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FERNANDO CEZAR MARQUES RODRIGUES
A REPRESENTAÇÃO DA REBELDIA JUVENIL PELO CINEMA NORTE-AMERICANO EM O SELVAGEM (1953) E EASY RIDER (1969)
CURITIBA 2010
FERNANDO CEZAR MARQUES RODRIGUES
A REPRESENTAÇÃO DA REBELDIA JUVENIL PELO CINEMA
NORTE-AMERICANO EM O SELVAGEM (1953) E EASY RIDER (1969)
Monografia apresentado ao departamento do curso de História – Bacharelado e Licenciatura, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Dr. Renato Lopes Leite Co-orientador: Dra. Helenice Rodrigues
CURITIBA
Introdução:
A presente pesquisa tem por objetivo levantar e discutir as representações da
rebeldia juvenil veiculadas pelo cinema. Os filmes escolhidos para esse estudo, ambas
produções estadunidenses, foram O Selvagem do diretor Laszlo Benedeck e Easy Rider de
Dennis Hopper. Tal escolha deu-se devido às duas produções tratarem da incompreensão
do jovem no interior da sociedade norte-americana.
Lançados nos anos de 1953 e 1969, respectivamente, essas obras fazem parte de
um contexto de grandes mudanças sociais e culturais em escala mundial, tendo os jovens
como os grandes protagonistas dessas mudanças. Por volta da metade do século XX,
vemos uma tendência comum entre os jovens em afirmar sua própria moral e identidade,
seguir sua moda, reconhecer seus heróis, bem como a aceitação de novos valores culturais.
È também em meados da década de 1950 que observamos o cinema como importante
difusor de discursos a respeito do tema juventude, apresentando diversas representações,
denotando uma simbiose entre a Indústria Cultural e juventude.
É neste período que as grandes produtoras de Hollywood enxergam um filão rentável
na temática juvenil, passando a produzir filmes que tratam dos problemas da juventude
especificamente para este público. Abordando temas como a rebeldia, a sexualidade, a
carência afetiva, incompreensão, entre outros. Atores como James Dean e Marlon Brando
se tornaram símbolos dessa juventude, sobretudo nos anos 1950, passando a imagem do
jovem rebelde que faz o que quer e é um transgressor de regras, em uma idealização
romântica que, no entanto, já delineava uma “consciência etária de oposição jovem / não
jovem”1. Já nos anos 1960 a “palavra de ordem” é Revolução, seja ela do individuo, da
consciência ou dos costumes, e que vêm amparadas na cultura, nos trajes, na música, nas
drogas, na maneira de pensar e no estilo de vida.
Nesse período de incertezas, geradas pela Guerra Fria e seus conflitos “quentes”,
intensas agitações raciais, ou mesmo pelo temor nuclear, que florescem movimentos que
pregam a necessidade de se quebrar velhos tabus e valores estabelecidos. Por meio de
frases de efeito como “Paz e Amor”, “Aqui e Agora” nascem movimentos como o Flower
Power, Black Power, Gay Power, entre outros, frutos do que ficou conhecido como
Contracultura. É no final desta década conturbada que é lançado Easy Rider, cuja temática
atualiza a contestação juvenil, revelando um enredo que pode parecer simples, mas, no
entanto, carrega um alto teor político e crítico, responsáveis por figurá-lo como um dos mais
importantes filmes sobre a Contracultura.
1 CARMO, P. S. Culturas da rebeldia: a juventude em questão. São Paulo: Editora SENAC, 2001 p. 36.
Assim, como entendendo o conceito de representações desenvolvido por Chartier,
sobre que discorrem sobre a maneira pelas quais os homens dão inteligibilidade sobre o
mundo social do qual fazem parte e sobre o qual os símbolos, que por meio de práticas
culturais (produtoras de símbolos), imprimem determinada do mundo em um dado lugar.
Desta forma, ao pensar o cinema como um produtor de símbolos, podemos analisar o
processo pelo qual a Indústria Cultural adéquam as representações que as produtoras
fazem de seu público, segundo seus gostos e aos interesses econômicos. Sobre isso
escreve Edgar Morin:
“O sistema utiliza a criatividade dos artistas, mas traz os padrões de produção, as censuras e acomodações. Assim, pode-se dizer esquematicamente que esta cultura é criada pela adolescência, mas que ela é produzida pelo sistema. A criação modifica a produção e a produção modifica a criação.”2
2MORIN, Edgar. Cultura de massa no século XX- neurose. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1981, p. 140.
CAPÍTULO 1
A partir da segunda metade do séc. XX o mundo passou por mudanças que
alteraram profundamente as relações na sociedade vigente. Após a Segunda Guerra
Mundial, os Estados Unidos saem como os grandes vencedores, e além de atingirem o
status de maior potência capitalista do mundo, ainda agregavam a si, nas palavras do
historiador norte-americano Sean Purdy, o título de World Cop3. Ainda na primeira metade
do século, os Estados Unidos estavam enfrentando a maior crise econômica conhecida pelo
capitalismo até então. Mais precisamente em 24 de outubro de 1929, dia que ficou
conhecido como “Quinta Negra”, a bolsa de valores dos Estados Unidos despencou na casa
de um terço, levando a falência milhares de bancos, indústrias e investidores, causando
uma taxa de desemprego de aproximadamente 25% da população economicamente ativa.4
Foi entres os anos de 1933 e 1934 que o então presidente Franklin Delano Roosevelt
lança um pacote de medidas com o intuito de promover a recuperação agrícola e industrial,
regulamentar o sistema financeiro e providenciar mais assistência social e obras públicas a
fim de diminuir o impacto gerado pela crise. No entanto a política do New Deal, como ficou
conhecida, não foi suficiente para a resolução do colapso econômico. O que realmente
aqueceu a economia norte-americana nesse período foi a Segunda Guerra Mundial.
Os EUA entram na guerra tardiamente ao lado das forças aliadas. Com a vantagem
de estarem distantes territorialmente do conflito, não sofrendo nenhum ataque dentro de
seus domínios, além de contar com uma enorme força de trabalho e uma vasta reserva de
matéria prima para a produção de bens primeira necessidade e equipamentos bélicos. A
movimentação da economia, possibilitado pelas atividades industriais desenvolvidas durante
e depois da Segunda Guerra, pôs fim a Depressão e ao desemprego, frutos da crise
capitalista de 1929, dobrando o PIB do país em quatro anos.5
Willian Leuchtenburg é categórico em afirmar que de todas as influências sofridas
pelos EUA no pós-guerra, nenhuma se compara à exercida pelas mudanças econômicas
possibilitadas pelos astronômicos orçamentos militares e pelo poder de consumo6. A
economia cresce abruptamente devido às produções em grande escala em setores como o
petrolífero e siderúrgico, com altos investimentos e facilidade de crédito concedido ao setor
fabril. A economia do país passou a ser controlada mais do que nunca pelas grandes
3Para Sean Purdy, tal título faz referência ao fato dos Estados Unidos influenciarem em várias partes do mundo
no que diz respeito às políticas econômicas e de defesa. In. PURDY, S. O Século Americano. In. História do
Estados Unidos: das origens ao século XXI. - Leandro Karnal ... [et. al.] São Paulo: Contexto, 2007. P. 217. 4 Ibid p. 205.
5 Ibid, p. 219.
6 LEUCHTENBURG, Willian. “Cultura de Consumo e Guerra Fria” In. O século inacabado: a América desde
1900. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976. p. 703-707.
corporações, e se o crescimento econômico contínuo exigia estabilidade política nacional e
internacional, é nos anos 1950 que os EUA experimentam um consenso político.7
É em 1950 que os EUA vivem seu momento áureo. A Guerra Fria e a “Cultura do
Consumo”, ambas dependentes de um governo receptivo, levaram empresas a adotarem
inovações técnicas, como a robotização de linhas produção ou a crescente utilização dos
avanços da informática, e intensificar investimentos internos e externos. No campo social, a
família de dois filhos dos anos 1930 deu lugar a um estilo de vida mais expansivo da classe
média, através aumento no número de filhos, com alguns economistas sugerindo que os
bebês fossem considerados “um bem durável de consumo”, pois se esperava que
produzissem tanto renda econômica quanto psíquica ao longo do tempo.8
No pós-guerra, com a divisão do mundo em dois blocos, um capitalista e outro
socialista, liderados pelos vitoriosos da Segunda Guerra, Estados Unidos e União Soviética,
há uma aliança de paz formal entre os dois países. Porém, a ameaça mútua das armas
nucleares força a continuação da tendência da militarização da economia americana, que se
baseava na produção de armas e de produtos de guerra, cuja qual o presidente Eisenhower
chamou de “complexo militar-industrial”.9 Era a economia de guerra permanente, pois na
política econômica capitalista, obras públicas e militares são preferíveis ao risco do
desemprego em massa.
Além do aquecimento econômico gerado pelo “complexo militar-industrial”, o
consumo é também fundamental para o crescimento econômico norte-americano. Os mais
diversos produtos eram colocados no mercado como sendo fundamentais para a
sobrevivência por mais desnecessários que fossem. A idéia de liberdade ligada ao consumo
ou o consumo como elemento essencial para a felicidade e cidadania é algo que permeará
durante boa parte do século XX, e mesmo nos dias de hoje, a sociedade estadunidense e
mundial.
Nos anos 1950, os Estados Unidos contavam com aproximadamente 6% do total da
população mundial e consumia 1/3 dos bens e dos serviços do mundo. O boom econômico
habilita milhões de norte-americanos a participarem da florescente cultura de consumo. O
“fazer compras” passa de necessidade a entretenimento. A prosperidade gerada pelas altas
taxas de circulação monetária e de mercadorias influenciou até mesmo nas jornadas de
trabalho. A parceria entre governo/grandes corporações/sindicatos resulta em uma redução
da jornada de trabalho com o intuito de um maior tempo livre para o habitante norte-
americano fazer suas compras e gozar das benesses oferecidas pela nação em
7 PURDY, S. O Século Americano. In. História do Estados Unidos: das origens ao século XXI. -Leandro Karnal
... [et. al.] São Paulo: Contexto, 2007. P. 226-27. 8 LEUCHTENBURG, Willian. “Cultura de Consumo e Guerra Fria” In. O século inacabado: a América desde
1900. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976. p. 709. 9 Ibid p. 234.
crescimento. A distribuição de renda modificou-se um pouco, dando a estrutura social uma
configuração menos próxima de um triângulo para se assemelhar a um losango, ou seja,
mais pessoas ascenderam a classe média, saltando da linha da pobreza. Durante esse
período, o país já gastava 1/7 do PIB nacional em divertimento, algo em torno de 150
bilhões de dólares.10
No decorrer da Guerra Fria, a influência dos Estados Unidos não é mais localizada
somente no continente americano, pois contavam com um poder sentido amplo do conceito,
já que a influência não era mais meramente de ordem política ou econômica. O domínio
cultural era perceptível nas mais diversas áreas de domínio estadunidense.
A prosperidade econômica gerou uma farta demanda de consumo de bens, no
entanto, mesmo com uma vasta produção industrial, não foi possível à indústria norte-
americana suprir as necessidades de consumo, o que acabou transformando os Estados
Unidos no maior importador mundial, posição ocupada por séculos pelo Reino Unido. Tal
fator também influência população daquele país a entrar em contato com outras culturas, já
que durante esse período uma diversificação nos produtos oferecidos pelo mercado e
também na modificação no gosto desse novo consumidor do pós-guerra, sobre isso, um
comentarista, em 1969 observou:
“Há trinta anos, o habitante comum do Centro Oeste nunca tinha ouvido falar de pizza, sukiyaki ou caudas de lagosta da África do Sul. Jamais vira um carro estrangeiro, um vietnamita ou uma reprodução dos Girassóis de Van Gogh. Tê-lo-ia surpreendido ver moveis de teça na sala de estar de seu vizinho, para não falar das máscaras africanas nas paredes ou seda Thai nas janelas. Hoje todos esses produtos exóticos se converteram em moeda corrente.” 11
A cultura de consumo tem reflexos até mesmo na Guerra Fria, pois os Estados
Unidos utilizavam seus produtos industrializados como roupas, brinquedos e artigos
tecnológicos para ganhar terreno nas disputas contra a União Soviética pelo controle dos
países do terceiro mundo. Tal situação incomodou tanto os dirigentes soviéticos, que estes
se viram obrigados a reabrir um magazine estatal, Gum, e acelerar a produção de bens
como geladeiras e aparelhos de TV como forma de combate ao domínio americano.12
Com rendas mais elevadas, também foi possível ao cidadão norte-americano de
classe média o acesso a universidades. O progresso na aviação comercial e férias
prolongadas permitiram a essa classe um fluxo a muitos lugares que antes pareciam
destinados aos mais abastados. Lugares como Ipanema ou Acapulco se tornam comuns
nessas viagens.13 Esse trânsito auxiliou na exportação do chamado American Way of Life,
10
Ibid. p. 716-718. 11
Ibid. p. 762. 12
Ibid. p. 725. 13
Ibid. p. 720.
que tinha em suas características a extravagância nos gastos e a exacerbação dos
“princípios de liberdade” existentes na ideologia político-social dos Estados Unidos.
Essa sociedade afluente possibilitou um boom cultural, que ia desde o aumento da
freqüência em concertos de consagrados maestros como também o surgimento de um
maior número de salas de cinema de arte, casas de espetáculo. Influentes artistas como os
cineastas Frederico Fellini e Ingmar Bergman foram apresentados ao grande público norte-
americano, assim como músicos e pintores tornaram fizeram do país uma parada obrigatória
na apresentação de seus shows e exposição das suas obras. Nova York substituía Paris
como o centro cultural do mundo e os Estados Unidos vivia uma espécie de Belle Epóque
tardia.
Além do cinema, a televisão se populariza nesse período. Segundo Leuchtenburg,
em 1946, o país contava com aproximadamente 17.000 aparelhos de TV nos lares
americanos, e em 1949 já eram 250.000 aparelhos sendo instalados mensalmente.14 O
número de emissoras de TV também cresceu abruptamente e nos anos de 1950 ela já
substituía o rádio como mídia predileta da família.
Se a cultura das mais diversas regiões do mundo estava ao alcance de boa parte
dos cidadãos americanos, a exportação de sua cultura nacional é seguramente feita em
uma escala muito maior. Temos na literatura, no cinema, na música, na televisão,
importantes difusores do American Way of Life. No mundo todo, a cultura americana podia
ser vista e sentida. Seriados de TV como Papai Sabe Tudo, popular na então Iugoslávia, ou
Batman visto em Buenos Aires e Tóquio, nos dão a idéia do quão distante foi esse
domínio.15
Juntamente com o crescimento da televisão como veiculo midiático, cresceu o
número de programas que retratavam as famílias americanas harmoniosas, que se fixaram
na memória coletiva como um período de prosperidade econômica e estabilidade familiar.
De certo modo, algumas dessas representações podem nos fornecer aspectos da realidade
vivida no período. Segundo Sean Purdy, o PIB dos Estados Unidos cresceu 250% entre os
anos de 1945 e 1960, com a renda familiar crescente e baixas taxas de desemprego e
inflação.16 No entanto, o país também era palco de enormes contradições. Se o crescimento
econômico foi inegável, é fato que nem toda a população partilhou dessa prosperidade. Já
que a distribuição de renda não mudou muito ao longo desses anos. Purdy coloca que:
“Em 1960, um quinto das famílias americanas vivia abaixo do nível de pobreza estabelecido pelo governo e muitas outras sobreviveram apenas com a mínima
14
Ibid p. 738. 15
Ibid 731. 16
PURDY, S. O Século Americano. In. História do Estados Unidos: das origens ao século XXI. -Leandro
Karnal ... [et. al.] São Paulo: Contexto, 2007. p. 239.
segurança e conforto. A distribuição de renda não mudara muito: a população 20% mais rica continuou controlando 45% de toda renda, enquanto a 20% mais pobre controlava apenas 5%. Indígenas, relegados às reservas no interior dos Estados Unidos, eram as pessoas mais pobres no país. Idosos e trabalhadores rurais de todas as etnias e as populações afro-americana e latino-americana estavam desproporcionalmente entre os indígenas. Devido à discriminação e à falta de dinheiro, esses grupos raramente desfrutavam a ‘maravilhosa vida suburbana’, concentrando-se nos centros das cidades, onde empregos e serviços públicos tornavam-se cada vez menos acessíveis.” 17
Somem-se a isso, os problemas enfrentados pelas minorias, como as mulheres,
homossexuais e negros, que sofriam com o preconceito da sociedade, dificuldades no
mercado de trabalho e em ter seus direitos respeitados. Muito da indústria cultural reforçou
as atitudes homogêneas, “brancas” e acauteladas em favor do capitalismo, do consumo e
da conformidade social. Nas palavras de Purdy:
A televisão – controlada por três grandes redes e seus patrocinadores corporativos – substituiu o rádio e o cinema como a principal fonte de diversão das famílias americanas. Já em 1962, 90% das famílias tinham uma televisão e a indústria cultural desempenhava um papel crucial na disseminação do consumismo e do apoio aos valores sociais e culturais do capitalismo americano. Os mais populares seriados da televisão – Papai sabe tudo, Eu amo Lucy e As aventuras de Ozzie e Harriet – glorificaram o modelo de família nuclear americana e o “jeito americano de viver”.18
Porém, a televisão e o cinema podiam expressar de forma não intencional as
contradições da sociedade americana. Ao mesmo tempo em que eram tratados como
subordinados, muitas mulheres, trabalhadores e jovens eram encorajados a abraçar idéias
de igualdade e liberdade. O conformismo dos nos 1950 é algo muito discutido entre os
teóricos e historiadores que estudam os Estados Unidos. A idéia de um período de relativa
tranqüilidade é válida, no entanto, como veremos mais adiante, foi nessa década que
movimentos que questionavam a postura da sociedade estadunidense tiveram sua gênese,
como o Movimento pelos Direitos Civis, o movimento feminista, o movimento beat, entre
outros.
Apesar de todas as realizações nos campos econômicos, político e sociais,
encontramos no interior da sociedade americana muitas situações de discórdia. A população
vivia amedrontada com o clima de tensão gerado pela guerra fria, e o temor nuclear fazia
parte do dia-dia da população. Eric Hobsbawm afirma que gerações inteiras se criaram a
sombra de batalhas nucleares globais que acreditavam poder estourar a qualquer
momento.19 A década de 1950 foi marcada pela explosão da bomba de hidrogênio por parte
17
Ibid. p. 234. 18
Ibid. p. 232-235 19
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o Breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras,
1995. p. 219.
dos soviéticos e a primeira vitória dos russos na “corrida espacial”. A nação estava sofrendo
de uma espécie de angústia coletiva. Prova disso, como coloca o historiador Willian
Leuchetenburg, foi o alto índice de procura por tranqüilizantes e tratamentos psicológicos.
Segundo Willian, as admissões em hospitais mentais quase duplicaram entre 1946 e 1956.
Os pacientes psiquiátricos, nesse último ano, ocupavam mais leitos hospitalares do que
todos os pacientes juntos. Ainda nesse mesmo ano, os norte-americanos consumiram mais
de um bilhão de pílulas tranqüilizantes, e durante a segunda parte da década, uma em cada
três receitas médicas incluía um sedativo.20
Charles Reich, professor da Faculdade de Direito Yale, nos Estados Unidos, escreve
um curioso e bem fundamentado ensaio em que analisa a sociedade norte-americana,
sobretudo com relação à cultura jovem daquele país. Publicado originalmente em 1970,
escrito no calor dos acontecimentos aqui apresentado, o livro pode ser entendido como uma
crônica do período. Para ele muito dos fatores colocados acima a respeito do
descontentamento de parte da população está na razão embutida no projeto de nação norte-
americano, que segundo Reich, apresentava um quadro de pobreza drástica em meio a
riqueza, pois do mesmo modo que havia a superabundância de alguns bens, serviços e
atividades como a fabricação para a defesa, deixavam relegado a segundo plano
necessidades básicas como educação e saúde.21
No pós-guerra, com as experiências vividas durante a depressão, há um afastamento
do individualismo. Há uma organização do trabalho, bem como uma hierarquização de
autoridade e responsabilidades. São nesses fatores que Reich observa a formação do que
ele chama de Estado Corporativo. A anatomia desse Estado consistia em dispor orçamentos
milionários para a defesa da nação, produção de artigos desnecessários, levando a
destruição do meio ambiente, tornado isso parte integrante de um sistema que buscava ser
perfeitamente lógico e racional.22
A presença do Estado Corporativo é sentida em quase todos os setores da
sociedade. A “pasteurização” como coloca Reich, ou “homogeneização” nas palavras
Leuchetenburg, foi reinante nesse período, podendo ser através da escola, universidades,
do regime de trabalho, exército, configurando uma sociedade de massa que reprime a
individualidade. As decisões sócio-políticas eram tomadas por gerências tecnicistas que
estavam isoladas do sentimento do povo. Os filhos da depressão e pais do Estado
Corporativo eram mais crentes em decisões de instituições do que no sentimento do
indivíduo, ou como escreve Reich: “Crente no Liberalismo, descrente no homem.” 23 A idéia
20
LEUCHTENBURG, Willian. “Cultura de Consumo e Guerra Fria” In. O século inacabado: a América desde
1900. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976. p. 806. 21
REICH, Charles. “O Renascer da América: A Revolução dos Jovens”. Rio de Janeiro: Record, 1970. p. 52. 22
Ibid, p.76. 23
Ibid. p. 81.
de ordem é imposta pela persuasão ou gerência se possível ou pela repressão quando
necessário. As pessoas são controladas através do mercado de trabalho e o Estado é
dividido em posições sociais, onde cada pessoa se sente cada vez mais ligada a posição
que ocupa. O todo é mais que a soma das partes e a verdade está no todo, não nas
partes24. Nesse sentido, o governo é apenas uma parte desse sistema, que tem nas grandes
corporações dirigentes e aliadas na manutenção desse aparelho. No Estado corporativo, a
sociedade sabe o que convém a todos.
A sociedade norte-americana cada vez mais hierarquizada mostrava o fim do sonho
de igualdade e democracia, os quais os “pais fundadores” tinham como base no processo
de independência dos Estados Unidos. A promessa de uma América de belezas e de
abundância, a terra dos livres, estava sendo de algum modo traído. Em paralelo com
“enriquecimento” do consumismo, temos o empobrecimento da vida por uma sociedade
arraigada na tecnocracia, que não aceitava a liberdade absoluta para o indivíduo, ficando
este relegada aos interesses predominantes do Estado.
Dentro dessa perspectiva, algo que alterará profundamente as normas morais e
sociais que então regiam a sociedade, foi a reação dos jovens à efervescência dos
acontecimentos desse período. A partir dos anos 1950, o jovem norte-americano
experimenta uma relativa autonomia em relação aos pais e é beneficiado com um maior
tempo livre quando comparado às gerações anteriores. Motivado em grande parte pelo
crescimento econômico, não era necessário que o jovem trabalhasse para auxiliar nos
rendimentos domésticos, aumentando o tempo que passava na escola, convivendo por mais
tempo entre seus pares.
Para Luisa Passerini, é a partir da década de 1950 que surge o termo adolescência,
como um campo de estudo, em termos psicológicos e sociológicos. Surge ainda, a idéia da
juventude como período turbulento, confrontada com as responsabilidades do futuro e a
crise de identidade gerada pelas exigências criadas pelo estado.
No decorrer do século XX, o debate sobre a juventude nos Estados Unidos, iria se
dividir em dois pólos: por um lado a exigência de garantir liberdade e possibilidades de auto-
governo, e por outro, a de uniformizar, coletivizar, restituir ao social os impulsos juvenis. Há
um choque entre o Estado, a quem cabia “proteger” a juventude, e o mercado, que
"juveniliza" seus produtos, cooptando com o nascimento de uma nova classe consumidora.
Os jovens tomavam, então, o centro da cena histórica da modernidade25. Termos que antes
eram notadamente utilizados em estudos etnográficos sobre os povos considerados
24
Ibid. p. 86 25
PASSERINI, Luisa. A juventude, metáfora da mudança social. Dois debates sobre os jovens: a Itália fascista e os Estados Unidos da década de 1950. In: LEVI, Giovanni e SCHMITT, Jean-Claude (Orgs.).
História dos Jovens. São Paulo, Companhia das Letras, 1996. v. 2: a época contemporânea. p. 319-382.
diferentes do “normal”, ou seja, diferente do sujeito central das sociedades ocidentais,
começaram a ser utilizados em estudos sobre a juventude, tais como tribo ou subcultura.
A alcunha de “Juventude dourada”, utilizada por muitos autores que estudam os anos
de 1950, deve-se ao fato de classificar uma geração que cresceu em uma sociedade
próspera, e que segundo Hobsbawm, foi a primeira a ter dinheiro excedente para gastar.26 O
ano de 1955 é apontado como marco na criação da cultura juvenil. A geração envolvida era
a que havia nascido entre 1934-1940. Nesse sentido, torna significativo salientar que obras
que influenciaram essa geração tenham sido escritas ao logo da década de 1940, ficando
famosas na década seguinte. Livros como On the Road de Jack Kerouac e O Apanhador no
Campo de Centeio de J.D. Salinger são exemplos disso. Esse último, seja talvez o primeiro
livro que representou os anseios da juventude daquele período, mostrando a perspectiva de
um jovem sobre as visões de mundo e os conflitos pelos quais muitos adolescentes
passavam.
Em 1957, é publicado On the Road de Jack Kerouac, escrito em 1941, tendo com
título original Beat Generation. Essa obra inaugura nos Estados Unidos o movimento Beat.
O movimento literário atraiu muitos jovens de classe média, que descontentes com a atual
situação vivida pela sociedade norte-americana, faziam duras críticas em seus poemas
sobre o estado moral da sociedade, a histeria anticomunista e a bomba atômica. As críticas
também recaiam sobre como a sociedade das décadas de 1950/60, que segundo eles,
estava realizando uma “tirania das massas”, e com isso, a tendência em formar rebanhos de
cidadãos medíocres.27
Os beatniks28, além de Jack Kerouac, tiveram também entre seus expoentes poetas
como Allen Ginsberg, tido como papa do movimento, Gregory Corso, Lawrence Ferlingheti e
Willian Burroughs. Além de partilharem de uma vida desregrada e de excessos e se
destacaram pelo teor crítico em seus escritos, uma nova estética literária é também
relevante no movimento. No entanto, o que torna esse movimento extremamente relevante é
a sua influência na cultura juvenil, é que foi o “primeiro tiro de rebelião da ‘contracultura’ que
iria abalar a década de 1960.29
É a partir da apresentação desse contexto que partiremos para a análise
fundamental dessa monografia que consiste nas representações da rebeldia veiculadas pelo
cinema norte-americano. Para tanto, destinaremos ao segundo capítulo, uma análise da
26
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o Breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras,
1995. pp. 323-324 27
CARMO, P. S. Culturas da Rebeldia: A juventude em questão. São Paulo: Editora SENAC, 2003. p. 47. 28
Termo resultante da fusão das palavras beat + nik de Sputinik como alusão a suposta simpatia dos membros do
movimento pela esquerda. In. CARMO, P.S. 2003. p. 48. 29
LEUCHETENBURG, 1976. p. 809.
juventude nos interior da sociedade estadunidense entre os anos de 1950 e 1960, períodos
que envolvem as gerações delimitadas a esse trabalho.
Como metodologia fundamental, além de estudos referentes à relação história/cinema,
trabalhamos com o que Roger Chartier denomina de representações coletivas Por
representação, entendemos que é
“(...) um instrumento de um conhecimento mediador que faz ver um objeto ausente através da substituição por uma imagem capaz de o reconstituir em memória e de o figurar como ele é (...)”.
Ou símbolos que:
“fornecem uma organização conceitual ao mundo social ou natural construindo assim uma realidade apreendida e comunicada (...) pois define a função simbólica (dita de simbolização ou de representação) como função mediadora que informa as diferentes modalidades de apreensão do real, quer opere por meio dos signos lingüísticos, das figuras mitológicas e da religião, ou de conhecimentos científico. A tradição do idealismo crítico designa assim por ‘forma simbólica’ todas as categorias e todos os processos que constroem ‘o mundo como representação’”30
Assim, quando nos propomos a estudar o cinema inserido no contexto historiográfico
das representações apresentadas por Chartier, temos que ter em mente que essas
representações constroem uma realidade que é pensada. E se o mundo como
representação propõem classificação, divisão e delimitações que organizam a apreensão do
mundo social como fundamentais de percepção e de apreciação do que é real.31
A representação designa um modo pelo qual, em diferentes lugares e momentos, uma
determinada realidade é constituída e pensada por grupos sociais. Chartier coloca que
“representações do mundo social, embora aspirem à universalidade fundada na razão, são
sempre determinadas pelo interesse do grupo que as forjam.” 32 Assim, ao contrapor o
debate das representações com a Indústria Cultural, transfigurada aqui no cinema, torna-se
relevante na apreensão dos estudos da História Contemporânea.
O cinema proporciona a circulação de conhecimentos e de valores culturais. Nesse
sentido, os filmes tornam-se importantes ferramentas para a análise da cultura e das
representações33 sociais. Assim, entender filmes como representações, implica em percebê-
los não como um mero reflexo do contexto em que foi produzido, mas como um veículo que
constrói e apresenta seus códigos da realidade através da cultura da qual faz parte, por
meio de sistemas e significações próprios. Dessa maneira, pode-se dizer que o filme
30
CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand, 1990.
Op, cit p. 19. 31
Ibid. p. 21-23 32
Ibid. p; 17 33
Ibid. p. 20.
analisa, renova e reproduz a cultura em que está inscrito e ao mesmo tempo é produzido
por essa cultura.
CAPÍTULO 2
A dimensão da juventude como campo de estudos é algo que está presente nos
Estados Unidos desde o início do século passado com a publicação, em 1904, da obra
Adolescence do psicólogo G. Stanley Hall. O estudo anuncia a descoberta dessa fase, onde
retoma características explicitadas por Rousseau sobre o jovem – hiperatividade e inércia,
sensibilidade social e autocentrismo, intuição aguda e loucura infantil.34
No decorrer dos anos, cada vez mais nitidamente, a questão da juventude se
apresentava através de uma problemática cultural e política. A adolescência não constitui
uma categoria antropológica constante, mas uma categoria histórica já que há civilizações
sociologicamente sem adolescência. A juventude seria a fase em que o indivíduo, já meio
desligado do universo da infância, mas não integrado no universo adulto, sofre com
indeterminações, biterminações e conflitos.35
É desta forma que observamos que durante os anos de 1950 o processo estava
completo e a adolescência adquiria um estatuto legal e social. A criação de comitês
destinados a tratar especificamente dos problemas relacionados aos jovens nos dão a idéia
do quão preocupado o Estado estava em controlar os jovens. Exemplos disso são os
programas criados pelo governo norte-americano para reabilitar transgressores com idade
inferior a 22 anos, surgidos nessa década, bem como comissões para discussão dos
problemas dos jovens.36
Podemos tomar essas atitudes por parte do Estado como atos que colocam o jovem
como indivíduo perigoso para si e para a sociedade. Kett, importante estudioso sobre o
adolescente nos Estados Unidos, observou que a mentalidade que criou o delinqüente
juvenil se parece com aquela que criou o tipo de adolescente: primeiro certos traços físicos
e mentais são definidos como próprio do tipo em questão e em seguida a definição é
utilizada para explicar o comportamento dos jovens.37 No entanto, com o passar do tempo, o
termo delinqüência juvenil foi substituído por outros como “Cultura dos Jovens”.
Na década de 1950, com o surgimento da geração de privilegiados, os diversos
ambientes destinados aos jovens como a high school, fraternidades, bares para jovens,
bailes, entre outros, serviam como uma base de identificação além de ser ponto de
encontro. O jovem, aos poucos constituía sua cultura própria, diferentemente das gerações
anteriores, onde os mais novos eram “miniaturas” dos mais velhos. Esse afastamento do
mundo adulto e do mundo do emprego tem reflexos na criação da cultura teenager, como
observou o sociólogo norte-americano James Coleman em 1955:
34
PASSERINI, 1996. p. 325. 35
MORIN, Edgar. Cultura de massa no século XX- neurose. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1981, p. 131. 36
PASSERINI, 1996. P. 327. 37
Ibid. p. 331.
“Esses jovens falam outra língua (...) a língua que falam está se tornando cada vez mais diferente a sociedade adolescente está se tornando mais forte nos subúrbios de classe média (...) difunde-se entre os pais a sensação de que o mundo do teenager seja uma coisa a parte.”38
Edgar Friedenberg, autor de estudos fundamentais sobre os jovens, observou que o
teenager parecia ter substituído o comunista como objeto de controvérsia publica e de
previsão sobre o futuro da sociedade.39 Para Friedenberg, os anos cinqüenta representaram
o apogeu da idéia de adolescência bem como mostraram os limites dessa mesma idéia,
anunciando o seu fim, isto é, o final da caracterização de adolescência tal como ela fora
construída pelos manuais de psicologia do desenvolvimento desde o início do século.
Segundo os argumentos de Friedenberg, a adolescência representaria uma faixa da
população que começava a forçar efetivamente os contornos da sua própria caracterização,
ampliando os limites das práticas sexuais anteriormente consideradas ilícitas, diversificando
os seus nichos de consumo e alargando os seus espaços de intervenção na vida pública.
Desta maneira, os adolescentes inverteriam e até mesmo destruiriam os muros que, ao
delimitarem sua própria definição, aprisionavam seu campo de ação. Outros autores com
teses semelhantes às de Friedenberg também apontaram para uma dissolução da imagem
do ideal de vida adulta, da solidez dos laços do trabalho e da vida em família, que cada vez
mais mostravam ser uma ficção irrealizável, frustrando aqueles indivíduos que haviam
acreditado na falácia da estabilidade das instituições e nas promessas de felicidade
incorporadas pelos modelos institucionais:
“[...] a adolescência tornava-se obsoleta, pois a integração pessoal não podia mais ser o velho ideal de maturidade, então irrealizável. Os próprios adultos transmitiam aos adolescentes sua ansiedade e falta de clareza quanto aos papéis sociais. A bola era assim devolvida aos pais e professores, definidos como indivíduos insuficientemente caracterizados, transformados em seres anônimos por processos que reduziram todos à multidão ou à massa.”40
Para Eric Hobsbawm, nenhum movimento deixou tantas marcas quanto uma
“revolução cultural” que tinha a força da juventude. O mundo se tornava velozmente
moderno, dada a dinâmica dos avanços e rupturas históricas. Nessa cultura contraditória,
em que liberação pessoal e liberação social eram a mesma coisa, sexo, drogas e rock’n’roll
formavam os bastiões de enfrentamento do Estado, dos pais, da sociedade, da lei e
38
PASSERINI, 1996. P. 339. 39
PASSERINI, 1996. P. 341. 40
PASSERINI, 1996. P. 342.
“(...) o grande significado dessas mudanças foi que, implícita ou explicitamente, rejeitavam a ordenação histórica e há muito estabelecida das relações humanas em sociedade, que as convenções e proibições sociais expressavam, sancionavam e simbolizavam.” 41
O sociólogo francês Edgar Morin coloca que o tipo de homem que se impõe nas
sociedades históricas é o homem adulto, no entanto, sempre foram jovens gerações que
estiveram à frente dos movimentos revolucionários, enquanto que os grandes
restabelecimentos reacionários foram feitos sob o signo de imagens paternais ou mesmo
senis como Hidenburg na Alemanha ou Pétain, na França.42 Para o autor, todo impulso
juvenil corresponde a uma aceleração da história e ainda coloca:
Na juventude, a “personalidade social” ainda não está cristalizada. Os papéis ainda não se tornaram máscaras endurecidas sobre os rostos, o jovem está a procura de si mesmo e da condição adulta, donde uma primeira e fundamental contradição ocorre entre a busca de autenticidade e a busca de integração na sociedade. Além disso, o jovem se encontra a beira do universo adulto, sendo obrigado a entrar numa grande maquinaria monótona (casar-se, ter um emprego, galgar escalões, que termina com aposentadoria e morte). Esses valores são contestados na juventude com repugnância ou recusa pelas relações hipócritas e convencionais, pelos tabus, recusa extremada do mundo, Daí advém a dobra niilista sobre si ou sobre o grupo, seja a revolta – revolta sem causa ou revolta que assume cores políticas. 43
A partir da segunda metade do século XX, essas tendências que pareciam ser
esparsas e individuais, tomaram uma consistência sociológica. Em diversas partes do
mundo, vemos uma tendência comum entre os jovens em afirmar sua própria moral, seguir
sua própria moda, reconhecer seus heróis. Esses anseios encontram na cultura de massa
um estilo que se adapta ao seu niilismo. A afirmação de valores privados que correspondem
ao seu individualismo e a aventura imaginária que mantêm, sem saciá-la, sua necessidade
de aventura.44 Filmes que apresentavam a nova cultura juvenil, dentre os quais os mais
significativos são os de James Dean e de Marlon Brando, com título por si só reveladores,
como Rebelde Sem Causa e Juventude Transviada, protagonizados por Dean e O
Selvagem, estrelado por Brando, revelam novos heróis, adolescentes no sentido próprio,
revoltados contra o mundo adulto e em busca de autenticidade.
O sociólogo brasileiro Paulo Sérgio do Carmo nos fornece uma idéia de como a
cultura de massa, através da música e do cinema difundiu novos modelos de
comportamento. Em 1956, estréia no Brasil o filme Ao Balanço das Horas com Bill Haley.
41
HOBSBAWM, 1995, p. 327 42
MORIN, Edgar. Cultura de massa no século XX- neurose. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1981, p. 149-
151. 43
Idem p. 153. 44
Idem. p. 156.
Em um cinema de Salvador estava o jovem Raul Seixas, que dois anos após a exibição do
filme, criaria um conjunto de rock. A respeito do dia em que foi ao cinema assistir ao filme,
Raul conta que:
“O que me pegou foi tudo, não só a música. Foi todo o comportamento rock. Eu era o próprio rock, o teddy boy da esquina, eu e minha turma. Porque antes a garotada não era garotada, seguia o padrão do adulto, aquela imitação do homenzinho, sem identidade. Mas quando Bill Haley chegou com Rock Around the Clock, o filme No Balanço das horas, eu me lembro, foi uma loucura para mim. A gente quebrou o cinema todo, era uma coisa mais livre, era minha porta de saída, era minha vez de falar, de subir num baquinho e dizer eu estou aqui. Eu senti que ia ser uma revolução incrível. Na época eu pensava que os jovens iam conquistar o mundo.”45
Logo, a posição do jovem figurando como “o outro”, torna-se particularmente
significativa quanto aos conflitos sociais, tornando-o apto a transformar-se tanto no símbolo
dos subprivilegiados quanto dos excessivamente privilegiados.46 Os jovens da década de
1950 criaram diversas rupturas que há anos assolavam os Estados Unidos, como as
barreiras de cor e de gênero, escolhendo ídolos andrógenos com estilo e comportamento
“negro” ou mediado por classes inferiores.
No interior da sociedade estadunidense, o debate girava me torno de que maneiras
poderiam enfrentar a diferença e a separação do universo dos adolescentes. Na tentativa de
controlar o impulso juvenil, o governo censurou diversos meios de comunicação, entre eles
as revistas em quadrinhos, que passaram a adotar códigos de regulamentação em suas
publicações.47 A opinião pública acusava às mídias preferidas pelos jovens, como o rádio,
cinema, quadrinhos de dificultar o relacionamento entre os jovens e os mais velhos, já que a
televisão era o veículo preferido da tradicional família americana.
A sociedade via nas atitudes juvenis uma total inversão dos valores. O culto das
cheerleaders na escola era obsceno, os ídolos do Rock Roll eram deprimentes e ainda havia
como problema principal o sexo, dado o aumento dos casos de gravidez de adolescentes
entre os membros da classe média branca.48 Em uma análise um tanto quanto superficial,
podemos perceber certa “inveja” dos jovens, já que estes conquistaram muitos mais que
seus pais já mais tinham sonhado. Os impulsos sexuais adolescentes eram amplamente
discutidos pela comunidade adulta norte-americana. Para Passerini “O estereótipo do
teenager continha muitos elementos sexuais, do jeans muito apertado às atitudes
provocatórias e a idéia de copulação ininterrupta que lhes era atribuída.”49
No entanto, se a tentativa do Estado era de estabelecer um tipo de controle às
atitudes dos jovens, havia também a tentativa em tranqüilizar os mais preocupados. O 45
CARMO, 2003. p 33 op. cit SEIXAS, R. Raul Seixas por ele mesmo. São Paulo Martin Claret, 1990. p.14. 46
PASSERINI, 1996. P. 340. 47
Idem. p. 343. 48
Idem p. 344. 49
Idem p. 344.
mercado via nos mais jovens a abertura de um novo nicho. Os jovens estavam se
transformando em consumidores em potencial. Produtos como refrigerantes, gomas de
mascar, balas, discos, cosméticos, carros usados, acessórios para carro eram cada vez
mais consumidos por essa cultura jovem.
No campo intelectual, algo que irá influenciar diretamente a juventude da segunda
metade do século XX em sua maneira de pensar e agir é o existencialismo. Em linhas
gerais, o existencialismo pode ser compreendido como um movimento filosófico que atinge
seu apogeu, sobretudo nos anos 1950. Essa filosofia refletia sobre a angústia da existência
humana. Jean Paul Sartre, principal difusor dessa filosofia, deu a essa juventude novas
formas de pensar o mundo, partindo do pressuposto que existir já é um enorme absurdo.50
Nos propósitos existencialistas encontramos a primazia da liberdade em relação ao
ser, subjetividade, em relação à objetividade, o dualismo, o voluntarismo, o ativismo, o
personalismo e o antropologismo51. Sartre, passa a ser entendido nos Estados Unidos como
voz da rebelião e da liberdade, autor da frase “A vida não tem sentido, Deus está morto, não
existe lei moral, o homem é uma paixão inútil”52 insuflou jovens, rebeldes e descontentes.
Paulo Sérgio do Carmo nos da a idéia de como essa filosofia, que se tornou um estilo de
vida foi recebida pela sociedade:
“A imaginação popular distorcia a figura do existencialista: recusa às normas estabelecidas, aparência descuidada, cabelos abundantes, amargura e desrespeito à moral tradicional, entrega aos prazeres da vida. Considerava-se que se preocupavam apenas em explorar o lado melancólico da existência humana, o desespero, e se compraziam no tédio. ‘Existencialista’ passou a designar as pessoas que se desviavam do processo usual ou infringiam as regras estabelecidas. Jovens com trajes em desalinho, displicentes, com barbas, com casacos de couro preto, passaram a perambular pelos cafés e caves parisienses, onde bebiam e dançavam, ouviam jazz e poemas pacifistas como os de Boris Viam, que ao receber a convocação militar para a guerra, propõe a deserção: ‘Não queria ir/não estou no mundo/para matar infelizes.’”53
Considerando a transferência cultural já citada acima, sobretudo nos acontecimentos
que envolviam a juventude, a filosofia existencialista repercutiu até mesmo no Brasil. A tema
figura em uma marchinha de carnaval, escrita por Braguinha e Alberto Ribeiro, em meados
dos anos 1950, a “Chiquita Bacana”, que é existencialista com toda razão, só faz o que
manda o coração.
Os anos de 1950 foram fundamentais para que os jovens marcassem suas
diferenças em relação ao mundo dos adultos, criando suas próprias regras e identidades,
50
CARMO. 2003 p. 25. 51
PENHA, João da. O que é existencialismo. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1986. p.37-38. 52
Ibidem. Op. cit. p. 27. 53
CARMO. 2003. P. 27.
fugindo do padrão estabelecido pelo mundo adulto. No entanto, é na década de 1960 que a
“Revolução Jovem” vai se concretizar. A combinação entre literatura beat, o rock’n’roll, o
cinema juvenil dos anos 1950 vão ser o combustível para o surgimento da Contracultura. A
“palavra de ordem” é Revolução, seja ela do individuo, da consciência ou dos costumes, e
que vêm amparadas na cultura, nos trajes, na música, nas drogas, na maneira de pensar e
no estilo de vida. Nas universidades, novas linhas de estudos começaram a ser abordados
com mais afinco, como o marxismo e o pensamento freudiano e mesmo a filosofia
existencialista, adotando uma postura mais crítica diante da sociedade, na tentativa de
romper com velhos tabus e valores tradicionais da sociedade norte-americana. Para
Ferreira:
“A excessiva produção de ‘artigos supérfluos’ garante um mundo de facilidades, satisfação deleite e conforto causados pelo trabalho alienante. Todas essas qualidades, antes privilégios das classes mais abastadas, estavam alcançando as massas. Fazia-se necessária uma conscientização da exploração e da opressão empregadas pelo sistema vigente. A revolução tinha que ser qualitativa, atingir todos os segmentos e modificar a forma com que as pessoas enxergavam a própria vida. É neste contexto que surge uma revolta por parte da população jovem, avessa à sociedade de consumo e ao trabalho alienante.”54
Em um período de incertezas, geradas pela Guerra Fria e seus conflitos “quentes”,
intensas agitações raciais, ou mesmo pelo temor nuclear, o novo espírito de inquietações se
espalha rapidamente entre os jovens do mundo inteiro. Por meio de manifestações e
palavras de ordem como “Paz e Amor”, “Aqui e Agora” nascem movimentos como o Flower
Power, Black Power, Gay Power, movimento hippie e movimentos ligados a preservação
ambiental. A contestação juvenil tomava cores políticas e a crença na mudança era a força
motriz desses movimentos.
A contracultura diferenciava-se de outros movimentos revolucionários anteriores não
só pelo estilo cultural, mas por se opor a uma sociedade “democrática e desenvolvida”. Os
hippies foram o principal grupo desse movimento. No âmago da “doutrina” hippie, estava a
não adequação aos valores da sociedade produtiva. As recusas da sociedade de consumo e
da valorização do sucesso material também figuravam como pilares centrais na filosofia
hippie. Com a intervenção dos Estados Unidos no Vietnã, o movimento ganha mais força, já
que muitos jovens estavam sendo mandados para um país do outro lado do mundo para
matar e morrer em uma guerra que não fazia o menor sentido. Paulo Sérgio Carmo observa:
“O surgimento dos hippies chocava a sisudez da velha guarda, inconformada diante da ‘promiscuidade’ dos jovens de cabelos compridos que faziam do
54
FERREIRA, N. M. Paz e Amor na Era de Aquário: a Contracultura nos Estados Unidos. P. 69 In.
http://www.seer.ufu.br/index.php/cdhis/article/viewFile/102/97. acessado 31/05/2010.
amor livre, da sensualidade e da vida nômade e libertária suas armas de combate à violência do mundo industrializado. Por outro lado, a experiência da droga, como forma de buscar a ampliação da sensibilidade, o erotismo, a preferência pela expressão artística no lugar de um discurso político assumiam uma postura ‘contracultural’, que encantava toda uma geração”55
Após essa contextualização de alguns eventos históricos que tiveram os jovens
como figura central e que consideramos pertinentes a esse estudo, partiremos, no capítulo
3, para a análise central desta monografia que objetiva situar uma situar uma discussão
entre a Indústria Cultural, as representações, e a juventude, de maneira a apresentar
elementos que consideramos como representações sociais da rebeldia juvenil entre os anos
de 1950-1960 por meio da análise dos filmes O Selvagem e Easy Rider, cada qual
representado os períodos aqui trabalhados.
55
CARMO. 2003. p. 54
CAPÍTULO 3
Considerando o filme como uma representação, carregada não apenas de
motivações ideológicas dos seus realizadores, mas também de outras representações e
imaginários que vão além das intenções dos autores, podemos dizer que traduzem valores
implícitos na sua produção, bem como na sua recepção e interpretação.56 O cinema, que
possui alta capacidade de envolver o imaginário, envolve o espectador, que busca uma
alternativa às pressões e tensões sociais. A maioria dos filmes permite situações incomuns,
compostas artificialmente e, muitas vezes, inverossímeis exibindo situações de rompimento
com as imposições e trazendo, com isso, alguns heróis ‘contraventores’. Esses, por sua vez,
marcam determinada época com sua maneira de vestir e falar apresentando e
representando, literalmente, no cotidiano dos jovens, alguns símbolos que acabam por
modelar atitudes.57
Nos estudos históricos, a utilização de filmes como fontes implica pensá-los como
um documento capaz de fornecer subterfúgios para a análise de determinados eventos. No
nosso caso, esses eventos correspondem às representações dos jovens em dois momentos
históricos diferentes, mas, no entanto se assemelham no sentido de que tanto em O
Selvagem quanto em Easy Rider, a imagem da rebeldia e incompreensão figuram como
destaques no enredo.
Sobre o uso do cinema como fonte para a história, o historiador Dennison de Oliveira
reflete que:
“Da longa trajetória histórica vivida pelo cinema, importa destacar crescente afirmação de seu potencial tecnológico de agente capaz de reproduzir a realidade, e isto em vários níveis. O primeiro e mais evidente é aquele que se refere à realidade visível tal qual ela aparece diante dos nossos olhos. O segundo diz respeito a aspectos da realidade que, para serem vistos, necessitam de uma imagem muito mais ampliada, acelerada, retardada ou reduzida. De fato, o cinema tornou visível aos nossos olhos boa parte dos fenômenos físicos e biológicos que até então nos eram invisíveis. Finalmente, num outro nível, o cinema é capaz de reproduzir a realidade histórica, aquela que aconteceu em outras épocas, trazendo até nós a visão de eventos e episódios que jamais poderíamos presenciar. Essa capacidade do cinema reproduzir a realidade histórica pode se dar tanto sob a forma de ficção quanto do documentário. Tanto num caso quanto noutro, parece óbvio o enorme potencial do cinema se constituir em um dos maiores – se não o maior – suporte da memória histórica das sociedades contemporâneas.”58
Muitos filmes produzidos por Hollywood procuram fazer o que o sociólogo Jacques
Ranciere chama de “ficção dominante”, realidade ideológica, “imagem do consenso social”
56
NAPOLITANO, Marcos. “A Escrita filmica da história e a monumentalização do passado: uma análise
comparada de Amistad e Danton. In. CAPELATO, ... “História e cinema: Dimensões históricas do audiovisual”
São Paulo. Alameda 2007. 57
KELNNER, Douglas. A cultura da Mídia. Bauru, Edusc, 1998. p. 252-253. 58
OLIVEIRA, Dennison. “O cinema como fonte para a história”, sd, p. 5.
dentro do qual é pedido aos membros que se identifiquem.59 Sobre essas produções e a
relação entre cinema e história Robert Burgoyne escreve:
“A influência do cinema na consciência histórica e no entendimento atual da história tem sido muitas vezes descrita como enfraquecedora; um importante contra-argumento foi levado, no entanto, pela absorção cada vez maior da tendência de filmes e de programas de televisão sobre o passado norte-americano. Descrevemos esse fenômeno como um revigoramento positivo da ‘memória social’.”60
No entanto, no caso desse estudo, os filmes em questão não são representações do
passado, já que se passam no período presente de suas produções. Mas há de se salientar
o que Burgoyne coloca como “revigoramento da memória social”, e que talvez mais
importante do que serem filmes que tratam do passado norte-americano, são filmes que
tratam de acontecimentos contemporâneos, e, desta forma, consideramos que as obras
analisadas traduzem de o contexto em que foram produzidas, e que ainda hoje estão
enraizadas na memória como representações fidedignas desse “presente passado”.
Fidedignas não no sentido de que as histórias apresentadas são fatos, mas no sentido de
que as representações explicitadas nos filmes ainda figuram como símbolos da rebeldia
juvenil em seus contextos. Robert Burgoyne argumenta que a fidelidade dos fatos não é o
elemento mais importante na análise de um filme, mas perceber de que forma certo filme
mobiliza os elementos da memória.61 No caso dos filmes analisados aqui, é importante
pensar na forma como a memória social remete à juventude desordeira da década de 1950,
bem como a juventude “contracultural” da década de 1960.
Os filmes trabalhados mostram que as entidades sociais se formam a partir de
oposição e antagonismo62, delineados por meio das relações da sociedade com os
protagonistas das películas. Desta forma, pensar que o cinema distorce a “realidade
histórica”, delimita questões que consideramos mais importantes no que diz respeito às
análises sociais. Sobre essa questão, Burgoyne salienta:
“Os debates sobre o cinema e sua responsabilidade para com o passado obscurecem, em grande medida, o que eu creio serem questões mais significativas – a posição central ocupada pelo cinema na articulação das identidade nacional e a capacidade do cinema resistir ao escrutínio e dar destino certo ao significado emocional da comunidade imaginada na nação e de suas lacerantes inquietações.”63
59
BURGOYNE, Robert. A nação do filme. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. P. 13 60
Ibid. p. 15. 61
Idem p. 15-16. 62
Ibid. p. 13. 63
Idem. p. 19.
A importância do cinema hollywoodiano nos Estados Unidos é tal, que de muitos
modos diz traduzir uma expressão sem paralelo da cultura nacional. Essa expressão, de
certo maneira moldou a auto-imagem estadunidense de maneira onipresente e explicita.64
No caso dos Estados Unidos e da indústria cinematográfica de Hollywood, esse fator torna-
se atenuante, visto a influência desse país, tanto econômica quanto cultural no mundo.
Nesse sentido, as imagens veiculadas nesses filmes demonstram representações culturais
que podem ser entendidas como “globais” da cultura ocidental do século XX. Assim, os
filmes, entendidos como formas cristalizadas de memória social e cultural, podem ser vistos
como “órgãos de memória” que englobam a visão mundial do período do qual se originaram.
Os filmes podem ser vistos de um ângulo onde tanto “retomam usos do passado quanto
redefinem a experiência presente de maneira adicional.”65 Logo, a:
“(...) experiência dentro da sala de cinema e as memórias que o cinema permite – a despeito do fato de o espectador não as ter vivido – poderiam ser tão significativas, na construção ou na destruição da identidade do espectador, quanto qualquer experiência que esse tenha realmente vivido.”66
A equação cinema e cultura jovem, como já salientado, foi enfatizada a partir da
década de 50, com a investida no estilo rebelde. Não só nos Estados Unidos, mas também
em outras partes do globo, sobretudo no cinema europeu, destacando as obras de Jean-Luc
Godard e Françoise Truffaut da nouvelle vague francesa, onde apresentam discursos
intimistas do universo juvenil. Porém a tônica cinema/juventude é sem dúvida um dos
maiores sucessos do cinema hollywoodiano.
Passaremos agora para a análise dos filmes em questão.
64
BURGOYNE, Robert. A nação do filme. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. P. 23. 65
Idem. p. 25. 66
Idem. p. 27.
O Selvagem
O Selvagem (The Wild One, EUA, 1953) dirigido por Laszlo Benedek e produzido por
Stanley Kramer. O filme é baseado em um conto chamado The Cyclists’ Raid de Frank
Rooney, que foi publicado em 1951 na revista Harper. A história falava de confusões de
motociclistas nas comemorações do 4 de julho de 1947 na cidade de Hollister, Califórnia. O
acontecimento fora noticiado na revista Life, do dia 21 de julho daquele mesmo ano sob o
título de “Tumulto em Hollister”, contendo fotos de “selvagens motociclistas” rebeldes e
foras-da-lei.67
Marlon Brando, protagonista do filme, vive o personagem Johnny Strabler, líder da
gangue de motociclistas, a Black Rebels Motorcycle Club. Solto pela velocidade da
motocicleta, vestindo-se com roupas de couro, Brando, de olhar escuso com as pálpebras
baixas que oferecem um ar blasé protagoniza um estilo rebelde agressivo. Produzindo
imagens que se fixaram no imaginário dos jovens norte-americanos e de várias partes do
mundo, seu enredo se passa numa pequena cidade do interior, onde rebelde vivido por
Brando arrebata o coração da mocinha bem comportada, apavora os mais velhos e causa
delírios ao enfrentar o xerife da cidade. Essa imagem do jovem rebelde sem causa ganhou
identidade, fez escola e gerou movimentos pelo país e pelo mundo.
Diversas cenas podem ser analisadas no intuito de se levantar aspectos que
remetam a representações de rebeldia, no entanto, nos prenderemos apenas a algumas,
pois demandaria um imenso número de páginas se o feito por completo. Marc Ferro já nos
chamava a atenção para a o estudo do filme tanto como fonte e objeto que representa uma
imagem. Há de se considerar também que é necessário perceber o filme enquanto
testemunho/documento, integrando-o ao contexto social em que a obra surge: autor,
produção, público, regime político, etc. Mas um filme não é feito apenas de imagens, mas
também de textos escritos (legendas), sons (falas gravadas e trilha sonora), formando então
um conjunto de representações visuais e textos (no sentido semiótico). Analisar ou
descodificar esses conjuntos de mensagens terá a ver: “um filme diz tanto quanto for
questionado. São infinitas as possibilidades de leitura de cada filme.”68
Ao longo da película, podemos notar diversas menções que figuram a
incompreensão da sociedade com o jovem, pois Marlon Brando encarna uma fúria de viver
aliada a uma rebelião que em certo ponto parece ser sem causa. Some-se a isso uma
aspiração à plenitude e fascinação pelo risco.69 Logo no inicio do filme, ao som de uma
música incidental dramática, aparece um aviso em forma de texto, alertando que a história 67
In. http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Selvagem_(1953), acessado em 15/06/2010. 68
Langer, J. Metodologia para análises de estereótipos em filmes históricos. Revista História Hoje, 2, 5, Nov-
2004 Apud: FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992 69
MORIN, 1981 p. 157.
que se passava aconteceu em uma pacata cidade no interior dos Estados Unidos, no
entanto, se não forem tomadas às devidas precauções, isso poderia se repetir por todo o
país.
A história inicia-se com uma corrida de motos organizada pela comunidade local.
Johnny, personagem vivido por Marlon Brando, junto de sua gangue, invadem a corrida,
provocando confusão. Um dos membros da gangue rouba o troféu de segundo lugar e o
oferece a Johnny, que aceita e o pendura em sua moto. No desenrolar da história, a gangue
de Johnny permanece na cidade, causando diversos problemas para a comunidade,
arranjando brigas e ocasionando acidentes. O maior incentivador para o permanecimento da
gangue na cidade é Frank Bleeker. Vivido por Ray Teal, Frank é o proprietário do bar e hotel
da cidade e é o mediador entre a comunidade e os jovens rebeldes. Visando os lucros com
hospedagem e venda de bebidas, Frank Bleeker procura tranqüilizar os moradores da
cidade e amenizar o clima. Desta forma, podemos pensar em Frank como o lado que
buscava a “compreensão” de olho no novo mercado que estava se abrindo.
A balburdia aumenta mais com a chegada de uma gangue rival. Johnny, além de
contar com os problemas gerados por suas atitudes, bem como o preconceito dos cidadãos
locais ainda se depara com seu rival Chino, protagonizado por Lee Marvin, líder da gangue
The Beetles que chega a cidade. Acidentes automobilísticos são causados pelos jovens. A
imagem do jovem com veículos automotores também é uma relação bastante explícita na
representação teenagers dos anos 1950. No entanto, a trama central é a paixão de Johnny
pela filha do policial Harry Bleeker, uma moça “perfeitinha”, Kathie, interpretada por Mary
Murphy.
A gangue liderada por Johnny usa jaquetas de couro com as inscrições BRMC. Em
uma da cena que se passa no bar de Frank, um dos membros dança com uma moça. A
moça pergunta qual o significado daquelas letras, o rapaz responde que são as iniciais do
nome de sua gangue Black Rebels Motorcycle Club. A moça se vira para Johnny e o indaga:
- Contra o que você é Rebelde?
Johnny, com ar de desdém:
- Contra o que você quer?
Nesta e em outras cenas, vão se desenhando representações de que os jovens eram
inconseqüentes, mas que e não tinham motivo e ideal algum para se rebelar, já que
estavam vivendo em um país livre, democrático e que era muito bom para eles.
Em outras cenas, Johnny, fazendo postura de durão, diz que ninguém manda nele e
que ninguém diz a ele o que fazer. O filme mostra uma sociedade conservadora e
disciplinadora que estava convivendo com novos temas, uma emancipação dos mais jovens
e que já se distanciavam do tipo de convívio que as gerações anteriores tiveram com seus
pais e avós.
No enredo, que se tornou clássico, para não dizer um clichê, também se destacam
os dois jovens apaixonados. Que chamam a atenção pela beleza, deixando transparecer os
anseios daquela juventude: Um rapaz “selvagem” e arrogante, mas que é bom e apresenta
uma possível mudança de atitude graças ao amor de uma moça.
Após uma briga, Chino vai para a prisão e Johnny é incumbido pelos seus colegas
de retirar Chino da cadeia. Johnny era líder da gangue, no entanto, não demonstrava
aprovação nem reprovação pelos seus atos, mantendo uma postura intimista. À noite
decidem livrar Chino da cadeia. O chefe de polícia da é Harry Bleeker, vivido por Robert
Keith e pai da jovem por quem Johnny estava se interessando. No desenrolar dessa trama,
os jovens vão resgatar Chino e depois fazem uma algazarra na cidade.
Do meio para o fim do filme, membros da gangue perseguem Kahie e Johnny vai
salvá-la. Em uma confusão, cidadãos enfurecidos com a desordem perseguem Johnny.
Quando o apanham e o espancam Johnny responde:
- Meu velho batia mais forte.
A cena pode ser lida de uma maneira em que a revolta poderia estar na relação que
os adultos estavam preocupados com seus futuros, trabalhos e carreiras deixando de lado
aspectos afetivos. Essa cena pode ser interpretada como uma discussão do que Passerini
que salienta o debate ocorrido na década de 1950 sobre a delinqüência dos jovens se
perguntando se na realidade os comportamentos irregulares eram motivados por genitores
fracos e incapazes de se relacionar com essa nova geração.70
As imagens que se cristalizaram no imaginário social enquanto representações
privilegiadas da adolescência transgressora não foram aquelas da delinqüência juvenil
associadas aos jovens pobres, sujos e brutos, que também existiam nos Estados Unidos,
apresentados frente às cortes judiciais e vindos de famílias desordeiras e descuidadas. Ou a
imagem dos jovens politizados e intelectualizados da nascente geração Beat de meados do
cinqüenta. A imagem típica da adolescência foi um produto dos anos 1950, representados,
particularmente da nos ideais da próspera sociedade norte-americana do pós-guerra, que
consagrou a figura da adolescência transgressora no cinema e na mídia em geral como o
“rebelde sem causa”, o “jovem transviado”. Com o término da guerra, deslocou-se a tônica
70
PASSERNI. 1996. p. 343.
do jovem ou do adulto combatentes para a figura do teenager, termo que começou a
apresentar um uso corrente a partir de 194571.
A obra é tida como um clássico do cinema e são sempre feitas releituras de cenas e
aspectos abordados no filme em outras obras cinematográficas. Muitos críticos e
especialistas dizem que a obra representa uma geração. Aqui, podemos levantar uma
discussão sobre a relação da indústria cultural com a juventude, bem como a influência que
aquela teve a geração dos anos 1950. Edgar Morin aponta que:
“Existiam antes de 1950, em diversos grandes centros urbanos, bandos fechados de adolescentes, que tendiam em se constituir em clãs, que ignoravam ou negavam o universo dos adultos. Esse bandos, chamados “a-sociais”, às vezes delinqüentes, podiam nutrir-se intensamente de cultura de massas (sobretudo de cinema), mas ao contrário da sociedade adulta, encontrava seus heróis nos personagens ‘negativos’ que, nos filmes de crimes, travavam um combate sem trégua contra a sociedade. Em certo sentido, ‘a pré-história’ da cultura juvenil começa nos bandos marginais de adolescentes.’72
Deste modo é interessante contrapor as obras, observando as representações
apresentadas por elas pensado na Industrial Cultural e o esquema que Chartier aponta
como “gerador de classificação de percepção de cada grupo”73, e de como essa
classificação figura tanto criação dessas figurações da rebeldia juvenil, quanto na
apropriações posteriores dessas imagens.
71
PASSERINI. 1996. p. 352 72
MORIN. 1981. p. 138 73
CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand, 1990 p.
19.
Easy Rider
Easy Rider, um filme independente sobre estrada que além de mudar Hollywood,
tornou-se parte essencial da iconografia dos anos 1960. Lee Hill relata que a obra foi um
dos raros casos de filme cult bem sucedido.74 Dirigido e produzido por Dennis Hopper e
Peter Fonda, respectivamente, ambos foram os protagonistas da história. A trama que se é
a história de dois hippies que cruzam os Estados Unidos rumo ao Mardi Gras, espécie de
Carnaval que acontece em Nova Orleans. A história começa com Wyatt (Peter Fonda) e
Billy (Dennis Hopper) comprando cocaína de um traficante mexicano para revendê-la a outro
grande traficante de Los Angeles. Com o dinheiro da venda, Wyatt e Billy compram suas
belas motos e acreditam que com o que sobrou poderão viver por um longo tempo sem
precisar trabalhar, apenas curtindo a vida com nenhum tipo de preocupação além daquela
de decidir para qual destino seguir em busca de qualquer tipo de aventura.
O slogan publicitário do filme “Um homem saiu à procura da América, mas não a
encontrou em nenhum lugar” 75, já diz muito sobre o enredo do filme, pois no momento da
filmagem (1967/68), o espírito da década estava sofrendo uma reviravolta completa, o
idealismo dos anos sessenta, tinha sofrido alguns baques, como o assassinato de Kennedy,
a escalada da Guerra do Vietnã e intensos conflitos raciais nas principais cidades
americanas. 76 Fonda e Hopper, assumidos membros da contracultura, trabalham com uma
narrativa que denota a rejeição. Billy e Wyatt recebem o nome de duas figuras mitológicas
dos westerns americanos: Billy, the kid e Wyatt Earp, no entanto, como coloca HILL (2000),
podemos colocar Easy Rider como um eastern, já que os protagonistas se deslocam do
oeste (Califórnia) para o leste (Flórida).
Ao atravessarem o país, os protagonistas entram em contato com toda as
diversidades culturais existentes nos Estados Unidos daquele período. Em alguns lugares
são maus recebidos pela população local, em cidades tipicamente sulistas, devido as suas
aparências desleixadas, de cabelos cumpridos e trajes descuidados. Mas também
aparecem figurando com hippies e o personagem George Hanson, vivido por Jack
Nicholson, que faz um advogado bêbado que os “heróis” encontram na cadeia após serem
presos por “desfilarem sem permissão” em uma das cidades que eles cruzam. Segundo
HILL, George Hanson, funciona como centro moral do filme, representando o tipo de
personagem ideal dos anos 1960, que consegue unir o liberal e o conservador, o reacionário
e o radical. Pelos mesmos motivos já mencionados, prenderemos nossa análise a algumas
cenas que nos chamaram atenção. Dentro da problemática sugerida pela pesquisa, é
74
HILL, Lee. Sem Destino: Easy Rider. Trad. Pedro Karp Vasquez. Rio de Janeiro: Rocco, 2000, p. 10. 75
Idem p. 27. 76
HILL, 2000. p. 44.
interessante salientar a participação de Hanson, pois seus diálogos, na cadeia e em torno
da fogueira explicitam um subtexto político do filme. Enquanto estão presos, há uma certa
tensão entre Billy e Hanson, que se resolve depois que Billy observa o tratamento
privilegiado que Hanson recebe do policial carcereiro, visto que Hanson era advogado da
cidade. Após as rusgas se resolverem e Hanson soltar Billy e Wyatt, Hanson resolve seguir
viagem com os protagonistas.
Vão para outra cidade e são recebidos com preconceito dos moradores que fazem
piadas sobre suas aparências. Mais tarde, quando vão acampar na mata, ao redor de uma
fogueira George reclama do atual estado de espírito do país, Wyatt indaga se a comunidade
têm medo deles, e então surge um diálogo que reproduzo a seguir:
George: - Não tem medo de vocês, mas do que vocês representam.
Billy: - Representamos alguém que precisa cortar o cabelo?
George: - Não, para eles vocês representam a liberdade.
Billy: - Liberdade é legal.
George: - Mas falar e viver são duas coisas diferentes. (...) Eles falam
sempre em liberdade individual, mas quando vêem um individuo livre
ficam com medo,
Enquanto Billy acredita que a intolerância que encontrou é motivada por suas roupas
e cabelo comprido, no entanto, Hanson sabe que tem raízes mais profundas. Em certo
ponto, Hanson denuncia sua revolta e seu desgosto em relação à maneira hipócrita pela
qual alguns americanos interpretam, em benefício próprio, os conceitos de liberdade,
igualdade e busca de felicidade.77
Outra cena que consideramos importante, ocorre no inicio do filme, quando Wyatt,
antes de pegar a estrada, joga fora seu relógio, num gesto de rejeição literal e simbólica das
limitações de tempo e espaço, associados a vida urbana, mostrando não estar mais ligado
ao tempo mecanizado da sociedade moderna. Outro fator a se mencionar, e a diferença das
personagem vividas por Hopper e Fonda, enquanto Wyatt (Fonda) representa um rebelde
em busca de uma causa, Billy é claramente um rebelde sem propósitos, buscando
satisfação pessoal, sem preocupação com as mudanças sociais. Wyatt demonstra seu
idealismo na cena em que se hospedam em uma comunidade hippie, e vendo a disposição
dos membros em plantar em uma terra visivelmente improdutiva, acredita que eles irão
conseguir uma farta colheita apenas por acreditarem que conseguirão.
77
Idem, Ibidem. p. 57.
Conclusão:
Se a sociedade norte-americana enxergava o jovem como o diferente, o outro, em
uma postura significativa quanto aos conflitos sociais, é no cinema que podemos que
podemos encontrar exemplos desse processo de simbolização ou representações, conforme
destacado nos filmes analisados. Esses elementos podem representar as diversas
ideologias, seja no contexto social, econômico, político ou cultural de uma época.
Em O selvagem encontramos os ditos jovens “rebeldes sem causa”, na mais fiel
representação do termo, em Easy Rider, verificamos jovens autônomos e críticos. Para Paul
Goodman, isso se deu pelo caráter inacabado da revolução americana e a incapacidade da
formação social estadunidense em manter suas promessas, o que gerava um niilismo nos
jovens, da origem a beatniks de um lado e delinqüentes de outro78
Acreditamos que a Indústria Cultural, ao veicular essas representações de rebeldia
causam ma dicotomia entre a cultura jovem e o mercado, ou como coloca o sociólogo
francês Edgar Morin:
“Esta cultura adolescente-juvenil é ambivalente. Ela participa da cultura de massas que é a do conjunto da sociedade, e ao mesmo tempo procura diferençar-se. Ela está economicamente integrada na Indústria Cultural, capitalista, que funciona segundo a lei do mercado. E, é, pois, um ramo do sistema de produção-distribuição-consumo que funciona para toda a sociedade, levando a juventude a consumir produtos materiais e produtos espirituais, incentivando os valores da modernidade, felicidade, lazer, amor, etc.”79
78
PASSERINI, 1995. p 361. apud GOODMAN, P,IGrowing up absur: Problems of youth in the organized
system. Nova York, Random Hause, 1960. 79
MORIN, 1981. p. 139.
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