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Retrato do bispo D. António Teles de Meneses, 1598†. Santa Casa da Misericórdia de Lamego © LABFOTO-Lamego
A Renovação e os seus Mecenas
Construir e Organizar
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Armas do bispo D. Manuel de Noronha, 1569† (lápide tumular). Claustro da Sé de Lamego © LABFOTO-Lamego
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O episcopado lamecense desde D. João Madureira (1502) a D. Miguel de
Portugal (1644)
José Pedro PAIVA
O processo normativo seguido na escolha dos bispos
Desde o reinado de D. Manuel I, mais concretamente após a escolha de
D. Jorge da Costa, o cardeal de Alpedrinha, para arcebispo de Braga, em Agosto
de 1501, facto que abriu dura controvérsia entre o rei e a cúria romana a
propósito das competências de provimentos das dioceses portuguesas, que os
bispos de todas as dioceses de Portugal passaram a ser escolhidos pelos
monarcas1. Como bem viu Fortunato de Almeida, tal não significa que os
monarcas detivessem, do ponto de vista jurídico-legal, o direito de apresentação
ou nomeação dos bispos, muito menos o designado direito de padroado, como
veio a suceder após 1514 com as dioceses ultramarinas e, com todas as novas que
se criaram no reino já depois do falecimento de D. Manuel I2. Formalmente, o
soberano “suplicava” ou “apresentava” ao papa o seu eleito para ocupar um
bispado vago, mas era à cabeça da Igreja romana que competia o direito de
nomeação. E assim foi até 17403, sendo este o enquadramento que se verificava
na diocese de Lamego no período abrangido por este estudo.
1 Todo este processo, com as devidas abonações documentais, foi já reconstituído e explicado em PAIVA, José Pedro – Os bispos de Portugal e do império 1495-1777. Coimbra: Imprensa da Universidade, 2006, p. 38-49. 2 Vid. ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja em Portugal. Ed. Damião PERES. Vol. 2. Porto: Portucalense Ed., 1968, p. 47. 3 Vid. PAIVA, José Pedro – Os bispos de Portugal..., p. 70-78.
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A questão de que se parte é a de saber como é que, de facto, os bispos
eram escolhidos pelo rei. Isto é, sondar os mecanismos da decisão régia.
Não é fácil encontrar vestígios que explicitem os meandros deste processo,
ou que clarifiquem os pressupostos da escolha do monarca, sobretudo para o
período anterior a 1580. Tal decorria do facto de estas decisões fazerem parte
integrante de um sistema de relações pessoais, cujos contornos, para cada
conjuntura concreta da escolha de um prelado singular, são extraordinariamente
difíceis de identificar.
O processo não foi sempre o mesmo no decurso do âmbito cronológico
aqui considerado, sendo detectáveis dois períodos distintos4. O primeiro, desde o
reinado de D. Manuel I até 1580, altura em que D. Felipe II de Espanha assumiu
a coroa portuguesa5. Nesta fase o mecanismo da eleição dos bispos era bastante
informal, não sendo regulado por normas escritas ou por procedimentos
previamente estipulados e sistematizados. É provável que antes da decisão última,
a qual competia sempre ao rei, este ouvisse conselheiros, confessores, membros
da nobreza cortesã, bispos titulares já no activo, religiosos ilustres do clero
regular, e até que auscultasse opiniões de alguns conselhos da administração
central, de tribunais superiores da coroa e de cabidos de catedrais. Ou que todos,
ou pelo menos alguns destes conselheiros e instituições fizessem chegar
directamente ao rei ou àqueles que com ele de mais perto privavam e exerciam
alguma influência sobre as suas decisões, pareceres, influências e pretensões. Com
probabilidade, estas movimentações, por vezes bastante agitadas e disputadas,
seriam mantidas discretamente, nos corredores do paço real, à saída de um acto
de confissão, durante uma ida à caça, ou num serão musical realizado na corte.
A corte era, de facto, um lugar decisivo para a tomada destas decisões. É bom
exemplo dessa agitação criadora de grande efervescência na corte, a escolha para 4 Para uma visão de pormenorizada, vid. PAIVA, José Pedro – Os bispos de Portugal…, p. 215-223. 5 No caso dos reis da dinastia filipina, para evitar equívocos, utilizar-se-á sempre a sua titulação castelhana.
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o arcebispado de Braga do célebre D. Frei Bartolomeu dos Mártires (confirmado
em 1559)6. Todavia, por norma, estes episódios deixavam ténues vestígios e o que
se pode saber resulta sobretudo de inferências, da análise de indícios e da
comparação com o que se passava, tanto no provimento de bispos noutras
monarquias europeias como de outros cargos palatinos, da administração central,
da milícia ou de governo do reino e do império7.
Iniciou-se um segundo ciclo, pouco depois da integração de Portugal na
monarquia hispânica, em 1580, tendo-se verificado grandes transformações no
modo de eleição dos bispos. Como era marca da governação castelhana, criou-se
um sistema mais institucionalizado e, por conseguinte, mais formalizado e
burocratizado para a eleição episcopal. Isso não significou que tivesse sido
totalmente banida muita da informalidade que sempre marcava estes processos,
sobretudo a relacionada com as sugestões e pressões que eram feitas sobre quem,
por qualquer forma, tinha neles interferência. Mas não haja dúvidas de que os
canais através dos quais tudo se passou a decidir e os procedimentos que isso
obrigava, passaram a ser melhor regulados e, logo, controlados.
O processo, no qual havia várias etapas que apontam no sentido de uma
escolha partilhada, mas cuja decisão final era do total arbítrio do rei, passou a ter a
seguinte tramitação. Quando vagava um bispado o vice-rei ou os governadores,
residentes em Lisboa, depois de ouvirem o Conselho de Estado, enviavam uma
proposta ordenada de nomes, por norma três, para o Conselho de Portugal, que
acompanhava o monarca normalmente entre Valladolid e Madrid. Neste
Conselho, avaliavam-se as sugestões chegadas de Lisboa, podiam adicionar-se
novos nomes, e/ou eliminar outros. Daqui seguia, posteriormente, um parecer
com os candidatos devidamente ordenados e, por vezes, com indicações sobre as 6 Vid. PAIVA, José Pedro – Os bispos de Portugal…, p. 330-332. 7 Para o caso de França e Espanha vid., respectivamente, BERGIN, Joseph – The making of the French episcopate, 1589-1661. New Haven; London: Yale University Press, 1996; e BARRIO GOZALO, Maximiliano – El real patronato y los obispos españoles del Antiguo Régimen (1556-1834). Madrid: Centro de Estudios Políticos e Constitucionales, 2004.
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rendas da diocese e sugestões de pensões e pessoas a quem se deviam dar. Esse
parecer era depois avaliado pelo rei, podendo para tal contar com sugestões do
secretário para os assuntos de Portugal, do seu confessor ou, no período de
D. Felipe III e no de D. Felipe IV, com a interferência dos respectivos validos,
duque de Lerma e conde-duque de Olivares. Em algumas circunstâncias, raras, o
monarca podia ainda pedir que se efectuassem algumas diligências extraordinárias
e depois decidia. A sua escolha era comunicada ao vice-rei ou governadores em
Lisboa, os quais deviam notificar o eleito.
O sistema descrito, tal como se demonstrou, conheceu flutuações no
decurso do período em observação, e apesar de centrar no rei a decisão final,
estava aberto à interferência de vários agentes com interesses pessoais, familiares
ou grupais discrepantes e conflituantes. O rei não decidia na solidão da sua
câmara. Mas a sua decisão era a última e a definitiva, mesmo que fosse contrária a
todos os pareceres previamente recebidos.
A equação da nomeação episcopal
Partindo destes pressupostos, o que agora importa é saber quais os critérios
ou princípios que eram ponderados por todos aqueles que interferiam na eleição
de um bispo, e de modo especial o rei, a quem competia a decisão final.
A escolha resultaria daquilo que designo por equação de nomeação
episcopal. Tratava-se de fórmula bastante complexa, na qual, por norma, se
avaliavam e tentavam conciliar seis factores de forma conjugada: o mérito do
escolhido em função dos padrões daquilo que seria o modelo ideal de prelado, os
serviços que o candidato ou seus familiares tivessem prestado anteriormente ao
monarca, as relações de parentesco que possuía, as redes clientelares em que se
inseria, a oportunidade da escolha no âmbito da conjuntura política geral, por
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último, a adequação entre a diocese concreta que era necessário prover e o eleito8.
É de admitir que nem sempre todos os termos de tão subjectiva equação tiveram
o mesmo peso na decisão. Tal como é plausível que numa ou noutra eleição
alguns não fossem ponderados. Na decisão final, a arbitrariedade do rei era
decisiva.
Avaliem-se, sinteticamente, mas com um pouco mais de pormenor cada
um dos factores da equação episcopal.
Em primeiro lugar o mérito, isto é, as virtudes pessoais dos indivíduos
potenciais candidatos a bispos. Esse mérito era avaliado no quadro dos
parâmetros que numa determinada época se consideravam ser os mais ajustados
ao padrão ideal de bispo, os quais foram variando no decurso do tempo. E esse
padrão era desde logo moldado pelas imposições que vinham de Roma e que a
após o Concílio de Trento (1545-1563) exigiam alguns requisitos dos candidatos,
como serem filhos legítimos, terem ordens sacras, idade superior a 30 anos, serem
graduados em direito ou teologia, terem uma vida moral e um comportamento
exemplares.
Em muitas cartas relativas a estes processos, de facto, encontram-se
referência aos méritos, à formação académica, às virtudes pessoais, à boa
capacidade de governo já demonstradas anteriormente no exercício de outros
cargos, a experiência governativa de dioceses adquirida por via do exercício
pretérito do cargo de governador ou vigário-geral, a prática missionária,
considerada de grande utilidade para os bispos ultramarinos em geral. Estes eram
factores que, em escala difícil de quantificar, estavam presentes no processo de
eleição episcopal.
Apesar de haver quem considerasse que, na prática, o mérito pessoal seria
um bem insuficiente, ou que, pelo menos, se via frequentemente ultrapassado por
outros factores. O já referido D. Frei Bartolomeu dos Mártires chegou a declarar
8 Retomo propostas desenvolvidas em PAIVA, José Pedro – Os bispos de Portugal..., p. 229-277.
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em Trento que os indivíduos eram elevados ao episcopado “por amizades, por
pressões humanas, por distinção social, por ambição e avareza e até por
dinheiro”9. Ou seja, até a suspeição de que estes lugares podiam ser venais foi
publicamente denunciada.
O segundo factor da equação episcopal era a posse de um percurso de
serviços prestados à monarquia, pelo próprio e/ou pelos seus familiares, isto é,
pelos avós, pais, tios ou irmãos. Esses serviços podiam ser de variada natureza,
consistindo, na maior parte das vezes, na ocupação de certos cargos ou funções
para os quais os futuros bispos já tinham sido nomeados pelo rei anteriormente
(por exemplo, confessores ou pregadores régios) ou então pela participação de
familiares em várias áreas da vida política, judicial, militar ou na casa real. E o
facto de os monarcas assumirem esta concepção ia a par com o comportamento
dos súbditos, que sabiam que para se chegar a bispo era útil servir o rei. Esta
necessidade de serviço à coroa era uma dimensão intrínseca da cultura da
nobreza, no âmbito da qual eram recrutados a maioria dos bispos do reino. No
fundo, servir o rei era uma porta para eventualmente se poder chegar a bispo.
E esse serviço era tanto mais apreciado quanto ele não se circunscrevia ao
próprio, antes tinha o prestígio de se prolongar por várias gerações.
O terceiro factor da equação era a origem familiar dos pretendentes. Este
aspecto tinha, quase sempre, grande peso. Tanto maior quanto mais importante
era a diocese a preencher e, consequentemente, de mais alta estirpe aqueles que a
ela eram candidatos. Já foi mesmo sugerido que em sistemas de tipo personalista
(“person-oriented systems”), entre os vários tipos de relações que influenciavam a
tomada de decisões e particularmente as referentes à distribuição do poder e da
9 Citado por ROLO, Raul Almeida – O bispo e a sua missão pastoral: segundo D. Frei Bartolomeu dos Mártires. Porto: Movimento Bartolomeano, 1964, p. 34-35.
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riqueza, a mais importante era a família10. Isso era tanto mais verdade quanto no
sistema de preservação e reprodução da casa aristocrática a abertura de carreiras
eclesiásticas para os secundogénitos, que por norma não casavam, era um aspecto
decisivo. Chegar a bispo trazia proventos materiais e simbólicos, para o próprio, é
certo, mas alguns podiam reverter a favor da própria casa. Basta dizer que os
bispos tinham à sua disposição benefícios e cargos para distribuir nas suas
dioceses e que muitos deles podiam ser oferecidos a irmãos, primos e, sobretudo,
a sobrinhos.
A análise do episcopado de Portugal e do seu império ultramarino, não
autoriza declarar que a família era elemento central na escolha de um bispo. Mas
não deixa quaisquer dúvidas sobre a enormíssima influência que este factor jogava
no processo, repito, sobretudo nas dioceses de maior destaque. O facto de se
encontrarem imensos casos de bispos irmãos, primos, tios-sobrinhos e até,
exclusivamente no século XVI, pais-filhos é mais um argumento de peso a favor
da importância da família na altura da eleição das mitras. O exemplo mais
impressionante do peso da família no contexto do episcopado português, é o dos
Lencastres, com ligações à casa de Aveiro, descendentes do Mestre de Santiago e
2º duque de Coimbra D. Jorge, por sua vez filho ilegítimo de D. João II, pelo que
se tratava de linhagem com sangue real, ainda que por via bastarda. Desta família,
entre o reinado de D. João III e 1770, saíram oito bispos.
Atente-se agora na importância das relações de tipo clientelar no processo
da eleição episcopal, ou seja, o quarto factor da equação. A estrutura distributiva
dos recursos, cargos e poder dependia muito de arranjos e composições,
maioritariamente determinadas por formas de regulação baseadas em relações
clientelares de base personalista, isto é, cuja essência eram os contactos e as
10 Vid. LIND, Gunner – Great friends and small friends: clientelism and the power elite. In POWER elites and state building. Ed. Wolfgang REINHARD. Oxford: Clarendon Press/European Science Foundation, 1996, p. 123.
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alianças interpessoais, ou de grupos de indivíduos11. Neste complexo e fluido
universo, lugares, favores e vantagens eram intensamente disputados, num quadro
onde o poder do protector sobre as suas criaturas resultava da sua capacidade de
decidir ou de inclinar decisões e dos favores que já tinha recebido no passado.
Note-se ainda que, neste âmbito, as alianças entre as partes envolvidas não eram
formalizadas ou contratualizadas por escrito, digamos que decorriam de um
acordo tácito, de uma convergência prospectiva de vantagens potenciais para
ambas, sendo que os benefícios que cada uma vislumbrava alcançar através deste
acordo não eram definidos à partida e podiam oscilar ao sabor da conjuntura.
No caso concreto em análise, esta cultura do exercício do poder e das
relações sociais suscitava a emergência, nas alturas que precediam a escolha
episcopal, de um sistema pluriarticulado composto por vários níveis/estratos,
correspondentes a distintos pólos de decisão, sobre os quais se exerciam pressões
oriundas de pontos diferentes. Essas pressões não tinham origem,
exclusivamente, numa matriz de relações de tipo clientelar, mas também, como se
expôs a abrir este tópico, em relações de parentesco, amizade e solidariedades de
grupo. Esta rede era composta por cinco pólos habitualmente envolvidos num
processo de eleição episcopal. A saber:
1 - O rei, a quem cabia a decisão final;
2 - Um círculo muito restrito de pessoas, como a rainha, um confessor, um
valido, um ministro, com quem ele tomava decisões;
3 - Pessoas com as quais os candidatos a bispos e os do seu círculo mais
próximo cultivavam relações de vários tipos, e que por sua vez mantinham
relações do mesmo género como todos os outros pólos deste sistema,
funcionando assim como intermediários, ou mediadores (brokers);
11 Sobre o assunto em geral é de toda a utilidade a consulta de EISENSTADT, S. N. e RONIGER, Louis – Patron-client relations as a model of structuring social exchange. Comparative Studies in Society and History. 22-1 (1980) 42-77.
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4 - Um grupo mais amplo de indivíduos que, em função de cargos que
ocupavam, eram auscultados antes de o monarca escolher um bispo. Estão
neste caso vice-reis, governadores do reino, membros do conselho do rei
ou conselheiros de Estado, representantes do Conselho de Portugal;
5 - O candidato a bispo e a sua família (estrita ou mais alargada) e amigos
próximos.
É no âmbito deste complexo quadro, no qual as múltiplas relações
potencialmente realizáveis entre os diversos estratos do sistema se podiam fazer,
que se processavam as mais ou menos informais influências com vista à
nomeação de um bispo, reguladas pelas normas/regras dos sistemas clientelares
de base pessoal.
No fundo, isto significa que para se chegar a bispo, para além de outros
aspectos já referidos, era necessário ter pessoas que apoiassem a sua candidatura e
que tivessem influência junto daqueles que tomavam decisões nesta matéria, isto
é, possuir valimentos bem distribuídos e variados.
Perante um tão vasto e emaranhado conjunto de influências pode
perguntar-se qual era, afinal, o papel do rei, situado no topo da pirâmide decisória.
Ele não controlava tudo. Mas não se pode esquecer que a última decisão era
sempre sua. Esse poder era enorme, permitindo-lhe até decidir ao arrepio do
escalonamento proposto pelos órgãos ou pessoas que tinham dado pareceres
formais sobre o assunto, ou arranjando a seu modo as sugestões que recebia.
O quinto factor da equação episcopal era a oportunidade política de cada
escolha em concreto. Pretende-se com isto sublinhar como se podia ser
episcopável, isto é, reunir qualidades pessoais, serviço e valimentos bem
distribuídos e variados durante muito tempo e nunca se vir a ser bispo. Ou
porque nos momentos em que havia condições para se ser nomeado não vagavam
dioceses, ou porque havia outros concorrentes que se sobrepunham, ou porque
outros lugares reclamavam a presença do candidato, ou por outras quaisquer
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razões nem sempre fáceis de identificar. Competia ao monarca e a alguns dos seus
conselheiros ajuizar da oportunidade de cada escolha, tendo em consideração que
cada caso/nomeação era apenas uma célula do amplo organismo que constituía o
corpo vivo de interesses que era preciso governar e manter equilibrado. O bom
funcionamento do governo em muito dependia da perícia régia e da dos seus mais
directos conselheiros para manterem equilibrado todo o sistema. Daí que em cada
momento era necessário ponderar a configuração política e decidir, de modo a
manter equilibrado este sistema em constante alteração, o qual não era apenas
composto pelos lugares para dioceses vagas mas também por toda o vasto
conjunto de cargos, mercês e privilégios na casa real, na corte, nos conselhos, nos
tribunais, na milícia, na governação do império, nos cabidos das catedrais, nas
ordens militares, todos dependentes da escolha e da última palavra do rei.
O sexto e derradeiro elemento que devia ser ponderando ao nomear um
antístite era o equilíbrio a observar entre a diocese concreta que era necessário
prover e o escolhido. Neste plano é imperioso ter presente que nem todas as
dioceses tinham o mesmo estatuto. Pelo contrário, elas eram diferentes do ponto
de vista do prestígio e antiguidade que tinham, da sua extensão, das rendas que
propiciavam, do estatuto simbólico que ostentavam, etc. Lamego era, na
hierarquia das dioceses portuguesas da Época Moderna um lugar intermédio que
ficaria apenas abaixo dos três arcebispados (Braga, Lisboa e Évora) e da diocese
de Coimbra. Ou seja, uma diocese muito desejada. Enfim, era preciso encontrar
um equilíbrio entre a pessoa e a diocese. É que umas e outras eram diferentes e
governar com justiça, aquilo que sempre se esperava do rei, significava reconhecer
e respeitar essa distinção dos súbditos, o que implicava observar o princípio de
“dar a cada um o que é seu”.
Para além disso, o rei e os seus conselheiros estariam eticamente
comprometidos nesta delicada escolha, devendo, para não incorrer em pecado, ou
para se libertarem de escrúpulos, sintonizar a sua selecção com as qualidades que,
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segundo o consagrado pelos cânones romanos e pela tratadística do tempo, o
bispo devia ter. Isto é, estariam condicionados a acertar a eleição, se possível com
a inspiração divina, mas ao menos pelo padrão do bispo modelo, o qual conheceu
alguma variabilidade no decurso do período em estudo. Pode, portanto, dizer-se
que este era mais um aspecto que podia influir na selecção do episcopado.
Finalmente, o monarca, que como já se sustentou era o decisor final, não
estava apenas constrangido pela cultura de funcionamento do sistema e por
imperativos ético-morais. Era também influenciado pelos modos concretos de
actuação dos interessados, no momento específico em que vagava uma diocese.
Em suma, a escolha de um bispo, era um processo bastante complexo e
dependente de uma pluriarticulado conjunto de factores no qual estavam
envolvidas várias pessoas e instituições, mas era ao rei, no limite, que cabia a
decisão última.
Política de nomeação, sociologia e carreiras dos bispos lamecenses
Tomando como base o acima exposto, que consequências tiveram estes
procedimentos na configuração do perfil do episcopado de Lamego, mais
especificamente entre a assunção da mitra por D. João de Madureira, em 24 de
Janeiro de 150212, e o governo de D. Miguel de Portugal, último bispo nomeado
antes da Restauração de 164013. Trata-se de um universo de doze prelados,
conforme o elenco seguinte14:
12 Este prelado foi preconizado bispo de Lamego, trasferido do Algarve, por provisão papal desta data, Archivio Segreto Vaticano (ASV), Arch. Concist., Acta Camerarii, vol. 1, fl. 126. 13 A preconização de D. Miguel de Portugal ocorreu em 14 de Maio de 1636, ASV, Arch. Concist., Acta Camerarii, vol. 17, fl. 116v. Teria tomado posse, por procurador, em 17 de Outubro deste ano, vid. COSTA, M. Gonçalves da – História do bispado e cidade de Lamego. Vol. 3: Renascimento I. Lamego: [s.n.], 1982, p. 81. 14 Todos os dados utilizados relativos ao episcoplógio de Lamego, bem como os referentes aos percursos biográficos dos antístites, doravante aqui analisados, fazem parte de uma base de dados criada
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D. João de Madureira (1502-1513) D. Fernando de Meneses Coutinho e Vasconcelos (1513-1540) D. Frei Agostinho Ribeiro (1540-1549) D. Manuel de Noronha (1551-1569†) D. Manuel de Meneses (1570-1573) D. Simão de Sá Pereira (1575-1579) D. António Teles de Meneses (1579-1598†) D. Martim Afonso de Melo (1599-1613†) D. Martim Afonso Mexia (1615-1619) D. João de Lencastre (1622-1626†) D. João Coutinho (1627-1635) D. Miguel de Portugal (1636-1644†)15.
O primeiro indicador inspeccionado foi o da naturalidade deste conjunto
de bispos. Apurou-se um predomínio de prelados nascidos em Lisboa, 5 em 11,
correspondentes a 45,4% do universo conhecido, pois permanece ignorado o
local de nascimento de um deles (D. João de Madureira). Os restantes
distribuem-se por uma grande variedade de proveniências, desde o Funchal,
Serpa, Campo Maior, ou cidades de maior dimensão como Évora e Coimbra.
A centralização na capital do processo de eleição episcopal e a sedentarização pelo autor deste texto, a qual compila informações provenientes de diversas fontes arquivísticas e de bibliotecas, de que destaco o ASV, o Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), o Arquivo da Universidade de Coimbra (AUC), Arquivo do Cabido da Sé de Évora (ACSE) e a Biblioteca Nacional de Portugal (BNP). Muitos destes elementos, da maior utilidade, ainda que, por vezes, careçam de indicação rigorosa da fonte original em que foram colhidos, podem encontrar-se em bibliografia já publicada, de que relevo o citado COSTA, M. Gonçalves da – História do bispado… Vol. 3, p. 11-104. Igualmente úteis, mas menos exaustivos, os episcopológios de ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja... Vol. 2, p. 630-631; e AZEVEDO, Joaquim de – Historia ecclesiastica da cidade e bispado de Lamego. Porto: Typ. Jornal do Porto, 1877, p. 70-85. 15 Referem-se apenas os bispos escolhidos pelos reis de Portugal e confirmados pelo papa. Assim, não se consideram algumas eventuais propostas de nomes que, todavia, jamais foram preconizados pela Santa Sé, e que, equivocadamente, alguns autores consagrados nos anais da história lamecense referiram, como, por exemplo Frei Pedro Aires de Landim ou Frei Roque do Espirito Santo, que Joaquim de Azevedo dá como bispos eleitos de Lamego a seguir a D. Manuel de Noronha, vid. AZEVEDO, Joaquim de – Historia ecclesiastica…, p. 77. Note-se que esta obra, tendo a vantagem de ter sido compilada por alguém que compulsou várias fontes originais, apesar de raramente as explicitar, contém alguns erros, pelo que deve ser seguida com cautela. Dou apenas dois exemplos de erros de facto. Na p. 74, referindo a criação da Inquisição de Lamego, diz que o rei convidou D. Frei Agostinho Ribeiro, em 1541, para a governar, o que é certo. Mas depois diz que a Inquisição de Lamego nunca funcionou, o que é um erro. Existem no ANTT vários processos que confirmam a sua actividade, ver, por exemplo, ANTT, Inquisição de Lisboa, processo nº 187 e 5741. Adiante, na p. 83, afirma-se que o D. João de Lencastre tomou posse de Lamego a 7 de Fevereiro de 1622, o que é impossivel, pois o bispo só foi preconizado pelo papa a 21 de Junho de 1622, ASV, Arch. Concist., Acta Camerarii, vol. 15, fl. 195.
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progressiva da corte régia naquela urbe durante a maior parte do século XVI,
ajudam a explicar este predomínio de bispos dali oriundos, como sucedia, aliás,
em grande parte das restantes dioceses do reino. Este é, no fundo, mais um traço
que evidencia a importância crescente da corte na configuração da vida político-
-eclesiástica portuguesa moderna.
O segundo critério estudado foi o da idade dos indigitados para a mitra de
Lamego, na altura em que foram tornados bispos da diocese. Desconhece-se esse
valor em 3 casos (D. João de Madureira, D. Manuel de Meneses e D. Simão de Sá
Pereira). Em relação aos outros, destaca-se o facto de se tratar de um conjunto de
indivíduos com idade muito madura. Em média tinham cerca de 43 anos quando
foram preconizados.O mais novo de todos contava 33 anos na altura da provisão
(D. Fernando de Meneses Coutinho e Vasconcelos)16, o mais idoso tinha já 60
(D. Frei Agostinho Ribeiro, o qual, todavia, já fora previamente bispo de Angra,
nos Açores)17. Sinal evidente da opção por indivíduos com provas de serviço já
dadas e experiência prévia, que pudessem avalizar bons desempenhos, mas
também consequência das imposições colocadas por Roma e, de certo modo,
definidas pelo padrão do modelo episcopal tridentino, que determinavam os 30
anos como idade mínima para se aceder ao episcopado.
A origem social deste corpo de prelados constitui o terceiro elemento da
sua definição sociológica. Deve sublinhar-se como a esmagadora maioria eram
oriundos da nobreza, 11 (91,6%), sendo que destes, 5 (41,6%), eram filhos ou
netos de nobreza titulada e alguma cortesã, como, por exemplo, D. Fernando de
Meneses Coutinho e Vasconcelos (o pai dele era D. Afonso de Vasconcelos de
16 O bispo nasceu em 1480. Em carta dirigida ao papa, o próprio afirmava ter 33 anos de idade no ano de 1513, Arquivo Distrital de Évora (ADEVR), Enformação de Dom Fernando de Meneses arcebispo de Lixboa para o papa sobre os agravos que dis receber do Cardeal dom Amrique irmão del rei Dom João III, cód. CIII/2-26, fl. 238v. 17 A sua idade é referida na carta régia em que o indica ao papa para bispo, em 3 de Agosto de 1540, ver Corpo diplomático portuguez contendo os actos e relações políticas e diplomáticas de Portugal com as diversas potencias do mundo desde o século XVI até aos nossos dias. Vol. 4. Lisboa: Typ. Academia Real das Sciencias, 1862, p. 322-323.
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Meneses, 1º conde de Penela)18 ou D. Miguel de Portugal (o seu progenitor era
D. Luís de Portugal, 4º conde de Vimioso)19. Somente um dos bispos de Lamego
Fig. 1 – Selo de chapa de D. Frei Agostinho Ribeiro, 1544 (6 Nov.) © Arquivo do Museu de Grão Vasco, Docs. Avulsos, Correspondência, nº 80.
tinha origem social mais modesta, tratava-se de D. Martim Afonso Mexia, que
não possuía ascendentes nobilitados. E assim era, basicamente, por duas ordens
de razões. Por um lado, pelo elevado estatuto da diocese de Lamego e pelas ricas
rendas que propiciava aos seus titulares, o que a transformava num privilégio
quase exclusivo com que a monarquia remunerava serviços da nobreza. Por outro
lado, por causa da capacidade de influência que estas famílias tinham na corte,
onde, como vimos, estes lugares eram distribuídos, dada a sua inserção em redes
familiares e clientelares cortesãs. Note-se, ainda, que tal como se estipulara em
Trento, a maioria destes bispos eram filhos legítimos. Apenas um, D. João de
Madureira, obviamente provido antes do Concílio, tinha origem bastarda20.
18 BNP, BARBOSA, José – Genealogia episcopal, cód. 1099, fl. 77v. 19 BNP, Catálogo dos bispos de Lamego, cód. 49, fl. 124. 20 Confirma-o SOUSA, António Caetano de, vid. BNP, Catalogo historico das dignidades eclesiasticas e militares do Reyno de Portugal e suas conquistas..., cód. 47, fl. 127v.
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O quarto vector a considerar é o nível e a área de formação escolar dos
antístites, de que não há notícia para três deles (D. João Madureira, D. Frei
Agostinho Ribeiro e D. Manuel de Noronha21). Um teria aprendido no mosteiro
de S. Vicente de Fora, em Lisboa, mas não há memória de que ostentasse estudos
universitários (D. Fernando de Meneses Coutinho e Vasconcelos)22. A maioria, 8
(66,6%) tinha, portanto, formação académica/escolar superior (6 apresentavam o
grau de doutor, 1 de licenciado e outro de bacharel). Era este D. João de
Lencastre. E sabia-se bem como em Roma, depois de terminado o Concílio de
Trento, se requeria aos candidatos apresentados pelos monarcas para as mitras,
que a par com a idade mínima de 30 anos, fossem filhos legítimos, com ordens
sacras, licenciados ou doutores em Cânones ou Teologia, de boa vida, e fama
impoluta no que a comportamentos morais dizia respeito23. Por isso, na altura da
sua indicação para Lamego, o rei, D. Felipe III, escreveu ao seu embaixador em
Roma, constatando como o escolhido não tinha ainda nem o grau de doutor, nem
o de licenciado, “que requiere el sancto Concilio de Trento aun que siendo en ella bachiler
formado, se entiende que esta habil y que sin otra approvacion de la Universidad en que estudio
puede ser provehido del obispado. Todavia, en caso que se repare en esto se tenga por necessaria
dispensacion hareis de my parte con Su Beatitude Y sus ministros toda la instancia que fuera
minister para que tenga por bien de suprir este defecto como se he hecho con muchas personas
[...]”24.
21 Todos providos antes de ter terminado o Concílio de Trento, pelo que é de presumir que não tivessem estudos superiores. Eventualmente, D. Frei Agostinho Ribeiro teria alguma preparação obtida no seio da ordem religiosa de que provinha. Já D. Manuel de Noronha, que em 1514 estava em Roma, onde era camarista do Papa, deve ter obtido aí alguma preparação. 22 Di-lo AZEVEDO, Joaquim de – Historia ecclesiastica…, p. 71-72. 23 Vid. este preceituado em O sacrosanto e ecumenico Concilio de Trento em latim e portuguez. Vol. 2. Lisboa: Offic. de Simão Thadeo Ferreira, 1786, sessão XXII, decreto de reforma, cap. II, p. 121-123. 24 Archivo General del Ministerio de Asuntos Exteriores y de Cooperación (ACMAE), Archivo de la Embajada de España cerca de La Santa Sede, Legajo 94, fl. 25.
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Fig. 2 – Calvário (no canto inferior esquerdo, na posição de orante, representa-se o bispo e encomendador da obra D. António Teles de Meneses), Gonçalo Guedes (2ª metade do séc. XVI). Museu de Lamego © José Pessoa. DGPC/Divisão de Documentação, Comunicação e Informática.
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De todos os que cursaram estudos superiores, seis (50%) elegeram
Cânones, e só 2 (16,6%) Teologia, tendo a maior parte, 7 (58,3%) obtido a sua
graduação na Universidade de Coimbra, instituição que teve um peso decisivo na
formação académica do episcopado lamecense. Apenas um obteve os graus na
Universidade de Salamanca (D. Martim Afonso Mexia)25.
Este padrão sintoniza-se com o perfil requerido por Trento, mas também
com as exigências da coroa de um episcopado intelectualmente preparado. Por
outro lado, deve destacar-se o facto de a maioria dos prelados terem formação na
área de Cânones. Era isso o mais comum nas dioceses do reino, onde se
considerava que não havia grandes necessidades de evangelização das populações,
que já eram cristãs, tarefa que segundo os padrões do tempo era melhor
desempenhado por quem tinha formação em Teologia. Era esta, por conseguinte,
a área de onde eram recrutados os prelados que iam para as dioceses do império.
Mas não era esse, obviamente, o caso de Lamego.
O quinto traço caracterizador do episcopado é a preponderância
esmagadora de clérigos seculares, 11 (91,7%), para apenas 1 (8,3%) regular, todos
já presbíteros na altura em que acederam à mitra. A excepção foi D. Frei
Agostinho Ribeiro, membro da congregação de S. João Evangelista, também
conhecidos por Lóios26. A supremacia de bispos seculares era traço comum à
generalidade das dioceses do reino, mas não com um peso tão esmagador como
em Lamego. Trata-se, simultaneamente, de mais um elemento denunciador do
elevado estatuto da diocese, que tinha por consequência eliminar os membros das
ordens regulares, os quais, por norma tinham origens mais humildes na maioria
das congregações. E articula-se ainda com a preferência por canonistas para
governar esta vasta e rica diocese. É que os regulares, eram esmagadoramente
teólogos. 25 Atesta-o uma testemunha do seu processo consistorial, ASV, Arch. Concist., Processus Consist., vol. 5, fl. 380v. 26 Certifica-o o registo da sua preconização, ASV, Arch. Concist., Acta Misc., vol. 7, fl. 298.
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Como era expectável, até em função do que ficou dito a propósito dos
critérios que conformavam as decisões na escolha dos bispos, estes, no momento
em que eram eleitos ostentavam, por norma, uma distinta carreira e serviços
abundantes à monarquia e à Igreja. No fundo, eram méritos pessoais e serviços
que tinham peso em quem decidia. Foram 5 (41,6%) os que serviram o rei como
seus esmoleres, capelães e deões da capela real. O serviço à coroa manifestou-se
igualmente através do exercício de funções em tribunais centrais e conselhos da
Coroa, como a Mesa da Consciência e Ordens, em que se destacaram 4 (33,3%)
dos promovidos ao bispado de Lamego.
Seis (50%), excluindo D. Frei Agostinho Ribeiro, que já foi inquisidor
depois de ser nomeado bispo, haviam servido a Inquisição, percentagem que se
torna ainda mais significativa se se considerar apenas o período posterior à criação
deste tribunal, em 1536. Nesse caso mais de metade dos bispos de Lamego, 6 em
10, estavam ao serviço do Santo Ofício na altura da sua eleição. Este dado precisa
de ser realçado, pois se é certo que foi comum em todo o reino a Inquisição servir
como uma espécie de viveiro de recrutamento de bispos, sinal do peso que foi
adquirindo da Igreja portuguesa, é evidente, no caso de Lamego, a intenção de
colocar à cabeça da diocese, uma zona onde a presença de cristãos-novos era
muito elevada, prelados da máxima confiança da Inquisição e que pudessem
cooperar activamente na perseguição dos judaizantes da região. Conhecem-se,
aliás, bispos em quem o inquisidor geral delegou poderes para actuarem
autonomamente contra heréticos nos seus auditórios episcopais, como foram os
casos de D. Simão de Sá Pereira e D. Manuel de Meneses27. Este chegou, aliás, a
ser escolhido pelo cardeal D. Henrique para seu sucessor como inquisidor geral,
prova cabal da sua sintonia com os propósitos do Tribunal, e só não foi, porque,
27 Para Sá Pereira, ver, por exemplo, ANTT, Inquisição de Coimbra, proc. 2092; para Manuel de Meneses, ver ANTT, Inquisição de Coimbra, M. 58, nº 3.
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entretanto, faleceu na Batalha de Alcácer-Quibir, para onde tinha ido na comitiva
de D. Sebastião28.
Cinco (41,6%), desempenharam cargos universitários, como professores,
mas sobretudo como reitores: D. Fernando de Meneses Coutinho e Vasconcelos,
ainda com a Universidade em Lisboa, e D. Frei Agostinho Ribeiro e D. João
Coutinho, já com ela em Coimbra29. Trata-se de um quantitativo importante, até
por comparação com outras dioceses, e indica que à semelhança do que sucedeu
com a do Algarve, era vulgar a monarquia premiar os que eram reitores com a
distinção de uma destas duas mitras: Lamego e Faro.
Relevem-se ainda 2 casos (16,6%) de indivíduos com passagem por Roma,
ainda que em funções de diferente natureza. Um ao serviço do papa, D. Manuel
de Noronha, que em 1514, com apenas 12 anos de idade, já era camarista do
papa, que por ele intercedia junto do rei D Manuel I, pedindo-lhe para o favorecer
com a mitra do Funchal quando esta vagasse30. Outro, D. Martim Afonso Mexia,
ao serviço do rei D. Felipe III, como seu agente em Roma para os assuntos
relacionados com a Igreja portuguesa31.
Uma significativa percentagem também tinha usufruído de benefícios em
cabidos (7) (58,3%) ou em igrejas paroquiais (6) (50%), denunciado carreiras
preparadas desde cedo e segura inserção nas redes clientelares que propiciavam a
recepção destes lugares, os quais eram, para a maioria, apenas fontes de receita,
pois gente desta estirpe, por norma, não residia nos seus benefícios. A excepção 28 A bula da sua nomeação como coadjutor e futuro sucessor de D. Henrique no cargo de inquisidor geral pode ver-se em ANTT, Conselho Geral do Santo Ofício, liv. 136, fls. 36-38v. Já a noticia da sua morte em Marrocos atesta-se em SOUSA, António Caetano de, vid. BNP, Catalogo historico das dignidades eclesiásticas…, fl. 1v. 29 Para o reitorado de Coutinho, cargo que ostentou quando já era bispo, vid. COSTA, M. Gonçalves da – História do bispado… Vol. 3, p. 16. Para os de D. Agostinho Ribeiro e D. João Coutinho, vid. RODRIGUES, Manuel Augusto – A Universidade de Coimbra e os seus reitores: para uma história da instituição. Coimbra: Arquivo da Universidade, 1990, p. 45 e 92. 30 O breve pelo qual o Sumo Pontífice pede ao rei D. Manuel a mitra do Funchal para D. Manuel de Noronha, e em que o apresenta como seu camarista, está em Corpo diplomático Portuguez ... Vol. 11, p. 103-104. 31 Vid. CASTRO, José de – Bragança e Miranda (Bispado). Vol. 1. Porto: Tip. Porto Mâedico, 1946, p. 296.
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teria sido D. Frei Agostinho Ribeiro, que ainda antes de ter ingressado nos Lóios,
e como clérigo secular, foi pároco na Ilha do Corvo, nos Açores.
Uma nota ainda sobre a duração dos episcopados e a causa do seu término.
Boa parte dos episcopados, 4 (33.3%) foram curtos, isto é, não chegaram a durar
mais de 5 anos. Três (25%) demoraram entre 6 e 10 anos e os restantes 5 (41,6%),
foram longos, ou seja correspondem a prelados que governaram mais de 10 anos.
O mais longevo, durou o impressionante período de cerca de 27 anos e foi
protagonizado por D. Fernando de Meneses Coutinho e Vasconcelos, mas deve
sublinhar-se que isto sucedeu num tempo em que a residência episcopal na sede
diocesana era rara. O espólio conhecido de correspondência do bispo para o
cabido, revela a sua ausência durante longos períodos, porque estante com a corte
em Évora, ou Lisboa, ou ainda passando longas temporadas em Coimbra, onde
residia o seu tio e bispo de Coimbra D. Jorge de Almeida (1482-1543†)32. Os mais
curtos com cerca de 3 anos de duração foram os de D Manuel de Meneses e de
D. João de Lencastre. Note-se ainda como a maioria destes breves episcopados
ocorreram todos maioritariamente no século XVII, numa época em que foi
comum a monarquia filipina utilizar uma política constante de transferência de
bispos de umas para outras dioceses33, pelo que se pergunta se este indicador, o
qual seguramente também era fruto de algum acaso, não teve um impacto real na
capacidade de actuação efectiva dos bispos no governo das dioceses?
E porque é que terminavam os episcopados? Em dois casos, D. João de
Madureira e D. Frei Agostinho Ribeiro, foram os próprios prelados a resignar,
invocando a sua avançada idade e falta de saúde. A morte significou o fim para 5
(41,6%). Igual contingente deixou de ser bispo de Lamego por transferência para
outra diocese, e sempre para bispados mais distintos, com excepção de D. Simão
32 ANTT, Sé de Lamego, Correspondência, M. 1, nº 8 em diante, são algumas dezenas de cartas. 33 Vid. PAIVA, José Pedro – Os bispos de Portugal..., p. 387-388.
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Fig. 3 – Pedra de armas de D. Manuel de Noronha (15551-1569). Museu de Lamego © José Pessoa. DGPC/Divisão de Documentação, Comunicação e Informática.
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de Sá Pereira, que foi para o Porto. Dos outros, dois foram promovidos para
Coimbra (D. Manuel de Meneses e D. Martim Afonso Mexia), um para Lisboa,
D. Fernando de Meneses Coutinho e Vasconcelos e outro para Évora, D. João
Coutinho. O que significa que, apesar de tudo o serviço em Lamego podia ser
recompensado com a promoção a uma mitra de maior destaque.
Os dados atrás expostos são de grande utilidade para se poder entender
melhor como é que estes bispos governaram a sua "esposa" de Lamego. Não é
esta, todavia, o momento para compor essa apreciação. Pretende-se, tão só, deixar
breves reflexões sobre a matéria.
A primeira para referir o já amplo conjunto de estudos existentes sobre a
intervenção do episcopado lamecense no campo artístico, pesquisas que
consentem ter uma noção do papel importantíssimo desempenhado na Sé e na
cidade, durante os três primeiros quartéis do século XVI, por bispos como
D. João de Madureira (1502-1513), e sobretudo D. Fernando de Meneses
Coutinho e Vasconcelos (1513-1540) e D. Manuel de Noronha (1551-1569†)34.
A segunda para, discordando de algumas interpretações já avançadas por
M. Gonçalves da Costa, na sua magna História do bispado e cidade de Lamego35,
propor pistas justificativas do processo de desaceleração e até estiolação do fulgor
com que os bispos de Lamego até D. Manuel de Noronha promoveram grandes
campanhas artísticas em Lamego. A meu ver isso prendeu-se com um amplo
conjunto de razões que, em boa parte, ultrapassaram as intenções e projectos dos
próprios titulares das mitras de D. Manuel de Meneses (1570-1573) em diante.
34 Para além dos já citados trabalhos de Joaquim de AZEVEDO e de M. Gonçalves da COSTA, vid. CORREIA, Virgílio – Artistas de Lamego. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1923 e do mesmo autor Vasco Fernandes: mestre do retábulo da Sé de Lamego. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1924; SERRÃO, Vítor – O bispo D. Fernando de Meneses Coutinho, um mecenas do Renascimento na diocese de Lamego. In PROPAGANDA e poder. Congresso peninsular de História da Arte. Coord. Marisa COSTA. Lisboa: Colibri, 2001, p. 259-283; e RODRIGUES, Dalila – Modos de expressão na pintura portuguesa: o processo criativo de Vasco Fernandes (1500-1542). 2 Vols. Coimbra: [s.n.], 2000 (tese de doutoramento policopiada). 35 Sobretudo quando afirma, na p. 76 ao falar de D. João Coutinho que o seu governo manteve o “tom gris que caracterizou a época filipina”.
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Em primeiro lugar algo que parece óbvio, mas que tem que ser dito. É que estes
prelados após o episcopado de D. Manuel de Noronha, devido às inúmeras
campanhas efectuadas até então, as quais tanto melhoraram e embelezaram
dentro dos padrões da estética gótico-manuelina e renascentista a Sé e a urbe, não
tinham grande margem de manobra para continuar a investir nestas áreas. Em
segundo lugar, porque alguns dos propósitos determinados pela reforma
tridentina da Igreja, obrigavam os bispos que queriam seguir esse modelo, a
dedicarem muito maior atenção ao acompanhamento dos fiéis, à catequização,
vigilância e instrução do clero paroquial, realização de visitas pastorais
pessoalmente, e outras tarefas que não lhes davam azo a tão empenhadas
intervenções, como no passado, pelo campo do mecenático artístico. Em terceiro
lugar, há que reconhecer que os proventos materiais dos bispos foram-se
gradualmente reduzindo em função da política régia de imposição de pensões
para alguns dos seus servidores, sobre as rendas das mitras, na altura da nomeação
dos novos titulares. Pensões, entre as quais, a partir de 1579, despontava uma
precisamente para a Inquisição de Coimbra36. Por último, a já referida política
régia de transferência episcopal de dioceses, que se acentuou drasticamente no
período filipino, não só encurtou decisivamente a duração dos episcopados, como
fazia com que muitos bispos, sabendo que iriam estar transitoriamente na diocese,
não quisessem investir esforço e meios financeiros em grandes empresas de que
dificilmente viriam a colher frutos.
Assim se percebe melhor o estiolamento mecenático do episcopado
lamecense a partir dos finais de Quinhentos, o qual não se pode associar,
naturalmente, a qualquer política filipina de desprezo e abandono do reino.
36 Era uma pensão de 200 mil réis, negociada na altura do provimento do bispo D. António Teles de Meneses. A bula está publicada em PEREIRA, Isaías da Rosa – Documentos para a história da Inquisição em Portugal: século XVI. Lisboa: [s.n.], 1987, p. 121.