Upload
helenagertz
View
5
Download
0
Embed Size (px)
DESCRIPTION
Monografia de Conclusão de Curso. Estudo comparativo das reportagens sobre o Brasil publicadas pela revista Der Spiegel em 2001 e entre agosto de 2010 e agosto de 2011, utilizando a metodologia da Análise de Cobertura Jornalística, desenvolvida por Gislene Silva e Flávia Maia. Observa-se que, mesmo com a emergência do Brasil no cenário político e econômico como "softpower" e "sexta maior economia do mundo" no cenário internacional da época, a revista segue repetindo estereótipos especialmente no que se refere às mulheres, aos indígenas e aos pobres.
Citation preview
PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE COMUNICAO SOCIAL
HELENA LVIA DEDECEK GERTZ
A REPRESENTAO DO BRASIL NA REVISTA DER SPIEGEL: A PERSISTNCIA DO ESTERETIPO
PORTO ALEGRE 2013
1
HELENA LVIA DEDECEK GERTZ
A REPRESENTAO DO BRASIL NA REVISTA DER SPIEGEL:
A PERSISTNCIA DO ESTERETIPO
Monografia apresentada como requisito para a obteno do grau de graduao em Jornalismo da Faculdade de Comunicao Social da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.
Orientadora: Dra. Ana Carolina Damboriarena Escosteguy
Porto Alegre
2013
2
HELENA LVIA DEDECEK GERTZ
A REPRESENTAO DO BRASIL NA REVISTA DER SPIEGEL:
A PERSISTNCIA DO ESTERETIPO
Monografia apresentada como requisito para a obteno do grau de graduao em Jornalismo da Faculdade de Comunicao Social da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.
Aprovada em: ___ de _____________ de ______.
BANCA EXAMINADORA:
__________________________________________________
Prof. Dr. Antonio Carlos Hohlfeldt
__________________________________________________
Prof. Dr. Juan Domingues
__________________________________________________
Prof. Dra. Ana Carolina Damboriarena Escosteguy
PORTO ALEGRE
2013
3
AGRADECIMENTOS
A meus pais e meus amigos.
minha orientadora, Dra. Ana Carolina Damboriarena Escosteguy.
Pela pacincia e ensinamentos, obrigada.
4
RESUMO
Neste trabalho se analisa a representao do Brasil atravs de textos
publicados na revista alem Der Spiegel. Tem-se o objetivo de entender como
a publicao contribui para a formao do imaginrio de seus leitores sobre o
pas e, para tanto, foi feita uma relao entre o contedo que aborda o tema
publicado no ano de 2001e no perodo entre agosto de 2010 e agosto de 2011.
Foram observados 17 textos de diferentes formas narrativas a partir do
protocolo de Anlise de Cobertura Jornalstica, proposto por Silva e Maia
(2011). Com a observao das publicaes dos dois intervalos de tempo,
separados por dez anos, esperava-se notar uma variao no noticirio que
revele uma mudana na temtica dos textos sobre o Brasil. Contudo, percebeu-
se que, mesmo com a passagem de tempo e os avanos nas reas social,
econmica e poltica, persiste o esteretipo de um pas violento, corrupto, mal
planejado, habitado um povo alegre composto por mulheres erotizadas,
indgenas e caboclos sem conscincia ecolgica e que se preocupa mais com
futebol do que com o pas onde vive.
PALAVRAS-CHAVE: Brasil, Representao, Esteretipo, Der Spiegel
5
ABSTRACT
Neste trabalho se analisa a representao do Brasil atravs de textos
publicados na revista alem Der Spiegel. Tem-se o objetivo de entender como
a publicao contribui para a formao do imaginrio de seus leitores sobre o
pas e, para tanto, foi feita uma relao entre o contedo que aborda o tema
publicado no ano de 2001e no perodo entre agosto de 2010 e agosto de 2011.
Foram observados 17 textos de diferentes formas narrativas a partir do
protocolo de Anlise de Cobertura Jornalstica, proposto por Silva e Maia
(2011). Com a observao das publicaes dos dois intervalos de tempo,
separados por dez anos, esperava-se notar uma variao no noticirio que
revele uma mudana na temtica dos textos sobre o Brasil. Contudo, percebeu-
se que, mesmo com a passagem de tempo e os avanos nas reas social,
econmica e poltica, persiste o esteretipo de um pas violento, corrupto, mal
planejado, habitado um povo alegre composto por mulheres erotizadas,
indgenas e caboclos sem conscincia ecolgica e que se preocupa mais com
futebol do que com o pas onde vive.
KEY WORDS: Brazil, Representation, Stereotype, Der Spiegel
6
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 Capa da revista Newsweek ..................... 17
Figura 2 Capa da revista Der Spiegel ........................................................... 17
Figura 3 Capa da revista Time ...................................................................... 17
7
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Dados quantitativos sobre visibilidade dos pases ........................ 26
Tabela 2 Dados quantitativos sobre contedo das reportagens sobre
a Amrica Latina ....................................................................................27
Tabela 3 Dados quantitativos sobre forma narrativa .................................... 28
Tabela 4 Dados quantitativos sobre seo personalidades ......................... 30
Tabela 5 Temas das reportagens selecionadas sobre o Brasil .................... 33
Tabela 6 Dados quantitativos sobre forma narrativa de todos os
textos analisados sobre o Brasil .......................................................... 34
8
SUMRIO 1 INTRODUO ........................................................................................ 10 2 A REVISTA DER SPIEGEL: HISTRIA E CONTEXTO MIDITICO .. 13 2.1 A AMRICA LATINA E O BRASIL NA REVISTA DER SPIEGEL: METODOLOGIA DE ANLISE ........................................................ 20 2.2 CORPUS DE PESQUISA ..................................................................... 24 3 REPRESENTAO: DEFINIO GERAL ............................................. 35 3.1 REPRESENTAES NO JORNALISMO ............................................. 39 3.2 JORNALISMO INTERNACIONAL: COMO COMUNICAR INTERCULTURALMENTE ............................................................... 44 4 AMRICA LATINA E BRASIL: CONTEXTO SOCIOECONMICO ATUAL .............................................................................................. 53 5 A ANLISE DE COBERTURA JORNALSTICA PROPRIAMENTE DITA .......................................................................................................... 69 5.1 PERODO DE 2001 ................................................................................ 69 5.2 PERODO DE 2010 A 2011 .................................................................... 94 5.3 A VIGNCIA DO ESTERETIPO ......................................................... 103 6 CONCLUSO ........................................................................................... 109
9
REFERNCIAS .......................................................................................... 112
10
INTRODUO
No dia 15 de junho de 2013, o caderno Cultura do jornal Zero Hora
publicou uma reportagem sobre as notcias veiculadas sobre o Brasil na mdia
estrangeira. A forma como o estrangeiro v o Brasil de interesse do governo,
de empresas e dos brasileiros. A representao do pas, atravs do jornalismo,
envolve questes polticas, econmicas e sociais especialmente no momento
em que o pas emerge, no cenrio internacional, como potncia.
dentro desse tema que se situa a presente monografia. A escolha por
analisar as representaes da revista Der Spiegel foi feita porque trata-se de
um dos peridicos mais lidos em pases de lngua alem1, com mais de seis
milhes de leitores, e reconhecido por ser um veculo de credibilidade no
contexto europeu. A opo por uma revista alem, tambm, se deve a minha
ligao pessoal com o pas: entre 2009 e 2010, tive a oportunidade de estudar
na Universidade Catlica de Eichsttt, na Bavria, por meio de convnio com a
Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul. Durante essa estada, ,
chamou a ateno os comentrios de meus colegas alemes sobre o Brasil e
o choque ao descobrir que no se fala espanhol no maior pas da Amrica
Latina e a cobertura da imprensa local sobre meu pas de origem
principalmente, centrado na cobertura do futebol, de crimes e de temas
relacionados a mulheres. O que li e ouvi, nessa experincia de intercmbio,
no coincidia com a minha imagem sobre o Brasil: um pas ainda com graves
problemas, mas que, no entanto, parecia seguir uma curva ascendente de
melhorias em questes democrticas, educacionais, de infraestrutura e direitos
humanos.
Acredito que a mdia responsvel pela formao de parte da viso de
mundo das pessoas. Sendo assim, parte daquilo que os alemes pensam
sobre o Brasil provm da mdia. As notcias que formam o ponto de vista
destes alemes fundamentalmente produzida por jornalistas. E, aqueles
jornalistas que, em teoria, teriam mais credibilidade para passar informaes
sobre qualquer assunto, so os que acompanharam o fato a ser noticiado in
1 Segundo a instituio que monitora a mdia alem Presse-Monitor (PMG), a revista Der Spiegel foi a mais citada em 2011. Disponvel em . Acesso em 25 maio 2012.
11
loco. A revista Der Spiegel, uma das publicaes de maior circulao no pas,
possui correspondentes no Brasil, que acompanham os fatos que ocorrem no
nosso contexto. Porm, que tipo de representao este jornalista, que
acompanha fatos in loco e relata o que viu para mais de seis milhes de
leitores estaria publicando para que eu precisasse explicar que sim, temos
abastecimento de energia eltrica; no, nem todo brasileiro negro; no, falo
alemo, mas no sou neta de nazistas que fugiram para a Amrica do Sul; e
no, nem todo morador de favela criminoso?
Assim, surgiu a ideia de observar como a revista Der Spiegel cobre
assuntos relacionados ao Brasil, quais so os temas mais recorrentes na
abordagem. Para efetivar essa proposta, foram selecionados dois perodos de
tempo, procurando responder um questionamento mais especfico: houve
variao na cobertura? Afinal, a proposta do jornalismo acompanhar
mudanas. Escolheu-se iniciar a anlise pelo ano de 2001. Neste ano, o
jornalista do Financial Times Jim O'Neill cunhou2 a sigla BRIC para designar os
pases de economias emergentes Brasil, Rssia, ndia e China. O ano tambm
marcou o fim do governo de Fernando Henrique Cardoso e o incio da corrida
eleitoral que elegeu Lus Incio Lula da Silva, em 2002. A partir de ento, o
efeito do Plano Real ligado ao investimento em projetos sociais comeou a
impulsionar a economia e o desenvolvimento humano do pas. Em outubro de
2010, Dilma Rousseff foi eleita e, em 2011, iniciou seu mandato. Neste
intervalo de dez anos, o pas mudou.
Para observar se a reportagem da revista Der Spiegel acompanhou esta
mudana, foram separados textos que noticiavam sobre o Brasil no ano de
2001 e no perodo entre agosto de 2010 e agosto de 2011. Entre notas,
reportagens, entrevistas, cartas da redao, perfis e obiturios, foram
identificados 33 materiais jornalsticos cujo tema principal envolvia o pas, dos
quais 17 foram selecionados por serem considerados as formas narrativas
mais importantes sobre sua representao. Nestes 17 textos, de diferentes
formas narrativas, foi aplicado o protocolo de anlise sugerido por Gislene Silva
e Flvia Dourado Maia (2011) que, partindo do pressuposto de que a forma de
produo deixa marcas no produto final do jornalismo, prope uma articulao
2 http://www.ft.com/cms/s/0/112ca932-00ab-11df-ae8d-00144feabdc0.html, acesso em 16 de junho de 2013.
12
entre narrativa e apurao, considerando ainda o contexto macro como
ambiente fundamental na produo da cobertura jornalstica.
Com essa estratgia, pretende-se responder:
a) Como o Brasil era representado em 2001 e no perodo entre 2010 e
2011?
b) Houve mudanas nestas representaes?
c) Caso houve, em que sentido a representao mudou?
d) Caso no houve, por que o jornalista no acompanhou as mudanas
do pas?
Com estas questes respondidas, espera-se chegar a uma concluso
sobre de que modo a representao do Brasil na revista Der Spiegel pode estar
gerando, ou perpetuando, preconceitos ou, por outro lado, informando seu
leitor sobre o que acontece no pas dentro dos parmetros da interculturalidade
que pautariam o jornalismo internacional.
Para se chegar a esta concluso, sero apresentados os quatro vetores
envolvidos na pesquisa: 1) o contexto miditico no qual a revista Der Spiegel se
insere e sua histria, o que ajuda a entender o posicionamento do veculo e
proporciona uma imagem do perfil de seu pblico leitor, 2) a situao social,
econmica e poltica do Brasil tendo em vista sua evoluo ao longo dos dez
anos entre 2001 e metade de 2011 e sua insero no continente latino-
americano, 3) a funo da representao na sociedade e especificamente no
jornalismo e 4) a tarefa do correspondente internacional de comunicar
interculturalmente. A metodologia de pesquisa e o corpus de anlise
esclarecem a dimenso do assunto, atravs da quantificao em tabelas, e da
forma pela ser abordado. Por fim, no ltimo captulo, os quatro vetores de
pesquisa sero articulados com a anlise de cobertura jornalstica,
denominao adotada por Silva e Maia (2011) para o protocolo metodolgico, o
que d origem s respostas que este trabalho se prope a responder.
Com essa anlise, espera-se compreender, pelo menos em parte, a
forma como o pas visto pelos leitores da Der Spiegel e com quais aspectos a
cultura e a sociedade brasileiras so vinculadas no imaginrio alemo.
13
1. A revista Der Spiegel: histria e contexto miditico
Aps o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, a Alemanha foi ocupada
pelas foras armadas dos chamados pases aliados (Unio Sovitica, Frana,
Estados Unidos, Gr-Bretanha), que dividiram o territrio do pas entre si. Os
campos de concentrao revelaram a barbrie da humanidade, o ataque de
Hiroshima mostrou que o homem capaz de matar outros iguais com bombas
nucleares e o peso dos interesses econmicos nas decises polticas foram
percebidos como mais fortes do que qualquer outro aspecto. As pessoas
haviam passado por bombardeios, as cidades estavam destrudas e as famlias
estavam separadas. A economia e a infraestrutura internas estavam falidas e a
nova sociedade, em organizao, buscava formas de limpar o pas dos atos
do passado nazista e impedir que o mesmo se repetisse (Bundeszentrale fr
politische Bildung3, a agncia nacional para educao poltica). A poca do
ps-guerra ficou conhecida como hora zero para a Alemanha: a poca da
reconstruo a partir do nada.
Dois anos aps o fim da guerra, em janeiro de 1947, surgiu, em Hannover,
cidade do norte da Alemanha de pouco mais de 500 mil de habitantes, a revista
semanal Der Spiegel, O Espelho em alemo. poca, a publicao foi
patrocinada por militares britnicos, que ocupavam a cidade sede, para
finalmente trazer novamente notcias objetivas aos alemes (Pgina oficial
do Grupo Spiegel na internet4). A revista foi concebida nos padres das news
magazines anglo-saxnicas, como a Time e Newsweek. Atualmente, Der
Spiegel a revista de seu gnero mais vendida da Alemanha, com
aproximadamente 900 mil exemplares por semana5 e com mais de seis
3 Bundeszentrale fr politische Bildung (bpb), disponvel em http://www.bpb.de/themen/6AFV6I,0,0,Deutschland_nach_1945.html, acesso em 23 de maro de 2013.
4 Histria do Spiegel Gruppe, disponvel em http://www.spiegelgruppe.de/spiegelgruppe/home.nsf/Navigation/00725D93EF0ABA5BC1256FD600330072?OpenDocument, acesso em 23 de maro de 2013.
5 Segundo dados de 2012 da Sociedade para determinao de veculos divulgadores de publicidade (Informationsgemeinschaft zur Feststellung der Verbreitung von Werbetrger) http://daten.ivw.eu/index.php?menuid=1&u=&p=&20124=ON&20123=ON&detail=true&titelnrliste=122;&alle=%5BDetails%5D, acesso em 24 de maro de 2013.
14
milhes de leitores6, e tambm uma das de maior circulao na Europa.7
Devido a esta influncia, a revista tida como um dos veculos formadores de
opinio em regies de lngua alem e nos outros 169 pases onde vendida.
O alemo Rudolf Karl Augstein foi nomeado pelos militares britnicos como
o primeiro redator-chefe da revista. Augstein, que tambm usava os
pseudnimos Moritz Pfeil e Jens Daniel, iniciou sua carreira no jornalismo sem
formao acadmica, atravs de um estgio voluntrio no jornal
Hannoverscher Anzeiger, que mais tarde se tornou o Hannoversche Allgemeine
Zeitung, cuja principal rea de circulao est no norte da Alemanha. Em 1942,
durante a guerra, Augstein trabalhara como operador de rdio para o governo
alemo. Quando o fim do conflito se aproximava, ele foi promovido de
observador dos aliados para tenente da reserva. Com o fim da guerra, Augstein
se tornou editor-chefe do Hannoversches Nachrichtenblatt. Em 1946, aos 23
anos, o jornalista era considerado politicamente neutro8, e, por isso, foi
nomeado pelos oficiais da imprensa militar britnica John Seymour
Chaloner, Harry Bohrer e Henry Ormond, como redator da revista Diese Woche
(Esta Semana, em traduo livre), que antecedeu a criao da Der Spiegel.
Segundo relato de Harry Bohrer a Leo Brawand (1987), Chaloner achava os
jornais alemes muito chatos e no queria mais l-los. [...] Ele queria criar algo
mais vibrante e interessante, assim como a News Review ou a Time
(BRAWAND, 1987, p. 29) 9. Brawand, um dos co-fundadores da revista e que
tambm participou do projeto Diese Woche, escreve que o primeiro homem
dos redatores alemes era um jovem plido e de culos, chamado pelos outros
6 De acordo com a Arbeitsgemeinschaft Media-Analyse (Associao de anlise da mdia), 2013, e a Allensbacher Markt- und Werbetrgeranalyse (Empresa de anlise de mercado e divulgao de publicidade de Allensbach), 2012.
7 Segundo informa a pgina da revista online em , acesso em 24 de maro de 2013.
8 Segundo a descrio de Rudolf Augstein pelo International Press Institute (IPI), baseado na ustria, em 2000 por ocasio da condecorao do jornalista com heri da liberdade de imprensa mundial. Disponvel em http://www.freemedia.at/awards/rudolf-augstein.html, acesso em 24 de maro de 2013.
9 Traduo nossa. No original: Er finde die deutsche Tageszeitungen [...] sterbelangweilig; er knne sie bald nicht mehr lesen. Man msse etwas viel Lebendigeres, Interessanteres mit viel Hintergrund bringen, so etwas wie das britische Magazin News Review oder das amerikanische Time.
15
de o pequeno pelo menos no incio (Idem, p.14) 10. Brawand revela que o
colega no possua grande experincia em jornalismo (os estgios nos jornais
de Hannover no teriam passado de alguns meses) e que tambm teria escrito
crticas de teatro e textos polticos inofensivos para a publicao nazista Das
Reich, o que, junto com o trabalho de radialista durante a guerra, lhe rendeu
acusaes de participao na SS. Seu tipo de alemo, segundo Brawand,
seria o do jovem que cresceu durante o Terceiro Reich, serviu ao exrcito por
obrigao, foi anistiado por falta de atividade poltica, e que, quando adulto, se
tornou um cidado exemplar durante a desnazificao11classificado como no
acusado.
Brawand revela que a criao da nova revista era basicamente uma ideia
maluca do Major Chaloner, entediado com o fim da guerra (Idem, p. 16) 12, e
que inclusive Augstein acreditava ser uma publicao satrica.
Depois de apenas seis edies, o projeto foi cancelado pelos britnicos
devido publicao de crticas sobre a ocupao dos pases aliados na
Alemanha.13 Chaloner, um dos oficiais britnicos fundadores da revista,
conseguiu permisso para entregar a marca a seu proteg Rudolf Augstein,
liberando-a da ligao com o governo. Assim, em janeiro de 1947, um ano
aps a criao e cancelamento da Diese Woche, foi lanada Der Spiegel,
revista de assuntos gerais (esporte, poltica, cultura, economia, cincia) com o
preo de um Reichsmark. Brawand escreve que Augstein esperava que a
revista conseguisse criar transparncia democrtica e expor o abismo entre a
demagogia poltica e a ao seria a tarefa da revista 14 (Idem, p. 60). Rudolf
10 Traduo nossa. No original: Erster Mann unter den deutschen Redakteuren schien ein blasser, bebrillter Jngling zu sein, den die anderen den Kleinen nannten jedenfalls zu Anfang.
11 Traduo literal de Entnazifizierung.
12 Traduo nossa. No original: bei der Grndung der neuen Zeitschrift handelte es sich im Grunde um eine Schnapsidee des sich nach Ende der Kampfhandlungen langweilenden Majors Chaloner.
13 Segundo informa a pgina do Spiegel Gruppe em http://www.spiegelgruppe.de/spiegelgruppe/home.nsf/Navigation/00725D93EF0ABA5BC1256FD600330072?OpenDocument, acesso em 24 de maro de 2013.
14 Traduo nossa. No original: So etwas, [...] demokratische Transparenz zu schaffen und berhaupt die Hohlrume zwischen politischer Deklamation und tatschlichen Handeln blozulegen, das msse auch die aufgabe des Magazins werden.
16
Augstein ocupou a posio de redator-chefe at sua morte, em novembro de
2002.
Segundo o manual de redao, o Spiegel Statut, de 1949,
A Spiegel uma revista de notcias e curiosidades. Portanto deve ser:
atual;
um contedo altamente voltado para notcias e curiosidades. Por isso,
deve procurar notcias e curiosidades pessoais, ntimas e contextuais,
alm daquelas apresentadas pela imprensa diria;
interessante. Isso significa:
com instinto jornalstico certeiro, reconhecer acontecimentos atuais
que possam interessar, tocar, emocionar imediatamente um grande
grupo de leigos.
esses acontecimentos devem ser trabalhados de forma que
imediatamente salte aos olhos do leitor leigo comum, que o amarre e
que ele possa ler at o fim sem dificuldades e com prazer. (Uma
notcia-Spiegel que precisa ser lida duas vezes para ser
compreendida no uma histria-Spiegel). (BRAWAND, 1987, p.
225) 15.
O uso de temos como curiosidades pessoais, ntimas, neste estatuto,
pode dar a impresso de que se trata de uma revista de jornalismo popular, no
entanto, Der Spiegel exerce jornalismo de qualidade e investigativo16, seguindo
o exemplo das revistas anglo-saxnicas que a inspiraram (BRITZ, 2008, p. 42).
Neste caso, a apresentao destas curiosidades diz respeito indicao de
que a cobertura deve ser profundamente contextualizada e, se necessrio,
dados sobre a vida pessoal dos envolvidos podem ser publicados, desde que
estejam ligados notcia em questo.
15 Traduo nossa. No original: Der SPIEGEL ist ein Nachrichten-(Neuigketein-) Magazin. Darum muss der SPIEGEL: 1. Aktuell sein, 2. Einen hohen Nachrichten-(Neuigkeits-)Gehalt haben. Dabei muss er andere, das heit persnlichere, intimere, hintergrndigere Nachrichten (Neuigkeiten) mitteilen und verarbeiten, als sie die Tagespresse darbietet, 3. Interessant sein. Das heisst: a) er muss mit sicherem journalistischem Instinkt die aktuellen Vorgnge erkennen, von denen sofort angenommen werden kann, dass sie einen breiten Kreis normal interesierter Laien berhren, angehen, beschftigen. b) er muss diese Vorgnge in einer Art servieren, auf die dieser normale Laienleser sofort anspringt, die ihn fesselt und die ihn mit Vergngen und ohne Mhe das Ganze zu Ende lesen lsst. (Ein SPIEGEL-Bericht, den man zweimal lesen muss, um ihn zu verstehen, ist keine SPIEGEL-Geschichte).
16 Site do Grupo Spiegel, http://www.spiegelgruppe.de/spiegelgruppe/home.nsf/Navigation/440FBE98BAF7E2F8C1256FD5004406DD?OpenDocument, acesso em 30 de maro de 2013.
17
As semelhanas com revistas generalistas anglo-saxnicas, como Time
e Newsweek, tambm so percebidas no design grfico.
Figura 1 Figura 2 Figura 3
Capa da revista Newsweek17 Capa da revista Der Spiegel18 Capa da revista Time19
Mesmo com clara diferena, no posicionamento das imagens, na
tipografia, nos espaos em branco, percebe-se um padro nas capas das trs
publicaes. A cor vermelha, que remete nobreza e ao requinte, guerra e
tambm a sentimentos como raiva, coragem e paixo, predominante
(GUIMARES, 2003). A escolha da famlia tipogrfica varia nas trs capas, no
entanto, todas so serifadas, o que remete escrita latina, considerada
requintada e racional.20 Pode-se ento afirmar que as trs revistas procuravam
se colocar no mercado como publicaes respeitveis, confiveis, srias. Der
Spiegel se tornou referncia no chamado jornalismo investigativo na
Alemanha21, e tambm tem fama de ser a mais detestada por polticos (BRITZ,
2008, p. 42).
17 Imagem disponvel em http://delawarereason.com/?p=3234, acesso em 17 de junho de 2013.
18 Imagem disponvel em http://www.rp-online.de/gesellschaft/fernsehen/immer-wieder-montags-1.2035456, acesso em 17 de junho de 2013.
19 Imagem disponvel em http://g7e9.wordpress.com/, acesso em 17 de junho de 2013.
20 Segundo pgina do designer Paulo Heitlinger http://tipografos.net/escrita/letra-dos-romanos-3.html>, acesso em 24 de maro de 2013.
21 De acordo com o International Press Institute (IPI), como afirmado no site da revista e reconhecido pela revista concorrente Stern em http://www.stern.de/kultur/buecher/der-spiegel-erfolge-feiern-mit-skandalen-579670.html, acesso em 24 de maro de 2013.
18
Um dos casos de investigao mais importantes da revista ficou
conhecido como Spiegel-Affre, em 1962, e levou priso de Rudolf Augstein.
O caso foi considerado o maior escndalo poltico da jovem Repblica Federal
da Alemanha (RFA), aps o fim da Segunda Guerra. A revista foi acusada de
alta traio devido publicao de informaes confidenciais sobre estratgias
de defesa da RFA, que estariam marcadas por irregularidades e desvios de
dinheiro, em um esquema em conjunto com a Organizao do Tratado do
Atlntico Norte (Otan) e com o conhecimento do ento primeiro-ministro Konrad
Adenauer. O governo alemo decretou a invaso da sede do peridico, que
fora transferida de Hannover para Hamburgo, em 1952, e a priso do editor-
chefe e de todos os outros editores que ficaram em custdia, por 103 dias. O
caso comoveu a populao, que, com medo de uma possvel quebra da recm-
instalada repblica, saiu s ruas em uma onda de protestos que culminou com
a libertao dos jornalistas, com a renncia do ento ministro da defesa, Franz
Josef Strauss, que chegou a chamar a revista de Gestapo do nosso tempo 22,
e com o incio do fim da Era Adenauer (1949 1963).
Mais recentemente, em 2011, uma reportagem revelou a negociao da
venda proibida de tanques de guerra entre Alemanha e Arbia Saudita, e um
escndalo envolvendo um famoso cirurgio plstico alemo, e alterao de
registros mdicos. Der Spiegel no s revelou escndalos, como tambm foi
alvo de crticas. A situao mais marcante foi em relao a uma reportagem, de
1997, sobre AIDS, sendo acusada de espalhar o pnico (HANS-JRGEN,
2005). O texto fazia questionamentos como Uma nova peste nos ameaa? e
Seria a AIDS um cavaleiro apocalptico montado em um corcel negro que vem
para ameaar a humanidade?, alm de afirmaes de que crianas, recm-
operados, vtimas de acidentes e pacientes de hospitais corriam grave risco de
serem infectados.
Em 1994, o Grupo Spiegel, que, em termos de mdia impressa, detm
21 ttulos de revistas, lanou sua verso digital (www.spiegel.de). O acesso s
reportagens gratuito, no entanto, o acesso s ltimas verses impressas s
possvel mediante pagamento. Atualmente, h uma verso em ingls no site, a
22 Disponvel em http://www.spiegel.de/spiegel/print/d-46174133.html, acesso em 24 de maro de 2013.
19
Spiegel International. Alm da revista nacional de assuntos gerais, o Grupo
Spiegel responsvel pela Spiegel Geschichte (revista trimestral temtica
sobre fatos histricos), Spiegel Wissen (revista publicada quatro vezes por ano,
voltada para filosofia e cincia), Dein Spiegel (revista mensal com contedo
especial para crianas), New Scientist (revista semanal editada em alemo em
parceria com a publicao original inglesa), Spiegel Jahres-Chronik (publicao
de retrospectiva anual), KulturSPIEGEL (caderno mensal de cultura), manager
magazin e manager magazin online (revista mensal voltada para empresrios e
sua verso para web), Harvard Business Manager e Harvard Business
Manager online (verso alem parceira da norte-americana Harward Business
Review e sua verso online) e a Unterrichtsmagazin (revista de ensino,
publicada em conjunto com a editora Klett, circula trs vezes por ano e traz
assuntos voltados a alunos e professores do ensino mdio), UniSPIEGEL
(voltado para a estudantes de graduao, publicado seis vezes ao ano),
quatro revistas voltadas para Literatura (buchreport, buch aktuell,
Taschenbuch-Magazin e ecco), e outros dois ttulos de menor circulao, a
lebenswert, sobre bem-estar e sade, e a revista feminina piazza. Em termos
de outras mdias, o grupo dono da SPIEGEL TV (canal do grupo em parceria
com os canais de TV aberta RTL e Sat.1, tambm pode ser assistido online),
ASPEKT Telefilm (produtora de filmes para TV e sries). Alm de explorar o
mercado de comunicao, o Spiegel Gruppe tambm possui uma editora de
livros e udio-livros, que publica majoritariamente bestsellers, e a loja virtual
SPIEGEL-Shop, que vende coletneas de filmes organizadas pela editora,
CDs, livros, brinquedos, calendrios e jogos de computador.
Atualmente, os redatores-chefe da revista Der Spiegel so Georg
Mascolo (impresso) e Mathias Mller von Blumencron (online). A revista conta
com sete sucursais na Alemanha, a maior delas em Berlin, com 37
profissionais, e com 18 correspondentes no exterior. A maior redao fora da
Alemanha est em Moscou, somando 270 jornalistas. No Brasil, h um
jornalista correspondente. No ano de 2012, a mdia de pginas por edio
atingiu 124 pginas. Alm do trabalho das revistas e sites, o Grupo Spiegel
mantm um arquivo com mais de 60 milhes de documentos de texto e cinco
milhes de fotografias, um dos maiores da Europa (KUBY, 1987, p. 29). Mais
20
de 300 publicaes em 15 lnguas so regularmente registradas no arquivo h
65 anos.23
1.2. A Amrica Latina e o Brasil na revista Der Spiegel: metodologia de
anlise
A presente anlise em torno do jornalismo parte da perspectiva terica
de que o processo de produo da mensagem e de sua recepo na sociedade
no so categorias estanques, mas sim fatores que se complementam. Com
isso, se pretende ter uma viso global do trabalho jornalstico.24
Aqui, o cotidiano da redao e as formas de apurao do fato no fazem
parte da observao direta desta pesquisadora, j que no foi possvel
acompanhar a rotina dos reprteres cujos textos so aqui analisados. No
entanto, reivindica-se que, para fazer uma anlise elaborada sobre o produto
do jornalismo, preciso levar em conta a perspectiva do narrador, o ponto de
vista a partir do qual o jornalista escreve. Ou seja, a rotina do jornalista nos
interessa para compreender o ponto de vista a partir do qual a notcia
apurada. Como Gislene Silva e Flvia Maia (2012, p. 2) apresentam, em se
tratando de textos jornalsticos, o processo de produo no desaparece do
produto. Com isso, as autoras defendem que a forma como a notcia
produzida deixa, obrigatoriamente, marcas na narrativa final.
As autoras aproximam o jornalismo como traduo dos fatos do
trabalho de traduo de lnguas: o jornalismo traduz fatos cotidianos para
aqueles que no os vivenciaram e a traduo lingustica traduz textos originais
para os que no podem decodific-los, ambos os processos feitos de modo fiel,
objetivo e veraz (Ibid., p. 2). No cabe aqui aprofundar a anlise sobre
traduo, no entanto importante ressaltar o uso dos adjetivos fiel, objetivo e
veraz como caractersticas da traduo do fato. Assim como a verso de um
texto de uma lngua para outra, a apresentao de um acontecimento, uma
traduo cultural (Ibidem, p. 2), no uma construo original, mas sim uma
23 Informaes disponveis em http://www.spiegelgruppe.de, acesso em 24 de maro de 2013.
24 Autores, como Aline Strelow (2010), propem uma metodologia de anlise global do jornalismo, porm neste trabalho ser utilizado outro referencial terico mais adequado proposta.
21
interpretao o mais verossmil e prxima possvel do primeiro objeto.
Construo que, ao ser interpretada, repassada ao receptor carregada do
ponto de vista do tradutor ou jornalista.
Portanto, se faz necessria uma anlise da forma de produo do
contedo a ser estudado (nvel 1 do mtodo de Anlise de Cobertura
Jornalstica [ACJ], a ser apresentado adiante) que levar em conta as marcas
de produo que o prprio texto leva e da forma de trabalho e do ponto de vista
do correspondente. Esta observao serve para identificar o posicionamento do
jornalismo em relao a seu produto, aqui entendido como o material
jornalstico produzido. A narrativa final, com suas marcas de produo, compe
o principal corpus desta pesquisa, sobre o qual se pretende descobrir o que o
discurso jornalstico representa, ou apresenta, como a verdade sobre
determinado assunto (nveis 2 e 3 do mtodo de ACJ, a ser apresentado
adiante).
Este estudo trata especificamente da cobertura no jornalismo impresso.
O mtodo de observao a ser aplicado foi desenvolvido pelas pesquisadoras
Gislene Silva e Flvia Maia (2011), denominado de Anlise de Cobertura
Jornalstica (ACJ). O mtodo ajuda a pensar, a identificar e a tipificar as
especificidades da atividade jornalstica, mapeando tendncias e possveis
lacunas na obteno, averiguao e apresentao das informaes" (SILVA e
MAIA, 2011, p. 26). A escolha desta forma de anlise permite observar
possveis transformaes na cobertura de um tema ao longo do tempo, porque
possibilita enfatizar o contexto histrico-social-cultural.
Exatamente por este motivo, a ACJ foi escolhida para servir de base
para o estudo da representao do Brasil na revista Der Spiegel. O corpus de
anlise ser composto por reportagens, notas, entrevistas, cartas da redao25,
obiturios, artigos opinativos e perfis que abordem atualidades sobre o pas.
Como se pretende analisar uma possvel alterao no modo como o maior pas
da Amrica Latina apresentado pela revista alem, se escolheu observar
25 Em alemo, Hausmitteilung. Trata-se, no contexto da revista, de uma narrativa sobre as observaes sobre a produo de reportagens, especialmente sobre as condies nas quais o reprter apurou a matria.
22
documentos com um intervalo de 10 anos de diferena: o primeiro intervalo
comporta textos publicados durante todo o ano de 2001 e, no segundo, so
selecionados textos do perodo entre agosto de 2010 e agosto de 2011,
completando igualmente um ano. Desta forma, como se pretende estudar
aspectos socioculturais associados a uma determinada variao de tempo e,
consequentemente, a mudanas socioeconmicas, a ACJ, por levar em conta
tais aspectos, se mostra apropriada para esta anlise. No entanto, um ponto
no abordado pelas autoras o ponto de vista do jornalista. Como aqui se tem
como premissa terica que o jornalismo ligado a determinada realidade,
expe um modo de ver e seu produto, a notcia, reflete na sociedade, fez-se
necessrio buscar outras informaes para ampliar o quadro de anlise. Este
complemento ser apresentado mais adiante.
O sistema de anlise desenvolvido por Silva e Maia (2011) dividido em
trs nveis, que abordam diferentes aspectos de produo: (1) Marcas de
apurao, (2) Marcas de composio do produto e (3) Aspectos do contexto de
produo. Foi identificado que alguns aspectos no encontravam
correspondncia nos documentos usados para esta pesquisa. Desta forma, os
aspectos que se aplicam neste trabalho foram selecionados e sero
apresentados de maneira adaptada ao corpus da pesquisa. A seguir, ser
apresentada a seleo daqueles pontos de anlise propostos pelas autoras
que se aplicam a este trabalho.
O nvel 1 (marcas da apurao) recai exclusivamente sobre a matria
jornalstica tomada de forma isolada , explorando indcios do mtodo de
apurao e da estratgia de cobertura em close-up (SILVA E MAIA, 2011, p.
27). Nele, deve-se observar (1) assinatura: local; correspondente; enviado
especial, colaborador; agncia de notcias; no assinada. (2) local de apurao:
in loco ou no; (3) origem da informao: natureza da fonte (humana,
documental, eletrnica) e sua posio, observando-se (a) informaes de
primeira mo: poder pblico, institucionais, cidados, especialistas, assessoria
de imprensa e fontes no-convencionais; (b) informaes de segunda mo:
agncia de notcias, outros veculos jornalsticos, publicaes cientficas,
documentos impressos e eletrnicos, internet.
23
No nvel 2 (marcas da composio do produto), que oferece uma viso
um pouco mais aberta do objeto, agora enfocando no s o texto, mas o
conjunto amplo do produto, como localizao na pgina, diagramao, foto
etc. (Ibidem, p. 27), se observa, (1) Gnero jornalstico: nota; notcia; matria;
fotonotcia; entrevista; reportagem; reportagem especial. (2) Localizao do
texto no veculo/destaque: pgina par ou mpar; quadrante superior ou inferir,
direito ou esquerdo; pgina inteira; mais de uma pgina; editoria; manchete;
chamada de capa; apenas texto. (3) Recursos grficos-visuais: fotografia;
grfico ou tabela; boxe; infogrfico; ilustrao ou montagem.
Por fim, no nvel 3 (aspectos do contexto da publicao), que no
capta detalhes, mas oferece um plano geral do objeto, captando aspectos da
dimenso organizacional e do contexto scio-histrico-cultural em que se
insere a produo jornalstica (Ibidem, p. 27), sero analisadas as seguintes
caractersticas: (1) Contexto interno: caracterizao visual, editorial e
organizacional do veculo/empresa; orientaes editoriais; tiragem; rea de
abrangncia; pblico alvo; estrutura de produo prpria; formato do produto.
(2) Contexto externo: caracterizao do tema/fato/assunto especfico da
cobertura e da conjuntura scio-histrico-cultural que o envolvem.
Os nveis 1 e 2 podem ser observados na tabela em anexo, j os itens
do nvel 3 sero abordados em momentos diferentes, uma parte j foi
explicitada no primeiro captulo, que trata da revista em anlise, e o segundo
estar tambm na tabela em anexo. Como este trabalho est baseado em
apenas uma publicao, o contexto interno da revista, descrito no primeiro
captulo, contempla o primeiro item do nvel, isto , o contexto interno da
publicao. O segundo item deste terceiro nvel de anlise o contexto externo
acompanha os outros dois nveis na tabela em anexo na coluna Resumo
[da notcia analisada].
Atendendo a estes pontos, espera-se que a investigao seja capaz de
revelar as marcas de produo deixadas na narrativa, e compreender como o
produto final representa, traduz uma realidade.
Como enxergamos o produto do jornalismo como algo produzido e
interpretado socialmente (JOHNSON, 1999), ou seja, feito por pessoas, com
experincias pessoais prprias, para que outras pessoas, com vivncias
24
diferentes, leiam e interpretem a realidade a partir daquilo que foi escrito,
necessrio tambm estudar sob quais condies a notcia foi feita. Neste caso,
por se tratar de jornalismo internacional, importante saber, por exemplo, se o
reprter tem conhecimento da lngua do pas onde correspondente, se
conhece o sistema poltico e se entende a cultura daquela sociedade, e qual
sua rotina de produo. De outra parte, tambm importante saber como a
redao no pas de origem trata a notcia enviada pelo jornalista no exterior, se
e como ela o pauta, se aceita sugestes de assuntos tidos como importantes
pelo correspondente ou se impe o que pensa ser importante que seus leitores
saibam. Para responder a estas questes, nos basearemos na pesquisa de
Lange (2002), que investigou os processos de produo de 29
correspondentes de jornais, emissoras de rdio e televiso e revistas, entre
elas a Spiegel, de lngua alem na Amrica Latina, e von Roemeling-Kruthaup
(1991), que investigou processos de seleo de notcias internacionais na
mdia alem e a representao da poltica, economia e histria da Amrica
Latina.
1.2.1 Corpus de pesquisa
Para selecionar o corpus de pesquisa, em um primeiro momento, fez-se
uma triagem dos assuntos nas publicaes dos perodos de tempo
especificados anteriormente26 e foram selecionados aqueles que se referiam a
algum aspecto27 da Amrica Latina. Esta etapa foi necessria para identificar
se algum pas da rea geogrfica onde est o Brasil foi mais retratado do que
outro. Os dados obtidos a partir desta triagem do origem tabela 1.
Com estes dados em mos, foi necessrio, num segundo passo,
identificar o assunto abordado na notcia. Isto porque por se tratar de uma
revista generalista de assuntos factuais os temas que aparecem
provavelmente esto ligados a um acontecimento importante que teve lugar em
determinado pas. Ou seja, com a ocorrncia do terremoto no Haiti, por
exemplo, devido sua dramaticidade pelo nmero de vtimas e em virtude do
drama humano, no se pode esperar que a notcia mais importante vinda da
26 Todo o ano de 2001 e o perodo entre agosto de 2010 e agosto de 2011 (Captulo 1.2) 27 Neste primeiro momento, o tema no era importante.
25
Amrica Latina no mesmo perodo seja algum acordo interno entre pases do
MERCOSUL que possa mudar algum aspecto das importaes para a Europa.
Desta forma, esperado que a notcia de destaque sobre a Amrica Latina,
numa situao como a supracitada, seja o primeiro fato o terremoto e no o
segundo o acordo interno.
Em seguida, os documentos foram separados conforme a forma
narrativa, para possibilitar a seleo daqueles que permitem que a Anlise de
Cobertura Jornalstica seja aplicada aos propsitos desta pesquisa. Foram
selecionados textos em forma de reportagem, entrevista e cartas da redao,
porque se entende que estas narrativas permitem aprofundamento no assunto
e revelam o ponto de vista do jornalista, a partir das marcas por ele deixadas
no texto. Com isso, deixamos de lado a perspectiva de que possvel escrever
sobre qualquer assunto isentando-se de dar opinio. Partimos do pressuposto
de que a escolha de fotografias e suas legendas, de citaes de fontes
entrevistadas e a escolha de palavras so reveladoras da perspectiva a partir
da qual o reprter escreve e o que pensa sobre aquilo que relata.
Ao todo, foram identificadas 128 narrativas que abordam algum aspecto
relacionado Amrica Latina. Em 2001, foram publicados 64 textos e, entre
agosto de 2010 e agosto de 2011, foram, igualmente, 64. A partir destes dados,
j se observa certo equilbrio no volume de publicao de textos que envolvem
a Amrica Latina.
Os documentos identificados foram ento quantificados em duas
tabelas: uma conforme aquilo que diz respeito ao contedo da informao
(personalidades, poltica, sociedade e direitos humanos, crime, desastres
naturais e meio ambiente, cultura, economia, geral, cartas da redao e
esporte28), como mostra a tabela 2, e outra de acordo com a forma narrativa do
texto (reportagem, nota, obiturio, carta da redao, perfil, entrevista ou artigo
opinativo), conforme mostra a tabela 3. Ambas as tabelas so apresentadas a
seguir.
28 Detalhes sobre a diviso dos assuntos sero dados adiante.
26
Conforme apresentado na tabela 1, o pas que rendeu mais publicaes,
na soma de todas as formas narrativas (reportagem, entrevista, nota, carta da
redao, obiturio, perfil), no perodo de tempo observado, foi o Brasil.
Tabela 1 Dados quantitativos sobre visibilidade dos pases
PAS 2001 2010 2011 TOTAL
Brasil 20 4 9 33
Colmbia 9 1 5 15
Argentina 7 5 3 15
Amrica Latina29 10 3 1 14
Cuba 5 2 2 9
Chile 1 4 3 8
Venezuela 4 1 2 7
Peru 2 1 4 7
Haiti - 2 4 6
Mxico 1 2 3 6
Nicargua 2 - 1 3
Bolvia 1 - - 1
El Salvador 1 - - 1
Equador 1 - - 1
Uruguai - - 1 1
Guatemala - - 1 1
TOTAL 64 25 39 128
A partir desta tabela, pode-se dizer que h equilbrio na quantidade de
vezes em que acontecimentos em pases da Amrica Latina merecem espao
29 Como Amrica Latina se categorizou: as cartas da redao; matrias sobre economia que abordavam mais de um pas; entrevista de socilogo chileno sobre direitos humanos no continente; artigo opinativo; seo personalidades sobre cantora latino-americana naturalizada estadunidense; militante argentino que participou da revoluo cubana.
27
na revista. No ano de 2001, foram 64, o mesmo nmero de publicaes
encontrado na soma do perodo de um ano entre 2010 e 2011.
Em seguida, os assuntos abordados em cada reportagem so
apresentados na tabela 2. Com base no assunto de cada texto, pode-se afirmar
que o total destes dados varia, especialmente, conforme acontecimentos
trgicos (o terremoto no Haiti e o soterramento de mineiros no Chile, por
exemplo), crise econmica e poca de eleies.
Tabela 2 Dados quantitativos sobre contedo das reportagens
sobre a Amrica Latina
CONTEDO/ANO 2001 2010/2011 TOTAL
Sociedade e direitos humanos30 5 9 14
Poltica31 4 4 8
Crime32 1 4 5
Desastres naturais e meio ambiente
3 3 6
Cultura - - -
Economia 4 - 4
Esporte - 1 1
TOTAL 17 21 38
Para a aplicao da ACJ, o corpus ser dividido conforme a forma
narrativa e o assunto que permitam identificar os pontos em cada nvel de
anlise apresentados anteriormente. Esta seleo permite uma viso clara e
30 Textos relacionados, por exemplo, guerrilha colombiana; possvel assassinato do escritor chileno Pablo Neruda; marca de refrigerante peruana concorrente da Coca-Cola; entrevista com o empresrio brasileiro Eike Batista; pesquisa de engenheiro aeroespacial argentino; acontecimentos ps-terremoto no Haiti; reportagens sobre o soterramento de mineiros no Chile; Barrigas para reproduo (edio 25, 2001).
31 Assuntos que apresentam temas de relaes internacionais e eleies foram includos em poltica.
32 Assuntos relacionados ao trfico de drogas e assassinato.
28
organizada dos textos estudados, alm de dar uma pista sobre o grau de
relevncia do continente e do Brasil. Observa-se na tabela 3 que notas e
reportagens so as formas de abordagem atravs das quais mais textos se
publicam sobre a Amrica Latina. A partir disto, pode-se sugerir que os
assuntos do continente no so totalmente negligenciados, e que o volume de
reportagens (que permitem maior aprofundamento sobre o fato) no fica muito
aqum do volume de notas (que informam, mas no se aprofundam).
Tabela 3 Dados quantitativos sobre forma narrativa
FORMA NARRATIVA/ANO 2001 2010/2011 TOTAL
Notas 36 29 65
Reportagem 17 21 38
Obiturio 5 7 12
Entrevista 3 2 5
Carta da redao33 3 2 5
Perfil - 3 3
TOTAL 64 64 128
Do total de documentos obtidos, sero analisados apenas aqueles
considerados de maior profundidade, como reportagens e entrevistas, e
aqueles que permitem mais liberdade de expressar um posicionamento
pessoal, como artigos opinativos e as cartas da redao. Isto porque se
entende que em tais materiais possvel, por exemplo, expressar pontos de
vista, veicular esteretipos e criar um raciocnio lgico capaz de influenciar
opinies e formar uma imagem sobre determinado pas ou povo.
O perfil, apesar de tambm ser um texto do qual se pode extrair
percepes do reprter, no ser estudado, porque no h nenhuma
publicao nesta forma narrativa que apresente alguma personalidade
brasileira ou ligada ao pas.
33 No foram quantificadas de acordo com assunto.
29
Os demais gneros jornalsticos, citados aqui como nota e obiturio, no
sero totalmente desprezados. Entretanto, eles compem um material usado a
ttulo de comparao, por exemplo: a partir da observao de que a quantidade
de notas (que no se aprofundam no assunto) maior do que a de artigos
opinativos (que informam e formam opinio) pode-se sugerir que a informao
bsica (o que? como? onde? quando? quem? por qu?) sobre aspectos da
Amrica Latina mais valorizada do que a opinio sobre algo que aconteceu
no continente. A partir disso, pode-se sugerir tambm que aquilo que acontece
na Amrica Latina no to importante para o leitor da Der Spiegel, j que no
merece anlise alongada.
No fator de assuntos abordados sobre a Amrica Latina, tampouco
trataremos sobre a totalidade dos temas identificados. No entanto, cabe uma
observao sobre a seo aqui categorizada como personalidades. Esta diz
respeito parte denominada Szene na Der Spiegel, na qual so
apresentados feitos de pessoas famosas. Esta rea se distingue de outra
seo de notas que mostra exclusivamente fatos ocorridos fora da Alemanha, e
que faz parte de Panorama, inscrita na editoria internacional.
Apesar de tambm no ser estudada a fundo ao longo do trabalho, ela
fornece informaes preliminares sobre quem (artistas, empresrios,
esportistas, entre outros profissionais) considerado relevante na Amrica
Latina. A quantificao destas formas narrativas de acordo com a profisso das
personalidades apresentadas d origem tabela 4, na prxima pgina.
30
Tabela 4 Dados quantitativos sobre seo personalidades
PERSONALIDADES 2001 2010/2011 TOTAL
Artistas 4 4 8
Modelo/miss - 5 5
Atleta 3 1 4
Outros34 2 - 2
Policial 2 - 2
Poltico 1 - 1
Empresrio - 1 1
TOTAL 12 11 23
A tabela 4 se refere a personalidades de toda a Amrica Latina. Os
resultados mostram um equilbrio entre a quantidade de notas sobre msicos (e
um escritor) e modelos ou miss, em primeiro e segundo lugar do nvel de
publicaes, e polticos e empresrios, nos ltimos lugares. Esta variao, ao
contrrio daquilo que poderia esperar, no se repete nas reportagens sobre o
Brasil, como v-se no captulo 4, nas quais a presena de representantes da
cultura, como msicos ou escritores, menor do que a de atletas. J a
presena de polticos, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a ex-
senadora Marina Silva e a atual presidente Dilma Rousseff, nas reportagens
estudadas relevante, porm d lugar a outros entrevistados dos
correspondentes Matthias Matussek e Jens Glsing. Chama a ateno a
despreocupao dos reprteres em buscar fontes oficiais e/ou especializadas,
e valorizar entrevistas com personagens, pessoas que ilustrariam um
comportamento, um assunto ou um ponto de vista.
Como observado anteriormente, as notas, tanto da seo
personalidades quanto as pertencentes editoria internacional, e os
obiturios permitem menor aprofundamento e insero do ponto de vista do
reprter do que a reportagem e, portanto, no sero analisadas neste trabalho.
34 Outros: profissionais que no se encaixam em nenhuma das outras categorias: engenheiro aeroespacial e sequestrador de avio, que se tornou personagem de filme.
31
Entende-se que, atravs da escolha por uma anlise das narrativas
classificadas como entrevista, cartas da redao e reportagem ser possvel
entender com preciso a imagem da Amrica Latina que a revista produz. Isso
porque se presume que estas formas narrativas permitem maior
aprofundamento do assunto. No caso da reportagem, por exemplo, a apurao
exige a consulta de mais de uma fonte e a abordagem de diferentes pontos de
vista. J na entrevista, o reprter mostra que domina o assunto sobre o qual
questiona uma fonte oficial ou especializada. E nas cartas da redao, temos
relatos sobre a apurao da reportagem, fato que ajuda a compor a
observao sobre o ponto de vista e a opinio do jornalista. Alm disso,
especialmente no caso da reportagem, a informao costuma ser apurada in
loco por correspondentes internacionais do prprio veculo, situao que
permite subentender que o fato passou por um jornalista representante da
revista. Este jornalista, provavelmente, conhece a linha editorial da Der Spiegel,
e procura escrever de acordo com os assuntos sobre os quais a empresa
acredita que seus leitores queiram ser informados. Aqui no se discute a tica
ou no do manual de redao da revista nem o trabalho do reprter em si: o
objetivo apresentar o motivo da escolha de analisar reportagens em
detrimento das notas. Na maioria das vezes, as notas so publicadas com base
em dados de agncias internacionais, como ser aprofundado no captulo 2.2.
Elas, as notas, at podem ser reinterpretadas e modificadas por profissionais
contratados da empresa, porm no foram produzidas com informao
recolhida no local do fato, ou seja, no so de fonte primria. Em outras
palavras: as notas tratadas aqui no deixam de expressar a linha editorial do
veculo, j que passam pelo crivo da redao seleciona-se o que importante
e o que no , no entanto, o estudo delas no cabe aqui, uma vez que
existem formas narrativas que se aprofundam mais nos aspectos relevantes
para a formao de um panorama sobre a representao do Brasil na revista
Der Spiegel a entrevista e a reportagem.
As entrevistas tambm fazem parte do corpus, porque igualmente so
formas narrativas que envolveram, neste caso, o trabalho direto de jornalistas
da Der Spiegel. Em ambos os casos, o assunto do texto no ser levado em
conta como critrio de escolha ou eliminao, porque, como se trata de uma
observao scio-cultural, entende-se que todos os assuntos que permeiam a
32
sociedade, da poltica ao esporte, servem para representar uma cultura. Em
resumo, o motivo da excluso de determinados materiais a forma narrativa e
no seu contedo.
As cartas da redao sero estudadas por conta de seu carter pessoal.
Se reportagens e entrevistas so normalmente de carter informativo, de
linguagem direta e objetiva, esta outra forma narrativa d margem opinio e a
relatos pessoais. Assim, se pretende abordar diretamente a imagem que a
revista possui sobre o pas. As cartas, no contexto da revista Der Spiegel,
assumem um carter muito particular. Este material revelador da forma de
apurao: trata-se de relatos sobre o trabalho do reprter no lugar da
reportagem. Assim, pode-se afirmar que as cartas da redao so
complementares s reportagens. Por um lado, ampliam ou detalham o aspecto
estritamente informativo, por outro, so importantes porque tratam das
condies de produo, e veiculam destaques do prprio reprter sobre suas
impresses daquilo que viu e apurou. Dessa forma, tais materiais so
reveladores sobre a perspectiva tanto da revista quanto do jornalista, e
norteiam a interpretao das entrelinhas das reportagens e a entrevista escritas
pelos correspondentes. Alm disso, as cartas da redao destacam trs
reportagens de cada edio, ou seja, o fato de que um texto merece uma carta
da redao significa que a revista o julga como de interesse do leitor.
Feita esta quantificao sobre a visibilidade da Amrica Latina nas
notcias da Der Spiegel, no perodo de tempo determinado e sobre os temas e
as formas narrativas presentes no corpus, passamos para a observao da
apresentao do Brasil na revista.
A tabela 5, na prxima pgina, trata dos temas apresentados na revista
apenas nos textos narrados como reportagem e entrevista. As cartas da
redao no foram classificadas de acordo com o assunto, porque so relatos
da produo da reportagem, ou seja, informam sobre as condies nas quais o
reprter apurou a matria ou transmitem a opinio pessoal do jornalista.
33
Tabela 5 Temas das reportagens selecionadas sobre o Brasil
CONTEDO/ANO 2001 2010/2011 TOTAL
Sociedade e direitos humanos 2 2 4
Crime 2 2 4
Desastres naturais e meio ambiente
2 - 2
Esporte 1 1 2
Economia 1 - 1
Poltica - 1 1
Cultura - - -
TOTAL 8 6 14
Chama ateno, na tabela 5, a inexistncia de reportagens sobre
cultura. Como vimos na tabela 4, as notas sobre msicos s so precedidas
pelas notas sobre polticos. A partir disso, era esperado que o nmero de
reportagens deste aspecto cultural se repetisse, ou, pelo menos, se
aproximasse nas reportagens sobre o Brasil. A poltica tampouco um tema
que merece ateno nas reportagens sobre o pas. J crime, desastres
naturais e meio ambiente e sociedade e direitos humanos so os assuntos que
mais merecem destaque nas reportagens da Der Spiegel sobre o Brasil. Esta
variao, como veremos no captulo 1.3.2., est ligada ao esteretipo sobre o
pas e maior facilidade de publicar matrias que no contestem este
esteretipo.
Finalmente, na tabela 6 contabilizamos o total de textos sobre o Brasil
que sero analisados neste trabalho.
34
Tabela 6 Dados quantitativos sobre forma narrativa de todos os
textos analisados sobre o Brasil
FORMA NARRATIVA/ANO 2001 2010/2011 TOTAL
Reportagem 8 6 14
Carta da redao 2 - 2
Entrevista 1 - 1
TOTAL 11 6 17
Do total, 17 textos sero observados: 14 reportagens, duas cartas da
redao e uma entrevista. A anlise destes textos ser dividida por data da
publicao. No captulo 3, primeiramente sero comentadas as nove narrativas
publicadas no ano de 2001 e, em seguida, as seis publicadas entre agosto de
2010 e agosto de 2011. Por fim, as informaes obtidas a partir das anlises
dos dois perodos de tempo sero comparativamente articuladas com o
objetivo de identificar se houve alguma modificao da representao sobre o
Brasil e, tanto em caso positivo quanto negativo.
Como mencionado anteriormente, as notas, obiturios e perfis no faro
parte do corpus, porm sua quantificao nas tabelas desta seo servem
como informao complementar e auxiliam a ampliar a ideia da visibilidade da
Amrica Latina na revista Der Spiegel, continente no qual o Brasil se insere e,
por consequncia, tambm influencia em sua representao.
35
2. Representao: definio geral
Uma representao , obrigatoriamente, algo que substitui. Seja uma
obra de arte, um objeto ou um conceito, sua representao ser sempre uma
cpia do original. Esta condio de cpia, por mais perfeita e verossmil que
parea, implica uma interpretao do original. No dicionrio (BUARQUE DE
HOLANDA FERREIRA, 2010, p. 1747), consta que, para a rea da Filosofia, a
representao um contedo concreto apreendido pelos sentidos, pela
imaginao, pela memria ou pelo pensamento, e oferece interpretao
como sinnimo, especialmente para o Teatro.
Naquilo que diz respeito representao mental, em outras palavras,
no de um objeto, mas sim de imagens ativadas pela mente de um espectador,
leitor ou ouvinte, Murilo Csar Soares (2007, p. 48) lembra que, na filosofia
medieval, a ideia de representar envolvia reapresentar algo ento ausente
como se estivesse presente, ou seja, tornar algo presente outra vez. No sculo
XVIII, a representao assumiu papel de gnero, do qual derivariam todas as
manifestaes ou atos cognitivos, e, assim, os termos usados para representar
assumiriam significao mxima. A partir desse ponto de vista, tudo aquilo que
o ser humano capaz de reconhecer com seus cinco sentidos seria uma
representao. A partir do sculo XIX, uma nova perspectiva sugere a insero
de estruturas sociais e conjunturas histricas na constituio de
representaes. A partir desta ideia, a representao de uma palavra, por
exemplo, varia de acordo com o momento histrico e quadro social no qual
usada. Nessa poca, tambm se passa a considerar a coletividade na
produo de ideias e consensos.
Como expe Soares (Ibidem, p. 49), um sculo mais tarde, o socilogo
francs mile Durkheim props a forma de representaes coletivas, que
seriam conceitos que formam a bagagem cultural de uma sociedade. Sob esta
tica, toda ao individual no seria nada mais que o reflexo das
representaes coletivas expressas de forma individualizada. Mais alm,
Durkheim distingue as representaes coletivas das sociais. Para ele, a
primeira seria imposta aos indivduos pela sociedade, enquanto a segunda
gerada por sujeitos sociais. Como explica Serge Moscovici, representaes
36
sociais seriam explicaes e conceitos originados nas comunicaes
interpessoais da vida cotidiana, operando como formas de familiarizao com
setores do mundo, estranhos a ns (MOSCOVICI, 2003 apud SOARES, 2007,
p. 49).
J no final do sculo XX, Stuart Hall (1997) apresenta a ideia da
existncia de dois sistemas de representao. O primeiro diz respeito
representao mental, capacidade humana de dar significado ao mundo,
atravs da construo de grupos de elementos correspondentes ou divergentes
pessoas, objetos, acontecimentos e aos conceitos sobre esses temas. O
segundo sistema ligado lngua, e diz respeito construo de ligaes
entre estes conceitos j existentes e um conjunto de significaes,
compartilhadas por um grande grupo, atravs de uma lngua ou linguagem. Por
exemplo, o desenho de uma caneta seria uma representao mental do objeto,
porque interpretado atravs da viso, e decodificado no crebro, atravs do
conhecimento prvio sobre sua forma e funo. J a palavra caneta, escrita
ou falada, uma representao verbal que aciona o conceito que o interlocutor
tem sobre a palavra.
Feita a diferenciao entre os dois sistemas, Hall apresenta trs teorias
da representao: a reflexiva, a intencional e a construtivista. A primeira
abordagem entende que o significado expresso atravs da lngua, ou de
linguagem, deve refletir um objeto, pessoa, evento ou ideia sobre o mundo real,
Assim, a lngua funcionaria como um espelho, que reflete exatamente aquilo
que se quer dizer. Esta teoria, que tambm defende que a lngua funciona
simplesmente refletindo ou imitando o mundo material, chamada de
mimtica. A abordagem intencional supe que o emissor impe os
significados atravs da lngua. Suas palavras seriam interpretadas exatamente
da forma como ele pretende ser entendido. Esta proposta, para Hall, falha, j
que, mesmo que a lngua seja um sistema compartilhado, a interpretao
pessoal. Por fim, a teoria denominada por Hall como construtivista, embora
fundamentada por autores estruturalistas, baseada em teorias da lingustica,
e reconhece o carter pblico e social da lngua.
37
O principal pensador desta tese o linguista suo Ferdinand Saussure.
Em seu Curso de lingustica geral, compilao pstuma de suas aulas, feita por
alunos, Saussure analisa aquilo que ele trata como signo: a representao
sonora, psquica e/ou escrita, aquilo que existe no mundo real, usada quando
se quer comunicar algo, ou seja, uma palavra. Para Saussure, o signo
composto por duas faces: a sonora e a psquica. Toda a representao sonora,
ou imagem acstica, denominada como significante, e toda a representao
visual, o conceito, como significado. O signo, a palavra, arbitrrio, porque os
objetos, sentimentos e aes, no significam sozinhos, quem d significado a
eles o grupo que compartilha uma mesma lngua. Logo, ela s funciona
porque compartilhada (SAUSSURE, 1970). O estudo saussuriano chamado
de social, pois entende a lingustica como uma cincia que estuda a lngua
em uso na sociedade. William Labov (2008, p. 217), no entanto, critica esta
posio. Para ele [os linguistas] insistem em que as explicaes dos fatos
lingusticos sejam derivadas de outros fatos lingusticos, no de quaisquer
dados externos sobre comportamento social. Gregory Guy (1995, no
paginado) critica a dicotomizao de Saussure. Para ele, a dicotomia
lngua/fala divorcia a estrutura abstrata sistemtica da linguagem de seu uso
concreto e, para muitos fins, privilegia a estrutura como foco principal da
disciplina. Um dos principais pontos criticados por Guy a dicotomia
saussuriana de diacronia e sincronia. Na teoria do linguista suo, a lingustica
sincrnica descreve a lngua numa esfera de tempo determinada, busca
explicaes sobre a competncia do falante (a capacidade de se comunicar em
sua lngua materna), e no analisa seu conhecimento histrico sobre a lngua.
J uma pesquisa diacrnica, ou histrica, procura explicar a mudana
lingustica ao longo do tempo, como a lngua chegou ao ponto no qual est.
Para Guy (Ibidem), essa estratgia de desenvolvimento de uma teoria no
parece ter sentido, dado que sabemos que todas as lnguas esto sempre
mudando. O autor lembra que a mudana lingustica contnua e, que,
portanto, uma anlise que deixa de lado algum dos aspectos, ou o histrico ou
o contemporneo, falha.
Vale ressaltar, aqui, a essencialidade da lngua para o desenvolvimento
das representaes. Uma ideia s pode circular entre um grande grupo de
38
pessoas com a existncia de uma lngua, ou at mesmo da linguagem (a de
sinais ou notas em uma partitura musical, por exemplo) comum. Aqui, a crtica
de Guy pode ser relacionada ao uso de uma mesma lngua por diferentes
geraes: muitas vezes, o vocabulrio, expresses e construes frasais
variam tanto ao longo do tempo que podem causar dificuldade de compreenso
entre dois falantes nativos. Logo, a constituio de imagens necessariamente
ligada ao compartilhamento de significados e, portanto, a lngua considerada
tambm um sistema representacional, e a representao uma parte essencial
do processo de produo e compartilhamento de significado entre membros de
uma mesma cultura (HALL, 1997).
A representao conecta significado e lngua, ou linguagem, cultura.
Em outras palavras, a produo de sentido atravs da lngua, o que reflete
diretamente sobre a cultura. Hall (Ibidem, p. 3) lembra que a cultura, mesmo
que compartilhada, composta por uma grande variedade de interpretaes e
formas de representao. O autor cita, por exemplo, a expresso facial: ela
representa alguma emoo. Assim, comunica algo que pode ser interpretado
por outra pessoa, e a emoo expressa s pode ser interpretada se locutor e
interlocutor compartilharem a mesma ideia sobre o significado da tal expresso
facial. A capacidade de interpretao, o fato de existir uma cultura comum, o
que diferencia a capacidade social do ser humano da capacidade de vida em
conjunto de outros animais. A cultura, portanto, no uma reao biolgica,
porque foi criada pelo homem. Hall (Ibidem, p. 3) define:
A cultura [...] est envolvida em todas as prticas que no so apenas geneticamente programadas em ns como o reflexo do joelho ao ser batido mas que carregam significados e valores para ns, os quais precisam ser interpretados significativamente por outras pessoas, ou que dependem do significado para sua funcionalidade
efetiva (HALL, 1997, p. 3) (grifos do autor) 35.
A representao, expressa por uma lngua ou linguagem comum, forma
a cultura. Para Hall, a representao passvel de interpretao, devido ao
compartilhamento de conhecimento atravs da cultura. Para um ocidental, sem
conhecimento prvio sobre o assunto, a imagem de um deus hindu (com mais 35 Traduo nossa. No original: Culture [...] is involved in all those practices which are not simply genetically programmed into us like the jerk of the knee when tapped but which carry meaning and value for us, which need to be meaningfully interpreted by others, or which depend on meaning for their effective operation
39
de dois braos, corpo de humano e cabea de elefante) pode parecer uma obra
de arte dadasta, porque no h compartilhamento de cultura. Da mesma forma
que a imagem criada quando se fala sobre determinado assunto, a Amrica
Latina, por exemplo, pode variar totalmente de acordo com nacionalidade,
classe social ou nvel de educao formal.
Esta breve introduo busca posicionar este trabalho na esfera da
anlise das representaes, cuja formao e veiculao centralizada no
trabalho da mdia. Muitas vezes, no entanto, essa funo pode acabar gerando
distores na realidade e ter como consequncia o preconceito, o esteretipo e
a desinformao. Por outro lado, como observa Soares (2007, p. 53), as
representaes no jornalismo se dariam necessariamente como
enquadramentos, o que no significa um julgamento moral sobre a prtica
jornalstica em si, mas a admisso de uma contingncia prpria do trabalho
jornalstico.
Na seo a seguir, veremos como as representaes se inserem no
mbito do jornalismo. Logo depois, veremos o trabalho do correspondente
internacional, especialmente naquilo que diz respeito as suas fontes e suas
rotinas de produo, o panorama desta editoria em veculos alemes e a
relao do trabalho destes jornalistas com o pas sobre o qual escrevem, e, por
consequncia, os esteretipos que podem veicular.
2.1. Representaes no jornalismo
Nesta seo, sero apresentados diferentes pontos de vista sobre a
definio de representao e sua aplicao. As diferentes vises sobre a
representao permitem entender a formao do esteretipo, ponto central
neste trabalho. Apesar da observao a partir de diferentes ticas, este
trabalho se baseia no entendimento de que o jornalismo representa uma
realidade fragmentada, ou seja, faz um recorte ao noticiar um fato mesmo
que procurando contextualiz-lo histrica e socialmente e o repassa ao
receptor, impregnado pelo ponto de vista do reprter, com seus valores e sua
cultura, o que pode ligar a representao da tal realidade com um esteretipo
do assunto relatado.
40
O jornalismo trabalha diariamente com representaes. Nesta rea, o
objeto original o fato, e tudo aquilo que for publicado sobre ele, seja
impresso, em vdeo ou udio, uma representao. O que ser contado mais
tarde pela imprensa sobre qualquer evento uma representao, que procura
se aproximar o do fato ocorrido, dando voz aos envolvidos, e mostrando o
mximo possvel de verses sobre o assunto. Mesmo assim, o fato
propriamente dito nunca se repetir, simplesmente porque j aconteceu em
determinada circunstncia e espao de tempo irrepetveis.
Assim, atravs de representaes verossmeis, a imprensa constri
aquilo que seu maior capital: a credibilidade (BERGER, 1998). A
credibilidade construda no interior do jornal assim como um rtulo ou uma
marca que deve se afirmar, sem, no entanto, nomear-se como tal (idem, p.
21). A autora analisa que este capital da imprensa tem a ver com persuadir o
leitor atravs da construo de um efeito de verdade, que se atinge pela
linguagem, por argumentos de autoridade, testemunhas e/ou provas. A
representao do fato, em forma verossmil, faz com que o leitor forme
imagens do acontecimento e, assim, crie sua prpria verso. Mais do que
atravs de fotografias e vdeos, a representao que mais pede a participao
do leitor, que mais permite uma interpretao prpria, aquela feita pela mdia
impressa. Para Walter Lippman (2008, p. 29), o nico sentimento que algum
pode ter acerca de um evento que no vivenciou o sentimento provocado por
sua imagem mental daquele evento.
Baseado apenas naquilo que um texto conta, permitido ao leitor, e at
necessrio, reproduzir o fato em sua mente, de acordo com seu conhecimento
prvio sobre o assunto e sua viso de mundo, sua cultura. Berger (Ibidem, p.
26) observa que todo processo de produo discursiva , ao mesmo tempo,
um processo de recepo, e que todo processo de recepo implica, por sua
vez, o comeo de uma nova cadeia de construo de significantes. J para
Luiz Gonzaga Motta (2009, p. 4), as narrativas passam a ser compreendidas,
no apenas como representao das coisas nem como constructos culturais,
mas prticas de empalavramento sucessivo da realidade para enfrentar a
complexidade do mundo. Para o autor, a narrativa, que aqui se refere a
qualquer forma de contar uma histria, no apenas nos moldes jornalsticos,
41
uma forma de experimentao da realidade cotidiana, e atravs desta
experimentao que se produz o senso comum.
No jornalismo brasileiro, especialmente no dirio, mas tambm em
revistas informativas semanais, a orientao de no adjetivar substantivos e de
escrever de forma simples, direta, evitando ao mximo expressar sua opinio,
teoricamente, d margem para que o leitor complete o texto, e experimente
o mundo conforme sua prpria bagagem cultural. O texto, acompanhado de
uma fotografia, refora ainda mais a ideia de verossimilhana. Mesmo
atualmente, com a possibilidade de manipulao digital de foto e vdeo cada
vez mais facilitada, uma imagem ainda capaz de persuadir o receptor de que
o que o fato realmente aconteceu assim como exposto pela notcia. Para
Lippman (2008, p. 93), as fotografias tm o tipo de autoridade sobra a
imaginao hoje, da mesma forma que a palavra impressa tinha ontem, e a
palavra falada tinha antes ainda. Elas parecem completamente reais.
Luiz Gonzaga Motta, Gustavo Borges Costa e Jorge Augusto Lima
(2004, p. 36-37) observam, ainda, que, para entender uma representao
jornalstica, importante observar o conjunto de informaes sobre o objeto
estudado. Do ponto de vista de sua existncia, a narrativa no tem uma
existncia independente, visto que aparece em um universo povoado por
imagens e outras narrativas, no qual se integra (Ibidem, p. 37-38). Aqui, os
autores tambm ressaltam, alm da produo jornalstica, a necessidade de
levar o ponto de vista do receptor em conta, j que, como apresentado
anteriormente, a cultura balizadora de interpretaes.
Marcondes Filho (1986, p. 19) observa que no h ao ou
envolvimento possvel do receptor das notcias se estas no forem associadas
sua realidade especfica. O pesquisador afirma que a fragmentao da
realidade, promovida pela imprensa, a lgica [...] de desorganizar qualquer
estruturao racional da realidade e jogar ao leitor o mundo como um
amontoado de fatos desconexos e sem nenhuma lgica interna (Ibidem, p.
18), responsvel por cultivar a passividade. Marcondes Filho expe dois
sistemas produzidos pela comunicao de massa: o imaginrio e o de
realidade. O primeiro diz respeito s novelas de televiso, filmes e literatura,
42
enquanto no segundo, que segue um princpio de realidade, se encaixam
documentrios, reportagens, resenhas, debates, enfim, a produo jornalstica.
O autor aponta que a imprensa joga com estes dois lados, um que promete
felicidade, tranquilidade, prosperidade, e outro que mostra a dificuldade da
vida real, para equilibrar o noticirio e, assim, incentivar permanentemente a
passividade, a acomodao e a apatia em seus receptores (Ibidem, p. 15).
A representao do sistema realidade, de forma fragmentada, tem
como consequncia a formao de uma imagem igualmente fragmentada.
As determinaes histrico-estruturais dos fenmenos, como responsveis pelas ocorrncias no que se refere poltica e economia sobre o dia-a-dia so desprezadas. Os fatos aparecem soltos, sem relacionamento com fatores internos macro-sociolgicos da realidade (Ibidem, p. 43).
Outra crtica s representaes parte de Soares (2007, p. 53) que,
apesar de entend-las como necessrias e como sendo produtos secundrios
naturais do jornalismo, compara as representaes miditicas com
representaes cientficas e populares. Como exemplo, citada a imagem da
mulher na publicidade, que raramente condiz com os padres populacionais
regulares. Segundo o autor, atravs destas imagens distorcidas, a mdia pode
exceder um limite ou intervalo aceitveis e provocar desrepresentao.
Joo Freire Filho (2004) trabalha com esta ideia para criticar a formao
de esteretipos. Os significados veiculados pelas representaes constroem
os lugares a partir dos quais os indivduos podem se posicionar e a partir dos
quais podem falar (WOODWARD, 2000, p. 17). Porm, se, por um lado, os
esteretipos podem ser um modo necessrio de processamento de
informao, sobretudo em sociedades altamente diferenciadas; como uma
forma inescapvel de criar uma sensao de ordem em meio ao frenesi da vida
social e das cidades modernas (LIPPMAN, 1965 apud FREIRE FILHO, 2004,
p. 46), por outro, representaes simplificadas, parciais e seletivas podem ser o
ponto de partida para o desencadeamento de comportamentos racistas,
xenfobos ou de discriminao social ou sexual. De acordo com Freire Filho,
o esteretipo [...] reduz toda a variedade de caractersticas de um povo, uma raa, um gnero, uma classe social ou um grupo desviante a alguns atributos essenciais supostamente fixados pela natureza. Encoraja, assim, um conhecimento intuitivo sobre o Outro,
43
desempenhando papel central na organizao do discurso do senso-comum (FREIRE FILHO, 2004, p. 47).
Outro ponto importante a ser tratado sobre esteretipos a partir de
onde ele criado. A mdia brasileira, por exemplo, apresenta os
acontecimentos internos do pas, sejam eles polticos, econmicos, sociais ou
ambientais, de forma a informar. Mas, internamente, a imprensa pode criar
representaes sobre regies que causam desinformao e discriminao (por
exemplo, a ideia de que no Rio Grande do Sul o tempo sempre frio ou de que
o Nordeste subdesenvolvido em comparao a outros estados), e todos os
demais eventos de todas as editorias de um veculo jornalstico. O mesmo, a
criao de identidades distorcidas, pode acontecer no mbito internacional. Ao
veicular apenas notcias sobre a chamada Primavera rabe e associ-la ao
Oriente Mdio como um todo, a mdia contribui para a massificao da
identidade de povos distintos, mas que, por razes polticas, geogrficas e
socioeconmicas, vive um perodo parecido, mas no idntico. No se pode
exigir que um jornal dirio ou uma revista semanal de atualidades publique
informaes que abordem todos os assuntos de um pas estrangeiro. Afinal,
esta a funo de um jornal nacional do tal pas e no da seo Internacional
de um veculo estrangeiro. No entanto, a publicao que aborda apenas um
aspecto dos fatos e da cultura, contribui para a formao de uma imagem
unidimensional do representado,
pois o ambiente real excessivamente grande, por demais complexo, e muito passageiro para se obter conhecimento direto. No estamos equipados para tratar com tanta sutileza, tanta variedade, tantas modificaes e combinaes. E embora tenhamos que agir naquele ambiente, temos que reconstru-lo num modelo mais simples antes de poder manej-lo. Para atravessar o mundo, as pessoas precisam ter mapas do mundo (LIPPMANN, 2008, p. 31).
O marxismo provavelmente no /foi posto em prtica conforme aquilo
que Karl Marx escreveu em O capital, mas sim conforme as diversas
interpretaes de quem leu aquilo que foi escrito. Do mesmo modo, todos os
dias se lem, se ouve e se assiste a representaes de assuntos que no
fazem parte do nosso cotidiano, da nossa cultura, do nosso conhecimento, e,
para interpret-los, se recorre a um banco de informaes pessoal, atravs do
qual nos apropriamos dos dados que recebemos. Se, por um lado, as
representaes so necessrias, conforme sustenta Lipmann, por outro, o risco
44
de que elas gerem preconceito e desinformao grande, como contrape
Freire Filho. Se, ao mesmo tempo em que as representaes e a formao de
esteretipos so necessrias e consequentes, naturais da produo do
jornalismo, preciso observar criticamente a narrativa, para que no se veicule
formas preconceituosas do outro.
2.2. Jornalismo Internacional: como representar interculturalmente
O trabalho do correspondente internacional , resumidamente, traduzir
os acontecimentos de determinado pas estrangeiro para seus leitores na terra
natal. Porm, mais do que simplesmente passar informao sobre poltica,
economia, desastres naturais, esporte e sociedade do exterior, o trabalho do
jornalista, neste caso, consiste em contribuir para a formao da imagem do
pas no qual est trabalhando (embora isto no seja propriamente reconhecido
em tais termos). Com esta funo, de acordo com a escolha e a realizao da
pauta, o reprter pode ou contribuir para a difuso do conhecimento e
entendimento entre povos ou para a consolidao de esteretipos. A rotina de
produo de um correspondente internacional pode ser cansativa, j que ele
o responsvel por cobrir qualquer acontecimento de relevncia no pas que
tambm seja de interesse do leitor estrangeiro e, s vezes, no continente
onde est sediado. No entanto, a escolha da informao relevante e do
enfoque atravs do qual ser contada, no depende s da viso de mundo e
da rotina do profissional.
O jornalista internacional est ligado a um veculo de mdia que, como
qualquer empresa, tem interesses e visa ao lucro. Como o jornalista o
produtor da notcia que vai gerar o lucro, importante para a empresa que os
pontos de vista estejam alinhados. Jaap Van Ginneken (1998 apud SILVEIRA,
2012) observa que a relao do correspondente com a redao-sede serve
para evitar que o jornalista gradualmente perca a perspectiva do pas-sede,
adote aquela do pas anfitrio, venha a se identificar demais com ela e se torne
talvez complacente ou sujeito a presso (Van Ginneken, 1998, p. 133 apud
Silveira, 2012, p. 6). Porm, manter um profissional correspondente e alinhado
no exterior uma opo cara. Uma forma de manter o noticirio estrangeiro em
pauta, e assim fidelizar leitores interessados na editoria, o uso de informao
produzida por agncias de notcias, que, segundo Joo Batista Natali (2004, p.
45
31), do viabilidade econmica ao noticirio internacional. Segundo o autor, o
texto distribudo s centenas de jornais que assinam este servio sai muito
mais barato do que o texto de um enviado especial ou a manuteno de um
correspondente no exterior. Mas, por outro lado, o fato de um veculo de mdia
dispor deste profissional deslocado passa a ser um diferencial em seu
contedo (Ibidem). Para o autor, como as agncias distribuem notcias para
pases das mais diferentes culturas, elas correm o risco de se tornarem
apartidrias e at mesmo desinformativas. Natali pondera que a deciso de dar
nfase a um aspecto, em detrimento de outro, numa cobertura de guerra, por
exemplo, uma postura de mercado, no uma deciso tica. Afinal, a
empresa-agncia de notcias no deseja desagradar a este ou quele
comprador. Desta forma, a distribuio massiva, internacional e intercultural de
um nico ponto de vista sobre determinada situao alm das fronteiras, corre
o risco de se tornar rasa e desinformativa. Silveira (2012, p. 6) entende que as
agncias de notcias, fundadas para atender o mundo financeiro (NATALI,
2004), so controladas por uma elite poltica e econmica [banqueiros,
investidores, empresrios] [...] [que] determina o que ser produzido por uma
elite miditica [as agncias], ao mesmo tempo em que a subdisia. Segundo
ela, para que esse investimento nas agncias acontea, necessrio que elas
conquistem e fidelizem seus clientes (seus patrocinadores), e no se oponham
a seus interesses.
Elas precisam, [...] selecionar aspectos da realidade com os quais o maior nmero de clientes possa concordar, ou seja, devem definir como notcia aquilo que no desdiga nem contradiga o que seus clientes j pensam (SILVEIRA, 2012, p.6).
Outro fator importante que acompanha a editoria Internacional o
prprio leitor. Como vimos anteriormente, as representaes s podem ser
consolidadas com a participao de algum que as receba e lhes d
significado. A comunicao tambm s existe se houver emissor e receptor
(MATTELART, 2005; HOHLFELDT et. al, 2002). Natali (2004, p. 55) observa
que este receptor um leitor que possui critrios menos provincianos e mais
metropolitanos de interesse. A partir disso, pode-se dizer que so pessoas que
formam opinio. Mais um motivo para que as informaes que ali constam no
consolidem esteretipos negativos.
46
Para Natali (2004, p. 63), o noticirio internacional est exposto a uma
mar cada vez mais invasora de fetichizao. Ele cita como exemplo a
cobrana de editores pela cobertura da vida de celebridades, e define esta
prtica como um dos estados patolgicos, uma espcie de aberrao
constante do meio. Para ele, o fetiche uma das portas que leitores de menor
escolaridade utilizam para ter acesso s notcias (Ibidem), e cita
especialmente os Estados Unidos como fonte