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7/16/2019 A religação dos saberes Morin
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Introdução às jornadas temáticas*
Na noite de 15 de nov embro de 1997, Claude A llègre propôs- me, ao
tilHone, a presidência de um “conselho científico” consagrado a fazer
iugrslões para o ensino de segundo grau. Dois meses antes, o ministro
nif havia concedido uma longa entrevista para o suplemento sobre edu-
i ai.no do jornal Le Monde (Le Monde de Véducation), durante a qual eu
| he MiRcri uma refor ma da unive rs idade francesa. T al suges tão não des-
pertoii uma recusa de sua parte, mas sim uma reação de prudência: “O
iii.ti-. difícil é conseg uir mudar as mentalidade s.” E u sabia que o ministro
tra não apenas audacioso, mas também o promotor de uma das novas
ilitn i,r, polidisciplinares que apareceram na segunda metade do século
X X («'. c iências da T erra).** E m vista disso, pensei que ele me es colher a
tm i i, ,)<» de minhas idéias.Mini ia missão limitava- se ev idente mente ao seg undo grau, mas este
pfíiiiirm.i di/. respeito ao ensino de maneira geral e, especialmente, ao
i n i i n o ............, formador dos professores do segundo grau.
* f ..lias a? 1 1iMiiitxl i-, ilr nolas de r odapé se rão feitas por u m aster isco. A s que contive-
*s*m a a| .irviMi,Bo N I -..in de autor ia da Ira dutora. As dem ais s ão dos dive rsos autores
tièsfil Itbfi ( NI )
! i f i ..i.l. A l l ^y i í - r i i m i i i i - . l ■•> da K dw .n,"lo ( i .mcPs desde a cheg ada do s ocialista L ione l| ..sj.il. a.j piiilnr , e m I ' A l é m <!i . .<», . tui i l l i r i l l i írulisla (f ísico) (le projeçílo iuternacio-
ii,tl (N I )
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O ministr o impôs um conselho científico ao qual eu pude apenas
acrescentar alguns nomes, ao mesmo tempo em que impôs meu próprio
nome a tal conselho. Este não podia ser o representante de uma “comu
nidade científica”, pois não existe uma comunidade reunindo as mais
diversas disciplinas, nem tampouco no interior de cada uma, em que se
afrontam idéias opostas. E, acima de tudo, o caráter heterogêneo deste
conselho não permitia a emergência de um pensamento comum devido,
precisamente, ao tempo limitado de seu exercício. De qualquer forma,
um comitê de especialistas geniais possuidores de idéias diversas só pode
levar, na melhor das hipóteses, a uma média de sugestões medíocres.
Os desafios
Quando da primeira reunião do conselho científico, em 16 de janei
ro de 1998, coloquei uma questão que me parecia um duplo problema
de impor tância capital:
1) O desafio da globalidade, isto é, a inadequação cada vez mais ampla,
pro funda e grave e ntre um saber fr ag mentado em e lementos desconjun-
tados e compartimentados nas disciplinas de um lado e, de outro, entre
as realidades multidimensionais, globais, transnacionais, planetárias e os
problemas cada vez mais transversais, polidisciplinares e até mesmo
transdisciplinares.
2) A não- pertinência, portanto, de nosso modo de conhecimento e de ensino,
que nos leva a separar (os objetos de seu meio, as disciplinas umas dasoutras) e não reunir aquilo que, entretanto, faz parte de um “mesmo teci
do”. A intelig ência que só sabe separar espedaça o complex o do m undo
em fragmentos desconjuntados, fraciona os problemas. Assim, quanto
mais os problemas tornam- se multidimensionais , ma ior é a incapacidade
para pensar sua multidimensionalidade; quanto mais eles se tornam pla
netários, menos são pensados enquanto tais. Incapaz de enc arar o contex
to e o complex o1plane tário, a inte lig ência Iorna- se c<y.a e irr«\ spoii:.;ível.
l Não querendo ser o udvçgãdü «Ir rninhtts prôpríai idéias, evitii indicar o dêiafio di
com plexid ade, titu e, da lirrufidé nt ia dns pfint ípini tia ciên cia wd á iiÍ 6 1* (prlnc ípto d l of-
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Introdução às Jornadas Temáticas
Na primeira reunião, estes propósitos quase não retiveram a aten
ção do conselho científico. Alguns preferiam a idéia de que cada qual se
<onsagrasse, em sua própria disciplina, à revisão dos programas, uns preconizando a modernização dos mesmos, outros um abrandamento de
conteúdo. O industr ial do comitê ex igiu que mantivésse mos os pés no
<I i.lo, isto é, que nos esforçássemos no sentido de pôr o ensino a serviço
<l.i empresa. E, como sempre, cada qual tinha certeza de agir concreta-
nif-nte ao defender sua idéia fixa.
Quanto a mim, propus as jornadas temáticas no intuito de demons-
Ihii o movimento por meio do caminhar. O objetivo destas era situar
liiuiles e horizontes mentais nos quais os professores pudessem inscre-
vr i suas disciplinas , confr onta r seus saberes e situá- los numa problemá-
lii ,i importa nte. Mais do que opô- las entre si e privile giar uma disciplina
m i det rimento de outra, m inha intenção era a de dar uma importância
tio piande à cultura das humanidades, à literatura, à história, quanto à
i ultura científica, sem me situar em relação ao problema do cálculo de
iifiu', a atr ibuir a esta ou àquela disciplina. O objetivo dessas jornadas
■iíít i foi, de for ma a lg uma, encar ar novos prog ramas. E u diria até mesmocjiir minha intenção foi a de resistir à tendência programática, a fim de
prlv ilfKiar o aspecto ref lex ivo da ref orma. A etapa relativ a aos progra-
ttià i. <|«i<‘ um m inha opinião dever á incluir a revisão da palavra programa
m adoção da expressão guia de orientação, diz respeito a um outro
momento c a outros protagonistas.
lúilir os membros do conselho científico, muitos manifestaram
MhiprtiKão ou cepticismo. Como falar em nome de uma assembléia
íjtif*, piii| iiauto tal, nada pode pr opo r ? E u tive a impress ão de um fracas-
í h s A o manifesta r entüo seu apoio logístico, sua simpatia conceituai e
§Ua anil/.ide qur durariam durante toda essa experiência, Didier
ha.- mili i < i l•II» lechou a primeira re união do cons elho, e m nome do
•I •••■!•■ !•I- miimimu utilvrrviil, pr incipio <lr s eparação, pr incipio de redução, car áterda Ingii i índiitivo- dcdiiliv o idr nlil ilnii), t- dc propor os princípios de conheci-
ftíéiit.. . iji if \ã lív r o( HMflo <lr põi m i rv idciH ia. Cí- lutroduction à la penséefumi- U >i I*ht i M:. 1'J'íl); e 1 11 Mêthmfv, F.d dn Sr uil, iccd. na coicçao "1’oints”,I =3| j j jj j )
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ministro, com uma sentença que aboliu todas as dificuldades: “Morin
propõe as jornadas temáticas; que ele as faça. Quanto aos outros; que
façam suas propostas.” Não houve outras propostas. Certos membros doconselho aceitaram contribuir com a experiência das jornadas: René
Blanchet, Yves Bonnefoy, Daniel Pennac, Joèl de Rosnay, Mireille
Delmas- Marty , A ndré Burguière, Marc Fumaroli, A nne- Marie Per rin
Naffakh, Pierre L éna, A rmand Fr émont, Év eline A ndréani, Jean- Didier
V incent , A la in T ouraine, Philippe Meir ie u2.
Uma vez recebida a aprovação do ministro, era preciso trabalharrapidamente. O prazo dado — final de março — era draconiano. Um
escritório me foi cedido na rua Descartes. Ao contar sempre com o am
paro de minha colaboradora permane nte Michèle V ié- Demarti, pude
também encarregar Nelson Vallejo Gomez, que me assistia há um ano
na A ss ociação para o pens ame nto complex o, da miss ão de aux iliá- la.
Chr istia ne Pey ron- Bonjan, filósofa, s impatizante de minhas idéias, pro
fessora de Ciência da Educação na Universidade de Aix-en-Provence,
aceitou com dedicação participar da aventura; depois, tive a felicidade
de contratar Mar ius Muk ung u K akangu, filósofo, que difundira minhas
concepções nas faculdades católicas de Kinshasa (Zaire). Sou- lhes m ui
tíssimo grato pela fidelidade e amizade. Agradeço especialmente aos
dois por terem efetuado o trabalho austero de transcrição, de leitura e
de preparação de certos textos cuja ausência teria comprometido seria
mente a coerência do conjunto desta obra. Enfim, com Liliane Le
Mehauté, que foi designada como nossa secretária, nasceu um apegomútuo. C om meus colaboradores , lançamo- nos desde o fina l de janeir o
na organização febril, ofegante, em condições de uma incrível improvi
sação, das oito jornadas temáticas: apesar de inúmeros problemas,
Nelson Vallejo Gomez deu provas, desde o início, de uma força de von-
2 T ambém agr adeço pelo aux ílio, na época, do diretor-geral do ensino de seg undo grau,da Missão da comunicação e da assessoria de imprensa do Ministério da K.ducaçrto
Nacional, da Pesquisa e da Tecnologia (ME NRT ), do chefe de gabinete <lo ministro, dosdiretores do Instituto Univer sitário de Komiaçflo de I'rol fs soirs (IUK M) de l\ ius, Càéteilc* Versalhes, <•do C"omitô de oig am/açOo e <nnstiltnim do-, t olf g los de '.eg undo giau
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Introdução às Jornadas Temáticas
tade fer oz, de uma persev erança implacável e às vezes até imprudente .
A inda que te nde ndo aos acidentes impr ev is tos e de cons eqüência s
desastrosas, Nelson foi o “Lazare Carnot”*, organizador da concretiza
ção das jornadas temáticas.
A rev is ão g eral e a pr eparação deste v olum e for am conf ia da s a
A g nès B eaum ie r , que foi aux il ia da por Mar ius M uk ung u K akang u.
Agradeço- lhe por esse t rabalho penoso.
As jornadas temátic as realizar am- se entre a seg unda- feira, 16 de
março, e a terça- feira, 24 de março. Elas for am inacessíveis para diversos
professores ocupados com seus cursos, foram ignoradas por alguns, boi
cotadas pelos “vigilantes”, negligenciadas pela imprensa, mas se benefi
ciaram da aceitação geral e generosa daqueles aos quais eu fizera apelo,
tanto no interior do conselho como fora dele: Jacques Labeyrie, Michel
Cassé, Pasquale Nar done, Pierre L éna, S ébastien Balibar, Jean- Marc
Lévy- Leblond, B randon Carter, T homas Morv an, Maurice Mattauer ,
A ug uste Commey ras, Robert Rocchia, Jean- Paul De léag e, E mmanue l
Le Roy L adurie, Jean- Marie Pelt, V incent L abeyrie, A rm and Fr émont,
René Blanchet, Jean Gay on, Henri A tlan, Piotr Slonimski, Jean- Didier V incent, Robert Naquet, Jacques Ruf f ié , Étienne- Émile Baulie u, A ndré
( '.iordan, Boris Cy rulnik, Michel Br unet, Henry de L umley- Woodyear,
A ndr é Lang aney , René Passet, A la in T ouraine, Mireille Delmas- Marty ,
Mure Fumaroli, Yves Bonnefoy, François B on, François L ’Y v onnet, Gil
I íclannoi, Éveline Andréani, Arnaud Guigue, Daniel Pennac, Paul
Kicoeur, André Burguière, Serge Gruzinski, Jean-Pierre Rioux, François
( ,'aron, François Dosse, A lbert Grosser, D om inique Bor ne, Da v id Le-
poutre, Georges Ler bet, Simon- Daniel K ipman, Patrick Mig non, Nor-liril Rouland, Philippe Meirieu, Henri Meschonnic, Philippe Quéau,
I lomiuique Wo lton, J ean Ladrière, Do minique L ecourt, Jean- Louis L e
Mciigiu-, Jacques Ardoino, Joél de Rosnay... Cerca de sessenta professo-
ip', c pesquisadores dedicaram- se assim a essas oit o jornadas, das 9 às 18
Itnt.r., mostrando a coerência e a exeqüibilidade das proposições indica-
il-r, r (| ut‘ lo ia m aprovadas pelos presentes na terceira e últ ima sessão do
■nir .H lm t icntílico (tt de abril).
♦iu IrtPtn i.) , ici frvi i l i i i mnário fi.iih c. 1,.1/uic C a m o l, :i]>(*li«hi(lo <>Ornanizador da vitória, jm i 1 1 1 >■tltl li i ifclo i lr Mii ii ietfa I i i i k l . i t i i f i i l . il | i . i i . i ,i v i lói i. i de W atlm nie s (1793). (N . T .)
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Infelizmente, certos problemas relativos à gravação e ao registro em
computador impossibilitaram alguns participantes de transmitir a tempo
seus textos, segundo o prazo fixado pelo editor, o que privou este livro de
algumas comunicações: as de Brandon Carter (“O Mundo”), de Boris
Cyrulnik (“A Vida"), de Philippe Meirieu (“As Culturas adolescentes”), de
1’alrick Mig nou (‘A s Culturas adolescentes”), de T homas Morv an (“O
M undo ”), de 1)anicl Pennac (“As Culturas adolescentes”), de Jean- Pierre
Rioux (“A I listória”), de 1’iotr Slonimski (“A V ida ”), de A lain T oura ine (“A
Humanidade”) e de Dominique Wolton (“As Culturas adolescentes”).
Lamentamos que isso tenha ocorrido e esperamos que uma reedição daobra possa integrar as contribuições desses autores.
As jornadas temáticas tinha m como obje tivo fav orecer um a dupla
adequação.
A adequação às finalidades educativas
A pr imeir a é a adequação de todas as disciplinas, científicas e hum a
nistas, às f inalidades e ducativas fundame ntais , que acabaram sendo ocul
tadas pelas f rag mentações disciplinares e pelas compart imentações entre
essas duas diferentes culturas: 1) formar espíritos capazes de organizar
seus c onhecimentos em vez de armazená- los por um a a cumulação de
saberes (“A ntes uma cabeça bem- feita que uma cabeça m uito che ia”,
Montaig ne); 2) ensinar a condição humana (“Nosso v erdadeiro estudo é oda condição hum an a”, Rouss eau, Emile); 3) ensinar a viver (“Viver é o ofí
cio que lhe quero ensinar”, Emile); 4) refazer um a escola de cidadania.
Encontramo- nos a qui diante dos problemas clássicos de nossa cultu
ra, mas colocados de maneira r enovada e ,ao mesmo te mpo, amplificada
e intensificada.
Ensinar a condição humana : a condição huma na encontia tolal
mente a use nte do ensino atual, que a desintegra em lia g m m lo s desc ou
juntados. ( )ra, os recentes desenvolvime ntos d.e. d6 iida s íiatma is n da
tindiçnõ mar. relevante d,i enllma humanista permitiriam um #*minn
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Introdução às Jornadas Temáticas
que fizesse convergir todas as disciplinas, no sentido de fazer com que
i .nl.i jovem espírito se conscientize do significado de ser humano. A ssim, por ex emplo, a cos molog ia cont emporânea, que ressuscitou e
imovou o conhecimento do mundo e que nos permite reconhecer
nesso minús culo lug ar no terceiro planeta de um sol de perifer ia de uma
gnl.i hi.i periférica de um gigantesco universo, ao mesmo tempo em que
nm permite saber que cada um de nós tr az em si as part ículas que se for-
rtim.iin desde o nascimento do universo, os átomos que forjaram os sóis
aniniores ao nosso, as moléculas que se compuseram sobre a Terra
Biitrs de qualque r vida. A s ciências da T erra pe r mite m inserirmo- nos
em nosso planeta e no seio da biosfera. As ciências biológicas permitem
situainm- nos na ev olução da v ida. A nov a pré- história mostra- nos, de
Ngoia em diante, a long a mar cha da hominiza ção que f ez ir ro mper a lin-
fUfSgrin humana e a cultura, sem que deixássemos de ser animais, ao
fiifs mu le mpo em que nos tornávamos humanos. E nf im, o co njunto das
fjini íiis humanas deveria nos levara discernir entre nosso destino indi
vidual. ik isso destino social, nosso destino histórico, nosso destino eco-RÔtfiU o, nosso destino imaginário, mítico ou religioso.
1)u lado da cultura humanista, a literatura, o teatro e o cinema
fiiêtn i oin que vejamos os indivíduos em sua singularidade e subjetivi-
düti i, .ii-i inser ção social e histórica, suas paix ões , amores , ódios, ambi-
■g s e i iúmes Essas expressões artísticas incitam- nos à consciência das
ffeaij.i j. ir- •. humana s , es pecialmente nas relações afetivas de pessoa a pes-
f f > a im r iL ãoi ium a família, classe, sociedade, nação, história, em suma,
peitai........ ã i iéueia do caráter complex o da condição huma na . A
líiM Ía f ms üjtes mlloduzem- nos nas dimensões estéticas da ex istência
lltiíüaiH! i= na hu .i , 1 da qualidade poética da vida, a filosofia abre os hori-
jiMiilt s (Li i fUph.1i>sobre todos os problemas fundame nt ais que o ser
jf timaiii' i olm a sr .i si mesmo. Convém, pois, reconhecer o que é o ser
ptífT iBiin,1jnr' jir-i ir-m r ao im ano te mpo à natureza e à cul tur a, que está
IfiliMii liilo .i iip it lr i orno lodo animal, mas que é o únic o ser vivo que crê
titim.i » Idsi 4l#m «Im tnnr tr r eiijn aventura histórica conduziu- nos à erapliiiit I iii.i ! )ií assim ir pode olirde er r à liual idade do ensino, que é aju-
dm ■=s lunu a se if i onhei ri r m mui próprisi hum anidade , s ituando a no
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mun do e assumindo- a. T udo isso deve co ntr ibuir à formação da cons
ciência humanis ta e ética de pertencer à humanidade , que deve ser co mpletada pela consciência do caráter de matriz que tem a Terra para a
vida e, por sua vez, daquele que tem a vida para a humanidade.
A prender a viver significa preparar os espíritos para a fr ontar as incer
tezas e os problemas da existência humana. O ens inamento da incerteza
que caracteriza o mundo deve partir das ciências: elas mostram o caráter
aleatório, acidental, até mesmo cataclísmico, às vezes, da história do cos
mos (colisões de galáxias, explosões de estrelas), da história da Terra, da
história da vida (marcada por duas grandes catástrofes que liquidaram
grande parte das espécies) e da história humana, sucessão de guerras e
destruições em razão das quais todos os impérios da Antiguidade desapa
receram e, enfim, a incerteza dos tempos presentes. Os problemas da
vida aparecem na literatura, na poesia, no cinema, e nessas expressões
artísticas o adolescente pode reconhecer suas próprias verdades e distin
g uir os conflitos e tragédias que encontrar á. O romance ou o filme serãoconsiderados não tanto sob seus aspectos f ormais mas, antes, co mo ex pe
riências existenciais que se relacionam com a própria identidade do ado
lescente. A poesia dará à cultura das humanidades uma dimensão mais
enriquecedora, pois ela mostra que a “ver dadeira v ida” — para retomar a
expressão do poeta A rthur R imba ud — não se encontra nas necessidades
utilitárias às quais ning uém pode escapar, mas s im na auto- realização e
na qualidade poética da existência. A filosofia, enfim, permitirá especifi
car os problemas éticos da existência humana.
O aprendizado da cidadania necessitará de um ensinamento, total
mente inexistente hoje, do que é uma nação. A história da França situa
rá o aluno em sua condição de cidadão francês no seio de sua naçjlo, de
sua cultura, de sua comunidade de destino. A aprendizagem da cidadã
nia incluirá também, pelas vias da história da Kt tropa e da liistúiia da eia
planetária (isto ú, os tempos modernos), a possibilidade* de* desenvolveie‘in cada 1 1 1 n a cidadania européia e a <idadania do planeta T err a Nosso
emitiu eleve t onttibuít para o etinir/umentei de cada jovem frstti fin « n
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Introdução às Jornadas Temáticas
sti.i história e cultura e, ao mesmo tem po, demons trar que esta cultura e
esta história estão ligadas à da Eur opa e, além dela, à do próprio mundo.
Enfim, a jornada “A religação dos saberes” situa-se na finalidade da
*í bem- feita”. Ela trata de um ponto que se encontra igualmente
íiUM iite do ensino e que deveria ser considerado como essencial: a arte
de organizar seu próprio pensamento, de religar e, ao mesmo tempo,
diferenciar. Trata-se de favorecer a aptidão natural do espírito humano
a «iuüextualizar e a globalizar , isto é, a relacionar cada informação e cadafifmhf ciment o a s eu contex to e conjunto. Trata- se de for tificar a aptidão
i interr ogar e a ligar o saber à dúv ida, de desenvolver a aptidão para inte-
gNi o '..tber particular em sua própria vida e não somente a um contex-
to global, a aptidão para colocar a si mesmo os problemas fundamentais
dê sua própria condição e de seu tempo.
<) quadro global das quatro primeiras jornadas temáticas (cosmos,
T i! N, v ida, humanidade) tende a favorecer, tanto por parte do profes
sei quanto do aluno, a colocação do saber particular ou es pecializado no
^Bnte*to em que ele se insere e, se possível, em seu conjunto global.
A qui df- vcinos insis tir sobre esse aspecto f un dam e ntal da missão do
ffUinii, que 6 favorecer a aptidão do espírito a contextualizar e globali-
f§àr, (inda mais que tanto é verdade que todos os problemas a serem
fflfPíitrados pelos cidadãos do novo milênio necessitarão, cada vez
Riais, dr u m a passarela permanente levando os saberes particulares ao
ftijtliri miriito global. É a regressão da aptidão a apreender os proble-(M ftmi lamentais e globais que deve incitar- nos à reg eneração de uma
lyltuia que nno se limite mais às humanidades clássicas, mas que seja
piits iituliv a <|c novas humanidades, baseadas no enriquecimento mútuo
t!?i í iillui i tiadieinual e da cultura científica.
f lãn ha ia ....... . . as necessidades de contextualizar e de religar os
§=<Í» H ^ pin imi amda enearar os métodos, ins tr umentos , operadores e
k)| | icii■ apto a puniu, ii essa reunião. Mnessa esfera que se situam as<* ft. ur-i ,| ,i jornuda "A le ligaçfio dos saberes”.
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A adequação aos “objetos ” naturais e culturais
As dis ciplina s deveriam, por out ro lado, apresentar uma ade qua ção
;i "objetos” que sejam a um só tempo naturais e culturais, como o
inundo, a T erra, a v ida, a humanidade . Eles s ão naturais por que são per
cebidos por cada um em sua g lobalidade e parecem- nos ev identes. O ra,
esses objetos naturais desapareceram do ensino; eles encontram- se reta
lhados e dissolvidos não somente pelas disciplinas físicas e químicas,
mas também pelas biológicas (posto que as disciplinas biológicas tratamde moléculas, genes, comportamentos etc. e rejeitam a própria noção de
vida, considerada como inútil); da mesma forma, as ciências humanas
retalharam e ocultaram o humano enquanto tal, e os teóricos do estru-
turalismo chegaram mesmo à presunção de pensar que era preciso dis
solver a noção de homem.
Esses objetos naturais são imediatamente identificáveis por qual
quer adolescente. Eles correspondem a temas que estiveram todo o
tempo presentes em nossos ensaios e poemas, a problemas que inces
sa ntemente for am colocados por nossa tradição cultura l e que per mane
cem vivos. Eles correspondem às curiosidades naturais da criança e do
adolescente e, aliás, deveriam permanecer como curiosidade também
para o adulto. Com os “objetos” naturais, nós reencontramos as grandes
perguntas que por todo tempo agitaram a consciência humana e que
todo adolescente faz a si mesmo: quem somos, onde estamos, de onde
vimos, para onde vamos? Nós revigoramos as interrogações que foram
sustentadas por nossa literatura e nossa filosofia e que se encontram
hoje a limentadas , e nriquecidas e renovadas pelas gr andes aquisições das
ciências contemporâneas.
Enquanto fragmentado, o saber não oferece nem sentido, nem inlr
resse, ao passo que, respondendo às interrogações e curiosidades, ele
interessa e assume um sentido. Como o mundo do professoi r o da uni
teria ensinada, apesar de interferirem reeiproramente, s ão ao mestm»(empo próx imos e distantes um do nutri», foi prev ista também ttitui |«>i
iiiiila de reflexlo eonsiigrudn *V. <ulltita', adoliss eutci
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Introdução às fornadas Temáticas
N;lo houve jornada consagrada à filosofia. Por quê? Porque a filoso
fia uflo é uma disciplina no sentido especializado e fechado do termo,mas sim um exercício sobre todos os problemas da experiência e dos
i <mi iccimentos humanos . O que se desejou é que os filósofos se repartis-
si In por todas as jornadas para abri-las às aquisições das ciências e, ao
ffiPMiio tempo, para dar esclarecimentos aos cientistas sobre a necessida
de do modo filosófico de reflexão.
<) sentido das jornadas temáticas foi de for necer elementos de infor-
íi)tí(,no c de reflexão, a fim de regenerar uma cultura humanista laica,
Êapa.' de armar intelectualmente os adolescentes para que possam
ifr tmlai o século X X I. Essas jornadas não dão conta, evidentemente, da
tfjtálldiidc: do saber. Elas apresentam lacunas. Por exemplo, eu gostaria
dp iri ni^anizado uma jornada sobre o pensamento matemático. Não
liiliir- o cálculo, mas sobre o universo de pensamento e de racionalidade
| Bm •iniliv o e tão for te da mate mática . Não a re alizei porque já hav ia
gitti jornadas e era difícil acrescentar outras. Essas jornadas, mesmoferido panorâmicas , não são enciclopédicas.
Apr- .ai das insuficiências, parece- nos, entretanto, que elas de v em
■Vftret r i a eme rg ência de novas humanidades a par tir dessas duas pola-
■tlade-i <i implementar es e não antagonistas , a cultur a c ientíf ica e a cul-
lyr a humanista. Essas humanidades permitir iam r econhecer o huma no
B l) seu*, emai/.amentos físicos e biológicos e, sobretudo, e m suasrealiza-
Éjys espirituais; reconhecer o humano e reconhecer no outro um serEymano rmnplexo; tornar-se apto a situar-se no mundo, em sua própria
| | fi a, iua he.tói 1.1 , sua sociedade. Essas novas humanidades são indis-
k f ii áv e h a iff .cuciação da cultura humanis ta laica: tal cultura tem
1 1 1 i ..ai o encor ajamento da aptidão a problematiza r, a aptidão a
gíHih t iu li. n r , finalmente, a consciência e a vontade de afrontar o
tlr- salm da •- omplex idade lança do pelo m undo e que será o desa-
íii- ‘isjs novas geiaçflfs.
à inu mo nos de uma ‘ardente paciência"...
Edgar Morin
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P R I M E I R A J O R N A D A
OMundo
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PRIMEIRA JO RN AD A
Introdução ao estado atual do mundo Jacques Labe/rie
2
0 cosmos: concepções e hipóteses Michel Cassé
3
Teorias cosmotógicas e ensino das ciências
Pasquale Nardone
4
Nossa visão do mundo: algumas reflexões para a educação
Pierre Léna
5
A física numa escala humana Sébastien Balibar
6£ possível ensinar a física moderna?
jean-Marc Lévy-Leblond
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Introdução
Edgar Morin
( -Veio que todas as civ ilizações, todas as comunidade s tiv er am uma
ipn< rpçSo do mundo e a preocupação de situar, de inscrever os huma-
fius nu cosmos. Ora, há cerca de quarenta anos, estamos diante de umRtumln singularmente novo. E temos que nos situar neste mundo, do
fjisü! nflo passamos, evidentemente, de uma minúscula parte. Mas o pa-
H §x o r que, se essa parte se encontra num todo gigantesco, o todo se
ifltnnli.i, ao mesmo tempo, no interior dessas parcelas ínfimas que nós
p t n t »*. | ><»is aquilo que é a coisa mais ex ter ior a nós mes mos, isto é, as par-
| | f til i que se constituíram no início do univers o, esses átomos que se for-
j§FSiti ti,r. estrelas, essas moléculas que se cons tituír am na T erra ou emÜjtr n lilü- n... tudo isso encontra- se tam bém no interior de nós mesmos.
I íh- .o ir s ulta essa situação paradox al que deve mos, cada vez mais,
■lu m ir Somos os filhos do cosmos e, ao mes mo tem po, com o disse
Monod, nele vivemos como “ciganos”. Somos diferentes e dis-
B U lê i d*le devido a nossa cultura, nosso espírito, nosso pens ame nto,
■Rs** «on- .rif- nci.i, e é esse dis ta nc iam e nto q ue nos per mit e te nta r
| jm hf ! f In r mie i ro£;;í Io. Penso que essa relação dupla que nos inscreva tio üiiuuh i r (| iir nos difer encia do mundo clcve perma nece r prese n
te eill III ISSO espírito.
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I ntrodução ao estado atual do mundo
Jacques Labeyríe
1
título-, “Introdução ao estado atual do mundo”, quer dizer sim-
pliimpntc: "De que forma representamos hoje o mundo que nos rodeia?”
V «iu I«il.ii .-íqui sobre as grandes idéias que nos permitem f azer uma repre-
do cosmos.
T his k -| iresentações, é claro, não datam de hoje e remetem a um pas-
f ir ií >I 'n u distante. Citare i duas enormes conquistas científicas: aproxima-
igmantr três séculos antes do início da era cristã, Aristarco de Samos já
i . min.i, o assim ensinava em Alexandria, que a Terra é redonda,
qii. Ha gira <*m tor no de si mesma a cada dia e que gira também, a cada
| h(t, r iu tomo do Sol; um século mais tarde, Eratóstenes, um outro grego
i1*» l 'r it ", rMu (iiitia, por sua vez, um meio para medir o raio da Terra — epnHatilu 1 1 , 1 cireunlerèneia — com uma precisão bastante razoável.
Num i .impo mais geral, Demócrito (por volta de 400 a.C.) e depois
| d* if i iu (| Mit votl i de (lO r C.)c onc eitualiz am a ex istência dos átomos por
piim iiitiiH. io No <)i ideiite crisUlo, ao contrário, dur ante os quinze sé-
lulo i -Mili .. c| iiriiti .. ning uém parece interessar- se pelo conhecimento do
jHMiiii .. i n ii i t |i in pelo das leis naturais.
\ *m dipols um despertar: o Renascimento. As descobertas come çama aiiiliH! iitipttl .o Ciii.i limitai mo nos ao ca mpo do cosmos: Nico lau
í i i j i . m u H *1* . . . . . t. ■:! ( ult >'• depor, de A iisla ieo redescobre que o
Hfi| **m onl lii Ni- no iP iit io do imlvei- >o (li r lio e r nl iis mo) . ( ) a le mão
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A R E L IG A Ç À O D O S S A B E R E S ■ • ▲ E D G A R M O R IN
Johannes Kepler elabora suas três leis sobre a revolução dos planetas.
Galileu, perto de Florença, observa pela primeira vez a Lua e os maioressatélites de Júpiter com a ajuda de um telescópio; ele também faz expe
riências sobre a queda dos corpos. Isaac Newton, em Londres, compreen
de por sua vez que a luz branca compõe- se de luzes coloridas e ta mbé m
que a matéria atrai a matéria (teoria da atração universal), mesmo a distân
cia, o que é uma idéia extraordinária. Olaüs Rõmer, no Observatório de
Paris, descobre que a luz tem uma ve locidade e conseg ue medi- la. O fr an
cês Pierre Simon de Laplace imagina que o sistema solar é originário de
uma nuv em de poeira cósmica. For am todos esses gigantes do pens amen
to científico que construíra m nossa atual concepção do cosmos...
Mais próximas de nós, pois elas datam de 1930, temos as observações
do americano Edwin Hubble mostrando que a coloração avermelhada do
espectro das estrelas e das galáx ias é proporcional a distância das mesmas.
O u o univers o está em ex pansão, ou então uma interação ainda desconhe
cida afeta, a longo prazo, a energia dos raios luminosos. Se o universo está
em expansão, em que ele vai se transformar? Será que um dia ele deixaráde crescer? Mas, se ele está em expansão, é porque um dia ele foi menor,
portanto mais condensado e, por conseguinte, mais quente. Quais foram
então os primeiros estados do universo? Teria ele sido uma espécie de gás
incriv elmente quente e comprimido? A resposta, no momento , não está
ao alcance dos meios de previsão da física atual.
A lém de nosso univ er so atual, teria re stado dessa ex plos ão or ig inal
uma irradiação eletromagnética que, mesmo bastante intensa, é forma
da apenas de partículas de luz (fótons) possuidoras de uma energia ínfima, como se tivessem sido produzidas por uma matéria à temperatura
próxima do zero absoluto. Essa bela teoria do Big Bang não merece <l<-
fato o qualificativo de teoria, pois baseia-se sobre fenômenos que silo,
em sua maioria, puramente imaginários, resultantes de extrapolaçõe s
das aquisições no campo da física das partículas elementares. Knlte
tanto, ela conhece uma onda de sucesso considerável, o qur mostia hrm
que a representação do cosmos, como em épocas anteriores, compirrnde ainda hoje uma enorme parcela de sonho.
$ $ *
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O Mundo
I hvrrsas descobertas recentes alimentam o desenvolver da física
fíimii 1 1 i,i Um a das mais importa ntes fo i feita por J ohn Da lto n, no inícioilfi séi iild XIX, em Manchester: ele reinventou a teoria atômica, que
pa nii ii ,i ,r fundame ntar , a partir de então, sobre medidas reais. C e m
anos ni.iis larde, ainda em Manchester, Ernest Rutherford descobriu o
■ÜflvQ do áto mo e a maneira pela qual se pode tr ansmutá- lo, descobrin-
f b tam bém, port anto, co mo se faz s ua síntese. A análise dos espectros
fjã Itn daí. estrelas já ensinara, por outro lado, que não existem no
■Uhdü outras espécies atômicas além daquelas que temos na Terra.
jJ les ii r r til .io, física e cosmog onia não pas sam de um a me sma ciência,
l^staiiir p0pU]ar, o que é um testemunho da inclinação sensível dos
lítHM. h . pelo puro conhecimento do universo.
O conhecimento da superfície dos planetas fez alguns progressos
tjgiílfi fjup dispomos de sondas espaciais. Alguns desses engenhos foram
■KVlidos a três planetas: Lua, Marte e Vênus. E até mesmo doze
j j if l lf ns , no total, já for am enviados à L ua. T ambé m já se foi sondar de
Bf tjn il iu outros grandes planetas e alg uns de seus satélites. Graças| | fitei| | ( tí**. r.otópicas obtidas em labor atório a par tir de amos tras, sabe-
y iif a L ua, Ma rte e os meteor itos têm a me sma idade que a T er ra: 4,5
P i e i dr anos (<■temos quase certeza de que isso ta mbé m é v álido para
p i l b s os ou tios planetas, até mes mo o próprio Sol).
Qua tr o sinos antes do início do s éculo X X , a descoberta da radioati-
■fhiíb da matei ia, no museu de história natural de Paris, permitiu tam-
g ff n 1' ioijii f pndr i de oi ide v em o calor das estrelas: elas que imam suaÉf fl fj iia iu o, iia Nosso S ol, por ex emplo, pro duz 3,8 x IO 33 ergs por
JgUtidn r-, 1 1 1 * 1 n i-1 paia isso, ao mesmo tempo, 4,2 milhões de toneladas
^n)drogAni i i (ou. 1 1 i u-. ex atamente, transforma- as em hélio). Mais tarde,
ly g ft do env rtl in r ia, nosso Sol sintetizará outros átomos, especialmente
| tjiiB •«»» in<1í-%| irnsâvris à vida: car bono, azoto, ox ig ênio, enx ofre etc.
Ip i s um.. .jiir ii. mais prsados que o ferro), graças às tempera turas de
pf f f s oi ii.illi... , (Ir i ai is que a gravitaçilo gerou em sua reg ião central.
§§je§ âtdfiiiif •.a.. . v:i| ii1 1ai s p pouco a pouco da estrela sob a forma de
| | f!t Veiifd iiildt I [ Miitaiito a l, no ventre de eslielas semelhantes, que se
HHltitiijii puni o 4 poiK o a iiia lciia de (| iir é feito o univers o.
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A R E L IG A Ç Ã O D O S S A B E RE S n • a E D G A R M O R I N
Sabemos também de onde vêm os outros átomos, os mais pesados.
Koi no momento da fase final da vida das estrelas mais pesadas, numa
explosão resplandecente, que ocorreu, num instante, a síntese desses
átomos que seriam, depois, projetados no espaço em forma de pó. Esse
pó de átomos vindo de múltiplos sóis, reagrupado bem mais tarde em
nuvens delgadas nos cantos sombrios da galáxia, servirá para reformar
um dia, graças à gravitação, novos sistemas solares. Os átomos pesados
não foram criados de forma contínua, como os leves, mas em explosões
grandiosas, e é isso que chamamos de “supernov as”. A parte e x terna da
estrela que compreende esses átomos pesados é então projetada noespaço numa velocidade de alguns milhares de quilômetros por segundo
e, durante vários milenários , ela continua a expandir- se. Por ex emplo,
uma explosão como essa foi visível da Terra durante o verão de 1054.
Ela brilhou então como uma Lua cheia durante diversos meses e, ainda
hoje, pode perceber-se sua nuvem com a ajuda de uma boa luneta. No
ponto em que se encontrava o centro da supernova, criou-se uma
pequena maravilha, um minúsculo resíduo de matéria de um tipo
extraordinário: o pulsar. É um aglomerado de nêutrons, de uma densida
de espantosa, rodopiando loucamente sobre si mes mo, env olto por ca m
pos magnéticos de uma intensidade inconcebível e que deverá emitii
durante milenários, em enorme quantidade, toda a gama de partículas
luminosas , os fótons, desde os raios gama e X até as ondas rádio.
Mas passemos a uma outra escala, passemos a dimensões dezenas <Ir
milhares de vezes maiores e veremos então que as galáxias, pelo menos
as mais jovens, contêm igualmente uma maravilha. E provavelmenteperto do centro delas, num pequeno volume em que a matéria atinge
uma abundância e uma concentração que são talvez dezenas de mill lain
de vezes maiores que as dos pulsares, que se eng endra o quasar, uni m m
sor ainda mais prodigioso de fótons, visível a milhares de ano:, luz tlr <Ih
tância. Nesse campo, nossa física ainda é insuficiente. Podemos vet rv.es
quasares, mas por enquanto a inda é impossível e x plicai seu m n ani- .mn
O es tudo do cosmos long ínquo p e im íl iu i observai ,no de fa to i qun
niüdiíic ara m s igm lu ativ am ente nossa visãn do inund o, nir- aiin se tr mns
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O Mundo
f j j fkuld.ide para compreender certos fenômenos que estão muito
n u á m do que pode ser realizado em nossos laboratórios. Mas essesfcflênifMios imensos e longínquos não são os únicos a nos intrigar.
jÉÉfím, drsde o início do século X X , o impacto da teoria da relatividade
I f f d l d e A lbert E in s te in sobre a cosmog onia tornou- se cons ideráv el,
(ptífetudn após a verificação do fato que um raio luminoso tangente ao
| nj §!ihr tuH desvio, o que significa que um f óton tem re almente uma
' i uno Eins te in havia prev isto. Por v olta de 1990, for am descober-
■§Üt imagensgravíficas de uma galáxia longínqua, criadas pela massa de,jpia galahli situada entre ela e a Terra, o que confirma mais uma vez
| §| g propi irdade de os fótons te rem r ealmente uma massa.
I )p5i I r o início do século X X impôs- se também no campo da física o
jfÉy dí» d i . par tículas elementares da matéria (os átomos e os elétrons ,
pf ts d* iii.h'. ii.ula) e da luz (os fótons). Nesse mundo dos objetos consi-
j§fa d,,= mu por um , as belas certezas de outror a desapareceram. T ais
Rpliiàs drviani se ao fato que a menor partícula de matéria que conhe- jj jiíiu? puino, o menor flux o de luz que tínhamo s o hábit o de levar em
te f isidi iiH ãu a me nor cor rente e létrica que éramos capazes de medir
llffi furmadu'., no mínimo, por um número imenso de elementos. E
H j t n «lillt d <d. .. i v.u esse mundo do indiv idual que te mos tendência a
■pitai dn nniiiilo (/náutico e que na maioria das vezes é muito pequeno,
í l in d a m n - ililii il encontr ar as leis que o reg em. Mas as aplicações
■ i ibserv Mi.nc, | ã silo de g rande importância e ultrapass am provavel-
Èis íjim resultaram das descobertas das leis da te r mo dinâmic a e
I p f i H i is f 1' > - I r - 1 1 , , 1 11 . 1 j'in'li si no, no início do século X X .
Unia dai t unsaqüêndas mais evidentes desses novos estudos é veri-
. .impo dos wHiicontlutor es e do desenvolvimento quase ime-
É ãH lia liil' iiiii il ii i i| iir ocorreu em seguida. T odo um dom ínio, o dos
j j f e l i h l d f to dn, o ■■lipos, foi rev olucio na do e m alg uns anos ; um out r o
Hjppt), fi da imprensa, do rádio, do Iclelone, lanibém eslá sendo, pois
| j§ etti dia jintlr Pm un tlãl e dilu ud ir pr alic a m c nlc todo tipo de
lif l i i? n ti.> a partir do mo me nto p i » que ela tenha sido publicada em
■Hllt! luéa i 1'iuJp tuinlié in, a| nui, pslabelei ei uma « iiin iinn .ir.iii i im i
jH ff! j'i i ii | j i i Ij lf j (l l b li h iíl d | id
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Essa mudança atinge ainda pouca gente. Mas os que estão a par de tais
inovações têm a impressão bastante nova de que a superfície da Terraencolheu e não somente por meio dos progressos enormes das técnicas
que per mitem, por ex emplo, que em menos de dois dias de v iage m seja
possível transportar- se para o ponto mais distante de nosso planeta.
A maioria das cr ianças que freqüentam a escola e às quais são ensi
nadas essas conquistas recentes do conhecimento não tem, ao que pare
ce, ne nhum a dif iculdade para interessar- se pelas mes mas e dominá- las.
Mesmo quando o aspecto lúdico não existe e, mesmo ainda, quando as
crianças são informadas somente pelas revistas populares ou pela televi
são, elas se apaixonam de bom grado por conhecimentos tão abstratos
quanto a astrofísica e até mesmo pela física quântica ou ainda pelas
novas ciências da Terra ou ciências biológicas. Freqüentemente, essas
crianças estão decididas a aprofundar seus conhecimentos nestes cam
pos mais tarde, quando serão adultas. Creio que as coisas não se passa
vam assim outrora, quando numa escola austera, quase que única dis-pensadora de conhec imento, as crianças entediavam- se com a r ig idez da
cosmografia ou com o ensino da matemática, porque se esqueciam de
dizer-lhes que tais ciências não passam, em grande parte, de um maravi
lhoso ins tr umento para simplificar o conhecime nto das leis naturais. Há
algumas décadas, um novo ar paira sobre o ensino, ao que me parece.
Há a inda um outro progresso: este conhecime nto encontra- se hoje ao
alcance de muito mais pessoas do que antes. Diante de tudo isso, penso
que podemos nos alegrar.
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O cosmos: concepções e hipóteses
Michel Cassé
2
Introspecção cosmológica
Para que a pesquisa co ntinue florescendo no campo fr ag mentado e
complexo do saber, escolho a palavra céu. Céu convoca, um pouco em
desordem, as almas viajantes e as tecnologias galopantes. Nos últimos
vinte anos aprendemos mais do céu do que tínhamos aprendido em dois
mil , e isso graças à união da astronomia e da física. A astr ofísica é o casa
mento da Terra e do céu no pensamento humano, da física, prática de
laboratório que consiste em extrair leis da matéria deste mundo, e da
astronomia, que é um olhar dirigido para o inacessível. Sem a física,
a astronomia não tem cabeça, mas, sem a astronomia, a física não
te m asas.
A o apont ar para a L ua sua lune ta, Gali le u enx ergou mont anhas; ele
( (incluiu disso, com m uita justeza, que a L ua é terrosa. Inver temos por
qt in c r esta proposição e dizemos que a T erra é celeste. A prime ira equa-
d.i astrofísica é: T erra = céu. O que não se encontr a aqui embaix o
nn<> it- encontr a e m luga r alg um.
C) espaço está perdido porque todos os lugares se eqüivalem, mas otetnpo foi reencontrado, pois vivemos no tempo abençoado em que a
ui il> ii.i l.il.i, AI)'iW'. vf-cm certas coisas no céu. Nós, astrofísicos, vemos
. 1 . r ii li.i , ««u , i . sem '..ibr i, vo< <‘ lir be o univ erso num a g ota d ’água da
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A R E L IG A Ç Ã O D O S S A B E R E S ■ • ▲ E D G A R M O R I N
chuva, pois a molécula da água, H 2 O, reúne em seu seio 0 hidrogênio,
vestígio da “explosão original” ou Big Bang, e 0 oxigênio, exalado pelasestrelas que o produze m e m seu forno. Ex iste, pois, uma cadeia física da
gênese. No ponto em que 0 mundo se articula com 0 es quecimento, o
tema da ge nealogia da matéria põe e m r elação os e lementos e as estrelas,
a Terra e o céu, a luz e a matéria, a criação e o aniquilamento, a gênese
e o apocalipse... O home m resgata a amnésia cósmica através da ciência.
“Nosso projeto filosófico não é mais domínio e possessão da nature
za, mas sim abertura para todas as luzes, visíveis ou invisíveis. Mehr
Lichtl Estamos sempre pedindo mais luz, como Goethe em seu leito de
morte. A f im de dar um se ntido aos sinais do céu, decriptamos a ling ua
gem sutil dos mensageiros celestes, fótons, neutrinos e, brevemente, a
das ondas gravitacionais. O olho natural, solar, dá lugar a um olhar uni
versal. A arte não se encontra mais numa cor, mas na c ombinação de
todas as cores, visíveis ou invisíveis, de todas as irradiações, de todas as
partículas móveis, fótons, neutrinos, raios cósmicos.
A cr iação da matér ia tornou- se um objeto de pesquisa das ciências. A existência dos átomos estando firmemente estabelecida, convém agora
pesquisar suas fontes, e tais fontes estão no céu. A teoria do Big Bang, filha
natural da relatividade geral e da astronomia conjugada à física nuclear,
ensina que o hidrog ênio e 0 hélio são originais e que as estrelas — lugar da
fusão ter monuclear — f orjaram em seu cadinho, a partir destes elementos
simples, todos os outros, desde o carbono até 0 urânio. Elas abriram- se
como flores e polvilharam pelo espaço miríades de átomos alados, semente necessária à vida, aos próprios átomos que elas forjaram. Todas as
humanida des que estão por nascer encontram- se lá, em volta das superno-
vas, estrelas esquartejadas que deixaram escapar a própria substância.
' As estrelas sempre for am caras ao coração das crianças e dos poetas,
mas eles não s abiam muito bem por quê. A astrofísica dá corpo a este
amor explicando que nossos átomos foram carregados pelo ventre das
estrelas. O elo entre as estrelas e os home ns , e de maneira mais ger al
entre todas as formas existentes no céu, é genético, material e histórico.
O céu é feito de tantas histórias quanto de átomos. T oda luz torna- se
palavra. O Big Bang grita em nossa direção.
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O Mundo
Genealog ia da matéria
É da natureza do ser que pensa formar idéias a partir do zero, do
inf init o e do univer so, de extasiar- se co m elas e revogá- las depois. Dessa
vertigem nasce uma ciência que combina cosmos e logos. A cosmologia
visa dar um sentido à palavra universo. S ua hipótes e crucial é que o uni
verso é um cosmos ou, em outros termos, que a desordem é uma ordem
oculta. Esse desafio promissor, c ujo bom fundam ent o é verificado a pos-
teriori, é a base da física do céu. Uma ordem deve ser reencontrada, e
essa ordem é tem pora l. O espírito do obser vador deve infiltrar- se na
juv ent ude tur bulent a do univ er so até ating ir os dias te mpe stuos os de
sua infância.
O univer s o ex pandiu- se e m dois planos consec utivos : a ev olução
“invisível” (aproximadamente até o primeiro milhão de anos) e a evolu
ção “visível” (de 1 a 15 milhões de anos). A época opaca é acessível à te o
ria, com ex ceção do tempo zer o. A época tr anspare nte é acessível à
observação, por um período que se estende sobre 15 bilhões de anos- luz. A dr amaturg ia cós mica divide- se em vários atos:
0. Emergência por transgressão quântica da impossibilidade da
existência.
«Por que existe um universo e não o nada total numa paz impertur
báv el? 'A s leis de conserv ação da física opõem- se à idéia de que algo
nasça do nada, ex ceto no caso em que a energia total do unive rs o é nula,
bem como sua carga elétrica e todas as outras quantidades conservadas.
Nada nasce de nada, então. Nada impede de se pensar isto, pois existem
energias positivas, como a energia de massa, e energias negativas, como
a energia potencial e gravitacional, e elas poderiam se compensar. Se
fosse assim, a criação seria gratuita e legal, pois ela não violaria nenhu
ma das sacrossantas regras de conservação.
Nos cenáculos quânticos, invoca-se uma abertura por efeito de
lim r l ou ainda uma flutuação do vazio. A lguns falam de criação a partirdo nada. T udo isso, en lr da nt o, deve ser considerado com certo distan-
i i. ittir jilo, por, dr (| i i,il()uc*i l omia é i irr rs s.ii io sublinhar que se cons ide
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A R E L IG A Ç Ã O D O S S A B E R E S ■ • ▲ E D G A R M O R I N
ra que o univer so, antes mesmo de assumir uma aparência, é quântico e
relativista. S upõe- se desta f orma, portanto, a preex istência das leis sobre
a matéria e mesmo sobre o espaço- tempo, o que não é neglig enciáve l...
I. A era do caos quântico: a saída da ne blina do espaço- tempo.
' Um instante de opacidade total, verdadeiro deserto do espírito,
IO-43 se g undo, mantém- nos a distância da insanidade do te mpo zero. Na
falta desse distanciamento reina o discurso teológico. *
A cr iação, que é a passag em do inde te rmina do ao dete rmina do, per
manece em si mesma inacessível à razão. Do ponto de vista lógico, otempo zero é um instante num tempo que ainda não existe. Do ponto
de vista físico, não se pode tampouco escapar à catástrofe conceituai:
zero é preciso demais para ser quântico. Desforra da imprecisão quânti-
ca sobre o determinismo relativista: uma auréola de indeterminação
envolve o começo. O próprio tempo flutua, pois “quântico” é sinônimo
de “flutuante”. Assim, ao passo que o universo tende em direção ao um,
a linguagem tende em direção ao zero. Os conceitos quântico e relativis
ta só podem servir-nos como instrumento teórico para determinar osvalores mais extremos das quantidades físicas que estão em jogo: nenhu
ma duração inferior a l(h43 segundo, nenhuma distância inferior a IO - 3 3
centímetro, nenhuma temperatura superior a 1.032 kelvins conserva
um sentido físico.
10-43 segundo: menos que uma piscadela, comparado à idade do
universo! Mas esta fração ínfima de segundo, impenetrável para o espí
rito, é como uma eternidade. O que é um segundo? Se o tempo é real
mente a medida da mudança, um segundo daquele momento não podeser igual a um segundo de agora. Passaram-se mais coisas num segundo
daquele tem po do que em quinze bilhões de nossos ano s ."
U ma pérola de espaço- tempo emerg e da es puma, como que t omada
pelo desejo de crescer e embelezar- se. S eu v azio é falso, pois ele está
saturado de energia. Ela tira de si mesma sua ordem e suas leis. E essa
bolha se faz universo sob o efeito da gigantesca inflação do espaço, indu
zida pela pressão deste falso vazio. As leis do universo observável são as
leis da bolha. Este universo é o nosso. Ele é como um relógio posto em
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O Mundo
marcha há 15 bilhões de anos. Esta duração é comparável à idade dos
mais v elhos átomos e das mais v elhas estrelas conhecidas. O modelo cos-mológ ico dete rminista guia- nos de agora em diante de maneira segura e
dá corpo à história universal. A separação do espaço- tempo em espaço e
tempo tornou- se possível devido à unifor midade postulada pelo espaço.
O unive rs o está em ev olução em todas as suas regiões, mas a ev olução
mais g randiosa é a da sua geometria. O espaço se dilata. O univers o está
em expansão. Há uma correspondência unívoca entre idade e densida
de do universo e também entre idade e temperatura. Um universo jovem é dens o e que nte. U m univ er so velho é diluído e frio. '
O cosmos atravessa diferentes eras de durações crescentes definidas
segundo a densidade de energia da forma reinante: caos, vazio, irradia
ção ou matéria.
II. A era do vazio.
O vazio é insensível à ex tensão univers al. S ua densidade de energiaé constante. Ora, uma densidade de energia constante induz uma
expansão exponencial. O vazio é apartador de espaço: ele acelera a
expansão deste (quem sabe ele até não a produza?). Essa expansão fre
nética, cujo efeito é distender o universo, cessa quando a densidade de
energ ia do vazio anula- se (ou quase) em benef ício da irra diação. O poder
passa das mãos do Vazio às da Luz.
III. A era irradiante.
V azio- luz- matéria: ex iste uma cadeia física de gênese. Cada qua l
reina por sua vez quando sua densidade de energia ultrapassa a dos
outros.'No espaço de 10~32 segundo, a luz sucede ao vazio. Sua era dura
rá aproximadamente um milhão de anos, e a da matéria, mais de 10
bilhões.'Sob o reino da luz, ocorre o assassinato da antimatéria pela maté-
ri.i <■a g ênese do hélio* Pelo fato de a luz (a irradiação) ser uma forma
material neutra, pode- se atribuir- lhe o sinal zero, o que pe rmite conceber
<| iic.i li ix., caso possua a energ ia necessária, pode dar nascimento, conjun-
t.uiK nte, à matéria ( + ) e à antimatéria (-), pelo ato de criação, e igual-
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A R E L IG A Ç Ã O D O S S A B E RE S ■ • A E D G A R M O R I N
A eliminação da antimatéria , duplo e mortal antag onista da matéria,
nascida co m ela, termina- se por importantes perdas no campo da matéria.
Os sobreviventes (um em cada bilhão) fundam o universo material: você,
as estrelas e eu. Somos os filhos de uma leve dissimetria. No final dessa
guerra fratricida, subsiste apenas uma fraca concentração de prótons,
nêutrons, elétrons e neutrinos, todos em suspensão num oceano de fó
tons. No primeiro segundo, os neutrinos deix am de interag ir com a ma té
ria, pois a ex pansão faz com que eles percam energia. A temper atura é,
então, de um bilhão de graus. No terceiro minuto , os prótons pod em ligar-
se aos nêutrons sobreviventes sem serem importunados pelos fótons am
bientes, muito agressivos em razão de sua forte energia. A primeir a v aga
de reações nucleares do universo termina-se pela síntese nuclear primor
dial do deutério, do hélio e do lítio, e pelo fracasso da síntese do carbono.
IV . A era estelar.
Um milhão de anos mais tarde, tendo a temperatura do universo
caído para aproximadamente 3.000 graus, o átomo do hidrogênio nasce
da captura do elétron pelo próton. Des de e ntão, o univers o ilumina- se,
pois os elétrons acorrentados não podem mais reter os fótons. É a alvo
rada cósmica. A luz desprende- se da matér ia, deixando- a livre para que
ela se estruture. As ondas eletromagnéticas liberadas nesse instante, dis
tendidas pela dilatação do espaço, chegarão ao solo quinze bilhões de
anos mais tarde.
Por meio deste ato separador, o universo revela-se transparente efértil.
O gás univer sal fragmenta- se em imensas nuv ens que florescem e
estrelas. As estrelas, indiv idualme nte , opõem- se co m todas as suas forças
(ou, melhor dizendo, com toda a força da gravitação, que é a atração da
matéria pela matéria) à expansão do universo, essa corrida generalizada
em direção ao difuso e ao frio. Elas concentram e reaquecem a matéria
em seu seio. Sob a influência do calor, elas transformam em seu cadinhoos núcleos de hidrogênio e de hélio herdados do Big B ang em carbono,
azoto, ox igênio etc. e tornam- se assim o verdadeiro motor da e v olução
química das galáxias
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O Mundo
O ca minho que conduz da multidão das partículas anônimas e abs
tratas engendradas pela “explosão original" até a relva dos prados, até a
chuva e o vento, até a variedade infinita de formas e estados e a profu
são dos sentimentos passa, necessariamente, pela estrela. 0
'S uspensa entre a queda e a poss ibilidade de alçar vôo, ela vive à beira
de sua temper atur a de destruição. A estrela é o lugar e m que a matér ia se
desmaterializa, pois nela a matéria se transforma parcialmente em luz,
contrariamente ao Big- Bang, que é o acontec imento no qual (parcialmen
te, muito parcialmente) a energia se materializa. Ela brilha porque trans-
muta os elementos. A estrela é, portanto, o lugar em que os metais se
aperfeiçoam. Nos cadinhos estelares o simples hidrog ênio transforma- se
cm complexos carbono, azoto, oxigênio, ferro, ouro e urânio.
Se quisesse agr adar as crianças, e u poderia dizer que no cora ção das
estrelas celebram- se milhares de cas amentos entre núcleos de átomos. O
grito de alegria é a luz. E acrescentaria, para fazer com que gostem de
matemática, que as estrelas fazem operações aritméticas: 3 hélios cor-
tespondem a 1 carbono, da mesma forma que 3 x 4 = 12.
Mas elas não guardam embaixo do colchão os produtos de sua alquimia. N o f inal de sua ex istência luminos a, as estrelas abrem- se como flo-
i cs. Elas entregam ao vento celeste miríades de átomos alados.’ Dessa
lorma, elas desempenham o papel de artesãs conscienciosas na econo
mia geral do universo.°As grandes, revolucionárias, cuja explosão é aco
lhida aqui embaixo pelo grito alegre de “supernova”, oferecem ao céu os
átomos confeccionados em seu seio, e as pequeninas, como o Sol, distri
buem em volta de si luz e calor duráveis.
Nossos átomos foram carregados no ventre das estrelas e foi a luz
quem os incubou.
• Depois de gerações e mais gerações de estrelas terem se sucedido e
r m iquecido com sua obra nuclear o gás da Via- Láctea, um astro modes
to da perifer ia galáctica, o Sol, separa- se de sua nuvem- mãe e rodeia- se
.Ir planetas. N uma delas emer g em a v ida e a consciência. E hoje a ma té
ria «1 1 1 r pensa debruça se sobre seu passado de matéria inerte, estelar e
nebulma.
( J i u i ik Io viu ê’. o lha ir m as estrelas, façam- no com outr o olhar.
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Olhem- nas co mo aquilo que elas realmente são: as mães de nossos áto
mos. Ao virem das estrelas, nossos átomos retornarão para elas quando oSol gigante e vermelho tiver feito evaporar a Terra. Então, os corpos de
todos os mortos s epultados sob a terra estarão no Sol. Mas por enquanto,
imortais, esses átomos constituem espécies mortais e pensantes que
admiram o Sol como um deus, um pai ou como uma centr al nuclear... '
V . A era solar.
A pe le lum inos a do astr o do dia esconde, de fato, um a centr al
nuclear de confinamento gravitacional. Ele traz em seu coração o inferno, mas sua face é serena. Cada ponto do Sol é a um só tempo atraído
(atração da matéria pela matéria) e repelido pela força de pressão térmi
ca. A flexibilidade do estado gasoso permite reajustes estruturais não
explosivos. De fato, sua temperatura e sua luminosidade são estáveis há
milhares de anos, o que faz dele uma maravilhosa incubadora biológica.
O home m é um caçador diurno e a atmosfera é transparente numa
gr ande par te da irr adiação solar, e é a per manência da luz do Sol que f or
jou nossos olhos: seus átomos falar am sem parar a ling uag em da luz aos
átomos de nossos olhos.
O olho é solar: por isso, somos cegos em relação às estrelas muit o
mais quentes ou muito mais frias que este Febo da crina dourada. Mas
nosso olhar é universal: o home m dotou- se de próteses que lhe pe rm i
tem perscrutar o céu pelo registro das ondas (rádio, infravermelhas,
ultrav ioleta, X e gama). O não- visto é o visível próx imo.
A astronomia do inv is ível , ele trônica, automa tiz ada e satelitizadarevela que o céu noturno brilha com todo seu esplendor em gamas de
irradiação que a visão natural não pode apreender. Não continuaremos
a viver cegos em meio às realidades sublimes do céu. A Terra está per
manentemente imersa numa irradiação universal. Fria, ela tirita diante
de nossos radiotelescópios. O Sol dos neutrinos jamais descansa. A noite
faz parte do domínio das aparências. Ela não é negra; antes, nosso olhar
é que é obscuro.
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Teorias cosmológicas e ensino das ciências
Pasquale Nardone
3
O discurso da física é ta mbém discurso ideológico. A cosmologia
demonstra muito bem isso. Menos do que qualquer outro capítulo da
história natural, este não pode ser construído positivamente. O número
re duzido de medidas próprias e a impossibilidade de pôr em e x perime ntação o objeto de nossa ate nção impõem- nos um discurso especulativo.
A cos mologia aparece- nos como um a sucessão de encaix es seme lha nte
às bonecas russas,* em que empilhamos não somente conceitos e idéias,
mas também fantasias. E é precisamente por essa razão que tal discipli
na pode ser instrutiva.
Para retomar um mote clássico entre os físicos, apenas três fatos
determinam a cosmologia:— o primeiro deles é que a noite é negra;
— o segundo é que estamos imersos numa irradiação eletrotuagiiê
liea (que ela seja de 2,75 kclv ins e que seja de or ig em cos molóRii ■' 6
outra história);
o terceiro é que é verdade que os espectros luminosos emitido?
pelas naLíx ias deslocam- se s istemat icame nte em dire ção ao v er melho
(rv,r deslocamento é ligado à expansão cósmica, e o fato de elr sei pro
pon lon.il ,i distancia também é uma outra história).
* A i büHéúiB ríissúêüflübsílf* ms <>» de ntideiFã, <le foritiã íinrdcmdudu, que sn eilí lix itriu t i i ü d e f i tf ü d á i É U t t m ( N I )
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Mas, à parte esses três fatos, todo o resto, ou quase, não passa de dis
curso. A cosmologia é, nesse sentido, exemplar de uma situação comum
a todos os campos da física. Mesmo se é verdade que quase não se fala
disso, o debate constante sobre modelos, teorias, experiências e ideolo
gias cons titui de fato a prática cotidiana tant o dos físicos qua nto dos cos-
mologistas.
A física, tal como foi cons ig nada nos prog ramas do ens ino secundá
rio, impõe, entretanto, a nossos adolescentes, já de início, uma série de
axiomas, de regras colocadas como dados estáveis e definitivos — e isso
é de lamentar. Antes mesmo de passearmos com os alunos pela natureza, de constituirmos com eles um conjunto de fenômenos , de trabalhar
mos pela construção de “fatos”, antes, portanto, de darmos aos estudan
tes uma “lição de coisas”, nós lhes apresentamos o modelo final. Essa
abordagem esterilizada leva, às vezes, a dar aos alunos respostas para
perguntas que eles nem sequer fizeram!
O modelo tr adicional por ex celência em física, já que ele serve de
molde para todos os outros, é o que foi inaugurado por Newton. Permi
tam- me, pois, lembrá- lo aqui em suas linhas gerais.
O espaço, o tempo, o ponto
O espaço não pode ser definido “praticame nte”, não se pode torná-
lo concreto. Simplesmente, diz-se que ele se encontra lá, absoluto e
indubitáv el. A partir de Ne w ton, esse espaço absoluto adquire um senti
do mate mático. Dá- se a ele “propriedades” g eométricas. A part ir de
então é possível desenhar nele mentalmente retas, triângulos e ângulos.
Ele pode ser submetido a um discurso lógico- dedutivo s em que jamais se
recorra à medida ou à verificação experimental das afirmações.
Ne w ton precisa de um tempo. O físico deve narrar histórias. E le
não vai simplesmente desenhar figuras geométricas. Ele deve contar a
ev olução dessas figuras. Ne w ton propõe um “tempo- modelo”, um
tempo impraticável, mas incontestável, que tem a qualidade especialde “passar” uniformemente. Newton nos dá também uma descrição do
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O Mundo
que é a matéria. A matéria, por mais complex a que seja, pode ser redu
zida a um sistema de pontos materiais. Entre os pontos não há nada: é0 "va zio”.
O modelo new toniano é determinista: se temos o que se chamará de
condições iniciais, podemos predizer o f uturo. O objetivo do cientista é,
cm parte, a previsão. Isso é bastante ambicioso, é mesmo extraordinaria
mente ambicioso, mas é seu papel essencial.
Neste mode lo ve m em seguida um discurso complex o: o que é uma
força e como a força vai ser religada ao movimento. Como terreno de
validação disso, além do movimento planetário — grande sucesso da
mecânica newtoniana —, temos também o “tiro parabólico” da bala de
canhão, as fases da Lua e as marés, os cometas, tudo isso tendo uma
açflo a distância: a lei da gravitação universal. Notável força que, instan
taneamente, sem intermediário material, estabelece um elo invisível
entre todos os corpos!
Campos e f luidos
O que é muito importante é que foi preciso esperar o século X IX
paia ver aparecer uma outra modelização, proposta por Maxwell.
Para explicar as forças elétricas e magnéticas, Maxwell introduz um
1(ii íccito que será essencial para a física moderna: o conceito de campo.
('m»o num gramado em que cada fragmento de solo é coberto por umiíiminho de grama, um campo físico cola em cada ponto de espaço-
tempo um ou v ários números .
( <om Ne w ton foi escrita a história dos pontos materiais s ubmetidos
a torças; com Maxwell é a própria história das forças que é contada. A
iuuiKfiii que se impõe naturalmente para apreender as novas noções
hitiodii/.idas por Maxwell é a de fluido.
r.i 11 si í.i escrita e em seu vocabulário, as equações de Maxwell dife-i. mi muito das equações de New ton: elas inspiraram- se consideravel-
f iir iiir na iiin anu a dos tlmdos”. Trata- se aí de fontes, de turbilhões ,
ii a i,) ,r aí dr pteciii hr i ( oinplHa me utr -o espaço tempo, o que fará co m
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que deixe de existir entre os pontos materiais to do e qualquer luga r para
o vazio absoluto new toniano.
A cons eqüência mais surpreendente das equações de Ma x w ell é apredição de uma propagação ondulatória das forças elétrica e magnéti
ca. Num jogo sutil de compensação mútua, no espaço e no tempo, do
campo elétrico nasce gradualmente o campo magnético, e vice-versa. A
onda eletromagnética revela-se experimentalmente como possuidora
das mesmas propriedades físicas que a luz. A pr imeir a unif ica ção con
ceituai acabava, assim, de ser realizada.
O v ocabulário e a for ma mate mática das equações desenvolvidas
por Maxwell constituem ainda hoje referências, tanto na teoria quânti-ca dos campos quanto na relatividade geral.
Conflitos e unificação
E m 1905, Einste in levanta uma contradição entre o modelo new to
niano e o modelo maxwelliano. Das duas, uma: ou é Newton quem tem
razão ou então é Maxwell. Einstein escolhe o modelo de Maxwell comoteoria fundam ent al da física. A partir daí, ele é obrig ado a ref ormular a
mecânica para torná-la compatível com o absoluto que se tornou o con
ceito de velocidade da luz.
O modelo chamado de “relativ idade restr ita” chega à re conciliação
por meio da imbricação do espaço e do tempo numa única entidade: o
espaço- tempo. A velocidade da luz, tornando- se assim fr onteira absolu
ta, cria pela prime ira v ez, nesse espaço- tempo, uma noção de hor izonte.
Generalização
Einstein levaria cerca de dez anos para construir uma extensão de
seu modelo: da relatividade restrita à relatividade geral. Ele mostrou que
a genera lização impõe um a lig ação entre o espaço- tempo e a matér ia. O
espaço- tempo é modificado em seus aspectos geométricos pela presen
ça da matéria.
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O Mundo
O que é remarcável é que a gravitação de Newton “não passa” da
manifes tação mecânica desta modificação geométrica. A tra jetória da
T erra em tor no do Sol é uma “linha reta” do espaço- tempo modifica da
pela presença do Sol. Segunda conseqüência importante: o desvio dos
raios luminosos. Os raios luminosos que passam pelas vizinhanças de
i una massa importante (e a única que temos aqui é o Sol) são desviados
uo modelo einsteiniano. Uma experiência realizada durante um eclipse
solar (o Sol deve encontrar- se ocultado para que as medidas poss am ser
efetuadas) permitiu, aliás, medir os desvios luminosos sobre as estrelas,de acordo com o modelo einsteiniano de gravitação. Einstein, que foi
informado desses resultados ex perimentais, não e x primiu ne nhum a rea-
(,‘ilo de alegria, pois seu modelo já previa isso! Real ou fictícia, esta ane
dota é significativa, à medida que mostra que os modelos e fatos não dia
logam todos entre eles da mesma maneira. Existe no modelo uma certa
estética que, às vezes, leva o físico a dizer que o que ele e nuncia só pode
(ri correto, ou seja, que o modelo é belo demais para ser falso.
I lnivcrso
O que é muito importante na relatividade geral é que, e nfim, dispo
mos de um modelo capaz de descrever o comportamento do universo
r ü i m u i globalidade. É possível, finalmente, contar a história do univer
so Nn< >se podia fazer isso com o mode lo de New ton.
Iv.sa história não é nada simples, pois, como mostrou Michel Cassé,
êla %r alimenta de outros modelos. Modelo da física nuclear , modelo da
fftí* a das partículas elementares, modelos termodinâmicos, e todos,
fcofiiunií aiulo-se reciprocamente, escrevem uma cosmogonia que pre
tendemos coerente.
T\Ia', voltemos ao problema da irr adiação eletr omag nética ambiente,
<=tni a<I(> no iníc io desta pales tra . E s ta irr adiação está inte g r ada ao"itimlrl...... smológico standard”. Sua origem encontra-se no resfriamen
to ■uir.iido p r - I. i fxpansíio do universo após o Big- Bang. A que domínio
pt iiriK r mu interpretai ao? () comporlamento da “luz” em equilíbrio
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problema inaugural da mecânica quântica. Max Planck teve que “fabri
car” um modelo para poder explicar a curva experimental que mede a
quantidade de energia emitida por um corpo aquecido a dada tempera
tura. Para “reencontrar” os valores medidos, a matéria, segundo Planck,
deve absorver e emitir energia por múltiplos inteiros de uma quantida
de finita. A energia deve ser “quantificada", contrariamente ao que é
suposto por todos os outros modelos na mesma época: a mecânica, rela
tivista ou não, não autoriza em nada este processo descontínuo.
Depois disso, nasceria uma nova mecânica que viria dar conta, além
do mais, de todos os fenômenos atômicos.Dessa forma se encontra na história cósmica a curva inaugural do
modelo atômico.
Isso é hoje facilmente compreensível, posto que em seu “passado” o
universo deve ter vivido períodos de tal forma quentes que somente os
modelos atômicos e nucleares dão conta de explicar suas diferentes
fases e evoluções.
Especulações
Permitam- me, enf im, dizer algumas palavras sobre um as pecto ain
da mais especulativo: a “criação de matér ia”.
A mecânic a quântica e a teoria quântica dos campos (que é sua
extensão) tentaram conciliar, de alguma forma, a visão newtoniana do
ponto material e a visão maxwelliana do campo. Fala-se de “partículas
elementares”, ao passo que toda a teoria foi escrita em termos de “campos”. Sem entrar nos detalhes técnicos, pode-se dizer que a teoria dos
campos dá um conteúdo à noção de “criação”. Em seu quadro concei
tuai, é possível “cr iar” e “destruir” partículas. O “vaz io” pode ter uma
“estrutura” que, convenientemente alimentada, pode produzir resulta
dos qualitativos interessantes. Se deslocamos a teoria quântica dos cam
pos para um “meio” geométrico curvo, como quer a relatividade geral,
ela oferece então a possibilidade de se ter uma “criação” de matéria ex
nihilo e pode, talvez, levar à modelização da existência de toda a maté
ria que nos circunda. Grande proposição, iui<>é mesmo?
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O Mundo
Conclusão
Pode-se, portanto, dizer que da mesma forma que a matemática,
part indo do núme r o inteir o, acrescenta novas “entidades- solução” a pro
blemas novos (os números negativos, os racionais, os reais, os comple
xos...), a cos mologia alimenta- se de obser vações e de modelos a fi m de
elaborar, sob a forma de questões e respostas, uma narrativa que, se non
è vero, è bene trovato*
\
i é V Pf ldl l i l i l i III ó íl ll U â hâdD " (N I )
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Nossa visão do mundo: algumas reflexões para a educação
Pierre Léna
Em meio às mais importantes evoluções ocorridas nas últimas
décadas, a revolução radical de nossa visão do espaço, do tempo, da
Terra, do lugar e da evolução do homem no universo tem sido tantas
vezes lembrada que chega a aparecer como banal. E ainda mais: a perce pção desta re volução, longe de confinar- se a alguns meios científicos
e intelectuais, viu-se difundida pela mídia e atingiu a maioria de nos
sos contemporâneos: basta lembrar aqui todas as conotações popula
res das expressões Big- Bang, extraterrestre ou viagem espacial. Como no
tem po das grandes ex plorações da Renascença ou do século X V III, a
cons ciência coletiva apropriou- se destas mudanças à sua ma neira , que
na maioria das vezes é mítica: novos mundos, novas representações,novas maneiras de pensar o ser humano. Como é possível que a educa
ção permaneça de fora deste contexto? Porque tais aquisições são fun
damentadas principalmente sobre o uso da ciência e da tecnologia.
A propriar - se delas de ma neir a jus ta é indis pens ável, a f im de equil ibrar
o poder dos mitos pela per tinência da razão. Nosso pr opós ito é, assim,
falar aqui a favor de condições que permitam ajudar o adolescente, em
todos os momentos de seus estudos, a situar- se em tudo isso.
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O Mundo
Sonhos e realidades
“V ocês nos faze m sonhar! ”: eis uma ex clamação tantas vezes ouv ida
a cada vez que novos horizontes do conhecime nto nos são propostos. A
realidade assim descoberta, ou construída pelo saber, situa-se de tal
for ma fora dos campos da s ensibilidade e da imag inação com uns que ela
logo se vê relacionada ao sonho e, logo depois, ao mito. Entretanto, não
há nada de surpreendente nessa exclamação: as imagens do espaço, as
imagens dos planetas próximos ou as das galáxias mais distantes sãoimpressionantes desde que são comentadas, pois a partir de então elas
rev elam durações , dimensões, energias propr iamente inconcebíveis por
uma intuição construída apenas sobre a ex per iência huma na do cotidia
no. Em vez de estender-se ao domínio de uma região, de um estado ou
de uma nação, a consciência do homem deve, de agora em diante,
i c| >resentar- se num espaço sem limites , sem fronteiras, moldado pela lei
da gravitação e pela presença da matéria, espaço no qual a Terra não
passa de um frágil esquife, existindo por durações tão longas, perto das
quais os ciclos da história humana não passam de um breve piscar de
olhos.
À pe rmanênc ia das coisas que nos rodeiam, tão be m ex pr imida pelo
Eclesiástico (“Não existe nada de novo sob o Sol”), ao ideal clássico do
equilíbrio, todo o nosso saber vem agora opor a idéia contrária: desde a
mulo dos tempos, o universo não deixa de estar repleto de novidades, a
fv oluçâo é cósmica, univers al, ela não poupa sequer o Sol. O estado de
desequilíbrio, fonte de criatividade, encontra- se por t oda a parte na lei
fia-, coisas.
Por bem menos que isso podemos sentir uma espécie de vertigem,
i í onlir ço ge nte, mais idosa, que prefer ia nem pensar nisso para não
ioçobiíir. Que o cinema se alimente de tais mudanças de perspectiva
tipo r .surpreendente. Mas não podemos delegar unicamente a filmes
f i m o ( ) Quinto Elemento ou Guerra nas Estrelas a tarefa apaixonanterif (pi omhuii íeterenciais diante dessas novas escalas.
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A ex ploração do s istema solar
Primeiros passos em direção ao novo mundo e ponto de rivalidades
terríveis durante a guerra fria, esta conquista mobilizou o imaginário de
toda uma geração, de Gagárin aos exploradores da A poio, este right s tuff
que traduziram como a essência dos heróis. Mas, se a coragem dos cos
monautas permanece indubitável, o fe ito sofreu a usura do tempo: hoje
a Copa do Mundo de Futebol é muito mais apaixonante para a humani
dade do que a montagem, em plena órbita terrestre, das 460 toneladasda estação internacional A lpha ou o encaminhamento dos homens que
vão viver nela. É que um feito vale sobretudo pelas conquistas que ele
propõe ou prepara: ora, essas reparações laboriosas de todo esse encana
mento espacial em órbita, tão férteis em contratos para a indústria
aeroespacial norte- americana, não apare cem mais c omo ligadas a um
objetivo que seja legível por todos.
A pes ar da dispendios a aventura da es tação or bital, este mal- estar é
mais be m apreendido hoje pela NA S A do que por muitos dirigenteseuropeus, persuadidos ainda de que o panem et circenses da modernida
de passa pelo homem em órbita baixa. É preciso revisar o objetivo e rea
nima r a febre da ex ploração, dirigindo- a para essas paragens do s istema
solar quase que nem minimamente desvendadas ainda hoje: os profun
dos canyons de Mar te, as brumas opacas de T itão, o ge lo em f usão de
Europa, as neves impuras dos núcleos cometários.
Portadora de uma interrogação sobre nossas origens e fonte de uto
pias colonizadoras, esta utopia requeriria realmente a presença humanaou não? O debate é técnico, é claro, mas trata- se ta mbém de um debate
de civilização. O desenvolvimento dos robôs acarretou uma mutação
profunda da relação do homem ao trabalho e, muitas vezes, levou ainda
a um não- trabalho que ta mbém não é lazer — c onhecemos muit o bem
este problema em nossas sociedades desenvolvidas. São esses mesmos
robôs, alimentados por uma inteligência artificial e programados para
enfr entar o desaparecimento inevitáv el da comunicação quase ins tantâ
nea com a T erra, que deverão ass umir a maior parte dessas ex plorações,
abrindo sem dúvida o caminho para o homem.
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O Mundo
Como pode o adolescente não se ver confrontado a um julgamentode valor sobre tais aventuras? Será que ele se identifica aos heróis do
«paço? Será que julga que a tecnologia passa por cima dos sofrimentos
humanos de nosso planeta para presentear- se co m engenhocas de luxo?
rducado muitas vezes em tradições culturais respeitáveis, porém fragi-
li/íi<las pelo choque da modernidade, será que o adolescente terá ten
dência a considerar que o homem agride indevidamente um campo
tpíri vado ao divino ou à Nature za div inizada? O u, ao contrário, ele te n
dei á ; i desenvolv er um a visão org ulhosa da todo- poderosa tecnolog ia? As
i >-i h»stas devem ser construídas, pois ainda não foi realmente elaborada
Mnlmma ética da aventura interplanetária.
A T nr a , um plane ta entre outros — A to I
N.lo podemos mais continuar pensando nessa pequena nau comofiliamos. Achatada, transformada em seguida numa esfera, esfera que
i t rev elou mais tarde achatada nos pólos, a T erra é hoje u m objeto flui-
fb, Agitada por placas em movimento e oceanos que respiram, deformá-
ví I e deformada permanentemente, sacudida em sua rotação cuja velo-
■Made ve m, às vezes, ser diminuída por um imprev isível E l Nino, com a
ífÍHit;ii,;io de seu eixo estabilizada devido à presença afortunada
lia I »i-i ( ) solo — no s entido de “sólido” — subtrai- se lite ralmente a nos
sipi pe-, r v ivemos no f luido. Feliz me nte, a ciênc ia dos f luidos colocou •.<-
s altura ila siluaç- ao, e a.pre v isão dos humor es de nosso esquife não
I* ü t i| p piogrcilii': ciclones, sismas, erupções vulcânicas o u solaic . > , li
tiiãã tlriH.nain cie sei tota lmente um a fatalidade. O es tudo desses feuô
à lif los s ublinha a di f ic ulda de e a pcr ccpçao disso é intc ua inc nlr
tiiúilnihi de apree nder de maneira racional o com port ame nto e a
dinSiiih i dr sistemas acoplados c íusláveis em que a mtillidilo de van.í
* *1* tiiriiM sutil e í s vezes innprccnsív el o enc ade amento de causas rfefiiloi
he e nhie u m tema ao qual o adolescente é sensível biologicamen
Ib eu diriu , e d te ma dn me io am bient e: a r sustem ia do um a
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A R E L IG A Ç Ã O D O S S A B E RE S ■ • ▲ E D G A R M O R I N
ameaça que pesaria sobre a vida é propriamente intolerável para aqueles
que logo estarão na idade de tr ans mitir a v ida. A preciosa e a indis pensável visão planetária que nos dão os satélites fazem dos problemas do
meio ambiente, definitivamente, um desafio planetário, da mesma
forma que para outros mitos nascidos da ciência um julgamento crítico
a respeito deles é fundamental e sem isso estaríamos sujeitos a graves
derivas. Ora, é bastante difícil fazer com que este julgamento seja bem
fundamentado, pois trata daquilo que é incerto. Será possível propor
um projeto educativo para algo que é incerto?
Os participantes devem lembrar-se do testemunho dos astronautas
de uma das primeiras missões da A poio, quando, pela primeira vez em
órbita em volta da Lua, perderam completamente o contato com a
T erra, no mom ent o e m que s ua rev olução arrastou- os em direção à face
oculta de nosso satélite: um instante de obscuro pânico tomou conta
deles diante desta ruptura com o elo materno. Isso demonstra o quanto
a consciência humana é ligada à Terra e, portanto, o quanto qualquer
mudança na imag em de nosso planeta pode nos afetar. A geografia deveescrever novos capítulos, nos quais a psicologia não deveria mais, talvez,
estar ausente!
A T erra, um plane ta entre outr os — A to II
A div er sidade plane tár ia no seio do sistema solar foi rèv elada pelas
grandes missões exploradoras das décadas passadas (Pioneer, Voyager emuitas outras). A Terra perdeu então de certa forma sua singularidade
absoluta para ganhar uma outra, mais relativa, porque resultante da
comparação, e mais fe cunda, pela mes ma razão. Este ex ercício, que f az
de Mar te ou T itão primos de nosso planeta e que confr onta a his tória da
Terra e a da vida sobre ela à gênese do sistema solar como um todo, só
produziu, até agora, seus primeiros frutos. Mas um abalo em nossas
representações é evidente de agora em diante.
A esse pr imeir o choque vem juntar- se ainda um seg undo que apa
rentemente terá outra amplitude quando sua exteiisáo tiver sido total
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O Mundo
mente avaliada. Trata-se da descoberta, certa desde 1995, da existência
de planetas em volta de estrelas muito próximas — a algumas dezenasde anos- luz. Mes mo limitando- se ainda à observ ação de enormes pla ne
tas comparáveis a Júpiter e mesmo que a esperança de detectar novas
“Terras” não possa se concretizar antes de alguns anos, o passo foi dado,
e essa descoberta abre um imenso c apítulo de inves tigação. A hipótes e
milenar, formulada primeiramente por Epicuro, de que podem existir
outros lugares e m que a v ida é possível, vem juntar- se hoje a poss ibilida
de, ainda fraca — é preciso dizer — , de um a v erificação. O século X X foio da descoberta da expansão do universo, e deste mergulho nas profun
dezas do tempo e do espaço nasceu a cosmologia moderna. Será o sé
culo X X I o da descoberta de outras “T erras ” portadoras de v ida, e de que
forma de vida?
T am bém para isso é preciso preparar o adolescente, sob o risco da
criação de mitos. Prepará- lo para a s util percepção do lugar do homem
no universo, lugar tão grande e tão humilde, tal como Pascal, sem dúvida melhor do que ninguém, soube explicar.
Uina história de mestiçagem
Se existe uma construção de saberes tecida a partir de contribuições
univer sais e enriquecida pelas mais diversas culturas , só pode ser a cons-
t n ição de nossas representações do espaço, do tempo e dos objetos que
povoam o cosmos. Longe de figurar uma progressão linear que seria
resultante da supremacia desta ou daquela visão de mundo, nossa visão
moderna apóia-se, de fato, sobre tradições múltiplas e complementares.
Podemos tirar diversas lições dessa constatação. A prime ira é que a
poderosa visão da cosmologia moderna, a exploração racional do sistema
snlai atualmente em curso e a cartografia detalhada do universo próxi
mo ou longínquo s;lo prodigiosos resultados — ainda provisórios, semdúv ida adquiridos no decorrei de uma longa ac umulação por gera-
çõí*. m i<rv.ivir,, tluianlr trinta e cinco scVtilos de observações c tentati-
* i . df in lr ip iH K n o I i n ( i <onimti 1 nmitns ei^nt ias, eei lamente, mas
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A R E L IG A Ç Ã O D O S S A B E R E S E D G A R M O R I N
que a astronomia revela de forma extrema, e cujo exame atento desven
da o poder da inteligência humana diante de objetos que lhe foram eque, na maioria das vezes, permanecem inacessíveis a ela. De Demó-
crito a Eins tein, de Hiparco a Hubble, uma long a escada reúne todos os
que não quiseram resignar-se aos mistérios dos céus.
Segunda lição, que não é menos importante: nosso conhecimento
moder no construiu- se por me io de um a incessante mestiçag em de c on
tribuições . O que teria sido da astronomia greg a sem as cont ribuições da
babilônica, da pérsica ou da indiana? E da árabe sem a grega, a pérsica
ou a indiana? Se é verdade que os catálogos milenares de observações
chinesas for am integr ados ao fundo c om um tarde demais para dese mpe
nhar um papel de primeira impor tância (com exceção do que diz respei
to aos “sóis arrebentados” ou supernovas), nem por isso eles deixaram de
preparar os “filhos do Céu” para inserir-se, de uma vez por todas, no
grande impulso de conhecimento que arrasta a humanidade inteira.
Estariam essas constatações reservadas apenas a alguns historiado
res das ciências preocupados com o rigor de universalidade? Seria errôneo acreditar nisso. Elas são constitutivas da consciência moderna e
podem ajudar, da mesma forma que os relatos de batalhas ou quedas de
impérios, a situar os adolescentes no tempo e na diversidade das contri
buições culturais cujas contradições eles experimentam muitas vezes na
vida quotidiana. Explicar a medida do raio da Terra tal como a praticou
Eratóstenes é um grande momento pedagógico, que pode ser vivido
tanto no curso primário, com crianças de seis anos, como^no final do
segundo grau. Comparar o texto que Aristóteles consagrou às dimensões do universo e ao modo de pesá-lo com um enunciado moderno de
cosmologia, utilizando o zero inventado pela índia e transmitido pela
mat emática árabe, é outro belo ex ercício. Os nomes das estrelas, dos pla
netas e seus satélites, mesmo não refletindo as culturas esquecidas dos
maias, astecas e esquimós, são igualmente um bem comum da humani
dade. Q ue deslumbramento no olhar de uma pequena senegalesa numa
região pobre, de educação prioritária, ao descobrir que as constelações
não são uma invenção dos brancos, mas que elas pertencem também, c
de outra maneira, à sua própria cultura...
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O Mundo
A mbig üidade s
Esse maravilhoso relato do m undo não deixa de te r suas armadilhas
e, sem dúv ida, neste f inal do s éculo X X , é útil desmascará- las.
Quanta s capas de revistas ou me smo de obras assinadas por eminen-
Ics cientistas já não propuseram a revelação do mistério das origens, o
desvendamento da origem do mundo, da Terra ou da vida? Ora, o rela-
to da cosmologia moder na é antes de mais nada um a constr ução do espí-
i ilo, racional, sem dúvida. Ela se estrutura a partir de fatos observáveis:
i leslocamento das galáxias, irradiação do fundo do céu, abundância de
elementos químicos no universo. Essa construção, elaborada com base
cm nossos conhecimentos atuais, verídicos porém frágeis, pretende dar
conta de uma multidão de transformações sucessivas que modelaram a
K- presentação do m undo de hoje a partir daquela que possuíamos dele
nnlcm, antes de ontem ou ainda muito antes. Essa construção chega a
fsi/,fi-lo de forma bastante convincente, mas, para o profano, tal repre-
xmtação assume ares de mito cósmico, quer se trate do passado, quer doJuturo. Assim o Big- Crunch, que deve suceder ao Big- Bang, seria a
demonstr ação de um univers o que está condenado a desaparecer. A ss im
«i monstruoso inchaço do Sol, que deve se tornar um gigante vermelho
em quatro bilhões e meio de anos, confirmaria, de maneira abusiva, o
irlato mítico, ou seja, a morte de uma humanidade que aprendeu a
andar há apenas um milhão de anos nas savanas africanas e que já foi
i iip.iz rle levará Lua um dos seus filhos.Mais do que outras representações, a do cosmos se presta a todo
t tj > 0 de confusões, às quais está exposto o adolescente devido a sua sen-
silulidadc extrema, sua necessidade imperiosa de encontrar um sentido
r sim lacionalidade ainda mal estabelecida. Cite mos a inda a ausência de
uma dislinçílo clara entre as transformações cósmicas das quais fala a
t Sfni ia e a noçHo de cr iação ou apar ecimento a par tir do não- ser, que é
dr ordem religiosa ou metafísica, e que é exprimida ou interpretada de
Iniiii.r. ilileieiite s pelas grandes t radições espirituais da humanida de.
Num iegc.Uo completamente diferente, citemos ainda as crenças
VajM ■pir luuila m r ii l . im a n e dulida de astrológ ic a e que se a póia m com
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freqüência sobre uma mistura de necessidades psicológicas fortes e
noções científicas mal digeridas. Or a, estas últimas , fundamentando- s e
sobre as ações a distância ev idenciadas pela física numa escala cósmica ,
diluem num holismo simplista a liberdade individual do homem, sua
grandeza e também sua servidão.
A limentar o imag inár io do adolesce nte , tão prope ns o a ex citar- se,
tão fam into de símbolos que es timulem sua criat ividade, sem saturá- lo
com ilusões adulteradas, eis uma tarefa urgente para o pedagogo de
hoje.
Complexidade
Os propósitos contidos nestas linhas nasceram de uma constatação:
a irrupção maciça da complexidade no desenvolvimento das ciências.
Que outro assunto, a não ser o universo inteiro, apreendido modesta
mente pela ciência, poderia ilustrar melhor essa evolução? Devemos
entretanto ser prudentes. Desde Aristóteles e seus quatro elementos,
desde a separação dos luminares da noite entre estrelas e planetas, desde
a entrada em cena das galáxias, todo nosso conhecimento do cosmos
esforça-se por distinguir, discernir, desfazer o emaranhado de informa
ções múltiplas, por classificar e reduzir o múltiplo abundante ao mais
simples inteligível. A bstenhamo- nos, pois, de ir rápido demais e de dese
nhar apress adamente quadros que, por serem ex tre mamente s intéticos,
não pass ariam de caricaturas. V er , observ ar, medir, estabelecer modelos,
medir ainda, estabelecer novamente modelos são procedimentos claros
que podem, à medida de nossas capacidades, organizar um pouco a profusão do real. Somente depois disso é que um alargamento do campo de
visão permitirá compreender de outra forma e mais profundamente.
A ssim, considerar a T er ra como um planeta entr e outros dá provas de
um olhar diferente.
A aprendizag em da complex idade é rude, pois, par a o adole sce nte ,
apenas o simples é inteligível inicialmente. Advcrti- lo contra as s implifi
cações abusivas é desejável. Fazer com que perceba o quanto o k m I <iilc*
II
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O tMundo
re do discurso que faz emos sobre eile ta mbém (e nesse sentido as ciênciasdo universo são exemplares, pois ai abordagem sistêmica é indispensável
para a compreensão dos objetos dee que elas tratam). Mas tenhamos cui
dado para não diluir n um procedirmento g lobal demais a maravilhosa ale
gria de compre ender; tenhamo s o cuidado de prev er um mode lo do
mundo que, ainda que simples, sejja capaz de proporcionar esta alegria.
Seria necessário repetir a qui, (diante de uma certa falta de interesse
dos adolescentes em relação às ciêíncias, que esses jovens esperam que a
ciência tenha um sentido, um semtido para a vida deles? Expectativa
;1rdua, diante da qual a ciência e oss que a ens inam — tão certos de terem
.icesso a fragmentos da verdade pela via mais prestigiosa que existe —
nflo podem deixar de estar atentoss.
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A física numa escala humana
Sébastien Balibar
5
Quando me pediram que falasse de “física numa escala humana”,
pensei que se tratasse da compreensão física do mundo que nos rodeia,
ao qual nossos sentidos ou diversos instrumentos de utilização freqüen
te nos c onf ro ntam a miúde. Pareceu- me que essa compre ens ão havia
sido enriquecida considerav elmente no decorrer do século X X , a ponto
de tr ansformar radicalmente nossa maneira de viver. Pareceu- me ta m
bém que essa física moderna era muito pouco abordada no ensino de
segundo grau e que isso talvez fosse de lamentar.
Os físicos dos séculos passados tinham de fato compreendido as
grandes leis da mecânica, da hidrodinâmica, da propagação das ondas
(luz e sons), do eletromagnetismo e da termodinâmica. Isse^é o que constitui as bases de nossa compreensão física da natureza, que constitui
também essencialmente os atuais programas de ensino da física no
secundário. Não se trata aqui de negar a importância disso, que é sem
dúvida uma introdução necessária ao que vem depois.
Mas não se pode mais ignorar que, durant e o século X X , os progres
sos da física foram consideráveis, da escala subatômica até a do univer
so. Deixo a outros o trabalho de explicar que as partículas elementares
do século X X não são mais as mesmas que as do século X IX ou ainda
que hoje ninguém mais acredita que a Terra, o Sol ou mesmo nossa galá
x ia possam ser o centro do univei so. V ou contentar me cm dizer aqui
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O Mundo
que os físicos compreenderam, entre outras coisas, o essencial das pro
priedades da matéria, o que permitiu um desenvolvimento tecnológicoque transformou profundamente nossa vida quotidiana (eletrônica,
informática, audiovisual e transmissão de informações, imagística e aná
lises médicas, observação da Terra, arquitetura, meios de expressão
artística etc.). Ora, o ensino desta física moderna é muito pouco aborda
do no segundo grau.
Nenhuma alusão é feita, a fortiori, aos grandes debates científicos
atuais ou às grandes questões que ainda estão por ser resolvidas. Pode-
se, portanto, temer que o grande público sinta-se excluído de um saber
reservado a uma elite e privado de liberdade diante de experts em relação
aos quais ele poderá desenvolver reações hostis que teriam conseqüên
cias lamentáveis.
A s a quis içõe s da f ís ic a n u m a es cala hu m a n a
1 1 0 s é c ulo X X
V amos resumir rapidame nte um século de progressos científicos .
A matéria homogênea
Os físicos compreendem hoje as grandes propriedades macroscópi-
cas da matéria pura e compacta, isto é, os estados da matéria homogênea cm três dimensões: metais, semicondutores, supercondutores, mag-
nclos, plasmas, cristais líquidos, semicristais, géis, polímeros fundidos
(iii cm solução, colóides, emulsões, vidros (compreensão incompleta,
ainda)... Esses progressos resultam, em muitos casos importantes, de
uniii utilização aprofundada da mecânica quântica, como também das
Intrusas interações com a química e a matemática. Eles levaram a
iuiliii'. inIei.içOrs especialmente férteis com as ciências biológicas ecom
***»1 i p i i<!•' •*l:i T a i;i. I ,(‘v ;i iam também , como acabei de ev ocar, a aplica-l o pí ijiir iuvmlíiam nossa vida quotidiana. Entretanto, não vi em lugar
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algum, nos atuais programas de segundo grau, uma palavra tão funda
mental como, por ex emplo, semicondutor. A partir da sexta série do pri
meiro g rau, os alunos ma nipulam transistores dur ante as aulas de te cno
logia sem ter a mínima possibilidade de entender os princípios de seu
funcionamento e isso, em minha opinião, acarreta nos programas esco
lares um problema muito sério de coerência.
A matér ia inomog ênea e desorganizada
Os físicos progrediram muito, em seguida, na compreensão da
matéria de dimensões inferiores a três, isto é, superfícies, filmes e mem
branas, fios e fibras, agregados e outros objetos de tamanho reduzido,
sem esquecer porosos, aerogéis, dedritos e objetos mais ou menos frac-
tais. As aplicações desta física são extraordinariamente numerosas, já
que vão desde a eletrônica de ponta até a recuperação do petróleo, pas
sando pelas colas, pela síntese dos matérias compósitos, pela tecnologiade pinturas ou pelo progresso no campo da cosmetologia. Automóveis,
esquis, raquetes, barcos, instrumentos de música, todos esses objetos
familiares incluem novos materiais compósitos. Quantos, entre nós,
sabem as coisas mais elementares sobre a relação entre a composição
desses materiais e suas propriedades?
A lém do mais , os físicos desenvolver am métodos de estudo da maté
ria desorganizada, chegando, por exemplo, a compreender como as
ondas se propagam, o que levou a progressos notáveis noà métodos de
imagística e análise médica. Pensemos na invenção da ecografia médica
ou da ótica adaptativa dos telescópios: as imagens a nosso alcance no
século X X rev olucionaram nossa percepção do mundo.
As mudanças do estado da matéria
Como ferve um líquido, como um material pode tornar-se isolante
e, de maneira mais geral, como é que a matéria muda de estado? Quer
se trate de mudanças contínuas, quer descontínuas, os progiessos da
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O Mundo
física neste campo também são consideráveis. A compreensão das
mudanças contínuas e dos fenômenos chamados de críticos, que sãoassociados a tais mudanças, está, parece- me, em fase de conclusão, ao
passo que a compreensão das mudanças descontínuas, como por exem
plo a cristalização de um líquido, supõe ainda um entendimento por
enquanto imperfeito da nucleação, dos fenômenos ligados à capilarida
de, das instabilidades, das ondas de choque etc.
Interação matéria/meio ambiente
A inte ração da luz e de outras irradiações com os átomos ou as molé
culas com o gás, portanto, já foi bem explicada. Daí a invenção do laser
e de métodos de análise espectroscópica especialmente úteis ao estudo
de nosso meio ambiente.
A inte ração com a matéria compa cta encontra- se bem me nos eluci-
i Lula. Da í um dese nvolv imento importa nte e m outro c ampo, o da opto-
eletrônica, dos detectores (integrados ou não), das irradiações e das par
tículas, a explosão da tecnologia das câmeras, telas, diodos e painéis
luminosos de todo tipo em nossa vida de todos os dias. T am bém é preci
so mencionar aqui a revolução introduzida pela utilização dos raios X,
sem os quais a imag ística médica não seria o que é, sem os quais tampou-
( i>teríamos descoberto a estrutura do D N A , suporte da hereditariedade.
Nno vamos esquecer também que sem os supercondutores e sem a teo-
ii.i do magnestismo não.existiria em nossos hospitais a imagística resultante da ressonância magnética nuclear (os “scanners IRM”). Notemos,
finalmente, que nosso conhecimento sobre o efeito das radiações ioni-
/uutcN sobre as matérias ou tecidos biológicos ainda é insuficiente; por
ex emplo, definir rig orosamente o que é um limite de ra dioativ idade tole-
i i' 1 1continua sendo um problema delicado e isso explica por que
alguns Kiupos antinucleares sempre encontram a possibil idade de
•ntrejíni .1 manipulações demagógicas da opinião pública. Por outro
lado, o mrinilo de dalaeílo poi meio do carbono 14 já demonstrou mais
«| tlr iiilii ir ut r m r nt r Mlíl IIIipoltrtlK ia paia a história.
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A matér ia em mov imento
T udo o que se encontra na fronteira entre a física e a matemática,
entre a mecânica dos sólidos e a dos fluidos ou a dos meios granulares,
bem como o estudo das instabilidades e o dos fenômenos não lineares
são campos em plena evolução. Os progressos feitos já permitiram, por
exemplo, à meteorologia e à climatologia a aquisição de um rigor quan
titativ o inex istente no século X IX . A física não linear e a das instabilida
des são essenciais, não somente para o controle de inúmeros procedi
mentos industriais (hidráulica, combustão, aeronáutica...), mas também
para a compreensão de vários problemas da medicina.
A “hipótese atômica”
Parece- me, enfim, interessante notar que o final do século X X pre
senciou um desenvolvimento considerável das técnicas de observação e
de manipulação dos átomos (ou moléculas) um a um, graças, por um
lado, à invenção do microscópio de efeito de túnel e de seus derivados e,
de outro, graças aos progressos da ótica quântica. Não se podia nem
sonhar a confirmação tão surpreendente daquilo que continuamos a
chamar, por excesso de prudência, de hipótese atômica. A via está agora
aberta ao estudo e à utilização de objetos físicos de tamanho muito
reduzido, construídos átomo por átomo, e também ao estudo das pro
priedades da matéria biológica na escala da molécula, este último umcampo em plena revolução há alguns poucos anos.
A lg un s pr o ble m a s e a lg uns de bate s
Interdisciplinaridade, complex idade, auto- organização,
o todo e as partes, o irracional
Por ocasião deste colóquio, fazendo eco a alguns textos que Edgar
Mo r in quis colocar à nossa disposição, julguei útil tecer alg uns conientá-
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O Mundo
rios sobre certas palavras cujo uso parece- me às vezes um tanto abusivo,
e chama r ass im a atenção dos não- especialistas contr a o empre g o àsvezes inadequado de um certo número de noções cujo conteúdo nem
sempre é tão preciso quanto seria de desejar. Por exemplo:
— Interdisciplinarídade: ela é às vezes uma virtude, mas não creio
que seja uma necessidade, nem para fazer progredir o conhecimento,
nem para fazer com que ele seja compreendido ou ensinado. As discipli
nas não progridem unicamente por meio de contatos exteriores a seu
campo tradicional, mas, antes, elas têm uma necessidade permanentede apro fundamento interno.
— Complexidade: não creio que haja unidade ou universalidade
entre os diferentes problemas complexos, a fortiori, de uma teoria da
complexidade. Por meio desta palavra, agrupa-se certo número de pro
blemas para os quais ainda não foi encontrada uma solução rigorosa.
IJm problema “complexo” comporta geralmente diversos parâmetros,
mas não necessariamente. Não se trata tampouco, obrigatoriamente, de
um problema interdisciplinar. Quando nos confrontamos com um desses problemas difíceis de resolver, tentamos lançar mão da intuição ou
(l<i bom senso para extrair parâmetros pertinentes ou imaginar aproxi
mações simplificadoras, mas não existe uma teoria do bom senso; por
tanto, as soluções encontradas s ão frágeis. T udo isso não deve de for ma
alg uma justificar, em minha opinião, o abandono do r igor científico.
— A uto- organização: o fato de que diferentes formas de organização
apareçam e spontaneamente na nature za (ondas e m espiral na química,
.... . logênese das plantas, instabilidades hidrodinâmicas etc.) não signifi-
<a, cm minha opinião, que todos os sistemas dinâmicos se auto-
(irg nnizam. Q ua ndo Edg ar Mo r in nos diz que, “em seg uida à descoberta
.l i l<-<tônica das placas terrestres, nosso plane ta s urg iu como um siste
ma ( (miplcx oaiilo- orRanizado”, ele faz sem dúv ida referência ao fa to dc
ijiir a conv ecção nu astenosfera encontra- se na or igem da tectônica das
pli ( a-, Ne m pm isso o proble ma da morf olog ia de noss o plane ta me
plrfce solucionado.( ) toda t' ,ih fuirtsH, o Irracional contrariamente a Pascal, que foi
i itrido pm K d p i M o ill l, penso <| i(r sr pude i o iihf í ri o tudo spiii ipir as
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partes sejam conhecidas ou, inversamente, conhecer as partes sem
conhecer o todo. Por exemplo: para entender e utilizar a termodinâmi
ca dos gases, não é necess ário preocupar- se com a traje tória indiv idua l
de cada átomo. Essa é a grande contribuição da física estatística, que
sabe fazer previsões precisas a propósito de um grande “todo”, mesmo
no caso em que numerosas “partes” têm um comportamento aleatório.
Inversamente, conhecer as leis elementares da hidrodinâmica e aplicá-
las a uma parte da atmosfera não é suficiente para prever a f orma ção dos
tornados. Mesmo assim, nenhum desses aspectos do conhecimento
deix a de ser interessante. T am bém aí seria arriscado, penso, tirar qual
quer tipo de conclusão sobre uma eventual reabilitação do irracional e,
a f ortiori, sobre uma reconciliação necessária entre o racional e o irracio
nal. A ciência é racional, sobretudo quando se interessa pelos fenôme
nos aleatórios, e é isso que lhe confere esta força prenunciadora à qual
nosso mundo conte mporâneo não pode renunciar.
Ciência viva/ciência morta
Da for ma com o são ensinadas hoje na escola, parece- me que as
ciências não permitem que se perceba a existência de questões não
resolvidas, de fenômenos que ainda não foram explicados e entendidos.
O profess or aparece, pois, na s ituação de alg uém que sabe e julga seus
alunos que não sabem ou que ainda não sabem. Talvez iss©seja a conse
qüência perversa do hábito adquirido de ensinar apenas conhecimentosque podem ser submetidos a uma avaliação baseada no sistema de
notas, ou seja, uma avaliação feita a partir de problemas que devem ser
resolvidos quantitat iv ame nte. A inda que as provas se jam necessárias e
que uma estruturação sólida dos conhecimentos ensinados seja eviden
temente indispensável, será que não poderíamos imaginar a introdução,
a partir do segundo grau, de algumas grandes questões ainda não elu
cidadas pela ciência atual, mesmo que nem sempre se possa explicar
precisamente por que ainda não se encontrou uma oxplicaçüo paraas mesmas?
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O Mundo
No primeiro plano dessas questões aparece certamente o problema
da origem da vida, posto que, se não me engano, químicos e biólogos
continuam a interrogar-se sobre a natureza exata da evolução que pôde
levar, sobre a terra, de uma química elementar até a síntese dos primei
ros aminoácidos, até a bioquímica em toda sua complexidade e, final
mente, até o aparecimento dos primeiros seres vivos, sem falar de sua
evolução.
Outros exemplos: ainda não se pôde explicar realmente a turbulên-
<ia, mais precisamente as leis estatísticas que regem as flutuações espa-<lais ou temporais de um escoamento turbulento como é o da atmosfe-
tii, Mas pelo menos sabemos, de agora em diante, por que é impossível
puíver as condições climáticas além do período de uma semana: é que a
fiiit ura e o atrito sólido são outros fenômenos que continuam resistindo
a qualquer análise, razão pela qual não s abemos prev er ta mpouco os ter-
irmotos. A teoria dos sistemas dinâmicos não permite a previsão das
quebras das bolsas. T am bém não ex iste, atua lme nte, um a ex plicação
tmilicada sobre a gravitação e o eletromagnetismo, nem sequer, numtiívcl ainda mais fundamental, uma explicação da dinâmica das dunas
de areia do deserto do Saara.
Um último exemplo, bem mais modesto, mas perturbador: os atuais
projetos de programa de ensino da física para a oitava série incluem o
qiif ,i)o Interpretação microscópica da eletrízação por atrito, quando na
vaidade a triboeletricidade é um fenômeno extremamente incom-
Jirrr mlido.< liego assim à perg unta seguinte: será que, se decidíssemos citar
pelos menos alg uns ex emplos das f ronteiras do conhec imento em que a
í iPin i.i lenta atualmente progredir, isso não poderia dar a impressão de
rjur rs la ciência está ev oluindo, que ela é viva, graças aos pesquisadores
mm | >lf n<>1i.ibalho, e m vez de apresentá- la como um conjunto de conhe-
fjf flímtu:. escolares fixos destinados às provas de aval iação? A liada a uma
M| ii. mli ar.eni dos métodos de reflex ão e análise científ icas (cf. L a Main
é1 la fnitk', A mão nu massa, de Georges Charpak, Flammarion, 1996),UiiiM ial evolin.ão podei ia despertar ou estimular o interesse dos estu-
í!híi!< pela <ieui ia?
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Outra questão: no centro da ciência atual, não somente da física,
encontra- se certa mente o problema do acaso. O que é um fe nômenoaleatório? Pode um f enômeno, mesmo obedecendo a leis deterministas,
ser imprevisível? A ciência do caos fez grandes progressos nesse campo.
O acaso não é necess ário somente para a ev olução das espécies, mas ele
está presente todos os dias em nossa existência sob formas múltiplas
(meteorologia, flutuações das bolsas de valores, riscos variados e seguros
diversos, jogos e até mesmo astrologia...). Entretanto, o acaso não apare
ce em ne nhuma parte dos programas do ensino secundário. Or a, o ex celente livro de Dav id Ruelle, Hasard et Chaos (Acaso e Caos , Odile Jacob,
1988), prova que essas questões estão ao alcance de um aluno de tercei
ro ano do segundo grau. Não seria possível imaginarmos uma educação
mínima para os cidadãos de amanhã neste campo? Isso não poderia
ajudá- los a resistir contra certas ma nipulações ?
C o m certeza, muitas outras questões mereceriam ser colocadas, mas
não se pode r ev olucionar o e nsino em um dia nem mudar os prog ramasa cada nova legislatura. Tentei, aqui, apenas situar a física ensinada hoje
em dia no seg undo gr au francês — que é uma f ísica do século X IX —
com relação à física em ev olução do século X X e, depois, sugerir um de
bate a partir desta confrontação. Claro, os programas de ensino da física
para o segundo grau não deixaram de ter alguma evolução até recente
mente. E u penso simples mente que a moder nização deste ensino é uma
tarefa difícil que deve ser encarada permanentemente, caso não queiramos assistir a uma fratura lamentável entre a ciência contemporânea e
os cidadãos de ama nhã. Or a, a liberdade apóia- se sobre a educação.
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/
E possível ensinar a física moderna?
Jean-Marc Lévy-Leblond
6
Como ensinar a microfísica no segundo grau? é o que me pergun
tam. Suponho que se trata, no caso, da física quântica, cujos conceitos,
há um século, e cujas realizações, há algumas décadas, transformaram
prof undame nte nossa ciência e, em s eg uida, nossa técnica. T anto é quenem se trata mais de microfísica, pois agora ela opera em nossa escala,
1 1 0 laser de qualquer leitor de CD. Já nesse problema de formulação
insinua- se a dificuldade para um a av aliação correta dos aspectos mode r
nos da ciência, o que leva a questionar até mesmo a possibilidade de
msiná- los a um g rande númer o de pessoas, o que s ignifica confessar, de
início, me u cepticismo qua nto a tal possibilidade. A única coisa que ve m
temperar um pouco meu pessimismo é o cepticismo simétrico em rela
t o a uma real necessidade de tal ensino.
O ens ino te m duas f unções : uma profissional e técnic a, outra cultu-
•il r formadora de cidadania.
Ora, não é no segundo grau que vamos adquirir os saberes técnicos,
iii*!*» sim durante formações especializadas, em outro lugar ou mais
liii itr I )< lato, para utiliza r os objetos técnicos, mes mo os mais moder-
111 i'i, Ir li/ii ir r it c n.io v necessário compre ender e m detalhe seu func ion ame nto Se não, Ii,i imiito tempo lei Íamos deix ado rle utiliz ar nossos car
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ros ou nossos televisores. É forçoso constatar que a tecnologia funciona
como uma caixa- preta.*Se se trata, por outro lado, de saberes que têm um alcance cultural,
certos conhecimentos da cosmologia ou da quântica tê m um a ver dadei
ra vocação para modificar nossas representações do mundo. Mas não
estou certo de que os detentores e produtores destes saberes estejam
aptos a compartilhá- los com outros . Pois, para que um saber cient ífico
possa mostrar sua plena dimensão cultural, é preciso que ele esteja inti
mamente ligado ao conjunto do corpo dos conhecimentos e, antes de
mais nada, ao saber comum (que na maioria dos casos é transmitido emoutro lugar que a escola — pela família ou mesmo pela mídia). É preci
so, além do mais, que este saber seja recolocado em seu contexto histó
rico e filosófico, o que significa dizer que esta questão escapa aos pes
quisadores de uma dada disc iplina científica.
Comparemos o ensino das ciências com o ensino daquilo que se
chamava outrora pelo belo nome , abandonado, de humanidades. Para os
alunos de prime iro e se g undo graus, tanto para os menores co mo para os
maiores, o acesso à literatura contemporânea não pode ser separado doestudo dos g randes autores do passado. Nin g uém pensaria em ens inar o
Nouveau roman sem contex tualizá- lo numa história literária que inclui
Rabelais, Stendhal, Proust. O mesmo ocorre com a música e as artes
plásticas, sem falar da filosofia, na qual a modernidade só adquire um
sentido relacionada a uma longa e complexa história.
Ocor re que nossa ciência, há um século, pens ou poder limitar- se a
uma contemporaneidade absoluta e pretende recapitular o conjunto de
seu passado no presente (Alfred N. Whitehead chegou a dizer: “Uma
ciência que hesita em esquecer seus fundadores é uma ciência condena
da.”). Mas ne nhum pesquisador científico, tra balhando de agora em dian
te num campo muito estreito, conhece a história deste mesmo campo
além dos dez ou v inte últimos anos (da mes ma for ma, as bibliografias dos
trabalhos científicos quase não vão além de quatro ou cinco anos).
♦Expressão s igni f icando, aqui , e lemento de um s istema do qual se ignora o funcioname nto inter no e do qual só sc conhe ce m as uiractcrlst lcws d r e ntrada e de ‘. .t ld. i (N, T .)
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O Mundo
Esse funcionamento da ciência que se refere a um passado imedia
to pôde, durante um curto século, permitir “ganhos de produtividade”reais. Mas esse período chega ao fim, e o passado faz seu reaparecimen
to no centro da atividade científica. Os físicos de minha geração, educa
dos há trinta ou quarenta anos, foram formados com a idéia de que a
única física digna de consideração era a do mundo microscópico (física
das partículas) ou a do megascópico (a astrofísica). No entanto, para
grande surpresa de todos, eles viram o renascimento do interesse pelos
problemas clássicos de dinâmica que tinham sido ocultados durante umséculo. No campo da biologia, a dominação absoluta da visão molecular
cede lugar doravante a uma visão mais global dos seres vivos. Assim, a
ciência só pode continuar a progredir à medida que se reinteressa por
momentos de s ua hist ória que ela considerara como ultrapassados. Mas ,
se é certo que em seu próprio interesse (relativamente limitado) os pes
quisadores e engenheiros têm necessidade de uma abertura histórica
muito mais ampla, essa exigência é ainda mais forte para os profanos, e
;intes para as crianças, se se quer que o ensino das ciências ajude cada
qual a formar para si mesmo uma representação geral do mundo.
Ens inar a ciência do passado pode s ignificar ensinar a ciência do f uturo.
Vê- se por que desconf io de toda insis tência unilateral demais sobre a
necessidade de um ensino “moderno”.
A liás, estes saberes atuais que gostaríamos de tr ans miti r ser iam real
mente saberes para os pesquisadores que os produziram? Isto é, teriam
eles de fato total domínio intelectual sobre os mesmos? Paradoxalmente, a chamada física moderna é ao mesmo tempo bastante arcaica:
nicsmo tendo realizado impressionantes progressos técnicos, ela está
longe de uma compreensão prof unda de seus próprios conceitos. A teo-
i i.i quântica permanece num estado epistemológico relativamente insa-
tMalório, Certos debates dos anos trinta, por muito tempo ocultados,
mi aliina ni por r eaparecer e ne m por isso fo ram elucidados até agora.
A ssim, muitas vezes ensinamos hoje em dia a física quântic a como se no
sé< ulo XIX tivéssemos ensinado a mecânica de Newton a partir de seus
l'mi, i/ii,) iiKit/wnititica, em Iermos estritamente geométricos. Mas nesse
iiirju tempo foi inventado (pelo piópiio Newton, milre outros) o cálculo
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A R E L IG A Ç Ã O D O S S A B E RE S E D G A R M O R IN
diferencial e integral — e felizmente ele se impôs até mesmo no ensino.
A lém do mais, o que pe r mit iu os progressos no ens ino da física clássicaaté o início do século X X foi o co njunt o de aplicações técnicas e sua
forte presença na vida quotidiana. Da mesma for ma, a idéia de velocida
de instantânea colocava Galileu diante de um problema de importância
maior (ele ainda não dispunha da noção de derivado); mas essa idéia é
hoje perceptível por qualquer g aroto que, dentro de um carro, vê a ag u
lha do velocímetro deslocando- se. Clar o, ex istem hoje objetos quânticos
macrocóspicos (feixes laser, semicondutores e supercondutores etc.).
Mas esses artefatos técnicos c ont inua m fora do alcance de visão das pes
soas e quase não permitem a apropriação das noções subentendidas por
seu funcionamento. Esse fenômeno duplo de atraso epistemológico e
de ocultação técnica tor na ex tremamente problemático o ensino básico
das teorias quânticas.
A ss im, em vez de querer mode r nizar a todo cus to os cont eúdos
específicos do ensino científ ico, parece- me muit o mais urg ente levar osalunos à compreensão do que é realmente ciência, de seus processos de
tr abalho, seus desafios epistemológicos, suas implicações sociais. A con
tr ibuição de disciplinas como a história, a arte e a filosofia é essencial em
relação a este problema. O problema do ensino das ciências é sério
demais para que fique entregue apenas às mãos dos próprios cientistas.
[As idéias bre ve mente evocadas a qui foram desenvolvidas num trabalhoanterior do autor, La Pierre de touche (A Pedra de T oque), Gallimard,
1996.]
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S E G U N D A J O R N A D A
A Terra
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S E G U N D A J O R N A D A
1
0 que dizem as pedras Maurice Mattauer
2
A Terra, matriz da vida Auguste Commeyras
3 A fronteira entre o Cretáceo e o Terciário:
o retorno do catastrofismo nas ciências biológicas Robert Rocchia
4Emergência da vida vegetal
Jean-Marie Pelt
5Bioesfera e biodiversidade: que desafios?
Jean-Paul Deléage
6
As conseqüências ecológicas das atividades tecno-industriais Vincent Labeyrie
7O planeta solidário
Armand Frémont
8Conhecimento da Terra o educação
Ren<5 Blanchet
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Introdução
Edgar Morin
E m me io aos objetos globais, entre os objetos naturais que quer emos
r- .ludar, a T erra é um objeto realmente priv ilegiado. Ela é nosso planeta.
<><i uc ela s ignif ica no mun do e o que significa para nós mes mos? A T erra é ao me smo tempo um plane ta muito sing ula r — ela de u
provas de uma maravilhosa disposição para dar nascimento ao mundo
vivo , ela é um conjunto global e um sistema complex o. O conheci
mento da Terra necessita do recurso a todas as diversas partes que a
«iiir.lituem, ou seja, para compreender a Terra é preciso passar das par
tes no lodo e do todo às partes. É precisamente isto que é ilustrativo e
exemplar, hoje, no campo da ciência.Quatro importantes grupos de ciência, cada qual polidisciplinar,
foiaiii mobilizados para esta segunda jornada: as ciências da Terra, a
i ÍÉtn i.i da evolução, a ecologia e a geografia humana.
A-, ciências da T er ra ar ticularam- se umas às outras des de 1960 e per-
flt iíiimu demonstr ar o quanto as disciplinas tornam- se fe cundas quan do
#e émI íi nIam em volta de um núcleo conceituai transformado em siste-
ffli evolutivo e autotransformador. Como dizia Vernadsky, o pesquisador #m i ii-iK i .is da Terra tem uma co mpetência “geof ísico- química”. A
p ii f e iH to mo u se uma e ntidade levada em conta pela ciência ecológica;
a iif iiili.i hum.iua, cuf im, permite- nos considerar com per tinência o
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O que dizem as pedras
Maurice Mattauer
1
A comunidade cie ntíf ica cons idera g eralmente que as ciências da
Terra vão de vento em popa desde a revolução que se produziu nessa
«lisciplina no decorrer dos anos 70. Isso está longe de ser tão simples.
Depois de uma fase triunfante, durante a qual foram formulados teore
mas entre os quais muitos se tornar am simplistas, encontramo- nos agora
numa fase de interrogações, de hesitações e às vezes até de regressões.
A tectônica das placas terrestres mudou de fato muita coisa, contr i
buindo, pela primeira vez, para uma visão global do funcionamento da
T erra. O estudo dos oceanos per mitiu, graças às anomalias magnéticas,
dtier mina r de maneira precisa em que velocidade e c om que g eometria
ôs oceanos se abriram no curso dos períodos geológicos recentes.
IV r mitiu tam bém c onhecer suas velocidades atuais de disjunção com a!>i fcis ão de centímetros por ano, dando assim uma boa idéia do desloca
mento presente das grandes placas terrestres. É notável a constatação
tir que os valores obtidos unicamente por meio dos oceanos estão hoje
em dia confirmados, em suas grandes linhas, pelos resultados recentes
adquiridos de lonna muito diferente pelas redes GPS.
ív.s.i Icctônicn “oceânica” das placas, de natureza geométrica, conti
nua totalmente v .ilida e aperfeiçoa- se sem parar graças à ex ploração dos
f ií . iiM>.. qur co ntinua de maneir a ativa, apoiando- se de agora em diante im nnr m , sonduMens. Pode se eonsideiai definitivamente que
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conhecemos de agora em diante, com uma boa precisão (a margem de
erro é de apenas 100 quilômetros), as posições sucessivas das placasdurante um período de um pouco mais de 100 milhões de anos, com
deslocamentos que atingiram às vezes vários milhares de quilômetros.
Mas as dificuldades apareceram desde os primeiros anos, quando se
tentou prever o que se passava nas zonas de convergência das placas, no
interior dos continentes, especialmente nas cadeias montanhosas.
Pensava- se que era possível renovar o estudo dos continentes utilizando
os dados quantitativos geométricos fornecidos pelos oceanos e queseriamos capazes de fazer previsões sobre a tectônica intr aco ntinenta l.
Ocorreu aí um fracasso total do qual a tectônica das placas ainda
não se recuperou. Na realidade, não encontramos nos continentes mar
cas fronteiriças de placas comparáveis às que são observáveis nos ocea
nos. A defor mação nunca é localizada, ao contrário, ela é s empre difusa
em grandes superfícies que podem atingir diversos milhões de quilôme
tros quadrados. O encurtamento não corresponde a um fenômeno permanente. Estamos aí na presença de uma sucessão de instabilidades que
se modificam incessantemente em conseqüência de bloqueios e desblo-
queios. A criação de g randes relevos e sua erosão intr oduzem ainda um a
complicação que não existe no caso dos oceanos.
De fato, a abertura e disjunção dos oceanos, conseqüência do
aumento de matéria quente originária do centro da Terra, não são com
paráveis à convergência das placas, que cria relevos permanentementemutantes, conseqüência do soterramento da matéria fria nas profunde
zas. Raciocinar da mesma forma em relação aos dois casos era uma idéia
simplista. Foi nesse contexto que a tectônica das placas formulou uma
regra simples que continua ainda causando danos. Pensava-se que quan
do duas placas continentais entravam em colisão, depois de se terem
aproximado durante um longo período, o sistema convergente era blo
queado. A creditava- se que a crosta terrestre co ntine nta l só podia ser
arras tada em profundidade em razão de sua densidade fraca.
Esse teorema básico é contraditório em relação ao que se vê em nu
merosas cadeias montanhosas, especialmente na Ásia. 14 se produziu,
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A Terra
Mas a convergência não parou, de forma alguma. Ela prossegue há 55
milhões de anos e opera ainda de maneira muito ativa, sob nossos olhos,
a uma velocidade de 5 centímetros por ano e depois de ter provocadouma a prox imação de 3.000 quilômetros. Tem- se aí, port anto, u m contra-
exemplo importante sobre o qual é indispensável parar para pensar.
Comecemos por lembrar como evoluíram as idéias sobre esse problema.
V olte mos ao início do século X X . Weg ene r hav ia proposto, então, a
hipótese da deriva dos cont inente s (isto é, a abertura dos oceanos), mas
#la foi recusada por quase toda a comunidade científica dura nte mais de
cinqüenta anos. Muitos esqueceram que o principal responsável por
Bssa rejeição foi S ir Harold Jeffreys, físico muito célébre que “demons-
irou” que a teoria de W eg ener era “inaceitável”. De seu lado, o geólogo
A rg and havia propos to em sua famosa obr a T ectônica da Ásia, publicada
*m 1924, que uma parte da índia — de mais de 1.000 quilômetros —
tinha sido soterrada sob a Ásia, especialmente sob o Tibete. Wegener
adotou essa interpretação para argumentar a favor da deriva dos conti
nentes. Sabe-se que ele foi reabilitado cinqüenta anos depois, com oaparecimento da tectônica das placas. Mas hoje, setenta e cinco anos
p l i s tarde, A rg and ainda não foi re abilitado, pois a tec tônica das placas
§üüt inua postulando que o soterramento de que falamos é impossível.
No entanto, o contrário já foi muito bem demonstrado, mas há
vlutü anos alguns líderes da comunidade mundial teimam em propor
modelos s em soterramento. O mais célebre corres ponde ao meca nismo
<hamado de buril, caracterizado por uma ex pulsão lateral que ter ia sido
produzida sem o menor soterramento, produzindo somente alguns des-límmetltos. Toda uma série de argumentos mostra, de agora em diante,
ijtífl c .Io modelo deve ser abandonado, mas isso não m uda nada. T al
p id e lo agrada porque é “quantitativ o” e fundame ntado sobre uma
esiienmenlaçào física simplista. De fato, ele ilustra bem os desvios dos
ultimo. anos. Para resolver os problemas da tectônica “continental” das
|a|a< r. | >iivib>'i<‘ii se ,s istematicamente a abor dag em teórica e f als ame n
te <- ■[,f t jii ir nt .il, As mii, o mode lo do huiil fundamenta- se num a experi-
MM'iit;ii,.iu iitiim ,id;i de/>/ii/iii (impeiIr -,r ,i loiuiarno tlc irlevos recobrin
7 5
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do o todo por uma placa plástica) para explicar a formação de uma
região em que se encontram os mais altos relevos do planeta. Um outro
modelo apóia-se unicamente sobre uma modelização numérica na qual
se injetam leis reologistas teóricas, sem levar em conta, de forma algu
ma, os numerosos dados geológicos que possuímos sobre 50 milhões de
anos de história da Ásia desde a colisão.
Esses dois exemplos dão uma idéia da tendência atual. Ao se consi
derar que é a teoria que cria o fato, são propostos modelos simplistas e
também, cada vez mais, são apresentados modelos numéricos. Assim,mostra- se que se é “moderno” e “quantita tiv o” e publica- se nas grandes
revistas internacionais nas quais se constituiu uma nomenklatura que
censura as publicações, graças a um incrível sistema de reviewers-juízes
anônimos que são escolhidos em equipes adversárias.
Dessa forma, abandonou-se progressivamente a observação em
campo, muito menos rentável e exigindo muito mais tempo. Ao contrá
rio, privilegiam- se os teóricos que, muitas vezes, não têm n e nhum a cul
tura em ciências da Terra. Eles não têm nenhuma idéia das mensagenscontidas nas pedras (que, todas, possuem uma idade e uma história); eles
não sabem como evoluiu a Terra em 500 milhões de anos; eles não têm
nenhuma formação de historiadores (da Terra). Eles são vítimas de sua
própria ultra- especialização. Esta é, com certeza, r ealmente indis pens á
vel; ela é fonte de progresso, pois contribui incessantemente com novas
técnicas, novas abordagens. A recente técnica GPS é um magnífico
exemplo disso. Mas quando se busca compreender os difícfeis mecanis
mos da deformação intracontinental, faz-se necessária, evidentemente,
uma abordagem pluri e transdisciplinar, que vai da paleontologia (geral
mente desconhecida dos especialistas das ciências exatas) à tomografia
geofísica. Mas o sistema atual privilegia a especialização a todo custo,
que elimina os geólogos, que são, entretanto, os únicos capazes de
reconstituir a história e a evolução dos fenômenos geológicos que dura
ram dezenas, às vezes até mesmo centenas de milhões de anos.
Por todas essas razões, penso que as ciências da Terra e ncontr am se
num mom ento delicado. Se cont inua a prev alecer a le udôm ia «1«* agora,
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A Terra
vamos inevitavelmente perder contato com o real, esquecendo toda a
nquisição que foi acumulada durante mais de um século em todos os
cantos do globo. Vamos romper com a história natural, que é mais do
que nunca indispensável, e vamos nos dirigir pouco a pouco rumo a
uma Terra cada vez mais virtual. Vai se produzir então uma regressão
comparável àquela provocada por Harold Jeffreys em relação a
Wegener, no início do século X X .
A cho que, apesar de tudo, ex istem alg umas esperanças. U m retorno
t r a i à Terra inicia-se com os mais jovens. Eles começam a ousar fazer
* i II icas à nomenklatura que reina na mídia. Começa- se a perceber que épossível fazer com que a linha de frente passe para a retaguarda do bata
lhão. Toda uma série de fatos novos é repertoriada. Na maioria das
| idéias montanhosa s, acaba- se de descobrir rochas metamórficas que se
fiiirnaram sob pressões ex tre mamente elevadas, ultrapassando 30 quilo-
!.aic*s, isto é, a uma profundidade que varia de 100 quilômetros até, tal
vez, 300 quilômetros. Eis uma prova de que, contrariamente à velha
traia da tectônica das placas, rochas de superfície foram arrastadas para
um» grande profundidade antes de serem, em seguida, exumadas. Uma
vm ladeira modelização física que devemos a A. Chemenda conseguiu
BWVar este fenômeno e abre uma nova via de pesquisa na qual traba
lham cm estreita colaboração geólogos e modelizadores.*
Porém, há muito mais: há menos de um ano nasceu uma nova tec-
tflnii a das placas. A tomog raf ia sísmica é capaz, dorav ante, de rastrear o
siãniamento das placas até 2.700 quilômetros de profundidade. Até
ih t ão nada se sabia do que se passava nas profundezas. A tualme nte,p i ( B se a ver as placas soterradas e a reconstituir a evolução das mes
ma? j mH um período que cobre os últimos 100 milhões de anos. C om a
íifeSH, jbet l a dessas dezenas de milhares de quilômetros de placas soterra-
♦11 . uma nova ura começa. T udo pode recomeçar sobre novas bases. Por
isso iitou novamente confiante no futuro. Graças a este formidável
MVtiiM.", ao me s mo t em po g eológico e his tórico, des conhe cido ainda ,
i Pfe#(| uiiador ijup !»u%« a estabelecer utíi modelo, isto é, u ir pir s e nla v no sim plific ada deum p f í H ü i o f i ii de t i ni i l ll e n r t i; ( N 1 )
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infelizmente, as ciências da Terra vão mudar e a ridícula oposição entre
ciências exatas e ciências naturais deixará talvez de existir.
T udo isso nos sugere tendências para o ensino nos três anos do
segundo grau. Nada mais deveria ser feito sem passar pelo “concreto”,
sem as pedras, sem expedições em campo, sem medidas, sem experiên
cias simples. Todos ensinam a tectônica das placas sem sequer lembrar
aos estudantes que são as pedras (que pedras?) que estão na origem de
tudo. Não nos encontramos sobre um planeta longínquo, intocável. Por
toda a parte ca minhamos sobre milhões de anos que podemos tocar co m
nossas mãos. Lembremos então que cada pedra tem uma idade e uma
história.
Cre io que é preciso parar com um ensino de ponta e chegar a dedu
zir leis gerais a partir de exemplos concretos bem escolhidos, insistindo
sobre a duração dos fenômenos geológicos. E creio que os novos livros,
muitas vezes escritos por uma profusão de autores que têm a preocupa
ção de mostrar que estão “na crista da onda”, não vão na boa direção. Épreciso ensinar pouco, mas bem. É preciso também pôr de pé uma ver
dadeira pedagog ia própria às ciências da T erra e formar na unive rs idade
especialistas que tenham uma verdadeira cultura nesse campo caracte
rizado por escalas de te mpo e de espaço muit o v ariadas. A nature za
maravilhosa que nos rodeia aqui na França e que desperta um interesse
e mes mo uma ver dadeira paix ão no gra nde público deveria permitir- nos
dar aos alunos, e a muitos amadores, uma nova visão da geologia e das
ciências da Terra...
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A Terra, matriz da vida
Auguste Commeyras
2
() aco ntecime nto mais ex traordinário da história da v ida é mes mo a
primeira “auto- reprodução” que deu nas cimento ao m undo vivo.
() que sabemos deste acontecimento? Quase nada, a não ser, pelo
menos, que ele ocorreu sobre a Terra. É claro que não é proibido pensarijur ele se produziu também em outro lugar, mas por enquanto nada
pijfmitc fazer tal afirmação. Evidentemente, são descobertos com regu
larii lutlc alguns novos planetas em volta de astros longínquos, mas ainda
URo sc | >ode dizer que um desses s istemas planetários assemelha- se ao
(tusso e ainda menos que um deles tenha engendrado a vida. Tais pes
»| h í , r. la/.em assim mesmo sonhar e para alimentá- las nada melhor do
•pi- ir nhir saber mais sobre a origem terrestre deste acontecimento.
A bus ca de nossas, orig ens é uma preoc upação de cada um de nós
h e p o i:. dos legistrosde nascimento, que naonos levam muito longe no
l^inpn, temos os vestígios fósseis inscritos nas pedras que permitem
àt| tirlr . (jiir saltem lí'- Ios voltar no tem po e afirmar cji 1 0 os primeiros vrv
lígim iIn vldii estavam presentes na Terra há 3,5, talvez mesmo h,1 i,M
iiilhnn de anoa.
‘if m teioeutíirtios a essa infrnmiivão a idade da Tei ia, que se formou
pftlgl PMÍvHliiriile e nl ic e hilliftcs de unos, pode se di/et (| llr a Viilafjpaipi pil muito ( edo e multo depressa sol >ie estr pedaço de miivei su que
ê o titisan A questão, e v identemente , ê il f w be i i oil lo r si pattlt do qu6
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A R E L IG A Ç Ã O D O S S A B E R E S ■ • ▲ E D G A R M O R I N
Mas antes de mais nada: a vida, tal como a entendemos hoje, é o quê?
Nada mais do que uma centena de moléculas “predispostas” quesouberam cooperar entre si (vinte aminoácidos, cinco bases [A, G, U, C,
T], cinco açúcares, dez ácidos lipídeos, fosfato e algumas outras).
O ex tra ordinário é que essa cente na de moléculas, s ozinhas ou
associando- se (em macromoléculas) e cooper ando entre si, soube es pon
tane ame nte criar objetos capazes de reproduzirem- se e ev oluíre m.
Objetos relativamente separados do resto do mundo por membranas de
uma simplicidade molecular muito grande, mas também com uma com
plex idade enorme de f uncionamento.
Os que refletem sobre a origem da vida devem ter em mente, todo
o tempo, essa imagem. Como é que essa extraordinária maquinaria
auto- reprodutível e evolutiva apareceu sobre a T erra? T eria s ido a pri
meira célula viva tão complicada quanto a mais simples que existe hoje?
Com certeza, não. Que planos, que ferramentas, que energia foram uti
lizadas para criá-la? Teria sido essa criação um acontecimento único
(como normalmente se admite nos meios autorizados) ou, ao contrário,
ela se repetiu de formas múltiplas até se tornar autônoma e adaptável a
todos os meios?
Segundo Fred Hoyle, não é possível imaginar que um tornado, ao
devastar uma oficina de ferralheiro, tenha feito nascer um Boeing 747,
o que significa, aplicando o princípio da continuidade evolutiva, que o
nascimento da vida só pôde ser progressivo. É preciso, portanto, ter ima
ginação suficiente para conceber uma máquina muito simples que teria
espontaneamente evoluído em direção a uma maquinaria, molecular
cada vez mais complex a, antes de atingir a auto- reprodutibilidade.
Sabe-se hoje que o conjunto dos organismos vivos, tanto do reinoveg etal quanto do animal, utiliza os mesmos ácidos nucleicos (R NA ,
DN A ) para a propaga ção da inform ação genética, o mes mo código g ené
tico para a síntese protéica, os mesmos vinte aminoácidos em todas as
proteínas e o mesmo sistema energético (ATP).
Isso leva à noção, hoje amplamente aceita, segundo a qual os orga
nismos vivos prov êm de um mesmo ancestral comum: JTie Last Univer
sal Common Ancestors (LUCA). Por mais simples que possamos imagi*
uai o LUCA, lo i assim mesmo preciso que 110 momento de seu nasci
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A Terra
mento a pequena centena de moléculas predispostas necessárias tenha
estado presente s obre a T erra primitiva.
Síntes e pré- biótica das m oléculas predispostas
Desde a experiência histórica de Miller (1953) até hoje, pode-se
dizer que quase todas as moléculas predispostas a partir das quais pôde
nascer a vida (todas, com exceção de três aminoácidos [arginina, lisina,
histidina] , os ácidos lipídeos, a porfir ina, o piridox al, a t iamina , a ribofla-
vina, o ácido fólico, o ácido lipóico, a biotina) foram sintetizadas em
laboratório em condições chamadas de pré- bióticas, isto é, numa atmos
fera que poderia ter sido aquela da Terra primitiva — atmosfera consti
tuída de uma mistura de água (H 2 O), de azoto (N 2 ), de gás carbônico
(C O 2 ), de metano (CH4) e de hidrogênio (H 2 ), sendo que a eficácia des
sas sínteses depende da concentração em metano e hidrogênio.
Para resumir os conhecimentos nessa matéria pode-se dizer que épossível que a atmosfera real da T erra tenha sido entre redutora (presen
ça de metano e hidrogênio) e neutra (ausência dessas moléculas) ou
cnlBo que tenha ocorrido uma transição gradual de redutora a neutra
durante o período em que a vida apareceu.
As moléculas predispostas que puderam ser sintetizadas (dezessete
dos vinte aminoácidos, os açúcares, as bases [ adenina, guanina, citosina,
oi.K il, timina] e alguns co-fatores) não se formaram sozinhas. Os amino-ât idos foram obtidos num número aproximado de cinqüenta, ao passo
que 1 vida utilizou apenas vinte. Da mesma forma, cerca de cinqüenta
•>>. H' nes for am formados para um únic o (a ribose) ut il izado no R N A , e
quare nta e cinco bases sintetizadas para cinco (A, G , C , U , T ), utilizadas
iü> RNA <■1 1 0 l)N A . É preciso acrescentar ainda que os aminoácidos e os
9 1 , 1 1. ares fomm obtidos por mistura racêmica (isto é, sob sua forma direi
ta 1 rsqiKMda, imagem de uma na outra como num espelho), ao passotjur 4 vida sci ve se apenas dos aminoácidos (L) e dos açúcares (D) (cf.
i iquetn.r, 1e ,1 seguir). Mesmo que existam certas pistas para explicar
táh vfler nes, muitas perguntas .mu l.i estão v i u ic,pos ta nesse campo.
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A R E L IG A Ç Ã O D O S S A B E R E S ■ • ▲ E D G A R M O R I N
E S Q U E MA 1
M o l é c u la s p r e d is p o s t a s d e R N A
NHi A í n
c ò O J mm r
•0 o - U
P a r a o D N A , T s u b s t i t ui U
e d e s o x i r r ib o s e s u b s t i tu i
r i b o s e
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A d e n i n a G u a n i n a C i t o s i n a U r a c i l 0 r
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1OH T í *
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R i b os e D Á c i d o f o s f ó r ic o D e s o x i r r i b o s e
E S Q U E MA 2
O s v i n te a m i n o á c i d o s n a t u r a i s (i s t o é , o s q u e s ã o u t il iz a d o s p e l a v id a ) d if e r e m u n s d o s o u t r o s
a p e n a s pe l a n a t u r e z a d o a g r u p a m e n t o q u e f ig u r a e m n e g r i t o s n o e s q u e m a a b a ix o . E l e s s ã o
d e s i g n a d o s p o r u m c ó d i g o d e u m a l e t r a (A , C , D .. . ) . D e z e n o v e d e l e s tê m u m c a r b o n o a s s i m é
t r i c o ( C * ) , d e t a l f o r m a q u e c a d a u m d e le s e x i s t e s o b o a s p e c t o d e d u a s f ig u r a s d if e r e n t e s
c o r a o a s im a g e n s d e u m e d e o u t r o r e f le t id a s n u m e s p e l h o . U m a d a s f ig u r as é L ( le v o g i r o ) , a
o u t r a é D ( d e x t r o g i r o ) . A v i d a s e l e c i o n o u a p e n a s a s é r i e L
Espelho
CO H A l a n i n a L J
c ó d ig o d e u m a l e t r a A A c#'* H/ s NH,
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A Terra
Ocorre, entretanto, que após cinqüenta anos de esforços começa
mos a compreender como os tijolinhos predispostos da vida puderam
aparecer sobre a T erra.É evidente que tais esforços não teriam servido para nada se não
tivéssemos ido pelo bom caminho, isto é, se não tivéssemos tentado
saber como a casa pôde ser constr uída par tindo de tais tijolinhos, e ntre
os quais alguns não serviram para nada, como se viu.
Organização das moléculas predispostas em condições pré- bióticas
Por onde começar quando se pretende compreender como apare
ceu esta maquinaria terrivelmente eficaz e complexa que, a fim de criar
réplicas de si mesma, utiliza ferramentas (os peptídeos e as proteínas) e
planos (o RN A e o DNA )? Mas que m precisa de quem? Para ler os pla
nos tem-se necessidade das ferramentas, ou para criar as ferramentas
tem-se necessidade dos planos? É o famoso impasse da galinha e do ovo.
Que ferramentas e planos foram criados em primeiro lugar (ver nos
esquemas 3 e 4 o que são as arquiteturas desses planos e ferramentas)?
Muitos esforços foram feitos para tentar responder a estas perguntas.
No período de 1960 a 1980, muitos autores tentaram construir pré-
bioticamente os peptídeos e as proteínas a partir dos aminoácidos.
Hia nte do insucesso dessas tentativ as, a pesquisa orientou- se ent ão para
a constr ução do R N A a par tir de seus constituintes (bases, açúcar, fosfato), consider ando que esta macr omolécula poderia, s ozinha, dar orig em
à vida. É o que chamam hoje de mundo feito de R N A . Somos obrigados
i cons tata r hoje (em 1999) que essa or ienta ção não se rev elou muito
fe cunda. Cer tos autores solicitam que ela seja revista. A ponto que ■>'
liem na literatura especializada afirmações como: “É difícil, se nflo
mesmo impossível, sintetizar longos polímeros de aminoácidos (piptl
dio s ou proteínas) ou de ácidos nucleicos (RNA ) cm soluçflo aqtiosa ho
mogênea" (L. R Orgel, Oiigins of Life and Evolution of tlie Biosphure,
,’H, 1998, pp. 227- 237).
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E S Q U E MA 3
■°*Ç.
T A f 'NHjc q ;
V W j c ;rçr iw n-O-ffO
w
D M A A s q u a t ro le t r a s ( A , G , C U ) s ã o c a r re g a d a s p o r u m a m a c r o m o l é -
* c u i a c o n s t it u í d a d e e n c a d e a m e n t o s d e a ç ú c a r e f o s f a to . O a ç ú c a r é
a r i b o s e d e c o n f ig u r a ç ã o D .
A s p a la v r a s e s c r i t a s c o m e s t e a lf a b e t o p o d e m s e r m u i t o lo n g a s
( m i l h õ e s d e l e tr a s ). E s s a s p a l a v ra s ( o s g e n e s ) s ã o o s p l a n o s d e c o n s
t r u ç ã o d e t u d o o q u e v i v e .
D N A [ a g , c , t ]
N o D N A , a le t ra U é l e v e m e n t e m o d i fi c a d a e m r e l a ç ã o a o R N A
e t r a n s f o r m a - s e e m l e t r a T , d a m e s m a f o r m a q u e o a ç ú c a r , q u e s e
t r a n s f o rm a e m d e s o x i r r ib o s e . C o n s i d e r a - s e q u e o R N A , m e n o s
c o m p l e x o q u e o D N A , a p a r e c e u n a T e r r a p r i m i t iv a a n t e s d e s t e .
V°~Lf'cW 'G'c'°“T
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E S Q U E M A 4
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A linguagem dos peptídeos e proteínas é um alfabeto de vinte letras, osvinte aminoácidos, para escrever palavras curtas (os peptídeos), ou longas(as proteínas). Todas as letras são ligadas do mesmo modo, por uma ligação de tipo C-N, chamada ligação peptídea. Uma vez escritas linearmente,as palavras dobram-se sobre si mesmas, formam hélices em folhas, que seassociam entre elas, o que dá infinitamente mais possibilidades do que aescrita dos homens para veicular a informação, pois ela utiliza as três
dimensões.
Acima, o exemplo neal de uma palavraescrita com o alfabeto protéico. Umavez escrita linearmente, a palavra adot«iespontaneamente a estrutura tridimensional para a qual ela foi concebida.
N m lente *h eUtiflht 1 <no
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A Terra
Esbarra- se, pois, contr a o obstáculo da org anização das moléculas
predispostas. Temos as letras (esquemas 1 e 2), mas não sabemos comoas palavras são escritas. Para os peptídeos e as proteínas, as palavras vão
de algumas letras a alguns milhões de letras (com um alfabeto de vinte
letras), enquanto que para o RN A ou o D N A as palavras tê m milhões de
letras, quando não mais (com um alfabeto de quatro letras).
Mostramos há pouco tempo, contrariamente aos trabalhos prece
dentes, que provavelmente não são os próprios aminoácidos que se for
mar am sobre a T err a primitiva , mas antes os N- carbamoyl- aminoácidos,
e isso por meio de uma seqüência reacional convergente resumida no
esquema 5.
A dif erença entre os aminoácidos e os N- carbamoyl- aminoácidos é
pequena (é o oxigênio que contém as duas ligações da fórmula dos N-
carbamoy l- aminoácidos no esquema 5). Ent ret anto, ela vai se revelar de
uma importância considerável, mais tarde. De fato, é a adição desse
E S Q U E M A 5
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A R E L IG A Ç Ã O D O S S A B E RE S ■ • ▲ E D G A R M O R I N
pequeno g rupo suplementar (- C O N H 2 ) que vai permitir aos aminoáci
dos se ligarem entre eles, isto é, que formem as palavras do dicionáriopeptídico — as palavras que podem ter sido as primeiras da máquina
que estava nascendo.
Polimerização pré- biótica dos aminoácidos
C o m toda ev idência, esses N- carbamoyl- aminoácidos formaram- se
na água. Nesse meio, eles são muito estáveis, incapazes de se auto-asso-
ciarem, isto é, de escreverem palavras.
Por outro lado, mostramos que, quando saem da água, esses
N- carbamoyl- aminoácidos (essas letras ligeir amente modificadas do alfa
beto protéico) podem ligar-se facilmente uns aos outros, constituindo
palavras muito longas. Para isso eles devem ser colocados em presença
da mistura gasosa oxigênio/monóxido de azoto (O 2 /NO). No decorrer
dessa operação de escrita que funciona em 100% dos casos, os únicosresíduos repelidos são 0 azoto, a água e 0 gás carbônico. Esses gases
totalmente reciclados vão propiciar outras moléculas predispostas. Para
os iniciados, diríamos que se fo r ma m N- carbamoyl- aminoácidos que,
espontaneamente, copolimerizam. Quanto à reciclagem, ela é fotoquí-
mica, isto é, depende da energia solar. De toda forma, é 0 Sol que até
hoje faz tudo viver e de maneira evidente é por ele que tudo começou.
É de notar (ver Esquema 6) que o rendimento dessa reação (que em
nossa opinião foi capital para o nascimento do mundo vivo) é sensível à
relação O 2 /NO. Essa reação de “escrita” funciona muito bem se a quan
tidade de oxigênio (O 2 ) é mais fraca do que a de mo nóx ido de azo to
(NO), mas cessa quando a relação entre os dois gases torna- se ig ual a um.
O interess e desse aspecto singular em relação à ev olução biológ ica será
evocado novamente (cf. discussão do esquema 8, p, 96).
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A Terra
E S Q U E MA 6
Reação sólido-gás
0.5 0 2 + 2 NO O
COOH * ^R - < P r _ / ~ ?
H N - ^ N " ^ nNH2 f H 0
HN02N-Carbamoyl-Aminoácido N-Carboxianidro
( C A A ) ( N C A )
[ O 2] / [ N O ]
D o pont o de v ista pré- biótico, esses resultados nos per mitir am pr opor
(cf. es quema 7, p. 93) um mo tor molecular que poder ia ter estado na ori
gem da emergência dos peptídeos sobre a Terra primitiva.
Esse mot or é alime ntado pelos N- carbamoyl- aminoácidos (as letras
modificadas) f ormados em me io úmido (cf. esquema 5). Qua nd o a ág ua se
ev apora, essas letras cristalizam- se. Na pres ença da mis tur a g asosa
O z/NC ), elas sSo então transfor madas em letras ativadas (N- carboxiani-
dins) e, mais tarde, em palavras (peptídeos). Quando do período úmido
seguinte, a-, palavras muito longas são lentamente cortadas em palavras
1 1 1 ,1 1 . <m i a s (poi hulirtlisf») p irt ií L u l a s !' pujvávfl que seja essa Iridrólise
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A R E L IG A Ç Ã O D O S S A B E R E S ■ • ▲ E D G A R M O R IN
e essa reciclagem que tenha m per mitido às palavras emerg entes, ilegíveis
no início, evoluírem em seqüências peptídicas priv ilegiadas, isto é, em fr ases representando uma ação concreta na linguagem da vida nascente.
Esse funcionamento lembra o de um motor térmico em funciona
me nto permanente. Ele utiliza os N- carbamoyl- aminoácidos c omo car-
burante e a mistura gasosa O 2 /N O como comburente. Os resíduos
expelidos por este motor (azoto, água e gás carbônico) são totalmente
recicláveis. Nomeamos este motor molecular de pompa primária.
A val idação pré- biótica dessa hipótese supõe:— que os continentes t enha m emergido ra pidamente, o que parece
ter ocorrido (S. A. Bowring e T. Housh, “The Earth’s Early Evolution”,
Science, 269,1995, pp. 1.535-1.540);
— uma alternância entre fases úmidas e secas, o que pode ter sido
um fenômeno natural; a característica redutora/básica necessária da
fase úmida pode ter sido assegurada pela dupla F e ll /H C O ? — dos ocea
nos primitivos (D. P. Summers e S. Chang , “Pr eobiotic A mm onia fr omReduction of Ritrite by Iron (II) on the Early Earth”, Nature, 365,1993,
pp. 630-633);
— a formação regular dos compostos gasosos O 2 e NO numa boa
proporção na atmosfera primitiva; essa hipótese foi confirmada por
diversos autores; a proporção proposta, da ordem de 1/100, assegura
perfeitamente 0 f uncio nam e nto de nosso sistema (R. Navarro- Gon-
zález, M. J. Molina e L. T. Molina, “Nitrogen Fixation by VolcanicLightning in the Early Earth”, Geophysical Research Letters, 25, 1998,
pp. 3.123- 3.125; Franck Selsis e Jean- Paul Parisot, Obse r v atório de
Bordeaux, comunicação pessoal); ela assegura igualmente o caráter
ácido/nitr os ante indispensáve l da fase seca.
Quando da concepção desse motor molecular, notamos a existência
de uma possível reação de bloqueio e de elongação das palavras (por car-
bamoila ção das funções aminoácidas ter minais). Entr et anto, demons tramos que a senhora Natureza pôde com facilidade contornar esse risco.
Em fase seca, de fato, ela faz quantitativamente saltar os bloqueios pela
ação da mistura gasosa O 2 /N O e permite à máquina de escrever prosse
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A Terr a
E S Q U E MA 7
P o m p a p r im ár i a
0.5 0 2>2 NON j + H j O+ COz
R O .J|^ + N-carbamoyl-HOOC N NHj peptídeos
+ peptídeos
R ^ livres
R OI ■ + N-carbamoyl-
HOOC N n h peptídeos V ? + peptí.R M^O l ivr
peptídeoslivres
;bV A í livres ^2 \
V / " S / sRi O r 3 ^ C O , 1
R2 O n-peptídeos livres
tripeptídeos livres
C ãcarbamoyl-peptideos
Faseseca
Fase
a q u o s a
pH 8
(n+l )peptídeos livres ]
/ HNCO
elongação
progressiva
dos peptídeos
acumulados
•Ji
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A R E L IG A Ç Ã O D O S S A B E R E S ■ • ▲ E D G A R M O R I N
Os entraves científicos essenciais sobre a questão do caminho de
emerg ência pré- biótica parecem- nos, assim, ter sido derrubados.
Perspectivas
É claro que um trabalho importa nte ainda está por ser feito a f im de
estudar o funciona me nto dessa pompa primária.
Pensamos que durante seu funcionamento esse motor molecular
selecionou os aminoácidos L e escreveu as frases correspondentes àsações- chave da vida primitiv a. Se cheg amos a demonst ra r que essa
pompa pode produzir certas frases da vida atual (mesmo que seja de
forma imperfeita), concordaremos com a hipótese sobre a evolução
segundo a qual a grande maioria das proteínas modernas saiu sem dúvi
da de um núme ro muito pequeno de “arquétipos ancestrais”. Recriá- los
por meio de nossa maquinaria levaria ao primeiro elo indiscutível entre
o mun do pré- biótico e o mund o vivo. V imos que o “dog ma pré- biótico atual”, a saber , “uma químic a es tr i
tamente em solução aquosa homogênea”, não permite nem a síntese dos
peptídeos, nem a dos oligonucleotídeos (RNA).
V imos como noss o fio condut or nos levou para fora desse dog ma,
em direção a uma alternância entre as fases úmida (básica) e seca (ácida),
alte rnância que poderia te r per mitido a síntese pré- biótica dos pept í
deos. Segundo o nosso ponto de vista, os oligonucleotídeos (ARN) pode
riam também ser formados na fase seca úmida. Esse aspecto, ainda no
estado preliminar das experiências, não será desenvolvido aqui.
A po mpa pr imária que imag inamos encontra- se, por outr o lado, já
validada ex perimentalmente. Sobre a T erra primitiv a, ela poderia ter es
crito as frases da vida de maneira contínua, via letras ativadas (os N-car-
boxianidros). Essas frases (proteínas) poderiam ter sido as primeiras fer
ramentas (catalisadores), per mitindo ao sistema emerg ente um a comple-
xificação. Essas ferramentas poderiam depois ter associado os açúcares,as bases, o fosfato, num segundo monômero, prmirsoi dos planos
(RNA). Para poderem realizar esse trabalho, as fernmirnfcis Iniuni tini
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■
A Terra
do sua energ ia das letras ativadas (N- carbox ianidros); estes, como vimos,
dois tipos de macromoléculas- chave da vida (proteínas e R NA ) poder iam
assim ter aparecido quase que ao mesmo tempo, com uma ligeira v anta
gem para as proteínas, e evoluído conjuntamente (por processos de
hirlrnlisp p rpHHatremY spcminrln alter nâncias sazonais. A energ ia inicial
:er sido os N- carboxianidros, ag indo
ito (A T P) de hoje, tendo antes disso
mos, mas uma mistura de gás cons-
ção de oxigênio e uma proporção)). Os químicos sabem que essa mis-
: nos famosos NO x que, saindo dos
ros, poluem cidades e campos,
entado no Esquema 8, esse motor
ria ter sido posto em marcha muito
a começado por associar os aminoá-
o de proteínas em contínua evolu-
irecido os primeiros catalisadores.
dliado na síntese do RN A e, assim,
rneira maquinar ia pré- biótica. Foi a
idade que os primeiros processos de
ido.
ente à opinão geral, não nos parece
lha se realizado apenas uma vez. ()
e caso, aleatório demais. Ao contní )ompa primária tenha nasc ido .m
dispostas e que seu funcionamento
rir essas moléculas, e isso de m . m r i
esmo alguns milhares de anos, tilr
i nasc imentos r epetidos dr ,mlo
it3o Invadir a Terra e evoluir,
plural, c porque pensamos, diido o
ti.i pompa primária, que essa nflonu única A ssim, ('onlm iiat iitnt p A
I penitii nti n.i ii iiiirnlo dr numpm
poderiam ter se formado de modo contínuo sobre a Terra primitiva. Os
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E S Q U E M A 8
d « T " ' ' ' s áN CA I 9 1
^ [ 0 2 ]
0 Oj/NO n
relativa i
conc .de j Oj-N O como fonte de ewergia
N O , O i I O i como fonte de energia
~f]
it io 1 ' 4
¥ [NO]
•m ^ auto-reprodutíbllidade
4 G y r
EvofcifIo qulmka Oj/NO f ] u ; ú c i r i , bu*«,
CNO* Evolução biológica
Z T L U C A s\ t ld « » -» - d* tipo * - R N A d o , — A \ Puptktaoi LU C A s cianobactérfi \ CotnH«lctate Complexidade /
uVariáveis demais
para um a solução
única
Co ncre çio da Evidência dl n
Te rra de aJgurw fósseis e
1 1
/ sta da vida
estromatolitw
1 1 »
4,50 Gyr 4.0 Gyr 3.50 Gyr
sos L as t Universal C om mon A ncestors (LUCAs) e não no nascimento de)
apenas um.
A ev olução progres siva desses primeir os “sistemas viv os” teria em
seguida acarretado, entre outras coisas, o aparecimento das primeiras
cianobactérias capazes de utilizar o hidrogênio na água rejeitando o oxi
g ênio. Lembre- se de que os primeiros fósseis de cianobactérias data m de
pelo menos 3,5, talve z mesmo 3,8 bilhões de anos. Essa primeir a pr odu
ção biológica contínua de oxigênio teria então lentamente modificado a
concentração deste elemento na atmosfera. A relaçlo O 2 /NO, inicial
mente da ordem de 1/100, teria assim progressivamente aumentado,
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A Terr a
O 2 / N O f o i p r óx i m o d e 1, a p o m p a p r im á r i a t e r ia pa r a d o d e f u n c i o n a r
(v e r e s q u e m a 5), f a z e n d o de s a pa r e c e r to d a f o r m a a n t e r i o r d e v i d a ne c e s
s i t a n d o do s N - c a r b o x i a n id r o s c o m o f o r ç a- m o tr i z . E s s e c e n á r i o s u p õeque a ev olução, nessa a l tur a , j á t ivesse v encid o m uitos ob stáculos e que,
e m e s p e c i a l , j á t i v e s s e p r o v a v e l m e n t e f e i t o e m e r g i r 0 A T P c o m o no v a
f o r ç a - m o t r iz da v i d a , s u b s t i t u i n d o os N - c a r b ox i an id r o s m o r i b u n d o s .
E s s e é o ún i c o c e n á r i o q u e p r o p õ e u m a r a z ão m o l e c u l a r p a r a a t o x i c id a
d e d o ox igênio b io lógico na scente, tox ic id a d e d a qua l se fa la nos t r a b a
l h o s e s p e c i a l i z a d o s , m a s c u j o s f u n d a m e n t o s m o l e c u l a r e s p e r m a n e c e
r a m , a té a gor a , m is ter iosos .
S e um cenár io com o esse é r ea l is ta , p od em os esp er a r encontr a r em
or g a nism os r e centes cer ta s r e m iniscência s d e sua s or igens .
P o r e x e m p l o , a o r ig e m d o m o n ó x i d o d e a z o t o ( N O ) d os s i s te m a s b i o
lógicos a tua is , que ta n to int r ig a os pesquisa dor es , p oder ia não p a ssa r de
u m a a t i v i d a d e r e s i d u a l d e s e u p a p e l i n i c i a l d e f o r n e c e d o r d e e n e r g i a ,
p a pe l q u e f o i pr o g r e s s i v a m e n t e d e le g a d o a o o x i g ê n io .
É p ossível ig ua lm en te per gunta r - se se os a nid r id os fos fór icos (A T P ) ,
f o n t e d e e n e r g i a c e l u l a r a t u a l , n ã o t e r i a m t i d o u m a r e l a ç ã o l o n g í n q u a
com os N- ca r b ox ia nidr os .
É possível, de fato, perguntar- se g lobalme nte se este “casal de três"*
(l 11 oteínas, ácidos nucleicos e energia) de hoje não teria sido, na verdade,
Smlissociável todo o tempo.
O c o n j u n t o d e s te c e n ár i o t a lv e z n ã o s e ja o q u e f o i u t i li z a d o p a r a
1 on d uz ir a os p r im eir os s is tem a s a uto- r ep r odutíveis . M a s e le p elo m e nos
t e m a v a n t a g e m d e j á t e r p o s s i b i l i t a d o p r o c e d i m e n t o s i n d u s t r i a l m e n t e
u t i l i z a d o s p o r s e r e m q u a n t i t a t i v o s e n ã o r e j e i t a r e m n a d a n o m e i o a m -b ír r i t r ( q u ím i c a l i m p a , q u a n t i t a t iv a , e m ág u a , e s e m s o lv e n te ).
I s s o s i g n i f i c a r i a q u e t o d a a q u í m i c a d a s o r i g e n s e r a l i m p a ? N a d a é
m et ia ' . cer to d o que essa hip ótese, m a s e la p od e em tod o ca so ser um a
fpiitr t <lc inspiração de múlt iplas facetas que nos reserva a inda muitas
Éi i ip r eMs c inúm er os d esenvolv im entos . Qua nta s coisa s , d e fa to , ser ia m
j v < r. I. i.c i : 1 p a r t ir d e u m a ut o - r e p r o du to r s e m a m a r r a s ( s e m g e ne s
s } í.) 11líthfgt? ií trõll, (N. T.)
97
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reguladores)! Sem dúvida ele nos guiaria rumo a mundos extraordiná
rios, senão para descobrir, ao menos para explorar. Ele nos abriria hori
zontes que permitiriam buscar matrizes semelhantes à Terra das ori
gens. Seja como for, ele nos faria sonhar.
R e f e r ê n c ia s
Brack, A. (éd.). The Molecular Origin ofLife. Assembling Pieces ofthe Puzzle.
Cambridge University Press, 1998.Collet, H., B ied, C ., Mion , L ., Taillades, J., Commeyras , A. “A new simple and
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A Terra
P a t e n t e s
Collet, H., Mo in, L .( T aillades, J., Commeyr as, A ., Barenschee, E., Kn aup, G .“V erf ahren zur Deca rbamoy lierung von N- carbamoylg eschutzen Verbin-
dungen, neue Carbonsãureanhydride und deren Verwendung”, German
patant application 199 03 2688 (licence Dégussa).
Commeyras, A., Collet, H., Moin, L., Benefice, S., Calas, P., Choukroun, H.,
T aillades, J. “Pr océdé de synthèse peptidique à part ir des N- (N’- nitroso) car-
bamoy laminoacides ”, dépôt international P CT le 19 octobre 1995, n°
P C T /F R 95 /01 380 (licence Dégussa).
V aiule nabeele , O ., Garrelly , L ., Commey ras , A ., M io n, L . “Ut il is ation d’isocya-nates pour le dosage de fonctions nucléophiles à 1’état de traces en milieu
liumide”. IN P I n° 97.11.508, licence Institut Bouisson- Bertrand.
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T E RC EIR A J O R N A D A
DNA: programa ou dados? Henri Atlan
2Ensinar a evolução Jean Gayon
3 As paixões e o humano
Jean-Didier Vincent
4
Ética e ciência da vida Robert Naquet
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Introdução
Edgar Morin
As duas primeir as jornadas for am relativamente fáceis, pois o cos-
(Pli)s i um “objeto" tratado de maneira direta pela cosmologia. O caso da
1* 11 a é realmente exemplar, pois o assunto foi tratado em sua unidade
iM!i| )lexa, em diferentes níveis, port rês ciências polidisciplinare s.
I lojfi entramos no campo da vida, que é uma noção problemática,
•| | mtr„iil;i por muitos biólogos. A lém do mais, não ex istem relações arti-
fulud.is e coerentes entre biologia molecular, parasitologia e etologia
ittimal. As ciências da Terra puderam articular-se porque a Terra era
■t u H >i da como um sistema complex o que se auto- org anizou a partir de
líti Bios, enquanto que a biologia continua fragmentada em disciplinas
limentadas. Além do mais, há uma polêmica não encerrada em■ f i o ,l interpretação genética de toda org anização viva e à parte de
Hfonumia "epigenética” própria aos indivíduos, especialmente os
■üimiio- , T alv ez s ejam os problemas que desper tam discussões e con-
p t o i i iitn os biólogos que mere çam destaque. D a í a impor tância da
dc I ícuri Atlan, no decorrer dessa jornada.
( u n i u .1 i.1 indii ido por Jean Ga y on, é a teoria da ev olução que
pf is tíi ui D nó gónlio dc todos os problemas da biologia, e isso incita a
li;" Um ú tnalüt ii1 1 | i<>1 1,itii 1. 1 pedagógica.
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DNA: programa ou dados? 1
Henri Atlan
1
v
í . Limites da metáfora do programa genético
A noção de programa genético é a metáfora mais conhecida e mais
fecunda da biologia atual. Ela serve para representar os mecanismos
pelos quais a estrutura dos genes determina o desenvolvimento do indiv í d u o e o aparecimento de caracteres normais ou patológicos das estru
turas e nas funções do organismo. Mas isso não passa de uma metáfora
ijlie permite dar nome a um conjunto de mecanismos que são ainda
ffiuito mal conhecidos.
Kssa metáfora, tomada literalmente e levada a seu extremo, desem
p e n h o u um papel importante no lançamento do projeto chamado de
f j f f ío f f lc i humano, fazendo com que se acreditasse que a decifração de
Um tmoma, à maneira de um livro contendo instruções de um longop r n gi an i a , permitiria decifrar e compreender toda a natureza humana
§y, no mínimo, o essencial dos mecanismos de ocorrência das doenças.
| ín suma, a lisiopatologia poderia ser re duzida à ge nética, já que toda
ffcssp tçniu l,n | )uhli( lido n u BulUiin of lhe Kuropean Society for the Philosophy of m m m .....I H e a l t h < ' i t v , vol í, 1995, s /m y m I i m i e C D - R O M , F ir s t W o r l d C on g r es sM - i i : Ih ê anil PhllBstipliy, I W l
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A R E L IG A Ç Ã O DO S S A B E RE S ■ • A E D G A R M O R I N
doença seria reduzida a um ou diversos erros de programação, isto é, à
alteração de um ou de diversos genes.
Gostaria de teniar mostrar os limites dessa metáfora, bem como osperigos de sua utilização literal e, ao mesmo tempo, a fim de focalizar
um jogo de interações mais sutil com o genético, sugerir uma metáfora
alternativa com o objetivo de deslocar o centro de interesse dessa postu
ra que explica tudo pela genética. Chegaremos a uma conclusão que é
paradoxal apenas na aparência, segundo a qual o genético não está no
gene.
Como as outras metáforas informáticas existentes em biologia,
especialmente a do cérebro como computador, a metáfora do programa
genético peca pelo fato de que a questão das significações da informa
ção g eralmente não é colocada. T omou- se o hábito de neg ligenciar esse
problema na informática e nas ciências da programática, considerando
que ele sempre é resolvido implicitamente, simplesmente pelo fato de a
fonte das significações ser os indivíduos humanos que emitem e rece
bem uma mensagem ou os que escrevem um programa e fazem com
que o mesmo seja executado.O importante é transmitir a mensag em corretamente ou fazer com
que o programa seja executado, sem preocupar- se c om a s ignificação da
mensagem ou do programa, pois essa significação já está sempre lá, pro
duzida pelo emissor da mensagem ou pelo programador. Portantoj não 6
de fato necessário ex plicitar a sig nificação, ne m a fonte dessa significação
quando se está ocupado com a formalização do tratamento da informa
ção nos prog ramas de computador . O sig nificado desses progr amas é evi
dente: é o objetivo especial pelo qual foram escritos pelos autores huma
nos intencionais que constituem a fonte dessa significação. Essa atitudr
é justificada no caso dos programas clássicos de computador, sempre
escritos com um objetivo especial, com vistas a realizar uma tarefa expli
citamente definida, Mas ela não mais se justifica e portanto não se pod'
mais ignorar a questão da fonte, quando se trata de máquinas iiatui.ii*>
fabricadas pela evolução sem objetivo evidente e sem projeto expln ilo,
seja somente pelo efeito da seleção natural, seja mesmo na iiin.Hicia drtal efeito, como por exemplo nos casos tia evolução não ndaplaliva.
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A \ ida
A idéia de um prog rama escrito nos genes sob a f orma de seqüências
nucleicas dos D N A prov ém es quematicamente das observações s eg uintes e de sua utilização implícita num raciocínio falacioso:
1) O D N A é uma escrita quaternária fac ilmente r edutível a uma
seqüência binária.
2) T odo prog rama de computador seqüencial determinista é re dutí
vel a uma seqüência binária.
3) Portanto: as determinações genéticas produzidas pela estrutura
dos D N A f uncio na m à maneira de um progr ama seqüencial escrito nos
DN A dos genes. O caráter falacioso implícito nesse raciocínio é ev iden
temente a recíproca do item 2, a saber: “totja seqüência binária é um
I irograma.” Mas, uma vez reconhecido tal ardil, devemos nos perguntar
quais são as outras possibilidades para uma seqüência binária, além
i iaquela de um progr ama.
Uma primeira possibilidade seria que se trata de uma seqüência
íilratória. Se se entende por isso uma seqüência sem significação, a acei-
I.u.no seria difícil, pois teríamos dificuldade em compreender como taisirqüências poderiam deter minar as f unções biológicas que constituem,
na metáfora informática, a significação da informação genética.
Mas existe uma outra possibilidade que vamos examinar agora: a de
qur a seqüência binária não seja nem prog rama, nem aleatória e sim que
i «ii istitua um co njunto de dados. A fim de considerar essa poss ibilidade,
f pieciso, antes, justificar a distinção programa/dados que, devido
a ti ido o esforço feito pela informática teórica, foi suprimida. Será preci-in, cm seguida, estipular por que tipo de programa tais dados seriam
hitndos.
Í ! ’n>Ki;ima e dados: complex idade com significação
A distinção entre prog rama e dados parece evidente: um prog rama
ijp tntilliplií açílo ou dr divisão, por exemplo, multiplica ou divide núme-
fos 1 1 1 1 f lhe „io loi uccidos, () programa opera sobre os dados e trata-os.
I iiii itirsmn pinguuna fni.í sempre i nu mia opmiçno, que lerá sempre
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a mesma estrutura, ainda que utilizando dados diferentes. Mas ocorre
que essa distinção, bastante intuitiva, foi apagada em informática pela
teoria dos programas e sua complexidade.
Sabe-se de fato que no âmbito das máquinas universais de T ur ing
uma seqüência binária pode ser indiferentemente tratada como progra
ma ou como dados. A máquina de Turing lê a seqüência e a interpreta
como uma descrição binária de um objeto a ser fabricado ou de uma
tarefa a ser realizada, na qual as partes programa e dados são indiscerní-
veis e intercambiáveis.
Mas esse estado de coisas resulta do fato de que a teoria se ocupa deartefatos — objetos ou máquinas funcionais, cuja significação só é
implícita sob a forma do objetivo ou da tarefa encomendada pelo pro
gramador, e ela jamais é levada em conta explicitamente pela teoria. É
precisamente por isso que, de maneira aparentemente paradoxal, a
complexidade algorítmica máxima é realizada por uma seqüência alea
tória. O que parece ser um defeito da teoria não é realmente um, qua n
do se trata de artefatos, isto é, de algoritmos dos quais é sabido que pos
suem uma significação, aquela que o programador lhes atribuiu sob aforma de uma tarefa a ser cumprida.
A o contrário, contentar- se com uma me dida de complex idade sem
significação é uma insuficiência da teoria quando se trata de descrição
de objetos naturais, que observamos sem pressupor a finalidade para a
qual eles teriam sido formados. É preciso levar em conta o conteúdo
semântico mais ou menos importante desses objetos, a ser definido de
forma tal que uma seqüência que não fosse aleatória devesse ter unu
complex idade portadora de sig nificação nula. E para f ormalizar uma tal
complexidade portadora de significação, é preciso reter e explicar a dis
tinção entre as partes programa e dados de uma descrição. É a parte pro
grama que explicita uma fonte de significações. É ela que define iiiti.i
classe de objetos que compartilham uma mesma estrutura. Ao conli.í
rio, os dados especificam um objeto particular nessa classe.
Um exemplo simples permite fixar essas idéias. Suponhamos uni
obje to des crito pela s eqüência se g uinte: 001 I()()()()()()I 1001 I I --*seqüência 6 produzida dobrando- se cada dig ito da s r qüf m i.i 01000101
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A V ida
Distingue- se, por tanto, c om f acilidade uma parte programa, que consis
te em dobrar cada dígito em qualquer seqüência, e uma parte dados, queé a seqüência sobre a qual o programa de dobrar é aplicado. O programa
define uma classe infinita de objetos que compartilham, todos, a estru
tura em dígitos dobrados. Os dados especificam nessa classe um objeto
especial.
A de f iniç ão clássica da complex idade alg orítmic a de um objeto
pode assim ser modificada de forma a levar em conta uma medida de
(omplexidade com significação, o que, juntamente com meu colega
Koppel, chamamos de sofisticação.
Lembremos que a complexidade algorítmica clássica de um objeto
descrito por uma seqüência S é o comprimento H (S) de uma descrição
mínima, feita de um programa e de dados, de tal maneira que essa des-
« rição colocada sob a forma de dados num a máquina de T ur ing é sufi-
eicnte para gerar S.
H (S) = m in /P /+ /D /, sendo que (P, D) geram S s endo colocados
numa máquina de T uring. A descrição mínima (P, D) contém uma parteprograma P e uma parte dados D, de comprimentos respectivos /P / e
/I)/, mas o importante é o comprimento mínimo total sem que seja
Heccssário dis ting uir de f orma absoluta e invar iante, seg uindo a m áqui
na de T uring , entre a quilo que é progr ama e aquilo que são dados.
Sem entrar em detalhes técnicos, definimos a sofisticação como o
Õnic o comprimento da parte programa da descrição mínima. Uma das
i mr.iíqüências dessa def inição corrige o defeito da teoria, em relação aoM o de que uma long a s eqüência aleatória que te m class icamente uma
§ 1 atuir complexidade algorítmica tem, entretanto, uma sofisticação
fjiiíi .r nula. De f ato, para reproduzi- la tal qual, sua descr ição mínima
■fMitriu uma parte programa que se reduz à instr ução P R INT e uma
l>iti' dados, que não passa da própria seqüência. A qui não é o momen-
tn dr enlim em detalhes já expostos em outra ocasião e que permitem
Uitw grnei .ilização dessa distinção, como: a separação entre programa edsid.*=((0 1 1 1 , 1 medida da sofisticação que decorre dela), seja ela tão inva-
tiiüdr .......... I.k.io .1 m.iqiim.ide T uiing considerada, quantoéinv ar ian-
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te a medida clássica de complex idade algor ítmica, isto é, inva riante mais
ou menos numa constância aditiva.
3. DNA : programa ou dados?
Será suficiente notar aqui que essa distinção permite colocar o pro
blema do papel da se qüência nucleica dos D N A nas dete rminações
genéticas sob a forma de uma alternativa entre uma função de programa
e uma função de dados.Essa alternativa permite então questionar o papel da maquinaria
celular sempre associada aos D N A na produção de tais determinações .
Se os D N A são um progr ama, essa maquinar ia celular des empenha o
papel de programa tratando dados. Trata-se aí, é claro, de duas metáfo
ras complementares cujos méritos respectivos para explicar as coisas
foram discutidos em outro momento.
A lé m de seus mér itos próprios , a seg unda me táf or a, “D N A comu
dados”, tem a vantagem de provocar a discussão e de questionar a pumeira metáfora , clássica, do “D N A como prog rama”. Pois é claro que a
noção clássica de programa genético teve em seu tempo um valor heu
rístico e operacional inegável. Mas, como ocorre com freqüência, essa
noção, utilizada de maneira não crítica, com o esquecimento de que 8#
trata de uma metáfor a empreg ada para designar mecanismos descoiihr
cidos, e não o conhecimento explícito de mecanismos bem identiln a
dos, pode tornar- se um empecilho e impedir o progres so da pesqUn»
científica sobre tais mecanismos.
É nesse sentido que uma metáfora alternativa pode ser útil. Nessa qiir
propomos, as deter minações genéticas que res ultam da estrutura sci| ürn
ciai dos D N A funcionam, portanto, não como um programa, mas <oitiO
dados memor izados , tratados e utilizados num processo dinâmico cm <juo
ele, sim, desempenha o papel de programa. lüssc processo c produzido
pelo conjunto das reações bioquímicas acopladas d<> mecanis mo <clulgr,
Um lal processo dinâmico c compaiável ao dc uma tede de .ai ln inu
lus mi a um.i máquina dc csl. idos; os aluais l iaballuii ' .nine .1
1
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A V ida
t ia artifical mostram que tal máquina é capaz de adaptação, de aprendi
zag em não prog ramada e, de maneira geral, de auto- org anização estr utural e funcional.
A v ant ag em dessa nov a metáf ora é indicar um de slocame nt o do
centro de interesse. De uma atenção limitada quase que unicamente a
uma ex plicação baseada ex clusiv amente sobre o ge nético passa- se à pes
quisa de processos epigenéticos e à análise dos mecanismos reguladores
dii expressão gênica.
A ssim é que diante da questão clássica sobre “como são r egulados os| enes reg uladores?”, somos levados a buscar um a resposta no citoplas-
nta, com sua informação de posição e seus estados funcionais regulados
por mecanismos epigenéticos.
A propósito dessa nov a metáf or a, dev erá se evitar , t ant o qua nt o pos
sível, de se cair na mesma ar madilha que consistiria no fa to de tomá- la
Imi iibém liter alme nte e de levá- la a sério demais.
Pois é provável que a verdade se encontre em algum ponto entre as
ilu.i'. metáforas. Entre a visão de um programa de computador inscrito
nu*, seqüências nucleicas dos genes e a de dados memorizados tratados
fim (iina rede de reações metabólicas, como num programa distribuído,
a verdade deve se encontrar entre ambos, já que não se pode negar que
« es trutura dos genes determina, por sua vez, ainda que n um a escala de
\rmpo mais longa, a estrutura da rede do metabolismo.
A ssim é, que po r trás dessas duas metáf or as pode- se conc eber um a
fide evolutiva em que duas dinâmicas estariam superpostas em escalaslimporiiis diferentes. Uma dinâmica da primeira ordem dependeria da
iiltuliiin da rede metabólica e dos dados que ela recebe sob a forma de
geiir-, .ilivos.
Mas para a dinâmica de segunda ordem, mais lenta, estados estáveis
r ia retlr modificariam a atividade de certos genes, de forma que certas
■içõf. do metabolismo dependentes dessa atividade cessariam, ao
■liso que ou Iras seriam desencadeadas, produz indo um a modif icação
ria t i 1 1 itui.i d i rede. O metabolis mo seria, assim, levado por uma outra
■nlt tii i i, dileie nle daquela de primeira ordem, em dire ção a um novo
feitado MlÁvrl f* assim poi diante...
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A R E L IG A Ç Ã O D O S S A B E R E S ■ • A E D G A R M O R IN
4. Capacidade de transmissão hereditária* epigenética
Dizendo de outra forma: a rede metabólica trataria, em cada instan
te, de dados que ela recebe em permanência do genoma num certo esta
do de atividade, e o resultado desse tratamento seria a própria atividade
da tal rede. Mas de forma mais lenta, em compensação, essa atividade da
rede poderia m udar os dados modifica ndo de for ma r elativ amente está
vel a atividade do genoma e assim por diante...
Já ex istem alguns ex emplos de mecanismos epige néticos pelos quais
um estado funcional de reações metabólicas é suficientemente estável
para ter capacidade de se transmitir geneticamente, durante as divisões
celulares, sem que as seqüências de DN A sejam modificadas es trutural
mente. Essa hereditariedade citoplásmica chamada de hereditaribilidade
epigenética encontra- se manife sta nas linhage ns de células somáticas
diferenciadas, como as que se reproduzem permanecendo num dado
estado de diferenciação que exprime um certo estado de atividade de
uma parte do genoma; ou ainda como as células do sistema imunitário
que, depois de ser em ativadas, multiplicam- se re produzindo seu estado
de ativação mesmo na ausência de estimulação antigenética.
Mas alguns exemplos de hereditaribilidade epigenética através das
divisões de células germinais também começam a ser documentados.
O mecanismo mais estudado é o da metilação diferencial dos D N A ,
a propósito do qual Holliday fala de “epimutações”; trata-se de variações
do estado funcional de DN A , e v entualmente induzidas pelo meio e
transmitidas tais quais quando da divisão celular, sem modificações
estruturais, isto é, sem verdadeiras mutações genéticas, mas que produ
zem o mesmo efeito.
Um outro exemplo é o da impressão genômica (g enomic imprinting ),
em que se observa que o estado de atividade de um gene depende de seu
meio não genético de origem parental e é transmitido tal qual quando
* No original, héritabilité, que corresponderia a uma idéia dc hereditaribilidade cm portn
guCs, isto é, probabilidade ipie tem uma caraeterfstii a aparente manifesta im Irnólipo deum indiv íduo de sei traiisimlida heredita iiainr nte polo» f.ilnrr-% gs liétk ir, (N T )
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A V ida
das divisões celulares que produzem os gametas, de forma que um
mesmo gene poderá ser ativo de maneira estável quando provém do
gameta paterno, mas não quando provém do gameta materno ou vice-
versa.
De maneira geral, um fenômeno de hereditaribilidade epigenética é
possível toda vez que o produto de um gene retroage sobre o gene que o
produz, seja diretamente ou por intermédio de um promotor, seja por
outros genes.
Pode-se mostrar que a atividade do gene é determinante por meiode um sistema simples de duas equações diferenciais, cuja s olução admi
te dois estados estáveis que cor respondem, um ao ge ne ativo e a seu pro
duto presente com um a c oncentração elevada, e outra ao gene inativo e
ti lima concentração nula de seu produto.
Um a v ariação tr ansitória de concentr ação do produto acima e abaix o
dc um valor- limite faz oscilar o sistema de um estado estável a outro. E
esse estado de atividade ou de inatividade pode ser transmitido tal qual,
quando da divisão celular, com a condição mínima que essa se acompanhe de uma eqüipartição aproximativa do citoplasma. Dizendo isso de
0 1 itra forma: o que é transmitido não é somente uma estrutura molecular
r-.l.ílica, mas um estado de atividade funcional, isto é, uma certa expres
são da significação funcional do conjunto das estruturas celulares.
A té ag ora, esses fenôme nos de hereditaribilidade epig enética apare-
i f m como anomalias ou exceções por comparação à te ndência de tudo
iH.ic ionar a determinações genéticas sob a forma de seqüências de
I IN A. Por isso eles são relativ amente pouco estudados, ainda mais que
a'. Irônicas necessárias são mais complicadas e menos eficazes do que as
clonagem de genes e de sua seqüencialização.
s (;< nos o vitalismo: considerações históricas
Na ultima parto dessa palestra gostaria de examinar como esse pro-• ilr ,i< rnluação do uma leitura baseada exclusivamente no genéti-
í o r if liurudn, uiuna e\ po< ir de iclioae.li>positiva, pelo vocabulário da
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teoria da lógica tal como ela é ensinada e ainda mais ta l como ela é v ul
garizada.Pois esse vocabulário joga incessantemente com uma ambigüidade
entre o molecular, caracterizado por estruturas estáticas, e o ser vivo,
concebido de maneira global, sendo o ser vivo toma do e nquant o objeto,
simultaneamente, de nossas experiências da vida no sentido amplo do
termo e das ciências da vida, no sentido técnico de biologia.
Os genes eram outrora definidos de maneira formal num contexto
vitalista, sem que se conhecess e a nature za f ísica deles, a par tir da observação de transmissões hereditárias de caracteres, que constituem de
fato os processos genéticos no sentido tradicional do termo, isto é, pro
cessos de transformação e de produção, de gênese dos organismos a par
tir daquilo que os produz, como um efeito é produzido por sua causa ou
como, tal dizia Aristóteles, “o pai é a causa da criança”.
Esse contexto vitalista estava ainda muito presente nos fundadores
da g enética no início do século X X , tais como A ugus t We isma nn, Hug o
De Vries, Johannsen, William Bateson, que redescobriram, reinterpre-
tando- as, as leis de Me ndel.
Os g êmulas de Darw in e o plasma g er minativo de W eis mann, re uni
dos nos pangenes de Hug o D e V ries (o que co nduz iu à invenção da pala
vra gene, à distinção genótipo/fenótipo de Johannsen e à invenção da
palavra genético por Bateson), eram, supostamente, partículas vivas, uni
dades de protoplasma vivo, cujo suporte era cer tamente material no sen
tido de que tais elementos eram compostos de moléculas, mas cujas propriedades deviam ser diferentes daquelas das moléculas, pois eram as
propriedades da vida, especialmente a capacidade de auto- replicação. O
protoplasma era, supostamente, uma matéria composta de moléculas,
mas que tinha propriedades fisiológicas diferentes das propriedades
físico- químicas dessas moléculas.
De V ries, para isso, opunha- se à noção de “prote ína viva”, pois uniu
molécula, mesmo complicada como uma proteína, nâo poderia se isuporte desses pangenes, já que estes deveriam ser vivos. Os pangenrs
deviam ser unidades de protoplasma, isto é, unidades de siibslílneia viva
e não moléculas químicas , pois, dizia ele, “os pangenes s;l<> muit o maio
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A V ida
res e é mais correto compará- los aos menores org anismos v ivos conheci
dos” (Intracellular Pangenesis, 1889, Introdução). Ora, hoje, o que cha
mamos genes são moléculas ainda mais simples que as proteínas. Mas há
aí um mal- entendido. Pois as propriedades que D e V ries a tribuía aos
genes não são unicame nte as das moléculas de DN A , mas, no m ínimo , as
de um conjunto dinâmico DNA- proteínas.
Resulta desse mal- entendido uma situação apar enteme nte para do
xal, já que devemos admitir que as propriedades genéticas dos organis
mos não estão contidas nos genes ou ainda que o processo genético —
isto é, o processo de gênese e de formação dos organismos — não se
encontra no gene.
O paradox o não passa de uma aparência, desde que tomamos cons
ciência de que o gene não é um processo, posto que ele é uma molécula.
A es tr utur a molecula r estática do g ene desempenha ce rtamente um pape l
determinante, mas como elemento de um processo que implica, por ou-
lio lado, outras moléculas e sobretudo um conjunto de reações, de trans
formações físicas e químicas entre essas moléculas. A relação tr adicional
mtre estrutura e função mudou de natureza. Uma estrutura não viva, adc uma molécula, continua sendo tida como responsável por funções que
n .u n percebidas como f unções vitais. Há uma g rande dificuldade para se
livrar da conotação vitalista apegada à própria noção de função, quando se
inear a o papel das estruturas moleculares.
Em uma palavra, o gene não só é vivo, como também supostamen
te explica a vida. Entre outras coisas, é essa dificuldade que esclarece,
pniém sem justificar, o raciocínio falacioso que constatamos no início
dr .sa palestra.Pois, de f ato, considera ndo que os genes são moléculas de D N A ,
üt i. i preciso atribuir- lhes outras propriedades a lém das químicas , e as
itietáforas informáticas desempenharam o papel delas nisso; os DNA
trun'.formaram- se em moléculas portadoras de infor mação; mas isso só
Vêru ac reseentar um a ambig üidade à noção de vida, que é a ambigüida-
t l r d . i uoçilo d e informação.
Um irl.itúim (In Comitê hnl.inieo sobre a ética da terapia gênica
(íif- /'nif o/ tiú < o iu i i i i l /<•«* mi ll h‘ l.ll iir s <>l ( '.c iic Therapy, Cm 1788
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HMSO, ISBN 0-10-117882-4), publicado em 1992, mostra muito bem as
ambigüidades do discurso sobre a genética. Esse relatório constata, de
um lado, que a terapia gênica não traz problemas éticos novos em rela
ção aos problemas que aparecem com todo novo método terapêutico
em seu estágio de aplicação experimental sobre os doentes. Mas, por
outro lado, o relatório afirma: “Os genes são a essência da vida.”
E prossegue assim: “Fora das questões obrigatórias sobre o caráter
inofens ivo de toda interv enção médica nova, não é surpreendente que o
público sinta-se inquieto quanto a um procedimento que poderia ser
utilizado para mudar os caracteres humanos herdados, sobretudo no
caso em que essas modificações possam ser transmitidas às gerações
futuras. Além do mais, temores irracionais são provavelmente produzi
dos a part ir de mal- entendidos s obre a biologia e confundidos co m fic-
ções populares, como por exemplo o monstro de Frankenstein.”
No mesmo relatório, a observação seguinte é então formulada: não
é somente o medo do desconhecido que faz com que devamos tomar
precauções, mas também o reconhecimento de que a capacidade de
modificar o patrimônio genético (genetic endowment) dos seres humanos oferece possibilidades para influenciar a vida e a saúde de maneira
mais fundamental do que qualquer outro tratamento disponível jamais
pôde fazer, ou seja, seria realmente necessário tomar precauções espr
ciais, mesmo para a terapia gênica somática, porque a terapia gênica
atingiria a essência da vida.
Ora, mesmo sendo verdadeira a necessidade de que sejam tomadas
precauções especiais, não é por essa razão que ela existe, simplesmente
porque essa linguagem é inadequada e comporta certos perigos. El:i i.il
vez fosse adequada se Hugo De Vries tivesse razão e se tivéssemos real
mente descoberto uma essência da vida sob a forma de pangenes como
unidades do protoplasma vivo.
Mas não é o caso: os genes D N A não passam de moléculas. St- e pos
sível ainda que se fale de es sência da vida — e me smo assim niiu <'•e n te
za —, seria mais correto dizer que ela sc encontra nos sistema.-. (Imfimi
cos que constituem as redes bioquímicas pelas quais os <-,l.nl(>, luuc k >nais mantêm- se, tra ns fo rmam se <■tr ansmitem se.
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A V ida
Eis por que é preferível definir as precauções que devem ser toma
das de maneira pragmática, analisando cada situação específica, para
cada doença e cada técnica, a fim de saber quais são os efeitos potencialmente perigosos e indesejáveis que devem ser evitados.
Por exemplo, os problemas éticos mais difíceis trazidos pela genéti
ca médica, até agora, são relativos ao diagnóstico precoce de doenças
que ainda não se declararam e a defasagem cada vez maior entre as pos
sibilidades de diagnóstico precoce e as de tratamento.
O problema criado dessa forma relaciona- se ao es tatuto social e psi
cológico de pessoas em bom estado de saúde, cujo único sofrimento écriado pelos temores e pela incerteza produzida pelo próprio diagnóstico.
Podemos estar diante de:
— uma doença mais ou menos grave
— cujo aparecimento é previsto num futuro mais ou menos distante,
— com uma possibilidade maior ou menor de manifestação.
Esse problema é a conseqüência de um diagnóstico precoce de pro-
lubilidade, precedendo a própria doença. Ele não é específico das doenças genéticas, pois o problema existe também em re lação à A IDS . Esse
problema não tem evidentemente nenhuma relação com uma suposta
I tsência da vida.
6. As tentações do pré- formacionismo
De um ponto de vista mais teórico, é importante evitar um retorno
aii ei ros antigos do pré- formacionismo, e é fala ndo disso que g ostar ia de
tf?i minar essa palestra.
A velha querela entr e pré- formação e epig ênese atrav es sou toda a
história da embriologia durante duzentos anos e parecia ter terminado
it v i( l( >ii necessidade apare ntemente re conhecida de associar essas duas
jclri.is opostas — pré- formação e epigênese — sob uma for ma ate nuada
i i Ir maneira complem entar . Reconheceu- se, desde o fina l do séculoKí a . .1 necessidade de eliminar os erros que cada uma dessas duas teo-
ii r. provocava quando levada a um extremo.
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O erro do pré- formacionismo ex tremo era o de conceber o ger m
como uma miniatura completamente formada do adulto, o homúnculus,
de forma que o dese nvolv imento só contr ibuía para o aumento da massa
material, sem nada provocar do ponto de vista de mudança da forma. O
erro do epige netismo e x tremo era o de conceber o germe como algo sem
estrutura e inorganizado, sendo que toda a organização do adulto seria
decorrente do desenvolvimento.
C om a biolog ia molecular estamos ainda no mesmo impass e, no sen
tido de que sabemos que o germe não é algo sem estrutura e que ele
tem, portanto, um cer to elemento de pré- formação, que é a estrutura dogenoma. Mas sabemos também que isso não é suficiente e que um ele
mento de epigênese sobreposto a isso também é necessário para explicar
o desenvolvimento.
Mas eis que, sob influência da genética molecular, uma dissimetria
instalou- se e ntre esses dois fatores, por que conhecemos me lhor a estru
tura dos genes do que os mecanismos da epigênese. Resulta disso que
identificamos com maior facilidade os determinismos genéticos quando
os genes são identificados como causas de caracteres, normais ou pato
lógicos, do que os determinismos epigenéticos que apelam necessari.i
mente para uma multiplicidade de fatores causais emaranhados. Assim,
tem- se te ndência a retom ar em direção de uma espécie de pré- formacio
nismo, segundo o qual tudo estaria contido nos genes (e a metáfora d< >
programa genético reforça evidentemente essa tendência quando ela r
tomada literalmente. É nesse sentido que as metáforas da atilo
organização aplicadas à epigênese, tiradas ao mesmo tempo da cinétit >química e da dinâmica dos sistemas complexos, podem contribuir p.ua
impedir a v olta da te ndência dessa interpre tação pré- formacionista).
É dif ícil esvaziar a interpretação pré- formacionista, pois ela cones
ponde, parece, a uma tendência natural de nosso espírito para bus< ui
sempre a causa, e tal tendência assemelha-se às vezes ao pensamento
mágico ou teológico, no qual se tem necessidade de identificai iiuim
causa que contém um efe ito, ultra pass ando am plame nte o que | >o.Ir
mos conhecer e o próprio efeito. Geoffr oy Sainl I lilaire | á criticava < ite ndência, opondo- se ao pré- formacionismo, para o qual o ................ ti
nha supostamente o adulto, do qual ele era a causa
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A V ida
Porém essa crítica deve sempre ser retomada, pois tal idéia da cau
salidade mágica corresponde muito bem ao que Hume considerava
como uma inclinação natural de nosso espírito, à se melhança de um instinto que já nasce com o animal e a criança. É essa idéia da causa não
proporcionada ao efeito que ele criticava, mostrando a vacuidade a pro
pósito do argumento pelo plano (argument from design), supostamente
capaz de provar a existência de Deus como causa primeira, a partir da
organização da natureza vista como seu efeito. A interpretação pré-for-
macionista da genética molecular encontra- se muito mais difundida do
que se imagina, e isso provavelmente porque, entre outras explicações,
<*la responde a essa necessidade mágica de explicação por meio de umacausa sem proporções com seu próprio efeito. Ela leva a atribuir ao
genoma as propriedades que eram atribuídas outrora ao germe.
Thomas Huxley, por exemplo, definia em 1878 o germe como
"matéria potencial viva contendo em si mesma a tendência a assumir
uma forma viva definida”. E isso era normal, pois o vitalismo dominante
«Ia época não permitia que se imaginasse outra coisa.
Mas hoje, quando se interpreta o papel do genoma dessa maneira,
f".<| uece- se evidentemente de que o genoma, reduzido às moléculas de
I >N A, não passa de um pedaço de matéria, matéria estruturada, é verda
de, mas não viva.
lí é assim que, de forma mágic a e por meio dessa concepção err ônea
iIm causalidade, em que a causa é desproporcionada e m relação a seu
eleito, atribuem- se ao genoma as misteriosas propriedades daquilo que
tnittora era chamado de vida.
for trás dessa metáfora do programa aparece então a essência da
Vida, c esta é rapidamente trans formada em santuário e em patr imônio.
« »gf i H>ma se torna e ntão um fet iche, ger ador de medo, t anto quant o de
Í í i s i i l I i l Ç i l O .
K, como todo fetiche, este já se apresenta como uma fonte de pro-
v r ít ". uno negligenciáveis, a ser ex plorado de forma hábil, através do jo-
| i> ent if medo c fas cínio, ou seja, com o s empre e m volta de tudo o que
é Irtii lir , i is mnc ado i es do T em plo não se enco ntra m muit o longe , mas
itijui não . provave lmente o lugar , nem o mom ento, para se falar disso.
171
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Ensinar a evolução
Jean Gayon
2
Para falar da evolução foi convocado, aqui, um filósofo — filósofo
que recebeu uma formação de biólogo, mas, mesmo assim, filósofo. Isso
não me surpreende, pois pelo fato de ter trabalhado sobre o lugar resei
vado à evolução no seio da cultura científica francesa, sei que por muito
tempo, nesse país, teve-se tendência a considerar a teoria da evolução
como algo que estivesse na fronteira do campo da ciência positiva. ()
ensino científico francês sempre privilegiou a biologia dos mecanismo'.,
relegando as pesquisas sobre a história do mundo vivo ora à poeira da
velha história natural — quando a abordagem é descritiva —, ora
domínio da pura especulação — quando se trata de teoria da evolução,
Jovem filósofo, há cerca de vinte anos, quis adquirir uma formaçãoem biologia tal como era possível naquela época no maior campus r i n i
tífico francês de então. Do DEUG até a maitrise,* jamais ouvi lal.u,
fosse apenas por uma hora, da evolução como objeto de uma teoria ou
como algo suscetível de merecer um discurso articulado e exigindo uma
ex plicação. Cla ro , a ev olução estava pre sente em inúmer as maU- iuií
(paleontologia, zoologia, botânica, fisiologia comparada, gencMii .1 d,i?
* DEUG: Diploma de Estudos Universitários Gemis; maítrlm- r u iu i i i iw í u U i í o t-elo
qual sc ter mina o seg undo ciclo do ensino superior (11,lo r equiv nlmte .111 mt -.Imilo l>t«sileiro). (N.T .)
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A V ida
populações, biogeografia), mas sempre de maneira implícita. Eu só fui
me iniciar em biologia evolutiva contemporânea quando passei para oterceiro ciclo especializado do ensino universitário,* freqüentado
somente por quatro estudantes, entre os quais dois eram estrangeiros.
Foi, entretanto, uma iluminação para mim, e ela seria confirmada por
minhas estadas em outros países nos quais a evolução era evidentemen
te uma das dimensões fundamentais das ciências biológicas. Por que pri
var de tal iluminação os alunos e universitários franceses?
O te s te munho pessoal que acabo de dar mereceria, sem dúv ida,
certa minimização. Alguns colegas biólogos abordam a teoria da evolu- Vão em suas ativ idades de ensino, no seg undo grau e nos primeir os anos
universitários. Entretanto, a coisa permanece rara e muito dependente
de iniciativas locais. Os bons livros de iniciação sobre os quais os prof es
sores poder iam se apoiar são pouco numerosos ; a literatura de vulgariza-
çflo é com f re qüência terr ivelmente medíocre. T udo se passa como se o
iispecto mais teórico das ciências biológicas devesse permanecer margi
nal e devesse ser considerado como objeto de desconfiança em meio às
matérias inicialme nte ensinadas.
Entretanto, a teoria da evolução é, sem dúvida, a mais unificadora
df* todas as teorias biológicas. E interessante fazer um paralelo com a
bioquímica e a biologia molecular. Há cerca de meio século, elas de
monstra ram a ex traordinária unidade material do mundo da vida. T odos
es seres vivos têm em comum um pequeno número de tipos macromo-
Ifcülares , de meta bolites* * e de processos. A té mes mo os v írus c ompar
tilham com os autênticos seres vivos suas propriedades elementares dei nmposição e de funcionamento (mais exatamente, eles são compostos
j)i ii elementos análog os às células vivas, mas funcionam apenas depois
tlr Introduzidos nessas células).
Kssa unificação material do mundo da vida é sem precedentes na his-
tuua Ela vai muito a lém da unificação que fora intr oduzida no s éculo
»Ç«wr>,| MHwlr»itf*, g ins*) iiiodo, A etapa do doutorado brasileiro. (N. T .)!* I ml.i Milniatii w niK.lni< ;i«| iir participa dos processos de metabolis mo ou que é forma
da tin iitg miiMiin dmaiilf- as Ii.ii i’,tii i iiuiçOcs mdabólicas. (N. T.)
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X IX pela teoria celular, pois realça a unidade e a or ig inalidade da vida
em relação à matéria que a compõe. Entretanto, tal unificação material
não pode ser suficiente. E preciso compreender a divers idade das coisas
da vida em todos os níveis de sua organização, a complexidade das inte
rações, entre elas e com o meio físico, e a própria origem das estruturas
moleculares que testemunham, hoje, sobre a incrível unidade do
mundo vivo. Esse já é o objeto da teoria da evolução.
Essa é uma teoria histórica. Ela não pode ser ensinada como certas
teorias físicas nas quais alguns princípios permitem inúmeras e magnífi
cas deduções, nem como a teoria química, na qual o conhecimento de
alguns elementos e de suas propriedades reativas permite explicar a
estr utura e o compor tame nto dos corpos que são feitos com os mesmos.
Teoria histórica, a teoria da evolução tem uma fraca capacidade de pre
visão de fatos, mas uma imensa ambição explicativa: é com ela que a
diversidade da vida pode tornar-se inteligível.
Não se pode colocar uma teoria como essa no ponto de partida doensino da biologia. Ela pressupõe de fato um grande número de conhe
cimentos parciais, por ex emplo, em g enética, em ecologia, em paleonto
logia, mas oferece, em compensação, uma elucidação coerente do coi i
junto das disciplinas biológicas . A teoria da evolução também não pos
sui muitas aplicações práticas, mas ela está provavelmente destinada .1
ter cada v ez mais, no f uturo; posso apostar que no século X X I serão gas
tos bilhões para compreender como evolui este tesouro que constitui .1
biodiversidade — especialmente nos países tropicais.
Seja como for, a evolução continua sendo atualmente uma discipli
na fundamentalmente teórica, no sentido mais belo e antigo do termo;
um objeto que suscita uma curiosidade intelectual tão popular quanto
universal. Isso é 0 que faz com que esse objeto seja impor tante, caso n.ln
se queira que o ensino da biologia seja reduzido a um conjunto de 1 <■<ri
tas de utilização da natureza. Claude Bernard e Louis Pasteur moslia
ram na França os poderes de uma biologia experimental e pragmáto m
Mas o sucesso de ambos foi fatal para aquilo que se ch;un.iv;i outroi.i <h
história natural, expressão que sem dúvida deveria novamente n< H>ri
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A V ida
ciliar as duas faces das ciências biológicas e adotar o famoso adágio de
Theodosius Dobzhansky: “Em biologia, só tem sentido aquilo que é analisado à luz da evolução.”
Deix ando de lado essa pregação, gostaria agora de adianta r algumas
sugestões gerais quanto à maneira de apresentar a evolução no âmbito
do segundo grau. Não tenho a pretensão de indicar ponto por ponto o
que seria necessário ensinar, mas gostaria de apontar três erros pedagó
gicos comuns que são fonte de grandes confusões.
I . Falar sem precaução de um fato evolutivo
Diz- se sempre que é preciso fazer um a distinção entr e o fato e os
"ifcanismos da evolução. Ora, é perigoso falar da evolução como um
fito. Pois o fato evolutivo é na realidade uma audaciosa generalização
i| iie levou muito tempo para amadurecer historicamente e que envolve
'Iivorsas idéias sobre a história da vida.
Se admitirmos que uma história das espécies que viveram sobre a
Trrra é possível, vários cenários para a mesma podem ser concebidos.
Eles não nos dizem nada a respeito das causas do destino das diferentes
r , | >c-cies. Mas esses es quemas descritivos têm a pretensão de um a gran-
flr generalidade:
Descendência com modificação. Trata-se do esquema darwiniano,
pelo qual se representa classicamente a evolução por meio de uma árvo
re As espécies mudam gra dualmente. Oco rr em acontecimentos irrever-tfv rr , de secessão. Oc or re m ex tinções. A div ers ificação se realiza de
f i r m a i i ;1o homogênea, isto é, de uma espécie não nasce necess ariamen
te u mesmo número de espécies que de uma outra. As espécies têm uma
uilgriii comum ou pelo menos derivam de um pequeno número de tron-
t o * 1oitmiis. Ne nhuma dessas hipóteses é evidente, como mostram os
(iiiltiii <eu,idos possíveis.
— Mii(/(/íViH'ifo .*;<!»/origem comum. Esse cenário é cham ado às vezes
íle fhtnx/iitinisntofiutfi. A-, espécies nuulam, mas não se dissociam.
1 7 !
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— Nem modificação nem origem comum. Trata-se do fixismo. As
espécies não evoluem. Elas são diferentes desde o início.— Fixismo com extinções. É o esquema catastrofista proposto por
Cuv ier no s éculo X IX . Ne m mudam, ne m aparecem novas espécies.
Mas algumas desaparecem no decorrer da história da vida.
— Fixismo com extinções e substituições. As espécies são fixas. Elas
se extinguem por causa de catástrofes generalizadas ou localizadas e são
substituídas por outras. Essa interpretação era qualificada no século
X IX de criacionismo. Ela é o alvo principal de Darwin em sua obra A Or ig em das espécies.
T odos esses esquemas corr es pondem a concepções que f or am deba
tidas no decorrer da his tória das ciências. A aprox imação entre elas mos
tra que a própria idéia de evolução é complexa e que ela não se deixa
apreender, certamente, como uma evidência empírica. Terríveis proble
mas metodológicos, por outro lado, encontram- se associados à demons
tração das diversas hipóteses constitutivas daquilo que chamamos de
maneira um tanto imprudente de fato ev olutivo:
— Os fe nômenos de ex tinção f oram os mais fáceis de estabelecer, a
partir do momento em que passamos a dispor de dados paleontológico.s,
A observação direta de ex tinções atuais é, a lém disso, um poderos o argti
mento.
— A modific ação g radual das espécies pode, sem dúv ida, ser obsei
vada, mas é dif ícil estabelecê- la no passado, desde que se queira ter cri
teza de estar lidando realmente com espécies, noção delicada que sei 1.1
preciso explicar muito mais aos alunos.
— A origem co mum das formas que perte ncem a dados grupos 6
uma conjetura tornada plausível há muito tempo pelas comparações da?
anatomias e dos embriões e, há pouco tempo, pela biologia molcmlai
Mas a generalização da mesma (or igem comum a todos os seres viv< >:.) <s
altamente problemática de um ponto de vista metodológico (pot qun
ocultar isso?), mesmo quando concordamos em pensar quo cia (■pi ovável— Q ua nt o à orig em da vida, trata- se se m a menor dúvida <l< um
objeto de uma ciência conjetliral do mais elevado g iau.
Lembro aqui essas evidências apenas para sublinhai a que pmito u
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A V ida
pretenso fat o evolutivo é um es quema que mobiliza tantas provas indire
tas e põe em jogo, a um só tempo, diversas hipóteses generalizadoras.
Desde seu primeiro contato com a evolução, um aluno deveria ser leva
do a compreender que se trata de uma conjet ura altame nte generaliza-
dt >i a e unific adora, cuja adoção só pode ser feita desde que se te nha um
imModo.
1 . C o n t i n u a r os de b at e s d o s é c ulo X I X
No início do século X X , a ciência causai da ev olução estruturava- se
ini lorno de algumas grandes oposições doutrinais, sendo que cada dou-
Ifiita realçava um fat or domina nte da ev olução. Afrontavam- se, portan-
t<», a teoria da evolução por ortogênese, o neolamarckismo, o mutacionis-
M , o ultradarwinismo... Mas, nos anos 30, a irrupção da genética e espe-
fia liac nte a da ge nética das populações puse ram u m f im a esses tipos de
ibotdagem. Os cientistas cessaram de opor esses fatores, a fim de se
■Ifguiltarem em que condições um certo número de forças (mutação,
if H n o , migração...) podia modificar a estrutura de uma população e em
ijtir | .1 <tporções. Na mesma época, a questão das modalidades de espe-
#!u', mi t foi colocada graças a um a clar if icação do conce ito de espécie bio-
jfgi- a I )essas pes quisas nas ce u a teor ia sintética da ev olução que é, em
gramlr parte, uma teoria da microevolução (modificação genética gra
dual (Li-, espécies e especiação).
Não se deve pensar que estamos ainda hoje no mesmo ponto emp e no início do século XX, quando o darwinismo representava uma
■jilelo doutrinária entre outras, todas igualmente plausíveis. O debate
■jfiylado pela mídia, alimentado às vezes por pesquisadores que não
ffÉtisdhaiaii! sobre a evolução, criou com respeito a isso alguns mal-
htfiHlicln'. lamentáveis. Antes de levantar estandartes contra ou a favor
fji; I i Huin, melluii lanamo s tr ans mitindo co m modéstia e rigor aquilo
Ijliti, s.- ‘..ilir lioje dos mecanismos de modificação das espécies e dos
Ntmmii', i.lr *",pc< laçjlo. I lá nisso um aulènl ico setor de positividade,!=“! h estubiltcido, r é itivFi» issiuiil i| nr ele não seja coi lelamcMile ensina
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A R E L IG A Ç Ã O D O S S A B E R E S E D G A R M O R IN
do e transmitido. Tal ensino é possível desde o segundo grau, mesmosupondo a aquisição de certos conhecime ntos em g enética e, par ticular
mente, em estatística. É realmente muito prejudicial o fato de que os
formandos do segundo grau continuem representando a evolução com
a ajuda de categorias e fer ramentas intelectuais herdadas do século X IX .
3. Extrapolar
Não se trata de cair no extremo oposto. Os professores deverm
tomar cuidado ao dizer (ou sugerir) que tudo a respeito da evolução s;e
dá por explicado, apenas porque são bem conhecidos os mecanismos dlc
transformação das espécies a curto prazo. É importante que um alunio
tenha consciência do alcance limitado das explicações microevolutivas
para dar sentido à história global da vida. Há, de início, problemas paia
os quais as explicações microevolucionistas são totalmente inadequadas: o problema da origem da vida é talvez o melhor exemplo disso. A
história da bioesfera também não pode ser reduzida à soma das históri;is
evolutivas das espécies, cada qual submetida a forças tais que mutação,
seleção, migração e isolamento geográfico. Há outras escalas de estrutu
ração dos fenômenos evolutivos. Os paleobiologistas insistem especuil
mente sobre os episódios de extinção maciça. Tais acontecimentos tal
vez tenham tido efeitos de importância maior sobre as feições da árvqirevolutiva e não são explicáveis somente pelas relações de concorrênt i.i
entre espécies. Enfim, deve-se combater a tendência de alguns a extia
polar. Me smo que fosse verdade que todos os fe nômenos ev olutiv os i
controlados pela seleção natural, isso não significaria que eles s;"io detci
minados pela mes ma. A história da modif ica ção das espécies deve ol >i I
gatoriamente levar em conta diversos fenômenos: a variação gcnéli* a r
a seleção, de um lado, e a especiação, de outro. K preciso também um
siderar as múltiplas pressões que envolvem os processos dc modiíu ai, ãi <,
em todos os níveis, desde o genoma até a bioesfera.
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A Vida
Em resumo, penso que o ensino secundário francês deveria:
— oferecer um lugar mais explícito à evolução, enquanto teoria;— preparar uma apresentação decente dos mecanismos microevo-
lutivos banalizados pela te oria s intética da ev olução;
— indicar, por meio de alguns ex emplos criter iosamente escolhidos,
os limites desse tipo de explicação.
De maneira g eral, um aluno tem tudo a ganhar ao compreender que
a teoria da evolução não é uma história de tudo ou nada, mas sim que ela
exige a mobilização de um conjunto complexo de dados, de métodos e
de modelos. P ermitam- me ainda nessa ocasião lembra r a deplorável
visão sobre a evolução veiculada com grande freqüência pelo debate
público, especialmente na França. A prisionando- nos indef inidament e
no debate contra ou a favor de Darwin, damos a pensar que nada mais
teria se passado desde a metade do século X IX . J á passa da hora de dar
i rédito à idéia de que, no decorrer do século XX, a evolução foi mu
campo de investigação extremamente fecundo e que o grande mérito de
I *arwin, se ele teve algum, foi precisamente o de ter aberto e não fecha
do esse campo.
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As paix ões e o humano
Jean-Didier Vincent
3
A ling uag em ex prime a separação radical entr e o ho mem e o ani
mal. Na tradição filosófica, ela é produto da razão e procede de um enca-
deamento de causas e efeitos sem ligação com o aqui e agora. Esquece-
se assim de que a fala é sempre também ato destinado ao outro, a um
órg ão sensível que deve recolhê- la. A linguag em, própria do huma no, jorra no seio de um conj unto de sensações portadoras de sentido. Ela é
patética e emocionante, pois exprime elementos emocionais que tanto
quanto os elementos lógicos — senão mesmo mais — determinam a
essência do homem. Nela, de maneira especificamente humana, além
dos gritos do animal falam a alegria e a dor que são as modalidades pri
meiras do ser no mundo.
A vida, tal como é geralmente ens inada e apres entada nos progra
mas escolares, assume sempre uma feição de coisa morta. Ora, a vida tal
vez seja a morte, de acordo com o célebre aforisma de Claude Bernanl,
mas ela é com certeza totalmente o contrário de uma coisa: ela se defmr
por um processo dinâmico, em perpétuo devir. Para Claude Bernaid, a
vida resulta da destruição, ela própria compensada, a cada instante, pnt
uma criação da qual o sexo é o cúmplice e talvez mesmo o autor.
O ponto que eu gostaria de desenvolver aqui é o da subjet iv idadr <•
ser vivo é um sujeito no mundo, em sen mundo. Eu vou falai r . .cm ul
mente do sujeito animal.* * *
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A V ida
Acusou- se muito o behavioris mo de apreender os compor tame ntos
t| dos animais neg ando a eles toda e qualquer subjetiv idade e de distanciarI os pesquisadores do estudo de seus mecanismos nervosos subjacentes.
I Essa acusação mereceria hoje, sem dúv ida, uma revisão.
No primeiro período do darw inismo tr iunfa nte, alg uns, e stabelecen
do a continuidade da evolução do psiquismo do animal com o do ho
mem, tinha m cheg ado a um excesso de antropomorf ismo, indo até mes
mo a atribuir aos animais poderes de raciocinar, amar e julgar,aponto
de torná- los semelhantes aos heróis de La Fontaine. Dissertava- se entãoK com g ravidade sobre o ciúme dos peixes e o orgulho dos papagaios.
A preoc upação com a obje tiv idade e a recusa da intros pecção e da
analogia levaram esses autores a considerar o cérebro como uma caixa-
pi$ta, e o comportamento como resultado da associação entre um estí-
^ mulo e um efe ito (condicionamento clássico) ou entre uma resposta e
s*i-i conseqüência (condicionamento instrumental ou operante). Isso
I produzia a situação para dox al que consis tia em considerar o cérebro
i num uma máquina de fazer associações, ao mesmo te mpo em que se; recusava o conhecimento de suas engrenagens e mecanismos.
Í I ver dade que, parale lamente , esse desejo furioso de objetividade
g| ü(lou alg uns psicólogos comparatistas a estudarem os costumes dos ani
mais (etologia) ev itando as derivas antr opomórf icas, porém re conhecendo
ttn animal um estatuto de sujeito diante de um meio que lhe é próprio.() primeiro desses pesquisadores foi certamente Yerkes, que tudo
es tudou, indo da minhoca até o mar inheiro norte- americano, passando
pelo corvo e pelo macaco. Um primate center leva hoje seu nome em
A tlanla, onde vive K anzi, um macaco bonobo (Pan paniscus), célebre por
SUa inteligência e seus poderes de abstração. Yerkes tinha ensinado
niiiílun as a reconhecerem os caminhos de um labirinto, em função de
pt ........ .. ou recompensas. Além do mais, ele mostrou a existência de
urna aprendi/,agem latente neste verme, quando familiarizado com o
pipo s iti v o expei imental, e concluiu pela ex istência, neste anim al inteli-
. de mapas cognitivos de seu meio ambiente: a minhoca é capaz defa =r i r ,i o l h a s em seu vaslo mundo!
M i. , ic ,i fatalidade .mtiopornórf ica pesava ainda no trabalho de
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Yerkes, este não foi mais o caso dos tr abalhos de v on Uex küll , que che
gou a conciliar uma abordagem objetiva do comportamento com a con
sideração da subjetividade do animal. Esse pesquisador se distancia ao
mesmo tempo do mecanicismo e do vitalismo, o que não o impede de
descrever os comportamentos em termos de mecanismos. Esses são fer
ramentas que um sujeito, o animal, utiliza para perceber e adaptar suas
ações. O animal contém o operador, mais ou menos da mesma maneira
como, para Didero t, o cravo viv o é, a um só tempo, ins tr umento e mús i
co (O Sonho de d’Alembert).
O comportamento, diz von Uexküll, é “uma melodia de movimentos cantados a duas vozes afinadas, a do sujeito que se comporta e a da
situação”. A estrutura anatomofisiológica constitui um plano natural no
interior do qual o sujeito constrói seu mundo perceptivo. O animal dá
seu sentido ao objeto. Esse se torna, segundo a expressão de von
Uexküll, um “motivo”. O exemplo de um pequeno crustáceo, o eremita-
bernardo,* ilustra esse propósito. Consideremos o animal em presença
de um objeto do mundo real: uma anêmona marinha. Numa primeira
situação, o animal está desprovido de concha, ele tenta deslizar para o
interior da anêmona; o objeto tem então o significado de uma casa.
Numa outra situação, o animal já possui uma concha; ele se cobre com
a anêmona, cujos galhos ele utiliza como defesa contra predadores; o
objeto chama- se e ntão arma. Numa última situação, o animal não possui
uma concha e está com fome, ele come a anêmona: o objeto torna-se nl
alimento. O mundo pertence propriamente ao corpo do sujeito que II ir
dá uma significação. Em sentido inverso, se considerarmos os mecnnr,mos cerebrais que subentendem o desejo, observaremos que estes sno
unívocos. Seja qual for a natureza exprimida (fome, sede, cio etc.), t-.lr
é obrigatoriamente especificado por seu objeto.
O antropomorf ismo consistiria em atribuir ao animal um mundo
humano. Or a, a complex idade do mundo está ligada à complex idade du
cérebro. Não existe s ubjetividade sem cérebro, o que é uma ev idêm ia às
* T am bém cham ado paguro, crustáceo de cápodr <| iir sc aloja em com Iwis tilmmlunadtss
(N. T.)
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A V ida
vezes esquecida. E isso implica uma estrutura axial do animal com uma
organização anteroposterior; a extensão e a riqueza do mundo apreendi
do dependem das capacidades articulares do animal.
Em seguida, Buytendijk introduziu a dimensão temporal na análise
dos comportamentos animais. Esta é a expressão observável de uma sig
nificação vivida pelo animal entre um antes e um depois. Ela opõe os
animais- org anismos sem ação af etiv a sobre o mun do e os animais-
sujeitos e estabelece por outro lado uma hierarquia entre o homem e o
animal. Es te últ imo possui, como o primeiro, um mundo obje\ ivo orga
nizado por um tempo e um espaço vividos, mas, paradoxalmente, é afaculdade de objetivação do tempo e do espaço que diferencia o
liomem. Para este, o próprio sentido se torna perceptível. O animal
contenta- se em c onhecer os fatos, mas sem saber que ele sabe. A co m
plex idade lig ada ao artic ulado e à ação recíproca (flexão- extensão), da
(| Ual a ling uag em representa a forma mais ev oluída, m ultiplica as
lepresentações- ações. E a ling uag em nasce f inalmente da subjetiv idade
compartilhada.
O indivíduo só existe enquanto sujeito num mundo que lhe perten-
Cr e o define, esse mundo dele, que eu chamo de espaço extracorporal,
pi)t oposição ao espaço corporal, que é o próprio corpo, espaço no qual
sr manifestam os três sistemas comunicacionais: o nervoso, o hormonal
e d imunológico. O espaço ex tracorporal é a um só te mpo pr oduto do
i uipo, seu criador e aquele que lhe dá ordens, graças à epigênese. O
r ,| niço ex tracorporal é único, ele pertence r ealmente ao indiv íduo: é um
mundo dele, cujo ta manho depende apenas de seu saber. Par a um astrô-Homo, o espaço ex tracorporal vai até A lpha de Centa uro, enquant o que
| iui ,1 utn gato dos telhados ele não vai além da esquina. O mundo só exis-
| r no corpo porque o corpo produz o mundo , ou seja, o corpo fabrica
i«U próprio saber. O cérebro é o espaço privilegiado que resume o
tntpo; "metáfora actante ”, a representação é nele inseparável da ação.
A í ropir scntações co mo simples tr anscr ição do real não têm valor par a
liniii drlmiçiio do ser que, nesse caso, não passaria de uma máquina deapirrtnd(*l O lr.ll.
H<
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A RELIG AÇÃO DOS SABERES EDGAR MORIN
O corpo é o teatro do mundo. O mundo se ex prime nele sob as ins
tâncias do patético e não da razão, o que não passa de um instrumento
lógico de tratamento do mundo. São as paixões que fundamentam ohumano e lhe dão a palavra. A escola não pode ir contra o humano, ela
deve ser uma escola dos sentimentos. Eu defendo o prazer, é claro, mas,
mais do que isso, defendo a totalidade das emoções. São elas que permi
tem o reconhecimento do outro. Processos que se opõem encontram- se
no centr o das paixões. A escola não deve, por tanto, r ecusar a disc iplina,
pois mais vale disciplinar o prazer do que ignorá- lo.
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Ética e ciência da vida
Robert Naquet
4
Na mesma semana em que Edg ar Mor in entrou em contato comig o,
live a sorte de deparar com algumas palavras de Louis Armand, escritas
durante os anos 60. Engenheiro formado numa excelente escola,
A i mand era, na époc a, dir etor da S NCF * e me mbro de duas prestig iosas
m .idemias. Ele dizia o seguinte a um de seus correspondentes: “Seu
apoio é extremamente precioso para aqueles que — como eu mesmo
tento f azer — g ostariam de estabelecer um novo humanis mo e um civis
mo lortalecido diante do progresso desordenado, porém enriquecedor,
da I ('cnica. É de homens como v ocê, cuja cultura n ing uém põe em dúv i
da, <| iie nós esperamos essa bênção que deverá ex orcizar o tecnocrata,
qtir fará dele um descomplexado e, portanto, um participante ativo na
sul u dade de amanhã.”I v.ses propósitos pode m parecer distantes de me u as sunto, mas pen-
§ri que, modificando- os um pouco, eu poder ia servir- me deles c omo
fnííoduvflo. Kis o resultado de minhas elucubrações: “Como estabelecer
uiM novo humanismo e um civismo fortalecido diante do progresso
(faionlni,ido, fulminante, mas enriquecedor, das técnicas e pesquisas no
ii m p o il.is <mir ins biológicas? C om o descomplex ar o cientista, cujo
1 Mmiétè Nâiioittih d$is(Vtmins </ WF«ir. (N. T.)
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A R E L IC A Ç Ã O D O S S A B E R E S ■ • A E D G A R M O R IN
objetivo é o conhecimento, diante de suas próprias descobertas e diante
do uso que fazem delas a sociedade e a mídia, a fim de fazer com que elo
se torne um participante positivo da sociedade de amanhã?"
Será que tenho realmente razão ao dizer que o pesquisador das
ciências biológicas é mesmo um complexado? Que suas descobertas são
mal utilizadas, até mesmo mal interpretadas pela sociedade e pela mídia,
apesar de toda a publicidade que é feita delas?
“Você está enganado, vocês dirão, algumas dessas descobertas têm
um impacto considerável sobre a sociedade. Veja por exemplo o suces
so do T el et on! ” E u r es ponderia que sucessos desse tipo co ntin uamsendo raros demais, especialmente no campo biomédico.
O século X X brilhou, e isso é válido tanto para a Fra nça como pa u
vários outros países, pelo desenvolvimento fulgurante das pesquisas cm
biologia, cujos resultados revolucionaram nossa vida. Mas não tenho
tanta certeza de que no final deste século a pesquisa em biologia —
especialmente a pesquisa fundamental — seja tão bem aceita como se
diz nos países desenvolvidos que mais se beneficiaram dos resultados
das últimas descobertas. Os objetivos precisos das pesquisas não sãosuficientemente esclarecidos, porém a mídia lhes dá grande destaque,
muitas vezes mesmo os distorcendo. Na população, alguns se preoi u
pam e perg untam- se a quem c oube a decisão de iniciar ou aplicar ev a
ou aquela pesquisa. Essas mesmas pessoas fazem questão de sublinhír
que todo contribuinte participa do esforço pelas pesquisas e que,
enquanto cidadão, ele acabará por beneficiar ou padecer, mais cedo nu
mais tarde, de tais descobertas.
Diante de um Jean-Pierre Changeux, que proclama em alto o bnffl
som, num diálogo recente com Paul Ricoeur: “A audácia do sabei nan
tem limites. E uma das características mais atrativas da pesquisa eieiitl
fica”, alguns, no grande público, emitem reservas, considerando que m
cientistas “brincam com fogo” e não hesitam em minimiza i o iu t n n ig ,
e até mesmo em considerar como desastrosos os resultados <!■t eiM descobertas f undamentais ; cito aqui, como ex emplo, uma \ implr- , h . .
lida num jornal semanal sobre a s c o n s e q ü è i K ias dos tialiallio- , cIo . i . tlCurie: “Existem o antes c o d e p o i s d e I liroxima”, liase qur deixa dr l«.l.»
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A V ida
todos os benefícios que nosso século tirou dos resultados desses traba
lhos e da utilização pacífica do radium! E ainda por cima poderíamosacrescentar que os Cur ie não são os inventores da bomba atômica.
Outros se perguntam: “Para que serve a pesquisa fundamental?”,
querendo ignorar que sem ela não existe boa pesquisa aplicada. Mal
informados, eles não imaginam as aplicações futuras de uma pesquisa
<| ue, inicia lmente , parece- lhes esotérica. Q ua ndo se faz pesquisa, é pre
nso saber “correr riscos”. Eu sempre cito a história da descoberta da
i iclosporina.* Borel, um pesquisador dos laboratórios Sandoz de Bâleí (Suíça), troux era de uma v iag em aos países escandinavos uns cogumelos
que lhe par eciam poss uir propriedades interessantes; ele s olic itou^ seus
superiores uma autorização para consagrar-se durante dois anos à pes
quisa desse assunto, que normalmente não entrava no programa desses
laboratórios. A autor ização lhe foi dada: dois anos mais tar de, as proprie
dades anti- rejeição da ciclosporina eram descobertas e, dez anos mais
turde, os laboratórios Sandoz passavam a viver com os dividendos dessa
[ jjficoberta.
Outro s , ainda, rejeitam toda e qualquer ex perimentação feita sobre
animais. E verdade que eles não podem dar por escrito um consenti-
fiir ulo, como pode fazer o homem! A lguns grupos ex tremistas não hesi
tam, em alguns países, em atacar os depósitos de animais e em usar o
pfidr-i q u e têm para tentar proibir completamente a ex perimentação em
■e du o terr itório nacional. Eles a dmite m que o hom em seja enviado para
numa nave espacial, mas recusam- se a admitir que ratos embar quem junto com ele!
i i oposição à ex perimenta ção sobre os animais não é recente. N o
iítliln XIX, Claude Bernard já se confrontava com o problema, mas,
Ipisat da hostilidade <jne encontrava até no seio de sua família, não
P IlHuii cm escrever: “Se iia bem estr anho reconhecer que o home m te m
ji i1jn üi i de servir se dos anima is para todos os usos da v ida, para seus
PM íd u a üiPiitii jrtiunt)tlp| íreis()t tjiir luhi confcta as reações de rejeiv- lo após os transplan- * (H I )
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serviços domésticos e para sua alimentação e que lhe seja proibido
servir-se deles para instruir-se no campo de uma das ciências mais úteisà humanidade. Não há hesitação possível: a ciência da vida só pode se
constituir por meio de experiências, e alguns seres humanos só podem
ser salvos da morte após o sacrifício de outros. É necessário fazer expe
riências sobre o homem ou sobre os animais. Ora, penso que os médicos
já fazem po r demais ex per iências perigosas sobre o homem, antes de tê-
las estudado cuidadosamente sobre os animais.”
Dur an te as três primeiras quartas partes do século X X , esse tipo de
ex perimentação continuou, cada vez com mais precauções para ev itar o
sofrimento do animal; elas continuavam sendo consideradas como indis
pensáveis. Há cerca de quinze anos, as coisas mudaram e os responsa
veis esperaram que os progressos da biologia e da genética moleculares
favoreceriam o desenvolvimento de métodos de substituição e pode
riam diminuir muito, talvez até mesmo fazer desaparecer, a experimen
tação sobre mamíferos, especia lmente sobre os primata s infra- humalios
A util iz ação de microorganismos, de inv er tebrados e de cultur as célulares seria não somente suficiente, mas permitiria ir ainda mais longe na
compreensão dos mecanismos elementares do funcionamento de todn
ser vivo. Os “antidissectores” triunfavam.
Mas com o passar do tempo eles tiveram que mudar de idéia, fí vir
dade que a situação mudo u, mas não no sentido de que se esperava A
ex per imentação sobre mamífe ros v oltou a ser uma prior idade, e isse»i »■)
diversas razões. V ou citar alg umas.
A primeir a é a cons eqüência da emergência de nov as doença, k üves e de seus efeitos sobre o inconsciente coletivo; os medos que apaiP
ceram com a ocorrência de doenças tão dramáticas quanto a AII #,
eventualmente, a doença da “vaca louca”; as esperanças gerada-, prln#
progressos que poderiam resultar de toda técnica nova que pemiilí?sb
tratar essas doenças e, quem sabe, fazer a prevenção das mesma,, imnji
ficaram as mentalidades. As pesquisas sobre modelos animais imitam)"
essas enfermidades são hoje mais bem aceitas. Não se deve esqiiw i t
que cientistas brilhantes, se guidos pela mfdía, cog itara m triesuin t| Uf
alg umas dessas doenças podei iam Ir vai ao desapair i iiiipmIo d l n j» '. ie
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A V ida
humana! Sabe-se o que não seriamos capazes de fazer para assegurar a
própria sobrevivência, a nossa sobrevivência! A seg unda razão te m a ver com as surpresas reservadas pelo des en
volvimento da pesquisa em biologia e genética moleculares. Como toda
pesquisa fundamental inteligente, ela se viu seguindo vias que não eram
obrigatoriamente aquelas traçadas pelos responsáveis governamentais e
pelas elites.
Os métodos substitutivos, apesar de toda sua importância, mos-
ti aram- se insuficientes. C om o diz Louis- Marie Houdebine: “Preconizar
a utilização sistemática de células em cultura em vez de animais é sim
plesmente ignorar a grande complexidade da vida.” Isso é especialmen
te verdade em se tratando de farmacologia. Antes de qualquer extrapo
la- lo para a aplicação no home m, os testes s obre os animais permane-
fptti necessários.
1*or outro lado, apareceram novas técnicas e vias de pesquisa que
■peessitam da utilização de espécies tão variadas quanto o ratinho de
pboratório, o rato, o carneiro, a vaca ou o porco, às vezes mesmo o ma-É K o tais técnicas nem sempre deix am de ser arriscadas e apontar am e
ijjoiilani ainda para novos problemas, especialmente no plano ético.
No que diz respeito às doenças genéticas, tomarei como exemplo a
Ififéia (le Huntington. É uma doença rara que já sabíamos neurodegene-
■tiVíi, familiar, autossômica dominante, de alta penetração.* Essa
j t i f f unidade começa ger almente entr e 30 e 45 anos e ev olui inelutavel-
peritc cm quinze anos. Os pacientes apresentam uma demência pro-
j|S> i i .i rompa nhada de mov imentos incontr olados . Foi nessa enfer-
Mlliidr que se descobriu a primeira anomalia cromossômica presente
In u <tu l.i do cromoss omo 4. Essa descoberta deu lugar a todas as
Hp#ráni,,is possíveis de uma terapia gênica, mas, como se pode imagi-
f ji r ainda r .fa mos long e disso! O gene foi identificado e clonado e a pro-
M ita fçipon- .âvel, .i liungting tina , descoberta. Modelos animais da ano-
Rplia f inam t nados em ratos de laboratório. A doença coinc ide com
f jT í t M f il i i l n i l i i a i d i i « I r i r g u L n i d n i l c < 0111 o <111, i l <> g e n e i l c s l a d i i e n ç i i p r o d u z s e u a f e i t o
t i i t i h p i »s p n t l a d o n «l,i 11H i i ii ,i t i i i d . u l . i p o p u h i v A o ( N . T . )
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A R E L IG A Ç Ã O D O S S A B E R E S E D G A R M O R IN
uma ex pansão do tripé C A G , mas ainda não são conhecidas a razão
dessa expansão e sua relação exata com a fisiopatologia da doença. A mutação descoberta é instável; o número de repetições dos tripés é
variável de um paciente para outro; parece que a doença se revela tão
mais cedo quanto o paciente apresente maior número de tripés.
A co nf ir mação da or ig em genética da doença lev antou numeros os
problemas éticos. T ornou- se possível saber se um paciente per fe itame n
te são era ou não portador da marca genética responsável pela doença
que ele apresentaria mais tarde. O que deve se dizer nesse caso ao por
tador? Q ue conselhos lhe dar caso queira casar- se e ter f ilhos? Seria preciso aconselhar- lhe um aborto ter apêutico, caso o feto s eja portador
dessa marca genética? A rtistas como V an G og h e Mozar t já tinham moi
rido na idade em que normalmente se declara essa doença. Esses problo
mas são atualmente ger enciados pelos neurologistas , que estabeleceram
toda uma série de regras e conselhos para as famílias.
A terapia g ênica tr az outr as questões. Sabe- se hoje introduzir um
D N A re combinante num a célula, tendo em vista diferentes objetivos V ou citar dois. N um caso, trata- se da subs tituição de um gene defeituo*
so que está na origem de uma doença genética. Em outro, o mab
com um até agora, o D N A é destinado à produção, a caráter terapêutico,
de uma proteína que tem um efeito antiviral ou antitumoral. Com <“ - * 1
estratégia pode-se atacar diretamente a causa da doença, quer seja r \a
hereditária, quer adquirida.
Já foram obtidos resultados em experiências sobre animais, imh a
aplicação no homem continua em discussão. A difusão pela mídia detais resultados ainda hipotéticos, pelo menos no homem, e as espruiti?
ças que nascem assim em todos os que acr editam que poderiam l>t n> li
ciar- se disso rapidame nte não deix am de lev antar certas qncslrtc. <'-tn iis
A s técnicas de transgênes e são muito interess antes c poitadom de
esperança em inúmeros campos. Ning uém m ^a hoje o in lc nv .r <1. I=»s
nos animais. Todos concordam em admitii «pie a liaiislcinii ia dr genei
nas células oferece desde j;í a possibilidaiIr de <i iarmodelos pai 1 1 >■=f lli
dos (1 1 1 1 <I; u iumilais ou mais aplu ado1, ua c. In a liu imêdii .1, a 11 1 1 1 dc hiU
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A V ida
I izar proteínas recombinantes de interesse farmacológico e criar uma
seleção genética de um novo tipo, menos independente das probabilidades da natureza.
Sempre continuando no campo biomédico, podem ser citadas algu
mas dessas aplicações eventuais:
— Nos ratos de laboratório, acrescentando- se um gene es trangeiro
(Iransgênese) ou desativando um gene endógeno (knock- out), pode- se
facilmente criar um modelo animal precioso para compreender e/ou
ti.itar certas doenças. Elas v ão do câncer à A ID S , à doença da “vacaI louca”, às doenças cardiovasculares e ao diabetes — e sabe-se lá quais
outras. A cada dia aume nta o lote de novos modelos a nimais criados
iis im , mas a umenta també m a série de animais que apresentarri sinto
n i a s que os pesquisadores, sem treino nesse tipo de exploração, ainda
I riflo silo capazes de diagnosticar , o que é ruim e, cert ame nte, nada ético.
I D Minis tér io da Pesquisa e os grandes org anismos conscientes de tais
M i t o s re fletem s obre a maneira de e ncontrar uma solução para o proble
nw Para tal, relançar os estudos fisiológicos é um a necess idade.
^ - Por outro lado, a rar idade dos órg ãos e células huma nas que
podem ser transplantados nos doentes que teriam necessidade atinge,
ituulmente , um ponto crítico. O aparecimento da A ID S e a doença da
PVíie ii louca” é uma das razões, mas não a única: o tráf ico de órg ãos é
I n i i t r .i V ários especial is tas pe ns am que a colheita em animais será a
Üftit a icsposta possível para essa falta de órgãos.
l iiitretanto, as xenotransplantações acarretam, apesar da utilizaçãom ittiunodepressores poderosos, fenômenos de rejeição aguda. Suces-
■ i ip< r nle s no macaco (muit o trans itórios , é ve rdade), com porcos
■tido i" cbido genes símios para diminuir esses fenômenos, deixaram
ici anças consideráveis. Entretanto, a rejeição não é o único
feobirniii. mesmo para os transplantes de curta duração, feitos enquan-
|| iê fispei.i que um coração ou um rim humano esteja disponível. Fa-
j| n s. ilu possibil idade de que se desenv olv am, no tr ans pla ntado, vírus■ l i üfli i s;n i | ).ilogí‘ii('os no porco, mas que, ass ociados aos ex istentes no
PfPtnÇHit* pode i iam se to nini iim ilo perigosos, a inda mais que o pacie nte
jNt titaiif i n ia -.n| . ,i íiçilo dos iiuimode pir s soie s. Dia nt e da atit ude de
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A R E L IG A Ç Ã O D O S S A B E R E S ■ • ▲ E D G A R M O R IN
alguns cirurgiões muito ansiosos por poderem começar os xenotrans-
plantes, alguns pensaram em propor uma moratória. A Inglaterra já fezisso, os Estados Unidos preparam- se para o mes mo, mas os r esultados
recentes permitiriam que sejamos menos pessimistas em relação aos
perigos de vírus suínos no homem.
E u não posso te rminar essa palestra sobre ciências biológicas e ética
sem falar da clonagem e do caso Dolly e suas conseqüências; raramente
uma descoberta fundamentada sobre os resultados obtidos num único
animal fez tanto barulho na mídia e provocou tais tomadas de posiçiloem todos os níveis da sociedade, quer se trate da França, aqui na Euro
pa, quer em outros países — sem dizer que a aplicação imediata nos pi i
meiros resultados obtidos na ovelha não deixa dúvidas para muitos.
Sem entrar em detalhes é preciso, antes mesmo de tomar posiçílu,
fazer uma distinção clara entre clonagem reprodutiva e clonagem nílo
reprodutiva. A clonagem r eprodutiva tem como objetivo levar ao nasci
mento de uma criança. Tal prática seria unanimemente inaceitável setivesse como finalidade a reprodução de um grande número de indiví
duos idênticos, de elite. Para alguns as coisas não seriam tão simples
assim, quando se trata por exemplo de casais estéreis que não come
guem procriar por meio das técnicas clássicas de reprodução medi< al
mente assistida. Mesmo nesses casos os problemas éticos subsistiriam, e
creio que é preciso continuar sendo firme e continuar impedindo c*s«f
tipo de clonagem.
A clonag em não reprodutiv a te m como fina lidade a util iz ação da <pacidade dos óvulos enucleados de reprog ramar as células somática- . d»
adulto . A s células embrionárias derivadas dessas células somáticas p< ide
riam ser diferenciadas in vitro e ser transplantadas nos paciente- , p.iiá
curar diversas doenças. Tal perspectiva ainda é longínqua e lambem não
deixa de ser eticamente problemática, já que implica a utili/.aç.lo dr uni
embrião que não está destinado a completar seu desenvolvimento
Na França, por enquanto, toda e qualquer experimentação emii o
embrião humano in vitro ô proibida, mesmo com aqueles que snu dr#
tnifdos cinco anos depois de uma pmriiaçflo mrdit aliurntr assistida, n
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A V ida
(jue é prejudicial para toda pesquisa, sobretudo a pesquisa sobre os
conhecimentos relativos aos primeiros estágios do desenvolvimento.
Essas pesquisas com o embrião in vitro e também outras sobre as
quais lhes falei levaram à criação de um Comitê consultativo nacional
de ética, que a França foi a primeira a estabelecer. Alguns anos mais
tarde, o mesmo país dotava-se de leis sobre a experimentação animal e
textos re g ulando as inves tigações no home m: a lei Huriet- Sérusclat em
1988; as leis de bioética em 1994. Dado que a pesquisa evolui muito
depressa e que essas leis não resolvem todos os problemas éticos atuais,
al mesmas serão reexaminadas em 1999.Mas as leis servem para regulamentar e alguns pesquisadores, como
Jr un- Didier V incent, cheg aram a afir mar um dia: “A ética corèeça no
ponto em que a legislação termina.” Por outro lado, Antoine Danchin
iosta.de dizer: “A ciência não nos permite, de forma alguma, decidir
Hossas posições éticas. Ela só pode ajudar- nos a clarificar nossas idéias,
mas não pode estabelecer nossos valores .” O respeito das leis, apenas,
nflO é suficiente, a ética do pesquisador desempenha um papel primor
dial. Mes mo que cada um possa pensar que t em sua “própria ética”, essa
deve ser compatível com a do meio em que ela se insere. Sabe-se que as
posições éticas variam de um país para outro; a religião, a cultura
itiliam em jogo; por exemplo, os mediterrâneos admitem mais facil
mente a ex perime ntação sobre os animais do que os anglo- saxôes, ao
pav.o que têm mais dificuldade para admitir a experimentação sobre
embriões do que estes últimos.
No seio de um mes mo g rupo, os responsáveis pelas grandes decisõesiêvem levar em conta todas as sensibilidades depois de terem promovi-
i e o debate entre os difer entes atores; mas, se não quisermos criar uma
pg f ur u Ia separação entre pesquisa e sociedade, todos dev em estar aptos
i fiompr ee nder os desafios em jogo antes de poderem debatê- los de ma-
lí> ii i Hii a/ K preciso saber que, no início, os desaf ios dos pesquisado
ras são geralmente diferentes dos desafios dos tecnocratas, dos respon-
Mvi i . g ove rnamentais, dos políticos e da mídia! E aí que a educação e a
pHHHi,no íMitiam <ui jogo. Sem elas não pode haver diálogo construtivo.
* * *
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A R E L IG A Ç Ã O D O S S A B E R E S ■ • A E D G A R M O R I N
Educação e formação de todos os atores serão minha conclusão em
relação à pesquisa nas ciências biológicas que, todos os dias, acena com
dados novos, uns mais surpreendentes que os outros!
Educação e formação de todos e não somente do outro. Todos têm o
que aprender. Os pesquisadores devem tomar consciência de suas res
ponsabilidades diante de suas próprias descobertas, diante da regulamen
tação em vigor e de sua ética. Os responsáveis pelas decisões devem
encontr ar as soluções o menos tecnocráticas possível, a f im de valorizar os
pesquisadores e os trabalhos que for am subvencionados, preocupando- se
também com a difusão necessária, mas difícil, da informação científica. A mídia dev e compr eende r melhor a importânc ia de seu pape l. A
busca atual de um sensacionalismo constante combina muito pouco
com o espírito científico e, com o pretexto de que o público precisa ser
informado, um excesso de informação desorganizada corre o risco de
provocar, no final, uma desinformação prejudicial a todos.
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Observações finais
Edgar Morin
O que veio à tona nessas diferentes intervenções não foi somente
que o huma no encontra- se no que é vivo, mas ig ualmente que o que é
vivo encontra- se no humano. Or a, essa consideração, ev idente para m ui
tos, não é assim tão evidente para todo mundo, pois as estruturas doensino promovem a disjunção entre o cérebro e o espírito, sendo o pri
meiro estudado em biologia, e o segundo, em psicologia. A lém do mais,
fxislem justificativas filosóficas para definir o homem por oposição à
natureza, que impõem conseqüentemente a idéia de que o conheci-
fhento do hom e m só seria possível suprimindo- se o natural. No oposto
■iggo, as reduções à animalidade e à biologia são também da mesma
ftii mu empobrecedoras. E preciso que tentemos pensar o complexo bio-sntropológico. A organização de nosso corpo é hipercomplexa, mas
§!ém disso somos indivíduos integrados na complexidade cultural e
nil A complex idade, lembremos , não explica as coisas, mas sim aq ui
lo qur deve ser explicado.
A palestra de I lenr i A tlan sublinha o fato de que , se os genes contro-
Jgfí! «* oiR.mismo, o organismo também controla os genes. Isso nos intro-
júi tui irlria tlc auto organização. Se não concebermos o problema do
| ir vivo como 11 1 n piob lr ma de auto- organização, estar emos condenados
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Q U A R T A J O R N A D A
Origem e meio ambiente dos primeiros hominídeos
Michel Brunet
2Hominídeos e hominizaçõo Henry de Lumley-Woodyear
3Hereditariedade, genética:
unidade e diversidade humanas André Langaney
4 As principais funções de regulação do corpo humano
André Giordan
5 A longevidade humana
Étienne-Émile Baulieu
6 }Biologia humana e medicina de predição jacques Ruffié
7Economia: da unidimensionalidade à transdisciplinarida
René Passet
8
Acesso à humanidade em lermos jurfdk os Mircille Delmas M.uty
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Introdução
Edgar Morin
ijafc " -* ■hu m a no seja ao m e s mo te m po biológico , psicolog l
j, u m a i *i i l m a d e f e r r o s e p a r a o c é r e b r o d o e s p ir i t o , «?
t| Íéíi du IH i tuem social. Q uise m os re unir aq ui as i Iím uilina»
Ij ii t s t i | t in r â m uma s às o ut r a s . D a m e s ma f o r m a , qm . m. . -f t ibah r-nl ic os pesquisadores de sociologia, ..... i m l i:
> l ia , a f im de examinar o que podrn. i c l igai
«tirts . ju, ?r en co ntr am elas me sm as em clisjuni,nu, uma s
§ m i l i i , iü l r l i z m e n t e , c e r ta s in d is p o n ihi lid a d e s un o no s
in t u i t o .
q u f * um dos aspectos essenciais dessas j o i i M . l s n
■ IfirfiHt í Ih io para o espír ito que um as das f inalidades da
ÍBjl j f a < u m te r c ons c iê nc ia de s ua c o ndiç ílo h um a n a ,
i| f y t n úf l d o fís i c o , e m s e u m u n d o b i o l óg i c o , r m s e u
gft i seu mundo social , a f im de que tal comlivf lo pos^a
| f P g üin; i pecto de nossa pers pectiva educai ioual •> tã
fjBN* levar A consciência da condi(;; l() ]>ai ti< iihit que
l=| s e . Muipe ii 1 1 0 seio tlc uma id e n t id a d e t e r r â q U M
ift i i las oii^eiis humanas, eom os apaixnnâflt§§i) Hmius I p de I lein y I aimley ... ..... lyeai, paia i lirgat à
jg f §i t- nli= i f u t g i l d o d i r e i t o íi iio v.1 i» d e h u m a n i d a d e I 1. a
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ocasião para compreendermos que prosseguimos numa grande aventu
ra cujo futuro permanece, mais do que nunca, desconhecido.No decorrer da jornada, veremos que não podemos separar unidade
e diversidade humanas, e que o indivíduo humano é um sujeito cuja
inteligência não pode ser dissociada da afetividade, isto é, desse caráter
que J ean- Didier V incent chama de patético.
Por outro lado, a evocação dos problemas de saúde, de medicina
genética de longev idade trouxe- nos o problema bastante neg ligenciado
da qualidade da vida humana. Não é suficiente sobreviver durante o
maior tempo possível. O D H E A de E. E. B aulieu nos conv ida a viver
mos até uma idade avançada sem realmente nos tornarmos velhos.
T am bém é preciso viv er a vida poeticamente, em toda a sua intensida
de, e com tudo o que ela pode oferecer a nosso pathos, a nossas emoções
(alegrias, felicidades inseparáveis da aptidão ao sofr imento). O ensino
tem o dever de integrar essa abertura da reflexão, em consideração dos
adolescentes que têm diante de si sua própria vida a enfrentar.
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1
Origem e meio ambiente dos primeiros hominídeos
Michel Brunet
As ciências do século X IX mostr ar am que nossas raízes es tão pro-
Ilindamente ligadas ao mundo animal. O Homo sapiens pertence assim
rio ramo dos vertebrados, às classes dos mamíferos, à ordem dos prima-
tíis, à subordem dos catarríneos (macacos do antigo mundo), à superfa-
mllia dos homínidos e à família dos hominídeos...
A busca de fósseis humanos data da metade do século X IX . Foi ela
que fez nascer em meio à comunidade científica a idéia de um ancestral
di' r.i ande capacidade cerebral. Foi assim que se descobriu igualmente o
homem de Piltdown, que, graças aos avanços tecnológicos, apareceria
<lf pois, em meados do s éculo X X , co mo uma tr apaça (associação de um
t líiiiio lnimano e de uma mandíbula de macaco atuais).
Uma das descobertas mais surpreendentes das três últimas décadasfui IHla por biólogos moleculares que mostraram que, mesmo sendo
Himlologicamente homens do ponto de vista genético, somos grandes
fiuii aros e compartilhamos c om os chimpanzés um ancestral comum.
t)s trabalhos paleontológicos mais recentes indicam que o conti-
HPi 1 11 ■a11 i i ; 1 1 1 0 é 1 <niImeiite O berço do hom em, onde for am encontrados
P 'Áltiiitlt.iaiwi koulcliii o primata mais antig o que se conhece, que data
dr fid iihIIiõc. de ano'. , os primeiros homínidos — 25 milhões de anos
= p ii-i pu nim o s liomml tlcos , que datam dc 5 a (>milhões de anos.
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O primeir o pré- humano foi descoberto em 1924 na Á fr ica do S ul, na
pedreira de Taung, numa camada de solo cuja idade foi datada entre 2 e3 milhões de anos. Descrito e nomeado A ustr alopithecus af ricanus por
Dar t, e m 1925, trata- se do crânio de uma criança de aprox imadamente 6
anos, com uma de ntição já bastante huma na e uma morfolog ia craniana
compatível com uma posição bípede. Para Dart, não havia dúvidas de
que se tratava de um ancestral nosso. Mas tendo em vista sua capacida
de cerebral (500 centímetro s cúbicos), próx ima da dos g randes macacos,
for am necessários vinte e cinco anos para que Da r t visse aceita a nature
za humana da criança de Taung, considerada até então como um macaco pela c omunidade científica inter nacional, que estava mais interessa
da no hom em de Piltdow n, o qual, como se viu, não passava de uma tra
paça, como se descobriu mais tarde.
A partir daí, as des cobertas de hominídeos antig os vão se sucedei,
inicialme nte na Á frica do S ul, depois na Áfr ica Or ient al a partir de 1959,
A té hoj e, três gêner os for am reconhecidos: A ustr alopithecus, Par anthr o*
pus, Ardipithecus.
Três espécies foram descritas na África do Sul: A . af ricanus (Dail,
1925), P. robustus (Broom, 1938) e P. crassidens (Broom, 1949).
Cinc o f oram localizadas na Á frica Oriental: P. boisei (Leakey, 195')).
P. aethiopicus (Arambourg e Coppens, 1967), A. afarensis (Johanson t l
alii, 1978 (trata-se de Lucy), A rdipithecus ramidus (White et alii, 1994) #
A . anamensis (Leakey et alii, 1995).
Essa r epar tição geog ráfica é s ingular. O fato de os mais antig os j >i
humanos se encontrarem na África Oriental e de que não encontrenm*aí fósseis de grandes macacos levou a imaginar um papel determina»!#
do Rift nas primeiras fases da história dos hominídeos (Kortland,
De acordo com essa hipótese, nomeada East Side Story p o r C o p p m i
(1983), o R if t ter ia s erv ido de separação entr e um a zona de f lore sl.is .l>-
chimpanzés, densas, localizadas a oeste, e uma zona de habitats d<
humanos, um espaço mais aberto, a leste. Entretanto, desde I’’
A badie, Barbeau e Coppens des crevem niamífems fósseis que te .Ir mu
nham a existência, na época Plistocena do Tcliad, dr- paisagem .ulnul;*das e de savanas. Koi aliás no T< had que Yves <Inppen* dest nblhi,r "t
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A Hum anid ade
1961, o maciço craniofacial de um hominídeo fóssil: Tchadanthropus
uxoris, provavelmente próximo do Homo erectus/ergaster.
A pa r tir de 1984, a v ont ade de testar a hipót e se East Side Story
levou- me, pois, a inicia r prog ramas de pesquisa inte rna cionais e pluridis-
ciplinares, no oeste do vale do Rift. Inicialmente na República dos
Camarões, com o programa internacional de pesquisa no Cretáceo
cenozóico da Áf rica do oeste (PIR C A O C ), que levou, entre outras, à
descoberta de faunas e de floras da época plistocena. A par tir de 1993,pude iniciar a Mis são Paleoantropológ ica Franco- T chadiana (MPFT ),
colaboração científica entre a unive rs idade de N ’Djam ena , o Centr o
Nacional de Apoio à Pesquisa (CNAR), a universidade de Poitiers e o
( :NRS (Centr o Na ciona l da Pesquisa Científica ) (programa “Paleo- meio-
«mbiente e evolução dos hominídeos ”). A M P F T re úne cerca de quare n
ta pesquisadores franceses (das universidades francesas e do CNRS),
trtiadianos, africanos do sul, americanos, ingleses, canadenses, espanhóis, g regos, holandeses. Trata- se, ess encialmente, de um prog rama de
pesquisa multidisciplinar sobre o meio ambiente sedimentar, sobre a
flíonomia, o estudo tefrocronológico, a magnetostratigrafia, a biogeo-
química isotópica, os hominídeos, as floras e faunas associadas.
A pós cinco campa nhas de campo realizadas no erg* do Djourab
(flori e do T chad), a MP F T descobriu mais de uma cente na de sítios
jpilr i Mitológicos de vertebrados. As faunas recolhidas in dicam idades das
#| itn as miocena e plioce na na passagem para o per íodo quater nário. A té
hnjc. os trabalhos da MP F T concentraram- se mais e specialmente em
fimailas que vão de -3 a -5 milhões de anos. Em 1995, um sítio da
n gi.in dr Koro T oro, s ituado a 2.500 quilômetr os do Rif t leste- africano,
| r#snitcf)u- nos, enfim, com a ma ndíbula inferior de um australopiteco,
6 pfiinrim conhecido no oeste de Rift Valley. Em homenagem a nosso
fôlega c amigo Abel Brillanceau, que desapareceu tragicamente duran
te uma de nossas missões na República dos Camarões, esse hominídeo
lelisdiatio foi chamado de Abel (Brunet et alii, 1995). A compar ação
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com os outros taxons da Áfr ica Or iental e A ustral mostra que A bel pos
sui uma associação orig inal de caracteres primitiv os e ev oluídos (mandí-bula encurtada, pré- molares nitidame nte molarizados, caninos m uilo
assimétricos...). Isso nos levou a considerado como o representante dr
uma nova espécie: A ustralopithecus bahr elghazali (Brunet et alii, 19%),
A fauna dos ver tebrados associados (peix es, répteis , mamíferos ) é com
patível com uma idade de 3 a 3,5 milhões de anos, o que significa que
A be l foi contempor âne o de L ucy (A. afarensis), sua prima do leste.
Depois, no mesmo setor geográfico, um segundo sítio, de idade próxima (Brunet et alii, 1997), pres enteou- nos ig ualme nte c om restos dr
australopiteco. Entre a fauna associada, uma quinzena de espécies pôde
até agora ser identificada. Trata-se especialmente de peixes: silurifot
mes (siluros), percicóideos (percas do Nilo); répteis: duas espécies de l.u
taruga, uma terrestre e outra aquática; uma serpente do gênero Ikui
Linnaeus (píton), um lagarto (o varari*), dois crocodilos Crocodilus (fo< i
nho curto) e T omistona (focinho longo); mamíferos: um elefante primi
tivo (L. exoptata), um hipopotamídeo, um grande girafídeo (Sivii
therium), três bovídeos, um rinoceronte “branco” (Ceratotherium) c um
cavalo tridátilo (Hipparion). Essa fauna apresenta muitas simililudrs
co m a de Hada r (na Etiópia) e seu grau ev olutivo permite- nos es timai ia
zoavelmente bem uma idade biocronológica de 3 a 3,5 milhões de ;m<n
O meio ambiente sedimentar do paleólog o T chad e a associai, n
faunística correspondem, no contexto da beira do lago e do rio, a um
mosaico de paisagens que vai de corredores de florestas a uma savanaarborizada salpicada de espaços de prados de gramíneas. No estado alua!
de nossos conhecimentos, as faunas tchadianas mais antigas <|u,s
4 milhões de anos parecem bem traduzir, por sua composição difrirnte
dos meios mais úmidos e mais fechados, isto é, parecem apresentai nina
cober tura florestal mais densa. Isso está de acor do com o <| ue eix ontia
mos na África Oriental, onde o A rdipithecus ramidus (1,5 tmlhor- , ilr=
anos) está associado a uma fauna de meio florestal (Wliit< et <ilit. I 'H)
* Ci ii i iiüi ' sáui io carnívoro t| ii r . i lm ^r u i ine l im dr ■ii iuprl ine nl i i (N T )
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A Humanidade
* * *
A descoberta de A bel prova, assim, que h á 3 a 4 milhões de anos, a biodiversidade dos pré- humanos era bem maior do que se imag inav a até agora.
I )e fato, pelo menos três taxons coexistiam nessa época. Agora está claro
que a evolução humana é, portanto, muito variada. Abel, com algumas de
'■nas características m uit o humanas (região do queix o plana e ver tical),
poderia muito bem pertencer a uma linhagem ancestral do gênero Homo,
l>rôpria de meios ambientes mais abertos, a partir de 3 milhões de anos.
Seja como for, Abel ampliou consideravelmente a área de reparti
ção dos australopitecos. Sua pres ença no T cha d mostra que, muito ce-fio , esses pré- humanos oc upar am um vasto território, indo do cabo da
Bo;i Esperança (África do Sul) ao golfo da Guiné (África do oeste), pas
sando pela Áf rica Or ient al (Malawi, T anzânia, Q uêni a, E tiópia) e pela
África Cent ral (T chad). ^
lissa nova distribuição geográfica evidencia que as concepções das
primeiras fases da história dos hominídeos devem ser consideravelmen
te irvistas. Nossa história não é somente East Side Story, mas tambémtouth e West Side Story. A bel mostra- nos que, m uito cedo, pelo menos
l i 4 milhões de anos, a história do home m é pan- africana.
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los ou veados, fazia-se um buraco, uma abertura, retirava-se a membrana
obturadora e comia- se o cérebro com um objeto que servia de colher.Pode-se reconstituir, portanto, a maioria de suas práticas culinárias e isso
sempre graças aos cruzamentos de métodos de diversas origens.
M in ha intenção, dura nte essa palestra, era mostrar- lhes a interdisci-
plinar idade da ciência pré- histórica...
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Hereditariedade, genética: unidade e divenidade humanas
André Linganey
Gostaria simplesmente de propor algumas idéias que poderiam
levar à mudança de um certo núme:o de coisas em nossos sistemas de
pensamento e de ensino.
Pr im e ir a idé ia
“Eu, estudante do segundo grau, ser humano, Homo sapiens, faço
parte do programa de ensino...”
No atual estado dos programas, o estudante não se estuda a si
mesmo. E isso é ex tremamente gravi. T udo aquilo que pode ajudar apensar sobre o que somos é tratado apenas de maneira clandestina por
tini certo número de ensinamentos.
Ora, existe uma história de 100.000 anos que me interessa especial-
t i imlc, porque diz respeito aos Homo sapiens como vocês e eu. Pode-
Üln*. defini--la religiosamente, e isso é uma escolha pessoal. Quanto a
fllim, ru a defino de maneira laica, o que é uma outra escolha. Mas esta-
tíins Iodos dc acordo para a datação. A partir de 100.000 anos atrás, eles
f uinn .íim i sei iguais a nós, os Homosapiens. E o fato de serem nossos
í | iui l‘; iik- m in pela de forma especial. I )uranle os 90.000 últimos anos
çfpsir-, 101).()()(), eles f oram ex lir mamtii le poiien numer osos. E ncontr a
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mos pouquíss imos restos deles; e o que sabemos de nossa ge nética impli
ca também que, nesse horizonte temporal, os humanos descendiam deuma única pequena população, provavelmente uma dezena de milhares
de reprodutores, no máximo. Isso dá um recenseamento de aproximada
mente trinta mil pessoas como povoação de todo o planeta, algo mais ou
menos se melhante co m a população da cidade de Arcueil- Val- de- Marne,
O u, mais e x atamente, podemos dizer que descendemos de uma espécie
de Arcueil- Val- de- Marne do paleolítico criada e m v olta do ma r Me ditei
râneo. E uma idéia importante, penso, demonstrada atualmente poimeio de técnicas bastante complexas de genética molecular.
Temos uma outra história, uma história de 10.000 anos, que é a da
época a partir da qual nos tornamos numerosos, passando de algum
milhares ou dezenas de milhares para milhões. E isso mudou tudo. I >e
fato, se alguém nos trouxer ao Museu do Homem um esqueleto cotn
mais de 10.000 anos, será acolhido com grandes pompas, talvez será c<>n
vidado para jantar (com nosso dinheiro pessoal, pois não dispomos d#
verbas de representação). Mas se você trouxer esqueletos encontrado»
em tumbas mais recentes, será mandado de volta com ele, porque 0
tempo todo nos trazem caminhões inteiros desses esqueletos. Não s,il»=
mos mais o que fazer deles, porque dos últimos 10.000 anos para cá os
humanos tornaram- se muito numerosos. A o inve ntar em a agr icultura,
eles começa ram a poder se reproduzir muit o mais, tornando- se insim
muito mais numerosos. É uma mudança notável que trouxe inúmera»
conseqüências.
Uma outra idéia: “Eu, estudante de segundo grau, tenho uma liintârié
de 15 anos.” E essa história de 15 anos, desde que papai e mamãe <«une
teram o que o diretor do colég io chama de não sei que deriv ado d< ■pr ( n
do orig inal, mas que pref iro chamar de outro nome , em ter mos l>m| nB|
cos, me é contada muito mal. A história do embrião, a liislói ia do leio, s
história da criança, como tudo iss oé mal contado... T odas as <or..n mijs
importantes dessa história para a compreensão da psicologia da <nanei*para saber como é que eu posso sei essa “vaia cumprida" dr I'» anui,
com um astral um pouco baix o, submetido a todas as modas | >o. i< •m,
vestida como lima viúva toda de preto se sou uieniini ou conto uni
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A Humanidade
delinqüente suburbano mesmo morando nos bairros mais chiques da
Cidade quando sou um garoto, na verdade, ninguém me conta toda essa
história. Ela é uma história sociológica, uma história etnográfica, uma
h^tórica cultural, uma história lingüística. Ninguém conta essa história.
Isso é algo muito grave.
Segunda idéia
“Eu me situo na história da rida, na história da população, na história é>a humanos, na história das sociedades e das culturas...”
Seja qual for a história das civilizações passadas, ela é abordada
|Hlt is programas, mais cedo ou mais tarde. Mas seria necessário abordá-
p desde a escola primária, na idade em que se pode apre nder mais coi-
§i« A partir da 5? série, “dan çou”. T odas as inibições f amiliares inter
vém, nada mais se pode fazer, os alunos se tornam complexados, o
Hfastre está consumado.
Ki itão, para que tudo isso possa ser evitado no segundo grau, é pre-íísii .mtes de mais nada, durante o começo, no primário, na 4? série e
Hos um >s vizinhos, ter feito o que se dev ia fazer para r etomar as coisas no
§§(jUti(lo grau.
I* u rira idéia
Ummdo um professor trata de uma idéia transdisciplinar, ele não ■ffwjít' tem o direito, mas também o dever de não se deter no limite de
M ti i úci pl in a e de mostrar o mesmo rigor, tanto na sua disciplina como na
m m u i , i/i/c não é a dele.
Exemplo: quando falarmos de história, de geografia ou de biologia
| §i hislnu.i dos povoamentos humanos , deveremos obrig ator iamente
M m .l.> c-in-t h ,i, dc ling üíst ica, de demog raf ia, de ar queolog ia, bem
Bfti<) dr histi'm.1 <iii dr paleontologia.
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Quarta idéia
Um mínimo de ciências humanas faz parte da educação de base, da
mesma forma que a matemática ou a química, e deve, portanto, ser previs
to nos programas de segundo grau.
V ou cit ar como ex emplo a e tnog r af ia , que conta a cul tur a dos
outros, especialmente os outros que somos nós mesmos, pois eles vivem
hoje conosco, refiro-me a esses descendentes de imigrantes de segunda
ou terceira geração que não sabem sequer como viviam seus avós, mas
cujo comportamento é diferente do nosso por razões perfeitamente
explicáveis. Podemos compreender essas diferenças e viver com elas,
quando as conhecemos. Mas quando não as conhecemos, não existe
esperança. A etnografia tem pois uma importância fundamental. Mas
há muito mais em matéria de ciências humanas. Há também o direito,
não somente o direito da sociedade em que vivemos, mas também o de
outras sociedades, que deve ser conhecido para que vejamos que nada é
absoluto nessa matéria. Seria preciso ensinar as ciências humanas,mesmo que, para isso, seja necessário chocar- se contra os sindicatos e .1
inspeção geral, posto que para introduzir coisas novas é obrigatório tirar
outras.
Quinta idéia
Ensinar precocemente a genética, que é menos complicada qiif <1 %
declinações e a regra de três.
M inha ex periência, feita c lande stinamente c om classes de 4;'. m-i íp,
mostra que é perfeitamente possível, a partir desse nível, aprendn 1 1 %
princípios da teoria da evolução, um certo número de idéias sobic .1 mi
gem das populações humanas modernas, sobre o p a r e n t e s c o ent ir .1 J íu
guas e sobre os meios para se reconstituirá história recente «In povoa
mento de certos continentes... Isso pode fac ilmriitr sei ensinado um?classes de 4:1série, e quando começamos é possível conlimmí clrpnis
For mare mos, então, cidadílos <| nr vão iicrnlitiii um pouco m mo s um
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A Hum anidade
absurdos dif undidos por publicações como V S D ou Paris- Match sobre as
manipulações genéticas, cidadãos que vão perceber que a primeira dasmanipulações genéticas é a meiose, isto é, os mecanismos que fabrica
ram as células sexuais, graças às quais nossos pais, ainda que involunta
riamente, puderam nos conceber. E se pudermos entender bem tudo
isso, se pudermos compre ender que a clonag em não passa de uma var ia
ção animal do enxerto vegetal, estaremos bem menos propensos às
idéias fantasiosas que nos são impostas por essas narrativas de ficção
científica que nada têm a ver com o estado da ciência.
Sexta idéia
m A prender o sexo.
O sexo é o meca nismo de criação e de controle da divers idade. O
sexo é a coisa principal na biologia dos organismos multicelulares. Ele
trm, portanto, um lugar em todos os níveis da escolarização, de manei-tn Iransdisciplinar. Penso que em todas as disciplinas, de todos os pon
tos de vista, pois vivemos numa sociedade sexuada, vivemos numa
sociedade sexual, e se não ensinarmos às crianças o que é o sexo, ao
nir.sino tempo no campo da biologia e no da cultura, fabricaremos cida-
tlflns deficientes. Desde que começa a passear em seu carrinho, o bebê
>tu he a cara” de sexo, simplesmente com as capas de jornais e essas
jttiíií- ims es tr anhas que vemos nas bancas de revistas. E não vejo o quesp pode fazer para expor menos as crianças às formas mais atenuadas
ilr .-.c' problema. É preciso, portanto, compreender o sexo, ele tem um
iugui ii.i escola. Es tou me lembrando ag ora de certas reuniões de comis-
i f i e s ( I r programa de biologia em que tentei inculcar essas idéias aos ins-
P> I, iirs dc ensino...
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Sétima idéia
O cérebro e os hormônios são, em todas as culturas, os determinantes
dos comportamentos cotidianos.
Os grandes universais são: beber, comer, dormir e contribuir para as
gerações futuras. As interações entre essas atividades devem ser explica
das de uma maneira interdisciplinar em todos os níveis do ensino. Há
um certo número de coisas extremamente simples e claras que devem
ser ensinadas às crianças, sobre o funcionamento do cérebro e dos hormônios e sobre a maneira pela qual as diferentes culturas lidam com o
cérebro e os hormônios, às vezes com mais atritos, às vezes com menos.
Isso não é muito complicado.
Oitava idéia
Em ciência, o desconhecido é mais importante que o conhecido.
Em ciência, há muito mais coisas que não se sabe do que coisas que
se sabe. Ora, devido a uma espécie de pudor totalmente lamentável,
jamais se fala das coisas que não se sabe. Não se tem corag em de diz.e-i
isso. Paleontólogos bem menos honestos que meu colega M. Brunet.
aqui prese nte, e pré- historiadores bem menos honestos que me u orien
tador têm o hábito de contar a hominização ou a vida dos australopite-
cos como se os ouvintes estivessem presentes no local em que se pas-..rram os fatos. É como uma reportagem do T F 1 * sobre a Copa <lo
Mundo. Contam a você a vida cotidiana dos australopitecos, mas rmo *
verdade! Q ue m é que sabe? O que temos como prova? T emos uns pe la
cinhos de ossos sobre os quais tentamos encontrar vestígios. De popu
lações que contavam centenas de milhares de indivíduos e que exisl n,»ti
por milhares de anos, temos um pedaço de maiidíbula, imi ped.n,n ih
fêmur...
* Camil de televisão de maior luidiiruin na Ki mvíi (N T )
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A Humanida de
É preciso dizer o que não sabemos. O mesmo se passa com aqueles
que contam o Big- Bang como se eles tivessem assistido ao espetáculo.
Ciênc ia não é isso. C iênc ia é dizer que o que se sabe do Big- Bang é um ahipótese para explicar a irradiação cósmica, hipótese que repousa sobre
uma ex trapolação que, em qualquer outra disciplina, em qualquer outro
campo, pareceria escandalosa. Proponho, portanto, que se tire o Big-
Bang dos programas para colocar em seu lugar um pouquinho de ciên
cias humanas. Que tal falarmos um pouco das culturas árabes, das cul
turas da Cabília ou do Mali? Como é que se vive, o que se come, como
são os casamentos nessas sociedades das quais vêm nossos colegas de
classe?...
I*
Ultima idéia
Existe algo de absolutamente essencial que nos é ensinado pelo com
portamento animal: é que a aprendizagem resulta unicamente do condicio
namento.