reporterbrasil.org.br/2014/12/marchacontraaviolenciaporcidadaniaplenaedireitoshumanos/>>. Acesso em:

03/02/2015. 46 O Warmis é um coletivo de mulheres imigrantes de diversas nacionalidades responsável por realizar cursos, palestras

e encontros com diversas mulheres migrantes, ou com entidades públicas de saúde. Nestas palestras e encontros

levantam o debate acerca da saúde da mulher imigrante, o fim da violência no parto, o respeito pelas diferenças

culturais no cuidado infantil; reivindicam tratamento de saúde digno, universal e humanizado; incentivam a denúncia

à violência doméstica e contra a mulher imigrante nos postos de saúde, a necessidade de atendimento bilíngue e

humanizado nas delegacias para mulher; o direito de uso de anticoncepcionais, etc. Além do chamado trabalho de base

se comunicam através do facebook e do blog Equipe de Base Warmis Convergência das Culturas. CF. WARMIS.

Bloco das mulheres da 8ª Marcha dos Imigrantes, São Paulo, 2015.

Disponível em:

<< http://www.warmis.org/projetos/93-bloco-das-mulheres-da-8-marcha-dos-imigrantes.html>>. Acesso em:

03/02/2015. 47 O projeto Sí Yo Puedo, conforme sua página na internet, representa-se da seguinte forma: “O "Projeto Si, Yo Puedo"

somos um grupo de voluntários e voluntarias de várias nacionalidades que a partir de março de 2012 constituíram um

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multiplicam na cidade.

Nem sempre o contexto de disputa é conflitivo. Muitas vezes, cada protagonista, apesar

da autonomia em relação a outro, muitas vezes a divergência, comumente mantém diálogo e ações

conjuntas entre si, com as instituições e entidades mais antigas e o poder público diversificando as

atuações, os relatos e as narrativas, ou o que Jardim (2013) classifica de saberes e poderes, da

visibilidade sobre a imigração em São Paulo, no caso.

Uma de suas ações reivindicativas resulto na existência de uma Lei de Imigração. O

estatuto do estrangeiro, até então, responsável por estabelecer os parâmetros de entrada e

permanência de não brasileiros no país, a muito tempo tem sido criticado. Todos estes

protagonistas, em comum, criticavam tal regimento. Após anos de pressão destes atores citados e

de outros movimentos sociais dos vários segmentos dos imigrantes e refugiados, para substituir o

Estatuto do Estrangeiro48, foi aprovado uma comissão para elaborar e apresentar um anteprojeto de

Lei de Migração com base nos direitos humanos.

No Ministério da Justiça esta comissão de especialistas, como é denominada, está sob

a portaria nº 2.162/2013, e é formada por lideranças políticas escolhidas pelos vários imigrantes,

não só bolivianos, e refugiados, por representantes de instituições internacionais e do poder

espaço de acolhimento e orientação vocacional e profissional de apoio na busca do trabalho formal de imigrantes,

dentro do espaço da praça Kantuta. Não somos uma ONG somos um movimento. O nosso principal objetivo é a

Democratização da informação, promover a real integração de trabalhadoras e trabalhadores imigrantes na cidade de

São Paulo, a partir da instrumentalização destes com encontros de orientação profissional/vocacional e

encaminhamento para a busca do trabalho formal”. É possível conhecer mais da história e das perspectivas deste

coletivo através do documentário Sí Yo Puedo – o sonho boliviano em São Paulo (2012), um trabalho de conclusão de

curso de Jornalismo de alunos da Faculdade Casper Líbero. Estando disponível no youtube. PROJETO SÍ YO PUEDO.

São Paulo, 2015. Disponível em: <<https://www.facebook.com/ProjetoSiYoPuedo/info?tab=page_info>>.

Acesso:06/04/2015.12h36. 48 Os diversos integrantes das entidades enunciam que este estatuto, na prática, acaba sendo um impeditivo para o

exercício do direito ao deslocamento pelo território brasileiro e ainda tem o efeito ideológico de representar os

migrantes enquanto um caso de ordem nacional e problemas de segurança pública, criminalizando essa população,

relegando-a, portanto, á subalternidade e ainda condizendo com práticas de xenofobia, preconceito e racismo, como

vem ocorrendo nos últimos anos. Também proíbe a liberdade de organização e participação política, um elemento

básico do exercício da cidadania em países democráticos, já que não permite, por exemplo, que migrantes e refugiados

(as) possam (na prática) eleger candidatos, participar regularmente e criar sindicatos, partidos políticos, dentre outras

associações políticas comunitárias, midiáticas de classe, etc, para defenderem seus interesses. Cf. GALHERA,

Katiuscia e SANTOS, Willians de Jesus. Marcha contra a violência por cidadania plena e direitos humanos. Repórter

Brasil, São Paulo, publicado em 04/12/2014. Disponível

em: <<http://reporterbrasil.org.br/2014/12/marchacontraaviolenciaporcidadaniaplenaedireitoshumanos/>>.

Acesso em: 03/02/2015.

.

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público, parlamentares e acadêmicos. O anteprojeto apresentado no Ministério está denominado

por Anteprojeto de Lei de Migrações e Promoção dos Direitos dos Migrantes no Brasil. Tem como

base recomendações da COMIGRAR, uma Conferência Internacional ocorrida em São Paulo

durante maio de 2014. Basicamente foi uma consulta pública, sem caráter deliberativo, reunindo

associações, instituições, especialistas, migrantes, pesquisadores, etc, muitos dos quais integrantes

das entidades comentadas.

A COMIGRAR foi antecedida em um ano pela Conferencia Municipal de Políticas

Públicas para Imigrantes da prefeitura de São Paulo. Este encontro, por sua vez, foi promovido

através da Secretaria de Direitos Humanos49, quando, elegeram-se representantes dos imigrantes

na cidade para a Conferência Nacional50. A Conferência Municipal fez parte do calendário de

mesas, seminários, encontros, consultas públicas, organizados pelo poder público e com presença

de imigrantes51.

A visibilidade sobre a imigração boliviana em São Paulo é produzida por diversos

protagonistas, como pondera Jardim (2013), e como visto acima, em suas estratégias e narrativas

diversificadas sobre os direitos humanos. Mas, é preciso considerar que estes protagonistas

contribuem para uma visibilidade sobre a própria identidade boliviana, no caso, sob a significância

49 A 1ª Conferência Municipal de Políticas para Migrantes ocorreu nos dias 29, 30 de novembro e 1 de dezembro na

cidade de São Paulo. Tendo como protagonista organizativo o próprio poder público através do Ministério da Justiça

e os organizadores da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) e a Coordenação de Políticas

para Migrantes (CPMig), segundo informes oficiais, tinha como objetivos “recolher subsídios e aprofundar o debate a

respeito das ações públicas voltadas a essa [imigrantes e refugiados] população”. Nesta conferência foram abordados

os temas de cidadania, direito ao voto, promoção e garantia de direitos sociais e de serviços públicos, a promoção do

trabalho decente, a inclusão social e reconhecimento cultural – tema específico que pudermos acompanhar – e a

legislação e políticas para migrações e refúgio. Esta conferência foi antecedida, por sua vez, por uma etapa preparatória

e mobilizadora de migrantes, refugiados, acadêmicos interessados nos temas, militantes imigrantes e brasileiros, etc,

nos dias 10, 11 e 17 de novembro de 2013. Esta etapa preparatória ocorreu após o Diálogo com o Movimento de

Migrantes, descrito acima, e, segundo informes oficiais, ocorreu em espaços públicos de educação, arte e convívio em

regiões estratégicas que concentravam muitos imigrantes - o CEU Tiquatira (Zona Leste), CEU São Rafael (Zona

Leste), o Centro Cultural da Juventude (Zona Norte) e o Cine Olido (Centro). Cf. CARSTENSEN, Lisa. Em São Paulo

imigrantes se mobilizam por políticas e respeito. Repórter Brasil, São Paulo, 11 de dezembro de 2013. Disponível em:

<<http://reporterbrasil.org.br/2013/12/em-sao-paulo-imigrantes-se-mobilizam-por-politicas-publicas-e-respeito/>.

Acesso: 25/03/2015. 50SECRETARIA MUNICIAL DE DIREITOS HUMANOS E CIDANIA. Conferencia Municipal debate políticas para

imigrantes. São Paulo, publicado em 01 de dezembro de 2013.

Disponível em:<<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/direitos_humanos/noticias/?p=162243>>.

Acesso: 25/03/2015.17h49. 51 DELFIN, Rodrigo Borges. Programe-se la conferencia municipal de políticas para migrantes em São Paulo.

Migramundo, São Paulo, 15 de novembro de 2015.

Disponível em: <<http://migramundo.com/2013/11/15/programe-se-1a-conferencia-municipal-de-politicas-para-

imigrantes-em-sao-paulo/.>>. Acesso:18h02.25/03/2015.

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de cidadão, enquanto setores da sociedade local, da mídia local e do próprio poder público,

classifique-os como “os estrangeiros” 52. Quer dizer, este processo contribui para a politização das

identidades no contexto migratório.

Porém, através da expressão de bens simbólicos materializados por parte dos grupos

de dança, esta identidade é visibilizada pela significância cultura, a qual, emerge a partir de uma

narrativa corporal. É sob esta perspectiva que se torna significativa à presença de diversas danças

e músicas bolivianas presente em instituições de promoção de cidadania e da própria visibilidade

acerca das práticas artísticas, festivas e “culturais” dos imigrantes na cidade. Como realiza

anualmente a Festa do Imigrante em São Paulo promovida pelo Museu da Imigração da cidade.

Como exemplo, trazemos um acontecimento durante a 18º Festa do Imigrante53, que ocorreu no

mesmo ano dos acontecimentos citados acima54.

Em uma entrevista realizada com Marília Bonas, representante do Museu da Imigração,

durante a festa, uma das formas da visibilidade que a presença das fraternidades e o folclore

boliviano recebem, atualmente, vem à tona. Seu ponto de vista pode ser adotado aqui como

exemplo de como alguns protagonistas pertencentes as instituições do Estado, engajados na

promoção das produções artísticas estrangeiras, tem se preocupado em fornecer espaço, dentro do

calendário festivos das instituições, para os migrantes em geral, e os (as) bolivianos (as) em

particular. No caso, a fala dá significância acerca desta alteridade é inscrita não mais como algo

distante da história sociocultural da cidade:

[...] A festa do imigrante ela tem o objetivo de trazer essa diversidade que compõe é São

Paulo. E que compõe o Brasil. Numa celebração do que é esse patrimônio imaterial que,

enfim, se materializa na culinária, na dança, na música e no artesanato. Então é uma

grande celebração dessa diversidade de São Paulo [...] A festa cresceu muito, a festa

nasceu dentro do antigo Memorial do Imigrante, né, que hoje está em restauro. E ela

nasceu dessa iniciativa das comunidades que trabalhavam ali com o Memorial, que

contavam com a própria história, em trazer principalmente essa parte da culinária e a

parte da dança. Ela foi crescendo o número de comunidades foi aumentando e nas duas

últimas edições a gente teve uma preocupação muito grande de ampliar principalmente a

questão da imigração contemporânea. Então a gente tem uma participação maior de

países da América Latina e de países da África que compõem, enfim, um quadro muito

52 O lugar estratégico desta classificação para a produção de subalternidade será abordado no capítulo posterior. 53 DA REDAÇÃO. Colônia Boliviana terá 4 grandes representantes de sua cultura na 18º Festa do Imigrante. Bolívia

Cultural, São Paulo, publicado em 30/05/2013.

Disponível em: <<http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=1993>>. Acesso em: 03/06/2013. 54 Além da Fraternidade Folclórica San Simon outras que se apresentaram no mesmo evento foram o Ballet Folclórico

Boliviano e a Sociedad Folklorica Boliviana que se apresentaram no dia 09 de Julho domingo, o Grupo Folclórico

Cultural Kantuta Bolívia, no dia 08 de Julho sábado.

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significativo da imigração em São Paulo hoje. [...] Então, tem uma grande parte desse

contatos [com os grupos folclóricos] que foram estabelecidos ao longo da vida do Museu,

né. Então, por exemplo, o museu abria uma exposição sobre a cultura... vou dar um

exemplo recente lá, a cultura... coreana, e aí, a partir disso, a partir de pesquisas, os

pesquisadores do Museu entram em contato com os vários grupos, pela internet as vezes

pelo consulado, pra poder desenvolver esse tipo de parceria. É... então tem duas frentes,

uma frente desses grupos que já estão historicamente articulados pelo Museu e hoje uma

frente de pesquisa, que é quase uma pesquisa antropológica em que a gente vê essas

manifestações acontecendo em festas específicas, então, por exemplo, casa da Kantuta, a

gente tem uma parceria, a gente tá trazendo também outras festas mais tradicionais e

outros novos grupos que nem se articulavam., Por exemplo, Moçambique não é um grupo

formalmente articulado como outros grupos, mas tá trazendo então uma barraca, então

também tem danças. O San Simon já é mais tradicional, né. Então funciona nessa duas

frentes, o que a gente herdou dessas relações do Museu e essa frente que o museu tem

hoje de pesquisa e mapeamento dessas manifestações artísticas e culturais na

cidade55.(Entrevista com Marília Bonas, 18ª Festa do Museu da Imigração, 02/06/2013).

Esta fala mostra a relação entre a instituição e os migrantes, ainda que a relação do

Museu com os migrantes não se resuma à festa. O conhecimento acerca da realidade migratória –

e daquilo que o Museu pretende conhecer - ocorre a partir da atividade de seus protagonistas –

cientistas, comunicadores, etc - na pesquisa e mapeamento do que vem sendo manifesto, não só no

âmbito cultural, digamos, mas político, educacional, etc. Bem, como a comunicação entre o Museu

e os migrantes ocorrem por mais de uma forma, além do contato direto dos pesquisadores com os

grupos, para esta finalidade. Desta forma, ao longo dos anos diversas atividades são realizadas no

Museu com a presença dos migrantes e de outros protagonistas, como vimos acima.

A festa é um destes momentos de relação entre a instituição (e os protagonistas que a

compõe) e os migrantes, na qual, também, ocorre a visibilidade dos migrantes na cidade, uma vez

que esta é promovida em várias mídias, têm a visita da população local, etc.

Se a festa é resultado de relação entre migrantes e instituições públicas. O relato deste

protagonista acerca da presença migrante, particularmente, circunscreve aqueles sobre a

55 Esta entrevista tem de ser lida sob a luz de um trabalho colaborativo desenvolvido com o Historiador e Jornalista

Fernando Souza e o escritor desta dissertação. O áudio desta entrevista é o resultado de uma pretendida reportagem

para a rádio CBN de São Paulo sobre a festa do Museu. O que justifica a narrativa mais formal da entrevistada.

Narrativa fruto de questionamento de ambos entrevistadores. O áudio da reportagem não foi publicado à época e ambos

atores – Bonas e Souza – autorizara seu uso para este trabalho. A narrativa de Marília Bonas, diretora executiva do

Museu da Imigração, é resposta as seguintes questões: “Qual que é o intuito da festa do imigrante?”; “Já tem um tempo

já que existe essa festa, de lá pra cá houve alguma mudança na estrutura?”; realizada por Fernando Souza. E “como é

que vocês vêm a importância da parte... dos grupos de dança, né, os grupos ditos culturais? E como é o contato com

esse grupo? Como foi por exemplo o contato com o San Simon, que apresentou a cultura boliviana e tal, né? Vocês

que já conhecem, já fizeram outras atividades com eles? Como é que funciona?”; realizada pelo pesquisador.

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corporalidade e esta é enunciado sob os conceitos de diversidade e Patrimônio Imaterial,

identificados, de seu ponto de vista, enquanto a culinária, dança, música e o artesanato. Este relato

tem contribuído no contexto maior de visibilidade sobre a presença migrante para enunciação da

presença migrante segundo o eixo da origem sociocultural. Esta forma de relação do Museu da

Imigração, e de significância dos migrantes segundo os conceitos de Patrimônio Imaterial, a

Diversidade e a origem sociocultural de parte de Bonas, indicam uma forma atual de visibilidade

sobre os (as) bolivianos (as).

Esta relação e concepção dos migrantes expressa, ainda, o próprio agenciamento do

pertencimento aos espaços institucionais da cidade. Contudo, o processo de visibilidade da

migração, com o resultado do reconhecimento social, do engajamento por direitos e da convivência

com a possibilidade de manifestação corporal, não é só resultado das estratégias dos protagonistas

dos movimentos sociais, da mídia migrante, ou do agenciamento dos órgãos de promoção de festas

para a presença dos grupos folclóricos e fraternidades em seu espaço.

Cada vez mais, os próprios migrantes vêm agenciado estes espaços institucionais e não

institucionais, significando-os, e, enunciando por si mesmo a sua corporalidade. Tais atores e

narrativas vêm à tona se dermos voz às próprias fraternidades, como o caso da Fraternidade

Folclórica Caporales Universitários San Simon, a qual esteve presente junto a outros grupos de

dança bolivianos (as), durante a 18ª Festa dos Migrantes. Segundo Reinaldo, integrante

entrevistado no Museu da Imigração, a importância para os integrantes da fraternidade de sua

presença nesta festa do Museu da Imigração, é interpretada da seguinte maneira:

[...] Hoje em dia estamos aqui levando o nome dessa fraternidade [Fraternidade

Folclórica Cultural Caporales Universitários San Simon Bloque São Paulo] lá da Bolívia.

Trabalhamos em prol, sempre tá divulgando a cultura. A cultura boliviana. Nunca

pensando pelo lado financeiro, mas sim trabalhamos prol o próximo para divulgar nossa

cultura mesmo aqui no Brasil, trabalhamos mais por isso [...] Na verdade, em muitos

locais a gente tenta se comunicar para estar se apresentando, como eu disse queremos

sempre tá divulgando a nossa cultura. É hoje no Memorial do Imigrante aqui, é já são

acho que dois anos que estamos atrás da apresentação, pela grandiosidade que é o evento.

É muito grande em si. Então, os antigos diretores correram sempre atrás disso aqui, e

hoje fomos contemplados para tá apresentando né. No, na passada na praça Kantuta

tivemos uma apresentação que foi dia da mãe boliviana, que sempre é comemorado no

dia 27 de maio, diferente aqui do Brasil né que é sempre o segundo domingo, lá 27 de

maio. Então lá foi uma apresentação pro dia das mães, fomos fazer uma homenagem às

mãe né. Então todo ano a praça Kantuta organiza esse evento para todas as mães, e

presenteia, não sei se você viu, mas havia um presente e tudo. Em si a fraternidade sempre

está presente na... onde a comunidade boliviana está a San Simon sempre é chamada.

Então a nossa divulgação assim é (...) procuramos também, eles conhecem através de

outras pessoas que indicam, como temos um... o site já foi desativado, mas temos bastante

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o Facebook, então por aí o pessoal tem uma rede social bem aberta para todos. Então o

pessoal conhece, pede um telefone, e por aí eles vão nos procurando, mais pela beleza né

que é a dança do Caporales do San Simon [...] Bom, como é o primeiro evento que a gente

vem. A gente ainda vai conhecer hoje nesse evento como é que é [...] A chuva acaba

atrapalhando um pouquinho né, mas a gente vem sempre naquela expectativa de fazer

sempre bonito e divulgando sempre o folclore boliviano né, a riqueza que a gente tem

mais, mais que seria isso no baile, as cores [...]56(Entrevista Reinaldo, 18ª Festa do

Museus da Imigração, 02/06/2013).

Este relato descreve algumas estratégias do agenciamento de espaços, adotadas por

integrantes da Fraternidade San Simon, para expressarem oral e corporalmente os significados

pelos quais desejam ser reconhecidos na cidade. Este reconhecimento de sua diferença é enunciado

no relato, como originária da Bolívia, trazida de lá, recriada, ou seja, reinventada, na capital paulista

através da expressão corporal. Trata-se de um agenciamento – estamos levando o nome da

fraternidade – em que o objetivo é a visibilidade dos migrantes sob uma certa identidade. Que

dizer, a visibilidade da cultura boliviana, de sua beleza que está no seu baile, e em suas cores,

como as fotos abaixo procuram narrar visualmente, são expressos por diversos (as) outros (as)

migrantes, protagonistas políticos, produtores de bolivianidade, bem como, de diversas formas.

Mas, neste caso, dos integrantes da San Simon, através de duas possibilidades de falas: a narrativa

oral e a expressão corporal. Compondo o quadro atual, no contexto maior de visibilidade da

migração, de significações deles, e não só por eles, acerca da identidade boliviana por origem

sociocultural, pela qual desejam (e reivindicam) ser reconhecidos.

56 Esta entrevista também tem de ser vista sobre o trabalho colaborativo do pesquisador com o historiador e jornalista

Fernando Souza, que, na ocasião, foi presença e também entrevistador de Reinaldo. Esta narrativa do entrevistado são

respostas as questões formuladas pelo pesquisador e o historiador para que o entrevistado explicasse o que é uma

fraternidade, o que é a dança caporal, como surgem os convites para os fraternos participarem de festas locais.

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FIGURA 12. CHOLITA NO PALCO DA 18ª FESTA DOS MIGRANTES, 02/06/2013. FIGURA 13. CHOLITA NO CAMARIM DA FESTA DEVOCIONAL DE AGOSTO NO MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA. 03/08/2013.

FONTE: FOTO DO AUTOR.57

57 A foto de número 13 cuja referência é a jovem na festa de agosto está sob autorização da responsável, a mãe.

Autorização concedida no dia (data) de produção da foto de uso nesta dissertação.

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Figura 14. Tropeiros e Tina na 18ª Festa dos Migrates, 02/06/2013 Figura 15. Tropeiros e Tina na Festa de Agosto no Memorial da América Latina, 03/08/2013.

Fonte: Foto do Autor.

Na semana anterior a esta entrevista a fraternidade se apresentou na Praça Kantuta58,

no bairro do Pari, em comemoração a festa de la madre boliviana. Segundo Reinaldo, o público é

de iniciados na linguagem corporal do caporal, são predominantemente bolivianos (as). A praça –

denominação comum entre integrantes da San Simon atribuído ao local – é um espaço dos

bolivianos. Neste caso, o desejo mobilizador desta apresentação tinha a significância do

compartilhamento com seus conterrâneos. Significado atribuído também a apresentação no

Memorial da América Latina, em agosto, quando e onde ocorre a principal festa do ano. E a que

mais têm visibilidade e participação migrante em toda a cidade.

No Museu o significado de pertencimento a localidade e de diálogo é outro, porque o

público é outro. Ali, predominantemente, poucos conhecem as práticas de expressão corporal,

construídas pelos imigrantes. É um local em que há diferença de sensibilidade, e é onde há a

oportunidade de expressar o significado da beleza da dança e da cultura boliviana, ou seja, de

58 A festa da mãe boliviana pressuposta na conversa ocorreu na Praça Kantuta no dia 26 de junho, aonde realizamos

pesquisa de campo, neste dia, a fraternidade também a dança caporales.

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mobilizar a reinvenção do folclore para enunciar uma identidade pública em torno de uma origem

sociocultural e do reconhecimento social da diferença.

Portanto, todas estas ações simultâneas e seus diversos atores diversos atores

demonstram um processo de reivindicação de reconhecimento social de direitos. Dentre os quais

destacamos a mobilização por mudança no estatuto jurídico através da modificação do Estatuto do

Estrangeiro59, por uma Lei de Migração com base nos direitos humanos. A reivindicação do direito

ao voto60. E a reivindicação e conquista do pertencimento em espaços aonde seja possível expressar

as manifestações artísticas dos migrantes.

Estas ações mobilizam-se para a elaboração de políticas públicas em diversas áreas

(educação, saúde, presença cultural, etc.) e a enunciações e relatos sobre a identidade através da

oralidade ou da corporalidade. Embora às vezes tenham objetivos e especificidades específicos, os

diversos protagonistas descritos acima, convergem atualmente para juntos promoverem

visibilidade sobre a cidadania dos migrantes e sua identidade. Buscam, ambos, sensibilizar a

população local acerca da realidade migratória. Circunscrevendo os imigrantes sob a categoria

política cidadã do direito ao voto e cultural do direito a expressão cultural, agenda que

compreendem como a melhor neste contexto.

Esta confluência de protagonistas, atores, estratégias, agenciamento, expressões e,

sobretudo, enunciações (orais ou corporais) que em conjunto constroem a visibilidade à imigração:

“permite entender como na confluência de diferentes atores a disputar os sentidos, um diálogo

instrumentalizado por narrativas potentes sobre os direitos humanos dos imigrantes e refugiados,

forneceu parâmetros ao debate e que ampliou a visibilidade, não só de novos imigrantes, mas de

novas agendas institucionais (JARDIM, 2013, p.14)”.

Veiculam significações variadas, bem como, o agenciamento de espaços por parte das

fraternidades promovendo debates, conflitos, diálogos, ocupações, intervenções artísticas, etc.,

59BRASILIA. ANTEPROJETO NOVO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO. Portaria nº 2.162/2013. Comissão de

especialistas. Anteprojeto de lei de migrações e promoção dos direitos dos migrantes no Brasil. Brasilia, 31 de julho

de 2014, 52 páginas.

Disponível em: <<http://pt.slideshare.net/justicagovbr/anteprojeto-novo-estatutoestrangeiro>>.

Acesso: 13/11/2014.11h22. 60 BRASIL. Proposta de Emenda a Constituição. Nª (S.N) de Carlos Zaratini e outros. Sem data, 2013. Altera a redação

do S 2º art. 14 da Constituição Federal, alterando e se inserindo parágrafo. Disponível em:

<<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=599448>>.

Acesso em: 13/11/2014.11h22.

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demonstrando que o direito a cidade, por exemplo, acontece também durante processos de

revitalização das expressões culturais e do agenciamento de novas modalidades de expressão

corporal, indicando, ainda, que a memória e a identidade sociocultural, modificam-se por que são

reconstruídas, são projetos socioculturais.

Para as ciências sociais, esta realidade exige a reconstrução do próprio pensamento,

valorizando a “criatividade”, conforme aponta Rocha (2009, p.230), ou seja: “[...] uma retomada

da tradição, da memória e dos processos de construção identitária, por meio do patrimônio

imaterial, sem que isso signifique uma volta ao modelo folclorista [...]”. Ao que tudo indica é

através das enunciações e relatos sobre o corpo e falando com o corpo que há mobilização dos

imigrantes para o espaço público. A expressão corporal, tornou-se um dos signos e significantes de

sua identidade, e um dos instrumentos pelos quais podem realizar a reivindicação de políticas

públicas, etc. É preciso considerar que a visibilidade sobre si que este processo traz aos imigrantes

não é ingenuamente desconhecida, uma vez que reconhecem agenciamentos que vem recebendo

em São Paulo, como para serem entrevistados em produções audiovisuais, ou serem atores de

filmes, dentre outros.

A criatividade dos migrantes é expressa de muitas formas dentre a diversidade cultural

produzida pelos migrantes as danças e os trajes, particularmente, parecem indicar valores e ações

socialmente partilhados. A identidade denominada fraterna, no conjunto da população migrante,

são as agrupações que tem ganho visibilidade neste tipo de engajamento. E são as que se constroem

neste entorno. A criatividade corporal é expressa por muitas fraternidades, mas, não por toda a

população migrante. Dançando e trajando reconstroem suas relações mais intimas entre gerações e

a sua identidade corporal. Justamente, por isto, esta experiência exige-nos ver o corpo como um

texto:

Y el cuerpo es un texto certamente turbador porque se inscribe en un linguaje que,

paradójicamente, no nos es directamente conocido. Es como llevar dentro (consigo) un

hablante extranjero que compartiera nuestro cuerpo. Si no dejo que el hombre pleno se

exprese, se quiebra y sofocado el cogito en esta ruptura, irónicamente toma la posta la res

extensa…El Cuerpo aparece como un texto que desafía al cogito a una interpretación que

lo compromete como nunca antes. Y los cuerpos desgajados de la unidad hablan

violentamente cuando el cogito persiste en no escucharlos. Y no hacen enfermando,

delirando, reprimiendo-se como modos de resistencia…pero no callan y acaban

enfermando al cogito. Lo matan de un sentido que no tiene ecos en él (en el sentido de

pathos) (SOLARO, pg.148-149, 2006).

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O corpo tem que ser lido. E lido como um texto complexo e dinâmico. E no caso dos

imigrantes bolivianos, um texto em reinvenção cujos sentidos são múltiplos, dependendo daquilo

que os diferentes atores lhe forneçam, quais significações articulam em suas enunciações e relatos

sobre ele, seja como fraterno, protagonista político, mídia, brasileiro, etc. O corpo dos imigrantes

tem que ser visto, a meu ver, não somente sob sentidos que nós investigadores lhe enunciamos –

restrito ao elemento de nossa epistemologia, posição social, identidade pessoal e coletiva, etc –

mas a partir dos sentidos e narrativas que são construídas pelos diversos atores sobre estes corpos.

Pois as práticas de expressão corporal, outra forma de dizer sobre a identidade corporal, existe sob

condições históricas e sociológicas.

O corpo tem história e está na história. Também não existem fora da história as

fraternidades que expressam a identidade corporal ditas tradicionais. Pensar a identidade fraterna

é pensar a identidade corporal e em nosso caso pensar a identidade Fraternidade Folclórica San

Simon é pensar a identidade corporal caporales. A primeira se constitui com uso da segunda, e a

dança é expressa no contexto migratório porque identidades estão sendo configuradas a partir da

reinvenção do corpo por parte das fraternidades. Assim, do mesmo modo em que não há pessoa

(identidade – sujeito) sem corpo, não existe corporalidade sem significação. O corpo expressa a

existência total do sujeito, é o meio pelo qual se apropriam da realidade a sua volta, conhecem-na,

apreendem-na, intercambiam com outras alteridades, utilizam-no em seu mundo sociocultural e

histórico – o corpo é próprio do mundo das fraternidades. E, portando, caso desejemos

compreender o processo da convivencia atual dos migrantes, deve o corpo ser pensado

históricamente: “[…] en este sentido se puede decir que a través del cuerpo, por medio de él, lo

social se repliega en el sujeto, y por lo tanto se constituye en uno de los lugares donde se puede

leer la subjetividad del hombre (…) la construcción de la subjetividade en una tensión permanente

con lo social y lo histórico (ORLEANA et al, 2006, p.181)”.

A reivindicação de cidadania, a conquistas de espaços para expressão artística, a

reconstrução da identidade e a reinvenção do folclore, devem ser abordados globalmente, por

aqueles que querem compreender e contribuir criticamente a este mesmo processo. A reinvenção

do folclore, especificamente, indica a necessidade de ter olhar e coração atento à expressão da

dança e do traje, levando-se em consideração as múltiplas enunciações que a acompanham,

devendo ser contextualizados os atores ao tempo espaço correspondente de expressão. Se assim

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realizado, tal tarefa permitirá compreendermos as mudanças nas formas de inserção de imigrantes

na cidade de São Paulo, diante do processo de mobilização política da cultura voltada a conquista

de direitos.

2.3 - A fraternidade e o folclore frente a visibilidade midiática, imaginários

preconceituosos e discriminações.

A visibilidade da imigração é produzida pelas ações e relatos de diversos atores. Estes

dois aspectos, como dito, não são unívocos, são diversos, tem vários significados e, inclusive,

reforça a produção de saberes e poderes. Além da garantia das condições materiais de vida, nas

confecções ou não, um grande desafiador político, e para a reconstrução de identidade dos (as)

imigrantes, portanto, são preconceitos produzido e veiculado por diversos atores da sociedade local

e que compõem parte dos saberes e poderes sobre a migração.

O preconceito emerge em relatos cotidianos e da mídia sobre a diferença dos migrantes,

circunscreve-os de maneira desmoralizadora aquilo que seria a própria presença e as suas práticas

culturais, as quais, são evocadas, na lógica narrativa, como inexistentes, ou senão, tratadas

exoticamente, com etnocentrismo. Nesta mesma lógica o imigrante é descrito sob os significados

de o ilegal ou o índio – portanto vistos como os diferentes e distantes – embora, esta circunscrição

seja contrastada a de imigrante trabalhador – que no Brasil é uma categoria de prestígio, estando

associada a múltiplos significados socialmente aceitáveis e moralizantes.

O preconceito em termo conceituais “[...] é uma linguagem difusa presente na fala das

pessoas, nas expressões jocosas, nas representações simbólicas [...] (SILVA, 2008, p.39)”,

compreendemos estar atrelado a um processo de subalternização, que descreveremos mais a frente,

reafirmados pela própria mídia e a população local, por exemplo.

A visibilidade jornalística é um produtor exemplar de narrativas preconceituosas

reforçando saberes e poderes que, no caso, reforçam uma certa subalternidade que vem sendo

imposta aos migrantes bolivianos, a qual, justamente, vão questionar a partir da reconstrução de

identidades, numa luta pelo reconhecimento social da diferença, através de políticas de visibilidade

midiática, reinvenção do folclore e de relações entre gerações.

O processo de produção de imaginários, ou de saberes e poderes, que compõem a

produção de preconceito, subalternidade e ações contra isto, nas migrações, é constituído por

“culturas jornalísticas” (COGO, 2006), e modelos de “enquadramentos midiáticos” (COGO, 2006).

O conteúdo destes enquadramentos supõe a existência de hierarquias entre as matrizes culturais

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dos nacionais e dos não nacionais, correspondente a pessoas de países receptores e de origem, dos

migrantes. Estes enquadramentos são certo conteúdo de saber e poder manifesto publicamente e

influem na reconstrução de identidades nacionais e dos próprios migrantes, pois: “[...] essas

identidades migrantes vão ser apropriadas e (re) elaboradas a partir de lógicas próprias das mídias,

como resultado de demandas, disputas e negociações envolvendo distintas instituições e atores

sociais [...] (COGO,2006, p.29) ”61.

O imigrante no contexto migratório e de visibilidade de sua presença deve li dar com

os poderes e saberes presente nos enquadramentos midiáticos expresso nos espaços de

comunicação pela mídia local, cujo conteúdo significam preconceitos. Devem atuar para

reconstruir sua identidade sociocultural, não a partir dos valores preconceituosos, mas tendo-os

como uma referência a qual devem ficar alerta, lutando para ser reconhecido segundo sua

perspectiva. São aí também que o folclore será agenciado e protestos de rua ocorrerão.

A mídia voltada a produzir conteúdo sobre a migração, por sua vez, pode ser

compreendida como um espaço de luta, no qual há a interação entre produtores e receptores,

nacionais e migrantes. No contexto migratório este tipo de mídia se torna “[...] marca, modelo,

matriz, racionalidade produtora e organizadora de sentido [...]” (1999, CRISTINA MATA apud

COGO, 2006, p.30) à esta realidade, impondo saber e poder na lógica da (in) visibilidade, insidida

na dinâmica dos processos de construção de modalidades de ação e intervenção de atores e

movimentos sociais (Cf. CRISTINA MATA, 1999, cit. COGO, 2006, p.30).

Desde aí, partindo de Cogo (2006), sugerimos ler a visibilidade na construção das

migrações nos relatos da diferença do campo narrativo o qual tem incidência no espaço público

aonde se constroem identidades, atuações políticas, reivindicações, etc. Uma vez que o seu

conteúdo são formas de ver, de formas de noticiar, estratégias políticas para pautar estas agendas

políticas.

Um destes conteúdos, ou “valores-notícia” (COGO, 2006), por exemplo, é a visão

numérica das migrações. Em tal perspectiva economicista das migrações há a redução da

61 Cogo (2006) considera que no contexto das migrações internacionais, a presença migratória coloca ao imaginário

nacional conflitos e dinâmicas interculturais, podendo-se observar “diálogo a três vozes” (COGO, 2006.p.21): “a

sociedade que pensa a si mesma como homogênea a partir de uma cultura que a sustenta (1), as vozes internas da

diversidade (2) e a figura do outro\estranho\estrangeiro (3).” A interculturalidade (conceito de GRIMSON (1999)),

neste processo, significaria a possibilidade de comunicação no contexto das sociedades contemporâneas, no dinamismo

e na dimensão de inter-relação entre grupos étnicos diferenciados, e ainda na “referência a uma perspectiva de

intervenção diante dessa realidade que tende a colocar ênfase na relação entre culturas (COGO, 2006, p.21).”

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experiência migratória à objetividade dos números, a avaliações e prognósticos sobre o fenômeno

e a vida de diversos sujeitos. Outro é a criminalização. Este valor, particularmente, enquadra aos

migrantes sob o conteúdo identificatório de serem eles “[...] ilegais, clandestinos, irregulares,

refugiados, deportados” se formulando por meio de linguagem “policialesca que inclui

intolerância, violência, desemprego, isolamento, preconceito, pobreza, condenação, fiscalização,

deportação, expulsão, tráfico ou detenção [...]” (COGO, 2006, p.38)62.

Manetta (2012, p. 260) em análise do conteúdo da mídia acerca dos migrantes

identificou que ao passar dos tempos as temáticas comumente associavam os bolivianos,

especificamente, com a miséria, tornando-os indesejáveis a população local, ao mesmo tempo

ocultavam outras dimensões da vida social, jogando ao limbo a trajetória desta população e a

originalidade de suas práticas. A consequência foi contribuir a um lugar estigmatizado no

imaginário público.

Outro encaixe associado aos imigrantes foi a contravenção. Neste caso, os títulos de

notícias os relacionavam aos casos policiais em especial o tráfico de drogas (cocaína), a prisão,

tornando-os suspeitos ainda de assassinatos. Além destas enunciações há também a desqualificação

e a humilhação, operando na associação dos migrantes à formas de irregularidades no emprego

(geralmente enquadrados como “escravidão”), simplificando a problemática que envolve a

indocumentação e as relações de trabalho.

Estes valores notícias enquadram o sentimento de pertencimento sociocultural dos

migrantes descontextualizando-o, e em seguida, separando-os dos “cidadãos “nacionais”, para aí

demarca-los enquanto os “outros”, os estrangeiros (COGO, 2006, p.107), enunciando-os como

indesejáveis, representado pelos ilegais, indocumentados, clandestinos e refugiados, contrapostos

aos que são vistos como desejáveis, representados pelos acadêmicos e profissionais especializados.

Entre os que pertencem e os que não pertencem a nação.

Acontece que este tipo de abordagem teve consequências para a experiência dos (as)

migrantes no processo migratório e também para os protagonistas políticos envolvidos na acolhida

e atendimento dos mesmos, segundo Dornelas (1998, p.30-31).

O “Telejornalismo cão”, conforme o autor, foi uma política midiática preconceituosa

que historicamente enquadrou a condição jurídica e de trabalho dos imigrantes de modo a torna-

62 A clandestinidade é também uma enunciação que criminaliza aos imigrantes uma vez que os relaciona á ilegalidade,

a inexistência e a desumanidade.

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los, no imaginário social, cumplices dos problemas decorrentes das relações de trabalho. A

interpretação dos fatos que se pretendia denúncia tinha um caráter policialesco, naturalizando esta

perspectiva, tratando os imigrantes como infratores das leis brasileiras e responsáveis pela condição

de exploração de seu trabalho. Incitava a população brasileira a uma espécie de alerta, ou seja,

prática policialesca e de exercício de opressão. Ocorre que a formulação de discursos, e atitudes de

discursos, ou saberes e poderes, é uma prática social que subsidia e justifica (legitima) decisões

(políticas) nas esferas públicas e privadas uma vez que:

A compreensão ou a interpretação de notícias [da parte do leitor] presume não só o

conhecimento geral ou as crenças pessoais, como também ativa normas e valores

socialmente compartilhados que se definem segundo grupos sociais. Supõe-se, em

consequência, que na compreensão de textos jornalísticos as pessoas fazem mais que

simplesmente compreender o significado de um texto. Formam-se opiniões específicas e

também generalizadas sobre um mesmo tema, ligadas á diversidade de funções sociais, de

classes, de gênero, de idade e de grupos nacionais ou étnicos. Esse processo pode aplicar-

se á formulação de atitudes de discurso, definidas como prática social (DIJK, 2002). Ou

seja, a formulação de opiniões pode subsidiar e justificar a tomada de decisões em esferas

públicas ou privadas. Existe, portanto, segundo cada tema, uma diversidade de

posicionamentos que pode culminar em opiniões e reações diversas, dentre elas, o

preconceito, a discriminação e o estereotipo, por exemplo (MANETTA, 2012, p. 263).

Diversos foram as reportagens que os circunscreveram, e aos atores que tinham alguma

relação com os mesmos, seja para acolhimento, seja para atendimento jurídico, sob tal conteúdo,

lesando-os. Esta realidade expressa o caráter discriminatório deste imaginário neste contexto

migratório, caso consideremos que “[...] a discriminação diz respeito às ações práticas de pessoas

ou de instituições visando atingir diretamente a quem se quer excluir [...] (SILVA, 2008, p.39)”,

como no caso dos migrantes bolivianos.

Um caso deste ocorreu em uma reportagem do dia 24 de julho de 1997 do Jornal

Nacional da Rede Globo, com efeitos para a Pastoral dos Migrantes, segundo Dornellas (1998).

Neste caso, a Pastoral dos Migrantes passou a ser acusada como cúmplice das explorações de

trabalho que ocorriam nas oficinas, sendo associada a uma espécie de aliciador de trabalho. A

matéria concluía sua reportagem pintando a instituição enquanto contribuinte, aliciadora, do

processo de recepção de trabalhadores ilegais para as oficinas, através do acobertamento das

condições de trabalho.

Souchaud (2012, p.76) descreve processo semelhante, mas em outro período, de

interpretação de fatos envolvendo conflitos entre imigrantes, veiculados na mídia, em que houve

valores notícias que os enquadravam em termos policiais, desconsiderando o ponto de vista dos

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próprios envolvidos, enquanto, hiper-visibilizava o ponto de vista do poder público, que no caso

eram os representantes da segurança pública. O enquadramento valorizava que a resolução dos

conflitos era ‘um caso de polícia’. A construção do conteúdo midiático em relação aos confrontos

envolvendo bolivianos e outros Latino-Americanos na cidade de São Paulo, informados com

destaque na imprensa, enquadrou aos migrantes sob o viés da criminalidade. Um dos locais taxados

como suspeito de conflito foi a Rua Coimbra, local de concentração de intenso comércio popular

e de pessoas principalmente aos fins de semana.

A imprensa dizia terem sido recolhidas “informações da polícia militar” que davam

conta de setenta ocorrências de agressão, homicídios, roubos e lesões corporais ocorridas no fim

do ano de 2010 e primeiro semestre de 2011 nos bairros centrais de São Paulo. De acordo com o

jornal o Globo, as agressões ocorreram principalmente nos bairros centrais do Brás e Pari, na Rua

Coimbra e na Avenida Carlos de Campos; em áreas residenciais e comerciais frequentadas por

pessoas de origem boliviana, peruana e paraguaia no Brás, Bresser e Pari; os eventos relatados nos

artigos dos jornais63 teriam acontecido em áreas onde as indústrias de confecções, dos comércios

de roupas, alimentos e festividades estavam concentradas, portanto aonde estavam empregados boa

parte dos imigrantes. Reforçando o enquadramento criminal à guetificação. Os jornais64 concluíam

que as rixas teriam sido ocasionadas por motivos raciais e por competição no setor de atividade

laboral.

Esta política midiática de associar aos imigrantes à violência, ao gueto, e a resolução

do conflito entre tais pessoas através do policiamento, teve consequências para os migrantes na

realidade das relações sociais cotidianas, ao longo do tempo. Abordagens como estes,

historicamente, serviram para alimentar o imaginário discriminatório sobre as comunidades, uma

63TOMAZ, Kleber. Promotoria apura rixa entre peruanos, bolivianos e paraguaios em SP. G1, online. São Paulo,

publicado 16/08/2011. Disponível em: <<http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/08/promotoria-apura-rixa-entre-

peruanos-bolivianos-e-paraguaios-em-sp.html>>. Apud: SOUCHAUD, Sylvain. A confecção: nicho étnico ou nicho

econômico para a imigração latino-americana em São Paulo (interrogação), 2013, pp 75 - 92. In: Bolivianos.

BAENINGER, Rosana. (org.). - Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo \ Unicamp; Fapesp; CNPq; Unfpa,

2012. 64O ESTADO DE SÃO PAULO. MP faz força-tarefa contra rixa entre imigrantes. O Estado de São Paulo, online.

Publicado em 17 de agosto de 2011.

Disponível em: <<http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,mp-faz-forca-tarefa-contra-rixa-entre

imigrantes,759436,0.htm>>. Acesso em 17/08/2011. Apud: SOUCHAUD, Sylvain. A confecção: nicho étnico ou

nicho econômico para a imigração latino-americana em São Paulo(interrogação). 2013, pp. 75 – 92. In: Bolivianos.

BAENINGER, Rosana. (org.). - Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo \ Unicamp; Fapesp; CNPq; Unfpa,

2012.

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vez que não propunha qualquer resolução aos supostos conflitos e rixas, restringiam a voz dos

próprios imigrantes sobre o caso, convocando a voz de representantes da polícia civil e militar,

empoderando a perspectiva política de que migração é caso de política, problema de violência e

por suposto de segurança pública, ou nacional.

Uma vez enquadrado midiaticamente, e significado nas relações sociais como o outro,

o “problema”, em um país que historicamente trata a resolução das diferenças através da segurança

pública, uma das consequências aos migrantes foi a região onde há grande concentração de

migrantes (também enquadrado como guetos) se tornar alvo do policiamento ostensivo, assim, em

agosto de 2013 a rua foi alvo de ação “truculenta da Subprefeitura”65 estabelecido através da GCM

e da Policia Militar, para tomar os pertences dos comerciantes locais, tratando-os como

comerciantes ilegais, por suposto, criminosos, e a questão como policial, num período em que já

havia o sentimento público de aversão ao local.

Tal ação foi criticada pelos movimentos sociais que a denominou “ação de

criminalização dos imigrantes”, além de desconsiderar que ocorriam na mesma época, entre a

Prefeitura e os comerciantes locais, uma negociação por regularização do comércio com a

contrapartida do reconhecimento social, econômico e cultural do lugar.

Estes tipos de culturas jornalísticas e de enquadramentos midiático operam como

verdadeiro “[...] mecanismo de manutenção das fronteiras [...] (COGO, 2006, p.105)”, alimentam

a ideia de um imaginário nacional a qual pertença os nativos, contraposta aos imigrantes que são

vistos como ameaça, devido as ‘infrações’ que cometeriam, reforçando a subalternização, ou seja,

o poder, o qual se constrói com estes preconceitos, discriminações e saberes:

Adjetivos qualificativos de “ilegal” e “clandestino” associados a lugar de origem e á

nacionalidade dos migrantes, assim como a crimes e delitos, assumem regularidade

significativa nos títulos e no corpo dos textos construídos sobre as migrações

contemporâneas, contribuindo para instauração desses sentidos de criminalização

(COGO, 2006, p.106).

No entanto, é necessário ver que os protagonistas sejam do poder público, ou

movimento social, não estão passivos diante destas ações. Cada vez mais, protagonistas e a mídia

migrante tem se posicionado de maneira crítica diante destas e de outras políticas, realizando ações

65 CDHIC. Repúdio a operação da Subprefeitura Mooca na Rua Coimbra, criminalizando a comunidade Boliviana.

Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante Juntos por uma cidadania universal, 06 de agosto de 2013.

Disponível em: <<http://www.cdhic.org.br/?p=1272.>>. Acesso: 05/04/2015.

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estratégicas, negociações e disputas na gestão midiática, ou produzindo a sua própria. Tais ações

que ocorrem também na própria realidade das relações políticas. A produção de visibilidade

midiática, conforme seus pontos de vistas, acerca da construção da imagem dos migrantes e da

migração, segundo Cogo (2006), parecem ter a finalidade dar significado aos direitos político e

cultural que devem possuir.

Em Agosto de 2013, por exemplo, os migrantes bolivianos foram chamados a se

posicionar diante do comentário enunciado pela professora Doutora em Direito Internacional da

Universidade de São Paulo Maristela Basso no Jornal da Cultura. Na oportunidade a professora foi

chamada a comentar um caso que envolvia a diplomacia brasileira em relação ao estado boliviano,

na concessão de asilo ao senador boliviano Roger Pinto Molina, atribuindo que a Bolívia era

“insignificante em todas as perspectivas” comercial, político, cultural, tecnologicamente, etc para

o Brasil. Acrescentando a associação entre identidade de origem (o país) dos migrantes a inserção

produtiva (a costura), desqualificando-os uma vez que em sua interpretação a presença das pessoas

provindas deste país “insignificante” não contribuiriam para o desenvolvimento tecnológico,

cultural e social dos brasileiros. Em suas palavras:

[...] Bom se o Brasil não assumir a sua posição, e a sua, né?. E o caráter de insignificância

desse fato. Isto é insignificante para nós. A Bolívia é insignificante em todas em todas as

perspectivas. È um país sim que tem uma fronteira enorme com o Brasil. Dos nossos

vizinhos o que tem maior fronteira terrestre. Mas nós não temos nenhuma relação

estratégica com a Bolívia. Nós não temos nenhum interesse comercial com a Bolívia. Os

brasileiros não querem ir para a Bolívia, os bolivianos que vem de lá vem tentando uma

vida melhor aqui não contribuem pro desenvolvimento tecnológico, cultural, social,

desenvolvimentista do Brasil. Então, Bolívia é um assunto menor que só tomou essa

repercussão por razões ideológicas do governo. Porque na verdade nada justifica. Pro

senhor Evo Morales buscar de volta este senador ele tá fazendo um enorme jogo de cena,

porque a Interpol não tem nada a ver com isto, e a Interpol não vai dar-lhe ouvidos porque

a única maneira que ele tem pra poder levar de volta essa pessoa o senador é pedindo a

extradição dele. O que já deveria ter feito porque ele só está perdendo tempo. E a

extradição é um processo que será julgado. Primeiro será julgado pelo órgão do

Ministério da Justiça que cuida dos refugiados. Se esse órgão determinar que ele fique

ele fica. E cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal. E só o supremo pode decidir se ele

volta ou não. Então o que nós estamos vendo é um grande jogo de cena e a nossa

Presidente Dilma deveria dizer pro Evo Morales “chega desse assunto porque esse

assunto é muito pequeno pro Brasil”. E é muito pequeno pra ter feito cair um ministro

como o Patriota66 [...].(Maristela Basso, Jornal da Cultura,29/08/2013).

A fala da professora ocorreu após ser interpelada pelo apresentador do jornal. E já na

sequência foi questionada pelo outro participante comentador, Carlos Novaes, quando, os dois

66 JORNAL DA TV CULTURA. Trecho da fala da Profª Drª Maristela no Telejornal da TV cultura. TV Cultura, São

Paulo, 29/08/2013, disponível em: <<https://www.youtube.com/watch?v=rM4nLR3WDZg>>. Acesso, 04/04/2015.

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iniciaram um debate acalorado sobre o sistema político da Bolívia e o lugar estratégico que o país

possui em relação ao Brasil, comparando este lugar ao que a China, os EUA, a França e a Grã

Bretanha possuem, por exemplo. Carlos Novaes qualificava o país e os migrantes bolivianos no

Brasil, merecendo respeito como qualquer um deve ter. Afirmando ainda que os imigrantes são

muito desrespeitados no Brasil, pois suas condições de trabalho são irregulares, apesar de

realizarem um importante trabalho na costura. Para a professora a Bolívia não é comparável,

estrategicamente, à estes países, a sua importância é relativa, para ela não se compara “alhos com

bugalhos”, durante o debate refirmou posição de defesa da menoridade do Estado-Nação e da

menoridade da população migrante.

Imediatamente várias mídias online editaram o vídeo e o reproduziu em conteúdo cujo

enquadramento da fala da professora era abordado com críticas enérgicas, embora, em muitos dos

comentários das matérias – espaço aberto ao diálogo com o leitor – ainda que houvesse aqueles

que a desqualificam-na, não foram poucos (as) aqueles (as) que defenderam a posição da

professora. Aqueles (as) que a criticavam consideravam a relação entre Brasil e Bolívia no

comércio de gás, por exemplo, enquanto aqueles que a defendiam clamavam ódio aos trabalhadores

das oficinas67, reafirmando a ideia de Estado-Nação. A polêmica fala também foi muito debatida,

criticada e severamente atacada nas redes, páginas, espaço virtual próprio aos imigrantes, ou

mesmo acadêmicos, jornalistas e interessados no debate. Duas matérias são ilustrativas disto,

ambas publicadas pela página virtual Bolívia Cultural.

67 Muitos foram as edições, no entanto, sugerimos a consulta das matérias nos seguintes portais a fim de se ter ideia da

abordagem e das críticas realizadas. Deve-se considerar que são portais que tem grande acesso principalmente entre

brasileiros: DICA DO MA. Maristela Basso: “A Bolívia é insignificante em todas as perspectivas”. VIOMUNDO,

online. São Paulo, publicado em 30 de agosto de 2013. Disponível

em:<<http://www.viomundo.com.br/denuncias/maristela-basso-a-bolivia-e-insignificante-em-todas-as-

perspectivas.html>>. Acesso: 04/04/2015.

FRÔ, Maria. Maristela Basso “A Bolívia é insignificante para nós” nomeada pelo Direito USP para coordenar a

Comissão de Convênios internacionais da Faculdade. PORTAL FÓRUM, online, São Paulo, publicado em 21 de abril

de 2014. Disponível em: <<http://www.revistaforum.com.br/mariafro/2014/04/21/maristela-basso-a-bolivia-e-

insignificante-para-nos-nomeada-pela-direito-usp-para-coordenar-a-comissao-de-convenios-internacionais-da-

faculdade/>>. Acesso em: 04/04/2015;

PRADO, Miguel Arcanjo. Editor de Cultura R7. “Bolívia é insignificante” diz Maristela Basso, comentarista da TV

Cultura e Professora da USP. R7, online, São Paulo. Publicado em 31/08/2013. Disponível em:<<

http://noticias.r7.com/internacional/bolivia-e-insignificante-diz-maristela-basso-comentarista-da-tv-cultura-e-

professora-da-usp-01092013>>. Acesso em: 04/04/2013;

IVES. Editorial: Uma “insignificante” lição para a professora Maristela Basso sobre respeito e informação. EL

GUIA LATINO, online, São Paulo, publicado 02 de setembro de 2013. Disponível em:

<<http://www.elguialatino.com.br/site/2013/09/uma-%E2%80%9Cinsignificante%E2%80%9D-licao-para-a-

professora-maristela-basso-sobre-respeito-e-informacao/>>. Acesso em: 04/04/2015.

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A primeira reportagem foi publicada no dia 03 de setembro de 2013, intitulada “Nota

de Repúdio ás declarações da profª Maristela sobre a Bolívia”. Tratava-se de uma republicação de

reportagem veiculada pelo semanal impresso do Jornal Brasil de Fato, que cobria o período de 29

de agosto a 04 de setembro do mesmo ano. A matéria tinha como valor notícia o manifesto do

Centro Acadêmico Guimarães Rosa, do curso de relações internacionais da Universidade de São

Paulo. Este protagonista procurava solidarizar-se com os imigrantes bolivianos questionando a

argumentação da professora no que se referiria a “insignificância da Bolívia” e a condição de

“intempéries do trabalho precário e a subcidadania”. Compara o “desprezo” da professora ao

daquele que os brasileiros receberiam se estivessem na condição de imigração em países

“desenvolvidos”. Em seguida, reconstrói a identidade do Estado-Nação brasileiro e da população

local aproximada à Bolívia e aos bolivianos, uma vez que para o Centro Acadêmico ambas as

populações partilhariam a experiência da colonização, da desigualdade social imperante, da

exploração que a elite local realiza, e adiciona que o pensamento “xenofóbico” da professora se

deveria a sua própria postura elitista68.

Neste caso, o Jornal Brasil de Fato, uma mídia de grande acesso em todo o país, cuja

cultura jornalística busca dar voz aos movimentos sociais de esquerda, dos direitos humanos, etc.

Ao publicar a crítica à professora promovido pelo Centro Acadêmico e a mídia migrante Bolívia

Cultural, reproduzindo a nota, exemplifica uma das formas pela qual o reconhecimento social da

diferença vem sendo reconstruídas na cidade, atualmente.

A luta pelo reconhecimento social da diferença ocorre através de estratégias de

enquadramento e valor notícia como estes, que possam dar outra visibilidade à presença da

alteridade dos migrantes no debate público na cidade. Embora, às vezes, não consiga produzir outro

enquadramento, ou seja, saber e poder, acerca dos (as) bolivianos (as) que não seja enunciando sua

alteridade como o outro, ou os trabalhadores precários, por exemplo A mídia constribui para

aproxima-los a noção de irmandade latino-americana, portanto, como um diferente, porém

próximo. Esta ação significa que: “[...] Tais estratégias e políticas estão orientadas, á visibilidade,

na agenda pública, do cotidiano e das culturas assim como dos processos de integração

sociocultural e cidadania de diferentes grupos de imigrantes latino-americanos [...]” (COGO,

68 DA REDAÇÃO. Nota de Repúdio ás declarações da Profª. Maristela sobre a Bolívia. Bolívia Cultural, online. São

Paulo, 03/09/2013.

Disponível em: <<http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=2146>>. Acesso: 04/04/2015.

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2006,p.200). E que nestas políticas midiáticas as vozes dos migrantes, dos produtores de

bolivianidade e dos protagonistas político são evocadas e visibilizadas:

[...] Ainda que atravessadas por assimetrias, as vozes dos próprios imigrantes e suas redes

se somam ás das organizações, como ONGs e entidades confessionais brasileiras que

atuam no apoio ás migrações, na formulação e visibilidade de uma agenda voltada á

cidadania desses imigrantes [...] (GOCO, 2006, p.198).

A outra reportagem que buscou questionar o enquadramento da professora foi

produzida pela mídia Bolívia Cultural. O valor notícia desta vez foi agressivo. Publicada em 09 de

setembro de 2013, o título da reportagem inicia com “ela devia estar pensando com o fígado no dia

que deu a declaração69 diz Gastão Vieira, Ministro de Turismo”. Faz uso de uma foto da professora,

a meu ver desnecessário, junto a um capacete com a suástica e um taco de baseball. Utiliza outros

recursos como vídeo e sonora de entrevista com o secretário de turismo a época Cláudio Valverde

e o Consul Geral da Bolívia Dr Jaime Valdivia.

A reportagem descreve o contexto da enunciação e o conteúdo da fala da professora,

em seguida questiona a posição da professora através da voz de protagonistas político culturais

como a ADBR que apontou o caráter racista e xenofóbico do comentário, de brasileiros que teriam

“admiração” pelo país e que sentiram-se surpreendidos com a fala, não concordando com a mesma,

de professores acadêmicos que apontem o caráter ideológico do conteúdo, bem como,

questionaram o conhecimento dela acerca da diplomacia.

É preciso demarcar que a enunciação sobre o que é a Bolívia e os bolivianos para a

professora obteve apoio por que há brasileiros que partilham desta representação. Neste caso, trata-

se de uma enunciação aonde se espera que o Brasil se comporte de modo imperialista em relação

a outros países e nacionalidades, buscando poder de barganha e exploração através das relações

“estratégicas”, ou seja, comerciais. Uma visão idealmente economicista de país que desconsidera

as implicâncias sociopolíticas da construção das nações, mas que é valorada por parte da população

local. E que reforça o preconceito contra alguns migrantes, ou pelo menos os migrantes provindos

destes países visto como insignificantes, e, portanto, alimenta o processo de subalternidade.

Numa medida, a reportagem produzida propriamente pelo Bolívia Cultural revela um

processo de “[...] produção de um conjunto de materiais midiáticos de caráter alternativo e popular,

69 DA REDAÇÃO. Ela devia estar pensando com o fígaro no dia que deu a declaração. Bolívia Cultural, online, São

Paulo, publicado 09/092013.

Disponível em: <<http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=2158 >>. Acesso: 04/04/2015.

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como boletins impressos e vídeos, orientando aos imigrantes e as lideranças que atuam no apoio ás

imigrações [...] (COGO, 2006, p.2000)” que eles vêm utilizando-se para reafirmar pertencimento

no espaço público, numa perspectiva de contraponto ao imaginário anterior sobre as migrações e

os migrantes, com a finalidade de animar um debate agendado segundo a cidadania, o

reconhecimento da contribuição da cultura migrante para a cidade, do trabalho, etc.

Em outra, a reportagem veiculada pelo Bolívia Cultural demonstra relatos da diferença,

tendo como sua significância a origem sociocultural, por parte de produtores de bolivianidade e

por meio de políticas de visibilidade, abrindo um debate em torno do questionamento de

enunciações que restrinjam a presença de alteridades segundo o distanciamento fronteiriço, abrindo

a perspectiva da integração regional e dos direitos políticos dos migrantes no Brasil. Esta política

de “Visibilidade Midiática” (COGO, 2006) reconstrói o pertencimento público segundo uma

agenda em consonância ao que muitos acadêmicos, lideranças, movimentos, migrantes sem filiação

a alguma entidade, expressa em termos de “cidadania universal”, por exemplo.

Trata-se de perspectiva que ponha em voga o reconhecimento social da diferença,

porém, nos marcos jurídico dos acordos entre Estados, dos direitos sociopolíticos que os migrantes

têm diante destes acordos, ou deveriam ter devido a própria realidade migratória, problematizando

a falta de políticas adequadas, os preconceitos às origens sociais, e que fortalecem a discriminação

e a subalternidade.

Neste sentido é preciso refletir sobre esta abertura e em que neste processo é

correspondente à construção das visibilidades das migrações há uma construção de subalternidade.

Neste sentido, sob outro ponto de vista, Vidal (2012) problematiza que as relações sociais entre

imigrantes bolivianos e brasileiros em São Paulo, ocorrem pela construção da subalternamente dos

migrantes, uma vez que o vínculo social tem sido construído em torno da noção de “respeito” entre

ambas as partes.

O “respeito” para o autor deve ser visto com cuidado, pois neste caso imigratório teve

o efeito perverso de incitar o distanciamento entre populações. Desta maneira, a relação entre

brasileiros e bolivianos, segundo o autor, é distanciada apesar até da existência de casais entre

indivíduos de ambas populações. De maneira geral os brasileiros não permitem práticas de

pertencimento, embora não os tenham excluído do espaço público, nem censurado suas mídias ou

práticas de dança e traje, mas induzira-os a relativa passividade diante da mesma realidade muitas

vezes precária e violenta que ambos vivenciam.

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Neste cenário da relação entre bolivianos e brasileiros, segundo Simai e Baeninger

(2012), tem sido produzido cotidianamente projeções preconceituosas aos bolivianos (as) da parte

dos brasileiros. Na relação pública cotidiana há uma lógica de enunciação em que os conceitos de

pobreza, sofrimento e semiescravidão (semelhante ao veiculado midiaticamente) significam os

imigrantes para os brasileiros.

O imaginário produzido neste tipo de relação direta, porém, quando parte dos

bolivianos para representarem-se aos brasileiros legitima muitas vezes tais características,

desqualificando aos seus, embora positivem apenas os profissionais liberais, um segmento da

população que por sinal vem ganhando grande visibilidade nos últimos anos por serem diretores

de algumas fraternidades e se destacarem economicamente do restante da população - o que indica

a diferenciação de classe e a utilização estratégica desta condição dentro da população.

Parte dos imigrantes constrói a sua agrupação e a sua pertença no espaço público,

diferindo-se dos recém-chegados, que são retratados como sujeitos de baixa qualificação

profissional, como se este aspecto (real ou não) justificasse a discriminação dentro da própria

população, e com os brasileiros em geral. A naturalização destas significações só reforça a

subalternidade (SILVA, 2008, p. 40-41). Porém, não é toda a população brasileira que desqualifica

aos bolivianos, nem todos estes, tampouco, excluem-se. É inclusive possível encontrar

identificações e encontros no cotidiano como alternativa a que é produzida nos vínculos políticos

ou das significações midiáticas, especialmente, na construção social de grupos de dança, no ‘gosto’

pela prática de expressão de danças e músicas, ocorrendo, e em certa medida subvertendo,

simultaneamente o processo de subalternidade, através de outras ações de pertença.

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Figura 16 – Carnaval desfiles escolas de samba grupo de acesso 20/02/2013.

Foto: Bolívia Cultural70

È significante, segundo Silva (2008), que as festas bolivianas das Virgens de

Copacabana e de Urkupiña ocorreram ao longo dos anos no ‘Polo Cultural Nordestino’ na Zona

Norte da cidade. Tal como é de se alertar em 2012 durante a homenagem tema à cantora e deputada

Leci Brandão, a Escola de Samba Acadêmicos do Tatuapé ter tido participação de ao todo 07

bolivianos e filhos de bolivianos, segundo a mídia Bolívia Cultural71.

Além destas experiências, em 2012 no dia de comemoração do aniversário da Radio

Kantuta Online, junto com os grupos folclóricos, a festa foi animada pela bateria da escola de

Samba Unidos de São Lucas, também da Zona Leste de São Paulo 72. Em 2014 foi o contrário, ao

70 Comunidade boliviana homenageia Leci Brandão na avenida e sobe para o grupo especial. 1 foto, colorida. Bolívia

Cultural, online, São Paulo, publicado em 2012.

Disponível em: <<http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=1078>>. Acesso: 05/04/2012. Esta foto é

significativa em relação a dois pontos. O primeiro, a maneira pela qual o seu produtor e veiculador – Bolívia Cultural

– enuncia o encontro entre brasileiros e bolivianos. Ainda que os sujeitos fotografados o tenham sido pelo contexto da

festa a foto faz parte de uma cultura jornalística e de um enquadramento que busca significar a multiculturalidade

representada pela presença do jovem negro e dos demais personagens mestiços. E por outro, é interessante notar que

um dos sujeitos fotografados também compôs a fraternidade folclórica caporales San Simon em 2013, o que indica a

participação de imigrantes no carnaval de São Paulo. Uma linguagem visual que busca dizer sobre as experiências de

encontros e construção de vínculos em torno das danças. Por fim, a fotografia de número 16, reproduzida aqui, está

modificada nas margens em relação a original, para que adquirissem outro formato estético, segundo a proposta de

descrição visual do método da dissertação. 71 BALTAZAR, Thiago. Comunidade boliviana homenageia Leci Brandão na avenida e sobe para o grupo especial.

Bolívia Cultural, São Paulo, online, publicado 20/02/2012.

Disponível em << http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=1078.>>. Acesso: 05/04/2012. 72 MIRANDA, Angelina. Com escola de samba, Kantuta Online comemora o primeiro aniversário. Bolívia Cultural,

online, São Paulo, publicado 13 de agosto de 2012.

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invés de participação dos imigrantes, estes foram os “homenageados”, o Bloco Carnavalesco Filhos

de São Jorge homenageou aos imigrantes nos seus aspectos laborais, culturais e políticos - além de

fazer propagar a campanha Eu amo Bolívia, retratar o trabalho na costura, a canção enredo do

desfile da escola se referenciava à cidade de Oruro, onde, segundo os fraternos, ocorre a principal

festa de carnaval do país, a cidade ainda tem como padroeira a Virgem de Socavón, também,

rememorado na letra da escola73.

Vidal (2012) reitera que na produção da subalternidade, e acrescentaríamos de um

processo simultâneo de reconstruções e reinvenções de relações e vínculos neste mesmo contexto,

a categoria cultura, cotidianamente enunciada, adquire uma função social importante nos conflitos,

nas práticas e significação da migração e dos migrantes, adquire um lugar político diríamos. Vidal

(2012) critica que agentes políticos têm dado visibilidade a cultura imigrante a partir da

significância de ela ser secular, única e enraizada na pré-modernidade. Tratar-se-ia duma visão em

que as práticas bolivianas se tornam no imaginário cotidiano de brasileiros, das instituições e do

poder público, sobre a origem social dos migrantes, uma “cultura específica” (VIDAL, 2012, p.99).

Em seu ponto de vista as práticas das danças, das músicas e da religiosidade são

altamente positivadas pelos agentes políticos, parte dos imigrantes e brasileiros. Na crítica de Vidal

(2012) isto se configura como um processo de reificação das próprias práticas, na medida em que

diversidade é circunscrita de maneira exótica, distante e totalmente diferente dos brasileiros. Sua

crítica em relação ao imaginário construído em torno do folclore e das festas se dirige, por outro

lado, ao fato de que nas fraternidades folclóricas têm participação só aqueles que já passaram por

um processo de ascensão social. Desta maneira, alimentando o saber sobre o migrante a partir do

preconceito e contribuindo para o poder nas relações de subalternidade:

[...] a valorização da chamada “cultura boliviana” contribui ao processo de essencialização

dos migrantes bolivianos como um grupo relativamente homogêneo, apesar de que a

observação das festas bolivianas revela diferenças e tensões sociais entre os grupos que

desfilam [...] (VIDAL, 2012, p.99).

Vidal (2012) descreve a ocorrência neste processo de experiências e vínculos da

produção de narrativas e significações por parte de agentes políticos interessados na demarcação

da diversidade dos migrantes sob a categoria cultural que, por sua vez, constrói-se a partir da

Disponível em: << http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=1484.>>. Acesso: 05/04/2015. 73DA REDAÇÃO. Filhos de São Jorge homenageiam a Bolívia no carnaval de Guarulhos. Bolívia Cultural, online,

São Paulo, publicado em 12/02/2015.

Disponível em: <<http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=2779>>. Acesso:05/04/2015.

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visibilidade da dança, dos trajes e da religiosidade. Os discursos sobre as festas veiculados por

“atores públicos” (VIDAL, 2012, p.100), para ele, reforçariam o imaginário popular, ou saberes,

sobre os imigrantes, sob o sentido de eles serem portadores de uma cultura distante, estranha.

O autor, no entanto, simplifica o processo que busca compreender, pois não

contextualiza este aspecto do fenômeno migratório particular segundo ás estratégias por

reconhecimento, as enunciações relacionadas à reconstrução da identidade e o sentimento de

pertencimento que a reinvenção do folclore possui, o qual, ainda, é produzido por vários envolvidos

e dentro de conflitos. O autor desconsidera que no contexto da subalternidade, a qual, bem indica,

há estratégias de subversão desta ordem, há a relação entre gerações sob o reconhecimento de uma

mesma origem sociocultural.

De modo geral os imigrantes não desconhecem a realidade que vivem, por que a vivem,

e nem sempre necessitam falar sobre a mesma por meio do auxílio dos protagonistas políticos, pois

dão significados às suas práticas expressivas, a origem delas e a reinvenção no contexto migratório.

São eles os próprios protagonistas de suas enunciações acerca de sua participação política e

corporal. E mais, os (as) envolvidos com as fraternidades não desconhecem a construção social

desta realidade, inclusive, questionam- a. Desta maneira, levantamos uma última questão em

relação a produção de visibilidade da migração e do folclore a partir das estratégias dos migrantes,

desta vez, das manifestações de revolta após a morte de uma criança em uma oficina.

Na madrugada do dia 28 de junho de 2013, sexta feira, no bairro de São Mateus, região

leste de São Paulo, um grupo de encapuzados invadiu uma casa onde funcionava também uma

oficina de costura74. Ao todo 8 (oito) pessoas, todas de nacionalidade boliviana, duas delas

crianças75, foram feitas reféns e extorquidas. Em certo momento da tensão uma das crianças

chamada Brayan Yanarico Capcha foi baleada na cabeça.

Nos dias seguintes nas ruas da cidade de São Paulo diversas pessoas de mesma

nacionalidade que o jovem se manifestaram contra a condição de vida em geral, vivida pelos

74 DA REDAÇÃO. Bandidos matam criança boliviana de cinco anos durante assalto em São Paulo. Bolívia Cultural,

online, São Paulo S.D. Disponível em: <<http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=2030>.> Acesso:04/07/2013. 75 ROSÁTI, Cesar. Quadrilha assalta casa e mata criança de cinco anos na zona leste de SP. Colaboração para Folha.

Folha de São Paulo, Caderno Cotidiano. Publicado em 28/06/2013.03h45, atualizado 07h53.

Disponível: <<http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1302864-quadrilha-mata-crianca-de-5-anos-apos-

assalto-na-zona-leste-de-sp.shtml>>. Acesso em:04/07/2013.

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imigrantes na cidade. A violência sob a qual foi atingida a família da criança76 reconhecida pela

população, o significado sobre ela, tornou-se um sentimento de experiência nesta migratória, não

só o preconceito, mas vulnerabilidade a qual abre caminho para se tornarem alvo de violência é

presente. O sofrimento da família na oficina foi partilhado e politizado, transformando-se em

diversas manifestações77 aonde os migrantes poderiam falar deste sentimento que os unificava

naquele momento.

Para expressarem sua revolta contra o denunciam como tratamento injusto que recebem

no Brasil e repudiarem o assassinato do garoto, muitos expressavam em cartazes o slogan O

Gigante Acordou78, apoiados por protagonistas e a mídia migrante, influenciados pelas

manifestações que ocorreram no mês anterior em todo Brasil, no dia 01 de julho, imigrantes

concentraram-se na Rua Coimbra, seguiram até a Praça da Sé, depois ao consulado boliviano na

Avenida Paulista.

76 BERGER, Ives. A noite em que o silêncio falou!. El Guia latino. Caderno Editorial, São Paulo, publicado terça Feira,

02 de Julho de 2013.

Disponível em: <<http://www.elguialatino.com.br/site/2013/07/editoriala-noite-em-que-o-silencio-falou/>>. Acesso

em:04/07/2013. 77 MARETTI, Eduardo (RBA). Normalmente acuados, bolivianos de São Paulo vão às ruas após assassinato. Más condições de

vida vêm à tona e explodem em insatisfação de imigrantes após morte de garoto de 5 anos em oficina de costura .

Rede Brasil Atual, São Paulo, publicado em 01/07/2013,20h11, modificado,01/07/2013. Disponível em:

<<http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2013/07/normalmente-acuados-bolivianos-de-sao-paulo-vao-as-ruas-

apos-assassinato-4780.html>>. Acesso em:04/07/2013. 78 DA REDAÇÃO. #DIALOGOSPDH/MIGRANTES - Brasil vive um momento histórico. Bolívia Cultural, São

Paulo, publicado S.D.

Disponível em: <<http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=2012>>. Acesso em:19/06/2013.

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Figura 17 e 18- Jovens caminham nas ruas de São Paulo em protesto contra vulnerabilidade79, (12/07/2013).

Fonte: Bolívia Cultural.80

As manifestações foram enquadradas pela mídia paulistana e a imprensa constituída

por migrantes, chamando a atenção da população local, brasileira e não brasileira. A passeata/ato,

teria reunido 3 (três) mil pessoas, segundo as fontes consultadas81, a qual, denunciou outros

79 As fotografias de número 17 e 18, reproduzida aqui, estão modificadas nas margens, em relação a original, para que

adquirissem outro formato estético, segundo a proposta de descrição visual do método da dissertação. 80 DA REDAÇÃO. Saiba mais sobre as marchas de imigrantes na capital paulista. Bolívia Cultural. São Paulo,

12/07/2013.

Disponível em: << http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=2046.>>. Acesso:05/04/2015. 81 DA REDAÇÃO. Imigrantes bolivianos em marcha e protestos em SP - Agora reúnem suas reivindicações. Bolívia

Cultural, online, São Paulo. S.D.

Disponível em: <<http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=2034>>. Acesso:04/07/2013.

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aspectos envolvidos na vulnerabilidade dos migrantes, como a insatisfação82 em relação a serem

alvo de muitos assaltos, bulling nas escolas públicas, mal atendimento nos hospitais públicos, etc.

Embora tenha tido caráter evasivo, na medida em que não foi capaz de se transformar

em uma dinâmica maior, nem permanecerem por mais tempo em outras marchas, ou mesmo criado

algum movimento social, a partir daí, por exemplo, resumindo-se aquele momento. Em torno delas

vieram à tona outros puderam ser expressos nas ruas e visibilizados por um público maior do que

aquele que vive a realidade migrante ou tem acesso à ela a partir dos enquadramentos das mídias

brasileiras e migrantes.

Bem como, demonstrou que a realidade histórica desta imigração havia mudado, pois,

indicaram novos atores, práticas, ações, temas, além da própria quantidade de pessoas na cidade.

Indicando que a população local compreenda a condição de vida de outra alteridade que também

está presente, tendo uma nova política e novo olhar em termos de direitos àquela. Assim,

anteriormente se os imigrantes se manifestavam, comumente, na Marcha dos Migrantes, que

sempre ocorriam ao final do ano em dezembro, organizado por movimentos sociais,

predominantemente, desta vez, partiu da organização de migrantes com apoio de organizações

políticas locais, e não hegemônicas no trato do tema. Além de que é a partir daí que se reconfigura

novos modos de se organizar, novos protagonistas, novos atores, que de certa forma já vinham

emergindo, mas encontram neste momento um ponto de partida, ou mesmo que vão fortalecer

outras iniciativas já existentes.

82 DO UOL. Imigrantes cercam delegacia onde estão suspeitos de matar criança de 5 anos em SP. UOL, Cotidiano, Online. São Paulo,

publicado 28/06/2013.

Disponível em: <<http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/28/imigrantes-protestam-em-frente-

a-delegacia-contra-assassinato-de-crianca-suspeitos-sao-detidos.htm>>. 28/06/2013.

Acesso em:04/07/2013 19h20.

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Figura 19 – Afrobolivianos apresentam a dança saya na 8ª marcha dos migrantes em são Paulo (07/12/2013).

Foto: Ana Maria Defillo83.

Ainda que pouco de suas reivindicações tenham sido efetivadas até hoje, embora, os

migrantes permaneçam reivindicando-as de outras formas, naquele instante, não deixa de ser

significativo a posição de reconhecimento da vulnerabilidade do poder público em relação a

vulnerabilidade denunciada. A Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, por meio

da Coordenação de Políticas para Migrantes, manifestaram solidariedade e apoio à família da

criança por meio de nota pública84, oferecendo apoio na investigação do caso; a Ministra da

83 A presente foto foi originalmente produzida por Ana Maria Defillo (Makeshift Americas, New York University,

Center for Global Affairs) e alterada nas margens pelo autor da dissertação. O material tem autorização para ser

reproduzida nesta dissertação. A foto é significativa na perspectiva de que além de novas práticas, enunciações,

narrativas, etc o processo de migração e de identidade da população também está em processo de reconstrução. A

imagem tem como referente ao grupo de dança autodenominado “afroboliviano”. Este grupo participou da 8ª marcha

dos migrantes a convite dos organizadores. A dança que expressam, visibilizada na imagem por meio dos trajes e dos

instrumentos manuseados pelos referentes, chama-se saya a qual segundo os migrantes de várias origens, é a dança

que deu origem ao caporal. A saya é a memória da população afroboliviana que se consideram os descendentes de

africanos escravizados levados para a Bolívia no período da Colonização, especificamente, à região chamada Yungas.

Os afrobolivianos há um tempo vem reivindicando no país o reconhecimento de sua memória pela qual contam a sua

história na região. O grupo de homens afrobolivianos presente na marcha estavam acompanhados de mulheres e

crianças também integrantes, todos também migrados para a cidade de São Paulo. 84 SECRETARIA MUNICIPAL DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA. Nota pública de solidariedade.

Publicado em 02/07/2013. Disponível, em:

<<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/direitos_humanos/noticias/?p=151476>>:

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Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário85, convocou para

a terça-feira, dia 2 de julho, daquele ano, reunião extraordinária para discutir medidas de proteção

aos estrangeiros que vivem no país86.

Em uma entrevista com duas fraternas integrantes da fraternidade San Simon sobre o

preconceito sob a população a partir da categoria costureiro, e também, sobre a forma como a mídia

retratou aos migrantes e, por fim, sobre o papel da mídia imigrante, os temas listados acima vêm à

tona sob reinterpretações, críticas e denúncias:

[...] M: Acho que é porque tem muita gente nova né. Os jovens estão interagindo. Não são

mais os ... pessoas mais velhas né. Tem muita gente nova, assim, 16 anos já tá dançando

já. Mesmo nascendo aqui já estão introduzidos. \ M: Tem o Bolívia cultural também, né.

Está valorizando mais a cultura boliviana. Antes não tinha isso... alguma... um meio de

comunicação...realmente divulgasse não só a tragédia, costureiro não sei o que, porque

não tem só costureiro boliviano, né?. Meus pais não são costureiros e nunca tiveram nada

a ver com esse meio.\ J: Meu pai também. \ M: Então, os pais dela também nada a ver.

Falam, "a, seus pais fazem o que?". \ J: É que na verdade essa é a imagem que o Brasil

tem né, do Boliviano. \ M: É o Brasil tem, costureiros, vem aqui, aqueles bolivianos que

são meio assim, sabe? Não é assim. \ J: Não é assim... \ M: Não é... meus pais se

conheceram, não tem nada a ver. Meu pai não parece boliviano. \ J: Não parece mesmo.

\ M: Eu não tenho nada a ver com meu pai. Eu tenho mais com a minha mãe... que parece

um pouquinho mais, mas também não parece tanto. Mas meu pai não parece nada com

boliviano. Até porque ele não tem nada a ver, ele fez engenharia. O pessoal fala ai ... meu

pai tem amigos médicos, assim, o pessoal não acredita em mim... que tem médico

boliviano, porque não existe, eu conheço vários dentistas, médicos arquitetos, meu tio é

arquiteto, meu outro tio é engenheiro agrônomo. Gente tem profissão boliviana normal

em qualquer lugar. Né, só porque boliviano não pode ser profissional? É porque

realmente, lá tem muita gente que é do campo e vem pro Brasil, porque não tem profissão,

né. Porque não tem oportunidade, né? \ J: É igual nordestino, né, na verdade. O

Nordestino que vem, não é aquele que é empresário, é o que não tem realmente espaço

lá. E aí ele vem pra cá pra trabalhar aqui. E acontece isso com a Bolívia também, aqueles

que não tem uma profissão, ele vem pra cá. Que ele mora bem no campo mesmo. \ M: E

eles confundem esses com o pessoal da cidade. \ J: Eles [os brasileiros – grifo nosso]

acham que... generaliza... “ah boliviano é assim”... não, não é.. \ M: É... não é... \ J: É a

região. Depende. \ M: Depende. \ J: Isso daí não é uma coisa padrão. E vem muitos

profissionais de lá pra cá, porque lá não tem emprego. Infelizmente, não tem emprego.

Nem pra quem não tem profissão nenhuma, quem não fez faculdade, não tem. Nem pra

quem tem não tem também. \ M: Entendeu não tem. Porque não tem industrias, são

poucas, não tem muito trabalho. Então meu pai por isso veio com a cara e coragem há

(28) vinte oito anos atrás, sem falar o idioma. O clima totalmente diferente, o clima assim,

tropical, muito forte. Lá, na onde ele morava pelo menos, fazia frio a temperatura mais

Acesso em: 04/07/2013. 85 GIRALDI, Renata. Secretaria convoca reunião de urgência para discutir situação dos bolivianos no Brasil. Agencia

Brasil,Brasília DF. Disponível em:

<http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-07-01/secretaria-convoca-reuniao-de urgencia-para-discutir-situacao-

dos-bolivianos-no-brasil#.UdF2Qy32GCA.facebook>. 01/07/2013, 05h40. Acesso em:04/07/2013,19h05. 86 DA AGENCIA BRASIL. Após morte de Brayan, ministra vai debater situação de bolivianos no país. Folha de São

Paulo, Caderno Cotidiano.01/07/2013.

Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/07/1304235-apos-morte-de-brayan-ministra-vai-

debater-situacao-de-bolivianos-no-pais.shtml>. Acesso em:04/07/2013.

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quente era 21º. Então vir pra cá.... uma comida diferente. Feijão... lá não tem feijão... \ J:

A comida é totalmente diferente.\ M: Entendeu, assim. Então mudou totalmente. Meu pai

não ser tão parecido com boliviano meu pai sempre teve uma cabeça de um pouco de

empreendedor, então em um ano ele já conseguiu casa própria, conseguiu carro,

conseguiu tanta coisa, em um país que ele não sabia nada. Então assim, o pessoal

[brasileiros – grifo nosso] confunde muito, as vezes tem gente que pergunta “ah você é

boliviana?”, “mas você faz o que, se faz costura?”. E da raiva até as vezes, meu que que

tem a ver. Só porque veio da Bolívia quer dizer que é costureira? \ J: Se não é costureiro

é traficante. \ M: É traficante (rindo). Ai é pior, ai eu pulo em cima. Né, porque é chato.

Aí o Bolívia cultural veio com isso sabe?, De propagar uma imagem boa da Bolívia, que

jornal é só costureiro, traficante, né... novela então... Amor a vida. \ J: Nossa, quando eu

fui fazer a gravação eu fiquei muito brava.\ J: Porque eles chamaram a gente e não

falaram qual era a cena nem nada. Não porque vamos fazer uma cena no aeroporto da

Bolivia. Inicialmente a gente ia pra Bolívia. Por algum motivo eles falaram: "Não gente

a cena vai simular um aeroporto da Bolívia mas vai ser no Rio". A gente sem entender o

porque né, ta bom, achei nossa, que legal...\ J: Eles [a rede globo – grifo nosso] estão

querendo agora mostrar alguma coisa da Bolívia, achei muito legal. Aí quando chega lá

era uma cena que tinha a ver com tráfico ... \ M: (rindo) \ J: Aí eu fiquei muito brava,

porque? \ M: (rindo) Tava traficando drogas. \ J: Olha a imagem que eles me usam pra

passar da Bolívia. Se eu soubesse eu não ia. Tanto é que eu fui só a primeira vez, depois

eu não fui mais. Porque eu achei isso errado. Por isso que então a gravação não foi lá na

Bolívia, porque provavelmente não foi autorizado fazer uma cena de tráfico lá. De novo

sujar a imagem da Bolívia. Você já imagina a Bolívia, eu acho né. \ J: Então, aí eles

fizeram a cena aqui e usaram a minha cara. Entendeu? Não gostei. \ M: É (rindo). Ainda

bem que a gente não apareceu. \ J: Então, graças a Deus. \ M: Mas ajudou (rindo). Não

queria ter ajudado. \ J: Deveriam ter falado antes o que era a cena. Porque se eu soubesse

eu não ia. Se eu danço justamente pra mostrar a imagem bonita da Bolívia, porque eu vou

lá sujar? Eu não iria. Pode ser uma coisa que... que nem... teve gente que nem ligou, falou

Idaí, já tá ferrado mesmo, mas eu ligo. \ M: É então o Bolívia Cultural ele muda um

pouco. Ele propaga evento, sabe. Eu achei a ideia ótima. Porque não tinha... é o único...

e eu falei com o ... que inventou isso né. \ M: E ele falou pra mim é... porque você não

publica artigos... sobre o Brian, porque ele tinha acesso direto, né com a família e tinha

repórteres que não podiam entrar, teve dificuldades e ele tinha acesso fácil ele podia fazer

uma reportagem exclusiva, né. “Falaram pra mim, vai faz, e eu falei não, eu não vou fazer

isso, a pessoa ta sofrendo” [diretor do Bolívia Cultural – grifo nosso]. “E eu vou

propagar... eu quero propagar o lado bom da Bolívia” [diretor do Bolívia Cultural –grifo

nosso], Falou assim que não tem só desgraça, que não é só escravidão que não é só

costureiro. Tem eventos, tem feiras, tem comidas tem danças. Eu acho que a ideia dele é

ótima. Não tinha, eu acho muito bom. Aí o pessoal com o tempo vai conhecendo, vai

gostando [...].((Entrevista Jessica e Marcela, Escola Prudente de Moraes 27/10/2013).

Na entrevista, as jovens integrantes da fraternidade folclórica San Simon descrevem e

expressam saberes sobre o poder do preconceito e a condição de subalternidade imposta através

deste, por parte de alguns brasileiros. Trazem à tona, também, outros possíveis significados sobre

o contexto analisado87.

87 Algumas considerações devem ser feitas em relação a esta entrevista. A entrevista foi gravada no dia 27 de outubro

na Escola Pública Prudente de Moraes, em que integrantes da San Simon ensaiavam, comumente. A princípio eram

duas sessões de entrevistas separadamente com cada entrevistada,. Uma entrevista apenas com Marcela e outra com

Jessica. A entrevista com Marcela ocorreu primeiro. Depois com Jessica. Na entrevista com a segunda jovem, mais

longa que a primeira, ambas aos poucos foram despojando-se e intervindo. Assim, o que era para ser uma conversa

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O primeiro aspecto, que emerge na narrativa das jovens, refere-se ao lugar da mídia

para a reconstrução da identidade migrante, expressa em espaços públicos, tendo os brasileiros

como seu interlocutor. De um lado, a importância que tem para os migrantes a política de

visibilidade desta mídia, diante do contexto migratório, em que há produção de visibilidades

desumanizadas. A mídia é reconhecida como uma forma de evocar a imagem com a qual gostariam

de falar sobre si mesmo, espelho daquela imagem pela qual gostariam de ser identificadas. Mais à

frente, na entrevista, não reproduzido acima, as integrantes afirmam que após apresentações é

comum integrantes da fraternidade acessarem a página virtual do Bolívia Cultural, para ver fotos

em que foram registradas durante as danças.

O que nos leva a pensar, a partir da crítica irônica das jovens, o lugar da mídia

brasileira, especialmente, como um espelho que vai reafirmar os significantes sob os quais a

população imigrante não gostaria de ser vista. Em particular quero denominar esta imagem, que

está presente na crítica das jovens, de ideologia do “boliviano costureiro”. Esta ideologia racializa

a população migrante, como notamos em seus relatos, uma vez que deshistoriciza está imigração,

retira as identificações de classe, origem regional, espaço-social (urbana), educacional, memória,

homogeneizando-os (as).

intimista virou um bate papo sobre algumas perguntas iniciais e temas, tais como os da participação de integrantes da

fraternidade e outros migrantes de filmagens para capítulos da Novela Amor a Vida, produzida pela Rede Globo de

Televisão. Os motivos para se dançar na San Simon, a mídia Bolívia Cultural, os preconceitos e a “ideologia do

boliviano costureiro”. Neste caso, consideramos dispor a escrita na dissertação conforme a disposição das mesmas,

para que não se perdesse esta dinâmica e a expressão do saber, a sua de crítica, partilhado entre as duas jovens. A

telenovela de Walcyr Carrasco veiculada naquele ano recrutou migrantes em vários espaços, inclusive convidando

integrantes da Fraternidade Folclórica San Simón SP-Brasil, a fim de que participassem de capítulos da Novela em

função da presença de personagens que representariam Latinos Americanos87, e cenas que retratariam a presença

migrante na cidade, e os países de origem dos personagens. Segundo integrantes da San Simon vêm crescendo a

atenção e o interesse sobre a fraternidade, além da novela houve por parte de documentaristas à procura por integrantes

para participarem de algumas filmagens. Outro integrante ironizou o ocorrido afirmando que aqueles (as) participantes

das filmagens tiveram a experiência de ser global por um dia ainda que cenas da quais participaram não foram

veiculadas. Ao todo 16 integrantes participaram de filmagens no Rio de Janeiro, durante uma semana. De fato vem

crescendo a produção de vídeo reportagens, reportagens investigativos e documentários, palestras gravadas,

entrevistas, etc, sobre a presença boliviana na cidade. Dentre os vários artefatos visuais, destacamos os doc ‘100%

Boliviano Mano’ (2013), ‘Sí Yo Puedo’ (2012), ‘La Bolivia Brasileña’ (2013), ‘São Paulo a capital da Bolívia’ (2012),

e o curta ‘Circuito Interno’ (2010). Todas estas produções em síntese vão abordam as motivações de saída dos

bolivianos da Bolívia ao Brasil, abordam a diversidade interna da Bolívia, o trabalho dos imigrantes na capital paulista,

a religião, os preconceitos e a violência que enfrentam, as diferenças do modo de vida dos bolivianos na Bolívia e em

São Paulo, o encontro de gerações e seus desafios no novo contexto, as práticas festivas, a importância da “cultura” no

processo imigratório, questionando a ideologia do boliviano costureiro.

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O questionamento delas à esta significação, releva um dos eixos das estratégias do uso

da enunciação “cultura nacional”, no contexto migratório, por parte dos protagonistas políticos,

dos produtores de bolivianidade, dos grupos de dança e fraternidades. Diante de preconceitos e

subalternidades, o folclore parece estar sendo reconstruído com sentidos diversos, conforme o lugar

dos atores na dinâmica dos vínculos sociais, nas possibilidades de expressão, etc. Pode estar

significando uma identificação de classe – por isto é necessário estar atento ao tipo de dança

reinventada, a condição social dos envolvidos e o contexto de expressão – na migração. Expressar

o folclore, enquanto forma de falar sobre a diversidade, é utilizar de um saber para formular um

contra discurso, contra o poder da invisibilidade, ou a visibilidade preconceituosa, criando um

questionamento das ideologias brasileiras sobre a presença migrante.

Isto abre o segundo ponto. A produção de identidade partilhada significada por origem

comum pode ser, na migração, invisibilizada diante de categorias criminalizadoras como o são a

do “boliviano (a) costureiro (a)” ou a de “traficante”. Formas estas de classificações que alimentam

o poder da subalternidade. No da interculturalidade onde há a construção de identidade estas

categorias põem a dialética aos migrantes entre desvencilhar-se delas, sem deixar de reconhecer-

se a humanidade, condição social, laboral e de origem comum, do compatriota que trabalha na

costura, o qual tem outra experiência migratória diante da condição de trabalho nas confecções.

Para isto as jovens reconstroem sua biografia segundo a dialética de diferenciar-se e

aproximar-se de brasileiros. Isto ocorre na releitura da trajetória de vínculos sociais, familiares e

profissionais que seriam diferentes de outros nacionais, mas tão determinados socialmente quanto

os nordestinos (categoria também carregada de estereótipos), vistos que são sujeitos que migraram

por necessidade devido à falta de oportunidades, tal como seus pais, e sofreram preconceitos e

violência na cidade.

As fraternas, escolhem assumir outro lugar, sempre simbólico, no espaço público. Este

outro lugar não é sem crítica, pois, não se propõe um olhar hipócrita de inexistência de condições

de trabalho precárias, mas o alerta a injustiça do termo ideológico costureiro o qual, cotidianamente

reproduzido reproduz a invisibilidade, reforça a vulnerabilidade dos sujeitos e de suas experiências.

É justamente a partir da conquista do espaço público, através do trabalho, da moradia,

da produção de narrativas e ações políticas, das trocas de experiências em participações com a

população local nas festas, nas expressões corporais, que os brasileiros puderam estar diante da

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alteridade, a qual, ainda tem dificuldades em compreender. Mas foi a partir do encontro e do

confronto que puderem falar sobre.

Sobretudo, percebemos que se são os (as) bolivianos (as) sujeitos de “ação autônoma”

(VIDAL, 2012, p. 101), para a finalidade de agenciariam sua inserção no mercado de trabalho, são

tão capazes de produzir relações sociais e significados, agenciados através dos usos e significações

sob as danças e as festividades nos espaços públicos da cidade, onde se reconstroem a identidade

diante de múltiplos espelhos, ou seja, categorizações, produzido por protagonistas e atores diversos.

A presença no espaço público e a construção de encontros e desencontros exige a reinvenção da

cultura e das diversas narrativas que a acompanha.

As relações de imigrantes e brasileiros em torno de fraternidades folclóricas e das

práticas festivas, particularmente, demonstra que a identidade sociocultural construída em torno do

folclore detém múltiplos significados. Múltiplos significados que são atribuídos também por

agentes como estes. E na sua produção alçando-se para visibilizar aos seus integrantes. Mas como

veremos, não só. Entre os próprios imigrantes estas práticas festivas adquirem significações e

valores muitos diferentes. Bem como é verificável a presença de muitos costureiros participando

destes momentos. E não apenas aqueles que já vivenciaram uma ascensão social ao ponto de serem

donos de oficinas.

As fraternidades ao agenciarem símbolos produzidos em outro contexto sociopolítico

e cultural, relido no contexto migratório, em momentos de manifestações ou comemoração, tem-

lhe utilizado também para constituírem outras formas de relações em que a subalternidade não é

um elemento de coesão, assim, a dança, o traje e as festas poderiam ser visto também sob a ótica

da reconstrução da identidade e do reconhecimento sociopolítico possibilitando, além disto,

relações sociais entre gerações de imigrantes e entre bolivianos e brasileiros que não há em outros

espaços. A reinvenção do folclore e da identidade não pode ser vistos como formas passivas,

reativas ou reificadas, diante do discurso de agentes políticos os quais contribuiriam, segundo Vidal

(2012), ao reforço de estereótipos.

É considerável que as Relações Sociais (ORTNER, 2007) durante o processo

migratório se faz também através da celebração de festas típicas, da alimentação, da religião, da

língua, etc, quer dizer, dos Sinais Diacríticos (CUNHA, 1986) reinventados, ambos, permitindo à

ocupação de espaços ocupados para a produção de diálogos, trajetórias e experiências. Atentar-se

à expressão e os usos do folclore permite a compreensão da criatividade popular no agenciamento

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de artefatos, os quais são reavivados, constituindo ao mesmo tempo sua coletividade, identidade e

sua cidadania no processo migratório, pois “A invenção da cultura, mais do que fruto da

imaginação ociosa dos homens, consiste no resultado de uma convenção” (ROCHA, 2009, p.231),

e de uma reconstrução para fins múltiplos.

As práticas e narrativas que chamam de boliviana construída neste contexto político,

pode ser interpretada aqui por “Bolivianidade”88 ou “Nueva Bolivianidad” (GRIMSON, 1999 apud

GAVAZZO, 2006), significando a interpretação sociológica desta pesquisa sob um fenômeno

histórico que se expressa através de práticas de danças, vestuário, significados, músicas, festas,

alimentação, originários de diversas regiões bolivianas, em que os atores traduzem ora como

identidade, ora por tradição boliviana, reinventada na cidade – a partir destes referenciais –,

assumindo inclusive novos significados, versões, padrões e materialidades e fins conforme seus

diversos protagonistas.

Na atualidade descrita acima, a bolivianidade é constitutiva e constituinte deste

processo político, pois alçada como estratégia simbólica e de ação para modificar, ao mesmo

tempo, o imaginário preconceituoso e o status social dos imigrantes na cidade de São Paulo.

Constituindo práticas de relações sociais entre gerações – uma vez que a subalternidade de

bolivianos é construída pelos locais, também, através de discursos preconceituosos que

desqualifica-os e de ações discriminatórias – disputando imaginários, conquistando espaços

institucionais, para expressão de algumas práticas no calendário de festas local.

A identidade imigrante atual emergida sobre o convívio no espaço público, tem sido

construída por atores e protagonistas que podem ser denominados de “Produtores de Bolivianidad”

(GRIMSON, 1999)89. Os produtores são os integrantes das fraternidades e a série de ativistas

comunitários, dirigentes de associações civis, radialistas, organizadores das festas, diretores dos

grupos de danças, a mídia migrante, protagonistas da sociedade civil, mobilizados em modificar a

condição social dos migrantes na sociedade de chegada, seja em termos de direitos, econômicos ou

‘culturais’.

88 A bolivianidade ou nova bolivianidade em síntese pode ser compreendido como as práticas de danças, vestuário,

significados, músicas, festas, alimentação originários de diversas regiões bolivianas, compreendidas pelos imigrantes

como a tradição boliviana, mas que é reconstruída – a partir destes referenciais – no contexto migratório assumindo

inclusive novos significados, versões, padrões e materialidades. 89 Grinsom (1999) alerta que apesar de muitos desses sujeitos ocuparem uma posição mais confortável na hierarquia

social da própria população migrante, em relação à sociedade de migração, como um todo, estão posicionados “desde

abajo”.

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A nosso ver é no espaço público que relatos são realizados pelos protagonistas políticos

contribuindo para a emergência da migração sobre as identidades do nacional, mas também cidadã.

E mais, para Grimson (1999), é em tal espaço que se configura o processo de “integração” que

devido aos conflitos e à mobilização da identidade pode significar, a seu ver, a busca por

reconhecimento social da existência social dos migrantes e dos seus direitos expressos, muitas

vezes, sob os sentidos deles formarem parte do sistema econômico, social, cultural e político da

cidade em que estão.

Se a migração de bolivianos em São Paulo “[...] conforma um cimento extraordinário

para el desarrollo de proyectos políticos [...]” (GRIMSON, 1999, p. 187). Isso se dá porque é no

espaço intercultural que ocorre a sua visibilidade, significando o resultado de mobilizações da

cultura e disputas de saberes e poderes sobre o processo migratório, sobre a identidade dos

migrantes, e sobre seu status civil. Nesse espaço, a bolivianidade e os sinais diacríticos são

mobilizados pelos “Produtores de Bolivianidade” (GRIMSON, 1999) para instituir “la imagen de

la colectividad” (GRIMSON, 1999 pp.170). Tais atores, em particular, procuram circunscrever a

população sob o imaginário da cultura, buscando com esses instrumentos “[...] un reconocimiento

esperado de la presencia y de la cultura de la colectividad [...]” (GRIMSON, 1999, p.171).

Por fim, a narrativa das jovens fraternas alerta que uma nova geração está ciente destas

adversidades que seus pais experimentam – e que certamente influi em sua própria trajetória -

escolhendo por interagir e se introduzir-se na produção de um outro modo de identificar-se e

relacionar-se, no caso, através das danças. É este laço social e forma de expressar que cabe

investigar a partir de agora, pois, indica outro vetor de ações e significações do processo de

reconstrução de identidade através da reinvenção do folclore. Portanto, para compreender uma das

múltiplas experiências que mantém a unidade e a reinvenção de símbolos para diferentes

finalidades é necessário observarmos a relação entre gerações uma vez que são nestes momentos

que corpos e trajes são reinventados bem como a experiência da comunidade se refaz.

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Capítulo 3º - O Território Circulatório da Fraternidade Folclórica Universitários Caporales San Simon São Paulo – Brasil

A relação dos imigrantes integrantes da fraternidade San Simon pode e deve ser vista

no contexto de sua experiência migratória e da reconstrução de práticas corporais tendo os trajes e

a dança do caporal como referente em torno do qual o reconhecimento sociocultural se desenvolve.

Referente construído em torno de múltiplos e históricos significados desde a sociedade de partida

e que são compartidos e reconstruídos na sociedade de chegada entre gerações, migrantes e não

migrantes.

Duas expressões emicas são pontos de partida aqui para pensar este processo de

construção que perpassa o corpo e a subjetividade, a expressão o boliviano gosta é de dançar e a

interpretação de que uma fraternidade é um ciclo de amigos. A primeira traz a tona uma identidade

sociocultural que não só relaciona-os a uma coporalidade, ou ato de dançar, relativo, mas para

concepção de pertencimento a uma mesma origem social o boliviano, mesmo que não se tenha

vivido na sociedade boliviana, afinal ela é uma referência de tempo – espaço aos mais jovens

apreendida no convívio entre amigos e familiares, através da dança.

A segunda está relacionada a uma concepção de pertencimento. A ideia de ciclo de

amigos dá conta de sociabilidades construídas em torno da dança, não por toda a população de

imigrantes em São Paulo, mas entre atores específicos, os e as fraternas, uma identidade mais

específica delimitada e compartilhada entre aqueles envolvidos na expressão do caporal e da

fraternidade San Simon, para o caso que analisamos nesta dissertação. O ciclo de amigos é

construído com o agenciamento de festas anuais e práticas transnacionais, as quais, são formas de

concepção de corpo e tempo. O ciclo de amigos é construído em torno de práticas corporais

expressas anualmente, faz uso de períodos de festas para expressar a corporalidade que é ao mesmo

tempo uma forma de verbalizar a identidade constituindo com esta experiência a compreensão de

que se dança por que gostam. O termo gostar, portanto, emerge como o conceito nativo para

pertencimento.

Procuraremos compreender no quarto capítulo desta dissertação a experiência de

construção social de uma fraternidade, dentre o vasto universo, observando o caráter sócio

histórico, circulatório e cíclico, por isto mesmo cultural, das práticas e dos significados do gostar

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de dançar. Aos múltiplos agenciamentos e significados compartilhados entre os atores, desde a

Bolívia, até São Paulo, correspondem narrativas de diversos dançarinos que lhe integraram ou lhe

integram e que foram e são ainda agenciadas temporal e transnacionamente a fim de reinventarem

tradições constituindo através daí certo sentimento de pertencimento na experiência migratória.

Se nosso objetivo, mais uma vez, é compreender o vínculo entre gerações que se dá em

torno da dança na fraternidade, faz-se necessário compreender aspectos históricos que envolvem a

corporalidade, que envolvem a dança caporal e a transnacionalidade da mesma, na Bolívia ou até

mesmo em Buenos Aires – uma vez que esta cidade foi um local para o qual ao longo de muito

tempo os bolivianos se deslocaram e muitas das práticas e significados já presentes neste país se

apresentam recentemente na cidade de São Paulo – isto justifica o diálogo proposto entre aspectos

de nosso campo específico com uma literatura cienfífica (boliviana e argentina) sobre aspectos

semelhantes, para ao final levantar outras questões deixando o trabalho em suspenso para uma

agenda de pesquisa futura.

3.1 – O caporal imaginários e usos de um afropersonagem

Até aqui usamos a palavra corporalidade para fazer referência ao ato de expressão

corporal dos migrantes. No entanto, é preciso qualificar o termo para conseguirmos avançar na

reflexão acerca da centralidade do corpo na construção dos laços entre imigrantes, uma vez que é

o referente de identidade sociocultural e é o meio pelo qual expressam sua noção de coletividade,

ou o que dá no mesmo, o meio pelo qual os envolvidos com as fraternidades representam,

significam e comunicam através de actuaciones (CANEVARO e GAVAZZO, 2009) traços daquilo

que consideram ser próprio de sua coletividade

[…] podemos afirmar que existen una multiplicidad de formas de dar sentido y significar

y resignificar lo que se define como un “nosotros”, como aquellos que una sociedad

nacional o una comunidad de inmigrantes de un mismo origen tienen en común [...] En

todo caso, estas práticas sirven y son usadas para construir comunidad mas allá de las

diferencias y como intento para superar las disputas internas y mostrarle a los porteños la

enorme riqueza cultural que aportan al país en el que decidieron estabelecerse

(CANEVARO e GAVAZZO, 2009, p.35-39).

Segundo Canevaro e Gavazzo (2009, p.31) corporalidade é um importante modo pelo

qual fraternos se fazem vistos, sentem, atuam e constrõem laços na sociedade de migração. O corpo

é agenciado criativamente como meio de diálogo entre imigrantes e destes com a sociedade

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receptora. Corporalidade aqui, portanto, mais do que o corpo em si mesmo, ao menos do seu

aspecto biológico próprio dos fraternos:

[…] es un término capaz de aprehender la experiencia corporal, la condición corpórea de

la vida, que incluye dimensiones emocionales y, en general, a la persona, así como

considerar los componentes psíquicos, sociales e simbólicos; en ellas habitan las esferas

personal, social y simbólica, a saber, el cuerpo vivo y vivido. En dicho concepto, la

aparente naturalidad que le confiere su esencia material, proviene de lás práticas que

realiza y la investidura que le ortoga (in-corpo-ral) (CANEVARO e GAVAZZO, 2009,

p.31)

Estes autores chamam atenção para algo semelhante que notamos no contexto da

capital paulista: os coletivos de imigrantes bolivianos têm sedimentado sua experiência migratória

e práticas socioculturais no corpo. E este é um meio de experiência. Estes autores também apontam

processos de construção de identidades coletivas – boliviana e peruana em Buenos Aires em seu

caso – que se referem a uma mesma origem comum onde o corpo não significa somente ação, mas

símbolo de representação e de reconhecimento de um “nosotros” (nós).

No processo migratório o corpo emerge, portanto, como forma de construir outra

imagem de nós frente aos estereótipos que são atribuídos aos imigrantes, ao seu corpo mais

especificamente, por atores da sociedade receptora, no caso nosso, brasileiros e brasileiras, no

contexto da subalternidade. Afinal é primeiramente com o corpo que há o encontro entre

alteridades. E é o corpo o objeto simbólico e materializado a partir do qual os imigrantes mantém

vínculos com o lugar de origem através de práticas de identificação com a Bolívia. No novo

contexto, aliás, buscam recursos simbólicos e materiais de lá conformando desde aí um território

circulatório através do agenciamento de trajes e das datas festivas locais, recontextualizas. A festa

é parte do processo no qual danças tem um lugar de destaque e é meio de vinculo e de expressão

entre gerações, quer dizer:

De modos similares pero distinto a Bolívia, las actuaciones de las danzas han permitido

no sólo que muchos bolivianos conozcan aspectos nuevos de su patrimonio cultural

nacional sino también, lo que es más importante aún, que se reconozcan como membros

de una comunidade que posee una identidade cultural común a la que hay que defender

(CANEVARO e GAVAZZO, 2009, p.32).

No caso da fraternidade San Simon São Paulo – Brasil o corpo é mobilizado no ato das

festas bolivianas, e não bolivianas, para expressarem uma dança em específico, o caporal. No

entanto, esta dança possui uma dimensão materializada e imaginária, o traje e o personagem do

capataz, que foi transformado ao longo do tempo. Na cidade de São Paulo é o referente de

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visibilidade da fraternidade San Simon, principalmente, mas não só. Os trajes e as várias

interpretações sobre ele, bem como os e as outras personagens que surgem daí, comumente geraram

polêmicas entre fraternos, bem como, encantos e preconceito por parte dos brasileiros - como vimos

no capítulo metodológico o caso da matéria publicada no jornal folha de São Paulo sobre as

“cholitas” e suas curtas saias.

A dança caporal possui em seu personagem duas dimensões complementares: a

dimensão da historia sobre os personagens e a dimensão da reinterpretação dos trajes masculino e

feminino acerca daquele personagem. A reinterpretação não tem o sentido de reviver relações a-

históricas e estruturais criadas em um momento passado. A interpretação do “personagem” é mais

próxima ao teatro, digamos, ou seja, da reinterpretação de um texto. O caporal é concepção estética

utilizado dentro de uma de um pensamento cíclico, renovador, é a isto que devemos nos ater a fim

de compreendermos os multiplicos significados e agenciamentos do corpo e do pertencimento

sociocultural. Neste processo de construção artística, durante um período, os vínculos e os sentidos

dados ao corpo – personagem caporal e caporala – e a família, ou fraternidade, são criados.

O caporal e a caporala existem enquanto personagens de um texto – no caso uma dança

- criado pelos bolivianos a partir de outro, ao longo do tempo modificada ao gosto de cada

fraternidade. Mudança que é expressa materialmente, inclusive pela fraternidade San Simon,

através dos modos de dançar e dos trajes modificados anualmente, mas também em termos de

significado e usos conforme o contexto e o interlocutor. Desta forma, do mesmo modo que a

imigração boliviana possui sua história o caporal e as fraternidades também, deste modo

compreender atualmente a construção de festas cíclicas e de laços sociais em torno de grupos de

dança é um importante ponto de partida para compreender a migração boliviana à São Paulo.

E é isto que propomos neste tópico, pois a história do caporal pode dizer em que medida

representações sobre o corpo – em sua dimensão material e subjetiva – e os valores - que

carregaram ou carregam – se relacionam a experiência migratória. Ao menos em termos do vínculo

entre gerações de migrantes e de seus descendentes na sociedade de chegada, da qual, jovens são

parte. Observar a trajetória do caporal em relação as fraternidades, portanto, entre gerações de

migrantes, pode ser outro ponto de vista para observar o processo migratório. Se atentando aos

usos diversos deste personagem e as múltiplas interpretações sobre, poderemos compreender

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mudanças na corporalidade e nos sentidos de pertencimento, nos significados do dançar, por fim,

na experiência migratória na cidade de São Paulo.

Para isto iremos trazer alguns questionamentos de autores sobre a utilização do caporal

na Bolívia junto com dados de campo do caporal em São Paulo, aproximando-os, para ao fim ver

o que há de semelhante e particular a cada processo fazendo emerger daí o que se vive e se sente

em relação à unidade imigrante na cidade. Estabelecemos diálogo entre apontamentos de certos

pesquisadores e as interpretações e significados para os fraternos da San Simon, ambos acerca do

caporal, também, a fim de ampliar a história da própria dança e da fraternidade do que propriamente

buscar um sentido hegemônico estático no tempo sobre ambos e que pode restringir a perspectiva

de compreender as interpretações e os usos que são feitos sobre a mesma, para aí ver os sentidos e

atos da relação dos fraternos na cidade de São Paulo.

Bem, ao longo do tempo o caporal foi adquirindo significações e usos diferentes. E

talvez isto não seja algo incomum na história desta dança, senão próprio de sua trajetória, como

podemos ver nesta reinterpretação do caporal:

Cuando se creó la danza de los Caporales era una glorificación de capataz o caporal negro

de Yungas, ideada y personificada por jóvenes del sector popular de Ch´ijini (La Paz). Sin

embargo, en el transcurso de los años este Caporal y su acompañante feminino (en un

principio nada más que la representación de una coqueta cholita afro-yungueña) se

blanquearon y ascendieron de clase – de tal modo que hoy en dia, la danza más que nada

es asociada con las elites adineradas y totalmente occidentalizadas e incluso fue apropriada

por altos funcionários públicos, como el ministro Tito Hoz de Vila, el “ministro Caporal”,

quien de esta manera conjuncionó el poder simbólico del personaje con su poder muy real

(SIGL e SALAZAR, 2012, p.33).

O caporal, como já dito, tem uma sociohistoria e esta corresponde a trajetórias de

algumas fraternidades. Segundo Sigl e Salazar (2012) a dança pode ser classificada entre aquelas

que são parte do conjunto de danças “meztiços-urbanas (folklóricas) ” diversa às não urbanas e que

no país é sinônimo de dança étnica, não andinas, melhor dizendo. Nestes autores encontramos que

o caporal foi ao longo do tempo associado ao imaginário do poder masculino e a estereótipos sobre

a feminilidade que classificam por estereótipos de gênero.

Neste sentido, para aprofundar tal proposição é importante verificar o imaginário sobre

a origem da dança do ponto de visto dos fraternos da San Simon relacionando ao imaginário sobre

a origem do caporal na Bolívia e outros lugares em que é expresso. A interpretação já não tão

recorrente atualmente, porém, ainda presente, de a dança surgir do personagem capataz yungueño

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da dança denominada saya afro-boliviana. Para os autores, paradoxalmente, o personagem do

caporales foi uma reinterpretação do personagem caporal da dança saya afro-boliviana, ao longo

do tempo, por isto, no imaginário popular sobre a mesma, foi correntemente associada a saya, só

mais recentemente devido aos esforços da população negra boliviana em sua experiência de

construção de uma identidade sociocultural, ambas são vistas como práticas de expressão corporal

identitária próprias e separadas. A saya sendo associada a população afro e o caporal a população

urbana, jovem, ocidentalizada. Diferenças entre as duas danças podem ser percebidas a partir das

imagens visuais as quais mostram o capataz na versão da San Simon e na versão de afro-bolivianos.

Figuras. 20-21. Dançarinos utilizando traje do capataz na dança de Caporales e na dança Saya.

Fonte: (Reinaldo, foto 20, 02/06/2013)90, (Periódico La Patria, foto 21, 28/10/2012)91.

90 A foto de nº 20 é uma das fotos produzidas por Reinaldo com a câmera do pesquisador durante apresentação da

fraternidade Caporales San Simon durante a 18ª Festa dos Imigrantes. Traz o olhar do integrante quando este solicitou

utilizar câmera do pesquisador refletindo aspectos significativos que os imigrantes buscam expressar dançando: as

cores, a gestualidades, a concentração, o chapéu do capataz (figura), e nesta foto em particular os dois SS da San

Simon. A foto tem autorização de uso concedida ao pesquisador. 91 Figura. Capataz afroboliviano durante apresentação da Saya afroboliviana. La Pátria Periódico de Circulación

Nacional. Domingo, 28 de Octube de 2012.

Disponível em: <<http://lapatriaenlinea.com/?nota=124055>>. Acesso: 18/05/2015.

Esta segunda foto retirada do periódico é interessante no seguinte sentido. Nos pés do jovem que interpreta o capataz

ou chicoteiro há uma corrente. Este material é utilizado também pelas fraternidades que expressam o caporales,

geralmente, nas botas e que fazem barulhos conforme dancem. Portanto, mesmo este aspecto é reinterpretado pelas

fraternidades de caporales.

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O caporal teria sido construido ao longo do tempo por famílias intergrantes de

fraternidades, a San Simon é uma delas. A família “Estrada Pacheco”, por exemplo, foi criadora

da dança por volta de 1969 e, portanto, pioneira à utiliz-la no contexto das festas com o grupo

folclórico “Urus del Gran Poder”, apresentando-a em 1972 na festa del Gran Poder.

Neste sentido, uma das primeiras características é que o caporal é produto “del

desborde de creactividad” (SIGL e SALAZAR, 2012, p.34) caracaterístico de uma sociedade em

que “[...] la creación de danzas compuestas por figuras protagónicas de otras danzas como por

ejemplo los Reyes Morenos (uma multiplicación del Rey Moreno de La Morenada) o la Angelada

(la masificación de los Àngeles de la Diablada) [...]” (SIGL e SALAZAR, 2012, p.34), ocorrendo

também no processo migratório.

Acontece que a difusão do imaginário sobre o personagem caporal que os irmãos

Estradas expressaram deste ter vínculo com o chicotero da dança saya se constrõe pouco a pouco

na idéia de que a dança urbana surge da dança dos afro-bolivianos. Quando, para os autores melhor

seria “[…] decir que la danza se inspiro en un capataz de Yungas que admitir que salió de los

Negritos, una danza médio chistosa derivada de los Villancicos nadideños.” (SIGL e SALAZAR,

2012, p. 34). Mais especificamente o caporales emerge quando Alberto Pacheco – empresário de

espetáculos – convida um grupo afro-yungueño para dançar em La Paz. O grupo fez muito sucesso

com sua apresentação e inspirou os irmãos que a partir de alí resolvem criar a dança dos caporales

inspirada no personagem:

[…] Pasó el tiempo luego ya nos presentamos con una danza de los Caporales en los

espetáculos haciéndonos similar a la tropa de ellos, pero de charme, de piel de lobo […]

(VÍCTOR ESTRADA, 04.05.01 apud SIGL e SALAZAR, 2012, p.35)

[…] Días más tarde de esa actuación, nos reunimos para dar vida a una nueva danza que

fuera tan alegre y espetacular como la de los negritos

(VICENTE ESTRADA, 25.11.07 apud SIGL e SALAZAR, 2012, p.35)

Os autores buscam reafirmar que talvez a intenção dos irmãos Estradas era se

diferenciar da dança dos “negritos\Tundiques” expressando a época uma dança que hoje não

poderia ser considerada popular, nem tampouco associada ao setor social que se apoderou dos

caporales, ao longo do tempo, a classe média embranquecida e ocidentalizada urbana.

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Nós, no entanto, além desta trajetória da dança, destacamos como uma mesma tem uma

história ligada a cada grupo que lhe faz uso seja na sociedade de origem seja na de migração. A

corporalidade é expressa enquanto identidade fraternal, sua reinterpretação está relacionada a

produção de uma identidade corporal, adquirindo em cada contexto imaginários múltiplos durante

seu agenciamento.

Em cada fraternidade outros imaginários sobre a corporalide são produzidos e

expressos, apesar de haver continuidades entre eles muitas vezes, quer dizer, continuidades entre

atores na sociedade de origem e a sociedade de chegada. Como podemos observar nesta entrevista

gravada com Reinaldo a época diretor da fraternidade San Simon São Paulo - Brasil, na

apresentação da fraternidade durante a 18ª Festa do Museu da Imigração em 2º (primeiro) de julho

de 2013:

[...] Então né, nós somos uma filial a uma instituição grande que vem desde a Bolívia. A

Bolívia assim, existe a fraternidade Caporal San Simon que é lá são... ela é uma

fraternidade de um grupo grandíssimo de uma faculdade enorme lá, uma das principais

faculdades que tem na verdade então lá começa assim uma história grande sobre a dança,

como eles vão é ... o grande foco da fraternidade é a dança do Caporales, que vem da

dança dos negritos, da dança da escravização das antigas épocas que eu não sei te falar

assim quantos anos são. Mas ela vem sempre representando pelo capataz né, que é homem

que escravizava, tanto que eles usam chicote e as botas tem os cascavéis que simbolizam

as correntes dos escravos arrastando, então ele vem demonstrar força como um capataz

né. E dentro disso, tem a cholita né, que a gente chama, cholita é aquela mocinha que

dança que mostra mais a sensualidade, o lado bonito da dança, da sensualidade da

mulher, da beleza boliviana tá. E essa dança vindo de lá, nós aqui em São Paulo, Brasil,

pedimos uma autorização para tá levando o nome dessa fraternidade que vem lá também

desde a Bolívia. E como eu disse né, é uma fraternidade grande né, a Caporales San

Simon, que é a universidade maior de Saint-Simon na verdade que é a fraternidade, e

conseguimos trazer essa dança para cá, com autorização, passamos por um, dois , três

anos de teste para a gente ser autorizado a tá levando o nome para frente, e hoje em dia

estamos aqui levando o nome dessa fraternidade lá da Bolívia. Trabalhamos em prol,

sempre tá divulgando a cultura, a cultura boliviana, nunca pensando pelo lado financeiro,

mas sim trabalhamos prol o próximo para divulgar nossa cultura aqui no Brasil,

trabalhamos mais por isso.(Entrevista Reinaldo, 18ªFesta do Museu da Imigração,

02/06/2013)

O caporal é uma dança que se constitui em torno de um personagem, o capataz, este

personagem masculino envolve a identidade da San Simon e tem a saya como símbolo referencial

constitutivo da reinterpretação da dança na cidade de São Paulo:

[...] A. É que é assim o Caporal nasceu de uma dança que se chama Saya. Saya é uma

dança que é mais antiga ... Saya é uma dança feita pelos afro-bolivianos lá na Bolívia,

depois que veio o Caporales. Caporales pode dizer que é dança estilizada da Saya dos

afro-bolivianos. Thinku é uma dança que é milenar, essa é uma dança que é muito mais

autóctone o Thinku, muito mais antiga porque o povo antes quando tinha guerreiros, eles

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dançavam desse jeito pedindo força para Pachamama, para a guerra que eles iam ter.

Inclusive tinha muitas vezes, dizem, não sei é verdade, mas o que eu escutei é que tinha

vezes que o exército oposto ia brigar já dançava na frente do oposto, e eles mostravam

muito mais fôlego, eles não cansavam, e era uma forma de ver o seu poderio por outro

ângulo, então quando o outro já via se tinha de possibilidade de evitar uma guerra, já

não tinha confrontamento né, porque eles dançando eles mostravam que eles tinham mais

fôlego que o inimigo, então era uma maneira de mostrar o fôlego que tinha os guerreiros.

Mas na verdade essa dança se dançava para pedir força para Pachamama, para pedir

que chuva.[...] A. Essa roupa aí que dá no capataz que era o preto que batia no mesmo

preto, o seu irmão, que era oprimido por seu patrão que sempre o capataz era o cara

grande e forte, é por isso que nossa roupa você vai ver que tem ombro, ele tem aqui na

parte da frente espuma para tentar simular a figura de uma pessoa forte e o capataz era

o mais grande, o mais forte dos morenos [...] A. São da África.[...] A. Tem uma lenda que

se fala lá na Bolívia desses suposto rei afros, que supostamente eram descendentes do Rei

Salomão.[...] E. Eu não sei tipo assim, que os mesmos europeus trouxeram africanos para

trabalhar na Bolívia, nas Yungas. Então há algumas pessoas que ficaram lá também desde

Àfrica por isto eu acho que [...] A. Tem uma lenda que se fala do Rei Moreno dos Jungas,

procura no Google vai ter muita... Você pode encontrar informação né. Porque

supostamente esse rei Moreno, supostamente eram descendentes do Rei Salomão. Na

verdade era assim, os europeus quando eles pegavam os africanos, porque eles caçavam

os africanos para eles venderem como escravos, primeiro eles ofereciam nos EUA, nessa

parte onde tinha mais dinheiro e supostamente que a compra do escravo era como a

compra de um cavalo, eles olhavam os dentes, olhavam os pés para ver se tinham micose,

fungos, olhavam tudo. Então como eles tinham mais dinheiro eles iam comprando as

melhores espécimes, daí iam descendo vendendo a poco, yá quando chegavam na parte

da Bolívia, supostamente falavam que só chegavam os mais pequenos, os doentes porque

quase ninguém comprava. E quando eles viam que não iam ter compra, que não iam

comprar esse escravo que era pequeno ou doente, eles deixavam livre lá no Yunga para

que eles se virem [...] A. Eles ficaram por lá, mas ficaram também como escravos muitos.

Agora você vai fazer uma análise e vai ver por que o moreno de lá, no Brasil, Colômbia,

EUA é mais grande do moreno da Bolívia. Porque os morenos da Bolívia são pequenos

na maioria.\. E. Os negros né, que fala [...] A. Negros. O lugar onde estão se chama Los

Yungas. (Entrevista Alex, Miguel e Evandro, Praça Kantuta, 29/09/2013).

A seguinte narrativa são as respostas de Alex, Miguel e Evandro as questões do

sociólogo sobre o capataz, personagem do caporal. Alex é natural de Santa Cruz, tinha 31 (trinta e

um) anos á época, estava a 2 (dois) anos em São Paulo, mas já dançava na San Simon a 6 (seis)

anos, participava desde a Bolívia na Fraternidade. Miguel, por sua vez, tinha a época 23 anos,

natural de Cochabamba estava a 3 (três) anos no Brasil e 3 (três) na San Simon São Paulo Brasil,

portanto, envolveu-se com a fraternidade na sociedade de migração. Evandro, por fim, natural de

São Paulo a época com 21 (vinte e um) anos, tendo sua família origem em Oruro.

Mantivemos a dinâmica de diálogo entre os entrevistados ocorrida na praça Kantuta

zona norte da cidade, quando bebíamos e comíamos, após dia de ensaio em 29/09/2013, a fim de

ver aspectos de tal imaginário sobre a historicidade da corporalidade do ponto de vista fraternos.

O que uniu os três neste momento de sua experiência migratória, além de serem de regiões do país

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ou possuírem familiares com origem neles, o fato de serem integrantes da fraternidade e

partilharem do imaginário sobre o caporal.

Tal narrativa carrega consigo uso de termos racializado, apesar do demonstrado

cuidado com a representação, sobre a história e as características fenotípicas das populações de

africanos escravizados na região. Esta é meio de explicar o surgimento deste personagem e daquela

alteridade na sociedade de origem dos mesmos. Esta interpretação, no entanto, não pode ser vista

como reprodutor do imaginário sobre o caporales descrito por Sigl e Salazar (2012) entre as

famílias e fraternidades bolivianas dos anos 60 e 70. Mas interpretação da corporalidade na

experiência migratória contemporânea. Esta continuidade e reinterpretações da corporalidade é

significativa uma vez que entre fraternos da San Simon nem todo dançar e participar da fraternidade

se deve ao imaginário sobre o poder do caporal, sobre a história do caporales. Mas há como parte

do imaginário múltiplos usos e significados socioculturais:

[...] A. É que assim, na verdade a gente dança na parte religiosa para uma virgem que

nós temos lá na Bolívia, que é a Virgem de Socavón, em Oruro, em Cochabamba se chama

Virgem de Urkupiña, em La Paz existe a Virgem de Copacabana. Então a gente dança em

honor a essas entidades celestiais que existem. A gente faz um pedido para elas e a gente

paga para elas dançando 3 anos seguidos lá em Oruro. É essa crença que a gente tem na

parte religiosa. Agora, outro por identidade é que a gente dança porque a gente gosta da

Bolívia, para não se esquecer da nossa terra, seguir a nossa identidade como somos nós,

porque a gente se sente muito orgulho de ser boliviano, e a gente demonstra isso dançando

alguma dança folclórica de lá. Agora outra coisa por status é por, como poderia decir, é

para ter mais amizade, porque aqui na fraternidade você consegue muitos, muitas boas

amizades e você confraterniza com eles, você vai para festa, vai jogar bola, e trabalha

com eles. É uma fraternidade como se vive, é uma família à parte da nossa família de

sangue, então eles seriam como uma família de amigos, de externos, não de sangue mas

de coração, irmão de coração [...] E. Como irmãos da Bolívia mesmo. [risos] [...] A Eu

danço porque gosto de thinkus, de morenada, e chacareira, Cueca. A gente tenta dançar

outra dança porque nossa cultura, mas agora dançar assim, do jeito de devoção que eu

tenho com o San Simon, foi com o San Simon mesmo. Caporales San Simon que é a nossa

dança, que se chama Caporales, a fraternidade se chama San Simon [...] E. Então eu

acho que as pessoas gostam mais de Caporal porque essa é a melhor dança da Bolívia

[...] e também porque a roupa é muito melhor que as outras, outras roupas das outras

danças. Por isso eu acho que é a melhor, porque gostam todas as pessoas de dançar

mesmo o Caporal.[...] E. Da roupa e o nome também, muito mais o nome que leva, porque

San Simon é uma fraternidade a nível internacional, não é só aqui no Brasil, é a nível

mundial [...] M. É mais uma questão de gosto né, assim, sempre se ... for na nossa

fraternidade a maioria é composta por jovens né, e na Bolívia também é assim, a maioria

dos jovens dançam Caporales mesmo. Isso aí é algo que [...] A. E outra coisa também,

pelo menos pelo fato de ser de salto e de pulo, exige muito mais vitalidade para a pessoa,

então é mais apto para pessoas jovens, então você vai ver que tem mais gente jovem

dançando essa dança porque é uma dança que exige muito da vitalidade da pessoa.

Morenada você vai ver gente mais velha porque não exige muito do físico, do fôlego da

pessoa. Então [...] A. Aí está também a parte da elegância da roupa, você quando se veste

com uma roupa você já é como um, é como um instante de ser um cavaleiro, então a

mesma roupa que você veste ela é bonita, ela é elegante e mais atraente para você e para

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outra pessoa. Agora o thinku é algo mais autóctone, é bonito porque nós também

gostamos [...] A. Tem muita gente que faz muito esforço, e eles tentam fazer de tudo e

trabalhar tudo isso [...] É a alma da nossa dança, a nossa identidade. Na verdade o mais

importante que eu posso dizer da nossa fraternidade é você é a identidade que te dá a

dança folclórica Caporal. A gente tá aqui, a gente veste a camisa do Caporal com orgulho

[...] A gente dança com orgulho, porque nós somos bolivianos, estamos gostando de ser

bolivianos. (Entrevista Alex, Miguel e Evandro, Praça Kantuta, 29/09/2013).

Esta narrativa integra a anterior e se deveu as questões que o pesquisador realizou

acerca das afirmações de Alex de o boliviano dançar devido a três atributos: devoção, paixão e

identidade. Estes atributos mais do que se opor constituem o imaginário sobre a sociedade de

origem e a corporalidade constitutivo da idendidade sociocultural da fraternidade a partir da

narrativa sobre usos da corporalidade. A expressão da dança em contexto devocional contribui para

circunscrever esta identidade sob o valor devocional sem deixar de lado o valor mais sensível do

gostar relacionado ao sentimento de pertencimento a uma comunidade sociocultural. E mais além

destes atributos a identidade é relacionada a geração e a estética: nesta dimensão a dança é descrita

sob o âmbito da jovialidade e a energia exigida daqueles que desejam expressa-la.

a) Imaginários históricos sobre o personagem Caporal.

Diferentes simbolismos já foram atribuídos ao longo do tempo à dança e para nós

jogam luz a identidade corporal dos diversos sujeitos que se expressam no pretérito contexto

boliviano e no contemporâneo processo migratório para São Paulo.

O significado de poder foi e parece ser atraente símbolo de autorepresentação,

principalmente, aos jovens, segundo Sigl e Salazar (2012). A performance de masculinidade é

autoatribuída nos atos de força, exitação, confiança, ostentação e controle durante a representação

do personagem na dança. Esta corporalidade é constitutiva de um imaginário que se volta a

naturalizar o estigma à população negra na Bolívia, com o qual não se deseja associar, em que não

se “[...] quiere ser “esclavo”; todos aspiran a ser un mandamás y una posibilidad de hacerlo es

transformándose en Caporal” (SIGL e SALAZAR, 2012, p.38).

Os autores comentam a dança adquirir ao passar dos tempos outra representação

relacionada a glorificação do machismo e o autoritarismo militar, influenciado pelo contexto dos

anos 1970 de ditadura: “[...] al mismo tiempo también son producto de un período regido por

dictaduras militares (especialmente la de Bánzer, quien a partir de 71 impuso su régimen de “orden,

paz y trabajo”)” (SIGL e SALAZAR, 2012, p.34). E mais “El caporal nace del desorden social en

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la década de los 70 a raiz de los repetidos regímenes militares, es por ello que sus pasos se asemejan

a un ejército, todos los danzarines llevan un tátigo que representan el poder, como si existiera

sociedad alguna en la que todos mandan.” (SENDA YUNGUEÑA en DAZA ÁVARES, 2006: s.p.

apud SIGL e SALAZAR, 2012, p.38). E é no âmbito deste ato e significado que para os autores é

possível compreender a construção e difusão do ato de saltar: “[...] el salto del volapié hacia arriba,

parecido al paso de ganso [...]” criado pela fraternidade Sambos Caporales de Oruro. E que é

reinterpretado pelas fraternidades San Simon e Kantuta Bolívia no contexto migratório:

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Figuras. 22 e 23. Fraternidades Caporales San Simon e Kantuta Bolívia se apresentam durante a festa pré-parada. 28/07/2013.

Fonte: do autor.

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Em relação ao salto. Como vimos na entrevista anterior este é significado a partir da

referencia a jovialidade e menos ao militarismo. Os dois modos de ver, portanto, são integrantes

de significados, imaginários e representeções sobre a corporalidade que muda ao longo do tempo,

o lugar e os atores. Guiarmo-nos pelas entrevistas anteriores nos faz notar que aos integrantes da

San Simon representar a corporalidade sob o viés do esforço físico e a jovialidade é construir uma

identidade fraternal menos relacionada ao militarismo do que aqueles termos:

[...] M. É mais uma questão de gosto né, assim, sempre se ... for na nossa fraternidade é

composta em sua maioria por jovens né, e na Bolívia também é assim, a maioria dos

jovens dançam Caporales mesmo. Isso aí é algo que.. È uma questão de gosto de cada um

mas a maioria dos jovens dançam caporales [...] A. E outra coisa também, pelo menos

pelo fato de ser de salto e de pulo, exige muito mais vitalidade para a pessoa, então é

mais apto para pessoas jovens, então você vai ver que tem mais gente jovem dançando

essa dança porque é uma dança que exige muito da vitalidade da pessoa. Morenada você

vai ver gente mais velha porque não exige muito do físico, do fôlego da pessoa.

Então...[...] M. Então isso é também de gosto [...] A. Tem muita gente que faz muito

esforço, e eles tentam fazer de tudo e trabalhar com isso. É a alma da nossa dança, a

nossa identidade. Na verdade o mais importante que eu posso dizer da nossa fraternidade

é você é a identidade que te dá a dança folclórica Caporal. A gente tá aqui, a gente veste

a camisa do Caporal com orgulho... A gente dança com orgulho, porque nós somos

bolivianos, estamos gostando de ser bolivianos [...] A. Tem essa coisa que o San Simon...

San Simon é conhecido como ganhador de campeonato, a gente ganha muito

campeonato...[...] A. Na Bolívia também. Então o mesmo peso que te dá a fraternidade

de San Simon, ela exige a pessoa a dar o melhor de si, então é como um status podemos

dizer, estar num time que sempre ganha né. Seria uma coisa assim [...] A. Então quando

você fala em San Simon, você tá falando de um nome muito grande, que tem em muitos

lugares do mundo e o bom de San Simon que ele incentiva a cultura das pessoas que

moram lá fora que são bolivianos. Então tem filhos de bolivianos que nasceram lá fora

que dançam a dança de Caporales, eles aprendem mais da cultura do país dos seus pais,

que é país deles também, e eles já começam a amar o país da Bolívia, sendo que eles não

vivem na Bolívia. Então o amor que eles começam a ter na dança, na música boliviana

eles começam a ver a Bolívia como se fosse uma pátria de nascimento deles [...] A. A

dança influencia muito nisso [...] A. Isso, a gente não perde as raízes, e também você vai

ensinando coisa boa para a juventude [...] A. Isso era pra que todo mundo saiba quando

o capataz tava chegando, então ele caminhava e, inclusive ele se comunicava com as

pessoas pelos cascavéis. Se ele pulava mais rápido ele queria, dizia que todo mundo tinha

que trabalhar mais rápido [...] A. Na dança isso se converte num instrumento musical né.

A bota é só um instrumento musical, não é somente para se vestir, porque você dá ritmo

pro passo com cascavéis. A bota e os cascavéis é o indumentário mais importante que tem

do Caporales. Pode faltar qualquer coisa menos a bota e os cascavéis. (Entrevista Alex,

Miguel e Evandro, Praça Kantuta, 29/09/2013).

Conforme Sigl e Salazar (2012) o ato do salto foi iniciado no universo das festas pelos

Sambos Caporales de Oruro. Este grupo, descrevem os fraternos da San Simon, é seu rival na

Bolívia, no contexto migratório é o Kantuta Bolívia. Em todo caso no processo de construção da

corporalidade das fraternidades, lá e aqui, a escolha de um ato é um modo de se diferenciar

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gestualmente, dimensão da experimentação artística da vida. Os atos e gestos bem como as

identidades que se constroem em torno das corporalidades são constitutivos de estética corporal

onde é a outra fraternidade e o outro corpo a referencia de alteridade, e, portanto, para o qual se

deve diferenciar-se artisticamente, fortalecendo identidade corporal de seus membros, conforme

relatam Miguel, Evandro Alex e Willian, nas duas entrevistas abaixo:

[...] A. Tem essa coisa que o San Simon... San Simon é conhecido como ganhador de

campeonato, a gente ganha muito campeonato... A. Na Bolívia também. Então o mesmo

peso que te dá a fraternidade de San Simon, ela exige a pessoa a dar o melhor de si, então

é como um status podemos dizer, estar num time que sempre ganha né. Seria uma coisa

assim [...] [Som alto no fundo] [...] A. O rival mais...é o Sambos, Caporales Sambos [...]

M. É outra fraternidade também que dança Caporales [...] A. Depois estão os

Centralistas... [...] A. Porque tem Caporales em Sucre, Oruro, Santa Cruz [...] A. Os

Centralistas também tem, mas é mais pequeno entre os 3 o mais pequeno é Centralistas,

o mais grande é San Simon... O mais grande é San Simon, Sambo está em segundo sempre.

[...] A. É rivalidade, porque você canta e eles estão cantando músicas para Sambos. Passa

Sambo e a gente canta música de San Simon. Mas é uma rivalidade sã, não tem brigas

[...] E. Sadia. Mas sempre tem aquela provocação [...] A. Sim [...] A. O Kantuta tenta,

tenta ser igual [risos]. Tenta ser igual, mas eles são... A gente tem um respeito pelo

Kantuta, mas o Kantuta é, eles são fundador e eles estão há muito tempo aqui. Mais

antigo. Mas tem rivalidade sim porque são outros grupos distintos que dançamos a mesma

dança, então sempre vai ter rivalidade. E tem que existir rivalidade porque isso é um

incentivo pra gente, pra melhorar na dança. [...] A. De Kantuta passa muito pra San

Simon. [...] E. Porque isso no momento, o San Simon tem 6 anos aqui né, ou seja é uma

fraternidade muito nova, antes de existir San Simon só existia a Kantuta então é por isso,

é pelo fato do San Simon tá crescendo, é muito nova aqui, mas eu acho que daqui uns 5

anos isso aí já não vai existir mais. [...] M. E outra diferença tipo assim, quando você

entra na fraternidade do San Simon você tem que pedir a permissão pra dançar lá na

Bolívia, mas agora se você vai dançar aqui na Kantuta você não vai ter [...] E. A diferença

que aqui, o San Simon é uma filial né, então a central é em Cochabamba, a filial daqui

sempre tem que ter, prestar alguma resposta, tem que seguir o que a central fala, segue.

E no Kantuta não existe isso... [...] A. O Kantuta é só em São Paulo...[...] E. Só aqui no

Brasil, não existe... O Kantuta foi fundado aqui em São Paulo e sem seguir ninguém na

Bolívia. Foi um grupo de bolivianos residentes aqui em São Paulo que fundaram. Mas o

San Simon não né. O San Simon foi fundado com outro intuito, seguindo as bases de

lá...[...] M. Tem umas regras também lá, tipo, você que fez com que você possa... Quando

não queres obedecer... Quando não quer seguir aquelas regras que eles impõem para a

gente.[...] E. É claro que existe esse contato como tava falando é a gente pode dançar, a

gente tem um número limitado, mas a gente pode ir num carnaval de rua e dançar lá. A

gente pode ir em outros eventos e dançar lá, existe esse contato, coisa que o Kantuta não

tem. Também, esse com certeza esse é um dos motivos de muita gente vir dançar no San

Simon também, querer dançar lá também.[...] E. O pessoal sai do Kantuta com o

pensamento, "se eu dançar no San Simon eu tenho a chance de dançar na Bolívia algum

dia", então existe sim esse contato maior com certeza. [...] A. Vinham, agora não. Agora

só veio uma, antes vinha. [...] A. Também tem esta diferença, Lá o pessoal da Bolívia tem

que venir dançar, eles escolhem dançar onde querem, onde tem permissão pra dançar, é

sério, estão para ir mais para os EUA. Pra Londres. Então essa é a diferença. [...] A. Tem

San Simon até em Estocolmo, Suécia. Na China...Na Itália, Espanha. (Entrevista Alex,

Miguel e Evandro, Praça Kantuta, 29/09/2013). [...]

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Meu, o que me deixou mais animado primeiro antes de entrar é o ritmo dela, é um ritmo

mais rápido e quando você escuta a banda, com aqueles bumbos, os pratos você já fica

animado, quem tá assistindo e nem conhece só de ver esse ritmo da banda vai apaixonar.

Eu gostei disso, de cara. Depois o San Simon ele se diferencia muito em relação aos

passos, os passos do San Simon em relação aos outros grupos que tem fora do país, ou

até mesmo aqui em São Paulo, é muito mais diferente, é muito mais impactante. Em

comparação com as outras fraternidades assim, a dança Caporal em relação a Thinkos,

Morenadas, Diablada é... esses pulos que a gente dá, a gente dá muitos pulos, o San Simon

dança com o coração, aquela alma, não que Thinkos, não que Morenadas, Diablada, não

dancem mas, é um ritmo gostoso, é um ritmo empolgante sabe, animador, eu gosto de

chamar meus amigos, falam assim, "eu não sei que dança você dança", "Eu danço uma

dança folclórica boliviana". E o que que eles pensam de cara, "aquelas flautinhas, com

apitos, legal", falei não “vai um dia ver a minha dança, Caporales", mostro com maior

orgulho para eles. Mando vídeo no Face, mando vídeo no Youtube, falo "olha esse aqui é

o Caporales", o pessoal olha meu de cara já gosta, de cara, e como uma primeira

impressão deles meu eles vendo isso eles já olham com outros olhos a cultura boliviana,

coisa que ninguém olha né, pouca gente olha de um outro olho assim. (Entrevista, Willen,

Praça Kantuta, 20/10/2013).

Outros símbolos atribuidos ao personagem caporal na Bolívia estiveram relacionados

a estereótipos de gênero (Cf. Sigl e Salazar, 2012) na construção do masculino. A materialidade

dos chicotes e o corpo atlético e imponente de quem dançava buscava corporalizar, segundo os

autores, significantes de força, atives, atrativo e potencia, bem como agressividade, rebeldia e

violencia. A sexualização do corpo foi outro significante este insinuava que o personagem e o seu

representante teria “[...] una potencia (sexual) increíble y ser un latin lover (amante latino)

irresistible [...]” aspecto que reforçava ao “[...] imaginário internacional acerca de “los”

apasionados y fogosos con el folklore boliviano [...]” (SIGL e SALAZAR, 2012, p.42). A

jovialidade e a imaturidade, por sua vez, emergiam “[...] al representar al mandamás autoritário,

poderoso y exitoso con un cuerpo de luchador atlético el bailarín anhela convertirse en tal.” (SIGL

e SALAZAR, 2012, p.43). Ainda no país, segundo Sigl e Salazar (2012), foi construído uma

narrativa entre a dança e o mundo político. Em um momento a dança era apresentada enquanto ato

de sublevação a condição opressora das ditaduras, embora esta interpretação tenha sido muito

questionada, deixando de ser significativa ou pelo menos influente.

Por fim, em relação aos usos da corporalidade, o caporales como dança e como

narrativa foi reapropriada e reinterpretado por certos setores sociais não populares quando é criado

os “Caporales de Èlite” (GÓMES SILVA, 2006, p.137 apud SIGL e SALAZAR, 2012, p.41). A

dança a partir daí é narrada, no universo das danças, sob sentidos de ser uma corporalidade de

hedonitas, consumistas; seus trajes teriam uma concepção estética fashion (de moda); seus

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integrantes vistos como ocidentalizados; desta forma a corporalidade adquiriria e se expressaria

“los pasos muy violentos, es que se ve bien. Y es porque la gente de clase media alta [...] ellos ven

que lo interesante es parte de un proceso cultural” (MAURICE CAZORLA, 27.01.2012 apud SIGL

e SALAZAR, 2006, p.41).

b) Identidade Globalizada ou Território Circulatório?

Sigl e Salazar (2012) chamam atenção a mudanças no imaginário e na estética que os

caporales adquiriu ao longo do tempo.

Fazem notar que a dança foi utilizada por diferentes fraternidades. Nos anos de 1969-

1985 há o de surgimento do caporal paceño (La Paz) expresso pela fraternidade Urus del Gran

Poder. Em 1974-1980 a dança adquire reinterpretação orureña (Oruro) com os Caporales

Centralistas, considerados pelos fraternos da San Simon seu rival na Bolívia. Por volta de 1979 a

versão cochabambina (Chochabamba) com os Caporales San Simón emerge. Em São Paulo a dança

é comumente expressa pelos Caporales San Simon, mas antes desta fraternidade outras como o

Kantuta Bolívia nos anos 1990 já o faziam. Cabe dizer que a Fraternidade Caporales San Simon

São Paulo Brasil tem, entre seus integrantes, imigrantes provindos das regiões citadas, ou quando

nascidos na cidade tem familiares com origem nestes departamentos.

Sobre a mudança da estética corporal:

[...] el caporal sale de um barrio popular, conquista el Carnaval de Oruro y se convierte en

un emblema universitário, translocal y transnacional. Al mismo tiempo, deja atrás su

identidad de “negro tundique, gaucho, gitano” para sucesivamente blanquearse y

finalmente vincularse con la moda internacional y su “versión jailona juvenil”,

conviertiéndose en un “emblema de la ideología imperante”. (SIGL e SALAZAR,

2012, p.42).

Esta interpretação sobre o modo de dançar indica a dimensão identitária, ou de

“Identidade Globalizada” (SIGL e SALAZAR, 2012, 44), da dança dos caporales e está no

entendimento de que a mudança é em relação, também, ao imaginário e releituras dela por

diferentes atores. Ela se torna significativa para nós ao aproximá-la do imaginário de integrantes

da San Simon acerca da transnacionalidade de sua fraternidade:

W.Ah legal. A gente é uma filial internacional, você deve saber já, a nossa matriz é

Cochabamba, só que tem San-Simon nos EUA, na Suécia, na Espanha, tem quatro países,

tem em quatro Estados dos EUA [...] Tipo assim tem um pessoal no Facebook dos EUA,

os blogs, nosso grupo fora do país, nossa ia dar um tchan legal na sua matéria.[risos] A

gente é a filial Brasil, tem filial EUA, Virgínia, Nova York, Suécia, Espanha, Itália, muito

país. (Entrevista William, 18ª Festa do Museu da Imigração, São Paulo, 01/07/2013).

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(...)

W. [...] Porque assim, a San Simon aqui em São Paulo ela é o que, ela era só o Caporales,

ela não tem outras danças agregadas. Então a gente aqui filial de Cochabamba, a gente

só dança Caporales, lá também é a mesma coisa. Lá existe também outra dança, tipo o

thinkus é uma outra dança, existo o thinkus San Simon também lá só que não é nada

ligado com o Caporales San Simon, Caporales é Caporales e eles só dançam Caporales,

e thinkus só dança thinkus. Mas existe outras danças [...] Mas aqui é só Caporales [...]

tem-se bloco em Cochabamba, San Simon em Cochabamba tem esse bloco lá, tem bloco

em La Paz, você tem outro cara que mora em La Paz, você tem bloco em Oruro, bloco em

Santa Cruz [...] Aqui em São Paulo tem gente de tudo que é lugar, tem até brasileiro, uns

3 ou 4 brasileiros, 3 não, 2 brasileiros. Tem gente chilena dançando, tem gente de peruana

também. Não é só filho de boliviano ou boliviana, de diversos países. Ah eu nasci em

Oruro só que com 1 aninho eu vim pra cá entendeu? Criança e tal. (Entrevista William,

Praça Kantuta, São Paulo, 20/10/2013).

Nos anos 1990, conforme Sigl e Salazar (2012), a desvinculação da corporalidade do

modelo cujas referencias era local para um modelo “pós-moderno” produz modificações no modo

de dançar, no imaginário e na identificação entre atores em torno do agenciamento da dança:

Una clave para ese éxito es la desvinculación de la danza de los caporales de su tranfondo

étnico (afro o aymara) y, por lo tanto, de los esteriotipos acerca de los altiplánicos

“taciturnos” y “reservados” que son reemplazados por la alegría juvenil triunfadora y la

estética globalizante de los “Caporales de la posmodernidad andina” […] Obviamente,

tanto ese origen diverso como las incorporaciones de patrones estéticos occidentalizados

facilitan que no sólo jóvenes del altiplano, sino también del resto del país tanto como los

residentes en el exterior se identifiquen plenamente con este símbolo del varonil vencedor

personificado en los caporales, haciendo recuerdo de lo que dijo un político: ¡Bolívia, país

de ganadores!. (SIGL e SALAZAR, 2012, p.44-45).

È possível identificar em vestuários de fraternos da San Simon introdução de símbolos

que façam referencia a valores globalizados, como na foto abaixo.

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Figura - 24. Fraterno utiliza camisa caporales San Simón Filial Suecia. 25/05/2013.

Foto: do autor.

Esta imagem, porém, pode ser traduzida a luz das narrativas anteriores em que o

sentimento de pertencimento á fraternidade e o imaginário sobre a dança caporales são produzidos

no contexto de uma experiência migratória na qual suas relações entre si e com a diversidade ao

seu redor tem lugar e sentido segundo certo pensamento cíclico e na própria circulação de fraternos

durante um calendário de festas. Assim, a internacionalização da corporalidade acompanha

mudanças no contexto nacional boliviano e a migração. Bem como a reinvenção de práticas e de

relações sociais produzem mudanças na interpretação corporal no contexto migratório:

En resumen, alrededor de la Revolución de 1952, es cuando el país ingresa en un proceso

de modernización, dejando al Estado feudal, los movimientos sociales, culturales y

festivos han ocupado en mayor espacio la ciudad, también en cada uno los departamentos

del occidente con gran preponderancia como es el Carnaval de Oruro y en el oriente la

Festividad de la Inmaculada Concepción (Santa Cruz): demonstrando expresiones

sociales, culturales, folklóricas y autóctonas. Debido al crecimiento se percibe la presencia

permanente de aquellos elementos, que son la base que posibilita a los habitantes hacer

uso y apropriación del espacio público en la cotidianidad, la misma que en las últimas

décadas han involucrado a la mayoría de la ciudadanía, instituciones paceñas conformadas

en la mayoría por el sexo feminino, experimentando una repercusión de tales

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manifestaciones consolidadas en el ámbito nacional como internacional (Brasil,

Argentina, Perú, EE.UU., etc.) […]. (RAMOS BORDA, 2012, p.372).

As mudanças na dança dos caporales na cidade de São Paulo se pode dizer é um

processo relacionado a reinterpretação de textos, feito não só pela Fraternidade San Simon. A

corporalidade, portanto, é reinterpretado na tensão entre mudanças na sociedade de partida (ou

sociedade dos pais para o caso dos não nascidos na Bolívia) e nas diversas sociedades de chegada.

[…] La tensión entre el texto fijo de Oruro y el texto nuevo de Buenos Aires se pone de

manifiesto en el modo en que se utilizan esos recursos, ya sea a través de cierta elección

del vestuario, de la música o bien de las coreografías […] Nos permiten observar la

construcción de una nueva tradución (o nueva bolivianidad) a partir de una vieja herencia

(una bolivianidad originaria). Estos elementos que son constitutivos de la danza y que

intervienen en la producción de un nuevo texto en Buenos Aires (es decir que contribuyen

a su entextualización), deben entenderse siempre dentro del proceso de su

recontextualización (es decir en relación a los eventos culturales dentro de los cuales a la

prática y que nos mostrarãn nuevos aspectos de la misma). (GAVAZZO, 2006, p.82-87).

No caso da fraternidade San Simon ocorre ainda em meio a um calendário de festas e

a certa circulação de pessoas entre territórios durante esta temporalidade.

3.2 – O Caporal sob o ciclo de festas e o território circulatório.

a) O ciclo de festas.

O ciclo de festas (SILVA, 2003) e o território circulatório (TARRIUS, 2003) são dois

conceitos que utilizaremos a partir de aqui para fazer emergir no texto imaginários, concepção de

mundo, sentimentos e atitudes constitutivos do universo das fraternidades em sua experiencia de

reinvenção da corporalidade no contexto migratório durante festividades.

Isto porque numa mesma festa religiosa dos imigrantes bolivianos expressam-se

linguagens sensíveis, imaginários, modelos de relações pessoais, de corporalidade e memória

integrantes do sentimento e da comunidade afetiva (HALBWACHS, 1990 apud SILVA, 2003

p.160). Sentimento este integrante do sentido de pertencimento sociocultural.

Neste processo, um importante ato constitutivo do processo da reinvenção é a

“Cooperação Recíproca” (SILVA, 2003) denominada de “Presterío”92 (SILVA, 2007). Esta

92 O Presterío tem um sentido eminentemente social. Trata-se de um costume dos povos indígenas da América que foi

estudado detalhadamente entre os índios da Columbia Britânica. Conhecido com o nome de potlach, tal costume tem

como objetivo manter o equilíbrio tribal evitando-se a proeminência econômica de algum de seus membros, induzindo-

os a gastar ou destruir tudo o que estaria sobrando. Com esse motivo, a família de turno tem a realizar uma grande

festa, com muita comida e bebida, bailes e músicos, alojamento para os convidados etc. A festa dura dois ou três dias

(ás vezes uma semana), ao término dos quais deve-se dar a cada convidado um presente. (Este último elemento já não

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concepção êmica é trabalhada por Silva (1997;2003;2007) no intuito de pensar relações

sociopolíticas, sentimentos de pertencimento comunitário e o ciclo de festejos dos imigrantes

bolivianos. A cooperação recíproca é um modelo de agenciamento de símbolos e práticas realizada

pelos festeiros revelando a dimensão sociocultural93 religiosa e temporal de sua concepção e de

suas ações no contexto migratório:

O elemento central desta instituição consiste em escolher a cada ano um novo preste

(festeiro), que se encarregará de organizar a festa, a partir da colaboração de outras

pessoas, denominadas por eles de padrinhos, com as quais passará a estabelecer relações

de compadrio ritual. Tais relações de cooperação têm a sua expressão no ayni que lhe é

oferecido, ou seja, de um “empréstimo” que deverá ser devolvido pelo preste ao seu

compadre, quando esse for escolhido para realizar uma festa. (SILVA, op., cit., 2007,

p.127)

No ciclo de festas nada é inteiramente predeterminado nem estático ao contrário cada

ano a festividade é um evento único, conforme Silva (2003), em que novos elementos e práticas se

tornam cada vez mais próximas e mais distantes da que é realizada na Bolívia em razão da

incorporação de outros elementos da sociedade de imigração.

é uma prática muito comum atualmente, mas em vias de transformação, pois, alguns dos convidados ajudam o passante

com dinheiro e obséquios M.M.Aragón, op., cit., pp.127-128 apud SIDNEY, 1997, pp.70). 93 Nestas festas é comum a expressão da deidade Pachamama (Mãe-Terra) que significa prover os alimentos e a vida.

Na concepção andina está deidade gosta de receber presentes como a folha de coca, o incenso, a chicha (bebida

fermentada do milho), cerveja ou até o sangue de um animal - tradicionalmente na Bolívia é o sangue do condor ou de

uma Lhama - o sangue fecundaria a terra, o ventre da Pachamama, tal prática devocional estaria associada à elementos

que seriam ancestrais denominado APU (senhor). A tradição de devoção a Pachamama remonta à época pré-

colombiana e na cidade de São Paulo reproduz-se entre trabalhadores das confecções de costura quando tais devotos

relacionam-na ao ato de prover a riqueza obtida cujo agradecimento em forma de oferta tem caráter propiciatório,

segundo Silva (2003).

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Figuras 25-26-27-28. Integrantes da San Simon ensaiam na escola Prudente de Morães e depois apresentam-se na praça Kantuta. 25/05/2013.

Foto: do autor.

A mobilização em torno e para festas tem como um de seus resultados a ocupação do

espaço público, ou seja, de visibilidade e reconhecimento, como evidenciam as fotos de ensaios na

escola Prudente de Morães, Zona Norte de São Paulo e da apresentação na Praça Kantuta no mesmo

dia 26 de maio de 2013 na festa de La Madre Boliviana. A partir das festas anuais seja própria ou

não ao calendário religioso reinventam sua corporalidade, reconstrõem sua identidade, relações

sociais e sua experiência geracional.

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Ocorre que tal processo de reinvenção é resultado ele mesmo de um pensamento e

atitudes cíclicos particular aos povos andinos (MALDONADO, TITO, UTURUNCO, 2009),

cultura de onde provém as práticas e valores dos imigrantes se bem que esta esteja também

determinada pela dinâmica contexto migratório.

O pensamento periódico e de fertilidade da terra que é expresso pelos indígenas por

pacha é fundamental para a compreensão do ciclo anual de festa que ocorre na Bolívia e em São

Paulo, pois é o fundamento da concepção bicondicional de tempo e espaço presente no processo

de reinvenção do folclore e da relação entre gerações:

Como se puede apreciar, los conceptos de espacio y tiempo son bicondicionales; además,

esa misma categoria pacha abarca la totalidad de la vida, tanto humana como de los otros

seres que son indiferenciados en el pensamiento andino-amazónico […] Así, la

concepción del tiempo, por ende del espacio, engloba las manifestaciones del quehacer

humano en un orden de ciclos o ciclicidad espacio-temporal. (MALDONADO,

TITO, UTURUNCO, 2009, p.120).

Para nós esta visão e prática cíclica no contexto migratório envolve o corpo em sua

ordem. Do que percebemos é que em tal cultura holística a vida e todos seus atributos, bem como

a corporalidade, são reordenados e recriados anualmente, porque:

Esta concepción temporal es actualizante, constantemente presente, pasado y futuro. “Esta

concepción holística, cíclica y relacional implica que el ‘pasado’ no está realmente

‘pasado’ (en el sentido occidental de ‘acabado’, ‘antigo’), sino que interfiere, penetra e

influye en ló que ‘pasa’ aqui y ahora” (idem). En este sentido, cada actividad constituye

una re-construcción y re-producción no del pasado, sino del presente-pasado-futuro en el

ahora, de todos los tiempos en el tiempo de hoy (MALDONADO, TITO, UTURUNCO,

2009, p.120).

È neste processo de reinvenção cíciclo da corporalidade em que há o diálogo e

ciculação entre espaços geográficos e políticos (São Paulo – Bolívia) e mediação do vínculo entre

gerações. Neste caso, ainda que muitos jovens fraternos não tenham sido sociabilizados no país de

origem dos pais ou de seus amigos imigrados não é incomum o sentimento de pertencimento a

sociedade de emigração bem como expressão no contexto migratório da cultura holística na medida

em que, a nosso ver, apreendida na socialização em torno das fraternidades e das festas. E é nesta

relação que fraternidades e ciclo de festas podem melhor ser compreendidos conjuntamente:

De esta necesidad de comunión y encuentro se generan espacios y tiempos, se articulan

fiestas. Ante una amplia cantidad de fechas festivas, se tiene el calendário festivo que

abarca tanto fiestas urbanas como fiestas en espacios rurales. El folklorista es el encargado

de que este calendário siga adelante con cada fecha, con cada fiesta (MALDONADO,

TITO, UTURUNCO, 2009, p.120).

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Podemos observar na narrativa abaixo a maneira como o pensamento e atitude

bicondicional são apreendidos sensivelmente na construção do dançar anual. Ela traz à tona

também o lugar que a festa adquire como constitutivo de uma coletividade que através da prática

do dançar anual media a relação e vínculo entre gerações, por um lado, e os faz circular entre

territórios, por outro.

[...] M. E outra diferença tipo assim, quando você entra na fraternidade do San Simon

você tem que pedir a permissão pra dançar lá na Bolívia e agora se você vai dançar aqui

na Kantuta [Bolívia] você não vai ter [...] E. A diferença que aqui, o San Simon é uma

filial né, então a central é em Cochabamba, a filial daqui sempre tem que ter, prestar

alguma resposta, tem que seguir o que a central fala, segue. E no Kantuta não existe

isso...\A. O Kantuta é só em São Paulo...\E. Só aqui no Brasil, não existe... O Kantuta foi

fundado aqui em São Paulo e sem seguir ninguém na Bolívia. Foi um grupo de bolivianos

residentes aqui em São Paulo que fundaram. Mas o San Simon não né. O San Simon foi

fundado com outro intuito, seguindo, os passes são os mesmos de lá...\[...] E. É claro que

existe esse contato como tava falando é a gente pode dançar, a gente tem um número

limitado, mas a gente pode ir num carnaval de rua e dançar lá. A gente pode ir em outros

eventos e dançar lá, existe esse contato, coisa que o Kantuta não tem. Também, esse com

certeza esse é um dos motivos de muita gente vir dançar no San Simon também, querer

dançar lá também.\E. O pessoal sai do Kantuta com o pensamento, "se eu dançar no San

Simon eu tenho a chance de dançar na Bolívia algum dia", então existe sim esse contato

maior com certeza.\[...] A. Também tem esta diferença, Lá o pessoal da Bolívia tem que

venir dançar, eles escolhem dançar onde querem, onde tem permissão pra dançar, é sério,

estão para ir mais para os EUA. Pra Londres. Então essa é a diferença.\ A. Só escolhendo.

Tem San Simon até em Estocolmo, Suécia. Na China. Na Itália, Espanha.\A. Então quando

você fala em San Simon, você tá falando de um nome muito grande, que tem em muitos

lugares do mundo e o bom de San Simon que ele incentiva a cultura das pessoas que

moram lá fora que são bolivianos. Então tem filhos de bolivianos que nasceram lá fora

que dançam a dança de Caporales, eles aprendem mais da cultura do país dos seus pais,

que é país deles também, e eles já começam a amar o país da Bolívia, sendo que eles não

vivem na Bolívia. Então o amor que eles começam a ter na dança, na música boliviana

eles começam a ver a Bolívia como se fosse uma pátria de nascimento deles.\A. A dança

influencia muito nisso. \A. Isso, a gente não perde as raízes, e também você vai ensinando

coisa boa para a juventude. (Entrevista Alex, Miguel e Evandro Praça Kantuta,

29/09/2013).

A partir desta narrativa dos fraternos podemos concordar com os autores citados e

indicar na relação geracional há na ciclicidade um modo de reforçar redes de solidariedade no

deslocamento, convertendo-se em modelo de vida a partir do qual são experimentados a proteção

entre si, o reinventar a identidade, o intercambio de saberes, bem como, há produção do

reconhecimento e do pertencimento “[...] A través de la fiesta se crea un espacio social e encuentros

(de grupos étnicos, clases sociales, etc.); mediante la fiesta, que recrea y “pone en escena” la vida

cotidiana, podemos acercarnos más y compreender mejor a sus actores.” (ARZE, p.121, 2009 in

MALDONADO, TITO, UTURUNCO, 2009, p.121).

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A bicondicionalidade e a cultura holística, no entanto, não seriam melhores

compreendidas se vistas como imamente a sociedade boliviana, tampouco, dos imigrantes

bolivianos e seus\suas descendentes. Mais interessante é vê-las como memória rearticulada e

rearticuladora de corpos e que podem ser reinventadas diversificadamente. Tal como é a

corporalidade que reinventa esta ciclicidade, ela não existe em si, é uma construção.

O caso da San Simon demonstra ainda também que o entendimento entre os (as)

fraternos (as) sobre os significados para se integrar a fraternidade e dançar na Bolívia como parte

do ato de festejo anual é também diverso, neste sentido, questionam Marcela e Jessica a

‘exclusividade’ que têm os envolvidos com a fraternidade San Simon de dançar no país de origem:

[...] M: Mas qualquer um pode ir dançar na Bolívia, é só você ir pra lá, chegar lá umas

duas semanas antes chegar na fraternidade e falar "eu quero dançar com vocês" aí você

paga só sua roupa, a banda e dança. \ J: É porque a questão aqui é dançar na San Simon

na Bolívia, é na San Simon que pesa. \ M: Mas lá você também pode dançar se você não

é da fraternidade, mesmo não sendo daqui. \ J: Não sabia. \ M: Você chega lá também,

um mês antes paga sua roupa, só que você não entra como tropa de São Paulo, Brasil.

Entra como tropa de Cochabamba, por exemplo. Aqui por exemplo eles te mandam como

tropa de São Paulo, pelo que eu entendi, mas eu acho que é isso, mas eles te mandam

como tropa de São Paulo, Brasil. Aí se você quiser dançar por fora, pagar, você pode,

paga um mês antes. Até porque tem muito gringo que faz isso. Dança, ensaia um mês antes

treina, compra roupa, e a banda, e dança [...]. (Entrevista Marcela e Jessica, Escola

Prudente de Morães, 27/10/2013).

Na dimensão sensível das relações sociais nos ensaios e festejos a ciclicidade é

acionada e agenciadora do pertencimento fraternal. Nas entrevistas acima os\as fraternos\as

apontam a dimensão prática de ser folclorista quando partilham concepção tempo espacial, ou

holística, de mundo. Um modo de ser e estar corporal de dimensão transnacional:

[...] Ser folklorista es participar de las muchas fiestas que integran el inmenso calendario

festivo: fiestas en província, en otros departamentos, e incluso en aquellas que sobrepasan

las fronteras del país [...] El calendario festivo atraviesa incluso las fronteras [...] Por su

parte, los folcloristas agrupados en bloques participan de otras festividades, como el caso

de la fiesta en São Paulo – Brasil, incluso pasan por Estados Unidos y llegan a Europa, en

especial a España. Las fraternidades en otros países, conformadas por residentes

bolivianos han hecho de la fiesta y en especial de la danza de la morenada un eterno

retorno, una repatriación simbólica de Bolivia. (TITO, 2009; p.125-126).

A construção de si como folclorista e em torno a expressão de uma corporalidade

particular – integrante, porém, do universo de danças bolivianas –, aponta ser a ciclicidade

pensamento e ato agenciador de ações transfronteiriças coletivas. È neste contexto também que se

pode compreender melhor o ato de devoção religiosa presente nestas festas, hoje, internacionais.

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A religiosidade é parte dos significados socialmente partilhados e expressos nelas, mas não é o seu

mobilizador, uma vez que o universo social (do qual a religiosidade é parte) está construído a partir

do pensamento e ato cíclico:

[...] J: Não, eu não danço por devoção, eu danço porque eu gosto, eu amo a cultura

boliviana e eu... eu acho que tem que ser valorizada. Eu danço por isso, eu gosto, eu amo

muito a cultura boliviana, não só o caporales, mas outras danças também. Agora, eu

respeito a religião de cada um. No início eu ficava um pouco, eu me sentia mal em... por

exemplo em alguns eventos todo mundo se ajoelha. Por exemplo, no Memorial [da

América Latina] tem a tropa para diante da imagem da virgen e todos se ajoelham, e eu

falei "eu não vou ficar em pé, sozinha, parada". E aí não é uma coisa que eu acredito,

mas eu respeito, entendeu? Então por respeito às pessoas que estão ali, que abriram as

portas pra mim, eu tenho que respeitar a religião que eles tem também. Quando eu entrei

eu já sabia né. Então eu acabei... acabo seguindo, mas não por acreditar. Eu acredito

que... bom, isso é uma coisa religiosa, mas não é uma coisa que eu sou devota94 [...].

(Entrevista Jessica, Escola Prudente de Morães, 27/10/2013)

(...)

[...] W. Normalmente eles fazem promessa né. Ali Carnaval não é só a palavra em si né,

festa, folia. Ali o Carnaval rola um pouco de coisa séria, muita devoção que eles usam lá,

na hora de dançar, você faz uma promessa, e você tem que pagar essa promessa dançando

por 3 anos. Tanto é que no dia no sábado, ninguém bebe antes de dançar, tem que passar

o sabado inteiro sóbrio, domingo eles bebem um pouquinho porque eles fazem questão de

dançar o percurso inteiro sem uma cerveja na mão, e entra na igreja de joelhos. Então

para eles, e que a gente adquiriu aqui também essa devoção toda aí, dançar por devoção,

cumprir a promessa de 3 aninhos e se você quiser parar para, se quiser continua, depende.

É aquela coisa, tem gente que dança porque gosta, tem gente que dança por devoção e

dança 3 anos e depois para, dança 3 e depois continua, tem gente que tanto faz tanto fez,

dança por que gosta, depende [...]. (Entrevista William, Praça Kantuta, 20/10/2013).

Este processo de reinvenção descritas nas narrativadas dos imigrantes sobre a

reinvenção cíclica das fraternidades e da corporalidade, porém, não construídas no momento da

festa são produzidas e partilhadas sensivelmente podendo ser, conforme Uturuncu e Maldonado,

denominadas “las actividades preparatórias” (2009, p.126):

[...] aquellas actividades que, primero, no se muestran a la luz pública y son realizadas

solo por la junta de pasantes o directorio u otras autoridades que se considere pertinentes,

como los asesores culturales, los fundadores o presidentes honorários, etc. em segundo

lugar, son actividades reservadas porque necesitan decisiones de responsabilidad de las

autoridades o “cabezas de la fraternidad.

94 Esta entrevista foi realizada junto com Jessica na Escola Prudente de Morães após um dia de ensaio.Cabe dizer,

embora não se admita como devota católica, religião de grande parte dos imigrantes e de maior presença no universo

das festas, a jovem se afirma evangélica (neopentecostal). Aspecto que demonstra que o envolvimento com a

fraternidade não é devido a religiosidade católica além de que a própria ressalta que o sentido para ela e muitos (as)

outros (as) dançarem é o sentimento de expressarem uma cultura de mesma origem dos seus pais.

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Atividades preparatórias para a manutenção do ciclo de festas variam, são elas mesmas

integrantes do pensamento e ato cíclico. Podem ser atividades de administração da vida social de

uma fraternidade ou de encontros que precedem a festa em si.

No contexto migratório em São Paulo, por exemplo, muitos são os momentos: a escolha

dos e das guias de tropas masculina e feminina da San Simon no inicio do ano; as reuniões da

fraternidade para decidir compra de trajes e o seu deslocamento da Bolívia para São Paulo; veladas

e novenas para as Santas de que é devota a fraternidade organizada pelas diferentes tropas e que

em 2013 significou a benção às roupas que seriam utilizadas naquele ano.

Envolvendo as fraternidades que participam da festa de agosto no Memorial da

América latina é significativo as eleições para escolha das cholitas representantes a Miss e

Preferida de cada fraternidade e da comunidade em 2014:

[...] J: Todo ano eles escolhem uma menina, eles fazem uma seleção interna e escolhem

a Predileta que antes era chamada de Reina. E aí escolhe essa Predileta para concorrer

a Ñusta entre os outros grupos, entendeu? \ J: E aí esse ano eu fui eleita a Predileta,

concorri, infelizmente não foi dessa vez. \J: Eu concorri a Ñusta e... J: Eu fiquei\ M.: É

Palla \ J: É Palla agora. \ M.: Antes era Ñusta que era Princesa agora é..\M: Eleita.\ J:

E é isso. \ J: Na verdade, é... na San Simon tem... tem... é... é dividido em tropas né...

então tem a tropa cholitas, tem a dos Varones e tem a dos Achaches a fila dos Achaches.

Então cada um, cada tropa escolheu a sua é... escolheu alguma das meninas pra

representar a tropa como a Predileta, digamos assim da tropa. Então, por exemplo, os

homens escolheram uma, os Achaches outra e as meninas escolheram duas ou três. Acho

que foram três as meninas, a tropa cholitas, escolheram três meninas aí concorreram...

eu sei que no total deu cinco é... cada uma fez a sua coreografia a... escolheram os

meninos também né, cada tropa escolheu seu par, entendeu? \[os homens são chamados

de mister – grifo nosso]J: Mister \ J: Então por exemplo, a tropa cholitas elas escolheram

a mim e mais um menino pra concorrer comigo, pra ser meu par. Escolheram mais uma

menina e mais um menino pra ser par dela, entendeu e assim por diante. \A dos homens

também e a dos Achaches também. Fizeram essa... escolheram esses casais. Aí cada um

fez a sua coreografia e a gente competiu internamente, entre os cinco. Depois disso, eles

escolheram individualmente uma menina e um menino... \J: Independente de ser assim,

não necessariamente tinha que ser o mesmo par que escolheram pra dançar comigo. Se

eu dancei melhor do que as meninas e um outro cara dançou melhor do que o meu par,

então eu vou dançar com ele. E aí escolheram a mim e ao Hugo, eu como predileta e ele

como é... mister pra gente concorrer a Palla. Foi isso. \ J: A Miss, ela na verdade fica em

segundo lugar. É... quem fica em segundo lugar... é... porque antes era a Reina e a Miss,

então por isso que o nome Reina era mais forte, né rainha, digamos assim, e a Miss. Só

que a Miss era em segun... sempre foi em segundo lugar, não sei porque mudaram de

Reina pra Predileta. \ M: Por causa que eles falaram que Reina era pra só pra designar

a Virgem e quem é Reina é a Virgem, digamos. Aí mudaram por causa disso, La Predileta

ai não fica assim parecendo...\J: Então é isso [...]. (Entrevista Marcela e Jessica, Escola

Prudente de Morães, 27/10/2013).

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Figuras.29 e 30. Faixas da Predileta e Miss da San Simon. Imigrantes assistem eleições para escolha da Predileta e Miss.21/06/2014.

Fonte: Planeta América Latina.

Esta atividade preparatória de construção da corporalidade feminina envolve os

membros das fraternidades consigo mesmo ou voltando-se uns aos outros, e, por outro lado, das

fraternidades entre si, todos momentos estando imersos na lógica cíclica. William em sua narrativa

aprofunda reflexão sobre reinvenção das danças no contexto da cultura holística, no caso, da

atividade preparatória das festas de agosto precedidas pela eleição da Predileta, da Miss e da Ñusta:

[...] W. Porque é assim, antigamente tinha o nome de Reina, é a rainha. A gente falava

que a rainha é a nossa rainha, nossas rainhas são as Virgens. Ela é a nossa Rainha, então

não tem que ter outra Rainha. A Predileta é a Predileta da fraternidade, que nos

representa com sua beleza, com sua dança, e por ano a gente tem essa eleição. É mais

para ter, todos os grupos têm, a Associação dos Grupos Folclóricos daqui sempre monta

esse concurso, chegou a ver? Aí monta sabe, eleição de Predileta, mas porque ela

representa a fraternidade. É como se fosse uma Miss do país, Miss Brasil, é a miss da

fraternidade, a mulher bonita, que dança e que representa ... Um símbolo né, um símbolo.

Ela não tem um poder na tropa, não tem "ah, pode tudo", é um símbolo que nos representa

né, no Brasil afora.\W. A “Ana [nome fictício – grifo nosso]”., que é a miss, foi pra

Bolívia, ela dançou lá tudo, com a faixa dela, o pessoal de lá aceitou de boa, a tropa de

lá aceitou de boa, ela dançou com faixa dela lá na Bolívia. É bom porque representa a

nossa tropa aqui no Brasil, ela representa, além de representar a beleza da mulher daqui

da nossa tropa, ela representou a tropa masculina, ela dançou de homem lá, foi bem legal.

(Entrevista William, Praça Kantuta, 20/10/2013).

A associação de grupos folclóricos bolivianos de São Paulo decidiu no ano de 2013, e

as fraternidades deveriam acatar, embora, negociações eram possíveis, por critério de participação

das competidoras á Palla que estas deveriam ter entre 15 (quinze) a 25 (vinte e cinco) anos. A

denominação deste símbolo foi modificada ao longo do tempo no contexto migratório. Leandro

(integrante da San Simon em 2013 e estudante de odontologia á época), descreve (num contexto

de velada – comemoração litúrgica que precede a festa devocional de agosto) gradualmente Palla

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foi mudando de Reina (2010), para Predileta (2011) e Ñusta (em 2012). Em 2013 Predileta foi

escolhiada em um evento na Pastoral dos Migrantes, a jovem vencedora havia utilizado traje

considerado mais tradicional.

Figuras. 31-32. Predileta San Simon 2013 apresenta-se na festa Preparada no Memorial da América Latina. 28/07/2013.

Fonte: Do autor.

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Figuras. 33 e 34. Predileta San Simon, 2013 apresenta-se na festa do Memorial da America Latina em Agosto. 03/08/2013.

Fonte: Do Autor.

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Figuras. 35-36-37. Ana Miss San Simon e também Personagem Macha se apresenta na Praça Kantuta - Festa Preparada (21/07/2013) e na 18ª Festa do Museu da Imigração (02/06/2013).

Fonte: Do autor95.

95 As fotos 35 e 36 registram a Miss Ana (2013) durante apresentação da Fraternidade San Simon na Praça Kantuta na

Festa Preparada. A festa antecede as apresentações de agosto no Memorial da América Latina dedicada as Virgens

(Reinas). As fotos têm uma qualidade inferior em relação as demais uma vez que foram produzidas com celular. No

dia não pudermos estar presente com a câmera utilizada durante toda a pesquisa e fizemos uso de um recurso alternativo

ainda que de qualidade menor. Na imagem procuramos destacar justamente o uso da faixa de Miss utilizada pela

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A narrativa seguinte aprofunda o saber socialmente partilhado sobre personagens que

envolvem as fraternidades nas festas, bem como, o imaginário acerca da corporalidade boliviana,

componentes, estes, do pensamento e ato cíclico dos jovens:

[...]A. A [macha – grifo nosso] no caso não existe, mas agora nos tempos modernos né já

incorporaram as mulheres na tropa dos homens, assim como também uma fila de destaque

só de mulheres que na nossa fraternidade né, lá na Bolívia se chama de Tinas, mas no

momento aqui eu danço na tropa dos homens mesmo [...] Nessa fraternidade vai, esse é

meu segundo ano. Mas eu dançava em outra [...] é dancei 3 anos em outra também. Mas

nessa...\A. É porque no caso essa fraternidade demonstra uma dança da Bolívia. Mas na

Bolívia tem em média 300 danças, 300 tipos de dança. Na outra, no outro grupo que eu

tava, dançava 18 danças, e aqui dança o Caporal, mas assim especializado em Caporal,

tem tipo, 30 passos, entendeu? [...].96 (Entrevista Ana, Museu da Imigração, 02/07/2013).

fraterna, a qual, nas demais apresentações ao longo do ano dançava entre os homens, a dança dos homens, utilizando

o traje do caporal. Esta figura no seio da dança é chamada também macha (foto 37 – apresentação na 18ª do Museus

da Imigração), é possível ver que nesta apresentação também dançava entre os homens. A jovem nas demais

apresentações após receber o título e a faixa, expressava-a nas danças a macha e miss, tal como está nas fotos. Isto

demonstra a dinâmica e potencial das dançarinas envolvidas com as fraternidades e a diversidade de corporalidades

em uma mesma fraternidade e dança. 96 Esta entrevista com Ana ocorreu após a apresentação na 18ª festa do Museu da Imigração. A possibilidade de

conversar com a jovem ocorreu devido a uma solicitação de Reinaldo. Sua resposta é menos dinâmica que as demais

e se deveu a proposta do momento a de que aquele momento se tratava de entrevista para uma radio de São Paulo, uma

matéria sobre a festa. A reportagem fe uso do áudio ao final. O áudio foi reaproveitado na dissertação com autorização

da entrevistada e de Fernando Souza (Historiador e Jornalista) que também mediou a entrevista inclusive intervindo

quando a jovem não lembrava a palavra “imaterial”. A entrevista foi gravada no dia 01 de julho. Na dissertação está

fragmentada segundo temas articulados para melhor uso da narrativa.

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Figuras.38- 39. China ou Macha?. Personagem feminina da San Simon se apresenta na Pre-parada, Julho (28/07/2013), e na Festa de Agosto (03/08/2013), ambos no Memorial da América Latina.

Fonte: Do autor.

E mais, a partir do saber das datas festivas Ana faz emergir os usos diferenciais entre

gerações sobre a corporalidade que é reinventada ciclicamente:

[...] A. Meu pai é boliviano, ele é de uma cidade onde tem um carnaval lá na Bolívia, que

se chama Oruro, que é um interior assim só que o carnaval mesmo de lá foi considerado

pela ONU patrimônio [imaterial]\A. É, da humanidade, isso mesmo.\[...] A. Tem mais

velhos.... Então no caso da nossa [fraternidade] é porque é uma dança mais enérgica

mesmo, não tem como os mais velhos dançarem, no caso das mulheres mais velhas, elas

não usariam uma sainha assim tão curta, então é por questões de costume mesmo, mas

no caso da nossa fraternidade lá na Bolívia tem uma fila só dos mais velhos, acima de 35

anos […]. (Entrevista Ana, Museu da Imigração, 02/07/2013).

A eleição da Palla faz integra um momento do calendário de festas significando a

organização de diversas tarefas que são assumidas pelas fraternidades “[...] quienes cuentan con

uma estructura organizacional definida, unas más que otras, que permiten el desarrollo de la fiesta,

es decir, la organización de las atividades de la fraternidade” (TITO, 2012; p.129). Ainda que a

autora tenha se referido a eleição da Palla no contexto da festa del Gran Poder na Bolívia,

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semelhantemente, como notado, ocorre no contexto da festa ás Reinas Urkupiña e Copacabana e

Independencia da Bolívia em São Paulo, anualmente, no Memorial da America Latina. Outra

característica importante de ambos os processos é que:

Se realiza en espacios públicos y en dos etapas. En la primera se eligen a las pallas de cada

fraternidad en un ensayo. En la segunda, la palla de fraternidad es candidata a palla del

Gran Poder. Esta última actividad es coordinada entre la Asociación y las respectivas

fraternidades y se realiza por lo menos con tres semanas de anticipación a la entrada

general. (TITO, 2012; p.132).

Por fim, no contexto migratório como visto na primeira etapa são escolhidas as Miss e

a Preferidas interna a fraternidade e na segunda esta jovem é quem vai competir com outras

candidatas. De qualquer modo a eleição da Miss e da Preferida ou a presença da China e a Macha

estão relacionados a cultura cíclica, e no caso dos (as) imigrantes e seus descendentes para com a

reinvenção de corporalidades.

Assim, na dinâmica das atividades intraculturais - reservadas aos (as) integrantes - ou

nas extraculturais - de caráter público - há vivencia do tempo, do corpo e partilha de saberes,

quando, justamente, constituem-se o ciclo de amigos, produzindo-se a experiencia migratória, etc.

B) O território circulatório.

A festa boliviana é menos uma evocação genérica do passado que a construção

subjetiva entre pretérito e presente migratório evocados na percepção de pertencimento a uma

mesma cultura transpassada por uma noção de tempo cíclico. Entre os mais jovens este sentimento

de pertencimento é realizado na percepção de que partilham semelhante trajetória familiar, a

migração dos pais, ou por origem sociocultural (GRIMSON, 1999), portanto uma noção recortada

segundo categorias de tempo-espaço.

Esta construção sociocultural alimenta e é alimentada, agencía e é agenciada, em torno

a três práticas: circulação de trajes folclóricos, festas religiosas e ensaios.

As roupas são uma importante dimensão ativa de um processo temporal.

A mobilização do traje caporal desde a Bolívia é parte desta identidade corporal

intergeracional, circulatória e transnacional construida na reatualização temporal da memória

sociocultural (SILVA, 2003, p.25). Nas narrativas de Marcela, por um lado, de Evandro, Alex e

Miguel, e William, por outro, compreendemos o universo simbólico dos imaginários, usos e das

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identificações, a partir dos trajes, entre fraternos, outro elemento da concepção de tempo, espaço e

corpo que constituem as suas relações, gostos sociais e vínculos geracionais:

[...] M: [As roupas] elas são feitas na Bolívia. Na matriz lá. Só que o ruim é que lá as

roupas são feitas, tem o Carnaval de Oruro, que é muito conhecida. Que é em fevereiro o

carnaval, então eles fazem as roupas todas nessa época. O ruim é que o nosso... o nosso

evento, digamos assim, em que a gente estreia a nossa roupa nova é em outubro... ou é

agosto? ... agosto...\M: É em agosto... então aí não tem material... aí as roupas vem

diferente, vem em tamanho menor, aí o sapato não vem sapato não vem igual como o de

lá, o de lá é mais bonito, né. A deles é mais barata, né, a gente paga mais, e não vem

aquela coisa, né. Então isso eu acho meio ruim também. Porque... então deveriam pedir

a roupa em fevereiro, né? Bom, eu não sei... eu não conheço muito bem como que funciona

ainda o sistema aqui.\M: Eu só sei que as roupas são mandadas de lá, mas não vem igual

as de lá. Até os colares e as pedras lá são diferentes, parece que é um pouquinho melhor.

Aqui vem diferente porque não tem material, né. Porque a época passou. Aí eles vão ter

que começar a produzir... vai... cem trajes, de novo, com o mesmo material e o mesmo

tecido... eles não compram. (Entrevista Marcela, Escola Prudente de Morães, São Paulo,

27/10/2013).

(...)

[...] E. Tem muita diferença isso, uma é que também tipo assim, a roupa da San Simon é

muito cara,muito cara, para dançar com essas roupas você tem que gastar quase 1200

reais, a diferença das outras danças que estão cobrando como uns 400 reais assim. Essa

é a diferença...\E. Mas é questão de escolha né, se for comparar tipo que nem aqui no

Brasil cada um escolhe a sua escola de Samba, sei lá. Isso aí tipo lá tem muita gente que

tá desde pequeno, tem gente que nem no meu caso que tinha amigos que gostavam por

isso eu comecei a dançar [...] M. Então isso é também de gosto...\A. Aí está também a

parte da elegância da roupa, você quando se veste com uma roupa você já é como um, é

como um instante de ser um cavaleiro, então a mesma roupa que você veste ela é bonita,

ela é elegante e mais atraente para você e para outra pessoa. Agora o tempo é algo mais

autóctone, é bonito porque nós também gostamos...[...]. (Entrevista Evandro, Alex e

Miguel, São Paulo, Praça Kantuta, 29/09/2013).

(...)

[...] W. [A roupa] É muito trabalhada, com mãos especiais que tem lá. Os bordadores...

Fazer um bordado que nem eles fazem aqui com lantejoula, aqui no Brasil eu acho difícil,

não vai encontrar. Ali eles fazem... Eles estreiam um traje novo no Carnaval de lá. Agora

em 2014 eles vão fazer uma eleição de traje, desenhar traje, aí o ganhador vai ganhar um

traje de graça. Só que eles estreiam o traje na Bolívia, todo mundo de traje novo. Aí depois

que o traje chega aqui pra gente dançar. E aí vão distribuindo para todas as filiais...\W.

A gente tá trabalhando esse ano diferente, vai tentar cobrar esse ano, mas vamos ver

como vai ser. A ideia é cobrar e receber lá um mês antes de agosto.\W. Muda, muda. O

bordado é igual, muda o bordado, muda a roupa inteirinha. Passou o ano, muda a roupa

[...]. (Entrevista William, Praça Kantuta, São Paulo, 20/10/2013).

(...)

[...] W. Fora também que a fraternidade, tem que pagar traje, e tem esses valores altos, e

acho que isso tira um pouco os interessados. Mas até aí, não é tão alto vai? Mas tudo tem

o seu preço. San Simon é uma fraternidade cara, não é só aqui, na Bolívia também é caro

pra caramba, nos Estados Unidos também, o mesmo traje e o mesmo preço, aqui, na

Bolívia, nos EUA e na Suécia. Porque é um traje bem trabalhado, se você olhar os trajes

dos Sambôs lá na Bolívia, outros grupos Caporales, Sambos, Centralistas, nosso traje tá

mais trabalhado. Esse ano foi couro puro, couro nos cintos, na bota, no sombrero, uma

fivela de ferro, coisa que nenhum grupo vai ter, sequer eu sei não vi. Se você olhar os

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trajes, o trabalho do bordado, o bordador faz um trabalho lindo de bordado, qualidade

do traje, isso eu acho...\W. É um atrativo, é um atrativo, depende. Tem muita gente, tipo

assim, algumas pessoas têm lugares que não gostaram do traje. Eu meio que não gostei

assim de início, falei "puta marrom e tal, couro", só que de fora, meu irmão que não

dança, meu irmão é mais velho que eu, tem 32 anos, e é mais velho que eu, não gosta de

dançar, gosta de ver, ficar quieto e depois ir embora para casa, ele falou "meu esse traje

foi o melhor que eu vi até agora", ele gostou, ele se empolgou. Mas pra dançar acho

difícil. Pode ser um atrativo, porque o traje atraiu muito a atenção dele, e ele até pensou

em querer dar uma arriscada nos passos, mas acredito que... Sua pergunta foi se o traje

é um atrativo, acho que não é muito não [...].(Entrevista William, Praça Kantuta, São

Paulo, 20/10/2013).

O traje por si só não é o motivador para alguém dançar, mas enquanto parte da

construção da identidade, do reconhecimento e do pertencimento fraternal, ou enquanto cultura

material e memória marcador de tempo o é. Suas cores, seus bordados ou o personagem

representando no ato da dança materializado enquanto roupa só tem sentido no contexto e no valor

dado as festividades pelo conjunto de participantes e o dançarino em particular. Por isto a

significância do traje pode modificar de ator para ator, pode mudar no tempo, embora para have-la

é necessário que este partilhe do sistema simbólico da cultura cíclica.

O valor econômico do traje, neste caso, e neste contexto, torna-se uma fronteira étnica

da fraternidade San Simon em relação a outras agrupações na Bolívia e no Brasil. É um impeditivo

objetivo, concreto, em termos financeiros. Mas é também a escolha do traje caporal San Simon

mais especificamente ainda motivado pelo simbolismo do gosto de dançar, e é também um

diferenciador no conjunto dos demais trajes e fraternidades.

As roupas são feitas na Bolívia tendo como referência o calendário festivo dos

bolivianos no país, são mobilizadas desde lá para São Paulo para serem utilizadas no calendário de

festa da cidade. Este movimento é um marcador temporal a partir do traje em específico estando

definido pela eleição anual do bordado e da sua estreia no carnaval (fevereiro) na Bolívia e no

contexto migratório, desde esta eleição é encomendado e sua (re) estreia ocorre em agosto nas

festas dedicadas as Virgens e a Independencia do país de origem dos migrantes no Memorial da

América Latina, atualmente.

Segundo narrativa dos fraternos para a roupa ser produzida na Bolívia, por exemplo, é

o fato de que a costura, confecção e material que lhe pertence tem custo maior de produção se feito

na cidade de São Paulo. Porém, não é incomum integrantes afirmarem que o motivo se deve porque

lá há qualidade única de confecção e costura que não há em outros lugares, o que está mais

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adequado a construção da corporalidade etnica. De qualquer forma, é preciso dispor de elevada

verba para deter este artefato cultural de pouco mais de R$700,00 dólares, ao menos no caso do

San Simón durante o ano de 2013.

O traje, particularmente, é meio de demarcar o reconhecimento entre fraternos na

medida em que circunscreve quem é de dentro e dialeticamente delimita quem é de fora, pois sem

o mesmo não é possível participar integralmente da fraternidade uma vez que entre seus objetivos

está a apresentação da dança nas datas festivas e em diversas outras festas e a expressão da

corporalidade trajada é constitutiva da montagem do corpo que se dá com o traje caporal, ou com

a cultura material, mobilizada desde a Bolívia.

Não foram poucos os imigrantes que comentaram acerca da questão do traje da

fraternidade ser um diferenciador no sentido de ser custoso, mas não seriam assim por que se trata

de uma estratégia de diferenciação? E isto particularmente constitui ao mesmo tempo a identidade

e a memória da fraternidade e, porém, sua fronteira étnica corporal.

È neste contexto que pode ser lido a polêmica sobre a fraternidade e o traje caporal da

San Simon. Nesta polemica é construída uma imagem da fraternidade tanto aos seus integrantes,

quanto aqueles que não lhe integram, permitindo que muitos imigrantes criem o sentimento de

antipatia pela mesma, quanto esta se torne uma forma de restringir a participação de possíveis

integrantes, nela vemos como se dá o dispotivo de delimitação de fronteira, pois ainda que muitos

integrantes que pouco tem financeiramente procurem se esforçar para dançar na mesma. Nas

narrativas de Evandro, Alex e Miguel e de Jessica e Marcela notamos os significados do custo do

traje:

[...] E. Tem muita diferença isso, uma é que também tipo assim, a roupa da San Simon é

muito cara, muito cara, para dançar na San Simon você tem que gastar quase 1200 reais,

a diferença das outras danças que estão cobrando como uns 400 reais assim. Essa é a

diferença...\E. Mas é questão de escolha né, se for comparar tipo que nem aqui no Brasil

cada um escolhe a sua escola de Samba, sei lá. Isso aí tipo lá tem muita gente que tá desde

pequeno, tem gente que nem no meu caso que tinha amigos que gostavam por isso eu

comecei a dançar...\E. Não, não. Só penso em dançar na Caporales.\ A. E outra coisa

também, tem uma falsa propaganda que fazem para nós de que a gente é metido, que nós

não deixamos entrar as pessoas mais baixas, que não tem dinheiro. Tem esse tipo de

propaganda que fazem da gente.\[voz ao fundo: “falam isso da gente”]\A. Então acham

que a gente é assim, e que você deve ficar longe. Mas na verdade isso é mentira né, porque

a gente, a fraternidade é aberta para todo mundo que quiser aprender a cultura e a dança

boliviana.\ A. Não. Você tem essa possibilidade de poder pagar uma roupa. \A. Tem muita

gente que faz muito esforço, e eles tentam fazer de tudo e trabalhar com isso. Porque

amam a nossa dança, amam a identidade. Na verdade o mais importante que eu posso

dizer da nossa fraternidade é você é a identidade que te dá a dança folclórica Caporal. A

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gente tá aqui, a gente veste a camisa do Caporal com orgulho... A gente dança com

orgulho, porque nós somos bolivianos, estamos gostando de ser bolivianos. \A. Tem essa

coisa que o San Simon... San Simon é conhecido como ganhador de campeonato, a gente

ganha muito campeonato... (Entrevista Evandro, Alex e Miguel, São Paulo, Praça

Kantuta, 29/09/2013).

(...)

J: Na verdade eu acho que é um pouco competitivo com a kantuta. \M: É. Porque kantuta

não tem custo. Ou se tem é muito... não é comparável com o San Simon, porque é muito

caro. \ J: Pelo que eu fiquei sabendo o traje desse ano deles foi 60% mais barato que o

nosso. Não sei se isso aí é verdade ou não, mas é bem mais barato. Então eles não tem

aquele custo muito alto. \ M: Ai, e é bonita a dança deles, eu gosto. Tem uma criancinha...

uma tropa de crianças, 20 crianças, nossa, é lindo, eu me apaixonei, aqui não tem de

criancinhas. É lindo quando você... quando é da plateia quando o público nossa acho tão

legal, e ainda mais paga muito pouco. (Entrevista Jessica e Marcela, Escola Prudente de

Morães, São Paulo, 27/10/2013).

(...)

[...] M: É caro. Eu acho que não precisava ser tão caro porque eu acho que o que

realmente está pesando também é a marca. Que vem da matriz, né, orientações... Mas lá,

a coisa boa era que a gente não pagava nada [na fraternidade anterior]. A roupa era do

grupo, né. Era patrimônio do grupo e emprestava para os dançarinos dançaram nas

apresentações. Era ótima. Pô, a gente tá dançando porque a gente gosta e ainda vai ter

que pagar? \M: Era mais acessível. Era bem mais acessível. E aqui já... tem um custo bem

alto assim. Tem que dançar porque você gosta mesmo. Porque é mil reais mais ou menos

por ano, 1200 por ano. Com a inscrição, com a roupa que é muito cara. Com banda,

então assim, são gastos consideráveis. \M: Não, porque o pessoal gosta tanto que o que

eles ganham eles pagam. Eu tava até discutindo aqui, a pessoa quer tanto vim pra aqui,

quer tanto dancar que eles podem não ter dinheiro sobrando no final do mês eles entram,

eles pagam, né. \ M: Eu não imagino o que eles fazem. Vou te falar, eu não sei. Eu sei que

tem gente que paga porque gosta, e pronto. Mas não tem tantas condições assim. Eu

mesma assim, não dá, né gente. É muito custo. Mas eu gosto, e meus pais me apoiam

também, assim. Na verdade eu entrei assim, mais, na verdade, por influência dos meus

pais e da minha amiga. \M: Se não eu não teria entrado. \ M: Ah pelo custo também, mas

como meus pais falaram que não teria problema, queriam que eu dançasse, que eles são

meio corujas, né. E eles gostam de incentivar a dança boliviana pra mim. Sempre

gostaram de incentivar essa... minha introdução na comunidade onde eles vivem que eu

conheça pessoas que são do meio né. Então eles que me apoiaram. Mas foi mais por

influência, aí eu entrei e acabei gostando mesmo. (Entrevista Marcela, Escola Prudente

de Morães, São Paulo 27/10/2013).

A fronteira étnica, da qual falam os (as) fraternos (as) nas entrevistas, construída em

torno aos trajes acompanham vínculos intercontextuais. A fronteira étnica da fraternidade a

circulação de seu traje como parte disto e de relações sociais em torno a isto e em meio ao ciclo de

festas é um processo relacionado a reinterpretação de textos, no caso o texto corporal, feito não só

pela Fraternidade San Simon. A corporalidade é reinterpretada na tensão entre mudanças na

sociedade de partida (ou sociedade dos pais para o caso dos não nascidos na Bolívia) – dimensão

da “entextualización” (GAVAZZO, 2006) - e nas diversas sociedades de chegada – dimensão da

“recontextualización” (GAVAZZO, 2006):

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[…] La tensión entre el texto fijo de Oruro y el texto nuevo de Buenos Aires se pone de

manifiesto en el modo en que se utilizan esos recursos, ya sea a través de cierta elección

del vestuario, de la música o bien de las coreografías […] Nos permiten observar la

construcción de una nueva tradución (o nueva bolivianidad) a partir de una vieja herencia

(una bolivianidad originaria). Estos elementos que son constitutivos de la danza y que

intervienen en la producción de un nuevo texto en Buenos Aires (es decir que contribuyen

a su entextualización), deben entenderse siempre dentro del proceso de su

recontextualización (es decir en relación a los eventos culturales dentro de los cuales a la

prática y que nos mostrarãn nuevos aspectos de la misma). (GAVAZZO, 2006, p.82-87).

A noção de tempo e espaço se realizam nos trajes, estes são confeccionados na Bolívia

e compartidos no contexto de práticas de ensaios e festas em São Paulo. A identidade corporal,

portanto, é produzida não só com as narrativas sobre o caporal mas sobre as roupas e a circularidade

desta durante um certo período demarcando a vida social da fraternidade.

A narrativa sobre o traje caporal faz parte de um universo simbólico que envolve a

corporalidade, o calendário festivo, a presença das duas gerações em intercambio com bolivianos

na Bolívia, quando se deslocam para traze-los, e participar de alguma festividade. E também na

memória desta circulação e deste intercambio. No caso da fraternidade San Simon São Paulo –

Brasil a reinvenção do caporal se dá em meio a um calendário de festas e a circulação de pessoas

e trajes entre territórios. Sem se esquecer a memória deste processo.

Os trajes não são utilizados somente como fronteira étnica são além disto a dimensão

materializada da ciclicidade transnacional realizada na circulação das festividades. E por envolver

simultaneamente tempo e espaço se aproxima do que Tarrius (2000) vem indicando da aparição de

novas coletividades mais ou menos estáveis e duráveis se deverem a critérios de “[...]

temporalidades, de las fluideces, de las movilidades, y más precisamente de las capacidades

circulatórias de cada uno [...]” (TARRIUS, 2000, p.40).

Critérios estes que influem na produção do pertencimento sociocultural uma vez que o

reconhecimento neste contexto está sendo produzido na dialética entre identidade e alteridade

atravessada pelas “redes sociales propicias a las circulaciones” (TARRIUS, 2000, p.41). Estas

influem nas “construcciones territoriales originales” (TARRIUS, 2000, p.41) tais como a descrita

pelas narrativas acima de produção de trajes e sua circulação.

A mobilização de trajes da Bolívia fundamenta vínculos e identidades “[...] entre “los

de aqui” y “los que vienen, pasan...”[...]” (TARRIUS, 2000), por isto é importante ver que práticas,

símbolos e cultura material são dadas em “tiempos sociales” (TARRIUS, 2000) responsáveis como

parte do todo ser dispositivos de ação política, social, cultural, memória e econômica.

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As entrevistas trazem à tona se constituir certo ritmo de vida dos fraternos da San

Simon segundo “acto de movilidad” (TARRIUS, 2000) dos trajes e destes serem produzidos

exclusivamente no país de origem. Neste caso a experiência de encomenda, busca e recebimento

do traje folclórico em São Paulo, no contexto do calendário festivo desde a Bolívia e reinventado

na cidade, faz parte das “experiências circulatórias” (TARRIUS, 2000, p.41) dos migrantes97 em

“ser de aqui, el ser de allá, el ser de aquí y de allá a la vez” (TARRIUS, 2000, p.41) de seu

pertencimento transnacional, embasado num “ritmo de vida” (TARRIUS, 2000) que se utiliza de

artefatos manipulados por mãos sem as quais não há sua originalidade: com mãos especiais que

tem lá.

O tempo fundamenta o ato de mobilidade dos trajes e dos envolvidos com as

fraternidades desde a sociedade de partida num calendário festivo: fevereiro (Bolívia) e agosto (São

Paulo), para dançar no Carnaval de Oruro ou dançar para as Virgens de Socavon (Oruro), Urkupiña

(Cochabamba) e de Copacabana (La Paz). Esta “modalidade de pertenencia” (TARRIUS, 2000),

de memória e de sucessão de gerações é em si um modo de vida social. Instaura, por um lado,

vínculo local, transnacional e circulatório, por outro, imputa ritmos, fluxos, sequencias, memória

de sucessões que é partilhada entre as gerações (TARRIUS, 2000).

O traje é a dimensão de cultura material de um sistema simbólico e prático produzido

no tempo de indivíduos que estão a todo momento negociando, encontrando o diferente e o

idêntico, improvisado, circulando (TARRIUS, 2000). O ritmo de vida embasado na mobilidade

dos trajes evidencia para o caso da Fraternidade San Simon práticas coletivas “consecutivas de la

vida social, o ritmo sociales” (TARRIUS, 2000, p.43), isto quer dizer: “[...] En efecto, las

secuencias temporales, como los caminos usados para realizar actividades, señalan proximidades

sociales y espaciales fundadoras de la cohesión de grupo, identificadoras de las vecindades […]”

(TARRIUS, 2000, p.43).

Estes ritmos da vida social pontualiza as atividades das pessoas, organiza seus corpos

em função da sequencia diária e semanal, trimestrais e anuais; organiza encomendas e compras, as

97 As experiências circulatórias dos indivíduos ou agrupamentos em contexto de migração é parte da dinâmica que cria

sua identidade transnacional. O reconhecimento como grupo étnico neste caso não é relativo só ao encontro com a

população fixa das cidades de migração, mas próprio da circulação e dos vários encontros com outros diversos

migrantes, circulantes. Seus atos de mobilidade envolvem ritmos de vida, fluxos, sequencias, et., sendo a circulação

do traje e a circulação de fraternos entre territórios durante ciclo de festa a dimensão objetiva desta memória cíclica

(cf. TARRIUS, 2000).

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saídas e regressos (TARRIUS, 2000) que constituem todo o tempo cíclico da circulação de pessoas

e trajes, assim “[...] según los días, para cada membro del hogar, los momentos “disponibles”

propícios a desplazamientos o diversas formas de relajamiento, los tiempos “colectivos” intra o

extraframiliares, los tiempos “individuales” o “íntimos” (TARRIUS, 2000, p.43)”, formam o modo

de vida San Simon.

A fraternidade folclórica através do ato de mobilizar as roupas relaciona, por fim, dois

espaço tempo, dois ritmos de vida em um mesmo “Território Circulatório” (TARRIUS, 2000). Este

significa a relação dos bolivianos com outros estrangeiros na Bolívia durante as festas religiosas,

principalmente, devocionais e do Carnaval, a reatualização de formas de dançar devido este

vínculo, o reatamento de laços com familiares e amigos, intercambio de cores, sabores e

vestimentas para a sociedade de migração desde lá, constituindo sua transnacionalidade temporal.

Isto tudo pode ser apreendido na dinâmica de mudança anual dos trajes narrados pelos fraternos

acima, bem como podemos visualiza-los nas fotos das roupas das cholitas, dos tropeiros e dos

achachis de 2012 abaixo utilizadas no início de 2013 e a de 2013 utilizada em agosto do mesmo

ano:

Figuras. 40 e 41. Tropeiros San Simon se apresentam na 18ª Festa do Museu da Imigração (02/06/2013). Achachis San Simon apresentam-se na Festa Eu Amo Bolívia no Memorial da América Latina (03/08/2013).

.

Fonte: do autor.

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Figuras. 42-43-44-45. Cholitas se apresentam na 18ª Festa do Museu da Imigração (02/06/2013). E na festa Eu Amo Bolívia no Memorial da America Latina (03/08/2013).

Fonte. Reinaldo e autor.98

98 A foto de número 42 (da jovem com mãos na cintura sorrindo) foi elaborada por Reinaldo utilizando a câmera do

pesquisador. Tem permissão de uso por parte do produtor quanto da fotografada. Dá visualidade a uma das expressões

corporais que as cholitas procuram demonstrar no ato da dança denominada comumente a beleza da mulher boliviana.

A foto de número 43 (quarenta e três) diálogo visual entre a interpretação do pesquisador e a de Reinaldo quanto a

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O território circulatório de outro ponto de vista é reatualizado porque ele mesmo é uma

memória sobre a espacialidade e a trajetória dos atores (TARRIUS, 2000) construída e vivida

anualmente, é memória agenciada e agenciadora:

El território es memoria: es la marcación espacial de la consciencia histórica de estar

juntos. Los elementos de escansión, continuidades y descontinuidades, contiguidades y

discontiguidades de este espacio-memoria son materiales, factuales y funcionan como

referencias: tal acontecimento, tal hombre y tal emplazamiento, reconocidos por todos. La

memoria coletctiva acumula los emplazamientos-acontecimientos, referencias y

constitutivos de las interminables negociaciones que autorizan los cambios de expresión

social de forma aparente. De tal manera podríamos afirmar que la forma territorial es

incesante negociación ella misma. (TARRIUS, 2000, p.54).

Por isto as roupas mobilizadas anualmente se constituem não só como fronteira duma

“identidade circulatoria” (TARRIUS, 2000) em constante renegociação fundamentada em uma

memória ela mesma em reinvenção. As roupas são referencia coletiva de um saber agregador para

os atores se inserirem em redes “[...] definidas por las movilidades de poblaciones que tienen su

estatuto de su saber circular” (TARRIUS, 2000, p.55).

A circulação das roupas e de fraternos que constituem em termos teóricos o território

circulatório e a identidade circulatória significam que a socialização nestes espaços opera pela

lógica da mobilidade e é aí que as diferentes sociedades são conectadas. Em outros termos o

território circulatório é a dimensão teórica de uma prática do transnacionalismo, enquanto a

identidade circulatória é a experimentação ativa da identidade transnacional:

Estas poblaciones móviles, en diásporas, vagâncias, nomadismos, enganchan todos los

lugares, recorridos por ellas mismas y otras reconocidas como cercanas, a una memoria

de naturaliza colectiva que, tan imediatamente extensiva como lo son los movimentos de

travesía de espacios nuevos, designa entidades territoriales “otras”, necesariamente

sobreponen a las locales un tiempo o mucho tiempo. Así se encuentran federados etapas

y recorridos, soportes a las múltiples redes de intercambios y condiciones de la incesante

movilización para dejar circular hombres, materias e ideas […] ciudades y pueblos estás

sembrados de estos lugares de la articulación entre territorios circulatorios y espacios

locales, pero es la lógica de flujo, de movimiento, el orden de las temporalidades que crea

na conexión, que habilita el lugar a expresar este papel inferfaz. (TARRIUS, 2000,

p.56-58).

São estas ações e subjetividades temporais, móveis e circulantes que dão forma

cosmopolitas as cidades, como São Paulo. È a lógica do movimento que articula distintos territórios

tentativa de expressar visualmente um aspecto presente na hora da apresentação que é a Unidade e o Animo que toma

conta dos fraternos e fraternas.

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e os conforma em espaços de alteridade. No caso da fraternidade San Simon a sua originalidade

está na circulação de pessoas e trajes. São sua dimensão original de território e identidade

circulatória criadora de vínculos entre gerações e da diversidade nas cidades ao redor do mundo

onde haja imigração de bolivianos (as).

Outra dimensão do território circulatório é a ciclicidade devocional. O San Simón é

devoto de três santas devido a isto em datas diferentes homenageiam-nas no contexto de festas

privadas e públicas em ambos países. Estas datas são marcador de tempo, dimensão simbólica do

ato de mobilidade e memória.

Na Bolívia no mês de fevereiro os fraternos dançam em devoção á Virgem de Socavón

padroeira de Oruro, local onde há o principal Carnaval do país e onde está registrado a fraternidade

na associação de grupos folclóricos. O Carnaval orurenho não é só importante pela oportunidade

de expressão da dança, ele é memória de filiação com outras fraternidades.

A fraternidade é devota e dança em homenagem á Virgem de Urkupiña, padroeira de

Cochabamba e da integração nacional. Esta virgem, por sua vez, é memória de filiação nacional e

local de aonde a fraternidade surgiu. Esta festa ocorre em agosto e é comemorada tanto na Bolívia

quanto em São Paulo. Neste caso além de referencia tempo espacial a festa é a referencia da filiação

da fraternidade aos grupos folclóricos em São Paulo.

São devotos também da Virgem de Copacabana padroeira nacional e de La Paz, para

esta os fraternos expressam sua devoção dançando o Caporal no mês de julho. A devoção a esta

virgem é uma expressão de devoção aos bolivianos em São Paulo pois muitos dos imigrados são

devotos desta padroeira. Na cidade a virgem é devocionada no contexto das festas que se preparam

a comemoração de agosto no Memorial da Àmerica Latina, festa que para os residentes na cidade

é a principal em que participam.

Se no país de origem da fraternidade a principal festividade em que expressam o

Caporal e se apresentam são estes períodos (o qual é parte de um vasto calendário de festas

nacionais, departamentais, comunitárias, etc.) em São Paulo é esta festa que ocorre em agosto, ou

pelo menos a referencia central, a qual é comemorativa também da Independência da Bolívia

quando muitas fraternidades e bolivianos não integrantes de grupos de dança se encontram numa

apresentação de dois dias. Dançar ás Virgens de Urkupiña e Copacabana, portanto é um modo de

filiação as demais fraternidades e de se inserir no calendário de festa da população, contribuindo à

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narrativa e a memória sobre a identidade sociocultural de todos, apesar de diferentes significados

atribuídos a ‘cultura’, no processo de reinvenção corporal.

Em relação mobilidade dos fraternos nestas datas integrantes da fraternidade de São

Paulo durante o Carnaval orurenho vão á Bolívia integrar um dos blocos que compõem a tropa de

dançarinos e dançarinas do San Simón cochabambina durante a festa. No mês de agosto após

dançarem no Memorial da América Latina circulam para dançar á Virgem de Urkupiña. O ato de

devoção pode bem ser observado nas fotos:

Figuras.46 e 47. Virgens Urkupiña, Copacabana e Socavon expostas durante velada das cholitas (27/07/2013).

Tropa dos Achachis dançando e devotando ás virgens na Festa Preparada (28/07/2013).

Fonte: do autor.

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Por fim duas últimas dimensões do território circulatório e do ritmo de vida (que

pudermos observar) são os ensaios e a mobilização em espaços da cidade de São Paulo para tal

prática. Este modo de agenciamento é uma reinvenção já observada entre fraternidades que se

preparam anualmente para dançar na festa Del Gran Poder na Bolívia, lá os ensaios são momentos

segundo Tito (2012, p.132) de:

[...] prácticas sucesivas de pasos y coreografias, para demonstrar el nível cualitativo y el

grado cuantitativo de una fraternidad. Generalmente, son dos los principales ensayos

realizados por todas las fraternidades de morenos. Para muchas personas, los ensayos a

campo abierto de algunas fraternidades, o la promesa, constituyen un tecer ensayo. Ensayo

a campo abierto es una vinculación con el lugar de origen; sólo una fraternidad lo realiza.

Os ensaios também se adequam ao calendário de festa. No caso da San Simon

ocorreram nos meses de março a agosto, há um pequeno intervalo neste mês e a partir de setembro

e outubro retornam, porém vão diminuindo até encerrar-se antes de dezembro. A queda de

frequência de encontros se deve porque a principal festa já ocorreu. Retornam no mês de março do

ano seguinte com as eleições de guias das tropas masculinas e femininas quando iniciam os

preparativos para o carnaval orurenho e brasileiro, a eleição dos e das guias, neste período há o

pedido de trajes para o ano, apesar de que as apresentações no calendário de festa da cidade até a

chegada do traje novo ocorrem com a utilização do traje do ano anterior.

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Figuras.48-49-50-51-52-53-54. Sequencia do ensaio da San Simon. (25/05/2013).

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Fonte: do autor.

Os ensaios da Fraternidade Folclórica Caporales San Simón ocorreram no ano de 2013

na Escola Estadual Prudente de Moraes localizada na Avenida Tiradentes, no Bairro da Luz, região

central próximo ao metrô Tiradentes, ao metrô Estação Luz e ao Parque da Luz, da Estação

Pinacoteca, do Museu da Língua Portuguesa e do Memorial da Resistência.

O uso da escola ocorre a partir de autorização concedida. Um pedido de uso do espaço

por parte dos fraternos deve ser feito a direção da escola, esta avalia e libera a presença nos dias

acordados“[...] em troca a gente ajuda em coisas que a escola precisar. Em se apresentar em

algum evento da escola [...]” segundo Reinaldo.”99

Por um lado, significam que “[...] los itineradios está estrechamente vinculado a los

ritmos de vida” (TARRIUS, 2000, p.43). Por outro, o que se percebe é que junto a mobilidade

99 Em termos de política pública o que permitiu a presença de brasileiros e fraternos naquele espaço aos fins de semana

foi a aplicação do Programa Escola da Família. Uma proposta de abertuda das escolas Estaduais aos fins de semana.

Quem trabalha no período de abertura nelas e quem aplicava o projeto são universitários bolsistas de universidades

particulares ou funcionários da instituição escolar. Devem estar presentes durante quatro horas aos fins de semana em

troca do direito aos estudos em universidades cadastradas no programa. Com a presença deles realizando a manutenção

do espaço alguns são usados para desenvolvimento de atividades esportivas, educativas e brincadeiras. Programa

Escola da Família. Governo do Estado, Fundação para o Desenvolvimento da Educação, São Paulo, online. Disponível

em:

<<http://escoladafamilia.fde.sp.gov.br/v2/Subpages/sobre.html>.>. Acesso 28/08/2013.

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vinculado a este modo de ser há agenciamento de espaços da cidade, ou seja, uso vernacular

(CANTOR MAGNANI, 2002) de locais, equipamentos, instituições, etc., reconstituindo-os na

lógica cíclica para socialização e o pertencimento dos fraternos.

Pedaços (CANTOR MAGNANI, 2002) como as escolas, a praça, a rua coimbra, os

museus, dentre tantos outros são reapropriados na mobilização de pessoas mediando

temporalmente o encontro com a metrópole paulista e sua alteridade. È aí, neste tempo, que se dá

o conhecimento da corporalidade dos migrantes por parte da população local.

Mobilizados na e para as festas criam pedaços dos migrantes (CANTOR MAGNANI,

2006), uso de equipamentos conforme um código de pertencimento, laços, rede de relações,

fronteiras, experiencia compartilhada, circulação segundo itinerários:

São dois elementos básicos constitutivos do “espaço”: um componente de ordem espacial,

a que corresponde uma determinada rede de relações sociais [...] onde se desenvolve uma

sociabilidade básica, mais ampla que fundada nos laços familiares, porém mais densa,

significativa e estável que as relações formais e individualizadas impostas pela sociedade

[...] Essa malha de relações assegura aquele mínimo vital e cultural que assegura a

sobrevivência, e é no espaço regido por tais relações onde se desenvolve a vida associativa,

desfruta-se o lazer, trocam-se informações, pratica-se a devoção – onde se tece, enfim, a

trama do cotidiano [...] Entre uma e outro situa-se um espaço de mediação cujos símbolos,

normas e vivencias permitem reconhecer as pessoas diferenciado-as, o que termina por

atribuir-lhes uma identidade que pouco tem a ver com a produzida pela interpelação da

sociedade mais ampla e suas instituições. (CANTOR MAGNANI, 1984, p.137 e 140).

Expressando-se e mobilizando-se corporalmente nos lugares públicos agenciados os

imigrantes constroem seus laços internos a fraternidade, porém com uma profundade simbólica de

pertencimento e reconhecimento que a sociedade mais ampla nos tempos e espaço do trabalho (ou

especifico a cultura local) não permitem. Fazem ainda neste processo mobilizar outros migrantes,

brasileiros, atores políticos e agentes culturais como ocorreu na participação na Festa do Museu da

Imigração e no Memorial da América Latina, na Igreja de Los Milagres, na Escola Prudente de

Morães, nos salões de festa na Zona Norte (para comemorar a apresentação na festa de agosto).

Nestes tempos e nos espaços descritos ocorrem os encontros junto a sociedade local

com algum nível de conflito, mas também de diálogo. No modo de ser da fraternidade a

circularidade e a corporalidade produzem uma identidade sociocultural a qual é o eixo da relação

entre o brasileiro filho de boliviano, ou do jovem imigrante, e seus parentes, e de todos estes com

bolivianos na Bolívia, dando o tom de transnacionalismo de sua identidade, uma vez que esta

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coletividade se constitui sem perder de vista referencias de significados narrados como originários

da Bolívia.

3.3 – O ciclo de amizade entre gerações em torno do caporal.

En este sentido, resulta importante considerar que “el arte constituye un mecanismo para

generar nuevas formas de pertenencia, participación y organización comunitaria en

contextos de exclusión. Fundamentalmente resulta útil para promover cambios en el

presente de niños\as y jóvenes posibilitando el desarrollo de sus capacidades de creación

y autonomía y la construcción de lazos de pertenencia” (INFANTINO, 2008, p.1 apud

GAVAZZO, 2011, p.47).

En todo caso, es interesante pensar en “la edad como dimensión estructurante de la

práctica social” (KROPFF, 2008). Esto nos permite apreciar cómo la edad, como

construcción cultural, opera naturalizando asimetrías y relaciones de poder e interpela la

agencia de los sujetos puesto que es el lenguaje de las relaciones familiares el que

establece las relaciones entre los grupos de edad (ivi, p.5). El estudio de las relaciones de

parentesco, la familia, la unidad doméstica, los hogares o viviendas constituyen una

importante contribución a la comprensión de nuestro caso de estudio, al prestarle atención

a las prácticas sociales de los niños y adolescentes como sujetos plenos igualmente

dotados de capacidad reflexiva y competencia cultural (GAVAZZO, 2011, p.48).

Inspirado nas colocações de Natália Gavazzo (2011) partimos da perspectiva de ser a

corporalidade um mecanismo para participação social e construção de laços de pertencimento as

diferentes gerações envolvidas com a fraternidade. E é a estes aspectos que procuraremos trabalhar

aqui.

Todavía cabe tratar antes acerca da “geração”. Particularmente a idade jovem na qual

são identificados e se definem alguns integrantes da Fraternidade San Simon no seio das relações

intergeracionais é parte estruturante de sua experiencia como fraterno e filho de imigrante ou jovem

imigrado, assim “[...] el concepto de generación puede remitir tanto a la genealogia, a la edad como

a ciertas experiências sociales compartidas” (GAVAZZO, 2011, p.32), entre si e com pessoas de

mais idade.

Gavazzo (2012) utiliza o termo “generación genealógica” para compreender esta

experiencia social, a qual nos serve para jogar luz a relação histórica de jovens filhos de pais

imigrantes, e de seus pais ou pessoas de mais idade na fraternidade San Simon. Por geração

compreendemos tanto a trajetória do fraterno, a sua idade, quanto experiências compartidas entre

este sujeito e sua família, e dele com o grupo maior da fraternidade.

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A fraternidade é lugar de iguais na condição migratória, porém de encontro entre

alteridades geracionais, tendo no corpo sua ferramenta para compartilhar experiências. Neste modo

de ser outras narrativas e significantes emergem e são manifestos em seu espaço tempo:

En este movimiento, enfocado en la preservación y difusión cultural del patrimonio “del

origen” en el contexto migratório (Gavazzo, 2002), encuentran además un espacio para la

reafirmación de una identidad que suele ser desconocida o estigmatizada en la sociedad

de destino. […] De este modo, la difusión cultural es una herramienta tanto para el

reconocimiento social como para la reconstrucción (o reinvención) de una identidad que,

en el contexto migratorio, permita articular a los diversos “otros internos” (Gavazzo,

2002), cuyas relaciones han sido a menudo tensas. (GAVAZZO, 2011, p.48-49).

A descendência constituí parte destas relações intergeracioanais, porém, não se trata de

transmitir geneticamente de pai para filho um modo de dançar, por exemplo, produzindo alguma

suposta identificação automática entre si:

En cuanto a los migrantes se supone que tanto la “primera” como la “segunda” generación

de migrantes comparten una cultura o identidad común que funciona como capital social

que se “transmite” de una generación a la otra. Esto implica que los hijos y sus padres

comparten ciertas creencias, ciertas tradiciones y asimismo una o varias imágenes públicas

como “comunidad”. Estas representaciones pueden ser entendidas como formas de

percibir, conceptualizar y significar los procesos sociales desde modelos ideológicos

construidos históricamente (Sinisi, 1999). Debido a que no existe representación sin

práctica social, esas “culturas” funcionan como modelos que generan simultáneamente

práticas concretas, de modo que hablamos tanto de ideas como de (inter)acciones (Sinini,

1999, p.45) (GAVAZZO, 2011, p.33).

Assim, o que se reinventa na relação entre gerações são imaginários, percepções,

conceitualizações, representações, bem como, regras e práticas criando sentido aos jovens que não

viveram na Bolívia e que passam a se sentir como parte deste universo.

Os vínculos entre gerações ocorrem segundo a reinvenção de uma certa tradição “[...]

o que implica, automaticamente; uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que

possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado” (HOBSBAWN

e RANGER, 1997, p. 09) relacionado ao país de origem dos pais.

É por isto que para nós a tradição reinventada tem como fundamento um imaginário

sobre a nação e seus grupos nacionais, estabelecendo na linguagem do corpo e na representação

sobre, certa contimuidade entre um passado histórico imaginado e um presente vivido e

compartilhado entre gerações nascidas ou não na sociedade de origem dos adultos, tendo em

comum a imigração e a dança como sua dimensão prática na unidade.

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Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por

regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam

inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica

automaticamente uma continuidade em relação ao passado. (HOBSBAWN e RANGER,

1997, p.9).

Esta tradição reinventada é o resultado do contraste entre mudanças e inovações, no

caso analisado aqui, da imigração e do surgimento de novas gerações, e a tentativa de reestruturar

a relação entre jovens e adultos neste processo.

No seio das relações intergeracionais contribui para fortalecer a comunidade

transnacional; produz coesão social por meio de dimensões rituais e simbólicas; a adminissão de

indivíduos ao grupo social se dá pelo compartilhamento da memória; a socialização de integrantes

ocorre a partir de certa carga simbólica fruto do sentimento de pertencimento.

Este sentimento de pertencimento tem haver com compartilhamento de histórias e

vivencias comuns que por sentirem eles vivenciam. Ao vivenciar sentem.

De todos modos, todas comparten el objetivo de exhibir a los “otros” la rica cultura que

heredan de sus padres migrantes mediante eventos, actividades y celebbraciones centradas

en la musica y la danza [...] En esto sentido, lo que comparten estos descendientes es la

vida como jóvenes de inmigrantes en una época determinada. (GAVAZZO, 2011, p. 47 e

53).

E sob tal sociabilidade emerge um círculo de refúgio entre iguais.

Los grupos de danza constituyen entonces espacios en los que encontrarse con “iguales”

en un contexto que observa su identificación como “algo malo”, es decir generar

pertenencia y alejarse de la discriminación. Esto mismo puede observarse en el examen

de las fraternidades de danzas bolivianas en Buenos Aires en las que se insertan con gran

notoriedad los “hijos” (GAVAZZO, 2002). Una de las danzas más practicadas por estos

jóvenes descendientes son los caporales (Las agrupaciones de danza tienden a construir

un “nosotros” que actúa e interviene socialmente en la colectividad boliviana).

(GAVAZZO, 2011, p.42-43)

È o caso de Anderson, João e Roberto. O diálogo com os três descrito abaixo ocorreu

no contexto de uma novena organizada pelos pais de Anderso dedicada as Virgens de Copacabana

e Urkupiña no salão da Igreja Nossa Senhora da Paz com participação do Grupo Kantuta Bolívia.

Neste dia nem todo o grupo se apresentou somente os mais chegados seus. Os integrantes relatam

ser comum a retribuição entre fraternos. Neste caso o motivo da presença do Kantuta era retribuição

para família de Anderson quem organizavam a novena e a ele que participa da agrupação.

O evento do sábado ocorreu a partir das 19h do dia 06 de abril de 2013 no salão de festas

da igreja nossa senhora da paz, em São Paulo. No Glicério mais precisamente. Era uma

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festa novena ás virgens de Copacabana e Urkupiña. Desci do metro liberdade até a Igreja,

na rua haviam muitas pessoas, principalmente, homens nos bares da região. Haviam

também muitos jovens nas calçadas, todos brasileiros. Alguns carros, também. Embora

não seja uma via de tráfego. No portão do estacionamento da Igreja Nossa Senhora da

Paz haviam também carros estacionados. A esquerda (para quem entrava) estava um

grupo grande de pessoas: jovens, adultos e crianças, todos em uma roda. Do outro lado,

haviam 04 (quatro) a 5 (cinco) pessoas, e mais a frente outro grupo, todos aguardavam o

inicio do festejo. Era um evento de novena em que o grupo folclórico Kantuta Bolívia iria

dançar. Segundo um seminarista que participou do evento as novenas as santas são

comemorações que ocorrem mensal ou semanalmente até agosto, em âmbito familiar, ou

não. Se for o primeiro caso é organizado por famílias. Algumas famílias podem organizar

livremente novenas em suas residências. Neste caso, é uma festa mais de caráter privado.

A novena que acompanhávamos era organizada também por uma família, porém, em

espaço público da Pastoral dos Migrantes. As novenas mensais podem ser organizadas

por mais de uma família e aí tem caráter público. Conversando com outro imigrante

boliviano, chamado João, com pouco mais de 35 anos, disse-me, que neste contexto os

grupos de dança podem ou não dançar. E os integrantes dos grupos de dança podem, ou

não, estarem ligados as famílias que organizam as festas. E era o caso de Anderson. De

fato, passei a conversar com Anderson somente quando este havia chego. E só chegou

quase para começar a missa, embora, não se tratasse de um atraso, mas, porque resolvia

outras pendencias em relação a missa. Anderson descreve que é integrante também do

grupo. E que a novena eram as virgens, e também a seus pais, passantes naquele ano.

Desta vez somente alguns integrantes haviam ido participar. Os integrantes destes

grupos, descreveu-me, são variados inclusive contendo brasileiros. Ele mesmo se

considerava brasileiro, mas de pais bolivianos. Segundo Anderson, são famílias que

criam grupos de dança, ou fraternidades, tal como, a sua deu origem ao Kantuta, o qual,

era ele integrante. Embora, os grupos não tenham a ver com as novenas em si. Sua família

já participava desta agrupação desde quando os ensaios eram na própria Pastoral dos

Migrantes, hoje, o grupo ensaia na escola Frei Beto, e conforme foi crescendo outros

integrantes foram se inserindo sem, contudo, serem da mesma família que Anderson. De

qualquer forma, seria algo, uma prática, que se passa de geração a geração, ou de pai

para filho. Neste dia, o grupo teria se apresentado “para dar uma força” para Anderson.

Conforme, João, somente, alguns integrantes vieram, o suficiente para se apresentar,

pois, muitos outros e outras descansavam uma vez que no dia seguinte haveria

apresentação no Bairro do Belém (Zona Norte) em uma festa de Peruanos. “È assim, a

gente se ajuda”, relatou-me João. Segundo, Roberto, outro jovem, integrante do grupo,

as fraternidades dançam nas novenas para “dar uma agitada, as pessoas gostam de ver”.

Portanto, neste dia o grupo dançou as santas e aos passantes. Embora, nem todos que

participem de um grupo de dança seja católico, considerou, ainda. Enquanto víamos a

apresentação do Kantuta, após a missa, Anderson, relatou-me ainda que a dança entre

mulheres e homens é diferente: “a mulher como é assim charmosa então elas dançam

assim. Tem de ser charmosa, os homens é mais folêgo. Impulso. Por isto saltam. O que

nós fazemos para chamar atenção é assim. A mulher chama atenção pelo visual, o

charme. E o homem pelo barulho e o salto. Você viu que nas pernas que tem chocalhos,

é que que faz o barulho (...) O grupo kantuta tem 25 anos. O San Simon tem 40 anos. São

mais conhecidos lá fora. O nosso, também, mas só de boca a boca. Eles já foram se

apresentar lá fora. Na Bolívia. Na liga. Nós vamos este ano. Recebemos o convite este

ano, só. Aqui eles são nosso rival. Fazem duas danças, nos fazemos quatro, mas hoje só

apresentamos duas, a caporales e a cueca (...) Esta é a nossa cultura. Você pode ver que

não tem só boliviano. Tem brasileiro. Você viu uma moça alta?. Ela é brasileira nata. Eu

sou brasileiro, com pais bolivianos. É nossa cultura. Dança de raiz, quantas danças tem

no Brasil?. O frevo, o maracatu, o samba. Carnaval no Rio de Janeiro. Só três, nos temos

várias. Não são danças de raiz [as danças brasileiras – grifo nosso]. A nossa é dança de

raiz. É coisa que veio dos meus pais e a gente passa para os filhos. Você viu que tem umas

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criancinhas?. É a nossa cultura e nós queremos resgatar isto aqui (Diario de Campo,

06/04/2013)

Esta longa descrição contextualiza a fala dos integrantes sobre a reinvenção da tradição

e a produção de relações de pertencimento entre gerações. Estes jovens reinventam sua tradição

corporal sob o significante de ajuda mútua, o que os une é o sentimento fraternal, sendo esta mesma

prática um modo de diferenciação.

Na narrativa de Anderson, principalmente, há uma relação quase umbilical entre

fraternidade e dança, comunidade e cultura. A cultura é algo que se transmite de pai para filho e a

fraternidade o lugar onde as gerações se encontram para este intercambio. Famílias criam

fraternidades, embora vão agregando membros que não fazem parte do núcleo inicial, assim, a

própria agrupação vai crescendo, agregando outras pessoas, ampliando o sentido de família. Sua

coesão não se deve ao signficante devocional, e sim outros sentidos fortalecem a unidade de seus

membros.

As danças caporal e cueca são narradas como parte de um patrimonio nacional, sua

expressão é a da reciprocidade no contexto migratório – [...] é nossa cultura e queremos resgatar

isto aqui. Desta forma o imaginário destes integrantes sobre a “cultura de origem” (GAVAZZO,

2012), as danças, no caso, e o sentimento de fraternidade se fundem e se voltam á valorização dos

imigrantes e seus descendentes – [...] você viu que tem umas criancinhas?.

A identidade transnacional visibilizada é o resultado da “política de identidade”

(GAVAZZO, 2012, p.221) definidora das fronteiras micro do universo interfraternidades – [...]

Aqui eles são nosso rival. Fazem duas danças, nos fazemos quatro, mas hoje só apresentamos

duas, a caporales e a cueca [...] Esta é a nossa cultura – e macro da relação com a população local

– [...] É nossa cultura. Dança de raiz, quantas danças tem no Brasil? -, reinventando uma

“identidade originária” (GAVAZZO, 2012), embora não fechada na comunidade de imigrantes –

[...] Você pode ver que não tem só boliviano. Tem brasileiro. Você viu uma moça alta Ela é

brasileira nata. Eu sou brasileiro, com pais bolivianos. Condição própria da imigração e da

emergência de gerações.

Particularmente, a fala de Anderson é um caso exemplar da trajetória de sujeitos

nascidos em uma sociedade e que se reinventam para perterncer a outra. Tendo o imaginário

transnacional como espelho de si e óculos para ver sua geração. Sua narrativa faz emergir a

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presença de juventudes que na expressividade de danças produzem o pertencer a outra realidade

sociocultural segundo reconhecimento de ser descendente – [...] Eu sou brasileiro, com pais

bolivianos. É nossa cultura.

Este caso parece também se adequar a outra ordem.

Anderson se afirma brasileiro filho de boliviano e no resgate e transmissão das danças

no contexto migratório, assemelha-se ao que Gavazzo (2011) denomina de “[...] mas “fanáticos”

que sus mismos padres [...]” (GAVAZZO, 2011, p.37), ou seja, sujeitos que embora não tenham

nascido na Bolívia tomam contato com as danças e as músicas no contexto migratório, tratando-as

legitimamente como herança cultural, expressando a partir daí sentimento de pertencimento

sociocultural mais forte do que o de seus pais (GAVAZZO, 2011).

No entanto, fazer parte de um grupo não significa, nem implica, naturalmente um

sentimento de pertença. A relação com parentes não significa pertença automática a origem

sociocultural. O reconhecimento pode ocorrer mesmo entre pessoas que nunca se viram, isto

dependerá mais da experiência (GAVAZZO, 2012).

Este parece ser o caso da Kantuta Bolívia, demonstrativo de que o sentimento de

pertencimento precisa ser vivido, precisa ser experienciado, para fazer sentido aos atores que o

vivenciam. Há significância de unidade desde que narrativas sobre as danças, as festas, etc, sejam

intercambiadas entre as gerações. É preciso compartilhar memórias:

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Figuras 55 – 56 – 57 – 58 - 59. Sequencia de fotos. Crianças e Jovens do Grupo Folclórico Kantuta Bolívia se apresentam no Memorial da América Latina na Festa Preparada, (28/07/2013)

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185

Fonte: do autor.100

Apesar da Fraternidade San Simon não conter uma tropa exclusiva de crianças

denominada comumente de infanto também possui as suas gerações como podemos verificar nestas

fotos dos blocos Achachis (homens com mais de 40 anos), Cholitas (tropa de mulheres jovens e

adultas) e algumas crianças:

100 As fotos foram modificadas propositalmente para não apresentar as crianças em toda sua corporalidade, evitar

constrangimento futuros para elas e ao pesquisador.

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Figuras. 60-61-62. Sequencia de fotos. Tropa de Achachis, Cholitas e Crianças. Festa Preparada no Memorial da América Latina. (28/07/2013).

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Fonte: do autor.

Esta experiência de jovens se construindo integrantes de grupos tradicionais não é

exclusivo da Kantuta Bolívia, tal como não é o engajamento de Anderson pela visibilidade da

comunidade. Jovens integrantes do San Simon também possuem a sua experiencia de se tornar

fraternos engajados na valorização das danças e das fraternidades:

[...] Acho que é sangue meu, acho que é sangue. Não sei como... Também cresceu a vida inteira

com essas músicas no ouvido, meu pai ouvia direto essas músicas. Nem que eu não quisesse sabe

ouvir, eu sabia o ritmo de Cueca já, fazer o passinho eu sabia... Não sei cara, não faço ideia, acho

que é sangue mesmo, da mesma forma que os brasileiros nascem sambando, o boliviano nasce

sabendo dançar. É sangue meu, cultura mesmo, não adianta [...].(Entrevista Willian, Praça

Kantuta, 20/10/2013.).

(...)

Não não, eu não era, não tinha contato nenhum com a comunidade boliviana. Aí resolvi entrar, só

jogava bola com boliviano, minha irmã dançava num grupo chamado Kantuta há uns 10 anos mais

ou menos, aí eu nunca queria dançar, na realidade eu nunca queria dançar, e tomei gosto assim,

do nada...Eu só jogava, o contato com boliviano só no futebol, quando eu jogava bola. Só que eu

acabei vendo um ensaio só. Acho que é assim a paixão. Que muita gente fala muito, quando eu falo

assim para o meu amigo assim que é brasileiro, falava assim "ah, você dança no grupo folclórico

boliviano" e só. Não tem muita cultura, alguns acham que é coisa bonita, outros não. Tem que ir lá

assistir, eu assisti um ensaio, tomei gosto e entrei [...] È que assim, o boliviano é muito pregado à

cultura, eu acho isso muito legal da Bolívia, eles não largam a cultura por nada. Tem uma festa...

O Carnaval da Bolívia você faz com danças culturais, eu acho uma coisa sensacional, uma coisa

que eu não vejo aqui entendeu? Muita cultura, eles pegam as raízes, roupas típicas, dançam por fé

e devoção, aí isso é bem legal. (Entrevista Willian, 18ª Festa do Migrante,02/06/2013).

(...)

[...] meu amigo jogava bola comigo domingo, dia de ensaio, aí rolou umas chances de depois do

jogo eu levar ele pra casa dele, pro ensaio. Aí eu acabei ficando pra assistir e tal, gostei, aí comecei

a levar minha irmã no ensaio, aí eu levava minha irmã e em vez de voltar pra casa e esperar ela me

ligar eu ficava lá vendo, era aquele adolescente roquerinho, que só queria ficar ouvindo rock,

levava meu foninho no ensaio e ficava ouvindo meus rock, aí comecei a dar pausa no meu rock e

comecei a escutar a música e tal, legal. O gosto veio do nada, do nada veio o gosto. Ah fiquei de

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março até a entrada de agosto dele, daí eu vi minha irmã dançar, e eu tava assim, eu tava só tirando

foto só, dando água lá, fiquei dando água e tirando foto da minha irmã. Aí quando eu vi de perto

aquela banda dançando, nossa senhora, e nesse ano 2009, 2008, foi o primeiro ano do San Simon

aqui em São Paulo, foi o único ano que eu não participei aqui foi 2008, veio a tropa de Cochabamba

pra cá, a tropa masculina, feminina e veio uns cara que dança de figura Lá. E eu vi as duas tropas

daqui de São Paulo e a tropa de lá meu, a tropa de lá era sensacional. Aí e vi que era a vez, e falei

"vou entrar". Primeiro ensaio e tal, fiquei meio assim, hoje não quero mais sair, sou guia e não

quero mais sair da tropa. Nunca ia imaginar que isso ia passar pra mim... Eu já vi comentários de

que viu o San Simon se apresentar e resolveu entrar porque achou bonito. Conheço familiares

também, tem um que são 3 irmãos e 2 primos que dançam na tropa, masculino e feminino, mas é

isso mesmo. É basicamente isso, "vamos lá dançar", aí se interessa e vai, não necessariamente são

familiares mesmo, amigos mesmo (Entrevista Willian, Praça Kantuta, 20/102013).

(...)

[...] Foi a [minha] primeira [fraternidade], minha irmã dançou, minha irmã dançou no Kantuta,

dançou por uns 10 anos no Kantuta, ela entrou com 15 e saiu de lá com uns 25 e olhe lá, até antes

eu acho, ela entrou com 15. Ah ela tem 30 anos, 31. Nem sei [risos] [...] meu irmão que não dança,

meu irmão é mais velho que eu, tem 32 anos, e é mais velho que eu, não gosta de dançar, gosta de

ver, ficar quieto e depois ir embora para casa, ele falou [sobre o traje de 2013] "meu esse traje foi

o melhor que eu vi até agora", ele gostou, ele se empolgou. Mas pra dançar acho difícil. Pode ser

um atrativo, porque o traje atraiu muito a atenção dele, e ele até pensou em querer dar uma

arriscada nos passos [...](Entrevista Willian, Praça Kantuta, 20/10/2013).

(...)

[...] Aquela coisa, tem uma rotina de treinos e tem amigo meu que vai pro pagodão sábado à noite,

e vai querer ensaiar uma dança boliviana, que não conhece, nem sabe como vai ser, não sabe como

que é, não sabe nem na praça como que é assim e tal. Brasileiro é um pouco mais agitado que a

gente, a gente também é, mas a gente é mais na nossa, de ficar na mesa tomando e comendo,

conversando, se tiver uma festinha depois a gente vai. Brasileiro é difícil, ou tem que namorar com

uma brasileira, ou tem que ser aquele amigo fiel que quer entrar. É difícil trazer brasileiro pra

cá.[...] Durante a semana eu até saio com o pessoal da faculdade, saio da aula da facul com o povo.

Mas no final de semana é mais a fraternidade. (Entrevista Willian, Praça Kantuta, 20/10/2013).

(...)

[...] Um pouco de tudo isso, responsabilidade, devoção, amizade... Família. Fraternidade é meio

que uma família né. E é isso, engloba tudo isso, a gente se sente bem no ensaio, é um clima muito

gostoso. Logicamente como eu te falei né, tem umas rixinhas de vez em quando, um com outro, mas

é um clima agradável demais, você viu lá como é que é, um clima muito bom. Para mim é isso, eu

resumo numa frase, essas palavras aí, irmandade, devoção, alegria, dança, força [...](Entrevista

Willian, Praça Kantuta, 20/10/2013).

(...)

[...] A galera que trabalha no fim de semana praticamente não tem como participar. Depende, são

raros os que trabalham domingo de manhã, ou não trabalham e pegam esse dia pra descansar,

depende, depende... Varia bastante isso daí, aí é pra eu falar muito pelos outros mas eu não sei

bem. Eu não trabalho domingo daí eu venho pra cá, quando não tem ensaio eu fico p da vida meu,

ah quero dançar. Passo a semana inteira estressando com um negócio, final de semana ou eu jogo

bola ou vou dançar.(Entrevista Willian, Praça Kantuta, 20/10/2013).

(...)

[...] Não é fácil você pegar domingo de manhã, sabendo que sábado é dia de festinha, de balada,

acordar domingo de manhã, e nesse domingo que é de ensaio você vem empolgado, você vem

animado, você vem com aquela vontade de dançar e ensaia, ensaia, ensaia, pra chegar nessa hora

meu, você se entregar sua alma para quem tá te vendo aqui, são seus patrícios né, os bolivianos,

aqueles que gostam da dança, a gente tenta fazer o melhor para eles, ainda mais porque a gente

tem familiares nos olhos também. A gente dança pra gente, para nossa fraternidade que é a San

Simon, para nossa comunidade, para nossos familiares, e também em agosto para nossa Virgem de

Urkupiña e Copacabana, que é a nossa principal foco. A gente logicamente que vai ficar animado

com a galera nos olhando, mas a gente tem que ficar animado para a gente, porque a gente ralou

tanto o ano inteiro, então mano, vamos colocar tudo isso para fora. A gente tá pagando traje, tá

pagando banda, tá pagando festa e a gente não quer dançar por dançar, a gente quer dançar pra

valer[...]. (Entrevista Willian, Praça Kantuta, 20/10/2013).

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Willian a época tinha 25 anos nascido em São Paulo se considerava católico e devoto

das Virgens de Socavón, Urkupiña e Copacabana. Estudava odontologia, oportunidade que lhe

permitia se relacionar com brasileiros (as). Sua trajetória se confunde com o surgimento da San

Simon, esta se inicia em 2007 e o fraterno passa a fazer parte dela desde 2008, namorava uma

integrante da fraternidade e participava enquanto dançarino na condição de guia de tropa.

Traz á tona que o interesse em participar de uma fraternidade é múltiplo, embora as

relações intergeracionais e interfamiliares para muitos jovens influenciem neste processo, por

exemplo, a relação da juventude com as danças se iniciam na infância escutando músicas

folclóricas - Também cresceu a vida inteira com essas músicas no ouvido.

No seu caso as relações intergeracionais foram importantes ao processo de introdução

nas relações fraternas. Este processo se inicia na relação com a irmã já participante de uma

agrupação - Aí resolvi entrar, só jogava bola com boliviano, minha irmã dançava num grupo

chamado Kantuta há uns 10 anos mais ou menos [...]O gosto veio do nada, do nada veio o gosto.

Ah fiquei de março até a entrada de agosto dele, daí eu vi minha irmã dançar [...]Foi a [minha]

primeira [fraternidade], minha irmã dançou, minha irmã dançou no Kantuta, dançou por uns 10

anos no Kantuta, ela entrou com 15 e saiu de lá com uns 25 e olhe lá, até antes eu acho, ela entrou

com 15.

Apesar da relação com a comunidade se limitar ao esporte toma gosto e paixão pelas

danças após acompanhar ensaios e apresentações quando desenvolve o desejo de criação artística

- Eu só jogava, o contato com boliviano só no futebol, quando eu jogava bola. Só que eu acabei

vendo um ensaio só. Acho que é assim a paixão [...]Aí e vi que era a vez, e falei "vou entrar".

Primeiro ensaio e tal, fiquei meio assim, hoje não quero mais sair, sou guia e não quero mais sair

da tropa.

Este modo de ser diferencia dos brasileiros uma vez que estão apegados a cultura,

prática que os brasileiros não têm, de seu ponto de vista - Aquela coisa, tem uma rotina de treinos

e tem amigo meu que vai pro pagodão sábado à noite, e vai querer ensaiar uma dança boliviana,

que não conhece, nem sabe como vai ser, não sabe como que é, não sabe nem na praça como que

é assim e tal.

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O processo da existência de uma relação familiar e participação em fraternidades com

o desenvolvimento da criatividade artística percebe ocorrer com outros (as) integrantes, apesar de

que há trajetórias em que este desejo é impulsionado não pela família, mas pela própria dança. Não

é por ter algum familiar que participe deste espaço que possa haver interesse, tal como não o tem

seu irmão. Outros (as) integrantes se inserem na rede fraternal após a experiencia de admiração do

status de dançar, da sensação de diversão, a possibilidade de criação. Possibilidades que não

encontra com colegas brasileiros em outros lugares.

A participação de brasileiros sem parentesco com bolivianos é quase inexistente uma

vez que já estão insiridos na sua rede sociocultural do “pagodão aos sábados”, todavia, podemos

refletir ao fato de não compartilharem do mesmo imaginário, tempo e trajetória. Por sua vez, a

permanência de bolivianos (as) no ciclo de amigos da fraternidade depende da possibilidade de

participar de certa rotina aonde o tempo livre é seu determinante - folga do trabalho e dos estudos

aos domingos. Tempo livre do cotidiano da metrópole para realização do tempo cíclico de ensaios

e festividades - Não é fácil você pegar domingo de manhã, sabendo que sábado é dia de festinha,

de balada, acordar domingo de manhã, e nesse domingo que é de ensaio você vem empolgado,

você vem animado, você vem com aquela vontade de dançar e ensaia [...] A galera que trabalha

no fim de semana praticamente não tem como participar. Depende, são raros os que trabalham

domingo de manhã, ou não trabalham e pegam esse dia pra descansar, depende, depende.

Uma vez inseridos na rede fraternal, iniciado o desenvolvimento artístico com o

intercambio de aprendizado das danças na ciclicidade a cultura, corpo e comunidade se confudem,

expressando-se nos diversos significantes de pertencimento: amizade, paixão pela dança, devoção,

diversão, animação, unidade e conflitos. Willian faz emergir o processo de construção da

identidade corporal e o pertencimento fraternal e sociocultural no processo migratório que se forma

na família ou no ciclo de amigos, estes partilham socialmente o gosto por danças bolivianas, sendo

a tradição o que tem em comum - Um pouco de tudo isso, responsabilidade, devoção, amizade...

Família. Fraternidade é meio que uma família né.

Este caso parece dialogar com a perspectiva de Gavazzo (2012) para quem a

emergência do sujeito ocorre na relação entre a consciencia de si mesmo, dos outros e dos objetos

mundanos e o corpo. Participar de “atividades culturales” (GAVAZZO, 2012) – tal como as festas

religiosas, os encontros cívicos e eventos de dança em geral – contribuem a produção de

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imaginários do lugar de origem e aos laços na sociedade de migração. As identidades

transnacionais e o sentimento de pertencimento fraternal se fundam na memória, no

redescobrimento, na nostalgia e no ato de expressão artístico (GAVAZZO, 2012).

Sentimentos como de Willian emergem vivenciando a dança e a fraternidade – e nunca

fora dela, isolada – e o que se intercambia são interconexões sociais, econômicas, políticas, valores

culturais, lealdades.

Figuras. 63 – 64- 65- 66-67-68-69-70. Sequencia de fotos Fraternos San Simon durante apresentação na festa preparada no Memorial da América Latina,(28/07/2013) e na Festa de Agosto, (03/08/2013).

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Fonte: do autor.

O pertencimento ainda que seja constituído em torno da memória é construído no

presente, intercambiado de geração em geração, familiares entre familiares, amigos entre amigos,

rivais entre rivais, em suma por múltiplos sujeitos, ele é “[...] múltiple y situacional que se incerta

en la busqueda de reconocimento por el derecho a la diferencia” (GAVAZZO, 2012, p.178).

O pertencimento de William, particularmente, acontece pela trajetória de

enraizamento, em seus próprios termos, a partir do encontro com outros dançarinos, no corpo em

torno de reconhecimento sobre o caporal. Na fala percebemos também imaginário sobre a

identidade nacional de origem, quer dizer, de como os bolivianos lá se comportam em relação as

suas danças, desta maneira, ser boliviano aqui significaria vivenciar paixão pelas danças, usar

roupas típicas nos períodos de festa, coisa que os brasileiros não realizam. Esta ideia da raiz é

significativa em relação a construção da identidade sociocultural na sociedade presente.

No entanto, nem todos se envolvem pelo sentimento de raiz. Vejamos outro caso.

Nesta entrevista Jessica e Marcela contam suas trajetórias de se conhecerem e se

tornarem amigas. Ambas não parecem ser ativistas culturais, na verdade, em vários momentos

estranharam a persistência no convívio somente com membros da fraternidade que alguns de seus

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colegas possuem, afirmando, sair com brasileiros. Criticam o fanatismo pelas danças expresso em

termos passionais. Os significados que atribuem a sua participação, ao contrário dos outros jovens

não se devem a deterem uma cultura, mas porque seus pais as incentivavam a participar da

fraternidade.

Particularmente, Jessica descreve seu processo de relação com seu pai como

fundamental a trajetória em se tornar fraterna. Uma história bem interessante em que a jovem passa

relaciona seu pertencimento na fraternidade e na prática de dançar a partir do momento em que

retoma o laço com o pai, desde quando desenvolve todo um conhecimento sobre as amizades.

Descrevem outros caminhos do pertencer ao ciclo de amigos:

J: O que acontecia muito antes de eu entrar na San Simon, quando eu tava no Sociedad

tinham algumas festas que eram mais pra bolivianos mesmo, e aí meu pai, ele ia com os

amigos dele. E eu já tava no outro grupo, né, Sociedad só que eu não conhecia outros

bolivianos a não ser os que já participavam daquele grupo. Aí eu falava pra minha mãe:

"Cadê meu pai?". Daí ela falava: "A, ele foi em uma festa aí, morenada". Ai eu falava "a

vou buscar ele". J: Já aconteceu: ligava pra ele "Pai onde você tá, to aqui na festa, era

aqui perto... é perto da praça, sabe aquele... não sei... tinha uma festa perto da praça

[Kantuta] e eu... então eu vou ai te buscar. Eu não ia buscar ele, eu ia porque eu queria

me divertir também (risos). Então ele ficava lá com os amigos dele, dançando, e eu ficava

dançando também, entendeu? Por causa da dança mesmo pra ir dançar. \ J: É que na

verdade quando eu era criança, os meus pais eles tavam comigo e meu pai acabou

influenciando demais minha mãe nessa questão de música boliviana. Então eles tiveram

uma separação, durante esse período eu fiquei totalmente afastada da cultura boliviana,

eu não ia pra praça, nada. Acho que eu tinha cinco anos até os meus dezesseis. Entendeu?

Esse período eu fiquei totalmente com o pessoal brasileiro, só que eu sempre escutei as

músicas bolivianas por causa da minha mãe que, mesmo que ela não tivesse com ele, ela

gostava da música, então eu cresci ouvindo aquilo. Então o que aconteceu, quando eles

reataram. E aí eu não me dava muito bem com meu pai porque eu acabei vivendo muito

tempo longe e um dia ele me levou em um evento lá no Memorial e eu achava meio chato

ficar olhando achava fácil, isso daí é fácil. (risos) E aí ele falou: "Ah, você achou fácil",

eu falei "Achei". "Aí ele, “então tá, então vamos um dia em um ensaio que eu quero ver”.

Aí eu fui, dois pés esquerdos assim.\ J: Na Sociedad. E aí tiveram algumas pessoas que

foram muito receptivas, sabe. Eu não falei que eu ia entrar, eu só fui num ensaio, e aí eles

me apresentaram como uma nova integrante na roda, e aí eu acabei gostando da

recepção, comecei a fazer amizades com algumas meninas que de inicio não foi a M.

ainda, eram outras meninas. Aí eu comecei a fazer amizades, comecei a ir e gostei. E aí

hoje em dia eu e meu pai a gente se dá super bem e eu acho que a cultura uniu um pouco

a gente, sabe? \Acabou sendo um assunto em comum, uma coisa que a gente gostava de

fazer juntos. Aí eu comecei a fazer amizade com a M., com outras bolivianas também e

fui indo. (Entrevista Jessica e Marcela, Escola Prudente de Moraes 27/10/2013).

(...)

M; Foi no Sociedad mas a gente não era amiga. \ J: Num era amiga. \ J: Eu não lembro

direito, a gente era muito criança, assim. \M: Muito criança,\ J: Muito bobonas, né. Então

a gente dançava juntas. Eu não sei o que foi que aconteceu, mas a gente \ M: Eu não sei...

a gente começou a se falar, não foi nos ensaios... \ J: Não no início foi um pouquinho nos

ensaios, mesmo porque a gente ficava fazendo nosso toquinho mas era uma brincadeira,

nada de próximo.\ M: A gente conversava mas não era assim de sair ...\J: Era só

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brincadeira assim, entre nós.\ M: É tipo conversa de conhecida sabe? \ J: E aí aconteceu,

eu acho que aconteceu de um dia que eu precisava de uma roupa emprestada pra dançar,

alguma coisa assim e eu pedi pra ela me emprestar. Um sapato, alguma coisa uma roupa,

e aí a gente foi se encontrar no shopping.\ M: É...\ J: (rindo) Aí a gente sentou pra comer.

Você lembra disso?\ M: É.\ J: E a gente começou a conversar e dar risada das coisas

assim, tipo fez um comentário besta que ela concordou, alguma coisa assim e a gente

começou a se identificar uma com a outra e começou a fazer amizade, aí foi... \ M:

É...Porque no começo..\ J: No começo eu... eu era invisível pra ela...\ M: É, eu não

lembrava direito dela assim. É que eu chegava no ensaio, dançava e ia embora.

Entendeu? Eu não interagia tanto, ela interagia mais com o pessoal. Mas eu sempre ia

com meus pais também. Sempre ia com meus pais, meus pais sempre tavam em todos os

ensaios comigo. \ J: O que acontecia lá também um pouco é que o pessoal ficava meio

sentado as vezes. Em alguns ensaios era pra ensaiar, aí o pessoal ficava: "ai to cansado",

"ai, não quero", "ai, agora não". \ M: É, acabou de chegar pô, era assim...\ J: E aí meu

pai sempre falava muito da M. pra mim. A gente não se falava, mas meu pai sempre falava,

"ó, aquela menina ela vem ensaiar, ela chega ela ensaia e ela vai embora, ela não fica

igual essas meninas: vamos ensaiar gente, a não eu to mole". Então acho que... \ M: Elas

ficavam conversando, falando da vida ali.\ J: Os outros não, ficavam parados, não sei...\

M: Iam pra conversar no ensaio. \ J: é...Acabou virando ciclo de amigos. (Entrevista

Jessica e Marcela, Escola Prudente de Moraes 27/10/2013).

(...)

J Aqui [Na San Simon] a gente mais ensaia mesmo.\ M: Aqui é mais ensaio. \ J: Eu

converso com o pessoal, assim, durante a semana, acaba fazendo amizade né. Ah, chama

no facebook “você foi em tal lugar”, acaba fazendo amizade é uma coisa natural. Mas

nos ensaios a gente ensaia mesmo.\ M: É... ou sai daqui e vai almoçar juntos. Acontece

muito isso.\ M: Acho que é porque tem muita gente nova né, os jovens estão interagindo.

Não são mais os ... pessoas mais velhas né. Tem muita gente nova, assim, 16 anos já tá

dançando já. Mesmo nascendo aqui já estão introduzidos.\ M: É verdade. E que aqui

sempre tem uma festa. Sempre tem uma festa, no outro não, não tinha assim. Dançava,

apresentava e conversava um pouquinho e depois cada um ia pra sua casa. Aqui o pessoal

é bem mais unido, tudo é um motivo pra festa. Pra sair pra conversar (Entrevista Jessica

e Marcela, Escola Prudente de Moraes 27/10/2013).

Marcela á época tinha 22 (vinte e dois) anos nascida em São Paulo residia na Zona

Norte, estudante de administração se considerava católica, afirmava não dançar por devoção.

Jessica tinha a mesma idade formada em Recursos Humanos, considerava-se evangélica.

No caso de Jessica, tal como Willian, no espaço tempo familiar já se encontra a

musicalidade - Esse período eu fiquei totalmente com o pessoal brasileiro, só que eu sempre escutei

as músicas bolivianas por causa da minha mãe que, mesmo que ela não tivesse com ele, ela gostava

da música, então eu cresci ouvindo aquilo. Então o que aconteceu, quando eles reataram. E aí eu

não me dava muito bem com meu pai porque eu acabei vivendo muito tempo longe e um dia ele

me levou em um evento lá no Memorial.

Com o relato de ambas é possível compreender o processo micro de formação do ciclo

de amigos e de como este vai se ampliando na experiencia individual de cada sujeito, em seguida

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no espaço tempo da fraternidade, da ciclicidade, do território circulatório e os pedaços frequentados

- Aí eu comecei a fazer amizades, comecei a ir e gostei. E aí hoje em dia eu e meu pai a gente se

dá super bem e eu acho que a cultura uniu um pouco a gente, sabe? Acabou virando ciclo de

amigos [...] Eu converso com o pessoal, assim, durante a semana, acaba fazendo amizade né. Ah,

chama no facebook “você foi em tal lugar”, acaba fazendo amizade é uma coisa natural. Mas nos

ensaios a gente ensaia mesmo.\ M: É... ou sai daqui e vai almoçar juntos. Acontece muito isso.

Jessica e Marcela não se conhecem a partir da experiência familiar, embora esta tenha

sido precursora em suas trajetórias para as relações sociais na fraternidade. Inicialmente é a relação

intergeracional com seus pais que participavam de alguma fraternidade em um passado e, em

seguida, incentivam-nas a entrarem no grupo de dança até o caminho para se conhecrem - Eu não

ia buscar ele, eu ia porque eu queria me divertir também (risos). Então ele ficava lá com os amigos

dele, dançando, e eu ficava dançando também, entendeu? Por causa da dança mesmo pra ir dançar

[...] M: Eu não sei... a gente começou a se falar, não foi nos ensaios... J: [...]E aí aconteceu, eu

acho que aconteceu de um dia que eu precisava de uma roupa emprestada pra dançar, alguma

coisa assim e eu pedi pra ela me emprestar. Um sapato, alguma coisa uma roupa, e aí a gente foi

se encontrar no shopping.

Mas é no espaço tempo da fraternidade onde se encontra o compartilhamento da

memória com outros jovens de outras famílias, e onde também há o desenvolvimento das amizades,

apesar de hver modos diferentes de encarar a corporalidade - Aí eu comecei a fazer amizade com a

M., com outras bolivianas também e fui indo [...]J: O que acontecia lá também um pouco é que o

pessoal ficava meio sentado as vezes. Em alguns ensaios era pra ensaiar, aí o pessoal ficava: "ai

to cansado", "ai, não quero", "ai, agora não". M: Elas ficavam conversando, falando da vida ali.

A partir da diversão vínculos mais individuais como destas jovens se podem

desenvolver. Na fraternidade, nos ensaios, nas festas ocorrem relações e o vivenciamento da

cidade. É bom lembrar que nem todos (os) os (as) imigrantes só constituam sua sociabilidade neste

espaço tempo. As jovens o relativizam enquanto uma das dimensões de relação entre gerações no

contexto migratório. Porém, é a partir dele que muitos jovens intercambiam a memória e se

reconheçam dentro de uma comunidade.

Ciclo de amizade é um dos conceitos que dá conta da agencia dos (as) jovens na

construção da memória e das relações sociais na fraternidade. Este ciclo, contudo, não se restringe

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apenas a uma mesma agrupação como as jovens Jessica e Marcela que se conhecem na fraternidade

Sociedad e depois na San Simon, assim a partir da família e das identificações seu imaginário,

memória e circulação vão se ampliando.

Neste sentido de vínculos familiares e de amizades que vão se ampliando, tal como

simultaneamente se ampliam a circulação, por último observamos outra jovem, outra trajetória.

No dia em que conversei com Camila ela estava com seu filho. Seu filho tinha 2 (dois)

anos, me parece. Camila também tinha um namorado. Ele também dançava na

fraternidade San Simon. Fui apresentado para Camila por Alex que afirmou a ela eu ser

um interessado em estudar o folclore boliviano. Enquanto outros e outras integrantes

chegavam ao ensaio, cumprimentavam-se, outros ainda jogavam pingue pongue em uma

mesa disposta no pátio da escola. Camila estava sentada em uma cadeira perto das mesas.

Passamos a conversar. Camila dança na fraternidade influenciada por sua mãe que

insistia para que ela participasse. Era um sonho de sua mãe vê-la dançar na fraternidade,

e quem sabe na Bolívia. Camila tinha 20 anos [á época]. Dançava a 4 (quatro) no grupo.

No começo não conhecia muitos bolivianos, nem ligava para o país. Embora, seus pais

sejam bolivianos. Entrou no grupo, achava que dançaria apenas um ano. Mas “fui

ficando”. Conheceu J. no grupo. E com ele tem um filho que neste dia estava também no

ensaio. Seus dois irmãos também entraram na fraternidade este ano. O que deixou a mãe

mais contente ainda. Ela acha que a mãe este ano estará muito contente quando ver todos

os irmãos se apresentando: “O boliviano gosta é de dançar. Algumas pessoas entram

porque conhecem outras, por amizade, ou porque namoram alguém”. Ou por influência

dos pais. Para Camila, domingo é o melhor dia para ensaio. É quando todos estão. No

sábado ela vem por que não tem nada pra fazer em casa. Então vem ver. Mas no domingo

“dá até vontade de dançar”. Os ensaios são momentos de convivência. Antes de

começarem não é incomum ver os fraternos chegarem e se aproximarem daquele com os

quais tem mais afinidade, neste dia, o namorado via sua namorada ensaiar. Uma dupla

de amigos viam todos os outros (as) ensaiarem. Dois jovens de calça jeans, óculos

escuros, celulares, conversam entre si, até que foram interpelado pelos guias para

ensaiarem. Nos ensaios Reinaldo comumente leva algum som, neste dia, porém, não

chegou [até onde pude acompanhar]. Camila, disse-me, que quando não há som se

utilizam celulares que tocam o som. Em certo momento do ensaio enquanto as cholitas

dançavam uma das guias as acompanhava com o aparelho, e o som. Quando não há

celulares, nem som, a dança ocorre só com os guias apitando. Em seguida, Camila, foi se

sentar ao lado das jovens que ensaiavam e cuidar de seu filho. (Diario de Campo, Escola

Prudende de Morães, 04/05/2013).

(...)

Camila, neste dia, disse-me que não mais estava na San Simon. Ou pelo menos não

dançaria na festa de Agosto. Isto ocorreu porque escolheu dançar em outra fraternidade

e a San Simon não aceita que uma pessoa dance em mais de uma fraternidade, no mesmo

ano pelo menos. Sua decisão se deveu também porque estava a 5 (cinco) anos na mesma

fraternidade: “é bom conhecer outras danças”. Disse-me que é comum fraternos saírem

de uma fraternidade e ir dançar em outras: “só assim você conhece o folclore”. Para ela.

Existem outras danças que são expressas por outras fraternidades. Morenada é uma

delas. Enquanto conversávamos outras pessoas estavam próximas de nós: sua mãe, outras

jovens, seus irmãos, passantes da praça. Atrás de nós algumas garotas se maquiavam

para apresentar-se. Camila aprendeu muito sobre o folclore dançando na fraternidade, e

é nela que os fraternos aprendem os significados do folclore: “nem todo mundo tá

interessado em saber, umas pessoas estão por causa da dança, porque gostam da dança”.

Muitos integrantes da San Simon, entre estes que estão interessados em dançar, apenas,

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são de São Paulo. Entre os bolivianos [imigrados] uma grande parte é de La Paz, mas há

pessoas de Cochabamba e Oruro. Sua mãe é adepta da Virgem de Socavón, nasceu em

Oruro, mas cresceu em Cochabamba. Destes integrantes muitos trabalhavam no

“telemarketing”, no comércio, alguns estudavam, outros eram formados [no ensino

superior, supus]. (Diario de Campo, Praça Kantuta, Junho, 21/07/2013).

Com a descrição e o relato de Camila é possível compreender o perfil de alguns

integrantes, além de religiosos, não religiosos, trabalham na área de telemarketing, comercio ou

tem formação no ensino superior.

Como narrado anteriormente muitos jovens participam das fraternidades por sentidos

diversos nem sempre é devido a religiosidade - nem todo mundo tá interessado em saber, umas

pessoas estão por causa da dança, porque gostam da dança [...] O boliviano gosta é de dançar.

Mas pela oportunidade de diversão, de participação, de expressão corporal e da criatividade. A

integração a este modelo de agrupação é também variado e pode se iniciar por laços mais familiares,

de amizade até ampliar-se ao sentido de participação de uma comunidade e cultura - Algumas

pessoas entram porque conhecem outras, por amizade, ou porque namoram alguém.

Como espaço de intercambio de memória a fraternidade é espaço de aprendizado

corporal, mas é na circularidade entre fraternidades que é possível ampliar o conhecimento sobre

esta arte - é bom conhecer outras danças [...]só assim você conhece o folclore.

Sua trajetória é semelhante á de outros entrevistados, a jovem também adentra a

fraternidade por influencia de sua mãe antes não possui contato com outros jovens bolivianos, mas

é devido a esta influencia que ela e seus irmãos vão participando das relações sociais deste universo,

o que alegra a família; aí conhece outro jovem com quem tem um filho, ampliando o universo

familiar na família San Simon.

Tal como outros jovens não acreditava que permaneceria por muito tempo, porém

quando se deu conta não apenas é ativa no ato de dançar quanto circula entre fraternidades

ampliando seu universo social e capacidade artística.

Sua narrativa evidencia outra experiência a de acolhida. Para além da necessidade de

ter tempo de folga para poder ir até a escola se encontrar com outros (as) integrantes a jovem

percebe que neste momento o que faz muitos alí estarem não é a sensação de acolhida - dá até

vontade de dançar.

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Assim, para compreendermos a relação entre gerações talvez o interessante não seja

jogar luz só a dinâmica da festa, considera-la não apenas por seu viés religioso, mas, corporal e no

seio da relação entre gerações. As fraternidades são protagonistas da própria festividade, uma vez

que são os fraternos que dançam nestes momentos e é entre eles e elas que se desenvolvem o

sentimento de pertencimento a uma comunidade afetiva por origem social comum quanto a

identidade corporal própria a este tipo de coletividade.

Los grupos de danza constituyen entonces espacios en los que encontrarse con “iguales”

en un contexto que observa su identificación como “algo malo”, es decir de generar

pertenencia y alejarse de la discriminación. Esto mismo puede observarse en el examen

de las fraternidades de danzas bolivianas en Buenos Aires en las que insertan con gran

notoriedad los “hijos” (GAVAZZO, 2002). Una de las danzas más practicadas por estos

jóvenes descendientes son los caporales […] La imagen de los y las jóvenes en algunos

casos concretos se vincula a la práctica de ciertas danzas (originadas en Bolivia) que se

recrean en este nuevo ámbito. Estas prácticas posibilitan la participación no sólo de

jóvenes sino también de niños e incluso de adultos que en su gran mayoría son familiares

de quienes impulsan la fraternidad o el Ballet (GAVAZZO, 2002) […] Las agrupaciones

de danza tienden a construir un “nosotros” que actúa e interviene socialmente en la

colectividad boliviana. Así, los jóvenes que participan de ellas se proponen trabajar en

otros jóvenes de la colectividad para “cambiar aquello con lo que no están de acuerdo”.

[…] Así, las agrupaciones de danza “crean un espacio donde pueden negociarse sentidos,

confrontar esteriotipos sociales, reconocer y valorar la herencia cultural” (ini, p.118).

(GAVAZZO, 2011, p.43-44).

Afinal, uma fraternidade é mais do que uma “barra de amigos” (GAVAZZO, 2012) é

onde se pode estabeler laços que potencializam capacidades pessoais, competências coletivas para

posicionamento do grupo numa cena pública, serve para trabalhar em rede com outros grupos de

descendentes que compartem o mesmo compromisso.

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Considerações Finais.

As considerações finais desta dissertação não têm caráter de encerramento da reflexão

sociológica, tem caráter indicativo de compreensão do fenômeno das fraternidades e as danças

folclóricas e o que significam para a imigração boliviana em São Paulo. Aqui, iniciamos com uma

reflexão parcial, propondo seu desenvolvimento para uma agenda futura nos seguintes problemas,

objetos e temas, todos eles, emergentes à pesquisa, merecendo um melhor desenvolvimento,

apresentados abaixo.

Em relação a imigração boliviana em São Paulo e a emergência da juventude, por

exemplo, Camargo e Baeninger (2012) indicaram uma importante presença demográfica de jovens

em dados do Censo IBGE de 2000 a se considerar. No Censo, apontam as autoras:

[...] Separando dados dos domicílios que tinham como responsável ou cônjuge ao menos

um boliviano, é possível observar que estes domicílios eram compostos de 14.918 pessoas.

Destas, 5.824 pessoas foram declaradas como filhos do responsável pelo domicílio [...]

Das 5.824 pessoas que foram declarados como filhos, é possível observar que 4.887 são

de segunda geração, ou seja, nascidos brasileiros que tenha ao menos um dos pais de

origem boliviana; 801 são da geração 1,5, ou seja, nasceram no exterior mas chegaram ao

Brasil com 12 anos ou menos; e 134 são de primeira geração, ou seja, chegaram ao Brasil

com 13 anos ou mais, embora a maioria tenha chego antes dos 20 anos de idade [...] Além

disso, a idade média da segunda geração e da geração 1,5 foi de 12 anos e a razão de sexo

foi 96,8, indicando a presença de pouco mais de mulheres do que homens. Enquanto a

razão de dependência entre os pais foi de 99,4, ou seja, quase o mesmo número de homens

e mulheres; e a idade média foi de 41 anos [...] (CAMARGO e BAENINGER, 2012, p.188,

189, 190).

Os dados indicam um novo ator social neste processo imigratório, como vimos ao longo

da dissertação, e influente na construção de visibilidade da presença imigrante. Principalmente, no

processo de reinvenção da corporalidade (expressão de trajes e danças), no crescimento das

fraternidades, de agrupações inter geracionais, criadas em torno do sentimento de pertença e

reconhecimento entre si, prática simultânea à mobilização política da cultura, e reivindicativa de

direitos.

Em relação aos espaços de sociabilidade destes jovens entre si, deles com os de mais

idade, ou deles com os brasileiros sem ascendência boliviana, as autoras escolhem e descrevem

através dos dados, a escola como um local aonde há a presença dos jovens:

[...] Ademais, é possível notar que 24,5% da segunda geração e da geração 1,5 nunca

frequentou escola ou creche, 18,6% não frequenta a escola mas já frequentou e 56,9% ia

escola ou creche no ano de 2000. Deste 56,9%, 36,6% frequentavam rede pública e 22,3%

a rede particular de ensino [...] dos 5.824 filhos captados no Censo, 43% eram não

estudantes, 10,3% frequentavam creche, 33,4% o ensino fundamental, 5,5% o ensino

médio, 1,2% o supletivo, 0,6% o cursinho pré-vestibular, 5,7% o ensino superior –

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graduação e 0,2% cursavam a pós-graduação [...] (CAMARGO e BAENINGER, 2012,

p.190-191).

Ainda que os números indiquem a não presença no espaço escolar, ou evasão, é

significativo que mais de cinquenta por cento (56,9% precisamente) tenha frequentado a escola

pública e privada e o ensino superior, no período registrado pelo censo apresentado pelas autoras.

Se os dados expressam a presença relativa de jovens que se afirmem como filhos de bolivianos no

espaço público das escolas públicas e do ensino superior do Estado de São Paulo. Percebe-se

dificuldades para os migrantes no acesso e na permanência nas instituições de ensino infantil,

médio e superior, o que nos coloca questões em relação: 1) a garantia ao direito a educação e a

permanência, 2) dificuldades encontradas pelos jovens durante a frequência nestes espaços para a

construção de vínculos sociais que lhes permitam expressar as suas práticas apreendidas na relação

com os pais, construir sua identidade e seu aprendizado básico para viver na cidade.

Com suas pesquisas, as autoras trazem questões importantes e que dialogam com as

nossas. A presença de uma segunda geração e os locais de relações sociais destes, no caso, com o

espaço escolar para fins de educação. Espaço onde ocorre relações sociais e vínculos. E ocorre

também a xenofobia. Mas, será que não caberia perguntar-nos sobre os imigrantes da segunda

geração encontrarem outros espaços de relações sociais na cidade de São Paulo? O crescimento

das fraternidades parece estar ligado ao crescimento desta segunda geração, ao menos àqueles que

se permitem, ou podem (em termos de tempo e financeiro), participar deste momento. Será então

que não são as fraternidades folclóricas, como expressão do crescimento de uma segunda geração

– de difícil mensuração, como aponta Camargo e Baeninger (2012) –, justamente, outro espaço –

tempo aonde os jovens constituem relações sociais, vínculo alternativo ao que não encontram no

espaço tempo escolar? Não seriam as fraternidades um outro lugar de produzir a experiência

juvenil, a identidade sociocultural, e corporal, que não encontram na escola nem em outras

instituições? Estas questões colocam a necessidade de não perder de vista tanto a geração anterior,

quanto a própria prática de reinvenção, que temos tentado apontar, uma vez que seus referentes

culturais são parte e alimentam também, junto a experiência na cidade de São Paulo, sua identidade

juvenil.

Se a fraternidade folclórica é uma alternativa se faz providente compreende-la não

como algo secundário ou desimportante na relação entre gerações e que faz parte desta migração.

Nesta dissertação procuramos alternativas para pensa-la. Grimson (1999), por exemplo, contribuiu

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a nosso trabalho no sentido de podermos refletir, neste processo, em como os usos de trajes e a

expressão corporal, compõem diferenciação das agrupações de imigrantes enquanto fraternidade

entre si e como estão constituídas de capacidade em exercer agencia para a produção de vínculos,

comunicação entre gerações e mobilização política.

O autor fez importantes apontamentos sobre o mesmo processo de construção de

identidades dos imigrantes bolivianos em um novo espaço social, no seu caso a cidade de Buenos

Aires. Para compreender aquele processo trabalhou com a ideia de haverem dois espaços de

convivência, de comunicação e atuação, e em que a identidade sociocultural e política dos

migrantes, jovens e não jovens, fraternos e não fraternos, construíra-se. Tratava-se de duas formas

distintas, mas articuladas: o espaço da intraculturalidad (GRIMSON, 1999) e o espaço da

interculturalidad (GRIMSON, 1999).

Ao espaço intracultural a comunicação é interna, ocorrendo em festas, feiras, bairros,

nas organizações culturais e religiosas próprias aos imigrantes, através da mídia imigrante

(programas de rádio, vídeos, publicações temáticas), cujo conteúdo estava voltado aos interesses e

a vida particular dos migrantes, nos desafios em conviverem entre si na cidade. Ao espaço

intercultural a comunicação com a sociedade local ocorria externamente no transporte público, no

local de trabalho, nas ruas, nas diversas instituições culturais, de saúde, educação ou do poder

público, na programação tele jornalística, voltada ao público da cidade, no rádio e outros meios de

comunicação locais, produzidos, em nosso caso, por brasileiros para os brasileiros, porém, sobre a

alteridade imigrante.

No processo em São Paulo, como vimos, o primeiro espaço tempo é o de vínculo entre

gerações, da produção de uma identidade corporal entre fraternidades e de experiências particulares

durante ciclos de festas com presença de jovens, nascidos ou não no Brasil, e não jovens, neste

caso, ambos tendo a si mesmos como alteridades unidas sob o sentimento de mesma origem social.

No segundo espaço tempo a identidade apresenta-se como tradicional, cidadã, política, ocorrendo

frente aos brasileiros. É aonde o processo de visibilidade da imigração toma forma, o discurso sobre

a tradição e a origem social adota o sentido político dos direitos, voltada ao reconhecimento social

da diferença. É quando, também, ocorre a prática de ocupação dos espaços locais, por parte das

fraternidades, e do poder público por parte de lideranças políticas (imigrantes ou brasileiros

relacionado a estes), colocando em debate o direito à cidade, a subalternidade, o preconceito, etc.

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O espaço da intraculturalidade é o lugar da experiência de intercambio da identidade

coletiva das gerações entre si. Para Grimson (1999) a festa boliviana, por exemplo, e o folclore

expresso nela, no contexto migratório, não significam a evocação genérica do passado, mas

enquanto processo pode significar construção da relação entre um pretérito com o presente

migratório, evocado por uma ideia de pertencimento a uma comunidade social. No caso da capital

paulista, significam o espaço de produção da cultura de raiz, de sangue – categorias estas expressas

entre imigrantes em São Paulo –, no âmbito da ciclicidade, da família e do ciclo de amigos, os

quais, em comum, gostam de dançar o caporal101. É neste espaço tempo, portanto, que o

sentimento de reconhecimento e pertencimento é elaborado.

Ainda que o sentido de devoção esteja presente como explicativo da agrupação, uma

agrupação de dança e dançarem. Penso que o sentido religioso diz sobre o laço social em relação a

agrupação, durante o calendário de festas religiosos e não religiosos. O sentimento de

pertencimento e de reconhecimento entre gerações pode não ter relação fundada na religiosidade,

por isto é expresso em termos como familiaridade, parentesco ou amizade. Formas expressivas de

laço sociocultural comunitários. Ambos não se opõem, ao contrário, complementam-se, e, para

nós, aponta que o laço social em torno da concepção de folclore e a ação de integrarem-se a

agrupações denominadas de fraternidade, compõem-se por uma diversidade de expressões que

significam, cada uma, a noção de cultura e de prática social, a religiosidade é parte deste universo.

A partir de outro relato, desta vez, de um imigrante boliviano que a época não

participava de uma fraternidade, mas de um grupo de teatro, em meio a narrativa sobre sua trajetória

e sua paixão pelas danças, João102 nos fornece uma interessante compreensão acerca dos modelos

de laço social exercendo agencia diante das mudanças na migração, constituindo neste processo a

identidade sociocultural dos imigrantes:

[...] O passante tem a ver com o catolicismo. Passante é o casal, a família que representa

e cuida da Santa. Eles são nomeados. É uma prática que veio com o catolicismo. É um

sincretismo. Por isto o padre é importante nesta relação [...] A Bolívia é o povo mais antigo

do mundo, havendo materiais que mostram pessoas, indígenas na região, de 15.000 anos

101 Estas categorias foram expressas entre integrantes da Kantuta, de grupos de teatro e por integrantes da Fraternidade

Folclórica San Simon, o seu significado, certamente, pode emergir com outros signos em outras agrupações da cidade. 102 João fala de um lugar específico. Participava de um grupo de teatro que em novembro de 2011 apresentaria a peça

Caminhos Invisibles no Centro Cultural São Paulo. Esta peça também foi apresentada na Itália. O texto dela retrata o

processo de migração de mulheres bolivianas para a capital paulista. A busca por preservar uma identidade pretérita,

diante das dificuldades do deslocamento, e dificuldades econômicas, para se manterem. O processo político posterior

de luta por direitos civis. Sua fala foi uma explicação ao pesquisador durante a festa de Urkupinha realizada na Pastoral

dos migrantes.

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[...] A dança e a cultura é sangue. Está no sangue, é anterior. E os grupos folclóricos não

dependem da Igreja. Esta, na verdade, quer dirigir a festa, mas não é tão importante.

A fala de João é mais incisiva em demarcar uma diferenciação entre a própria prática

da reciprocidade e o ato da expressão de danças e das agrupações de dança. A reciprocidade se

expressa no calendário religioso católico, no caso de São Paulo, muito relacionado àqueles que vão

à Igreja Nossa Senhora da Paz, sendo, como vimos, uma concepção de tempo e de troca,

fortalecendo relações de troca. Já a expressão das danças e as agrupações estão relacionados tanto

aquele sentimento de troca, de ajuda mútua, expresso no termo família, quanto a concepção de

identidade étnica andina anterior ao catolicismo e praticado no país de origem, tornando-se na

cidade de São Paulo mais um importante atributo da identidade sociocultural.

Percebemos, então, que independente do caminho escolhido, seja o cultivo a

simbologia religiosa, ou étnico na agrupação em torno da corporalidade, não é nem uma nem outra

que monopoliza a participação como fraterno em uma família, nem se é fundamental para ser

devoto e dançar. O calendário de festas é ele mesmo um importante agenciamento de trajes e danças

e faz parte da constituição das agrupações de danças, as quais, circulam na cidade, entre países para

dançar nestes calendários de festas, experimentando trajetórias entre territórios e de sujeitos

diversos, agregando significados, etc.

João, tal como muitos fraternos, seus descendentes, etc, possuem concepção de cultura.

A cultura103 é sangue e raiz. Em nossa conversa reconheceu haver a existência de fraternos que se

dedicam a bailar por devoção nas festas religiosas, mas ponderou não ser somente esta concepção

o mobilizador da participação em uma comunidade de dançarinos e o entendimento sobre as

danças. João, alerta-nos que as fraternidades não podem ser vistas só sob o significado do ritual do

prestério e da reciprocidade religiosa, comum entre bolivianos católicos, pois as fraternidades não

tem como produtor da simbologia a igreja católica e a narrativa religiosa como significantes

103 A categoria cultura e os trajes de dança caporal, são socialmente partilhados, apreendidos e expressos em festas

como o carnaval, a comemoração de independência da nação em agosto, de comemoração do aniversário do Memorial

da América Latina, na Festa do Imigrante ou manifestações por direitos. No caso de São Paulo. Para João estas ações

culturais significam raiz. Se entendermos de modo mais simples, esta como o órgão do corpo de uma planta que se

encontra no solo servindo como meio de fixação, como provedor de nutrientes, podemos então compreender que

cultura de raiz pode significar as concepções e expressões originárias de um grupo num tempo espaço específico,

produzidas por eles, para fornece-lhes vitalidade e o convívio, numa realidade muitas vezes sem sentido.

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unívocos no projeto cultural dos grupos folclóricos e das celebrações, tampouco da reinvenção do

folclore.

No espaço tempo da interculturalidade (GRIMSON, 1999), há o intercâmbio entre

imigrantes e a população local. Nesse espaço a identidade construída entre atores, muitos deles

externos as fraternidades, é acrescida de outros sentidos. Ainda nas relações internas a fraternidade,

estes atores externos são uma referência para os fraternos, um dos polos a partir do qual configuram

sua autoimagem coletiva, e que está presente na relação simbólica entre gerações. É só no lugar

público de encontro dos integrantes da fraternidade com estes sujeitos externos, que deixam de ser

referentes simbólicos para se tornarem interlocutores, que outros termos adquirem forma e força

simbólica, no âmbito mais geral sobre a imagem pública acerca dos imigrantes. Não só das

fraternidades. Assim, se na relação entre gerações, categorias que se referem a identidade corporal

é o eixo de laço social (entre fraternos), diante dos brasileiros os imigrantes e seus descendentes

são referenciados não só sob a categoria de bolivianos, são vistos por brasileiros como os

estrangeiros, os ilegais, os trabalhadores da costura, o escravo, com cultura ou sem cultura,

cidadãos, etc, constituindo aí conflito social, estranhamentos e encontros e diálogos.

O espaço da interculturalidade, no caso dos bolivianos em São Paulo, é o local de

diálogo, da interlocução, dos conflitos, das disputas, da emergência de subjetividades e de atuações.

Em que se afirmam, por uns, ou se subvertem, por outros, aqueles preconceitos e estereótipos

descritos acima, acerca da alteridade, configurando a partir do corpo outra narrativa sobre si para

o outro. Ou configurando outra narrativa, tendo o corpo como o seu referente. É quando, também,

a identidade corpo se torna política.

Neste espaço tempo a identidade sociocultural é pública, dialógica, negociada,

permeada por disputas e conflitos entre as diversas fraternidades, ativistas culturais, protagonistas

do poder público, a mídia imigrante e brasileira, onde, também, os imigrantes são muitas vezes

homogeneizados (como afirmou Vida [2013]) segundo a visão estranhada dos brasileiros, sobre as

práticas de dança deles. Mas, é também aonde ocorre o convívio cotidiano ou festivo com a

sociedade local e em que os migrantes fazem uso dos instrumentos e conhecimentos que possuem,

de sua memória para tornar presente a sua própria existência, muitas vezes, contextualizada sob

alguns aspectos, mobilizando-a politicamente.

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A identidade dos migrantes, em Buenos Aires, foi expressa por meio de “Relatos de

Identidade” (GRIMSON, 1999), no encontro com a população argentina. Tais relatos falavam de

um senso de pertença, de uma comunidade com fronteiras e história comum, a qual, podia ser

evocada em termos de nacionalidade, ou de folclore boliviano, de família, ciclo de amigos,

fraternidade – como constatado em São Paulo. E através de certos sinais: festas, danças, trajes, etc.

Esse senso de nós, circunscritos na origem sociocultural, expressos nos espaços públicos, bem

como, os relatos públicos sobre tais expressões, neste âmbito, são maneiras de responder a conflitos

com a sociedade de chegada, portanto uma estratégia de “Inversão de Sentido” (GRIMSON, 1999),

inversão dos conceitos que os desqualifiquem, servindo a autovalorização deles, frente à

preconceitos e a própria condição civil.

A identidade emergida sobre o convívio no espaço público, mobilizada para resolver

os conflitos em favor dos migrantes, foi produzida não só por fraternos, mas, também, outros atores.

Estes são os “Produtores de Bolivianidad” (GRIMSON, 1999), ativistas comunitários, dirigentes

de associações civis, radialistas, organizadores das festas, diretores dos grupos de danças, a mídia

migrante, protagonistas da sociedade civil (não só), mobilizados em modificar a condição social

dos migrantes na sociedade de chegada, seja em termos de direitos sociais, econômicos ou

‘culturais’ e modificar a visibilidade negativa sobre eles.

Adotam narrativas e expressividades reinventadas, desde a Bolívia, no espaço público

da cidade de São Paulo, procurando, visibiliza-los, como constatamos. Assim, o fazem porque

grupos étnicos se utilizam de Signos Diacríticos (BARTH, 1998) a fim de se agruparem.

Coletividades como a dos fraternos, criam-se através da revitalização de traços historicamente

emergentes, frente a novos contextos, frente a ímpares, para serem reconhecidos como sujeitos,

alteridades. Por meio dos signos diacríticos configuram regras, práticas e fronteiras aos seus

integrantes, que lhes permitem a inserção de novos indivíduos em seu seio, mediam a coabitação e

o comércio deles com agrupações externas, mobiliza-os politicamente, ou mobiliza a corporalidade

para fins políticos.

Segundo Barth (1998) a identidade étnica delineia o comportamento através da

imposição de papéis sociais e status morais àqueles que fazem parte dos grupos étnicos, produzindo

coesão social, laço social e agrupação política. Neste caminho é possível afirmar que a identidade

étnica, durante os processos de deslocamento e migratórios, produz regras de pertencimento, de

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reconhecimento, “[...] regras de inclusão e exclusão [...] (CUNHA; 1986 p.111)”, através, no caso

dos imigrantes, da celebração de festas típicas, da alimentação e da religião, de roupas, traje, enfim,

da memória.

Os grupos étnicos, reconhecidos por si e por suas alteridades como tradicionais, não

são eles mesmos vestígios de um passado que ainda permanece. Tradição é uma categoria analítica

e categoria nativa. Embora, sua atuação coletiva perpasse pela seleção de artefatos da cultura

material, historicamente emergente, concebidos como tradicionais, que exibem aqueles que serão

seus novos filiados, ou nos novos locais de convívio, o que expressam são certos sinais diacríticos

(CUNHA, 1986), sinais corporais, sonoros e de concepção de espaço e tempo cíclico.

Quer dizer, em processos de deslocamentos, as agrupações étnicas produzem afiliações

de seus membros em torno sinais distintivos (CUNHA, 1986, pp.87), os quais são usados como

cultura de contraste frente a outras alteridades de imigrantes e da população do local de imigração.

No entanto, a identidade étnica não existe porque há alguma espécie de bagagem cultural essencial,

ou por que a cultura determina aquela, ao contrário:

[...] a noção que se depreende é que a tradição cultural serve, por assim dizer, de “porão”,

de reservatório no qual se irão buscar, à medida das necessidades no novo meio, traços

culturais isolados do todo, que servirão, essencialmente, como sinais diacríticos para uma

identificação étnica. A tradição cultural, seria, assim, manipulada para novos fins, e não

uma instância determinante [...] (CUNHA, 1986, pp.88).

A tradição corporal é agenciada e agenciadora de termos tradicionais sob formas

histórica de agrupação sociocultural, os: “[...] grupos étnicos são formas de organização que

respondem às condições políticas e econômicas contemporâneas e não vestígios de organizações

passadas [...] (CUNHA, 1986, pp.93).” A identidade expressa por eles é usada para fins políticos e

econômicos, e os sinais distintivos que acompanham a expressividade corporal, são o meio pelo

qual constituem sua diferença. Aliás os integrantes da agrupação étnica, inclusive, neste processo,

devem exibir a todo instante sua filiação. Sob eixo tal eixo se faz necessário ver que a expressão

de sua memória e afiliação entre seus membros constituem: “[...] uma identidade nesses termos

porque também compartilham interesses econômicos e políticos [...] (CUNHA, 1986, pp.89)”,

observável no espaço da interculturalidade, como vimos ao longo da dissertação.

Outro elemento importante que Cunha (1986) indica, e que configura o processo de

reinvenção do folclore no âmbito do espaço de encontro e da ação pública na cidade de São Paulo,

é que a etnicidade é uma linguagem. Linguagem no sentido do ato de expressão corporal (artística)

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no espaço público (político). A tradição cultural, no processo de deslocamento (tal como um

processo migratório), torna-se “Cultura de Contraste” (CUNHA, 1986), acentua-se, torna-se mais

visível em alguns aspectos, simplifica-se e se enrijece em outros, reduz-se em traços menores,

porém, que são exibidos à outrem, são diacríticos.

A identidade étnica extrai da tradição cultural elementos variados, exibindo-os, porém,

de modo unitário, sob a aparência de serem idênticos a si mesmos, de serem tradição boliviana.

Por seu caráter político, ao menos no âmbito da interculturalidade, faz da memória ideologia e “[...]

da tradição um mito, na medida em que os elementos culturais que se tornaram “outros”, pelo

rearranjo e simplificação a que foram submetidos, precisamente para se tornarem diacríticos,

encontram-se, por isso mesmo, sobrecarregados de sentido [...] (CUNHA, 1986, pp.102)”, sentido

político expresso em termos como ‘cultura’, ‘cidadania’, ‘cultura migrante’, etc.

É nesse sentido que podemos ver tais conjuntos de festas, danças e trajes sendo

reinventados, recompostos e investidos de novos sentidos, mobilizados ao espaço político,

adquirindo com ele caráter reivindicatório, discursado através da própria expressão corporal em si

presente no público. E que tornam os fraternos imigrados ou nascidos em São Paulo produtores de

relações sociais intraculturais, comunitária, fazendo-os ser reconhecidos entre si

contemporaneamente e os quais são ainda alçadas para ocupar os espaços interculturais.

Para J. Comarrof e J. Comarroff (2010), a história pode revelar às ciências sociais a

“Textura Cultural de uma Època” (J. COMARROF e J. COMARROF; 2010, p.17), portanto, a

cultura, e a noção de cultura (ou tradição), e mesmo a noção de agrupação, que os diferentes atores

(ou grupos de dança) partilham, é um espaço semântico. É um campo de signos e práticas, um

sistema simbólico ao qual corresponde um conjunto de práticas, no qual, os migrantes constroem

e representam a si mesmos e as relações sociais em que estão configurando, nele, sua sociedade

histórica104. Os símbolos emergidos daí para o espaço do encontro, expressam visões de mundo,

são contextualizados, mas podem ser reapropriados no processo histórico migratório por cada ator,

em outro período adquirindo novos usos e significações. Este agenciamento é possível porque o

mundo da produção de significados é fluido, ambíguo, mutante, bem como, permeado por

104 O significado cultural, neste caso, deve ser considerado micro prática situado em macroprocesso. Já os atores sociais

deste imersos neste universo os sujeitos significantes do significado, podem ser vistos como metonímias da história,

desta maneira os eventos históricos não são apenas motores da transformação, senão a combinação entre o prescrito e

o contingente, e ele está, também, localizado em ações (destes atores) que se desdobram. Por isto é possível falar em

uma mobilização política da cultura.

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narrativas diversificadas, imagens e práticas de significação distintas. A cultura é “[...] um conjunto

de significantes – em – ação situados na história e desenrolando-se ao longo dela, significantes ao

mesmo tempo materiais e simbólicos, sociais e estéticos [...]” (J. COMARROF e J. COMARROF;

2010, p.34)”.

Esta questão da tradição reinventada por categorias históricas se conecta ao corpo pois

este é instrumento e exteriorização da história e da cultura: as relações histórico-culturais e a

produção das relações sociais estão permeadas por materialidades expressas no corpo ou nele

materializadas, trata-se da cultura material expressa no e com o corpo. Corpo, portanto, é objeto

físico-biológico e exercício artístico de expressão sociocultural, que constituem os grupos étnicos,

e é por eles recriado. No corpo modelos coletivos de ser emergem como disposições de ação e

significado. A autoconsciência individual, coletiva e a memória é carregada na pele. O corpo, neste

caso, expressa ‘pessoa’ ou um ‘estilo (histórico) de vida’, é signo, distinção, práticas tangíveis,

produto ideológico e material, de processos particulares constituídos em conjunturas que se

estabelecem entre o local e o global.

Ortner (2007) compreende que determinadas sociedades compelem seus sujeitos a ser

(domínio da identidade) e agir (domínio das estratégias políticas) de um modo historicamente

específico. A fraternidade folclórica, justamente, por isto, como corporalidade histórica, pode ser

interpretada como um grupo étnico cuja identidade sociocultural, contextual, está fundamentada

na memória corporal, utilizando desta para mediar as “Relações Sociais” (ORTNER, 2007) de seus

integrantes no novo contexto de interpelações. Sendo estas práticas agenciadas e agentes destas

relações. O que permite repensar o caráter cíclico das próprias festas, pois, são elas mesmas, formas

de exercer agencia, e não somente uma estrutura de plausibilidade determinante de todas as

relações e significações do mundo social.

Os fraternos, no processo histórico e cultural da migração, são “Atores Sociais”

(ORTNER; 2007, p.55)105 que tem “Agencia” (ORTNER, 2007), exercendo-a, pois é esta mesma

uma linguagem historicamente determinada, e ao mesmo tempo, transformadora da trajetória deles

105Este conceito indica que os atores sociais são culturalmente variáveis, embora universais (porque participam de uma

mesma estrutura social), são também subjetivamente complexos. São os atores sociais que jogam os jogos sérios,

portanto, são eles os agentes da vida social, estão envolvidos em processos, sistemas mais amplos e complexos onde

costuram solidariedades, relações de poder, relações econômicas e políticas.

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e de sua memória corporal, expressa, voltando-a para a unidade social na cidade. A capacidade de

produzir agencia, é uma capacidade de produzir linguagem:

[...] Assim, como todos os humanos têm capacidade de linguagem, mas precisam aprender

a falar um idioma particular, todos os humanos têm também a capacidade de agência, mas

as formas específicas que esta assume variam nos diferentes tempos e lugares [...]”

(ORTNER, 2007, p.55).

Os fraternos são os atores que recriam a fraternidade (e esta é um modelo de grupo

étnico), por que tem capacidade de agencia (ou seja, linguagem), tal como a migração é um projeto

familiar, por exemplo, é a reinvenção do folclore para interpor relações e laços entre si: “[...] esses

projetos culturais são jogos sérios, o jogo social de metas culturais organizadas em e em torno de

relações locais de poder [...]” (ORTNER, 2007, p.66), de sua agrupação com os brasileiros no

espaço público. E é justamente esta agencia cultural, ou corporalidade, que reinventa (a dança e o

traje do caporal – a memória corporal), mediam ainda a circulação destes atores entre espaços

geográficos e sociais distintos, e a própria trajetória individual de cada ator até tornar-se fraterno.

O vínculo social entre fraternos e fraternas narrado ora sob a concepção de gostar de

dançar, quer por dançar porque gosta, ou ciclo de amizade, está relacionado e é um importante fator

que influi na sua permanência na cidade de São Paulo, enquanto grupo de dança para conquista de

pedaços simbólicos e concreto. A expressão corporal dos imigrantes e seus descendentes vai se

constituindo em vários momentos ao longo de sua trajetória particular na cidade até integrar-se

enquanto fraterno e continua neste espaço tempo. Recriar-se enquanto fraterno é simultâneo e

correspondente a trajetória da coletividade fraternidade, em exercer agencia, ambos, atores e

agrupação, complementam-se. A fraternidade também possui uma história. Temos que a história

de ambos, indivíduo e grupo étnico, digamos, aparentemente deslocadas, na verdade, confluem na

relação entre gerações.

Esta construção – do jovem e do adulto fraterno (a) e do coletivo fraternidade folclórica

- tem um fluxo processual, anual, cíclico, cotidiano e, portanto, histórico, realiza-se no encontro

entre imigrantes. Esta confluência entre a história da fraternidade – além territórios - e a emergência

de jovens – no contexto migratório -, de certa forma, conecta-se, como podemos ilustrar com a

imagem abaixo:

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Figura – 71. Jovens posam em frente a bandeira com data de fundação da SS-SP (03/08/2013). Figura – 72. Fraternidade San Simon segue bandeira de fundação na festa Preparada (03/08/2013).

Foto: do autor.

Na primeira foto, vê-se dois jovens em frente a uma bandeira representado o

surgimento da fraternidade, é 1978. Representando o surgimento desde a Bolívia, pois, o bloque

São Paulo irá surgir somente em 2007. O numeral é uma concepção de tempo espaço. Na segunda

imagem a bandeira onde está o numeral, concepção de temporalidade, é acompanhada de toda

fraternidade, enquanto esta dança, são um e mesmo corpo, portanto, a identidade da fraternidade

adiciona-se uma concepção de tempo, e a temporalidade uma identidade étnica. A bandeira é

acompanhada da corporalidade dos Achachis106, seguido pela corporalidade das Cholitas, de

Barones, todos estes últimos são jovens. Quer dizer, tanto a segunda geração tem uma trajetória, a

qual temos de procurar compreender de seu ponto de vista, ou no mínimo aproximarmo-nos, quanto

os integrantes de mais idade já imigrados tem outra. Ambos, conectados por uma concepção de

tempo espaço e corpo.

Os jovens quando narram sua trajetória sobre se constituir enquanto fraterno, ou

quando narram a trajetória da fraternidade, nos dois casos, narram a construção de si mesmo, de

seu corpo, quanto do corpo social da fraternidade Caporales Universitários San Simon Bloque São

106 Entre este se encontram integrantes que fundaram a fraternidade na cidade de São Paulo.

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Paulo Brasil. E para os dois casos corresponde uma interpretação de sua própria experiência

histórica. Portanto, sobre a história desta migração, ainda que sobre parte de toda a população

imigrada, e de parte da segunda geração. É a corporalidade um modelo de expressão, e de exercício

de agencia, nos espaços públicos, estabelecendo um diálogo entre fraternos, entre fraternidades e

com a alteridade próxima, brasileira, outros imigrantes, etc. A corporalidade, os sinais e os signos

diacríticos, que a acompanham, produz vínculos entre atores diante das mudanças: “[...] os

símbolos constituem-se um importante canal de diálogo para grupos de imigrantes em vias de

inserção num novo contexto – como é o caso dos bolivianos em São Paulo [...]” (SILVA, 2005, p.

79-80).

Particularmente os envolvidos com a experiência de se tornarem fraternos, têm sua

sensibilidade e corporalidade apreendida no intercâmbio com seus pais, irmãos, amigos,

namorados e namoradas, participantes, também, desta construção. Para cada ator significa,

processualmente, a possibilidade de relacionar-se, compartilhar, reconhecer e ser conhecido, como

bem notou e descreveu Gavazzo (2002;2011) entre integrantes de fraternidades bolivianas em

Buenos Aires. Embora, em São Paulo esta experiência coletiva significada através das categorias

êmicas de gostar de bailar o caporal, ou ter paixão pela dança, seja por motivação religiosa, seja

porque não têm nada pra fazer no domingo, conceitos que se referem também aos sentimentos

partilhados, todas elas interpretam o grupo de dança.

E é aí o lugar das festas, pois esta é uma destas dimensões, como vimos ao longo da

dissertação, no capítulo primeiro precisamente. Neste espaço tempo não há só a relação entre a

primeira e a segunda geração, ela expressa a reinvenção da memória, que para os mais velhos,

conforme Silva (2005), “[...] revela a preocupação do grupo em manter a continuidade da tradição

pela segunda geração [...]” (SILVA, p. 2005 p. 78), enquanto, para os mais jovens “[...] nascidos

em São Paulo, e que já participaram de alguma das festas da Virgem, o que mais chama a atenção

é a alegria e o divertimento que os festejos lhes proporcionam, sobretudo através das danças

realizadas pelos que integram algum grupo folclórico [...]” (SILVA; 2003, p. 63).

Dentre os problemas que propomos para uma agenda futura de pesquisa, cada um do

que apresentaremos, em certa medida, articulam-se ao fenômeno social de crescimento e imigração

das fraternidades, das práticas de expressão de danças, corporalidades, reinvenção da cultura e das

identidades, e a mobilização política. Tudo isto coloca a questão de que no escopo discutido acima

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é necessária uma renovação metodológica e teórica, também, futura, para os desafios que os objeto

e temas abaixo exigem.

A primeira questão que se coloca, refere-se ao âmbito da interculturalidade, a

conjuntura administrativa política acerca dos direitos dos imigrantes no Brasil e a vivência nos

espaços públicos, em um contexto de mudança política de um anteprojeto de lei de migrações e

surgimento de conflitos políticos envolvendo aos imigrantes, não só bolivianos.

Foi aprovado no país um anteprojeto de lei de migrações substituto do Estatuto do

Estrangeiro, o qual era responsável por gerir a política migratória e de refúgio. O estatuto contribuía

para a marginalização política dos imigrantes e refugiados, fortalecendo seu status político e social,

sob a narrativa da subalternidade, já que os permitia participação política, condição que tinha

efeitos práticos a vida dos bolivianos, discutido na dissertação.

Os movimentos sociais dos imigrantes, lideranças políticas do poder público, ou de

iniciativa dos próprios imigrantes, acadêmicos, já realizavam críticas ao anteprojeto que estava

proposto no Senado Federal, em relação aos pontos que poderiam ser aprovados, e criticavam a

proposição política do próprio texto107. Estes protagonistas políticos por estarem diretamente

vivenciando a realidade migratória tem relativa legitimidade e conhecimento do alcance do projeto,

desta forma, faz-se preciso compreender seu ponto de vista em relação as condições de vida dos

imigrantes e refugiados e a entrada em cena deste novo fato político.

O que há de avanço e qual a crítica dos protagonistas as contradições desta nova Lei?

Que impacto o projeto pode ter nas narrativas e práticas das instituições do Estado, em relação ao

trato aos imigrantes, no acesso deles a estas instituições, a direitos, etc, ou seja, qual o tratamento

que receberão os imigrantes no cotidiano a partir daí? E qual será a efetividade por parte do Estado

desta lei em relação a garantia de direitos?

Ao mesmo tempo, percebemos a ascensão de discursos conservadores e ações

concretas xenofóbicas e racistas108, por parte de indivíduos isolados, lideranças políticas eleitas, ou

107 BRITO, Gisele. Proposta de nova lei de imigrações é aprovada por movimentos sociais. RBA, online, São

Paulo. Publicado em 06/05/2014. Acesso: 07/08/2015.

Disponível em: <<http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2014/05/anteprojeto-de-lei-sobre-imigracao-agrada-

movimetnos-sociais-7087.html>>. Acesso em: 11\08\2014. 108 REDAÇÃO PRAGMANTISMO POLÍTICO. Angolanos da USP são espancados pela PM após reagirem a

provocações racistas. Pragmatismo Político, online, São Paulo, publicado em 03/04/2015. Disponível em:

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organizações políticas, contra algumas populações, especialmente, de nacionalidade africana,

haitiana109 e latino americanos110. Ocorrendo simultaneamente no contexto da visibilidade de sua

empregabilidade na indústria, nos setores de serviço, no comércio, no recebimento de visto

humanitário (no caso dos Haitianos)111 e, claro, em uma conjuntura de conflito político geral mais

acirrado, reformas econômicas de impacto na vida das classes que vivem do trabalho.

Para estes aspectos levantamos a seguinte questão: quais as ações e discursos dos

protagonistas políticos de questionamento das ações e narrativas racistas e xenofóbicas ou de

controle da imigração?

Neste sentido dois eixos se destacam. Esta lei de Imigração e o crescimento da

xenofobia e do racismo no Brasil, devido as tensões políticas mais atuais pela qual vem passando

o país, e, parece-me, adicionado de questões históricas das relações raciais no país, e que envolvem

a migração. O objetivo deste eixo e destas questões é avaliar a relação dos protagonistas e dos

imigrantes com o Estado, portanto, com os direitos que os imigrantes vêm conquistando, podem

conquistar, ou não, com este novo fato político, por um lado, e, por outro, da relação destes

protagonistas e dos imigrantes com a sociedade civil (na posição de indivíduo ou das organizações

conservadoras), como vem articulando sua vivencia cotidiana, a partir de aí, e sua visibilidade

<<http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/04/angolanosdauspsaoespancadospelapmaposreagiremaprovocacoe

sracistas.Html>>. Acesso: 04/04/2015. 109 CLEYTON. O problemas são os haitianos ou o problema é uma falta de política migratória que respeita os

imigrantes?. Conexión Migrante, São Paulo, online, publicado em: 25/abril/2014. Disponível em:

<<http://www.cdhic.org.br/?p=1936>> Acesso11/08/2014. 110 DA REDAÇÃO. Vereador ataca bolivianos para favorecer comerciantes no Brás. Bolívia Cultural, online, São

Paulo, publicado em 17/09/2013.

Disponível em: <<http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=2180>>.

Acesso em: 05/12/2013. 111 Fundamentamos nossa questão a partir de vários fatos, mas destacamos crítica de Gabriela Cunha Ferraz, a qual,

avalia que a chamada “bancada da bala” vem desenvolvendo ações para poder restringir a entrada e permanência de

imigrantes e refugiados no país, conforme a escritora constatou, para o site “Ponte Jornalismo”: “Na tarde do dia 25

de março, a bancada da bala, depois de bradar pela redução da maioridade penal de manhã, se reuniu na Comissão de

Segurança Pública da Câmara dos Deputados para debater a situação dos haitianos e os problemas sanitários (doenças)

e criminais que trazem para o país. Essa discussão, além xenófoba e discriminatória, atesta que temos uma bancada de

parlamentares, eleitos pelo povo, sim, mas que legislam em causa própria e de acordo com interesses escusos e nada

democráticos. Interesses estes motivados por rechonchudos financiamentos privados de campanha, oriundos de

empresas que precisam manter representantes particulares no Congresso.” CUNHA FERRAZ, Gabriela. Sim existe

uma Bancada da Bala. In: Especial para Ponte Jornalismo, São Paulo, online, publicado em 16/04/2015.

Disponível em:<< http://ponte.org/simexisteumabancadadabala/>>. Acesso. 19/10/2015.

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diante deste novo status político. E da possibilidade da violência racista\xenofóbica crescente por

parte de membros da sociedade civil.

Desta forma, propomos a necessidade de articular o imaginário do Estado e da

sociedade civil, em um eixo, sobre as práticas de dança, ou outras, dos imigrantes. O

reconhecimento ou desconhecimento (por parte de instituições do Estado e organizações da

sociedade civil), dos direitos deles, sem se esquecer do projeto cultural de mobilização cultural

para reivindicação de direitos e a visibilidade da cultura imigrante, por parte dos imigrantes nos

espaços públicos, para o reconhecimento social da diferença. Quer dizer, atualmente se faz

necessário uma reflexão acerca do desenvolvimento de um imaginário e ações racistas e

xenofóbicas de indivíduos, agrupações ou entidades políticas e instituições brasileiros, contra os

imigrantes nos espaços de encontro, nos espaços de discurso político, de produção de imaginários

e de efetivação de direitos, e as respostas política e cultural dos protagonistas políticos e ativistas

culturais para questionar estas ações e imaginários.

Outro conjunto de temas, objetos e questões se referem a dimensão intracultural das

agrupações de dança e identidade corporal da imigração de bolivianos. Ao longo de nossa pesquisa

percebemos novos elementos surgiram em relação ao que outros autores já vinham discutindo sobre

esta imigração para São Paulo, em nosso caso, apresentado na dissertação, segundo a reflexão sobre

a identidade corporal e as formas de agrupações culturais.

Destes novos elementos emergentes, vemos a necessidade de aprofundar a reflexão

sobre as relações sociocultural e, também, raciais dos imigrantes entre si, no âmbito da reinvenção

de corporalidades. Isto se justifica na medida em que nas narrativas sobre o caporal foi emergindo

significações de que diversas práticas, personagens, trajes, embora, sejam expressas pelas

populações urbanizadas de ascendência indígena europeia, tem origem com descendentes de

africanos na Bolívia. Muitas narrativas dos fraternos envolvidos com a San Simon, a mídia

imigrante Bolívia Cultural, quanto por parte da literatura sobre danças folclóricas e étnicas

consultada em nossa pesquisa, davam conta da presença de uma alteridade autodenominada

afroboliviana na Bolívia, influente nos aspectos dos trajes, personagens, gestualidades,

musicalidades em diversas manifestações. Como vimos com o caso do caporal. E que pode ser

estendido para a história da dança Morenada, muito popular também.

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Há expressividades corporais de ascendência africana na Bolívia, reinventadas desde

lá para São Paulo, porém, não só nas populações urbanas, de ascendência indígena ou espanhola.

Justamente, entre 2014 e 2015 durante pesquisa de campo e escrita da dissertação emergiram

narrativas oral, fotográficas, vídeográficas112, páginas de facebook, neste sentido, no caso, sobre

uma agrupação denominada Saya Afroboliviana en Brasil, presentes, na 8ª Marcha dos Imigrantes,

ocorrida em dezembro. Conforme relatos de identidade e narrativas, presente nesta dissertação,

Saya é o nome de dança expressa pela população afroboliviana113. Segundo Sigl e Salazar (2012)

esta corporalidade têm sido utilizada pela população de origem africana na Bolívia, para

manifestação de seu pertencimento e visibilidade na Bolívia, e nos parece em São Paulo, está

ocorrendo este processo, tendo como referência o país114.

O fenômeno imigratório de bolivianos está sendo acrescido desta nova alteridade. Os

Afrobolivianos e a expressão corporal Saya estão participando ativamente de festas na cidade, em

espaços de considerável visibilidade da expressão de danças bolivianas115.

Na dinâmica intercultural, espaço tempo dos grupos folclóricos e fraternidades que

agrupam seus membros pela identidade corporal, aonde os vínculos sociais se perfazem no

processo de reinvenção da dança e de produção de laços sociais por origem comum, parece se

apresentar, atualmente, que identidades estão sendo reinventadas, a partir do eixo de expressões

corporais, demarcadas segundo a origem sociocultural, de apelo simbólico diasporico. Desta forma,

além da questão geracional, presente nesta forma de laço social, também, presentes no caso dos

Afrobolivianos, das diferenças de origem ou gestuais, por exemplo, entre a Saya e o Caporales,

cabe levantarmos a questão acerca da dinâmica de construção de visibilidade da presença boliviana

em São Paulo a partir, agora, do recorte cultural e do apelo dos Afrobolivianos.

112 SAYAFRO. Produção Visto Permanente. São Paulo, 2015. Vídeo Online (6min42seg). Colorido. Disponível em:

<<https://vimeo.com/126381669>>. Acesso: 25/05/2015. 113 GELEDÉS. Afro-Bolivianos. GELEDÉS, online, São Paulo, Publicado em 06/08/2010. Disponível em:

<<http://www.geledes.org.br/afrobolivianos/#gs.9775148df5654d61af9e9396702fa7fa>>.

Acesso em: 07/01/2015. 114 MITA, María Martínez. Impacto del pueblo afroboliviano en el reconocimiento de sus derechos humanos en el

proceso Constituyente de Bolivia, 2006 – 2008. Maestría en Derechos Humanos y Democracia en América Latina

Mención Políticas Públicas. Tutora: Drª Catherine Walsh. Universidad Andina Simón Bolívar. Sede Ecuador. 2008.

Disponível: <<http://repositorio.uasb.edu.ec/handle/10644/383>> Acesso: 17/05/2016. 115 Dança Saya afroboliviana em São Paulo. Vídeo, youtube, online.

Disponível em: <<https://www.youtube.com/watch?v=Idx1yKfsbbc>>. Acesso: 29/05/2015.

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Em uma imigração que historicamente na cidade obteve sua visibilidade sob o eixo

andino e espanhol quais novos sentidos, narrativas, relatos de diferenças, possibilidades de

agrupação, por sentidos de pertencimento\reconhecimento, e a própria visibilidade sobre o que

querem representar, acerca do que sejam as culturas presente na Bolívia, podem surgir com a

presença dos Afrobolivianos, em uma sociedade com forte caráter africano, como São Paulo? A

presença dos Afrobolivianos pode mudar as formas de relatos sobre a diferença para o recorte racial

negro ou africano? Em que medida a expressão da saya em São Paulo tem relação com o processo

de reinvindicação identitária ocorrendo na Bolívia? Como o processo identificatório de lá influi na

reinvenção da Saya em São Paulo ? E na relação entre gerações de descendentes de Afrobolivianos

imigrados?

Se o Caporales é um ponto de partida para se pensar a identidade andina, pensar sua

relação com a cultura espanhola, presente nos espaços urbanos, e sua dimensão racial, já que foi

uma dança cujo personagem advém do Caporal, tendo relação com a Saya Afrobolivia, outro ponto

de partida, pra pensar a feminilidade no contexto da identidade corporal, da reinvenção dos trajes,

das diferenças entre gerações de mulheres na Fraternidade San Simon.

A dança Caporal não é só uma dança centrada no personagem Caporales. Além deste

personagem há a multiplicidade de personagens femininos expressos em meio as tropas de homens

e mulheres, nas apresentações da Fraternidade San Simon. O que por si só constata a presença

feminina compondo a agrupação. As mulheres estão presentes no ato de expressão da dança tanto

na tropa dos homens quanto na das mulheres, nesta última, em saias curtas, as Poleras, fator que

pode gerar polêmica, quando se torna o centro da visibilidade acerca da agrupação, caso não seja

expresso, conforme, a perspectiva dos imigrantes. No capítulo primeiro, por exemplo, vimos como

uma matéria do jornal Folha de São Paulo, sobre a utilização de curtas saias nas festas atuais, gerou

divergências entre imigrantes, sem contar o fato de uma escolha de visibilidade etnocêntrica e

machista do conteúdo da matéria por parte do jornal.

Esta dança devido aos aspectos de Charme expressos com o uso de poleras, mais

estilizadas, mas, também, de maquiagens, anéis e adornos diversos, no ato da dança, expressando

com eles certa beleza daquelas que fazem uso deles, por si levanta a questão da presença feminina

seja enquanto agrupação, seja enquanto expressão corporal (como Cholita, Macha, Tina). Seja na

sua agencia corporal para constituir sua participação como fraternas, sua agrupação como tropa,

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portanto, sua visibilidade própria. A fraternidade San Simon não é só composta por masculinidades,

ao contrário, a feminilidade na agrupação e no ato de expressão é um aspecto fundamental para a

própria fraternidade e a dança. Muitas mulheres participam da dança e os significados à sua

participação são múltiplos, mas, certamente, não pode ser visto aquém da reinvenção da

feminilidade.

Comumente as integrantes da Fraternidade Caporales San Simon Bloque São Paulo

Brasil não se referem à personagem feminina enquanto Caporala, como descrevem Sigl e Salazar

(2012), mas a Cholitas. E a cholita deve ser Charmosa. Acontece que a corporalidade charmosa e

a pollera podem significar, no contexto das relações sociais, uma expressão de agencia. Conforme

Barragán e Cárdenas (2009), por exemplo, as Polleras no contexto boliviano não é só um adereço

“Fashion” mas tem poder. Cabe aprofundar o que este (a) autor (a) está avaliando enquanto poder,

e repensá-lo no contexto das relações entre as fraternas e os fraternos, e suas descendentes, nas

relações intraculturais, políticas, de gênero, e interculturais. Caberia, por um lado, compreender a

história das diferentes personagens e seus correspondentes trajes, desde suas primeiras utilizações,

desenvolvimentos, e, no caso da San Simon, seus significados em relação a feminilidade que a

fraternidade expressa.

Junto a isto, é providente compreender o conceito nativo de “charme”, articulado ao

traje “polera”, a fim, de avaliar as relações entre gerações de mulheres, em torno deste personagem

na dança caporal e deste traje, avaliando a agencia desta identidade corporal feminina. Apesar do

estranhamento que as palavras carregam, cabe propor uma interpretação do conceito de charme do

ponto de vista das mulheres e jovens imigrantes ou descendentes de imigrantes sobre o personagem

cholita, justamente, aonde pode emergir as práticas de agencia própria à estas, suas relações

particulares entre si, a constituição de sua identidade corporal mais particular, e o seu processo de

expressão e inovação artística próprio, de agenciamento de posição organizativa na fraternidade,

agenciamento da circulação de trajes e pessoas durante o ciclo de festas.

No sentido de a dança ser ponto de partida para avaliar relações entre gerações, torna-

se pertinente a presença de personagens que se refeririam a identidades geracionais. Muitos blocos

nas fraternidades se referem a idade, por exemplo, os Achachis expressam a tropa de homens com

mais de 40 anos, já os Infanto a tropa de crianças. Se dermos foco a existência destes blocos, ou a

partir deles, estaremos por si mesmo li dando com a existência de gerações que podem participar

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de diferentes modos, formas de representações, de vivência sobre as (e das) gerações de imigrantes,

realizando, com isto, e a partir deste ponto de vista, uma discussão mais aprofundada acerca da

geração, e suas representação e sua relação com a dança?

Todos estes casos fazem uso de trajes folclóricos. Conforme apontamentos de

pesquisadores na Argentina, no Brasil e na Bolívia, todos são produzidos no país de origem. E,

raramente, no país de imigração. Seja a imigração de bolivianos para a Argentina ou para São

Paulo, a produção de roupas folclóricas continua sendo realizada no país de emigração. Com isto,

faz-se, necessário, trazer uma descrição melhor, ou maior, junto com o ponto de vista dos

imigrantes, do pedido sobre as roupas, a compra, a costura, a chegada, o uso, sob a luz do território

circulatório, e do ciclo de festas. A fim de avaliarmos a existência de uma indústria do vestuário

folclórico e sua centralidade nas estratégias de reinvenção de memórias, na própria manutenção

desta indústria e a sua importância para a economia do país e das próprias fraternidades.

Segundo Barragán e Cárdenas (2009) o crescimento das fraternidades na Bolívia, sua

divisão em agrupações internamente as fraternidades, e ao redor de outros departamentos do país,

e do mundo, como o caso da Fraternidade Folclórica Universitários Caporales San Simon Bloque

Brasil, estudada aqui, em suma, aonde haja imigrantes bolivianos, é um fenômeno que ocorre a

partir de 1984, aproximadamente, em torno das danças caporales, morenadas e kullawadas.

Muitas fraternidades envolvidas com estas danças são organizadoras de grandes festas

como a de “El Gran Poder” (na Bolívia) ou a festa de agosto “Eu amo Bolívia” (em São Paulo),

sob: “[...] al principio las fraternidades aglutinaban a fraternos que tenían un mismo origen,

actividad laboral o barrio, en la última década, con el crescimiento espetacular del número de

integrantes en cada una de las fraternidades, han emergido bloques al interior de ellas. Una historia

de câmbios, pero sobre todo de organización [...]” (BARRAGÁN e CÁRDENAS, 2009, p.75). Este

processo conflui com o maior fluxo migratório de bolivianos ao Brasil nos anos 1980, 1990 e século

XXI, aonde há o crescimento das fraternidades na cidade, recebendo grande visibilidade

atualmente, sem contar o fato de aglutinar nova geração nascida na cidade.

Portanto, enquanto fenômeno transnacional, apontam a necessidade de nos esforçarmos

para compreender as relações sociais e os espaços de sociabilidade dos imigrantes, e seus

descendentes, nos seus contextos migratórios, em diferentes aspectos, práticas, atores, tendo,

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porém, as danças como o ponto de partida, uma vez que é ela mesma a expressão da memória e, as

fraternidades, a de agrupação, dos imigrantes.

Como ponto de partida a dança e os grupos de dança permitem pensar as relações com

ela e a partir dela, no sentido de se investigar outros lugares de encontro, de produção de

reconhecimento, de pertencimento, diversão. E em como se dão, e quais são, sua relação com os

brasileiros, neste espaço tempo. Bem como os processos de experiência subjetiva acerca da

condição política, a mobilização cultural, para conquista de direitos que estão articuladas ao mesmo

processo.

Dentro destas relações é necessário compreender como parte do processo de

construção das identidades dos imigrantes, a visão de uma de suas alteridades: os brasileiros. Faz-

se necessário, já que se aponta aqui as relações interculturais, as formas como os brasileiros narram

e lidam com os ensaios, as festas, as instituições, aonde estão presente os imigrantes. O ponto de

vista e as ações dos brasileiros em relação a nova geração envolvidas ou não com as práticas de

dança. Embora tenha emergido em nossa pesquisa-dissertação, não foi abordado nela, e não se

esgote a esta pesquisa. Ocorre que dentro do contexto atual de visibilidade, de novas formas de

encontro entre imigrantes e nativos, cabe ver a representação destes segundos sobre àquelas

práticas. Como a recebem e a interpretam no espaço público, sejam os brasileiros “comuns” ou o

poder público, as agremiações culturais, etc, relacionado, assim, há como os grupos culturais dos

(as) bolivianos interpretam, compreende a presença daqueles, bem como, respondem ao

imaginários, narrativas, relatos e ações.

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