12
1 A Representação da Infância nas Tirinhas de Humor 1 Juliana Scheibner Dellafavera 2 Resumo: As histórias em quadrinhos despertam o gosto pela leitura e através delas é possível fazer críticas a partir do efeito de sentido construído pela situação representada, além de comunicar ideias e/ou histórias por meio da interação da palavra e da imagem. Neste sentido, tendo em vista que a concepção de infância foi construída socialmente, sendo aprimorada ao longo do tempo, e que infância e criança, bem como aluno, são conceitos epistemologicamente diferentes, o objetivo deste trabalho é analisar como é representada a infância nas tirinhas do menino Maluquinho, personagem brasileiro criado por Ziraldo. Neste sentido, apresentamos uma breve fundamentação teórica sobre a infância, a criança e o aluno, bem como falamos da criação do personagem Menino Maluquinho e da sua turma e, por fim, apresentamos as análises feitas a partir da teoria relacionada ao corpus. Palavras-Chave: Aluno. Infância. Criança. Considerações Iniciais Os estudos sobre a infância revelam que esta “representa o ponto de partida e de chegada da pedagogia” (NARODOWSKI, 2001, p. 21). Neste sentido, é importante destacarmos que o conceito de infância é diferente do conceito de criança. Esta é o sujeito da infância e aquela é uma categoria geracional como são os idosos ou os adultos, por exemplo. Neste artigo iremos nos ater ao conceito de criança e aluno, entendendo que a concepção destes foi construída socialmente, sendo aprimorada ao longo do tempo. Assim, o objetivo deste trabalho é analisar como estes conceitos são representados nas tirinhas do menino Maluquinho, personagem brasileiro criado por Ziraldo. Dessa forma, apresentamos uma breve fundamentação teórica, bem como falamos da criação do personagem Menino Maluquinho e da sua turma e, por fim, apresentamos as análises feitas a partir da teoria relacionada ao corpus, que é composto por duas tirinhas. Ao observarmos o surgimento dos quadrinhos, percebemos que eles faziam o maior sucesso. No entanto, quando alguns perceberam que este gênero era um poderoso meio de veicular mensagens ideológicas e, principalmente, de criticar a sociedade, as histórias em 1 Trabalho apresentado no GT 3 Comunicações Científicas: Perspectivas Teórico-metodológicas do II Encontro de Educomunicação da Região Sul. Ijuí/RS, 27 e 28 de junho de 2013. 2 Mestranda em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, UNIJUÍ, bolsista Unijuí, graduada em Letras/Português pela mesma instituição e professora de Língua portuguesa. email: [email protected]

A Representação da Infância nas Tirinhas de Humor 1 ...coral.ufsm.br/educomsul/2013/com/gt3/3.pdf · 1 A Representação da Infância nas Tirinhas de Humor 1 Juliana Scheibner

Embed Size (px)

Citation preview

1

A Representação da Infância nas Tirinhas de Humor1

Juliana Scheibner Dellafavera2

Resumo: As histórias em quadrinhos despertam o gosto pela leitura e através delas é possível fazer críticas a partir do efeito de sentido construído pela situação representada, além de comunicar ideias e/ou histórias por meio da interação da palavra e da imagem. Neste sentido, tendo em vista que a concepção de infância foi construída socialmente, sendo aprimorada ao longo do tempo, e que infância e criança, bem como aluno, são conceitos epistemologicamente diferentes, o objetivo deste trabalho é analisar como é representada a infância nas tirinhas do menino Maluquinho, personagem brasileiro criado por Ziraldo. Neste sentido, apresentamos uma breve fundamentação teórica sobre a infância, a criança e o aluno, bem como falamos da criação do personagem Menino Maluquinho e da sua turma e, por fim, apresentamos as análises feitas a partir da teoria relacionada ao corpus. Palavras-Chave: Aluno. Infância. Criança. Considerações Iniciais

Os estudos sobre a infância revelam que esta “representa o ponto de partida e de

chegada da pedagogia” (NARODOWSKI, 2001, p. 21). Neste sentido, é importante

destacarmos que o conceito de infância é diferente do conceito de criança. Esta é o sujeito da

infância e aquela é uma categoria geracional como são os idosos ou os adultos, por exemplo.

Neste artigo iremos nos ater ao conceito de criança e aluno, entendendo que a concepção

destes foi construída socialmente, sendo aprimorada ao longo do tempo. Assim, o objetivo

deste trabalho é analisar como estes conceitos são representados nas tirinhas do menino

Maluquinho, personagem brasileiro criado por Ziraldo. Dessa forma, apresentamos uma breve

fundamentação teórica, bem como falamos da criação do personagem Menino Maluquinho e

da sua turma e, por fim, apresentamos as análises feitas a partir da teoria relacionada ao

corpus, que é composto por duas tirinhas.

Ao observarmos o surgimento dos quadrinhos, percebemos que eles faziam o maior

sucesso. No entanto, quando alguns perceberam que este gênero era um poderoso meio de

veicular mensagens ideológicas e, principalmente, de criticar a sociedade, as histórias em

1 Trabalho apresentado no GT 3 Comunicações Científicas: Perspectivas Teórico-metodológicas do II Encontro de Educomunicação da Região Sul. Ijuí/RS, 27 e 28 de junho de 2013. 2 Mestranda em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, UNIJUÍ, bolsista Unijuí, graduada em Letras/Português pela mesma instituição e professora de Língua portuguesa. email: [email protected]

2

quadrinhos (HQs) passaram a ser vistas como maléficas à formação da juventude por,

supostamente, estimular a violência. A reação punitiva veio em forma de lei, determinando

um severo código de ética (syndicates) que limitou a liberdade criativa dos autores e editores.

Apesar disso, não se pode negar que as HQs têm fascinado muitas gerações de

leitores e a sua trajetória histórica tem mostrado que tanto ódio como o amor foram

despertados pelos quatro cantos do mundo. Ao mesmo tempo em que elas foram consideradas

como algo que pudesse desviar a conduta dos jovens, marcaram a história do século XX e

para chegar à forma atual, sofreram muitas influências e discriminações. Porém, sobreviveram

a toda sorte de tempestades e ainda hoje despertam o gosto pela leitura e o interesse de

pesquisadores. Através dos quadrinhos, é possível promover entretenimento, mas também

pode servir como meio de instrução voltada para a indução de comportamentos e atitudes; é

também usada para fazer críticas a partir do efeito de sentido construído pela situação

representada, além de comunicar ideias e/ou histórias por meio da interação da palavra e da

imagem.

A Infância

Para Narodowski (2001, p. 21), a infância é o que move a pedagogia. Através dela a

educação tem como alvo o cuidado, a formação e apresentação da cultura para as crianças.

Neste sentido, elas estarão “adaptadas à sociedade de maneira crítica ou sujeitos críticos e

transformadores” (ibid). Nessa perspectiva, de acordo com Andrade (2007, p. 31) “a infância

é pensada em relação ao futuro, ou seja, ao adulto que se espera constituir e “formar”,

desconsiderando as necessidades das crianças enquanto sujeitos capazes de pensar, opinar,

conhecer, aprender no contexto de vida atual”.

Narodowski acrescenta que

A infância não é somente campo de projeções como e, sobretudo no que aqui interessa, fonte de preocupações teóricas. A infância parece ter gerado um amplo leque de discursos que a contextuam axiologicamente, perfilam-na eticamente, explicam-na cientificamente, predizem-na de acordo com esses cânones. A infância é a chave óbvia da existência do ciclo vital humano que justifica a elaboração de um sem-número de premissas e afirmações igualmente específicas, particulares dessa etapa da vida do homem, exclusivas da infância (2001, p. 22).

3

O referido autor continua afirmando que a infância frequentemente é relacionada à

atividade escolar, por isso existem muitos campos de estudos específicos referentes a essa

área, a saber: a psicologia da criança normal, a psicologia educacional, a psicopedagogia, a

didática. É importante ressaltar que a psicologia, a psicanálise e a pediatria elaboram um

discurso diferenciado sobre a infância. De acordo com o autor, geralmente elas se preocupam

em estudar as crianças, enquanto que a psicologia educacional-pedagogia procura integrar

criança e escola, se preocupando em produzir adultos. No entanto, Narodowski estabelece

uma distinção entre a criança e o aluno.

A criança e o aluno correspondem existencialmente a um mesmo ser, mas epistemologicamente constituem objetos diferentes. Embora seja certo que o aluno está em algum grau incluído na criança, sobretudo quanto ao âmbito delimitado pela idade, tampouco é menos certo que o aluno enquanto objeto de conhecimento contém caracteres que ultrapassam a criança em geral. (...) A criança aparece em um primeiro momento como razão necessária para a construção do objeto aluno e este é o espaço singular, ou seja, um âmbito construído pela atividade pedagógica e escolar (2001, p. 23).

Andrade (2007) destaca que a criança é pensada cientificamente, porém parte-se da

hipótese de que o aluno não deixa de ser criança simplesmente porque ingressou na instituição

escolar. Narodowski (2001, p. 23) enfatiza que “o aluno é um campo não alheio à infância,

porém mais complexo”.

Andrade (2007, p. 31) afirma que quando as crianças ingressam na escola (“cada vez

mais cedo”), cabe ao professor (a) a responsabilidade de dar continuidade ao processo

educacional iniciado pela família, “enfatizando a relação ensino-aprendizagem que é

responsabilidade da escola - contextualizar os saberes histórico-culturais trazidos pelas

crianças com os conteúdos que precisam ser ensinados”. A autora continua acrescentando que

“esta função do (a) pedagogo (a) é considerada um grande desafio, envolve o

comprometimento do (a) professor (a) que busca interagir com as crianças, visando

possibilidades de desenvolvimento das suas habilidades” (ibid).

Pensando justamente neste lugar de/para criança é que a pedagogia passou a existir e a dedicar espaço de estudo a esta etapa da vida. Para afirmar sua especificidade, aos poucos foram sendo produzidos discursos sobre a infância e a importância de considerá-la (ANDRADE, 2007, p. 31).

Conforme Narodowski (2001, p. 24),

4

(...) no campo da teoria e da prática educativa escolar é necessário ter como dada a existência da infância como corolário valendo-se do qual poderão desdobra-se os atributos inerentes ao domínio do objeto específico. A criança, assim, é a base para construir teoricamente aluno. A criança é o pressuposto universal para produção pedagógica, pressuposto de entidade irrefutável como cimento privilegiado da educação escolar.

Neste sentido, Narodowski (2001, p. 25), citando Ariès (1981), afirma que “a infância

é um produto histórico moderno e não um dado geral e a-histórico que impregna toda a

história da humanidade. A infância também é uma construção recente, um produto da

modernidade”. Ele continua enfatizando que a constituição histórica e social da infância é um

fato inovador, no qual a escola desempenha um papel fundamental. Assim, ser aluno faz parte

da formação da criança.

A História do Personagem Menino Maluquinho e a sua Turma

Ao estudarmos a história dos quadrinhos no Brasil, nos deparamos com Ziraldo

Alves Pinto, que lançou em 1960 algo genuinamente nacional, “O Pererê”, “cuja figura

central é o saci, elemento representativo de nosso folclore”. Os nossos costumes são

representados através de propostas temáticas, do enredo e da ambientação das histórias

(LUYTEN, 1984, p. 47). Ainda que os esforços tenham sido grandes, a revista saiu de

circulação quatro anos depois sob a alegação de dar prejuízo e não ter potencial para

concorrer com os quadrinhos estrangeiros. No entanto, Ziraldo não se abateu e criou mais

tarde outra série de grande sucesso, O Menino Maluquinho.

Não há dúvida de que a revista “O Pererê” foi um marco para os quadrinhos

nacionais. Conforme Silva3, o personagem Pererê se assemelha bastante com Maluquinho,

pois é arteiro e de brasilidade latente. As duas figuras entraram para o inconsciente coletivo

nacional. Não é por acaso que no livro que leva no título o nome do personagem, Maluquinho

é comparado com um saci. O narrador retoma neste personagem as qualidades de sua primeira

figura infantil, pois ambas são figuras alegres, questionadoras e sensíveis. As histórias da

Turma do Pererê, como a Turma de Maluquinho, trazem valores como solidariedade e união.

3 As informações acerca de “O Menino Maluquinho” foram retiradas da dissertação de mestrado de SILVA, Rosana Maria da. O Personagem Menino Maluquinho: Do Livro Às Recriações Na Mídia. Dissertação de mestrado, Universidade de Marilia Faculdade de Comunicação, Educação e Turismo, 2008.

5

Em várias situações, é perceptível a reflexão sobre as preocupações básicas de sociedade, tais

como: o direito de ser diferente, o respeito e a participação social.

Para a referida autora (p.109-110), o que impera nas tirinhas do Menino Maluquinho’

é a ação e a molecagem. Apesar disso, é percebível a crítica à realidade social contemporânea

de maneira inteligente, sutil e engraçada. Nos quadrinhos, o poder fascinante da imagem, a

variedade de assuntos, a evasão nas aventuras imaginárias facilitam o encontro do

personagem com o leitor, que se dá de forma simples e direta. A sedução do leitor se faz

através do humor, norteado algumas vezes pelo exagero, outras pela ausência de certos

conhecimentos e/ou não entendimento de regras ou situações por parte dos personagens que

ocasionam mal-entendidos engraçados. O humor é constante nas histórias, constituído de

naturalidade e de brincadeiras burlescas e inesperadas.

O personagem Maluquinho ocupa o lugar de líder da turma. “Ele cumpre uma das

funções básicas da obra de arte que é simbolizar o real”. Nas aventuras dos personagens há a

revitalização de aprendizados úteis, além de proporcionar a troca de toda seriedade do dia-a-

dia por brincadeiras. Ele é uma eterna criança, é filho único, a mãe é dona-de-casa; o pai,

publicitário. Maluquinho é um garoto de classe média que não dispensa o recebimento de sua

mesada (SILVA, 2008, p. 111).

Maluquinho é um garoto popular sem perder sua identidade, seus gostos, costumes;

desempenha sua liderança frente ao grupo com humor, astúcia, solidariedade e simpatia.

Exerce o poder de forma espontânea e bem aceita por todos. Comunicativo, entusiasmado e

cheio de iniciativa. O personagem cria brincadeiras imaginativas, cheias de esperteza,

inteligência, faz planos para ajudar os amigos, tem ataques de carinho e faz da vida uma festa

(op. cit, p. 101-112).

Além disso, observa-se que são características deste personagem: o gosto pela

leitura, preferir a prática de esportes ao invés de TV e computador; não gostar de celular. É

campeão em diversas competições, como futebol, corrida de rolimã, “bafar” figurinhas.

Maluquinho é desastrado, tem um jeito pouco convencional de fazer as coisas. Aparece em

diversas historinhas com a perna quebrada. É quase sempre o portador das ideias, mas não é

um herói, não possui habilidades fora do comum. Suas soluções sempre bem intencionadas,

6

nem sempre dão certo, gerando, por vezes, situações inusitadas e engraçadas, cheias de

maluquices (Ibidem, p. 112).

Ziraldo criou toda uma turma de personagens derivados da riqueza e da diversidade

própria de nosso país. Nos parágrafos seguintes foram descritos os personagens da turma do

Menino Maluquinho4, Julieta é a namoradinha do Maluquinho. Carinhosa com a família,

esperta e determinada, é realista e fofoqueira de plantão. Morena e de ampla cabeleireira, usa

uma blusa vermelha com a reprodução de um raio. Bocão é o melhor amigo do Maluquinho,

muito fiel, corajoso e simpático. Entende tudo errado, confunde as coisas e é um sufoco pra

ele aprender o que a professora tenta ensinar.

Carolina é a menina mais certinha da turma. Fala baixinho e é muito romântica.

Contudo, não pensa só em príncipes. O romantismo dela é uma forma de idealismo. Ela quer

melhorar o mundo. Por isso, tornou-se ecologista e vegetariana. Lúcio é o “cérebro” da turma.

Ama ler e vive com livros embaixo do braço, tem sempre uma informação valiosa para dar

aos amigos. É sempre o primeiro da classe, o “exemplo” que a professora mostra para a

turma. Como ele é um intelectual, vive “encucado”. Além do mais, é o representante negro

deste universo nascido da imaginação de Ziraldo, que não o associa a velhos estereótipos –

não o destaca no esporte ou na simpatia – destaca-o pela sua inteligência. Tem um ávido gosto

pela leitura, é o intelectual da turma. Junim é falante, engraçadinho e enfezado, é o caçula da

turma. Em 2007 ganhou sua própria revista em quadrinhos.

Dois personagens destoam das ideias e valores se comparados ao resto da turma:

Herman e Shirley Valéria. O primeiro é o adversário do Maluquinho em diversas situações. É

invejoso e valentão. Rico e bem relacionado, sempre tira proveito disso para alcançar seus

objetivos. Tem cabelo castanho, pele bem clara e sardas, se veste com roupas de grife.

Resolve tudo com violência. E a segunda sempre impecavelmente vestida de rosa, é loira e

tem atitudes esnobes que valorizam os valores materiais. Influenciada pela mãe, ela sonha em

tornar-se famosa. O resultado é que a Shirley esquece um pouco de pensar. Conforme Silva

ela pode representar o estereótipo da loira, preconceituosamente difundido no Brasil (2008,

p.114).

4 Informações retiradas do site do personagem. Disponível em: www.meninomaluquinho.com.br.

7

Com a intenção de elevar a cultura nacional, seu criador dá às figuras de Hernam e

Shirley Valéria trajes que os aproximam do estilo europeu e americanizado, além de serem os

dois personagens menos simpáticos da turma. Já Julieta e o próprio Maluquinho são

representantes da identidade nacional, não apenas na aparência exterior, mas igualmente nos

gostos e atitudes. Uma das características de Ziraldo é focalizar a cultura e a identidade

brasileira (op. cit, p. 114).

Outro fator interessante presente nas histórias da turma é a linguagem utilizada pelos

personagens, que realça a variação linguística, tão comum em nosso país. Observa-se o

sotaque mineiro do personagem Junin, seu próprio nome representa o jeito mineiro de falar

diminuindo as sílabas. O Menino Maluquinho não conta com sotaques na fala, uma vez que

objetiva ser símbolo da criança nacional, independente da região do Brasil em que esteja. Por

isso que, sendo tipicamente brasileiro, atinge grandes massas por meio do processo de

assimilação, sempre vestido com camiseta amarela, uma possível referência à seleção de

futebol e à cor da bandeira brasileira (Ibidem, p. 115).

Passo agora a descrever e a analisar as tirinhas que fazem parte do corpus organizado

para este trabalho, as quais representam situações que envolvem a escola.

Análise do Corpus

Fig.1

Tendo em vista que a linguagem é essencial para a sociedade, analisar as

peculiaridades que a permeiam é imprescindível para compreender o processo que a envolve e

quais estratégias podem ser usadas pelos participantes de um ato comunicativo. Numa troca

verbal, há muito mais do que o simples uso de códigos previamente estabelecidos e, para dar

8

conta daquilo que não está expresso literalmente. Para produzir sentido, a compreensão da

intenção comunicativa e a apreensão do contexto são essenciais. Em uma leitura superficial

desta tirinha talvez não se perceba a intenção do autor. No entanto, se a analisarmos com

cuidado, podemos perceber que a sua mensagem é muito mais profunda e ampla do que

imaginávamos inicialmente.

O Menino Maluquinho chega em casa da escola e é surpreendido com uma pergunta

do pai, que quer saber como foi o dia. O primeiro responde que foi normal, riu e brincou

bastante. Mas não era isso que o segundo queria saber e este refaz a questão e o interroga

diretamente, esperando que a resposta também fosse objetiva “... mas o que você aprendeu?”.

A resposta do menino “Só o tempo dirá” não é suficientemente informativa e, por isso, o

interlocutor precisa fazer algumas inferências para poder interpretar a mensagem implícita na

tirinha, pois inicialmente não é possível definir o que o menino aprendeu.

Nesse caso, pode-se subentender que, na visão do menino, ele não está aprendendo

nada de importante. O essencial para o personagem é rir e brincar e não há nada de atrativo na

escola. Nesse sentido, entende-se que há uma crítica ao sistema educacional. Nessa mesma

direção, as implicaturas nos ajudam a inferir que o pai espera que o filho aprenda coisas

importantes e significativas na escola. Ao passo que isso não se realiza, ele fica frustrado o

que fica nitidamente claro pela expressão facial do pai no terceiro quadrinho.

A partir dessas observações podemos notar que aparentemente a escola não considerou

a infância, apenas de preocupou em formar o aluno em um adulto. É possível visualizar que

há um distanciamento na relação professor/aluno, no qual este não está interessado em

aprender o que é considerado importante pela escola. A preocupação do menino está em se

divertir. Nesta perspectiva, provavelmente não há uma contextualização dos “saberes

histórico-culturais trazidos pelas crianças com os conteúdos que precisam ser ensinados”

(ANDRADE, 2007, p. 31). Andrade afirma que “a função do (a) pedagogo (a) é considerada

um grande desafio, envolve o comprometimento do (a) professor (a) que busca interagir com

as crianças, visando possibilidades de desenvolvimento das suas habilidades” (ibid).

9

Fig.2

Para realizar uma leitura competente dessa tirinha, o leitor não pode desprezar os

conhecimentos gerais envolvendo a atualidade e também não pode deixar de prestar atenção

para o duplo sentido provocado pela palavra “bomba”. Esta remete inevitavelmente ao

terrorismo. Sabe-se que uma das manifestações que mais assombram a civilização atual é o

terrorismo, por ser composto pela irracionalidade, intensificando as suas consequências. A

motivação geralmente está associada à convicção política e o resultado é quase sempre a

morte e a destruição. Além disso, o terrorismo faz uso da violência para alcançar um fim

político, ideológico ou religioso. Os atos terroristas são permeados pelo uso de armas, mais

especificamente as bombas, que podem disseminar a morte ou a contaminação de doenças em

massa. 5

Segundo o dicionário Houaiss “bomba” denota os seguintes significados: 1. artefato

explosivo; 2. máquina para extrair ou sugar líquidos; 3. doce de massa cozida recheado de

creme; 4. canudo para tomar chimarrão; 5. acontecimento inesperado. Nesta direção,

percebemos que o termo é ambíguo e designa uma implicatura a qual regerá o discurso da

interação encenada. A interpretação da cena só é compreendida se a implicatura, for vista na

seguinte direção: a inferência feita a partir da fala do personagem Menino Maluquinho e da

percepção da intertextualidade obtida através da interação com a realidade.

Vale ressaltar que a linguagem usada pelos personagens não se resume às falas dos

balões. Além de conversar, eles utilizam a linguagem não-verbal, como gestos, expressões

faciais e corporais. No primeiro quadrinho, a imagem da professora aparece inclinada para

frente, com a mão perto da boca, olhos arregalados expressando espanto, fazendo uma

5 Disponível em: www.brasilescola.com /história. Acesso em 15/06/10.

10

pergunta: “Que é isso, gente?”. No segundo quadrinho, temos a visão dos alunos rindo

debaixo da classe e respondem à indagação anterior na voz do menino Maluquinho: “Agora

todo mundo vai estudar debaixo das carteiras!”, e novamente a docente questiona: “Por quê?”

E no terceiro quadrinho, o menino responde com uma outra pergunta: “A senhora não avisou

que vai ter muita bomba na classe esse ano?”.

O sentido dado à fala: “A senhora não avisou que vai ter muita bomba na classe esse

ano?” tem sentido diferente para a professora e para os alunos. Desse modo, o substantivo

“bomba” marca ambiguidade de sentido: para a docente refere-se aos acontecimentos que

provavelmente não serão muito agradáveis para os estudantes e, na compreensão do Menino

Maluquinho, o que causa graça, é a de um projétil ou artefato explosivo e, por isso, os alunos

precisam se proteger. Porém, considerando que o personagem é um garoto muito esperto e

brincalhão e, ainda, as expressões fisionômicas das demais crianças, pode-se inferir que a

intenção era fazer uma brincadeira com a professora.

Nessa perspectiva, percebemos que “a criança e o aluno correspondem

existencialmente a um mesmo ser, mas epistemologicamente constituem objetos diferentes”

(NARODOWSKI, 2001, p. 23). Narodowski destaca que ainda que seja correto entender que

o aluno “está em algum grau contido na criança, sobretudo quanto ao âmbito delimitado pela

idade, tampouco é menos certo que o aluno enquanto objeto de conhecimento contém

caracteres que ultrapassam a criança em geral”. Deste modo, a “criança aparece em um

primeiro momento como razão necessária para a construção do objeto aluno e este é o espaço

singular, ou seja, um âmbito construído pela atividade pedagógica e escolar” (2001, p. 23).

Podemos ter aqui uma crítica tanto ao comportamento dos alunos como ao da

professora. O primeiro talvez não esteja sendo cooperativo nas aulas e, por isso, será punido

com atividades consideradas “bombas”, mas a segunda talvez não esteja levando em

consideração as necessidades intelectuais e/ou emocionais de seus educandos e, sendo assim,

essa brincadeira pode ser entendida como um sinal de alerta, fato muito comum em uma sala

de aula onde nem sempre há compatibilidade entre os sujeitos envolvidos. A tira se torna

engraçada justamente por causa da ambiguidade.

Ao responder ao assombro da professora, o Menino Maluquinho se coloca numa

situação vulnerável, porque a mestre poderia se ofender com aquela ironia e achar que o

11

garoto não a respeitou como autoridade. Essa interferência inoportuna quebra a seriedade da

aula, pois em uma sala de aula espera-se que os alunos tenham um comportamento exemplar e

que evitem atitudes que possam dispersá-los.

Considerações Finais

Retomamos aqui o objetivo que motivou a escrita deste trabalho, que foi analisar como

a criança e o aluno são representados nas tirinhas do menino Maluquinho. Neste sentido,

destacamos que o conceito de infância é diferente do conceito de criança, da mesma forma

que o conceito de criança e aluno também difere. A criança é o sujeito da infância, esta por

sua vez é uma categoria geracional como são os idosos ou os adultos, por exemplo, e o aluno

é constituído pela “atividade pedagógica e escolar”. Narodowski destaca que a criança e o

aluno correspondem a um mesmo ser, mas epistemologicamente compõem objetos díspares.

A partir da análise realizada, constatamos que havia uma intenção por parte dos

enunciadores ao construir os quadrinhos. Podemos verificar que o sentido não está na

linearidade da frase, mas emerge da combinação de diferentes fatores, tais como: as condições

adequadas, o ato de fala, as condições de produção desse ato de fala e os conhecimentos

compartilhados entre os sujeitos envolvidos na enunciação. Neste sentido, entendemos que

para exercer a sua profissão competentemente o professor precisa não só dominar a

linguagem, mas principalmente entender como o seu uso afeta as relações dos sujeitos

envolvidos no processo educativo e, ainda, refletir sobre o seu papel de mediador para poder

ensinar de fato, já que a linguagem não é transparente e permite que o aluno atribua diversos

significados aquilo que é dito e/ou lido em sala de aula.

Portanto, cabe ao professor a responsabilidade de dar continuidade ao processo

educacional iniciado pela família, sem esquecer-se de realçar a relação ensino-aprendizagem

que é obrigação da escola, contextualizando os saberes histórico-culturais “trazidos pelas

crianças com os conteúdos que precisam ser ensinados”. Assim, a função do educador é um

grande desafio, que envolve o comprometimento, a busca pela interação com as crianças,

“visando possibilidades de desenvolvimento das suas habilidades”.

12

Referências

ANDRADE, Elisabete. Alguns Discursos sobre a Construção da Criança Infância. REVISTA SETREM - Ano VI nº11 Jul/Dez 2007 ISSN 1678-1252. LUYTEN, Sonia M. Bibe (org). História em Quadrinhos: leitura crítica. São Paulo: Paulinas, 1984. NARODOWSKI, Mariano. Infância e Poder: conformação da pedagogia moderna. Bragança Paulista: editora da universidade São Francisco, 2001.

SILVA, Rosana Maria da. O Personagem Menino Maluquinho: Do Livro Às Recriações Na Mídia. 144f. Dissertação de mestrado, Universidade de Marilia Faculdade de Comunicação, Educação e Turismo, 2008.